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DISCIPLINA DE RADIOLOGIA – UFPR MÓDULO ABDOME – AULA 2 AVALIAÇÃO INTESTINAL POR TC E RM Prof. Mauricio Zapparoli Neste texto abordaremos protocolos de imagem dedicados para avaliação do intestino delgado através de tomografia computadorizada (TC) e ressonância magnética (RM), e uma técnica de exame por TC para avaliação do cólon, chamada colonoscopia virtual. ENTEROGRAFIA por TC e RM A avaliação por imagem do intestino delgado pode realizada por trânsito intestinal, tomografia computadorizada (enterotomografia) e, atualmente, também por ressonância magnética (enterorressonância). O intestino delgago é o segmento do trato gastrointestinal menos acessível por estudos endoscópicos, o que torna a avaliação por métodos de imagem especialmente importante. A enterografia por TC ou RM combina a utilização de grandes volumes de contraste oral para distensão intestinal e imagens de alta resolução espacial com reconstruções multiplanares, adquiridas pela TC multidetectores e aparelhos de RM modernos. Sua principal indicação é a avaliação e acompanhamento de pacientes em que se suspeita ou que já apresentam diagnóstico confirmado de doença inflamatória intestinal, especialmente a doença de Crohn, que em geral apresenta maior comprometimento do intestino delgado. Outras indicações menos frequentes são: avaliação de sangramento gastrointestinal obscuro, suboclusão intestinal, angina mesentérica e pesquisa de neoplasias. A principal diferença da enterografia para exames de TC ou RM convencionais de abdome é a distensão de alças de intestino delgado através da utilização de contraste oral antes do exame, visto que alças colabadas podem obscurecer lesões intraluminais ou mimetizar espessamento e áreas de realce aumentado de segmentos intestinais. A utilização de contraste iodado endovenoso na TC e de gadolínio endovenoso na RM também é muito

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DISCIPLINA DE RADIOLOGIA – UFPR

MÓDULO ABDOME – AULA 2

AVALIAÇÃO INTESTINAL POR TC E RM

Prof. Mauricio Zapparoli

Neste texto abordaremos protocolos de imagem dedicados para avaliação

do intestino delgado através de tomografia computadorizada (TC) e ressonância

magnética (RM), e uma técnica de exame por TC para avaliação do cólon,

chamada colonoscopia virtual.

ENTEROGRAFIA por TC e RM

A avaliação por imagem do intestino delgado pode realizada por

trânsito intestinal, tomografia computadorizada (enterotomografia) e,

atualmente, também por ressonância magnética (enterorressonância). O

intestino delgago é o segmento do trato gastrointestinal menos acessível por

estudos endoscópicos, o que torna a avaliação por métodos de imagem

especialmente importante.

A enterografia por TC ou RM combina a utilização de grandes volumes

de contraste oral para distensão intestinal e imagens de alta resolução

espacial com reconstruções multiplanares, adquiridas pela TC multidetectores e

aparelhos de RM modernos. Sua principal indicação é a avaliação e

acompanhamento de pacientes em que se suspeita ou que já apresentam

diagnóstico confirmado de doença inflamatória intestinal, especialmente a

doença de Crohn, que em geral apresenta maior comprometimento do intestino

delgado. Outras indicações menos frequentes são: avaliação de sangramento

gastrointestinal obscuro, suboclusão intestinal, angina mesentérica e pesquisa

de neoplasias.

A principal diferença da enterografia para exames de TC ou RM

convencionais de abdome é a distensão de alças de intestino delgado através

da utilização de contraste oral antes do exame, visto que alças colabadas

podem obscurecer lesões intraluminais ou mimetizar espessamento e áreas de

realce aumentado de segmentos intestinais. A utilização de contraste iodado

endovenoso na TC e de gadolínio endovenoso na RM também é muito

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importante para demonstrar alterações da vascularização do intestino,

aumentando a sensibilidade para detecção de lesões.

Existem diferentes tipos de contraste oral que podem ser utilizados para

realização da enterotomografia. Os contrastes orais da TC podem ser dividos

em positivos (iodados e baritatos) e neutros (polietilenoglicol e manitol). Os

contrastes positivos deixam o conteúdo intestinal denso e os contrastes neutros

(também chamados negativos) apresentam densidade de água. Os contrastes

neutros são preferíveis pois permitem identificar o realce da mucosa intestinal

após a injeção do contraste endovenoso, sendo este dado muito importante

para detecção e caracterização de lesões (Figura 1).

Figura 1: Contrastes positivos e neutros (negativos) para realização de

enterotomografia. Contrastes neutros permitem a identificação do realce mucoso.

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Na enterorressonância também se utiliza contraste oral para obter

distensão intestinal, sendo as soluções de polietilenoglicol ou manitol as mais

frequentemente utilizadas. Na RM o conteúdo intestinal ficara com intensidade

de sinal de água (hiperintenso em T2 e hipointenso em T1), e são utilizadas

sequencias de imagens de rápida aquisição para evitar artefatos decorrentes do

peristaltismo intestinal (Figura 2).

Figura 2: Imagens de enterorressonância normal no plano coronal. Notar distensão

de alças intestinais por solução de polietilenoglicol, hiperintensa em imagens

ponderadas em T2 (HASTE e TRUE-FISP) e hipointensa em sequencias

ponderadas em T1 com saturação de gordura, pós-contraste endovenoso (3D GRE

GAD).

A enterotomografia e a enterorressonância são exames importantes para

auxiliar no diagnóstico e acompanhamento da doença de Crohn. Em

comparação com o trânsito de intestino delgado esses exames apresentam

sensibilidade e especificidade superiores. Quando comparada ao estudo por

cápsula endoscópica a enterotomografia apresenta sensibilidade comparável e

maior especificidade para detecção e caracterização de lesões. Além disso a

cápsula endoscópica é contraindicada em pacientes com suspeita de

suboclusão por estenose intestinal, o que não representa contraindicação a TC

ou RM.

Estudos endoscópicos são mais sensíveis que exames de imagem para

identificação de inflamação leve, restrita a mucosa intestinal, porém podem não

identificar inflamações extra-entéricas. A combinação de um exame de imagem

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(enterotomografia ou enterorressoância) com um estudo endoscópico

(ileoscopia com biópsia) representa, portanto, uma boa estratégia para auxiliar

no diagnóstico de doença de Crohn.

A enterotomografia e a enterorressonância apresentam sensibilidade

comparável para identificar doença inflamatória intestinal em atividade e suas

complicações. A atividade inflamatória é caracterizada por espessamento

parietal e acentuação/estratificação do padrão de realce da alça intestinal

comprometida, ao que chamamos aspecto em “alvo” (Figura 3).

Figura 3: Caracterização de doença inflamatória em atividade. Espessamento

parietal com acentuação e estratificação do realce pelo contraste endovenoso

(“alvo”).

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A enterorressonância apresenta algumas vantagens importantes em

relação a enterotomografia, especialmente na avaliação de doença de Crohn.

Em primeiro lugar a RM não expõe o paciente à radiação ionizante, o que deve

ser levado em consideração especialmente em crianças e adolescentes. Além

disso sequencias de RM ponderadas em T2 permitem melhor identificação de

áreas de fibrose na parede intestinal decorrentes de inflamação crônica (ficam

hipointensas), e a RM é muito superior para avaliar pacientes com fístulas

perianais. As principais desvantagens da RM são o custo mais alto, maior

tempo de exame, e imagens mais suscetíveis a artefatos de movimento que

podem prejudicar bastante a qualidade do exame (ex. pacientes com dificuldade

em realizar apneias para aquisição das imagens). A principal vantagem da

tomografia computadorizada é a rápida aquisição de imagens com altíssima

resolução espacial (cortes muito finos que fornecem grande detalhe anatômico).

COLONOGRAFIA por TC (COLONOSCOPIA VIRTUAL)

Consiste na realização de tomografia computadorizada do abdome e

pelve com enfoque para avaliação do cólon, indicada especialmente no

rastreamento de neoplasias colorretais, como alternativa à colonoscopia ótica.

Para sua realização é essencial o preparo prévio do intestino através de

dieta sem resíduos e medicações catárticas no dia que antecede o exame. No

momento do exame é introduzida uma sonda retal através da qual se realiza a

insuflação do cólon com ar até que se obtenha distensão adequada,

semelhante ao que é realizado no enema opaco, porém sem utilização de

contraste baritado. Em seguida são adquiridas imagens do abdome e da pelve

em duas posições: decúbito ventral e decúbito dorsal. A aquisição de imagens

em dois decúbitos é necessária para melhorar a diferenciação entre resíduo

sólido e pólipos, e para permitir a avaliação de toda a circunferência do cólon.

Os volumes de imagens adquiridos são posteriormente processados em

uma estação de trabalho com software específico para navegação virtual no

lúmen do cólon, simulando o aspecto observado na colonoscopia ótica. O

radiologista pode então procurar por lesões polipoides ou áreas de estenose

que possam ser suspeitas para neoplasia (Figura 4). Este exame não permite

avaliação adequada do comprometimento da superfície mucosa do cólon por

doença inflamatória intestinal.

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Figura 4: Reconstruções tridimensionais de tomografia computadorizada do

abdome realizada com técnica de colonoscopia virtual demonstrando pequena

lesão polipoide no cólon ascendente.  

É um procedimento rápido de se realizar (cerca de 10 minutos de

duração), eficiente, reprodutível, com elevada acurácia para detecção de

pólipos maiores que 5mm (comparável a da colonoscopia ótica), e é bem

tolerado pelo paciente pois é minimamente invasivo. Geralmente não há

sedação do paciente nem restrição às atividades cotidianas após o término do

exame. Por outro lado o pós-processamento das imagens e interpretação

desses exames é trabalhosa e demorada, demandando bastante tempo e muita

atenção por parte do radiologista.

A principal desvantagem deste método em relação à colonoscopia

convencional é a impossibilidade de se realizar biópsia das lesões

identificadas. Além disso, se o preparo intestinal não for adequado a presença

de resíduo sólido no cólon pode simular ou obscurecer lesões. Suas vantagens

são a possibilidade de realização sem necessidade de anestesia ou sedação e

a avaliação de todo o cólon, mesmo naqueles casos em que lesões

estenosantes, doença diverticular ou acentuada redundância de alguns

segmentos cólicos impedem a progressão do colonoscópio convencional. A

colonoscopia virtual permite também a avaliação de lesões extra-intestinais que

não são identificadas na colonoscopia ótica, como por exemplo metástases

hepáticas.

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A seguir estão resumidas as principais indicações para realização de

colonoscopia virtual:

1. Rastreamento de câncer colorretal (detecção de pólipos);

2. Avaliação pré-operatória do cólon proximal em pacientes com tumores

estenosantes já diagnosticados no cólon distal;

3. Colonoscopia convencional incompleta por outros motivos como

acentuada tortuosidade do cólon ou doença diverticular, impedindo a

progressão do aparelho.  

Referências bibliográficas:

D’ippolito, G e Caldana, RP. Gastrointestinal – Série Colégio Brasileiro de

Radiologia e Diagnóstico por Imagem. Rio de Janeiro: Elsevier 2011.