Discurso e Representação - A Imagem Dos Candidatos de Oposição Na Pré-campanha de 2014 - Gustavo Paravizo

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    Discurso e representao: a imagem dos candidatos de oposio na pr-campanha de

    20141

    Gustavo Fernandes Paravizo Mira2

    Universidade Federal de Juiz de Fora

    RESUMO

    Este artigo analisa a construo do lugar de falados partidos de oposio ao governo do Partido dosTrabalhadores (PT), reeleito na sucesso presidencial brasileira h trs pleitos. O objetivo analisaras estratgias e os sentidos propostos pelas siglas contrrias nos Programas Partidrios Gratuitos dospr-candidatos Presidncia da Repblica, Acio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB). Paraisso, recorre-se aos trabalhos de Bernard Manin e Alessandra Ald com o intuito de verificarelementos que sinalizam a reconfigurao da representao poltica, o papel dos partidos e a maneirapela qual os cidados consomem informao poltica. Desta forma, a valorizao dos candidatos emdetrimento dos partidos a base para a compreenso do rearranjo do campo poltico orientadopela/para a mdia. Neste sentido, este trabalho prope-se a identificar, a partir da textualidade dosprogramas partidrios, os trs sentidos de maior recorrncia na fala dos pr-candidatos por meio dametodologia de Anlise de Contedo, proposta por Laurence Bardin. Considera-se que os programasveiculados antes da efetivao das candidaturas podem sinalizar semanticamente alguns termos dadisputa eleitoral, tendo em vista que candidatos e partidos fazem uso da mdia como palco discursivoperpassado por relaes de poder.

    Palavras-chave: Comunicao Poltica; Representao; Eleies 2014.

    A midiatizao de campanhas polticas tratada pela literatura (Manin, 1995; Ald, 2001)

    como um processo que acompanha e participa das transformaes do sistema representativo. A

    reconfigurao da funo partidria e a nfase no carter personalista so evidncias sintomticas da

    mudana de comportamento entre os agentes polticos e os eleitores no que se refere s prticas

    estabelecidas na democracia.

    A centralizao da disputa na figura dos candidatos, em contraposio organizao

    partidria, sinaliza a diferenciao entre a democracia de partido e a democracia de pblico3, e

    1Trabalho apresentado ao GT (1)Teorias e Interfaces da Comunicao, do XII Encontro Regional de Comunicao Juizde Fora (MG).

    2Cursa disciplinas do Programa Ps-graduao em Comunicao Social, na linha Comunicao e Poder, na UniversidadeFederal de Juiz de Fora. Graduado em Comunicao Social pela Universidade Federal de Viosa. E-mail:[email protected] dos trs modelos de democracia e representao discutidos por Bernard Manin no texto As metamorfoses do governorepresentativo, de 1995.

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    resguarda comunicao papel de destaque em funo dos novos arranjos sociais que modificam a

    lgica da poltica.

    Se at ento as deliberaes aconteciam de forma colegiada e cabia aos polticos reverberar

    no parlamento as resolues provenientes dos espaos de discusso do partido, o deslocamento dainfluncia ideolgica partidria para a comunicao de massa tambm modifica os mtodos e as

    tcnicas utilizadas na conquista do eleitorado.

    neste contexto que o ativista partidrio perde espao para o poltico comunicador que

    recorre s assessorias especializadas na manipulao de linguagens miditicas para promover uma

    imagem pblica ideal, [...] de uma posio poltica, transformando os discursos em espetculos

    prontos para o consumo dos espectadores (ROSSINI; LEAL, 2012, p.54). Desta forma, o voto

    passa a ter carter reativo ante a especificidade de cada pleito e fica suscetvel s estratgias

    discursivas da campanha.

    Assim, torna-se funo dos polticos oferecer pontos de discusso e alternativas, alm de

    propor termos de clivagem a um eleitor flutuante4a partir de pesquisas de opinio. De acordo com

    Ald (2001, p.15), os eleitores passam a ter maior interao com as especificidades de cada eleio,

    mais do que expressar suas identidades sociais ou culturais atravs de um voto segmentado partidria

    ou ideologicamente em clivagens duradouras. A escolha do eleitorado, ento, decorre da avaliao

    de aes relativamente independentes da classe poltica, permanentemente empenhada em identificar

    as questes que melhor fracionam o pblico para organizar e adaptar o discurso as suas perspectivas.

    A visibilidade proporcionada pela comunicao de massa, neste caso, tambm revela-se

    importante para o acompanhamento e avaliao da classe poltica, uma vez que o comportamento e

    os eventos de partidos e candidatos so modificados em funo de critrios de noticiabilidade

    (ALD, 2001, p.15). A credibilidade do poltico, nesse mbito, substitui a possibilidade de

    verificao de suas aes e compromissos de campanha.

    Alm disso, as campanhas constroem antagonismos de imagem que permitem aos eleitores

    distinguir os candidatos concorrentes. De acordo com Manin (1994), essas imagens constituemrepresentaes polticas simplificadas e esquematizadas dos candidatos. A importncia dessas

    representaes esquemticas, portanto, provm do fato de que boa parcela do eleitorado no est

    4Ald (2001, p.16) identifica o eleitor flutuante como aquele que passa a votar de acordo com a pauta de problemas equestes levantada a cada eleio, identificada pelos institutos de pesquisa e fartamente evidenciada pela cobertura

    jornalstica.

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    suficientemente capacitada para compreender os detalhes tcnicos das medidas propostas e as razes

    que justificam as suas escolhas.

    Por esta razo, so sugeridas representaes esvaziadas para solucionar o problema da

    desproporo entre os custos da informao necessria para se votar e a influncia que o eleitorespera exercer sobre o resultado das eleies (MANIN, 1995, p. 30). Em funo do declnio da

    identidade social ligada aos partidos e sua formao ideolgica, surge a necessidade de encontrar

    alternativas para a obteno de informao poltica papel que ser desempenhando em larga

    medida pela comunicao de massa.

    Formao discursiva e lugar de fala

    O discurso a principal ferramenta que a classe poltica dispe para atrair a ateno do

    eleitorado. As categorias semnticas movimentadas para estabelecer o contato com o pblico so

    fundamentais para determinar o lugar de onde falame o que falamos candidatos, tanto no contato

    direto com as pessoas como nos espaos miditicos, em que se fazem necessrias tcnicas de

    comunicao elaboradas.

    A partir desta perspectiva, a definio de formao discursiva5cunhada por Orlandi (2005,

    p.42) corrobora com a viso deste trabalho. Para ela, os sentidos so determinados por posies

    ideolgicas acionadas no processo social e histrico nos quais as palavras so empregadas. Desta

    forma, o encadeamento de diferentes formas lingusticas significantes pode originar enunciados

    distintos em funo do lugar de fala6que d origem aos sentidos (ALMEIDA, 2010, p.70).

    A aceitao de um discurso, neste mbito, depende no apenas de quem fala e em quais

    termos, mas da sua capacidade de dialogar com pblicos especficos em um ambiente cognitivo em

    que so definidos os limites para a adeso a determinadas condies de enunciao (ALMEIDA,

    2010, p.70). Neste sentido, Rossini e Leal (2012, p.54) argumenta que a busca por atalhos

    informacionais e o baixo nvel de envolvimento do eleitorado na poltica motivada pela diminuio

    da influncia ideolgica dos partidos justifica a estratgia dos candidatos de incorporarpersonagens para fornecer ao pblico quadros de referncia para a deciso do voto. Segundo Ald

    (2001, p.19):

    5Segundo Orlandi (2005, p.43), a formao discursiva se define como aquilo que numa formao ideolgica dada ou seja,a partir de uma posio dada em uma conjuntura scio-histrica dadadetermina o que pode e deve ser dito.6Relao em que o falante est autorizado a falar sobre algo e do modo como fala (ALMEIDA, 2010, p.70).

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    Os indivduos procuram justificativas vlidas para se orientar e agir num contextopoltico do qual, querendo ou no, so obrigados a participar e em relao ao qual, svezes contra sua vontade, precisam se posicionar. Para o cidado comum, aconstruo destas justificativas se apoia em discursos elaborados e recebidos.Discursos ao mesmo tempo informados e limitados pelos diversos quadros de

    referncia a que os cidados recorrem. O prprio processo de construo das atitudespolticas um processo comunicacional, uma vez que estes quadros de refernciamais ou menos importantes na elaborao das explicaes com que organiza omundo da polticatm natureza discursiva (ALD, 2001, p.19).

    Neste ponto, tambm importante destacar o papel central desempenhado pela televiso na

    constituio das preferncias polticas do eleitorado e na capacidade de dar suporte s relaes de

    poder advindas do campo da poltica. Para Weber (2010, p.163), em funo de sua abrangncia, a

    televiso capaz de estabelecer comunicao direta com o eleitor, alm de organizar o debate

    eleitoral como mediadora da discusso pblica.

    Tendo em vista a disposio de suas gramticas, o marketingpoltico articula conjuntos de

    aes que vo da anlise do contexto social, poltico, econmico e cultural, at a contratao de

    especialistas e a construo de planos estratgicos de mdia para elaborar a proposta enunciativa do

    candidato. A imagem, desta forma, enquanto sntese dos elementos do discurso, substitui o projeto

    poltico e ajuda a determinar uma marca que, segundo Schwartzenberg, (1977, p.12-13), permite

    conhecer ou reconhecer, criar e consolidar a notoriedade do poltico por servir como smbolo visvel

    e tangvel.

    Estratgias da oposio: de onde falam Acio Neves e Eduardo Campos

    A definio das estratgias comunicativas empregadas nas campanhas eleitorais tem incio

    muito antes da efetivao das candidaturas aos cargos eletivos. Ainda pouco estudadas pela

    literatura, as pr-campanhas constituem-se como perodo profcuo de anlise da articulao da classe

    poltica, tendo em vista os primeiros acordos, acertos, barganhas, retaliaes e compensaes

    decorrentes da preparao para as eleies (MARANHO, 2007, p. 16).

    Com vista aos aspetos semnticos sintetizados nos produtos desenvolvidos pelos pr-candidatos e suas respectivas coligaes, define-se como pr-campanha o perodo que antecede a

    efetivao das candidaturas para a Presidncia da Repblica e que coincide com incio da restrio

    propaganda partidria gratuita, encerrado em 10 de junho, conforme a Lei 9.066/95.

    De acordo com esta legislao que tambm ordena o funcionamento, a criao e as

    finanas dos partidos,o objetivo dos programas partidrios promover e divulgar mensagens aos

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    filiados dos partidos sobre a execuo das diretrizes partidrias e de eventos e atividades

    congressuais, bem como a posio da sigla a respeito de temas poltico-comunitrios. Alm disso,

    para que os partidos faam uso do tempo de dez minutos disponibilizado em rede nacional,

    necessrio que tenham elegido e mantenham filiados o mnimo de trs representantes de diferentesestados no Congresso Nacional.

    Na pr-campanha, candidatos e partidos movimentam-se com o objetivo de apresentar as

    primeiras agendas temticas e agregar atributos de credibilidade imagem de seus polticos,

    sobretudo em eleies presidenciais. Neste perodo, de acordo com Maranho (2007, p.16) os

    espaos miditicos so disputados diariamente por atores polticos interessados em maximizar a sua

    exposio e submeter-se apreciao do pblico.

    Nesta anlise, so estudados os programas dos partidos de oposio ao Partido dos

    Trabalhadores (PT), atualmente na Presidncia da Repblica, exibidos no horrio destinado a sua

    veiculao em rede nacional de rdio e televiso, entre s 19h30 e 22h. Para limitar o universo de

    presidenciveis analisados, foram selecionados os candidatos Acio Neves (PSDB) e Eduardo

    Campos (PSB)7em funo da maior porcentagem de ambos nas pesquisas inteno de voto entre os

    meses de maro e abril de 20148, perodo em que a maior parte dos programas partidrios foi

    exibida9. As estratgias discursivas construdas pelos candidatos foram verificadas tendo como base

    de dados as transcries dos programas partidrios e a posterior anlise das categorias semnticas

    que emergem do texto.

    Aplica-se, neste trabalho, as ferramentas de anlise de contedo propostas por Laurence

    Bardin (1977). Para a autora, esta metodologia tem como objetivo tomar em considerao a

    totalidade de um texto, passando-o pelo crivo da classificao e do recenseamento, segundo a

    frequncia de presena (ou de ausncia) de itens de sentido (BARDIN, 1977, p.36-37). Desta

    forma, permite-se a explorao dos textos em profundidade, desde os aspectos semnticos referentes

    aos sentidos presentes nas construes textuais at as formaes discursivas que participam da

    constituio de determinados lugares de fala.

    7Os partidos dispem de um programa de dez minutos e inseres que variam de 30 segundos a um minuto. Neste caso, soavaliados os programas de maior durao, cuja exibio acontece uma vez a cada semestre.8Na pesquisa de inteno de votos publicada pelo Instituto Datafolha em 7 de abril de 2014, Acio aparece com 16% eEduardo Campos com 10%. Na pesquisa referente ao ms de abril, publicada em 9 de maio, Acio soma 20% e Eduardocontabiliza 11%. No geral, os demais candidatos de oposio, mesmo que somados, no atingem a marca de 10%.9PSBD, PSB, PSTU, PSC, entre outros. O programa de Eduardo Campos foi exibido em 27 de maro e o de Acio Neves em17 de abril de 2014.

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    De acordo com Bardin (1977), esta vertente de anlise oferece seis tipos de mobilizaes

    tcnicas para o estudo do contedo nas comunicaes anlise categorial, de avaliao, de

    enunciao, de expresso, das relaes e do discurso , cuja principal funo colaborar com

    procedimentos que permitam a classificao dos elementos de significao constitutivos de umadeterminada mensagem (BARDIN, 1977, p.37).

    Ademais, privilegia-se a anlise categorial, tendo em vista que o seu emprego admite a

    organizao semntica de elementos prximos, seja por aspectos gramaticais ou de sentido (Bardin,

    1977, p.117). Para isso, utiliza-se o princpio da inferncia10como ferramenta bsica para a anlise

    dos dados e conhecimento dos termos propostos pelos pr-candidatos. Neste sentido, a articulao

    deste aparato terico-metodolgico com a textualidade aferida dos programas deu origem s

    categorias que sero discutidas neste estudo (ANEXO 1).

    De maneira geral, as estratgias argumentativas de Acio Neves e Eduardo Campos diferem-

    se e aproximam-se em diversos aspectos nos programas eleitorais gratuitos. Ambos procuram

    familiarizar-se com o eleitorado brasileiro (pulverizado em cinco macrorregies) a fim de pontuar os

    termos de discusso que lhes so caros para a disputa poltica, especialmente em funo da

    necessidade de projetarem suas imagens para alm de suas reas de influncia eleitoral.

    Com um tom argumentativo e aparentemente disposto a dialogar com as pessoas sobre o

    Estado e os problemas cotidianos do cidado no programa, Neves enfatiza sua trajetria poltica e

    descreve situaes desafiadoras enfrentadas enquanto agente poltico, que lhe exigiram posturas

    consideradas valorosas do ponto de vista tico-moral no exerccio de seus cargos pblicos. Campos,

    no entanto, opta por apresentar os valores de seu partido ao lado de sua candidata a vice-presidncia,

    Marina Silva, que nas eleies de 2010 alcanou nas urnas a marca de vinte milhes de votos e,

    inclusive, divide com Eduardo o protagonismo do programa. Fica evidente, a partir dessas

    exposies iniciais, que os pr-candidatos adotaram formaes discursivas diferentes para a disputa

    eleitoral. A dimenso das diferenas e semelhanas entre Acio e Campos, entretanto, fica mais

    aparente com a categorizao e a quantificao proposta para as unidades textuais11

    e semnticaselencadas pelos candidatos em seus produtos veiculados na mdia. Nas clivagens provenientes da

    10Inferncia, segundo Bardin (1977, p. 39) uma operao lgica, pela qual se admite uma proposio em virtude da sualigao com outras proposies j aceites como verdadeiras.11 Unidades textuais so fragmentos de texto que representam uma ideia com sentido completo. Quando o pr-candidatoAcio Neves, no contexto do programa, se prope a fazer um Brasil que seja de todos, a mensagem transmitida tem umsentido otimista em relao ao futuro do pas, por isso classificada como otimista na respectiva categoria.

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    anlise textual de ambos, foram enumeradas sete categorias presentes nos programas, e mais uma

    categoria especfica de cada pr-candidato, as quais ordenam as passagens de texto e sentido que

    constituem o material analisado. Contudo, sero discutidas neste trabalho as trs categorias mais

    empregadas por cada candidato: Reforo de Valores, Crtica ao Governo e Otimismo12. Foramcontabilizadas 48 mobilizaes de sentido em Acio Neves e outras 57 em Eduardo Campos, em um

    total de 105 ocorrncias.

    A categoria Crtica ao Governo, neste plano, rene os principais apontamentos de ambos os

    pr-candidatos em relao conduo do pas. Alm disso, sinaliza os termos do debate sugeridos ao

    eleitorado ao longo da campanha. Acio, por exemplo, utilizou-se da crtica ao governo 24 vezes, o

    que corresponde a 25,53% das suas mobilizaes de sentido. Entre outros trechos, o tucano afirmou

    que vivencia-se no Brasil denncias vergonhosas.

    Para ele, quando o governo vira o problema, a sade vira problema, a educao vira

    problema, a segurana pblica vira problema. Suas crticas tambm se espraiam para as

    manifestaes de junho de 2013. Para Acio Neves, o brasileiro no aceita mais passivamente o

    desgoverno, afinal, este um governo que no conversa, um governo que se omite nas questes

    essenciais como segurana e sade. Alm desses trechos, o senador tambm fez meno

    propaganda estatal, dificuldade de estabelecer dilogo com o governo, questes de infraestrutura,

    conduo de estatais como a Petrobras e a Eletrobras, e, especialmente, inflao, discutida direta e

    indiretamente em seis ocasies.

    Eduardo e Marina, ao seu turno, fizeram 19 crticas ao governo, com 21,34% das

    mobilizaes de sentido de seu programa. Os dois pr-candidatos, ex-ministros do Governo Lula e

    antigos companheiros de Dilma Rousseff, destacaram os contrassensos econmicos, sociais e

    ambientais da poltica energtica. Assim como Acio Neves, embora com foco na Petrobras,

    criticaram a conduo e a desvalorizao da estatal com citao nominal presidente, algo que no

    acontece no programa tucano, apesar de Acio compartilhar um iderio poltico mais distante de

    Dilma do que Eduardo Campos.Ainda que tenham citados os avanos de outros governos, Campos e Silva afirmam que o

    Brasil est numa trajetria de retrocessos. Segundo eles, governante que no ouve d as costas

    para o povo e ela [Dilma] poderia ter feito mais pelo Brasil, mas desmanchou o que estava

    12Outras categorias encontradas, cuja anlise sero analisadas em outros trabalhos, so: Capacidade de Gesto, TrajetriaPoltica, Capacidade de Dilogo, Mudana, Afetividade e Mrito de Outros Governos.

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    sendo feito. Tambm no faltaram referncias agenda socioambiental e inflao, citada trs

    vezes no programa e, naquele momento, frequentemente mencionada nos noticirios em funo dos

    sequentes aumentos no perodo analisado: 0,69 e 0,92%.

    Na categoria Reforo de Valores, os pr-candidatos elencam as caractersticas consideradasimportantes para governar o pas, desde aspectos tico-morais at propriedades e valores que o pas

    deve cultivar para desenvolver suas potencialidades. Esta categoria no se ope perfeitamente s

    crticas ao governo, mas indica quais so as premissas que norteiam as futuras agendas dos

    presidenciveis.

    Acio Neves faz uso destes sentido 20 vezes (21,27%) para afirmar a necessidade de

    planejamento e transparncia, tica e eficincia e boa aplicao do dinheiro pblico. Para ele,

    seriedade, integridade pessoal e honestidade de princpios so valores essenciais para uma

    gesto planejada e eficiente. Valores como a proteo das riquezas naturais, sustentabilidade e

    desenvolvimento sustentvel so alguns dos termos propostos por Eduardo Campos e Marina

    Silva. Com 20 sentidos mobilizados (22,47%), eles ressaltam a importncia de uma poltica em que

    sejam garantidos os valores democrticos, com vistas ao cuidado com o patrimnio humano e

    natural. Ambos repetem mntricamenteos termos luta e paz em cinco situaes, possivelmente

    como estratgia de fixao desses sentidos nas respectivas imagens.

    A terceira categoria mais recorrente no discurso dos pr-candidatos, contudo, difere-se

    significativamente das duas primeiras. Acio Neves faz a opo de valorizar os atributos que lhe

    credenciam a concorrer ao cargo de presidente ao reforar as suas habilidades como gestor pblico.

    Na categoria Capacidade de Gesto, o pr-candidato menciona 13 vezes (13,82%) os feitos de suas

    administraes e as medidas adotadas para solucionar os problemas financeiros do estado de Minas

    Gerais. De acordo com Acio, ocorreu poca de sua gesto o enxugamento da mquina pblica,

    a reduo do nmero de secretarias, de cargos comissionados, alm dos exemplos pessoais

    dados por ele e seus secretrios estaduais, como o corte do prprio salrio e o congelamento das

    remuneraes de todo o primeiro escalo. Neves ainda relembra a sua contribuio para o fim daimunidade parlamentar e narra uma situao em que teria devolvido cem milhes de reais ao

    Governo Federal, do ento presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

    Os esforos de Marina e Eduardo, por outro lado, concentraram-se na empreita de transmitir

    mensagens de otimismo sobre o brasileiro e em relao ao pas. So aferidas 18 unidades de sentido

    (20,22%) referentes categoria Otimismo. Enquanto Acio escolheu apresentar suas caractersticas

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    de gestor, Campos refere-se a si e a Marina como filhos da esperana em quatro trechos. Segundo

    ele, o brasileiro um povo alegre, mestio, misturado, guerreiro, generoso. Sua vontade ver o

    povo animado, reivindicando, sonhando, desejando, participando da poltica. Para Marina e

    Campos, o que une os dois no mesmo projeto o desejode o Brasil voltar a melhorar.No que se refere categoria Otimismo, Neves mobiliza quatro sentidos, 4,24%, os quais

    fazem referncia a construo de um Brasil que seja de todos. Mesmo com a problematizao, o

    pr-candidato afirma que o Brasil tem jeito, o Brasil tem muito jeito, afinal, extraordinrio o

    esforo e a capacidade produtiva da nossa gente. Acio, no entanto, compensa a baixa recorrncia

    nesta categoria com demonstraes de afetividade pelo Brasil e pelos brasileiros. Estes sentidos

    deram origem categoria Afetividade, com sete mobilizaes (7,44%). Nela, so destacados desde

    sentimentos pessoais como a dor pela morte de Tancredo, o sonho no realizado do av de Acio,

    at o amor enorme pelo Brasil. Tendo em vista a diferena de estratgias dos candidatos, percebe-se

    aqui, em funo da recorrncia nestas categorias, a guinada de Acio para valorizao de suas

    qualidades de gesto, com flexibilizaes que perpassam o sentimentalismo e o sonho que pode ser

    materializado, ao passo que Eduardo adota uma postura pragmtica e motivadora em relao ao

    povo brasileiro e suas expectativas polticas ligadas mudana e melhoria dos servios pblicos.

    Por fim, o fato de os programas serem exibidos na televiso faz com que os sentidos e as

    estratgias adotadas pelos pr-candidatos ganhem amplitude e penetrao e forneam ao eleitorado

    quadros de referncia capazes de orientar o seu posicionamento a respeito da disputa poltica e

    tambm a materializao de suas percepes para a deciso do voto.

    Consideraes finais

    O principal efeito colateral dos programas partidrios gratuitos, na concepo deste trabalho,

    pode ser observado na pesquisa de inteno de votos realizada pelo Instituto Datafolha aps a

    exibio das peas de ambos os pr-candidatos. Na sondagem13publicada em 9 de maio (referente a

    abril), Dilma Rousseff recua um ponto percentual em relao pesquisa anterior, na qual marcava38%; Acio Neves sobe quatro pontos percentuais e alcana a marca de 20%; Eduardo Campos, por

    sua vez, sobe um ponto e totaliza 10% das intenes de voto.

    13Disponvel em: . Acesso em: 16 ago. 2014.

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    A constatao de similitudes e contrastes existentes nas formaes discursivas auxilia na

    evidenciao de que as candidaturas fazem escolhas e assumem posicionamentos especficos ainda

    na pr-campanha. Desta forma, a constituio de sentido em torno da imagem dos pr-candidatos

    presume lugares de falaj na produo e veiculao das primeiras peas publicitrias, mesmo queos principais acertos polticos estejam sendo realizados nos bastidores.

    A partir desta compreenso, a anlise serviu como ferramenta de observao e ampliao das

    percepes a respeito dos programas partidrios gratuitos, cuja veiculao acontece em momento

    especial para as campanhas, nos quais so gestados alguns dos principais arranjos intrapartidrios e

    as primeiras referncias cognitivas voltadas ao eleitorado.

    Referncias BibliogrficasALMEIDA, Jorge. Lula, Serra e o luar de fala da mudana em 2002 . In: MIGUEL,Luiz Felipe, BIROLI, Flvia (Orgs). Mdia representao e democracia. So Paulo:Editora Hucitec, 2010, p.68-91.

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    MARANHAO, Mariane do S.B. O discurso poltico televisual da pr-campanha 2006:lgicas, estratgias e configuraes. Dissertao (Mestrado) - Centro de Cincias daComunicao), Universidade Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), So Leopoldo, 2007.

    MANIN, Bernard. As metamorfoses do governo representativo . In: Revista Brasileirade Cincias Sociais, n. 29, Ano 10, outubro de 1995.

    MIGUEL, Luiz Felipe, BIROLI, Flvia (Orgs). Mdia representao e democracia. SoPaulo: Editora Hucitec, 2010.

    ORLANDI, Eni P. Anlise do discurso: princpios e procedimentos . 6. ed. Campinas,SP: Pontes, 2005.

    SCHWARTZENBERG, Roger-Grard. O Estado Espetculo: Ensaio sobre e contra ostar systemem poltica. Crculo do Livro. So Paulo: 1977.

  • 7/21/2019 Discurso e Representao - A Imagem Dos Candidatos de Oposio Na Pr-campanha de 2014 - Gustavo Paravizo

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    ANEXO 1

    CATEGORIASA CIONEVES

    EDUARDOCAMPOS

    % A CIONEVES

    % EDUARDOCAMPOS

    Reforo deValores

    Elenca os valores consideradosimportantes pelo candidato paragovernar o pas.

    20 20 21,27% 22,47%

    Crtica aoGoverno

    Rene as crticas diretas ouindiretas ao governo. Reforam anecessidade mudana.

    24 19 25,53% 21,34%

    Otimismo

    Trechos e sentidos em que soreforadas caractersticas positivassobre o brasileiro e de otimismo emrelao ao pas.

    4 18 4,24% 20,22%

    Capacidadede Gesto

    Momentos em que so reforadascaractersticas positivas de gestoque supostamente o pr-candidato

    possui.

    13 5 13,82% 5,61%

    TrajetriaPoltica

    Trechos em que so rememoradosos cargos e as filiaes polticasdos pr-candidatos. Esforo paradar visibilidade ao capital poltico.

    12 8 12,76% 8,98%

    Capacidadede Dilogo

    Aglutina os trechos e sentidos queremetem ao dilogo com o povo e capacidade de articulao poltica.

    9 3 9,57% 3,37%

    Mudana

    Elenca os sentidos de mudana queemergem direta ou indiretamentedos discursos construdos no

    programa

    5 11 5,31% 12,35%

    Afetividade*

    Momentos em que soevidenciados aspectos afetivos do

    pr-candidato, sejam pessoais ouem relao ao pas.

    7 - 7,44% -

    Mrito deOutros

    Governos**

    Situaes em que so afirmadas asconquistas e os avanos de outrosgovernos, desde a retomada das

    eleies diretas.

    - 5 - 5,61%

    TOTAL 94 89 100% 100%

    *Categoria que emerge apenas no discurso de Acio Neves.** Categoria que emerge apenas no discurso de Eduardo Campos e Marina Silva.