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VIII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio de Janeiro, 19 a 22 de Julho de 2015 Realização: Unirio, UFRRJ e UFRJ 1 Discursos de EA na formação inicial de professores de ciências: tensões entre colonização e apropriação ; identidade e diferença. Sama de Freitas Juliani UFRJ - NUTES Laísa FreireUFRJ IB Dept. Ecologia Resumo O trabalho aqui apresentado é parte de uma dissertação em andamento e, buscou caracterizar as representações discursivas de Educação Ambiental (EA) de uma estudante de licenciatura em Ciências Biológicas. Entendemos como importante caracterizar os discursos de EA que circulam na formação inicial de professores de ciências, pois estes são constantemente “pressionados”, seja por políticas públicas, seja pela estrutura escolar, a abordar as questões e problemas socioambientais. Para isso, entrevistamos uma aluna do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), integrante de um projeto de extensão em EA, e analisamos o texto produzido utilizando como referencial teórico metodológico a Análise Crítica do Discurso. Como resultados principais apontamos os processos de hibridização marcados pela movimentação de discursos da prática social das Ciências Biológicas para a prática social da EA e como esse hibridismo privilegia representações discursivas de EA mais conservadoras. Palavras chave: Formação de professores, Ensino de Ciências, Análise Crítica do Discurso, Educação Ambiental Crítica. Abstract The following work is part of a dissertation in progress and aimed to characterize the discursive representations of Environmental Education (EE) of a degree student in Biological Sciences. We understand as important characterize the EE discourses circulating in the initial training of science teachers, since they are constantly "pressured", either by public policies, either by school structure, to address the issues and socio-environmental problems. Thereunto, we interviewed a student of pre-service teacher training of Biological Sciences of Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ), a member of an extension project in EE, and analyze the produced text, using as theoretical framework the Critical Discourse Analysis. As main results we point out the hybridization process marked by moving discourses of social practice of biological sciences to the social practice of EE and how that hybridity favors more conservative discursive representations of EE. Keywords: Teacher training, science education, Critical Discourse Analysis, critical environmental education. 1 Introdução O trabalho aqui apresentado é parte de uma dissertação em andamento e, buscou caracterizar as representações discursivas de Educação Ambiental (EA) de uma estudante de licenciatura em Ciências Biológicas integrante de um projeto de extensão em EA. O interesse nesse tema surge a partir de nossa participação no projeto de colaboração internacional entre Brasil e Colômbia intitulado Relações entre conhecimento científico e educação ambiental na formação inicial de professores de ciências: um estudo entre Brasil e Colômbiaque pretende entender as relações entre o conhecimento científico e a EA em espaços de formação inicial de professores de ciências. Em trabalhos anteriores, discutimos as diferentes formas com que a EA vem

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VIII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio de Janeiro, 19 a 22 de Julho de 2015

Realização: Unirio, UFRRJ e UFRJ

1

Discursos de EA na formação inicial de professores de ciências: tensões entre

colonização e apropriação ; identidade e diferença.

Sama de Freitas Juliani – UFRJ - NUTES

Laísa Freire– UFRJ – IB – Dept. Ecologia

Resumo

O trabalho aqui apresentado é parte de uma dissertação em andamento e, buscou

caracterizar as representações discursivas de Educação Ambiental (EA) de uma

estudante de licenciatura em Ciências Biológicas. Entendemos como importante

caracterizar os discursos de EA que circulam na formação inicial de professores de

ciências, pois estes são constantemente “pressionados”, seja por políticas públicas, seja

pela estrutura escolar, a abordar as questões e problemas socioambientais. Para isso,

entrevistamos uma aluna do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), integrante de um projeto de extensão

em EA, e analisamos o texto produzido utilizando como referencial teórico

metodológico a Análise Crítica do Discurso. Como resultados principais apontamos os

processos de hibridização marcados pela movimentação de discursos da prática social

das Ciências Biológicas para a prática social da EA e como esse hibridismo privilegia

representações discursivas de EA mais conservadoras.

Palavras chave: Formação de professores, Ensino de Ciências, Análise Crítica do

Discurso, Educação Ambiental Crítica.

Abstract

The following work is part of a dissertation in progress and aimed to characterize the

discursive representations of Environmental Education (EE) of a degree student in

Biological Sciences. We understand as important characterize the EE discourses

circulating in the initial training of science teachers, since they are constantly

"pressured", either by public policies, either by school structure, to address the issues

and socio-environmental problems. Thereunto, we interviewed a student of pre-service

teacher training of Biological Sciences of Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ),

a member of an extension project in EE, and analyze the produced text, using as

theoretical framework the Critical Discourse Analysis. As main results we point out the

hybridization process marked by moving discourses of social practice of biological

sciences to the social practice of EE and how that hybridity favors more conservative

discursive representations of EE.

Keywords: Teacher training, science education, Critical Discourse Analysis, critical

environmental education.

1 Introdução

O trabalho aqui apresentado é parte de uma dissertação em andamento e, buscou

caracterizar as representações discursivas de Educação Ambiental (EA) de uma

estudante de licenciatura em Ciências Biológicas integrante de um projeto de extensão

em EA. O interesse nesse tema surge a partir de nossa participação no projeto de

colaboração internacional entre Brasil e Colômbia intitulado “Relações entre

conhecimento científico e educação ambiental na formação inicial de professores de

ciências: um estudo entre Brasil e Colômbia” que pretende entender as relações entre o

conhecimento científico e a EA em espaços de formação inicial de professores de

ciências. Em trabalhos anteriores, discutimos as diferentes formas com que a EA vem

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sendo inserida em cursos de licenciatura a partir de um levantamento de literatura

(JULIANI et al., 2014) e discutimos a extensão como uma via promissora para essa

inserção ao analisarmos sentidos de EA presentes em textos produzidos por projetos de

extensão em EA (JULIANI; FREIRE, 2014). Aprofundando nossa discussão, no

presente texto nos filiamos ao referencial teórico-metodológico da análise crítica do

discurso (ACD) e apresentamos as análises preliminares de uma entrevista realizada

com uma licencianda em ciências biológicas participante de um projeto de extensão em

EA do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

1.1 Relações entre a educação ambiental e o ensino de ciências

Segundo Wals et al. (2014) a EA ganha visibilidade em meados da década de

1960 com o agravamento da crise ambiental. Nesse período, pesquisas em EA focavam

principalmente nas mudanças de comportamentos individuais, estabelecendo relações

lineares entre aquisição de conhecimento e mudança de atitudes em relação ao

ambiente. Para Layrargues e Lima (2011), essa característica inicial da EA ocorreu em

parte “porque a face mais visível da crise ambiental em seu princípio foi a destruição da

natureza e em parte porque as ciências ambientais ainda não estavam maduras o

suficiente para compreender a complexidade das relações entre sociedade e natureza.”

(LAYRARGUES; LIMA, 2011, p. 5). Atualmente, as pesquisas em EA têm investido

em entender os processos cognitivos, psicológicos, afetivos e culturais que possam

contribuir para o desenvolvimento de um pensamento crítico em relação às questões

socioambientais (WALS et al., 2014). Nesse sentido, alguns trabalhos como os de

Guimarães e Vasconcelos (2006), Carvalho (2007), Sauvé (2010) e Wals et al (2014)

vem apontando possibilidades de aproximações entre a EA e o EC como uma

possibilidade de associar o conhecimento científico proveniente do EC com as questões

transdisciplinares trazidas pela EA que visam repensar os modelos sociais, políticos e

econômicos que geram problemas socioambientais.

Wals et al. (2014) citam como exemplo a possibilidade de trabalhar a partir de

um “jardim comestível” questões relativas ao conteúdo de ciências como preparação do

solo, escolha de sementes, crescimento vegetal, de forma integrada com as questões

sociais que podem envolver uma horta, como a escolha individual por alimentos

saudáveis, produção de alimentos em nossa sociedade, bem como aumentar a integração

de diferentes atores sociais da escola e da comunidade local. Sauvé (2010) entende essa

relação de forma semelhante ao afirmar que o EC e a EA se complementam, pois o EC

promove o acesso aos fenômenos biofísicos e de meio ambiente proporcionando

conhecimentos técnicos que podem auxiliar no processo de tomada de decisão e a EA

considera outras questões sociais e/ou políticas, também envolvidos nos processos de

tomada de decisão, que extrapolam os conhecimentos técnicos científicos sobre dada

questão socioambiental.

Segundo Sauvé (2010), atualmente tem se reconhecido não só as possibilidades,

mas a necessidade de integração entre a EA e o EC. A interligação entre esses dois

campos desafia o EC a incluir nas propostas curriculares questões para além do

conteúdo tradicional das ciências, que envolvam práticas interessadas na formação de

pessoas com censo de cidadania critico-participativa (MARTINS et al., 2008).Também

desafia a EA que, por ser constituída por saberes de diferentes áreas do conhecimento,

como a ecologia, a sociologia, a economia, a filosofia (LEFF, 2001) e elementos

culturais, não possui em sua essência, linguagem e formas de atuação próprias da

prática social do EC.

Todavia, a partir de um entendimento menos linear desta relação entre EC e EA,

podemos afirmar que as relações entre esses dois campos não ocorre sem lutas e

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embates de natureza ideológica demandando abordagens sociológicas na pesquisa. Por

um lado, pesquisadores expoentes do EC como Wildson L.P. Santos e Demétrio

Delizoicov, ao pesquisarem diferentes correntes teóricas como o movimento ciência,

tecnologia e sociedade (CTS) letramento/alfabetização científica, questões sócio

científicas, temas controversos no ensino de ciências o aproximam das dimensões

sociais, as quais a EA vêm se debruçando (LOUREIRO, 2004). Por outro, o EC ainda

carrega práticas do paradigma de ciência moderna. Sobre isso Pinhão e Martins (2012)

afirmam que Infelizmente, nem os professores de ciências, nem seus colegas de outras

disciplinas recebem, em sua formação inicial, subsídios que possibilitem a

realização de um trabalho com estes temas que permitam ultrapassar a

dimensão da transmissão de conteúdos básicos da ciência moderna, voltados

apenas para aspectos morfológicos e funcionais. Por mais que, nas pesquisas,

exista uma tendência de inclusão de abordagens mais complexas para as

questões que relacionam saúde e ambiente, que valorize múltiplos fatores, na

escola isto ainda não é comum (PINHÃO; MARTINS, 2012, p. 833).

Segundo Leff (2009), a EA é ancorada em uma racionalidade ambiental, pois

“produz novas significações sociais, novas formas de subjetividade e posicionamentos

políticos ante o mundo”, e que, portanto, contribui para a desconstrução da

disciplinarização dos saberes, levando a uma visão mais holística dos conhecimentos

(LEFF, 2009). Neste caso, a EA não teria aportes teóricos apenas do conhecimento

científico e como campo, daria conta do enfrentamento das questões socioambientais.

Por fim, entendemos que as relações, descritas acima, entre os dois campos do

conhecimento inauguram práticas híbridas que podem ocorrer isentas de hierarquização

entre estes saberes, ou ser marcadas pela conformação da EA aos moldes da cultura

científica.

Segundo Martins et al. (2008), nesse cruzamento entre a EA e o EC, as pesquisas

dão mais destaque às contribuições da EA para o EC do que as contribuições do EC e

das ciências naturais para a EA. No entanto, entendemos que, apesar de não se

refletirem nas pesquisas do campo do EC, contribuições podem ser encontradas. Como

exemplo, podemos citar a influência do ambientalismo e das disciplinas ecologia e

conservação na consolidação do campo da EA na década de 1980 contribuindo para um

perfil inicial predominantemente conservacionista, com mais destaque para a esfera

“ambiental” que “educacional” (LAYRARGUES; LIMA, 2011), nas ações de

intervenção e nas pesquisas. A partir da década de 1990, podemos notar uma alteração

desse perfil, ao menos entre os educadores ambientais próximos ao núcleo orientador do

campo (LAYRARGUES; LIMA, 2011), que passam a considerar como importante

aportes teóricos de outros campos do conhecimento para se problematizar as questões

ambientais, e começam a categorizar diferentes sentidos de EA que disputam pela

hegemonia do campo.

Dentro da escola isso se reflete de diversas maneiras. Uma delas é a pressão

“silenciosa” que coloca nas mãos apenas dos professores de ciências a responsabilidade

por desenvolver projetos de EA ou de referenciá-la em suas aulas. Como as ciências

naturais, bem como seus modos de ação possuem mais status e tradição do que a EA

dentro da escola, ao se inserir em disciplinas científicas a EA acaba por sofrer

adequações que a associam muito mais a conteúdos ecológicos e conservacionsitas,

perdendo seu viés político e colaborando para a perpetuação de sentidos de EA

conservacionistas1 ou pragmáticos e se afastando da EA crítica.

1 Essa categorização da EA em três vertentes, conservadora, pragmática e crítica, é baseada no trabalho de

Layrargues e Lima (2011).

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Situações em que a EA é inserida em práticas de EC tradicionais implicadas

apenas na divulgação de determinados conhecimentos técnico-científicos, podem

reforçar sentidos de EA conservadora e/ou pragmáticas, por não discutir as esferas

econômicas, sociais e políticas envolvidas nos problemas socioambientais que afetam os

indivíduos participantes do processo educativo. Nessas ações, muitas vezes é

privilegiado o conteúdo ecológico sensibilizando os envolvidos para a beleza e

importância da “natureza” em prol de mudanças comportamentais. Sobre isso Loureiro

(2007) afirma que Esta, que aparentemente se mostra uma posição interessante, ignora os

intrincados processos de aprendizagem e a necessidade social de se mudar

atitudes, habilidades e valores e não apenas comportamentos. Acaba, assim,

por não associar as condições históricas à nossa ação individual em sociedade

e deixa de problematizar o fato de que nem sempre é possível fazer aquilo

que queremos fazer, tendo ou não consciência das implicações (LOUREIRO,

2007, p. 66).

No EC também é comum a naturalização da assunção de que a natureza existe

para ser explorada pelo ser humano, oriunda do paradigma de ciência moderna que

separa o humano da natureza. Nesse sentido, o EC pode contribuir para a reprodução de

discursos de EA do tipo pragmático que defendem formas “verdes” de atuação de

fábricas, empresas, hospitais, escolas e pessoas individualmente. Isso significa dizer que

essa vertente não questiona o atual modelo de desenvolvimento econômico desde que

sejam tomadas medidas preventivas para minimizar os problemas socioambientais

causados por esse próprio modelo.

Por outro lado, relações entre EA e EC que ocorram em práticas de EC que além

de trabalhar o conhecimento técnico científico discutem questões sociais, históricas,

políticas, econômicas, culturais, ambientais relacionadas a determinado conhecimento

podem contribuir para sentidos de EA crítica que buscam o enfrentamento político das

origens dos problemas socioambientais por meio do empoderamento dos atores sociais

(LAYRARGUES; LIMA, 2011).

Em resumo, podemos dizer que a polissemia em torno da noção de EA pode,

muitas vezes, aproximá-la da ciência ecologia o que contribui por um lado para a

integração com o EC, e por outro a afasta das questões sociais, econômicas e culturais

necessárias para ampliar a discussão da EA na escola.

1.2 Análise Crítica do Discurso

Diante das disputas ideológicas, apontadas acima, que ocorrem no processo de

integração entre a EA e o EC olhamos para essas questões por meio da Análise Crítica

do Discurso (ACD). Para Soler (2008) essa disciplina traz para as análises linguísticas

“as relações entre o contexto político, social e o discurso” (SOLER, 2008, p. 645)

contribuindo para a confirmação do papel da linguagem como fundamental na produção

e manutenção de relações de poder em nossa sociedade, ao mesmo tempo em que pode

atuar na emancipação dos indivíduos e na transformação da sociedade.

Mais especificamente, nos apoiaremos nos estudos de Norman Fairclough que

entende discurso como um dos elementos semióticos de práticas sociais

(CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999). Sendo práticas sociais as formas com que

pessoas que compartilham determinados locais e momentos históricos investem

recursos materiais e simbólicos para atuarem juntas no mundo. Assim, cada prática

social possui discursos próprios que as diferenciam entre si. Para a ACD interessa

entender processos de hibridização entre diferentes práticas que se se materializam

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discursivamente. A prática social que iremos investigar é a EA na formação inicial de

professores de ciências.

Chouliaraki e Fairclough (1999) discutem essas questões a partir do entendimento

de modernidade tardia como uma época de radicalização da modernidade onde ciência e

tecnologia são vistas como fontes geradoras de riscos, e a própria existência desses

riscos força a emergência e estabelecimento de sistemas de segurança considerados

confiáveis pela população, os conhecimentos técnico-científicos. Esses conhecimentos

estão fortemente cristalizados em nossa sociedade e possuem maior legitimidade que

conhecimentos locais e/ou tradicionais.

A modernidade tardia é caracterizada também pelo apagamento das fronteiras

espaço-tempo, culminando nos processos atuais de globalização, que promovem a

homogeneidade cultural por meio da colonização cultural de um determinado modo de

vida e, também, podem gerar mecanismos de resistência a essa “cultura global”

reafirmando ou criando identidades locais. Essas identidades, segundo Chouliaraki e

Fairclough (1999) são construídas discursivamente e profundamente interpeladas por

processos globais e tendências que indivíduos tem para se posicionar em relação a

própria construção de si mesmos.

A partir desse entendimento da modernidade tardia, Chouliaraki e Fairclough

(1999) sugerem algumas questões de interesse da ACD para compor uma agenda de

pesquisa. Essas questões são apresentadas como pares aparentemente contraditórios que

compõem o Discurso2 da modernidade tardia. Um desses pares é

colonização/apropriação. Com esse par é possível discutir as formas com que discursos

e gêneros se movimentam de uma rede de prática para outra. Esses movimentos podem

ocorrer de forma colonizadora e/ou num processo de apropriação, ou seja, sempre que

discursos ou gêneros de determinada prática social interpelam outra, ocorrem

recontextualizações por hibridismos onde processos de colonização e apropriação estão

presentes. Em alguns casos, colonização ou apropriação serão mais evidentes, porém o

interesse da ACD é analisar como esse par dialoga nesses movimentos entre práticas

sociais distintas. Outro par que pretendemos mobilizar em nossas análises é

identidade/diferença. Na modernidade tardia, assumir uma determinada identidade

conectada com identidades sociais mais amplas é um requisito primordial para a

segurança ameaçada pela sociedade do risco. Dessa forma, a construção de identidades

individuais e coletivas é um dos temas mais universais da modernidade tardia e os

processos de globalização associados trazem ideologicamente a tirania do universal, que

exclui e reprime aqueles que não se encaixam em determinados padrões pré-

estabelecidos discursivamente. O olhar da ACD para essas questões implica em

perceber as relações de poder transvestidas nas lutas sociais que envolvem identidade e

diferença.

É sobre essa perspectiva teórica que discutimos as relações entre EA e EC

representadas discursivamente nas falas de uma aluna de licenciatura em Ciências

Biológicas integrante de um projeto de extensão em EA.

2 Objetivo

Neste trabalho temos como objetivo caracterizar as representações discursivas de

EA de uma estudante da licenciatura em ciências biológicas integrante de um projeto de

extensão em EA.

2 Chouliaraki e Fairclough (1999) diferencia Discurso com “d” em maiúsculo como um conjunto de

discursos que legitima determinadas ideologias.

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3 Desenho da pesquisa

Escolhemos investigar a inserção da EA nesse curso via projetos de extensão,

pois, com o Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001 fica garantido que os

currículos dos cursos de graduação das universidades brasileiras precisam conter ao

menos 10% da sua carga horária destinada para projetos de extensão. Na UFRJ em 2013

é promulgada pelo Conselho de Ensino de Graduação uma Resolução que reforça essa

obrigatoriedade nos currículos. Entendemos que por meio desses dois documentos

legais a extensão passa a ocupar um espaço no currículo formal dos cursos de

graduação.

Para investigar as representações discursivas que circulam nos projetos de

extensão na dissertação de mestrado de que esse texto faz parte realizaremos entrevistas

com alguns licenciandos integrantes de projetos de extensão em EA. Neste trabalho

apresentamos a análise preliminar da entrevista piloto realizada em agosto de 2014 na

UFRJ com uma aluna integrante de um dos projetos estudados. Vale destacar que tanto

a entrevista aqui analisada, como outras que serão realizadas e analisadas no âmbito da

dissertação de mestrado foram aprovadas pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto

de Estudos em Saúde Coletiva/UFRJ.

Optamos por uma entrevista do tipo semi-estruturada que teve por objetivos

identificar de que forma alunos do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas se

interessam em estudar e desenvolver projetos em Educação Ambiental (EA); as

especificidades da atuação do aluno no projeto de extensão em EA; e como os alunos

percebem a presença da EA na licenciatura em Biologia e a relação entre conhecimento

científico e EA.

Antes da realização da entrevista a estudante teve acesso ao Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido, também aprovado pelo comitê de ética, e em posse

das informações sobre o projeto aceitou participar da pesquisa. A entrevista foi

transcrita integralmente e as linhas foram numeradas para auxiliar a análise e a

apresentação dos resultados. Ao final desse processo enviamos para a estudante a

transcrição da entrevista, dando a ela acesso aos dados da pesquisa e, possibilitando que

ela pudesse esclarecer algum ponto. Ao passo que a estudante optou por não alterar o

que já tinha sido dito na entrevista. Para manter o sigilo do nome da aluna entrevistada

nos referiremos a ela pelo nome fictício Joana.

Para a análise utilizamos o conceito de interdiscursividade proveniente da ACD

que diz respeito às combinações entre discursos (modos de representação do mundo)

um dos elementos das ordens de discurso, faceta semiótica das práticas sociais. Para

caracterizar as representações discursivas de EA buscamos nas falas da aluna estruturas

léxico-gramaticais que permitiram analisar o texto em dois movimentos:

1. Identificação dos principais aspectos do mundo representados no texto – os

principais ‘temas’;

2. Identificação da perspectiva particular, a partir do qual os temas são

representados.

Para cada tema identificamos: as práticas sociais representadas, os atores sociais

e o papel de cada ator nas práticas e relacionamos com os pares que compõe a agenda

de pesquisa apresentados anteriormente.

4 Resultados

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4.1 A Educação Ambiental no projeto de extensão

Chouliaraki e Fairclough (1999) recomendam para a operacionalização da ACD a

realização da análise da conjuntura em que o problema social investigado se insere.

Entendemos por conjuntura para este trabalho as formas de inserção da EA na formação

inicial de professores de ciências e a condição da extensão universitária dentro da

universidade. Essas discussões já foram realizadas em trabalhos anteriores (JULIANI;

FREIRE, 2014; JULIANI et al., 2014), por isso, não apresentamos aqui.

A estudante entrevistada, que integra um desses projetos, é aluna do oitavo

período do curso de Ciências Biológicas da UFRJ, modalidade Licenciatura. No terceiro

período do curso a aluna foi convidada por duas amigas para construir um projeto de

extensão em EA em uma comunidade pouco favorecida em termos estruturais próxima

ao campus da universidade. Esse projeto trabalha em parceria com outros projetos

sociais e realiza suas atividades em espaços não formais, em um curso pré-vestibular e

em uma escola municipal da região. O foco principal do projeto é promover a

transformação socioambiental por meio da integração da comunidade com a

universidade.

Durante a entrevista, a aluna caracteriza o projeto de extensão em EA e

descreve o local onde ocorre o projeto por meio da seguinte caracterização dos atores,

público do projeto: O governo não atuava lá. Então foi uma ocupação desordenada. A galera não

tem educação, não tem saúde, não tem enfim segurança, não tem nada. É e é

bem caótica a questão principalmente do lixo e tal (linhas 50 a 53)

Por meio das pressuposições negativas, podemos perceber uma visão simplista e

estereotipada sobre o local onde ocorre o projeto, pois ela assume que, por essas pessoas

não estarem imersas num modelo de educação hegemônico, não têm educação. Essa é

uma visão reducionista de educação, pois não só quem passa pelo sistema escolar é

educado. Com essa fala nos parece marcante a diferença entre “eu” e “eles”, ou seja,

“eles” são àqueles que não têm acesso aos seus direitos básicos. Na visão de Joana, a

aproximação desses moradores com a universidade atuaria na diminuição dessas

diferenças.

O interesse da estudante pela EA parece ter se iniciado antes mesmo de sua

entrada no curso de Ciências Biológicas, podemos inferir isso a partir da afirmação: na verdade eu sempre gostei de coisas, eu sempre gostei muito do ambiente

de tudo. Me interessei muito por ele de como ele se relacionava, das pessoas

e tudo, interferindo naquele lugar, né? E também gostei muito da educação,

assim, desde sei lá, criança sempre gostava de ensinar, de estar nessa troca

também de aprender e ensinar (linhas 8 a 12)

De forma geral, podemos perceber nesse fragmento elementos que nos ajudam a

construir as representações discursivas de ambiente e de educação de Joana. Por

exemplo, na fala “sempre gostei muito do ambiente” e depois “e também gostei muito

da educação” ela separa essas duas áreas do conhecimento, o que pode significar uma

falta de compreensão do campo da EA como independente, possuidor de uma

identidade própria que não é nem da educação nem da área ambiental, mas que possui

contribuições desses dois campos e de outros como a sociologia e economia.

Ainda sobre a origem de seu interesse pela EA, a estudante cita um tio que a

influenciou: Tinha um tio meu que era professor de Educação ambiental, assim, da pós, na

verdade da PUC de Petrópolis enfim, então ele sempre falou, me deu um

livrinho quando eu entrei na faculdade tipo de Educação Ambiental e tal, e

sei lá, acho que foi por isso na verdade. (linhas 28 a 31)

O ator social tio nesse trecho não representa a unidade familiar, pois ela localiza

o tio como professor de EA em uma pós-graduação da PUC de Petrópolis, ou seja, ao

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apresentar a função do tio dentro de uma universidade conhecida e prestigiada garante

status à influencia do tio no seu interesse pela EA. Apesar de relacionar o tio a um

contexto acadêmico de influencia, utiliza o léxico “livrinho” que sugere a ideia de

desvalorização, ou de infantilização do que foi apresentado a ela pelo tio. Nesse trecho,

existe por um lado a academia sendo utilizada para dar credibilidade á EA e ao interesse

da aluna por EA e, por outro lado, uma desvalorização do campo da EA ao se referir a

um conteúdo do campo como “livrinho”.

Quando a aluna é questionada sobre a influência do seu curso de graduação no

seu projeto de extensão ela diz que “O que eu aprendi foi muito na prática. Tudo

fazendo na verdade né? Óbvio que me preparando pra fazer. Nem sempre, na verdade.”

(linhas 242 e 243). Por outro lado, dá também importância aos conteúdos aprendidos

nas disciplinas da graduação para sua prática de EA, o que é um pouco contraditório

com o argumento que vinha construindo sobre a falta de contribuição do curso em suas

ações no projeto. Essas reflexões parecem significar que ela valoriza os conteúdos

aprendidos na graduação, mas não sabe muito bem como eles estão articulados com a

EA, nem como articulá-los com suas ações práticas.

Em outro momento da entrevista, ao ser indagada sobre a relação entre

conhecimento científico e EA, a estudante relaciona conhecimento científico à esfera

teórica e a EA á esfera da prática. Essas relações indicam uma representação dicotômica

entre teoria e prática que pode ser percebida nas falas de Joana destacadas abaixo: eu acho que tem diálogo porque foi instaurada assim na verdade, né? E só

que o que a gente está tentando, produzindo, hoje em dia e tal, é um, é um

pouco diferente do que, mas querendo ou não é uma ciência ainda. Que fica

muito no teórico tudo, que eu sinto falta um pouco de, do chegar mais e fazer.

(linhas 275 a 278)

Então se fica muito no teórico, chega na hora da prática....e não anda as

coisas. (linhas 281 e 282)

Joana ao usar o léxico ainda, associa a EA “aos moldes” do conhecimento

científico, ou seja, numa posição mais teórica que, por si só não é efetiva, segundo ela,

em ações de enfrentamento. Seguindo esse raciocínio a estudante entende que, só será

possível alcançar os resultados desejados quando a EA conseguir superar essa

formatação e, se aproximar efetivamente da esfera prática.

Vale questionar que resultados são esses que a aluna espera obter? No trecho

“Porque Educação Ambiental, ela só realmente vai ter o sucesso quando essas pessoas

que foram educadas passarem a fazer isso nas ações né?” (linhas 279 e 280), Joana trás

uma representação de educação linear focada na mudança de comportamentos, como se

esse fosse o objetivo da EA.

Com a ideia de que as pessoas podem ser educadas por alguém, constrói-se o

argumento de que existe uma educação que é melhor e mais indicada, demarcando a

diferença entre “eles” que não tem educação e “nós” que temos educação. Nesse

sentido, desvaloriza conhecimentos e cultura locais, e principalmente retira das pessoas

o poder de se educar, de construir seu próprio conhecimento e de alcançar autonomia

empoderando-se.

4.2 Dicotomias entre Ambiente x Sociedade representadas no discurso da licencianda

Ao longo da entrevista, a licencianda em muitos momentos representa

discursivamente dicotomias entre Ambiente e Sociedade. Entre as linhas oito e doze,

destacadas anteriormente, Joana separa educação e ambiente na sua representação de

EA. Essa separação pode significar um entendimento de EA como parte da educação

voltada para discutir a questão ambiental dentro da escola, desconsiderando as questões

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socioeconômicas como parte desse “ambiental”, o que para Layrargues (2006) colocaria

a EA “como um significativo elemento do aparelho ideológico, que através da questão

ambiental, atualiza os movimentos ideológicos na dança entre a manutenção ou

conquista do poder” (LAYRARGUES, 2006, p. 5).

Ainda sobre esse trecho da entrevista, o uso do léxico “interferindo” retira o ser

humano do ambiente, e o coloca apenas na posição de interferência ao equilíbrio

ambiental, que expressa uma afinidade com discursos de EA conservadora.

Podemos perceber essa construção discursiva também quando perguntamos à

aluna se ela enxergava alguma influência do seu curso de graduação na sua prática no

projeto de extensão e ela responde “Sim e, não (risos). É. Bom. Sim porque conteúdo

sobre, enfim, biologia pra tratar do ambiente em si né?” (linhas 231 e 232). Nessa frase

o ambiente em si é o biológico, separando mais uma vez, o humano do ambiente.

Quando questionada sobre as disciplinas de influência Joana destaca duas

disciplinas de base ecológica: Bom, tirando algumas matérias isoladas, que são: a matéria própria de

Educação Ambiental, é essa dinâmica ambiental, que na verdade ela não

falava muito de educação, mas ela tratava o ambiente um pouco mais

integrado, do homem e tal, nosso papel, o que fazer. Dava uma noção maior,

que nenhuma outra disciplina dá. É, cara, não sei, não consigo mais me

lembrar. Á tem também, mas eu não fiz também. Tem a matéria de

conservação que eu imagino que tenha alguma coisa sobre isso. Assim não

tratando a Educação. (linhas 210 a 216).

A estudante entende que o espaço da EA é muito restrito na graduação ficando

concentrado na disciplina eletiva de Educação e Gestão Ambiental que a própria

entrevistada afirma não ser muito conhecida. Com essa afirmação, silencia a ideia de

que disciplinas da Licenciatura como Sociologia da Educação possam contribuir para

suas ações em EA, marcando mais uma vez a dicotomia ambiente x sociedade. Por

outro lado, quando perguntada sobre autores que a influenciam ela cita Carlos Frederico

Bernardo Loureiro, professor da Faculdade de Educação da UFRJ e autor de referência

para a EA crítica.

Percebe-se também, no trecho da entrevista destacado acima, uma possível

desvalorização do projeto de extensão como local de referência de EA, já que, não citou

seu projeto quando se referiu a espaços possíveis de EA no curso estudado.

Aparentemente Joana não identifica como espaço de formação os projetos de extensão,

provavelmente como reflexo da grande valorização da estrutura disciplinar que percorre

todo o sistema formal de ensino.

Ao explicar sobre as ações do projeto de extensão a aluna utiliza o termo “coisa”

para se referir às questões ambientais. E ai a gente também já deu algumas aulas nesses, nesse pré-vestibular, que

tem preparatório e tem esse aulão interdisciplinar que é organizado por esses

professores de lá, que, enfim, a gente sempre tenta chegar junto pra falar um

pouco mais dessa coisa ambiental e tal. (linhas 63 a 66)

O uso do léxico “coisa” para designar o ambiental nos parece significar uma

falta de definição por parte de Joana do que sejam as questões ambientais e do que seja

realizar atividades/ações de EA.

A caracterização das representações discursivas de EA presentes nessas falas de

Joana pode contribuir para refletirmos sobre a discussão apontada inicialmente relativa

a contribuição do EC para a EA.

Apesar de a estudante desejar que a EA possa atuar mais na esfera prática, se

desvinculando dos modos de produção de conhecimento das ciências naturais, identifica

nas disciplinas oriundas dessa área as principais influências para sua atuação no projeto

de EA. Como já dito anteriormente, ações de EA fortemente vinculadas à ciência

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ecologia podem cair no reducionismo de “interpretar os processos sociais unicamente a

partir de conteúdos específicos da ecologia biologizando o que é histórico-social”

(LOUREIRO, 2007, p. 67). Essa influência, das ciências naturais atua na construção de

representações discursivas de EA mais conservadoras, porém podemos encontrar ao

longo de toda entrevista uma tensão entre essas representações discursivas e

representações discursivas mais críticas de EA.

A presença de diferentes representações discursivas de EA pode ser entendida

por meio dos processos de hibridização, constitutivos da modernidade tardia. Como dito

anteriormente, as identidades nesse período sócio-histórico de borramento de fronteiras

espaço-temporais, são construídas por meio da influência de diferentes discursos, bem

como pela negação de outros. Nesse processo, ocorrem hibridizações de discursos que

produzem novos sentidos. Como saldo desse processo de hibridização, identificamos

nas representações discursivas de EA de Joana, mais aproximações com perspectivas

conservadoras de EA que com perspectivas críticas. Essa característica sugere processos

de colonização da EA por discursos das ciências naturais, que podem contribuir para a

materialização de práticas escolares, nas quais, a EA suprime as discussões políticas

envolvidas nas questões ambientais.

4.3 Barreiras Invisíveis nas comunidades dominadas pelo tráfico e a questão do lixo

Joana relata ao longo da entrevista várias atividades já realizadas pelo projeto.

Estas atividades nos informam as perspectivas particulares de como os temas são

representados na prática social estudada. Nesses relatos são apresentados dois grandes

problemas socioambientais: a questão do lixo e as barreiras invisíveis impostas pelo

tráfico que impedem o livre trânsito dos moradores pela comunidade.

Entendemos que tanto o lixo quanto as barreiras invisíveis poderiam ser

trabalhadas no projeto de extensão a partir do entendimento da EA crítica. Até o

momento o tema escolhido para ser trabalhado foi a questão do lixo.

Joana descreve o tema escolhido pelos integrantes do projeto justificando a

escolha do seguinte modo: É! nossa prioridade tem que ser o lixo é uma questão de visual, é muito

grande. Mais do que ficar pensando numa coisa macro e tal, uma coisa que tá

aqui, instantânea, que está acontecendo, que está sendo ruim, eles

reconhecem isso, né? Isso já é uma grande coisa. (linhas 133 a 136)

A escolha pelo tema lixo parece ter duas justificativas nesse trecho. A primeira

justificativa está relacionada ao fato do problema ter grande amplitude dentro da

comunidade, e fazer parte do cotidiano dos moradores. A segunda justificativa passa

pelo fato do problema ser reconhecido pelos moradores. Porém, escolher trabalhar com

o tema “barreiras invisíveis” poderia ser justificado pelos mesmos argumentos já que

Joana afirma que: a gente trabalha bem na barreira invisível entre dois tráficos. Então algumas

pessoas nem cruzam, e ai com a gente tiveram a oportunidade de cruzar. Eles

estavam na aula, e foi um grupo e tal, ficaram meio com medo, mas

conseguiram. Foram tranquilos (linhas 161 a 164)

O tema lixo foi trabalhado por meio de oficinas com crianças. Podemos

inicialmente nos perguntar por que o projeto escolheu trabalhar com crianças e não com

adultos? O que isso significa em relação às possibilidades de transformação do

território, questão apontada por Joana como um objetivo do projeto?

Entendemos importante um trabalho a longo prazo com crianças, mas como

projeto de extensão universitário, que não possui a priori relação com a escola, ou seja,

não é preso a nenhuma faixa etária, talvez fosse mais coerente com EA crítica o trabalho

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com jovens e/ou adultos, pois esses são grupos mais propensos a realizações de

enfrentamentos políticos.

Sobre o que foi realizado na oficina, Joana relata que: nessas oficinas a gente trabalhava toda essa questão do lixo né? Desde, sei lá,

de como ele é produzido de onde vem os materiais, o que, que faz o vidro,

né? Até chegar na nossa casa. E o nosso poder de, de querer mudar também

né, aquilo, então como que a gente separava o lixo, em lixo orgânico, em

reciclável, trabalhou bem essa coisa de reciclável, o que é reciclável. Da

onde, o descarte do lixo, né? Depois que você joga. Pega o seu lixo e joga no

lixo pra onde ele vai? (linhas 148 a 154)

Na frase “E o nosso poder de, de querer mudar também” Joana ao usar o léxico

“nosso” assume que nós, a população de forma geral, temos o poder de mudar nossa

realidade. Colocando num indivíduo genérico a responsabilidade e a culpa pela

permanência ou não de um problema socioambiental. Problema esse que faz parte de

uma conjuntura social, política e econômica que além de gerar o problema, restringe as

ações dos atores sociais. Sendo assim, é necessária a problematização dessa conjuntura

para o entendimento mais crítico desse poder de mudança. Além disso, a estudante com

essa fala associa o poder de mudança a ações de reciclagem. Essa associação entre

poder de mudança e reciclagem despolitiza a possível ação de mudança por não

relacioná-la, por exemplo, com transformações das relações sociais que geram uma

grande produção de lixo, a falta de recolhimento e o tratamento do mesmo. Nesse

sentido, entendemos que, na fala da estudante, por mais que haja uma intenção em

trabalhar com a EA crítica, estão presentes discursos com diferentes ideologias que

representam as disputas por hegemonia que ocorrem no campo da EA de forma geral.

Aparentemente nessas oficinas, as discussões estavam voltadas para ensinar as

crianças sobre o lixo, ao invés de problematizar a questão do lixo na comunidade. Além

disso, os assuntos abordados como reciclagem, materiais orgânicos, ou inorgânicos, são

conhecimentos relativos às ciências naturais. Vemos, portanto, que o projeto pretende

realizar ações de enfrentamento de um problema socioambiental, mas quando o faz, se

pauta principalmente em conhecimentos técnicos-científicos, sem contextualizar as

questões sociais, políticas e econômicas que geram esse problema se afastando de

críticas sociais importantes no processo de politização que é escopo da EA crítica.

Isso nos leva a refletir do porque as “barreiras invisíveis” terem sido

silenciadas no projeto. Na comunidade onde ocorre o projeto coexistem diferentes

facções do tráfico de drogas disputando território. A dominação de determinado local

por uma dessas facções se reflete em limitações das possibilidades de trânsito dos

moradores pela comunidade, ou seja, pessoas que moram no território de uma

determinada facção não podem transitar pelo território da outra facção sob pena de

prejuízos físicos.

Podemos nos perguntar, por que esse projeto que se afilia à EA crítica, que se

diz interessado em trabalhar questões do território não operacionaliza em suas ações

esse problema socioambiental? Acreditamos que os aportes teóricos das Ciências

Biológicas não favorecem as discussões dessas questões e, somado a isso, temos uma

dificuldade dos alunos da licenciatura em associar os conteúdos de disciplinas da

licenciatura, como Sociologia da Educação, com sua prática. Nesse sentido, trabalhar no

projeto a partir de concepções de EA mais críticas que aglutinassem discussões políticas

e sociais poderia colaborar para a discussão e enfrentamento desse problema

socioambiental. Porém, como aparentemente as ações do projeto se vinculam mais a

conteúdos técnico-científicos, existe uma tensão entre os objetivos anunciados e as

ações efetivas.

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Essa característica do projeto, em utilizar em suas ações práticas

conhecimentos teóricos (técnico-científicos) oriundos das ciências naturais, pode ser

percebida também quando Joana descreve outra atividade inserida num projeto social

vinculado a associação de moradores local. Nessa atividade foram discutidas questões

ambientais relativas à produção de alimento. Sobre ela a estudante afirma que “Então a gente fala muito sobre o alimento, sobre, os agrotóxicos,

transgênicos, impactos na saúde, no ambiente, sobre isso e como reverter

isso. Sempre tentando também trabalhar com a questão do território, né?

Deles mudarem aqui pro lugar, pra fazer as generalizações deles. Enfim,

pequenas mudanças no cotidiano, né? Deles, mudarem o território, em si pra

conseguirem ter uma vida melhor. Assim no fundo ir, sei lá, preservar mais o

ambiente em que eles já vivem,” (linhas 69 a 75)

Podemos notar uma representação de EA atravessada pela ideia de

transmissão/aquisição de conhecimentos para a mudança de hábitos e comportamentos

apontando uma visão linear, onde através do domínio de determinado conhecimento

científico como agrotóxicos, transgênicos e impactos ambientais, os alunos poderão

realizar pequenas mudanças no seu cotidiano, e a partir dai modificar seu território e o

ambiente em que vivem. Pela forma como a aluna descreve a atividade parece não ter

ocorrido uma problematização dos aspectos sociais políticos, econômicos e culturais

referentes à produção de alimento. Ela faz referência somente a conhecimentos técnico-

científicos, o que pode sugerir uma colonização do discurso científico nas práticas de

EA desse projeto de extensão.

O foco em “pequenas mudanças do cotidiano” nos parece estar mais

relacionado com uma EA do tipo conservadora ou mesmo pragmática do que crítica.

Ações de EA crítica relativas a alimento, agrotóxicos, transgênicos e impactos na saúde

e ambiente poderiam questionar, por exemplo, porque a atual plataforma de produção de

alimentos privilegia os grandes agricultores e pecuaristas que geram grandes problemas

ambientais em detrimento da agricultura familiar, da permacultura ou da agrofloresta?

Essa colonização da EA pelo conhecimento científico é marcada novamente

no trecho “Mas o objetivo geral é isso, né? Na verdade é informatizar que muitos não

tem acesso à essa informação” (linhas 77 e 78). Ao elencar como objetivo geral do

projeto transmitir informações (conhecimentos científicos) marca também processos de

colonização “do outro”. Sendo nós as pessoas que possuem informações e eles as que

não têm acesso a elas.

5 Considerações Finais

Este estudo pretendeu contribuir com as discussões sobre as relações entre EC e

EA, e em como nessas relações discursos oriundos da prática social das ciências

naturais interagem com discursos da EA e qual a contribuição dessas interações para as

disputas por hegemonia que perpassam o campo da EA. Para isso, buscamos

caracterizar as representações discursivas de EA nas falas de uma licencianda em

Ciências Biológicas da UFRJ integrante de um projeto de extensão em EA. Olhamos a

experiência extensionista por termos como hipótese de trabalho que no curso de

Ciências Biológicas investigado, a EA encontra em projetos de extensão espaços de

rupturas necessários para sua inserção no currículo da formação inicial de professores

de ciências.

Nas interações entre práticas sociais distintas podem ocorrer recontextualizações por

hibridismo, na passagem de ideias de uma prática para outra. O processo formativo de

Joana vem sendo atravessado pela influência de diferentes práticas sociais como o

campo das Ciências Naturais, a EA e a extensão universitária. Na representação

discursiva de EA da estudante podemos vislumbrar esses movimentos, por exemplo,

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quando o projeto busca o empoderamento dos atores sociais por meio de abordagens

desconectadas das discussões mais amplas da EA crítica, focando em conteúdos

técnico-científicos para mudanças comportamentais. Somado a isso, alguns elementos

textuais revelaram uma dicotomia entre ambiente e sociedade presente na representação

discursiva de EA da estudante, bem como uma dicotomia entre teoria e prática, ambas

também desconectadas de referenciais mais críticos de EA. Por outro lado, na fala de

Joana estão presentes discursos mais críticos de EA, quando, por exemplo, ela cita

Loureiro como um autor/pesquisador em EA que a influenciou/influência, ou quando

valoriza processos contínuos de EA no sentido de propiciar maior possibilidade de

empoderamento dos indivíduos.

Concluímos que a participação da estudante no projeto de extensão contribui

para a construção de sua identidade, pois, a coloca em contato com questões do campo

da EA que ela não vincula a experiências disciplinares de seu curso de graduação.

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