Upload
truongkhanh
View
215
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
VIII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio de Janeiro, 19 a 22 de Julho de 2015
Realização: Unirio, UFRRJ e UFRJ
1
Discursos de EA na formação inicial de professores de ciências: tensões entre
colonização e apropriação ; identidade e diferença.
Sama de Freitas Juliani – UFRJ - NUTES
Laísa Freire– UFRJ – IB – Dept. Ecologia
Resumo
O trabalho aqui apresentado é parte de uma dissertação em andamento e, buscou
caracterizar as representações discursivas de Educação Ambiental (EA) de uma
estudante de licenciatura em Ciências Biológicas. Entendemos como importante
caracterizar os discursos de EA que circulam na formação inicial de professores de
ciências, pois estes são constantemente “pressionados”, seja por políticas públicas, seja
pela estrutura escolar, a abordar as questões e problemas socioambientais. Para isso,
entrevistamos uma aluna do Curso de Licenciatura em Ciências Biológicas da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), integrante de um projeto de extensão
em EA, e analisamos o texto produzido utilizando como referencial teórico
metodológico a Análise Crítica do Discurso. Como resultados principais apontamos os
processos de hibridização marcados pela movimentação de discursos da prática social
das Ciências Biológicas para a prática social da EA e como esse hibridismo privilegia
representações discursivas de EA mais conservadoras.
Palavras chave: Formação de professores, Ensino de Ciências, Análise Crítica do
Discurso, Educação Ambiental Crítica.
Abstract
The following work is part of a dissertation in progress and aimed to characterize the
discursive representations of Environmental Education (EE) of a degree student in
Biological Sciences. We understand as important characterize the EE discourses
circulating in the initial training of science teachers, since they are constantly
"pressured", either by public policies, either by school structure, to address the issues
and socio-environmental problems. Thereunto, we interviewed a student of pre-service
teacher training of Biological Sciences of Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ),
a member of an extension project in EE, and analyze the produced text, using as
theoretical framework the Critical Discourse Analysis. As main results we point out the
hybridization process marked by moving discourses of social practice of biological
sciences to the social practice of EE and how that hybridity favors more conservative
discursive representations of EE.
Keywords: Teacher training, science education, Critical Discourse Analysis, critical
environmental education.
1 Introdução
O trabalho aqui apresentado é parte de uma dissertação em andamento e, buscou
caracterizar as representações discursivas de Educação Ambiental (EA) de uma
estudante de licenciatura em Ciências Biológicas integrante de um projeto de extensão
em EA. O interesse nesse tema surge a partir de nossa participação no projeto de
colaboração internacional entre Brasil e Colômbia intitulado “Relações entre
conhecimento científico e educação ambiental na formação inicial de professores de
ciências: um estudo entre Brasil e Colômbia” que pretende entender as relações entre o
conhecimento científico e a EA em espaços de formação inicial de professores de
ciências. Em trabalhos anteriores, discutimos as diferentes formas com que a EA vem
2
sendo inserida em cursos de licenciatura a partir de um levantamento de literatura
(JULIANI et al., 2014) e discutimos a extensão como uma via promissora para essa
inserção ao analisarmos sentidos de EA presentes em textos produzidos por projetos de
extensão em EA (JULIANI; FREIRE, 2014). Aprofundando nossa discussão, no
presente texto nos filiamos ao referencial teórico-metodológico da análise crítica do
discurso (ACD) e apresentamos as análises preliminares de uma entrevista realizada
com uma licencianda em ciências biológicas participante de um projeto de extensão em
EA do Instituto de Biologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
1.1 Relações entre a educação ambiental e o ensino de ciências
Segundo Wals et al. (2014) a EA ganha visibilidade em meados da década de
1960 com o agravamento da crise ambiental. Nesse período, pesquisas em EA focavam
principalmente nas mudanças de comportamentos individuais, estabelecendo relações
lineares entre aquisição de conhecimento e mudança de atitudes em relação ao
ambiente. Para Layrargues e Lima (2011), essa característica inicial da EA ocorreu em
parte “porque a face mais visível da crise ambiental em seu princípio foi a destruição da
natureza e em parte porque as ciências ambientais ainda não estavam maduras o
suficiente para compreender a complexidade das relações entre sociedade e natureza.”
(LAYRARGUES; LIMA, 2011, p. 5). Atualmente, as pesquisas em EA têm investido
em entender os processos cognitivos, psicológicos, afetivos e culturais que possam
contribuir para o desenvolvimento de um pensamento crítico em relação às questões
socioambientais (WALS et al., 2014). Nesse sentido, alguns trabalhos como os de
Guimarães e Vasconcelos (2006), Carvalho (2007), Sauvé (2010) e Wals et al (2014)
vem apontando possibilidades de aproximações entre a EA e o EC como uma
possibilidade de associar o conhecimento científico proveniente do EC com as questões
transdisciplinares trazidas pela EA que visam repensar os modelos sociais, políticos e
econômicos que geram problemas socioambientais.
Wals et al. (2014) citam como exemplo a possibilidade de trabalhar a partir de
um “jardim comestível” questões relativas ao conteúdo de ciências como preparação do
solo, escolha de sementes, crescimento vegetal, de forma integrada com as questões
sociais que podem envolver uma horta, como a escolha individual por alimentos
saudáveis, produção de alimentos em nossa sociedade, bem como aumentar a integração
de diferentes atores sociais da escola e da comunidade local. Sauvé (2010) entende essa
relação de forma semelhante ao afirmar que o EC e a EA se complementam, pois o EC
promove o acesso aos fenômenos biofísicos e de meio ambiente proporcionando
conhecimentos técnicos que podem auxiliar no processo de tomada de decisão e a EA
considera outras questões sociais e/ou políticas, também envolvidos nos processos de
tomada de decisão, que extrapolam os conhecimentos técnicos científicos sobre dada
questão socioambiental.
Segundo Sauvé (2010), atualmente tem se reconhecido não só as possibilidades,
mas a necessidade de integração entre a EA e o EC. A interligação entre esses dois
campos desafia o EC a incluir nas propostas curriculares questões para além do
conteúdo tradicional das ciências, que envolvam práticas interessadas na formação de
pessoas com censo de cidadania critico-participativa (MARTINS et al., 2008).Também
desafia a EA que, por ser constituída por saberes de diferentes áreas do conhecimento,
como a ecologia, a sociologia, a economia, a filosofia (LEFF, 2001) e elementos
culturais, não possui em sua essência, linguagem e formas de atuação próprias da
prática social do EC.
Todavia, a partir de um entendimento menos linear desta relação entre EC e EA,
podemos afirmar que as relações entre esses dois campos não ocorre sem lutas e
3
embates de natureza ideológica demandando abordagens sociológicas na pesquisa. Por
um lado, pesquisadores expoentes do EC como Wildson L.P. Santos e Demétrio
Delizoicov, ao pesquisarem diferentes correntes teóricas como o movimento ciência,
tecnologia e sociedade (CTS) letramento/alfabetização científica, questões sócio
científicas, temas controversos no ensino de ciências o aproximam das dimensões
sociais, as quais a EA vêm se debruçando (LOUREIRO, 2004). Por outro, o EC ainda
carrega práticas do paradigma de ciência moderna. Sobre isso Pinhão e Martins (2012)
afirmam que Infelizmente, nem os professores de ciências, nem seus colegas de outras
disciplinas recebem, em sua formação inicial, subsídios que possibilitem a
realização de um trabalho com estes temas que permitam ultrapassar a
dimensão da transmissão de conteúdos básicos da ciência moderna, voltados
apenas para aspectos morfológicos e funcionais. Por mais que, nas pesquisas,
exista uma tendência de inclusão de abordagens mais complexas para as
questões que relacionam saúde e ambiente, que valorize múltiplos fatores, na
escola isto ainda não é comum (PINHÃO; MARTINS, 2012, p. 833).
Segundo Leff (2009), a EA é ancorada em uma racionalidade ambiental, pois
“produz novas significações sociais, novas formas de subjetividade e posicionamentos
políticos ante o mundo”, e que, portanto, contribui para a desconstrução da
disciplinarização dos saberes, levando a uma visão mais holística dos conhecimentos
(LEFF, 2009). Neste caso, a EA não teria aportes teóricos apenas do conhecimento
científico e como campo, daria conta do enfrentamento das questões socioambientais.
Por fim, entendemos que as relações, descritas acima, entre os dois campos do
conhecimento inauguram práticas híbridas que podem ocorrer isentas de hierarquização
entre estes saberes, ou ser marcadas pela conformação da EA aos moldes da cultura
científica.
Segundo Martins et al. (2008), nesse cruzamento entre a EA e o EC, as pesquisas
dão mais destaque às contribuições da EA para o EC do que as contribuições do EC e
das ciências naturais para a EA. No entanto, entendemos que, apesar de não se
refletirem nas pesquisas do campo do EC, contribuições podem ser encontradas. Como
exemplo, podemos citar a influência do ambientalismo e das disciplinas ecologia e
conservação na consolidação do campo da EA na década de 1980 contribuindo para um
perfil inicial predominantemente conservacionista, com mais destaque para a esfera
“ambiental” que “educacional” (LAYRARGUES; LIMA, 2011), nas ações de
intervenção e nas pesquisas. A partir da década de 1990, podemos notar uma alteração
desse perfil, ao menos entre os educadores ambientais próximos ao núcleo orientador do
campo (LAYRARGUES; LIMA, 2011), que passam a considerar como importante
aportes teóricos de outros campos do conhecimento para se problematizar as questões
ambientais, e começam a categorizar diferentes sentidos de EA que disputam pela
hegemonia do campo.
Dentro da escola isso se reflete de diversas maneiras. Uma delas é a pressão
“silenciosa” que coloca nas mãos apenas dos professores de ciências a responsabilidade
por desenvolver projetos de EA ou de referenciá-la em suas aulas. Como as ciências
naturais, bem como seus modos de ação possuem mais status e tradição do que a EA
dentro da escola, ao se inserir em disciplinas científicas a EA acaba por sofrer
adequações que a associam muito mais a conteúdos ecológicos e conservacionsitas,
perdendo seu viés político e colaborando para a perpetuação de sentidos de EA
conservacionistas1 ou pragmáticos e se afastando da EA crítica.
1 Essa categorização da EA em três vertentes, conservadora, pragmática e crítica, é baseada no trabalho de
Layrargues e Lima (2011).
4
Situações em que a EA é inserida em práticas de EC tradicionais implicadas
apenas na divulgação de determinados conhecimentos técnico-científicos, podem
reforçar sentidos de EA conservadora e/ou pragmáticas, por não discutir as esferas
econômicas, sociais e políticas envolvidas nos problemas socioambientais que afetam os
indivíduos participantes do processo educativo. Nessas ações, muitas vezes é
privilegiado o conteúdo ecológico sensibilizando os envolvidos para a beleza e
importância da “natureza” em prol de mudanças comportamentais. Sobre isso Loureiro
(2007) afirma que Esta, que aparentemente se mostra uma posição interessante, ignora os
intrincados processos de aprendizagem e a necessidade social de se mudar
atitudes, habilidades e valores e não apenas comportamentos. Acaba, assim,
por não associar as condições históricas à nossa ação individual em sociedade
e deixa de problematizar o fato de que nem sempre é possível fazer aquilo
que queremos fazer, tendo ou não consciência das implicações (LOUREIRO,
2007, p. 66).
No EC também é comum a naturalização da assunção de que a natureza existe
para ser explorada pelo ser humano, oriunda do paradigma de ciência moderna que
separa o humano da natureza. Nesse sentido, o EC pode contribuir para a reprodução de
discursos de EA do tipo pragmático que defendem formas “verdes” de atuação de
fábricas, empresas, hospitais, escolas e pessoas individualmente. Isso significa dizer que
essa vertente não questiona o atual modelo de desenvolvimento econômico desde que
sejam tomadas medidas preventivas para minimizar os problemas socioambientais
causados por esse próprio modelo.
Por outro lado, relações entre EA e EC que ocorram em práticas de EC que além
de trabalhar o conhecimento técnico científico discutem questões sociais, históricas,
políticas, econômicas, culturais, ambientais relacionadas a determinado conhecimento
podem contribuir para sentidos de EA crítica que buscam o enfrentamento político das
origens dos problemas socioambientais por meio do empoderamento dos atores sociais
(LAYRARGUES; LIMA, 2011).
Em resumo, podemos dizer que a polissemia em torno da noção de EA pode,
muitas vezes, aproximá-la da ciência ecologia o que contribui por um lado para a
integração com o EC, e por outro a afasta das questões sociais, econômicas e culturais
necessárias para ampliar a discussão da EA na escola.
1.2 Análise Crítica do Discurso
Diante das disputas ideológicas, apontadas acima, que ocorrem no processo de
integração entre a EA e o EC olhamos para essas questões por meio da Análise Crítica
do Discurso (ACD). Para Soler (2008) essa disciplina traz para as análises linguísticas
“as relações entre o contexto político, social e o discurso” (SOLER, 2008, p. 645)
contribuindo para a confirmação do papel da linguagem como fundamental na produção
e manutenção de relações de poder em nossa sociedade, ao mesmo tempo em que pode
atuar na emancipação dos indivíduos e na transformação da sociedade.
Mais especificamente, nos apoiaremos nos estudos de Norman Fairclough que
entende discurso como um dos elementos semióticos de práticas sociais
(CHOULIARAKI; FAIRCLOUGH, 1999). Sendo práticas sociais as formas com que
pessoas que compartilham determinados locais e momentos históricos investem
recursos materiais e simbólicos para atuarem juntas no mundo. Assim, cada prática
social possui discursos próprios que as diferenciam entre si. Para a ACD interessa
entender processos de hibridização entre diferentes práticas que se se materializam
5
discursivamente. A prática social que iremos investigar é a EA na formação inicial de
professores de ciências.
Chouliaraki e Fairclough (1999) discutem essas questões a partir do entendimento
de modernidade tardia como uma época de radicalização da modernidade onde ciência e
tecnologia são vistas como fontes geradoras de riscos, e a própria existência desses
riscos força a emergência e estabelecimento de sistemas de segurança considerados
confiáveis pela população, os conhecimentos técnico-científicos. Esses conhecimentos
estão fortemente cristalizados em nossa sociedade e possuem maior legitimidade que
conhecimentos locais e/ou tradicionais.
A modernidade tardia é caracterizada também pelo apagamento das fronteiras
espaço-tempo, culminando nos processos atuais de globalização, que promovem a
homogeneidade cultural por meio da colonização cultural de um determinado modo de
vida e, também, podem gerar mecanismos de resistência a essa “cultura global”
reafirmando ou criando identidades locais. Essas identidades, segundo Chouliaraki e
Fairclough (1999) são construídas discursivamente e profundamente interpeladas por
processos globais e tendências que indivíduos tem para se posicionar em relação a
própria construção de si mesmos.
A partir desse entendimento da modernidade tardia, Chouliaraki e Fairclough
(1999) sugerem algumas questões de interesse da ACD para compor uma agenda de
pesquisa. Essas questões são apresentadas como pares aparentemente contraditórios que
compõem o Discurso2 da modernidade tardia. Um desses pares é
colonização/apropriação. Com esse par é possível discutir as formas com que discursos
e gêneros se movimentam de uma rede de prática para outra. Esses movimentos podem
ocorrer de forma colonizadora e/ou num processo de apropriação, ou seja, sempre que
discursos ou gêneros de determinada prática social interpelam outra, ocorrem
recontextualizações por hibridismos onde processos de colonização e apropriação estão
presentes. Em alguns casos, colonização ou apropriação serão mais evidentes, porém o
interesse da ACD é analisar como esse par dialoga nesses movimentos entre práticas
sociais distintas. Outro par que pretendemos mobilizar em nossas análises é
identidade/diferença. Na modernidade tardia, assumir uma determinada identidade
conectada com identidades sociais mais amplas é um requisito primordial para a
segurança ameaçada pela sociedade do risco. Dessa forma, a construção de identidades
individuais e coletivas é um dos temas mais universais da modernidade tardia e os
processos de globalização associados trazem ideologicamente a tirania do universal, que
exclui e reprime aqueles que não se encaixam em determinados padrões pré-
estabelecidos discursivamente. O olhar da ACD para essas questões implica em
perceber as relações de poder transvestidas nas lutas sociais que envolvem identidade e
diferença.
É sobre essa perspectiva teórica que discutimos as relações entre EA e EC
representadas discursivamente nas falas de uma aluna de licenciatura em Ciências
Biológicas integrante de um projeto de extensão em EA.
2 Objetivo
Neste trabalho temos como objetivo caracterizar as representações discursivas de
EA de uma estudante da licenciatura em ciências biológicas integrante de um projeto de
extensão em EA.
2 Chouliaraki e Fairclough (1999) diferencia Discurso com “d” em maiúsculo como um conjunto de
discursos que legitima determinadas ideologias.
6
3 Desenho da pesquisa
Escolhemos investigar a inserção da EA nesse curso via projetos de extensão,
pois, com o Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001 fica garantido que os
currículos dos cursos de graduação das universidades brasileiras precisam conter ao
menos 10% da sua carga horária destinada para projetos de extensão. Na UFRJ em 2013
é promulgada pelo Conselho de Ensino de Graduação uma Resolução que reforça essa
obrigatoriedade nos currículos. Entendemos que por meio desses dois documentos
legais a extensão passa a ocupar um espaço no currículo formal dos cursos de
graduação.
Para investigar as representações discursivas que circulam nos projetos de
extensão na dissertação de mestrado de que esse texto faz parte realizaremos entrevistas
com alguns licenciandos integrantes de projetos de extensão em EA. Neste trabalho
apresentamos a análise preliminar da entrevista piloto realizada em agosto de 2014 na
UFRJ com uma aluna integrante de um dos projetos estudados. Vale destacar que tanto
a entrevista aqui analisada, como outras que serão realizadas e analisadas no âmbito da
dissertação de mestrado foram aprovadas pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto
de Estudos em Saúde Coletiva/UFRJ.
Optamos por uma entrevista do tipo semi-estruturada que teve por objetivos
identificar de que forma alunos do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas se
interessam em estudar e desenvolver projetos em Educação Ambiental (EA); as
especificidades da atuação do aluno no projeto de extensão em EA; e como os alunos
percebem a presença da EA na licenciatura em Biologia e a relação entre conhecimento
científico e EA.
Antes da realização da entrevista a estudante teve acesso ao Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido, também aprovado pelo comitê de ética, e em posse
das informações sobre o projeto aceitou participar da pesquisa. A entrevista foi
transcrita integralmente e as linhas foram numeradas para auxiliar a análise e a
apresentação dos resultados. Ao final desse processo enviamos para a estudante a
transcrição da entrevista, dando a ela acesso aos dados da pesquisa e, possibilitando que
ela pudesse esclarecer algum ponto. Ao passo que a estudante optou por não alterar o
que já tinha sido dito na entrevista. Para manter o sigilo do nome da aluna entrevistada
nos referiremos a ela pelo nome fictício Joana.
Para a análise utilizamos o conceito de interdiscursividade proveniente da ACD
que diz respeito às combinações entre discursos (modos de representação do mundo)
um dos elementos das ordens de discurso, faceta semiótica das práticas sociais. Para
caracterizar as representações discursivas de EA buscamos nas falas da aluna estruturas
léxico-gramaticais que permitiram analisar o texto em dois movimentos:
1. Identificação dos principais aspectos do mundo representados no texto – os
principais ‘temas’;
2. Identificação da perspectiva particular, a partir do qual os temas são
representados.
Para cada tema identificamos: as práticas sociais representadas, os atores sociais
e o papel de cada ator nas práticas e relacionamos com os pares que compõe a agenda
de pesquisa apresentados anteriormente.
4 Resultados
7
4.1 A Educação Ambiental no projeto de extensão
Chouliaraki e Fairclough (1999) recomendam para a operacionalização da ACD a
realização da análise da conjuntura em que o problema social investigado se insere.
Entendemos por conjuntura para este trabalho as formas de inserção da EA na formação
inicial de professores de ciências e a condição da extensão universitária dentro da
universidade. Essas discussões já foram realizadas em trabalhos anteriores (JULIANI;
FREIRE, 2014; JULIANI et al., 2014), por isso, não apresentamos aqui.
A estudante entrevistada, que integra um desses projetos, é aluna do oitavo
período do curso de Ciências Biológicas da UFRJ, modalidade Licenciatura. No terceiro
período do curso a aluna foi convidada por duas amigas para construir um projeto de
extensão em EA em uma comunidade pouco favorecida em termos estruturais próxima
ao campus da universidade. Esse projeto trabalha em parceria com outros projetos
sociais e realiza suas atividades em espaços não formais, em um curso pré-vestibular e
em uma escola municipal da região. O foco principal do projeto é promover a
transformação socioambiental por meio da integração da comunidade com a
universidade.
Durante a entrevista, a aluna caracteriza o projeto de extensão em EA e
descreve o local onde ocorre o projeto por meio da seguinte caracterização dos atores,
público do projeto: O governo não atuava lá. Então foi uma ocupação desordenada. A galera não
tem educação, não tem saúde, não tem enfim segurança, não tem nada. É e é
bem caótica a questão principalmente do lixo e tal (linhas 50 a 53)
Por meio das pressuposições negativas, podemos perceber uma visão simplista e
estereotipada sobre o local onde ocorre o projeto, pois ela assume que, por essas pessoas
não estarem imersas num modelo de educação hegemônico, não têm educação. Essa é
uma visão reducionista de educação, pois não só quem passa pelo sistema escolar é
educado. Com essa fala nos parece marcante a diferença entre “eu” e “eles”, ou seja,
“eles” são àqueles que não têm acesso aos seus direitos básicos. Na visão de Joana, a
aproximação desses moradores com a universidade atuaria na diminuição dessas
diferenças.
O interesse da estudante pela EA parece ter se iniciado antes mesmo de sua
entrada no curso de Ciências Biológicas, podemos inferir isso a partir da afirmação: na verdade eu sempre gostei de coisas, eu sempre gostei muito do ambiente
de tudo. Me interessei muito por ele de como ele se relacionava, das pessoas
e tudo, interferindo naquele lugar, né? E também gostei muito da educação,
assim, desde sei lá, criança sempre gostava de ensinar, de estar nessa troca
também de aprender e ensinar (linhas 8 a 12)
De forma geral, podemos perceber nesse fragmento elementos que nos ajudam a
construir as representações discursivas de ambiente e de educação de Joana. Por
exemplo, na fala “sempre gostei muito do ambiente” e depois “e também gostei muito
da educação” ela separa essas duas áreas do conhecimento, o que pode significar uma
falta de compreensão do campo da EA como independente, possuidor de uma
identidade própria que não é nem da educação nem da área ambiental, mas que possui
contribuições desses dois campos e de outros como a sociologia e economia.
Ainda sobre a origem de seu interesse pela EA, a estudante cita um tio que a
influenciou: Tinha um tio meu que era professor de Educação ambiental, assim, da pós, na
verdade da PUC de Petrópolis enfim, então ele sempre falou, me deu um
livrinho quando eu entrei na faculdade tipo de Educação Ambiental e tal, e
sei lá, acho que foi por isso na verdade. (linhas 28 a 31)
O ator social tio nesse trecho não representa a unidade familiar, pois ela localiza
o tio como professor de EA em uma pós-graduação da PUC de Petrópolis, ou seja, ao
8
apresentar a função do tio dentro de uma universidade conhecida e prestigiada garante
status à influencia do tio no seu interesse pela EA. Apesar de relacionar o tio a um
contexto acadêmico de influencia, utiliza o léxico “livrinho” que sugere a ideia de
desvalorização, ou de infantilização do que foi apresentado a ela pelo tio. Nesse trecho,
existe por um lado a academia sendo utilizada para dar credibilidade á EA e ao interesse
da aluna por EA e, por outro lado, uma desvalorização do campo da EA ao se referir a
um conteúdo do campo como “livrinho”.
Quando a aluna é questionada sobre a influência do seu curso de graduação no
seu projeto de extensão ela diz que “O que eu aprendi foi muito na prática. Tudo
fazendo na verdade né? Óbvio que me preparando pra fazer. Nem sempre, na verdade.”
(linhas 242 e 243). Por outro lado, dá também importância aos conteúdos aprendidos
nas disciplinas da graduação para sua prática de EA, o que é um pouco contraditório
com o argumento que vinha construindo sobre a falta de contribuição do curso em suas
ações no projeto. Essas reflexões parecem significar que ela valoriza os conteúdos
aprendidos na graduação, mas não sabe muito bem como eles estão articulados com a
EA, nem como articulá-los com suas ações práticas.
Em outro momento da entrevista, ao ser indagada sobre a relação entre
conhecimento científico e EA, a estudante relaciona conhecimento científico à esfera
teórica e a EA á esfera da prática. Essas relações indicam uma representação dicotômica
entre teoria e prática que pode ser percebida nas falas de Joana destacadas abaixo: eu acho que tem diálogo porque foi instaurada assim na verdade, né? E só
que o que a gente está tentando, produzindo, hoje em dia e tal, é um, é um
pouco diferente do que, mas querendo ou não é uma ciência ainda. Que fica
muito no teórico tudo, que eu sinto falta um pouco de, do chegar mais e fazer.
(linhas 275 a 278)
Então se fica muito no teórico, chega na hora da prática....e não anda as
coisas. (linhas 281 e 282)
Joana ao usar o léxico ainda, associa a EA “aos moldes” do conhecimento
científico, ou seja, numa posição mais teórica que, por si só não é efetiva, segundo ela,
em ações de enfrentamento. Seguindo esse raciocínio a estudante entende que, só será
possível alcançar os resultados desejados quando a EA conseguir superar essa
formatação e, se aproximar efetivamente da esfera prática.
Vale questionar que resultados são esses que a aluna espera obter? No trecho
“Porque Educação Ambiental, ela só realmente vai ter o sucesso quando essas pessoas
que foram educadas passarem a fazer isso nas ações né?” (linhas 279 e 280), Joana trás
uma representação de educação linear focada na mudança de comportamentos, como se
esse fosse o objetivo da EA.
Com a ideia de que as pessoas podem ser educadas por alguém, constrói-se o
argumento de que existe uma educação que é melhor e mais indicada, demarcando a
diferença entre “eles” que não tem educação e “nós” que temos educação. Nesse
sentido, desvaloriza conhecimentos e cultura locais, e principalmente retira das pessoas
o poder de se educar, de construir seu próprio conhecimento e de alcançar autonomia
empoderando-se.
4.2 Dicotomias entre Ambiente x Sociedade representadas no discurso da licencianda
Ao longo da entrevista, a licencianda em muitos momentos representa
discursivamente dicotomias entre Ambiente e Sociedade. Entre as linhas oito e doze,
destacadas anteriormente, Joana separa educação e ambiente na sua representação de
EA. Essa separação pode significar um entendimento de EA como parte da educação
voltada para discutir a questão ambiental dentro da escola, desconsiderando as questões
9
socioeconômicas como parte desse “ambiental”, o que para Layrargues (2006) colocaria
a EA “como um significativo elemento do aparelho ideológico, que através da questão
ambiental, atualiza os movimentos ideológicos na dança entre a manutenção ou
conquista do poder” (LAYRARGUES, 2006, p. 5).
Ainda sobre esse trecho da entrevista, o uso do léxico “interferindo” retira o ser
humano do ambiente, e o coloca apenas na posição de interferência ao equilíbrio
ambiental, que expressa uma afinidade com discursos de EA conservadora.
Podemos perceber essa construção discursiva também quando perguntamos à
aluna se ela enxergava alguma influência do seu curso de graduação na sua prática no
projeto de extensão e ela responde “Sim e, não (risos). É. Bom. Sim porque conteúdo
sobre, enfim, biologia pra tratar do ambiente em si né?” (linhas 231 e 232). Nessa frase
o ambiente em si é o biológico, separando mais uma vez, o humano do ambiente.
Quando questionada sobre as disciplinas de influência Joana destaca duas
disciplinas de base ecológica: Bom, tirando algumas matérias isoladas, que são: a matéria própria de
Educação Ambiental, é essa dinâmica ambiental, que na verdade ela não
falava muito de educação, mas ela tratava o ambiente um pouco mais
integrado, do homem e tal, nosso papel, o que fazer. Dava uma noção maior,
que nenhuma outra disciplina dá. É, cara, não sei, não consigo mais me
lembrar. Á tem também, mas eu não fiz também. Tem a matéria de
conservação que eu imagino que tenha alguma coisa sobre isso. Assim não
tratando a Educação. (linhas 210 a 216).
A estudante entende que o espaço da EA é muito restrito na graduação ficando
concentrado na disciplina eletiva de Educação e Gestão Ambiental que a própria
entrevistada afirma não ser muito conhecida. Com essa afirmação, silencia a ideia de
que disciplinas da Licenciatura como Sociologia da Educação possam contribuir para
suas ações em EA, marcando mais uma vez a dicotomia ambiente x sociedade. Por
outro lado, quando perguntada sobre autores que a influenciam ela cita Carlos Frederico
Bernardo Loureiro, professor da Faculdade de Educação da UFRJ e autor de referência
para a EA crítica.
Percebe-se também, no trecho da entrevista destacado acima, uma possível
desvalorização do projeto de extensão como local de referência de EA, já que, não citou
seu projeto quando se referiu a espaços possíveis de EA no curso estudado.
Aparentemente Joana não identifica como espaço de formação os projetos de extensão,
provavelmente como reflexo da grande valorização da estrutura disciplinar que percorre
todo o sistema formal de ensino.
Ao explicar sobre as ações do projeto de extensão a aluna utiliza o termo “coisa”
para se referir às questões ambientais. E ai a gente também já deu algumas aulas nesses, nesse pré-vestibular, que
tem preparatório e tem esse aulão interdisciplinar que é organizado por esses
professores de lá, que, enfim, a gente sempre tenta chegar junto pra falar um
pouco mais dessa coisa ambiental e tal. (linhas 63 a 66)
O uso do léxico “coisa” para designar o ambiental nos parece significar uma
falta de definição por parte de Joana do que sejam as questões ambientais e do que seja
realizar atividades/ações de EA.
A caracterização das representações discursivas de EA presentes nessas falas de
Joana pode contribuir para refletirmos sobre a discussão apontada inicialmente relativa
a contribuição do EC para a EA.
Apesar de a estudante desejar que a EA possa atuar mais na esfera prática, se
desvinculando dos modos de produção de conhecimento das ciências naturais, identifica
nas disciplinas oriundas dessa área as principais influências para sua atuação no projeto
de EA. Como já dito anteriormente, ações de EA fortemente vinculadas à ciência
10
ecologia podem cair no reducionismo de “interpretar os processos sociais unicamente a
partir de conteúdos específicos da ecologia biologizando o que é histórico-social”
(LOUREIRO, 2007, p. 67). Essa influência, das ciências naturais atua na construção de
representações discursivas de EA mais conservadoras, porém podemos encontrar ao
longo de toda entrevista uma tensão entre essas representações discursivas e
representações discursivas mais críticas de EA.
A presença de diferentes representações discursivas de EA pode ser entendida
por meio dos processos de hibridização, constitutivos da modernidade tardia. Como dito
anteriormente, as identidades nesse período sócio-histórico de borramento de fronteiras
espaço-temporais, são construídas por meio da influência de diferentes discursos, bem
como pela negação de outros. Nesse processo, ocorrem hibridizações de discursos que
produzem novos sentidos. Como saldo desse processo de hibridização, identificamos
nas representações discursivas de EA de Joana, mais aproximações com perspectivas
conservadoras de EA que com perspectivas críticas. Essa característica sugere processos
de colonização da EA por discursos das ciências naturais, que podem contribuir para a
materialização de práticas escolares, nas quais, a EA suprime as discussões políticas
envolvidas nas questões ambientais.
4.3 Barreiras Invisíveis nas comunidades dominadas pelo tráfico e a questão do lixo
Joana relata ao longo da entrevista várias atividades já realizadas pelo projeto.
Estas atividades nos informam as perspectivas particulares de como os temas são
representados na prática social estudada. Nesses relatos são apresentados dois grandes
problemas socioambientais: a questão do lixo e as barreiras invisíveis impostas pelo
tráfico que impedem o livre trânsito dos moradores pela comunidade.
Entendemos que tanto o lixo quanto as barreiras invisíveis poderiam ser
trabalhadas no projeto de extensão a partir do entendimento da EA crítica. Até o
momento o tema escolhido para ser trabalhado foi a questão do lixo.
Joana descreve o tema escolhido pelos integrantes do projeto justificando a
escolha do seguinte modo: É! nossa prioridade tem que ser o lixo é uma questão de visual, é muito
grande. Mais do que ficar pensando numa coisa macro e tal, uma coisa que tá
aqui, instantânea, que está acontecendo, que está sendo ruim, eles
reconhecem isso, né? Isso já é uma grande coisa. (linhas 133 a 136)
A escolha pelo tema lixo parece ter duas justificativas nesse trecho. A primeira
justificativa está relacionada ao fato do problema ter grande amplitude dentro da
comunidade, e fazer parte do cotidiano dos moradores. A segunda justificativa passa
pelo fato do problema ser reconhecido pelos moradores. Porém, escolher trabalhar com
o tema “barreiras invisíveis” poderia ser justificado pelos mesmos argumentos já que
Joana afirma que: a gente trabalha bem na barreira invisível entre dois tráficos. Então algumas
pessoas nem cruzam, e ai com a gente tiveram a oportunidade de cruzar. Eles
estavam na aula, e foi um grupo e tal, ficaram meio com medo, mas
conseguiram. Foram tranquilos (linhas 161 a 164)
O tema lixo foi trabalhado por meio de oficinas com crianças. Podemos
inicialmente nos perguntar por que o projeto escolheu trabalhar com crianças e não com
adultos? O que isso significa em relação às possibilidades de transformação do
território, questão apontada por Joana como um objetivo do projeto?
Entendemos importante um trabalho a longo prazo com crianças, mas como
projeto de extensão universitário, que não possui a priori relação com a escola, ou seja,
não é preso a nenhuma faixa etária, talvez fosse mais coerente com EA crítica o trabalho
11
com jovens e/ou adultos, pois esses são grupos mais propensos a realizações de
enfrentamentos políticos.
Sobre o que foi realizado na oficina, Joana relata que: nessas oficinas a gente trabalhava toda essa questão do lixo né? Desde, sei lá,
de como ele é produzido de onde vem os materiais, o que, que faz o vidro,
né? Até chegar na nossa casa. E o nosso poder de, de querer mudar também
né, aquilo, então como que a gente separava o lixo, em lixo orgânico, em
reciclável, trabalhou bem essa coisa de reciclável, o que é reciclável. Da
onde, o descarte do lixo, né? Depois que você joga. Pega o seu lixo e joga no
lixo pra onde ele vai? (linhas 148 a 154)
Na frase “E o nosso poder de, de querer mudar também” Joana ao usar o léxico
“nosso” assume que nós, a população de forma geral, temos o poder de mudar nossa
realidade. Colocando num indivíduo genérico a responsabilidade e a culpa pela
permanência ou não de um problema socioambiental. Problema esse que faz parte de
uma conjuntura social, política e econômica que além de gerar o problema, restringe as
ações dos atores sociais. Sendo assim, é necessária a problematização dessa conjuntura
para o entendimento mais crítico desse poder de mudança. Além disso, a estudante com
essa fala associa o poder de mudança a ações de reciclagem. Essa associação entre
poder de mudança e reciclagem despolitiza a possível ação de mudança por não
relacioná-la, por exemplo, com transformações das relações sociais que geram uma
grande produção de lixo, a falta de recolhimento e o tratamento do mesmo. Nesse
sentido, entendemos que, na fala da estudante, por mais que haja uma intenção em
trabalhar com a EA crítica, estão presentes discursos com diferentes ideologias que
representam as disputas por hegemonia que ocorrem no campo da EA de forma geral.
Aparentemente nessas oficinas, as discussões estavam voltadas para ensinar as
crianças sobre o lixo, ao invés de problematizar a questão do lixo na comunidade. Além
disso, os assuntos abordados como reciclagem, materiais orgânicos, ou inorgânicos, são
conhecimentos relativos às ciências naturais. Vemos, portanto, que o projeto pretende
realizar ações de enfrentamento de um problema socioambiental, mas quando o faz, se
pauta principalmente em conhecimentos técnicos-científicos, sem contextualizar as
questões sociais, políticas e econômicas que geram esse problema se afastando de
críticas sociais importantes no processo de politização que é escopo da EA crítica.
Isso nos leva a refletir do porque as “barreiras invisíveis” terem sido
silenciadas no projeto. Na comunidade onde ocorre o projeto coexistem diferentes
facções do tráfico de drogas disputando território. A dominação de determinado local
por uma dessas facções se reflete em limitações das possibilidades de trânsito dos
moradores pela comunidade, ou seja, pessoas que moram no território de uma
determinada facção não podem transitar pelo território da outra facção sob pena de
prejuízos físicos.
Podemos nos perguntar, por que esse projeto que se afilia à EA crítica, que se
diz interessado em trabalhar questões do território não operacionaliza em suas ações
esse problema socioambiental? Acreditamos que os aportes teóricos das Ciências
Biológicas não favorecem as discussões dessas questões e, somado a isso, temos uma
dificuldade dos alunos da licenciatura em associar os conteúdos de disciplinas da
licenciatura, como Sociologia da Educação, com sua prática. Nesse sentido, trabalhar no
projeto a partir de concepções de EA mais críticas que aglutinassem discussões políticas
e sociais poderia colaborar para a discussão e enfrentamento desse problema
socioambiental. Porém, como aparentemente as ações do projeto se vinculam mais a
conteúdos técnico-científicos, existe uma tensão entre os objetivos anunciados e as
ações efetivas.
12
Essa característica do projeto, em utilizar em suas ações práticas
conhecimentos teóricos (técnico-científicos) oriundos das ciências naturais, pode ser
percebida também quando Joana descreve outra atividade inserida num projeto social
vinculado a associação de moradores local. Nessa atividade foram discutidas questões
ambientais relativas à produção de alimento. Sobre ela a estudante afirma que “Então a gente fala muito sobre o alimento, sobre, os agrotóxicos,
transgênicos, impactos na saúde, no ambiente, sobre isso e como reverter
isso. Sempre tentando também trabalhar com a questão do território, né?
Deles mudarem aqui pro lugar, pra fazer as generalizações deles. Enfim,
pequenas mudanças no cotidiano, né? Deles, mudarem o território, em si pra
conseguirem ter uma vida melhor. Assim no fundo ir, sei lá, preservar mais o
ambiente em que eles já vivem,” (linhas 69 a 75)
Podemos notar uma representação de EA atravessada pela ideia de
transmissão/aquisição de conhecimentos para a mudança de hábitos e comportamentos
apontando uma visão linear, onde através do domínio de determinado conhecimento
científico como agrotóxicos, transgênicos e impactos ambientais, os alunos poderão
realizar pequenas mudanças no seu cotidiano, e a partir dai modificar seu território e o
ambiente em que vivem. Pela forma como a aluna descreve a atividade parece não ter
ocorrido uma problematização dos aspectos sociais políticos, econômicos e culturais
referentes à produção de alimento. Ela faz referência somente a conhecimentos técnico-
científicos, o que pode sugerir uma colonização do discurso científico nas práticas de
EA desse projeto de extensão.
O foco em “pequenas mudanças do cotidiano” nos parece estar mais
relacionado com uma EA do tipo conservadora ou mesmo pragmática do que crítica.
Ações de EA crítica relativas a alimento, agrotóxicos, transgênicos e impactos na saúde
e ambiente poderiam questionar, por exemplo, porque a atual plataforma de produção de
alimentos privilegia os grandes agricultores e pecuaristas que geram grandes problemas
ambientais em detrimento da agricultura familiar, da permacultura ou da agrofloresta?
Essa colonização da EA pelo conhecimento científico é marcada novamente
no trecho “Mas o objetivo geral é isso, né? Na verdade é informatizar que muitos não
tem acesso à essa informação” (linhas 77 e 78). Ao elencar como objetivo geral do
projeto transmitir informações (conhecimentos científicos) marca também processos de
colonização “do outro”. Sendo nós as pessoas que possuem informações e eles as que
não têm acesso a elas.
5 Considerações Finais
Este estudo pretendeu contribuir com as discussões sobre as relações entre EC e
EA, e em como nessas relações discursos oriundos da prática social das ciências
naturais interagem com discursos da EA e qual a contribuição dessas interações para as
disputas por hegemonia que perpassam o campo da EA. Para isso, buscamos
caracterizar as representações discursivas de EA nas falas de uma licencianda em
Ciências Biológicas da UFRJ integrante de um projeto de extensão em EA. Olhamos a
experiência extensionista por termos como hipótese de trabalho que no curso de
Ciências Biológicas investigado, a EA encontra em projetos de extensão espaços de
rupturas necessários para sua inserção no currículo da formação inicial de professores
de ciências.
Nas interações entre práticas sociais distintas podem ocorrer recontextualizações por
hibridismo, na passagem de ideias de uma prática para outra. O processo formativo de
Joana vem sendo atravessado pela influência de diferentes práticas sociais como o
campo das Ciências Naturais, a EA e a extensão universitária. Na representação
discursiva de EA da estudante podemos vislumbrar esses movimentos, por exemplo,
13
quando o projeto busca o empoderamento dos atores sociais por meio de abordagens
desconectadas das discussões mais amplas da EA crítica, focando em conteúdos
técnico-científicos para mudanças comportamentais. Somado a isso, alguns elementos
textuais revelaram uma dicotomia entre ambiente e sociedade presente na representação
discursiva de EA da estudante, bem como uma dicotomia entre teoria e prática, ambas
também desconectadas de referenciais mais críticos de EA. Por outro lado, na fala de
Joana estão presentes discursos mais críticos de EA, quando, por exemplo, ela cita
Loureiro como um autor/pesquisador em EA que a influenciou/influência, ou quando
valoriza processos contínuos de EA no sentido de propiciar maior possibilidade de
empoderamento dos indivíduos.
Concluímos que a participação da estudante no projeto de extensão contribui
para a construção de sua identidade, pois, a coloca em contato com questões do campo
da EA que ela não vincula a experiências disciplinares de seu curso de graduação.
Referências
CARVALHO, L. M. DE. O discurso ambientalista e a educação ambiental: relações
com o ensino das ciências da natureza. In: ENCONTRO NACIONAL DE PESQUISA
EM EDUCAÇÃO DE CIÊNCIAS. Florianópolis: ABRAPEC, 2007.
CHOULIARAKI, L.; FAIRCLOUGH, N. Discourse in late modernity: rethinking
Critical Discourse Analysis. Edinburg: Edinburg University Press, 1999.
GUIMARÃES, M.; VASCONCELLOS, M. DAS M. N. Relações entre educação
ambiental e educação em ciências na complementaridade dos espaços formais e não
formais de educação. Educar, Curitiba. v. 27, p. 147–162, 2006.
JULIANI, S. DE F. et al. Inserção da Educação Ambiental na formação inicial docente:
levantamento de publicações. Revista Tecné, Episteme y Didaxis, v. Extraordinário, p.
1555–1562, 2014.
JULIANI, S. DE F.; FREIRE, L. M. O papel da extensão universitária na inserção
curricular da educação ambiental: uma experiência no curso de ciências Biológicas da
UFRJ. Revista de Ensino de Biologia da Associação Brasileira de Ensino de
Biologia (SBEnBio), v. 7, p. 6723–6734, 2014.
LAYRARGUES, P. P. Muito além da natureza: educ ação ambiental e reprodução
social. In: LOUREIRO, C. F. B.; LAYRARGUES, P. P. L. P.; CASTRO, R. S. DE
(Eds.). Pensamento complexo, dialética e educação ambiental. São Paulo: Cortez,
2006. p. 73–103.
LAYRARGUES, P. P.; LIMA, G. F. D. C. Mapeando as macro-tendências político-
pedagógicas da educação ambiental contemporânea no Brasil. In: VI ENCONTRO
PESQUISA EM EDUCAÇÃO AMBIENTAL: A PESQUISA EM EDUCAÇÃO
AMBIENTAL E A PÓS-GRADUAÇÃO. Ribeirão Preto: USP: 2011.
LEFF, E. Epistemologia Ambiental. São Paulo: editora Cortez, 2001.
______. Complexidade, Racionalidade Ambiental e Diálogo de Saberes. Educação e
Realidade, v. 34, n. 3, p. 17–24, 2009.
14
LOUREIRO, C. F. B. Educar, participar e transformar em educação ambiental. Revista
brasileira de educação ambiental, v. zero, p. 13–20, 2004.
______. Educação Ambiental Crítica: contribuições de desafios. In: MELLO, S. S. DE;
TRAJBER, R. (Eds.). Vamos cuidar do Brasil: conceitos e práticas em educação
ambiental na escola. Brasília: Ministério da Educação, Coordenação Geral de Educação
Ambiental: Ministério do Meio Ambiente, Departamento de Educação Ambiental:
UNESCO, 2007. p. 66–71.
MARTINS, I. et al. Contribuições da análise crítica do discurso para uma reflexão sobre
questões do campo da Educação Ambiental: olhares de educadores em ciências.
Pesquisa em Educação Ambiental, v. 3, n. 1, p. 129–154, 2008.
PINHÃO, F.; MARTINS, I. Diferentes abordagens sobre o tema saúde e ambiente:
desafios para o ensino de ciências. Ciência & Educação, v. 18, n. 4, p. 819–835, 2012.
SAUVÉ, L. Educación científica y educación ambiental: un cruce fecundo.
ENSEÑANZA DE LAS CIENCIAS, v. 28, n. 1, p. 5–18, 2010.
SOLER, S. Pensar la relación análisis crítico del discurso y educación. El caso de la
representación de indígenas y afrodescendientes en los manuales escolares de ciencias
sociales en Colombia. Discurso & Sociedad, v. 2, n. 3, p. 642–678, 2008.
WALS, A. E. J. et al. Convergence Between Science and Environmental Education.
Science Education, v. 344, p. 583–584, 2014.