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VIII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio de Janeiro, 19 a 22 de Julho de 2015 Realização: Unirio, UFRRJ e UFRJ 1 A Análise Crítica do Discurso como caminho teórico-metodológico na compreensão e no enfrentamento da questão ambiental Gabriela Ventura UFRJ / NUTES Laísa FreireUFRJ IB Dept. Ecologia Resumo O presente texto aborda a Análise Crítica do Discurso (ACD) como um marco teórico- metodológico para compreensão e enfrentamento da questão ambiental no mundo contemporâneo caracterizado por transformações no campo econômico, político, social e cultural, com influencias no processo produtivo. Assim, discutimos aspectos relativos ao cenário de globalização econômica e de neoliberalismo e refletimos sobre importância da linguagem na sociedade capitalista contemporânea. Neste sentido, a questão ambiental é posta a partir de seus embates e relações de poder e lutas que moldam e ao mesmo tempo transformam as práticas discursivas de uma sociedade ou instituição. Esta análise permite questionar discursos neoliberais em que a crise ambiental é naturalizada, vista como irreversível ou amenizável e busca colaborar com a compreensão e as possibilidades de enfrentamento da atual crise socioambiental. Palavras-chave: Análise crítica do discurso; questão ambiental. Abstract This article focuses on the Critical Discourse Analysis (CDA) as a theoretical- methodological approach to understanding the environmental issue and the role of language in social change processes as a strategy for facing up environmental inequalities in the contemporary world characterized by changes in the economic, political, social and cultural influences with the production process. Thus, we discuss aspects of the scenario of economic globalization and neoliberalism and reflect on importance of language in contemporary capitalist society. Moreover, the environmental issue is brought from their struggles and power relations and struggles that shape while transforming the discursive practices of an institution. In this sense, this analysis allows us to question neoliberal discourse in which the environmental crisis is naturalized, seen as irreversible or amenable and seeks to generate understanding and possibilities of facing the current environmental crisis. Keywords: critical discourse analysis; environmental issue.

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VIII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio de Janeiro, 19 a 22 de Julho de 2015

Realização: Unirio, UFRRJ e UFRJ 1

A Análise Crítica do Discurso como caminho teórico-metodológico na

compreensão e no enfrentamento da questão ambiental

Gabriela Ventura – UFRJ / NUTES

Laísa Freire– UFRJ – IB – Dept. Ecologia

Resumo

O presente texto aborda a Análise Crítica do Discurso (ACD) como um marco teórico-

metodológico para compreensão e enfrentamento da questão ambiental no mundo

contemporâneo caracterizado por transformações no campo econômico, político, social

e cultural, com influencias no processo produtivo. Assim, discutimos aspectos relativos

ao cenário de globalização econômica e de neoliberalismo e refletimos sobre

importância da linguagem na sociedade capitalista contemporânea. Neste sentido, a

questão ambiental é posta a partir de seus embates e relações de poder e lutas que

moldam e ao mesmo tempo transformam as práticas discursivas de uma sociedade ou

instituição. Esta análise permite questionar discursos neoliberais em que a crise

ambiental é naturalizada, vista como irreversível ou amenizável e busca colaborar com a

compreensão e as possibilidades de enfrentamento da atual crise socioambiental.

Palavras-chave: Análise crítica do discurso; questão ambiental.

Abstract

This article focuses on the Critical Discourse Analysis (CDA) as a theoretical-

methodological approach to understanding the environmental issue and the role of

language in social change processes as a strategy for facing up environmental

inequalities in the contemporary world characterized by changes in the economic,

political, social and cultural influences with the production process. Thus, we discuss

aspects of the scenario of economic globalization and neoliberalism and reflect on

importance of language in contemporary capitalist society. Moreover, the environmental

issue is brought from their struggles and power relations and struggles that shape while

transforming the discursive practices of an institution. In this sense, this analysis allows

us to question neoliberal discourse in which the environmental crisis is naturalized, seen

as irreversible or amenable and seeks to generate understanding and possibilities of

facing the current environmental crisis.

Keywords: critical discourse analysis; environmental issue.

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1. Introdução

CDA is analysis of the dialectical relationships between discourse (including

language but also other forms of semiosis, e.g., body language or visual

images) and other elements of social practices. Its particular concern (in this

approach) is with the radical changes that are taking place in the

contemporary social life, with how discourse figures within processes of

change, and shifts in the relationship between discourse/semiosis and other

social elements within networks of practices. (CHIAPELLO e

FAIRCLOUGH, 2002)

O presente texto tece reflexões sobre a Análise Crítica do Discurso (ACD) como

um importante caminho teórico-metodológico para a compreensão e o enfrentamento da

questão ambiental. Buscando aporte nos estudos de Norman Fairclough sobre a

linguagem no novo capitalismo, tecemos algumas reflexões sobre as práticas sociais no

âmbito das sociedades capitalistas contemporâneas entendendo a “vida social como uma

rede interconectada de práticas sociais de diversos tipos (econômicas, políticas,

culturais, entre outras), todas com um elemento semiótico” (Fairclough, 2005, p. 308).

A prática social é constituída por diversos elementos dialeticamente

relacionados: valores culturais, atividade produtiva, relações sociais, identidades sociais,

consciência e semiose. A ACD preocupa-se em analisar as relações dialéticas entre a

linguagem (semiose) e os outros elementos das práticas sociais. Enfatiza-se o seu

compromisso em pensar as transformações na vida social contemporânea, entendendo o

papel da linguagem nos processos de mudança social.

Acreditamos na fertilidade da discussão aqui proposta para pensar a questão

ambiental em uma abordagem sociológica a qual assinala a categoria trabalho como

outro elemento mediador (além da cultura) da relação entre os seres humanos e a

natureza (Layrargues, 2006). Nessa perspectiva a compreensão e o enfrentamento da

questão ambiental, portanto, inclui o exame das contradições no desenvolvimento da

sociedade capitalista, considerando os conflitos decorrentes de uma sociedade

estruturada na divisão social do trabalho. Sob a ótica da divisão do trabalho entre

aqueles que detêm os meios e instrumentos de produção e aqueles que precisam vender

sua força de trabalho em troca de uma remuneração (Frigotto, 2010), importa assinalar

as modificações nas relações sociais nos processos produtivos que se configuram no

contexto das sociedades capitalistas. Essas relações são constituídas e mediadas pelo

elemento trabalho e sua análise permite compreender a produção e a distribuição

desigual de bens e riquezas na sociedade e, consequentemente, compreender a base

material da crise ambiental. (Layrargues, 2006). Dessa forma, refletir sobre o elemento

trabalho demanda o exame das mudanças que vem ocorrendo nos processos produtivos

e nas relações de produção e consumo nas sociedades contemporâneas.

O cenário contemporâneo caracteriza-se por intensas e profundas transformações

no campo econômico, político, social e cultural, com significativas influências no

processo produtivo. No âmbito das mudanças políticas e econômicas, nota-se a

significativas modificações nos modos de produção de massa e consumo de bens, uma

intensa inovação tecnológica na diversificação dos processos de produção e a

flexibilidade do trabalho. Ressalta-se ainda o estabelecimento do neoliberalismo

internacionalmente e a aplicação prática das políticas econômicas do seu receituário,

conforme Chouliaraki e Fairclough (2007). Esses autores referem-se a essa nova fase da

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vida social como Modernidade Tardia1. Observam-se transformações nas relações

sociais entre as diferentes escalas de atividade e interação da vida social (escala local,

nacional, regional e global). Essas recentes transformações nas formações sociais são

atribuídas a uma nova “era” do capitalismo e a linguagem assume um papel

fundamental na reestruturação e no redimensionamento das relações sociais nessa nova

fase do capitalismo (Chouliaraki e Fairclough, 2007).

Mediante o exposto, buscamos em algumas análises sobre o discurso na

sociedade capitalista atual (Chiapello e Fairclough (2002); Chouliaraki e Fairclough

(2007)), elementos para pensar a contribuição da ACD para o entendimento e a busca de

soluções para a atual crise ambiental, a partir da análise sobre as mudanças na economia

global. Importa observar que especial ênfase é conferida para a análise do discurso

neoliberal e o seu papel na reestruturação e redimensionamentos das relações sociais

conforme as demandas do capitalismo global. E, por essa perspectiva, o artigo propõe

uma apresentação de alguns aspectos que denotam a importância da ACD como um

marco teórico-metodológico para pensar a questão ambiental, alinhando os objetivos e

pressupostos teóricos acerca da mudança social e sobre as lutas contra a desigualdade

social, a exploração e as relações de dominação e poder, como temas centrais tanto para

a ACD quanto para as perspectivas críticas da Educação Ambiental.

Iniciamos o texto apontando o marco teórico que nos leva a relacionar a questão

ambiental com os estudos críticos da linguagem, especificamente a ACD, na atual fase

do capitalismo para caracterizar as modificações no mundo produtivo e as

conseqüências para as relações sociais e ambientais, entendendo a categoria trabalho

como elemento mediador dessas relações. Em seguida, apresentamos aspectos centrais

da proposta teórica e analítica da ACD e, trazemos algumas reflexões sobre a

importância da linguagem na sociedade capitalista contemporânea, a partir de alguns

estudos, que discutem aspectos relativos ao cenário de globalização econômica e de

neoliberalismo. Por fim, entendendo que “a análise do discurso preocupa-se não apenas

com as relações de poder no discurso, mas também com a maneira como as relações de

poder e a luta de poder moldam e transformam as práticas discursivas de uma sociedade

ou instituição” (Fairclough, 2001, p. 58), reunimos alguns elementos para pensar a

análise das mudanças econômicas e sociopolíticas na atual fase do capitalismo,

buscando colaborar assim com a compreensão e as possibilidades de enfrentamento da

questão ambiental.

2. O ponto de partida: uma abordagem sociológica da questão ambiental

A relação entre os seres humanos e o ambiente é o cerne da crise ambiental e é

preciso ponderar que essa relação é tensionada em suas múltiplas determinações

históricas e sociais, articulando inexoravelmente as dimensões social, econômica,

ambiental, cultural e política. É fundamental, portanto, pensar essas relações,

historicamente e socialmente situadas e condicionadas, buscando compreender as

diferentes formas pelas quais os seres humanos se organizam em sociedade através do

tempo para a produção e reprodução da vida. Os seres humanos se relacionam com a

natureza por meio do trabalho, transformando-a para atender às suas necessidades:

realiza atividades no presente, por meio de ferramentas do passado, visando atender as

1 Os autores, buscando aporte nos estudos críticos das Ciências Sociais, delimitam uma agenda de

pesquisa para a ACD a partir de uma revisão de teorias críticas da modernidade tardia (focando

Habermas, Giddens e Beck), além de se referirem também as narrativas do feminismo e pós-modernismo.

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necessidades futuras, mediando a relação entre gerações por meio de mercadorias,

ferramentas ou equivalentes, como o dinheiro (Novicki, 2007).

Layrargues (2006) aponta a cultura e o trabalho como elementos de mediação da

relação que o ser humano estabelece com a natureza e propõe duas abordagens para a

questão ambiental: uma abordagem filosófica e uma abordagem sociológica. Enquanto

na primeira abordagem, é a cultura o elemento mediador da relação dos seres humanos

com a natureza, na abordagem sociológica, é a categoria trabalho que media essa

relação. E, por essa perspectiva, segundo esse autor, é possível visualizar as

singularidades dos diversos atores sociais e seus distintos modos de se relacionar com o

ambiente. (...) a repartição dos benefícios (a geração de riqueza) e prejuízos (a geração

de danos e riscos ambientais) do acesso, apropriação, uso e abuso da

Natureza e recursos ambientais em geral, através do trabalho na sociedade

capitalista, é sempre mediada por relações produtivas e mercantis, e como tal,

está sujeita à assimetria do poder nas relações sociais, expondo ao risco

ambiental os grupos sociais vulneráveis às condições ambientais em processo

de degradação (como as populações marginalizadas nos centros urbanos), ou

dependentes de recursos naturais em processo de exaustão (como as

populações indígenas e extrativistas) agravando a já delicada situação de

opressão social e exploração econômica a que tais grupos sociais são

impostos pelos setores dirigentes. (LAYRARGUES, 2006, p. 81, grifos

nossos)

Por esse viés, é possível compreender a dinâmica da produção e da distribuição

de riquezas na sociedade, tendo em vista os cenários de conflitos socioambientais, as

injustiças ambientais e a degradação ambiental e, conseqüentemente, entender o tripé

conceitual da base materialista da questão ambiental: risco, conflito e justiça

socioambiental (Layragues, 2006). O presente texto, portanto, toma como marco teórico

a análise da relação dos seres humanos entre si e destes com sua base natural de

existência, a partir da categoria trabalho. Entendemos que o exame dessas relações nas

sociedades atuais intrinsecamente envolve a análise das mudanças nas relações

produtivas e mercantis no cenário contemporâneo. E, nesse contexto é preciso observar,

conforme assinala Ciavatta (2010):

[...] as necessidades do mundo do trabalho permeado pela presença da ciência

e da tecnologia como forças produtivas, geradoras de valores, fontes de

riqueza. Mas, também, por força de sua apropriação privada, gênese da

exclusão de grande parte da humanidade relegada às atividades precarizadas,

ao subemprego, ao desemprego, à perda dos vínculos comunitários e da

própria identidade. (CIAVATTA, 2010, p.85)

Por essa perspectiva, importa-nos compreender as modificações ocorridas nas

relações entre os seres humanos e destes com a natureza no âmbito do atual modelo de

desenvolvimento empreendido pelo capital, refletindo sobre as intensas modificações

ocorridas nas relações sociais e ambientais na atual fase da vida social, marcadas pelo

capitalismo globalizado. Essas relações são definidas a partir de uma lógica de

desigualdade social e injustiça ambiental com a precarização nas relações de trabalho,

denotando uma série de conflitos socioambientais complexos subjacentes aos modos de

produção e consumo nas sociedades capitalistas contemporâneas. No contexto das

diversas modificações econômicas, sociais e políticas na economia global, Fairclough

(2005) assinala o acirramento da desigualdade social e da degradação ambiental, com

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especial destaque para a exploração nas relações de trabalho observando que o

neoliberalismo:

It has been imposed on the post- socialist economies as (allegedly) best

means of rapid system transformation, economic renewal, and re-integration

into the global economy. It has led to radical attacks on universal social

welfare and the reduction of the protections against the effects of markets that

welfare states provided for people. It has also led to an increasing division

between rich and poor, increasing economic insecurity and stress even for the

‘new middle’ classes, and an intensification of the exploitation of labour. The

unrestrained emphasis on growth also poses major threats to the environment.

(FAIRCLOUGH, 2005, P. 5, grifos nossos)

O fenômeno da globalização, compreendido inclusive pelas mudanças nas

relações entre as economias global, nacional e local, assume grande relevância nessas

intensas transformações. E ainda de acordo com Fairclough (2005), as transformações

ocorridas no cenário contemporâneo envolvem a reestruturação de relações entre os

campos econômicos, políticos e sociais e o redimensionamento de relações entre as

diferentes escalas da vida social: o global, o regional, o nacional e o local. O autor

define o neoliberalismo como um projeto político que facilita essa reestruturação e

redimensionamento das relações sociais para atender às demandas de crescimento do

capitalismo global. Observando a globalização a partir das novas relações entre as

diferentes escalas da vida social e entendendo o papel central que a linguagem ocupa

nesse processo é preciso considerar, conforme Blommaert (2006) que, “os eventos e os

processos na globalização ocorrem em diferentes níveis de escala e nós vemos

interações entre as diferentes escalas como um aspecto central para a compreensão de

cada evento e processo” (p. 2). O autor destaca que a globalização pode contribuir para

novas formas de localidade.

Entendendo o novo capitalismo como um rearranjo de práticas sociais,

Fairclough (2005a) assinala a importância da linguagem observando que: “os

conhecimentos são produzidos, circulam e são consumidos como discursos, os quais são

operados como novas formas de agir e interagir (inclusive como novos gêneros) e

inculcados como novas formas de ser, novas identidades (inclusive com novos estilos)”

(p. 315).

Assim sendo, interessa-nos olhar para as mudanças sociopolíticas e econômicas

no cenário contemporâneo, entendendo as influências do neoliberalismo e da

globalização econômica sobre as relações sociais e ambientais no âmbito das sociedades

capitalistas atuais, ressaltando a relevância que a linguagem assume nesses processos. A

pertinência da ACD no exame das relações entre práticas discursivas e sociais, com

vistas à mudança social, a constitui como um importante caminho teórico metodológico

para estudar as transformações da realidade social e histórica, bem como as

possibilidades de mudanças sociais. Essa perspectiva vai ao encontro do que a Educação

Ambiental Crítica, apoiando-se na Teoria Crítica assume, uma vez que “... para a Teoria

Crítica a Educação é mais um campo de disputa que cumpre um papel de desalienação

ideológica das condições sociais, evidenciando que as coisas nem sempre foram assim,

e que não tem porque continuarem assim sendo” (LAYRARGUES, 2006, p.77).

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3. Bases da Análise Crítica do Discurso

A ACD compreende a vida social como uma rede de práticas sociais interligadas

e o discurso (semiose entendida como todas as formas de construção de sentidos) é

entendido como um momento desses processos sociais. Além do elemento discursivo,

as práticas sociais incluem outros três elementos sociais dialeticamente relacionados: as

relações sociais e as identidades sociais; a atividade material (atividade produtiva e

meios de produção); valores, crenças e desejos. A ACD se preocupa em analisar as

relações dialéticas entre o discurso e esses outros elementos das práticas sociais.

Buscando uma teoria social da linguagem como um método para estudar a

mudança social, Fairclough (2001) propôs em 1989 (e aprimorou em 1992) uma

abordagem tridimensional do discurso: texto, prática discursiva e prática social. Nesse

modelo, ao considerar a dimensão da prática discursiva, os aspectos referentes à

intertextualidade e à interdiscursividade constituem-se importantes marcos analíticos

para compreender e empreender os processos de mudança social, entendendo que é por

meio dessa inter-relação que a prática discursiva pode intermediar as dimensões da

prática social e do texto, conforme assinala Fairclough (2001, p. 115): “é a natureza da

prática social que determina os macroprocessos da prática discursiva e são os

microprocessos que moldam o texto”. No que se refere ao enfoque do discurso como

texto, nesse enquadre analítico assinalam-se três aspectos apontados por Fairclough

(2001): os processos de lexicalização, pois se relacionam com significância política e

ideológica; o sentido da palavra, considerando que “as estruturações particulares das

relações entre as palavras e das relações entre os sentidos de uma palavra são formas de

hegemonia; e, as metáforas com suas implicações políticas e ideológicas”. No que tange

a dimensão da prática social, salienta-se a relevância dos conceitos de ideologia e

hegemonia, como importantes elementos analíticos, pois permitem refletir sobre as

práticas sociais em termos de reprodução das relações de poder sobre as hegemonias

existentes, bem como as questões ideológicas relativas às práticas discursivas.

Importa, porém, considerar as mudanças nas propostas teórico-metodológicas na

disciplina ACD a partir do movimento desse modelo tridimensional para o enquadre

proposto por Chouliaraki e Fariclough (1999; 2007), conforme observam Resende e

Ramalho (2004). Ressaltamos ainda, nesse enquadre, o destaque para o aprimoramento

do caráter emancipatório da ACD, por meio do aprofundamento das bases sociais da

disciplina fomentado pelo diálogo com a perspectiva crítica das ciências sociais,

conforme assinalam as autoras: No enquadre de ADC de Chouliaraki e Fairclough (1999), o objetivo é

refletir sobre a mudança social contemporânea, sobre as mudanças globais de

larga escala e sobre a possibilidade de práticas emancipatórias em estruturas

cristalizadas na vida social. Para alcançar esse objetivo, a ADC assentada

como reflexão sobre o discurso é localizada no contexto da Modernidade

Tardia. O seu enquadramento dá-se: (i) numa visão científica de crítica

social; (ii) no campo da pesquisa social crítica sobre a modernidade tardia; e

(iii) na teoria e na análise lingüística e semiótica. (RESENDE e RAMALHO,

2004, p. 190)

Na perspectiva adotada em Chouliaraki e Fairclough (1999), a prática social

assume um importante destaque, entendendo que “a vantagem de focar sobre as práticas

é que elas constituem um ponto de conexão entre estruturas abstratas e seus

mecanismos, e os eventos concretos – entre a sociedade e as pessoas em suas vidas” (p.

21). Uma prática social, portanto, é um modo de agir na sociedade conforme a posição

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dentro da rede de práticas estruturada em uma ordem social compartilhada. Por outro

lado, por meio da prática social há ação social e interação que reproduz ou transforma a

estrutura social. Por essa perspectiva, é possível compreender a recursividade entre

estrutura social e agência. As práticas sociais, conforme assinala Pennycook (2010, p.

29), mediam a ação individual e a estrutura social: “(...) práticas não são um fim em si

mesmas, mas sim parte de um mundo social mais amplo. Práticas prefiguram atividade:

elas não são redutíveis às coisas que fazemos, mas sim, são o princípio organizador

subjacente a elas”.

A ACD é uma disciplina que se preocupa com o papel da linguagem (discurso)

nas práticas sociais. A linguagem figura na ação, na representação da ação, assim como

é parte do desempenho da pessoa conforme a sua posição dentro da prática social. A

linguagem como parte da atividade social, relativa ao modo como agimos, constitui

gêneros discursivos, enquanto que a linguagem atuando na maneira como

representamos, constitui as representações discursivas. O modo como identificamos as

diferentes identidades, os diferentes modos de ser, conforme posições particulares,

constitui os estilos. O uso da linguagem como prática social, portanto, constitui-se em

um modo de ação, socialmente e historicamente situado, numa relação dialética com

outros elementos sociais. E assim, conforme Resende (2007) por meio da análise

discursiva, historicamente situada, é possível perceber a articulação dos outros

momentos da prática no discurso. O discurso é informado pela estrutura social assim

como também é constitutivo da estrutura social, denotando a relação dialética entre

discurso e sociedade. No que tange a relação do discurso com a hegemonia, Resende

(2007) assinala que as hegemonias são produzidas, reproduzidas, contestadas e

transformadas no discurso, assumindo a forma da prática discursiva nas interações

verbais. De igual forma, a hegemonia de um grupo depende da capacidade de gerar

práticas discursivas que a sustentem.

Mediante o exposto, vale ressaltar duas importantes questões nessa perspectiva

teórica da ACD e o seu potencial para transformação social: 1) o uso da linguagem e a

possibilidade de reprodução ou transformação das estruturas; 2) e, a relação dialética

entre discurso e hegemonia. De acordo com Fairclough (2001):

O uso da linguagem é, entretanto, constitutivo tanto de formas socialmente

reprodutivas quanto de formas criativas, socialmente transformativas, com

ênfase em uma ou outra em casos particulares dependendo das circunstâncias

sociais (por ex., se são geradas dentro de relações de poder amplamente

estáveis e rígidas ou flexíveis e abertas) (p. 33)

Compreendendo, portanto, o papel que a linguagem desempenha no cenário

contemporâneo neoliberal pela projeção e construção de novas relações sociais, novas

formas de identidade e novos valores e crenças, o aporte teórico-metodológico ACD:

(…) can constitute a resource for struggle in so far as it does not isolate

language but addresses the shifting network of practices in a way which

produces both clearer understanding of how language figures in hegemonic

struggles around neo-liberalism, and how struggles against neo-liberalism can

be partly pursued I language. (FAIRCLOUGH, 2000, p. 148)

Deste modo, a atual ordem neoliberal globalizada do novo capitalismo pode ser

entendida como a ordem social na qual as práticas se inter-relacionam. Por esse viés

compreensivo, a seguir, pautando-se no enquadre proposto por Chouliaraki e Fairclough

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(2007), colocamos em debate as representações das mudanças econômicas e sociais no

contexto da emergência de uma nova ordem sócio-econômica no novo capitalismo

global.

4. Elementos metodológicos da ACD que estruturam as análises

Tomando como objeto de pesquisa a linguagem no novo capitalismo, Fairclough

(2000) assinala que o projeto da nova ordem social é em parte um projeto lingüístico,

pois implica a imposição de novas representações do mundo, novos discursos; e, ainda é

parte importante da nova ordem, a constituição de novas formas no uso da linguagem.

Chouliaraki e Fairclough (1999) propõem uma estrutura analítica para a ACD,

organizada em cinco etapas: 1. Definição de um problema; 2. Identificação de

obstáculos para a superação do problema; 3. Verificação do problema na prática; 4.

Identificação de possíveis caminhos para superar os obstáculos; 5. Reflexão sobre a

análise.

No primeiro estágio observa-se que a ACD parte de um problema na vida social.

conforme Fairclough (2005): “A ACD é uma forma de ciência social crítica, projetada

para mostrar problemas enfrentados pelas pessoas em razão das formas particulares de

vida social, fornecendo recursos para que se chegue a uma solução.” (p. 312)

A segunda etapa envolve: I. a análise da conjuntura; II. a análise da prática

particular; III. a análise do discurso. A análise da conjuntura implica a caracterização da

configuração das práticas nas quais o discurso em questão está inserido. Conforme

Chouliaraki e Fairclough (2007) assinalam, um aspecto da análise da conjuntura implica

em localizar o discurso relacionando-o às circunstâncias e aos processos de sua

produção e de seu consumo, o que permite refletir sobre as diferentes interpretações do

discurso na análise. A análise de uma prática particular precisa atentar para as relações

dialéticas entre o discurso e os outros momentos da prática social. E, a análise do

discurso em si, implica observar os gêneros, as diferentes vozes e os vários discursos

que são articulados na prática discursiva.

Fairclough (2005a) assinala três objetos de análise das práticas sociais no novo

capitalismo: dominação, diferença e resistência. Nesse sentido, as questões a serem

realizadas são: a) Quais gêneros, discursos e estilos são dominantes? b) Como esses

gêneros, discursos e estilos são disseminados internacionalmente, reescalonados e

reestruturados? c) Quem tem ou não acesso às formas dominantes? d) Como outros

gêneros, discursos e estilos são afetados pela imposição das formas dominantes?

Conforme observa o autor, é preciso atentar para que não se recaia no equívoco de

considerar apenas as formas dominantes como as únicas existentes. Importa olhar para

os processos de apropriação de novas formas. Os gêneros, discursos e estilos

dominantes, são apropriados e combinados com formas antigas, resultando em diversos

processos de resistência.

Chouliaraki e Fairclough (2007) ao olharem para as representações sobre

mudança na economia global demonstram como agentes responsáveis pelas mudanças

no campo econômico são apagados e a economia global é apresentada como um fato

inevitável e não como um processo construído, passível de resistência e oposição.

Demonstra o uso de recursos lingüísticos para o apagamento desses agentes. A exclusão

é vista como uma condição em que as pessoas estão e não como uma condição

resultante dos diversos processos sociais. Na sua análise, a mudança na economia

globalizada é representada como algo externo, abstrato e inquestionável. O processo é

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naturalizado, visto como irreversível e inexorável e as pessoas devem ajustar-se a ele. O

discurso da globalização aparece como um processo sem agentes e que afeta a todos de

maneira semelhante. Ao enfocar na dimensão da representação uma importante questão

a ser considerada refere-se à perspectiva da representação dos eventos sociais como

recontextualização. Na representação de um evento social há o hibridismo de diferentes

discursos e implica transformação para acomodação ao novo contexto e ao novo

discurso. Nesse processo elementos dos eventos sociais são selecionados, de modo que

é possível identificar quais elementos foram enfatizados, quais foram silenciados, quais

foram legitimados, como os eventos são rearranjados e assim observar a incorporação e

a recontextualização dos eventos sociais. (FAIRCLOUGH, 2005). De acordo com o

autor, diversos elementos dos eventos sociais podem ser materializados nos textos:

“What can be represented in clauses includes aspects of the physical world (its process,

objects, relations, spatial and temporal parameters), aspects of the ‘mental world’ of

thoughts, feelings, sensations and so forth, and aspects of the social world”

(FAIRCLOUGH, 2005, p. 134).

Tendo em vista a complexidade e o dinamismo subjacente as atividades de

significação no cenário sociolingüístico contemporâneo, importa compreender esses

contextos em que as práticas discursivas se constroem. Conforme Blommaert (2010) a

sociolingüística da globalização é configurada por uma sociolingüística da mobilidade:

(...) a mobilidade semiótica tem todos os tipos de efeitos sobre os sinais que

estão envolvidos em tal mobilidade. Esses processos precisam ser

compreendidos porque eles constituem o cerne da globalização como um

fenômeno sociolinguístico. No contexto da globalização, recursos

lingüísticos alteram o valor, função, propriedade e assim por diante, porque

eles podem ser inseridos nos padrões de mobilidade (BLOMMAERT, 2010,

p. 32).

A perspectiva da linguagem como prática local fornece visibilidade aos diversos

embates de significado, questionamento de idéias e significados normativos,

contradições e jogos de poder presentes nas práticas sociais cotidianas, conforme

observa Fabrício (2013). A autora, apoiando-se nos estudos que focam a questão da

diversidade assinala “os modos variados como aspectos e ingredientes lingüísticos

individuais associados a repertórios sociais e culturais específicos se misturam a outros,

nos momentos de comunicação”. (FABRICIO, 2013, p. 153). Ressalta-se a importância

de focalizar não apenas a linguagem de poder, mas visualizar para as formas de

resistência a ela. Ao olhar para a relação dialética entre local e global, importa, portanto,

atentar para a mobilidade exacerbada de textos e recursos semióticos, caracterizando o

dialogismo dinâmico que marca o cenário sociolingüístico contemporâneo, o que

colabora para um maior atrito de repertórios culturais, implicando recontextualizações

locais. Essa perspectiva aponta para níveis de sobreposição entre o macroglobal e o

microlocal como domínios entrelaçados que implicam recontextualizações locais e

reapropriações criativas.

5. Contribuições para a perspectiva crítica da questão ambiental

Da ACD empreendida por Chouliaraki e Fairclough (2007) e as análises sobre as

representações da mudança da economia global, ressaltamos alguns aspectos para a

questão ambiental. Compreendendo a ACD como um aporte teórico-metodológico,

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interessa-nos refletir tanto sobre os resultados das análises sobre a representação da

mudança na economia global, assim como os caminhos analíticos realizados pelos

autores, assinalando o que esse referencial possibilita apreender sobre a realidade social

e ambiental.

No que se refere aos resultados das análises, o atual processo de mudanças na

atual ordem social é visto como inevitável, como o único caminho, imutável,

inquestionável, como um fato que temos que nos ajustar. A inexorabilidade da atual

ordem social constitui-se em uma poderosa estratégia discursiva para manter o status

quo. Fairclough (2000) no contexto da análise das representações sobre a mudança

econômica e social assinala que:

Un rasgo clave del discurso neoliberal consiste en representar la

globalización y la economía global como hechos inevitables, inapelables y

externos, a los cuales población, gobiernos y otros actores sociales han de

ajustarse sin albergar expectativas de cambio. (FAIRCLOUGH, 2000, p.24)

Uma implicação dessa estratégia discursiva é a compreensão do atual modelo de

desenvolvimento da atual fase do capitalismo como único caminho. Ao analisar as

percepções sobre a crise ambiental, Ventura e Sousa (2010) observam que:

O atual modelo societário se encontra tão enraizado no pensamento

contemporâneo que se mescla à própria condição humana. Com isso, reduz

os horizontes de mudanças, pois não se percebe esse modelo e seus valores

enquanto historicamente instituídos, da mesma forma que outros modelos e

outros valores podem ser reinstituídos. (VENTURA e SOUSA, 2010, p. 22)

Importa assinalar que a ACD preocupa-se com a análise das estratégias

discursivas que legitimam o controle, que naturalizam a ordem social e, especialmente,

as relações de desigualdade. Partindo da proposta analítica de Chouliaraki e Fairclough

(1999), a partir da identificação do problema, em uma visão mais ampla da ordem social

emergente, é preciso observar os obstáculos necessários para superar o problema. Nesse

sentido, um obstáculo encontrado pelos autores refere-se a essa inexorabilidade do

capitalismo global neoliberal. Essa representação da mudança como inevitável constitui

se uma estratégia discursiva legitimadora da nova ordem social.

Um dos aspectos dessa perspectiva teórico-metodológica consiste na

identificação e superação dos obstáculos para resolver os problemas sociais

contemporâneos. Dessa forma, por meio da análise da rede de práticas é possível

identificar a rede que sustenta e legitima alguns discursos da nova economia global.

Cabe ressaltar o papel da linguagem na imposição e legitimação dessa nova ordem. Por

meio da análise discursiva, por exemplo, é possível observar como determinados

gêneros, discursos e estilos são dominantes. Por meio da análise interacional é possível

observar que as representações dominantes da nova ordem global têm certas

características lingüísticas, como por exemplo, o apagamento dos agentes sociais. Os

processos sociais são representados sem agentes sociais responsáveis, eles são abstratos

ou inanimados. Outro aspecto dessa análise reside no fato de algumas pistas lingüísticas

que denotam a necessidade de que os agentes se ajustem a esse único caminho, o que foi

possível observar na análise textual a partir de uma lista de recomendações a serem

seguidas pelas pessoas em ajustes ao atual sistema.

Uma das implicações dessa representação discursiva da mudança como um

simples fato, para o qual não há outras possibilidades, quando analisamos a questão

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ambiental, é possível observar a busca de compatibilizações e adaptações ao atual

sistema sócio-econômico político:

Seguindo a lógica da expansão do consumo, a solução (...) repousa na

necessidade do desenvolvimento de condições sociais e ambientalmente

igualitárias, não sendo questionada a insustentabilidade da atual lógica de

produção e consumo; antes, propõem um “consumismo sustentável”, como se

fosse possível que a base natural de sustentação material pudesse comportar o

consumo material de todos, dentro da lógica do atual sistema societário.

(VENTURA e SOUSA, 2010, p. 24)

Observamos que a hegemonia assume a forma da prática discursiva em

interações verbais, gerando práticas discursivas que a sustentem. Esse aspecto da

relação entre discurso e hegemonia pode ser entendido a partir dos discursos que

buscam ajustes no atual sistema societário sem que, no entanto, sejam alterações as suas

raízes, conforme é demonstrado em Ventura e Sousa (2010):

O sistema atual se mostra tão forte e hegemônico que os seus valores e

pressupostos são vistos com muita obviedade, como se sempre tivesse sido

assim. Negligenciar tal questão resulta na percepção de que cabem ajustes no

atual sistema, de modo a corrigir certas deformidades como, por exemplo, os

problemas ambientais, conforme pode ser observado no discurso

conciliatório desses jovens. (VENTURA e SOUSA, 2010, p. 29)

No âmbito da análise das representações da nova economia, Chiapello e

Fairclough (2002) observam a ausência da dimensão histórica, de modo que os

processos sociais e econômicos aparecem como fatos, em uma representação discursiva

da mudança apresentada de forma autoritária.

Ressalta-se, portanto, a articulação entre os diferentes elementos das práticas

sociais, abrindo possibilidades de rearticulação e desarticulação desses elementos.

Entendendo a centralidade da prática no enquadre proposto por Chouliaraki e

Fairclough (1999) importa olhar para os eventos conectados com as práticas discursivas,

percebendo o discurso como a dimensão articuladora da experiência local e individual e

a dimensão sócio-histórica. Vale ressalvar alguns aspectos da análise textual conforme

Fairclough (2005): “To assess the causal and ideological effects of the texts, one would

need to frame textual analysis within, for example, organizational analysis, and link the

‘micro’ analysis of the texts to the ‘macro’analysis of how power relations work across

networks of practices and structures” (pp. 15-16).

Dessa forma, pensar sobre como os diversos discursos são atualizados e

reciclados nas práticas locais nos remete a reflexão sobre a relação entre agência e

estrutura, conferindo novas perspectivas analíticas nas quais há um movimento que se

forja nas práticas locais para as estruturas macrossociais e não somente o inverso. Por

essa perspectiva, ressaltamos a possibilidade da emergência de práticas locais de

resistência e mudança social. Pennycook (2010) enfatiza esse olhar para as práticas

locais assinalando os movimentos de agenciamento que podem surgir dessas práticas:

“A globalização precisa ser compreendida não só em termos de reações dos movimentos

globais de cima, possibilitadas pelas novas mídias, instituições e tecnologias, mas

também em termos de movimentos locais sendo feitos na direção do global”

(PENNYCOOK, 2010, p. 4).

A ênfase conferida ao local como espaço dinâmico de criação discursiva pensa a

fluidez e a mobilidade que caracterizam o cenário sociolingüístico contemporâneo.

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Nessa perspectiva, Pennycook (2010) observa a linguagem como atividade social

repetida e confere especial atenção para os processos de repetição e relocalização.

Como pensar as possibilidades de agenciamento e mudança social a partir desses

processos? Refletindo sobre a dinâmica dos processos comunicativos, cada situação de

repetição é única e o novo pode se instaurar na repetição, pois toda repetição engendra

algum tipo de transformação, conforme observa Pennycook (2010, p. 29): “Repetição,

até mesmo da "mesma coisa", sempre produz algo de novo, de modo que quando

repetimos uma idéia, uma palavra, uma frase ou um evento, é sempre renovada”.

A dialética local-social compreendida pelas relações entre os contextos

interacionais imediatos e os contextos transituacionais abarca a complexidade dos

processos discursivos no contexto da globalização. E por esse ponto de vista:

(...) referências lingüísticas, culturais e identitárias usuais, cujo centro

normativo se encontra associado a sentidos de estabilidade, homogeneidade,

fixidez e territorialidade vão convivendo com o questionamento, o

descentramento, o transito e a mestiçagem de idéias, cada vez mais,

operatórias – operacionalidade derivada da compreensão da situacionalidade

histórica e política dos significados organizadores da experiência social (...)

(FABRÍCIO, 2013, p. 152)

Considerando as questões de interesse de pesquisa aqui assinaladas, a análise

crítica do discurso deve contemplar esse dinamismo inerente as atividades de

significação no cenário sociolingüístico contemporâneo, delineado pela mobilidade

geográfica e mobilidade dos processos discursivos. Por esse horizonte interpretativo,

são enfatizadas: a) as relações de poder associadas às práticas discursivas; b) as

conexões entre os processos sócio-históricos persistentes e as experiências sociais

contingentes; c) as relações recursivas entre linguagem e estrutura social; d) a natureza

do discurso na situação interacional; e) e, as possibilidades de emergência de práticas de

resistência e mudança social. Esses aspectos constituem-se fundamentais para a análise

crítica do discurso e se coadunam com as perspectiva críticas da questão ambiental,

materializadas no seguinte trecho:

Teremos que ser eminentemente críticos para, coletiva e solidariamente,

forjar capacidades de resistência e alternativas novas que nos permitam

transformar nosso imaginário social e, em conseqüência, boa parte do que

hoje consideramos natural, na nossa prática e no nosso dia-a-dia. (LEROY e

PACHECO, 2006, p. 45)

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