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1 DISPUTA DE PROJETOS DA EDUCAÇÃO ENTRE AS CORRENTES NACIONALISTA, CATÓLICA E ESCOLA NOVA NOS ANOS 1930: A CONTRIBUIÇÃO TEÓRICA DE FERNANDO DE AZEVEDO PARA O PLANO DE EDUCAÇÃO NACIONAL NO MINISTÉRIO CAPANEMA Rafael Gonçalves Gumiero 1 Aline Vanessa Zambello 2 RESUMO: A educação perpassa o debate brasileiro em todos os níveis e épocas, mas, nos anos 1930, em especial, esse debate lançou as bases para a constituição de um conjunto de ideias que pautou reformas e mudanças. Propomos apresentar dois movimentos nessa comunição. O primeiro é apresentar em que medida houve o avanço na interpretação do diagnóstico do atraso e um prognóstico projetado por meio da educação para a modernização do Brasil. Procuramos identificar as propostas de Fernando de Azevedo, representante da Escola Nova, para o papel da educação para o desenvolvimento do Brasil, com destaque as suas obras Novos Caminhos e Novos Fins, de 1927, e A cultura brasileira, de 1943. Em um segundo movimento, a ideia de progresso formulada pelas diferentes escolas ideológicas transcendeu da arena de debates para a engenharia do Estado, encontrando o arranjo institucional adequado para a sua normatização no Ministério da Educação e Saúde, de Gustavo Capanema. Podemos afirmar o projeto de educação transitou da arena de debates para o núcleo institucional do Estado, sendo legitimada como um programa de órgãos estatais destinados a promover a expansão para todos ao ensino gratuito e universal. Dessa forma, pretendemos averiguar quais propostas da “Escola Nova” foram adotadas pelo Ministério Capanema e ressignificadas em diretrizes no Plano Nacional de Educação. PALAVRAS-CHAVE: Ministério Capanema; Fernando de Azevedo; educação; modernização; déficit cultural; 1. INTRODUÇÃO A partir dos anos 1930, os componentes ideológicos passaram a ter um peso fundamental no enredo político, e a educação ocupou o centro dos debates ideológicos. A arena de embates das ideias vinha sendo consolidada 1 Doutorando do Programa de Pós Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Bolsista CAPES Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. 2 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Bolsista CAPES Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

DISPUTA DE PROJETOS DA EDUCAÇÃO ENTRE AS … · afastava da concepção de doutrina na educação autoritária, ... Associação Brasileira de Educação, diretor da ... despontavam

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DISPUTA DE PROJETOS DA EDUCAÇÃO ENTRE AS

CORRENTES NACIONALISTA, CATÓLICA E ESCOLA NOVA

NOS ANOS 1930: A CONTRIBUIÇÃO TEÓRICA DE FERNANDO

DE AZEVEDO PARA O PLANO DE EDUCAÇÃO NACIONAL NO

MINISTÉRIO CAPANEMA

Rafael Gonçalves Gumiero1 Aline Vanessa Zambello2

RESUMO: A educação perpassa o debate brasileiro em todos os níveis e épocas, mas, nos anos 1930, em especial, esse debate lançou as bases para a constituição de um conjunto de ideias que pautou reformas e mudanças. Propomos apresentar dois movimentos nessa comunição. O primeiro é apresentar em que medida houve o avanço na interpretação do diagnóstico do atraso e um prognóstico projetado por meio da educação para a modernização do Brasil. Procuramos identificar as propostas de Fernando de Azevedo, representante da Escola Nova, para o papel da educação para o desenvolvimento do Brasil, com destaque as suas obras Novos Caminhos e Novos Fins, de 1927, e A cultura brasileira, de 1943. Em um segundo movimento, a ideia de progresso formulada pelas diferentes escolas ideológicas transcendeu da arena de debates para a engenharia do Estado, encontrando o arranjo institucional adequado para a sua normatização no Ministério da Educação e Saúde, de Gustavo Capanema. Podemos afirmar o projeto de educação transitou da arena de debates para o núcleo institucional do Estado, sendo legitimada como um programa de órgãos estatais destinados a promover a expansão para todos ao ensino gratuito e universal. Dessa forma, pretendemos averiguar quais propostas da “Escola Nova” foram adotadas pelo Ministério Capanema e ressignificadas em diretrizes no Plano Nacional de Educação.

PALAVRAS-CHAVE: Ministério Capanema; Fernando de Azevedo; educação; modernização; déficit cultural;

1. INTRODUÇÃO

A partir dos anos 1930, os componentes ideológicos passaram a ter um

peso fundamental no enredo político, e a educação ocupou o centro dos

debates ideológicos. A arena de embates das ideias vinha sendo consolidada

1 Doutorando do Programa de Pós Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de

São Carlos (UFSCar). Bolsista CAPES – Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior. 2 Mestranda do Programa de Pós Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de

São Carlos (UFSCar). Bolsista CAPES – Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.

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nas décadas anteriores a de 1940, quando finalmente encontrou a sua forma

acabada, o que repercutiria em todo o clima político e ideológico do Brasil

(SCHWARTZMAN, BORMEY, COSTA, 2000).

Nessa década, o meio social dos intelectuais foi balizado pelo princípio

de organização e esse tema tomou conta, como estratégia, das ações que

orientaram as mudanças no Brasil. Desse modo, podemos apontar que a

intelligentsia se constituiu nesse momento no Brasil, compreendeu:

um conjunto de atores socais que valorizou o que era o brasileiro, despertou pelo atraso cultural do país, interrogou sobre as estruturas da sociedade, procurou sua identidade social e tentou estabelecer uma ponte entre a modernidade e modernização do país, ou seja, um conjunto de atores que clamou por reformas sociais (MARTINS, 1987, p. 87).

Ao mesmo tempo em que esses intelectuais buscavam uma identidade

balizada pelos conceitos de nação, povo, eles buscaram meios para alcançar o

“moderno”. O diagnóstico do Brasil esteve associado ao tradicional, atrasado.

Em um sentimento misto pela busca da identidade e do moderno, os

intelectuais apresentaram como “redentora” desse diagnóstico a educação,

enquanto processo civilizatório, capaz de providenciar a cultura, que

modificaria o “ethos” dos indivíduos.

Antecedeu o movimento das ideias em torno da educação como

prognóstico para a superação do atraso, a interpretação proferida pelos

literários regionalistas – Euclides da Cunha, Lima Barreto, Machado de Assis,

sobre o enigma do povo brasileiro. Na Primeira República, 1989-1929, o

diagnóstico do Brasil foi resultado de déficits e que poderiam ser

compreendidos enquanto atraso. Logo, houve um inevitável digladiamento

entre os conceitos de atraso versus moderno.

Esse movimento foi primeiramente liderado pelos teóricos de literatura,

e, posteriormente, pelos teóricos que receberam, em grande medida, influência

deles e apresentaram interessantes e divergentes propostas de remediação

dessa situação no Brasil, através da educação.

O diagnóstico do Brasil para a “onda” de teóricos literários estava

associada a formação do povo brasileiro, indagando em um primeiro momento

3

quem era o homem brasileiro. Euclides da Cunha (1969) se propôs à dura

tarefa de pensar o conceito de progresso da nação no tocante à influência das

diferentes raças componentes do “tipo social brasileiro”. Como em um país em

que há miscigenação de raças seria possível buscar a evolução social no

Brasil? Em sua obra, “os Sertões” o teórico apresenta pistas dessa difícil

reflexão, e aponta a análise de “tipos sociais” sertanejos em relação aos

litorâneos, partindo do pressuposto de que não existe homem ideal, mas

homem circunstancial.

Portanto, Euclides da Cunha (1969) associa o ethos do homem do litoral

ao mimetismo do padrão econômico, cultura do homem da Europa, concebida

como lócus da modernidade. Enquanto, por outro lado, ao homem do sertão a

sua luta está associada à sobrevivência no meio em que vive, é uma luta

contra a natureza, o seu meio social se formaria a partir desse embate homem

versus meio.

O clímax da ideia de embate em Euclides da Cunha (1969) entre o

homem do sertão e o do litoral se daria na concepção de progresso para o

país. Para o referido teórico, o progresso para a civilização deveria ser

derivado de elementos nacionais, essencialmente da sua diversidade. Nesse

sentido, em sua análise houve uma preocupação aguda com os rumos do país

e as alternativas de projeto nacional para a evolução social do Brasil.

Outros teóricos partiram dessa constatação de atraso no Brasil para

pensar prognósticos para o desenvolvimento desse país. O Brasil permaneceu

durante longo tempo após a proclamação da republica sem um projeto de

âmbito nacional da educação. Contudo, a partir dos anos 1920 foi forjado um

amplo movimento nacional que defendia a educação como meio para instituir o

progresso da nação, e consequentemente, o seu desenvolvimento. Sob essa

perspectiva, o fenômeno do atraso no Brasil seria solucionado por meio da

educação, enquanto ferramenta capaz de instituir não apenas educação

gratuita para o povo, mas inserir o ethos necessário para alcançar a

modernização da sociedade civil, da econômica e da política, e assim por

diante.

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Como salientado anteriormente, a educação passa a ocupar espaço

central no campo de disputas ideológicas, e, logo, foram apresentadas

propostas de projeto nesse arena por representantes das chamadas “Escola

Nova” e a Igreja Católica.

As propostas da Escola Nova foram direcionadas pela defesa da escola

pública, universal e gratuita. Entre as suas linhas mestras, se destacaram a de

que todo o povo brasileiro deveria ter acesso ao ensino gratuito. Dessa forma,

a educação emergiria como “balança de equilíbrio” na geração de

oportunidades, aperfeiçoaria as qualidades de cada um dos indivíduos.

Naturalmente, que essa tarefa de grande envergadura caberia ao Estado e o

projeto da escola nova agregaria novos princípios pedagógicos, o que se

afastava da concepção de doutrina na educação autoritária, repetitiva de

conhecimentos, ensinamentos e apresentava como contraproposta métodos

mais criativos e menos rígidos de aprendizagem (SCHWARTZMAN, BORMEY,

COSTA, 2000).

Alguns atores e teóricos marcaram esse intenso embate de ideias, em

torno de projetos da educação. Entre eles destaco as figuras a seguir:

1) Anísio Teixeira foi diretor de Instrução Pública no Distrito Federal, de

1931 a 1934, mais tarde nomeada para a Secretaria da Educação e

Cultura, permanecendo até 1935 e Secretário da Educação da Bahia;

2) Fernando Azevedo, diretor de Instrução Pública do Distrito Federal

(1926-30) e do estado de São Paulo (1933), foi presidente da

Associação Brasileira de Educação, diretor da Faculdade de Filosofia,

Ciências e Letras da USP, entre 1941 e 1942, e autor de uma vasta

produção bibliográfica;

3) Manuel Lourenço Filho, responsável pela reforma na educação no

estado do Ceará na década de 1920, diretor geral do Ensino Público em

São Paulo, nos anos 1930, organizador do Instituto Nacional de Estudos

Pedagógicos em 1938;

4) Francisco Campos, responsável pelas reformas educacionais em Minas

Gerais, nos anos 1920, e primeiro ministro da Educação e Saúde de

Vargas (SCHWARTZMAN, BORMEY, COSTA, 2000).

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A Igreja Católica buscava papel político e apostava na educação como

área estratégica. Diante da proposta lançada pela Escola Nova, de conciliar a

educação com ensino mais prático, em um contexto de emergência do ideário

da industrialização, voltado para o desenvolvimento de habilidades exigidas

para a transformação concreta. Nesse sentido, as propostas da Nova Escola

despontavam em relação às da Igreja Católica, por meio de uma doutrina que

propunha conciliar a racionalização da fé, como um método científico aplicável

a sociologia, filosofia e à religião, consistindo na tarefa de “reespirutalizar a fé”

(SCHWARTZMAN, BORMEY, COSTA, 2000).

Nesse contexto, se apresentou o projeto político facista de Francisco

Campos. Em sua obra O Estado Nacional elabora uma feroz defesa a criação

do Estado Totalitário para substituir o Estado liberal-democrático. Segundo o

referido teórico, o processo de integração política será realizada no momento

em que houver o deslocamento da área de conflito para fora do contexto social

interno, ou seja, em um processo de internacionalização do conflito. O

problema crucial a ser apresentado era o de manter as massas em permanente

estado de irreflexão, de excitação e de inconsciência (SCHWARTZMAN,

BORMEY, COSTA, 2000).

No projeto político do Estado Novo, a educação desponta como uma das

áreas estratégicas que visava modelar o pensamento da juventude ao novo

ambiente político e para a convivência no Estado totalitário. Nesse paradigma

era indispensável para que o plano fosse bem sucedido a “idolatria” aos

símbolos. Nesse sentido, a participação da Igreja Católica seria importante,

enquanto mobilizadora de símbolos e rituais a partir da religiosidade da

população brasileira. Contudo, a nomeação de Capanema para o Ministério da

Educação arrefeceram essas medidas propostas por Campos.

O projeto educativo das Forças Armadas seria balizado a substituição de

punições físicas e castigos por um treinamento formalizado em disciplinas

como: a educação moral, a educação cívica, religiosa, familiar e educação

nacionalista. O Exército seria responsável pela educação da juventude.

Neste ínterim, nossa proposta é trabalhar como a educação passa a ser

apresentada como prognóstico para a superação do atraso no Brasil. Esse

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movimento das ideias suplantou a interpretação formulada pelos literários e

houve uma geração de intelectuais que se debruçaram em apresentar projetos

de ideias concorrentes, tendo a educação como eixo para o desenvolvimento

do Brasil. Nesse embate de ideias se destacou Fernando de Azevedo, que

apresentou uma visão de Brasil e apresentou a proposta de um plano nacional

de educação, de acordo com as diretrizes da Escola Nova para o

desenvolvimento do Brasil. Desse modo, pretendemos apresentar como a

concepção de superação do atraso é apresentado pela educação e como é

adequada ao ser institucionalizada como política, alcançando o seu ápice com

a formulação do Ministério da Educação, sob a gestão de Capanema.

2. FERNANDO DE AZEVEDO – ENTRE A PRÁTICA E A REFLEXÃO

Fernando de Azevedo pode ser classificado como um teórico que fez

parte da intelligentsia nacional, esteve dividido entre suas funções em

instituições públicas e na produção bibliográfica. A sua trajetória intelectual e

sua atuação institucional é vasta, o que permite Fernando de Azevedo seja

analisado em diferentes recortes. Evidentemente, pela limitação que as normas

impõe a esse trabalho optamos por fazer um recorte em sua longa trajetória,

priorizando o tratamento dado por ele ao papel da educação para o

desenvolvimento do Brasil, com destaque aos livros Novos Caminhos e Novos

Fins, de 1927, e A cultura brasileira, de 1943.

Fernando de Azevedo teve agitada participação na vida pública, isto é,

atuando dentro de instituições do Estado. Nos anos 1920, participou da

institucionalização da Sociologia no ensino superior, juntamente na campanha

em prol da criação da universidade pública. Nessa década, as reformas

educacionais foram empreendidas por Azevedo e Lourenço Filho, o que veio a

contribuir para o delineamento do sistema nacional de ensino no Brasil. Foram

signatários do movimento da Escola Nova e promoveram mudanças na

estrutura legal e administrativa dos Estados do Ceará (1922-23) e do Rio de

Janeiro (1927-30) e se firmaram como representantes da intelligentsia capaz

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de projetar, executar, conduzir e explicar as transformações necessárias para a

organização de instituições educacionais, culturais, científica do país.

Em 1933, foi diretor da Instrução Pública no Estado de SP, mesmo ano

de criação do “Código de educação”, o documento que formalizava a formação

docente no ensino superior e assegurou as condições necessárias para que o

Instituto de Educação3 (IEUSP) fosse a primeira instituição a ser criada no

Brasil. Nos anos 1930, também assumiu importante função como editor da

Companhia Editora Nacional, momento em que a Sociologia4 é estabelecida

como ferramenta científica e houve forte demanda por livros nessa área de

conhecimento no Brasil.

Azevedo se destacou como protagonista nesse processo por fomentar o

surgimento de novas e diferentes demandas por obras especializadas, a partir

do surgimento da Fundação do Instituto de Educação (IEUSP) e da FFCL, e na

direção de do projeto da Biblioteca Pedagógica Brasileira (BPB) da Cia Editora

Nacional. Essa coleção foi estruturada em cinco seções cientificas: 1) Literatura

Infantil; 2) Livros Didáticos; 3) Atualidades Pedagógicas; 4) Iniciação Científica;

5) Brasiliana. Azevedo foi responsável pelas últimas três seções5, dirigida por

ele no período de 1931 a 1946.

Dutra (2006 - Política, Nação e Edição - o Lugar dos Impressos na

Construção da Vida) compreende que a Coleção Brasiliana teve papel

fundamental na formação da intelligentsia no Brasil e na legitimização do

campo que a Sociologia estava estabelecendo no processo de inserção no

campo da cultura no Brasil, nos anos 1930. A autora dirime a seguinte

percepção sobre essa coleção:

3 O IEUSP foi importante para a institucionalização da Sociologia como área de

conhecimento e uma das disciplinas para o curso superior de formação de professores, o que estimulou a produção por livros especializados nessa área de conhecimento. Complementa esse painel, o papel desse instituto na formação do ensino e pesquisa para o surgimento de um número maior de intelectuais brasileiros, preocupados em colaborar para uma sistematização crescente das teorias e das metodologias sociológicas nesse país. 4 A Sociologia assumiu o epicentro de transformações sociais sofridas pelo Brasil a partir

da fundação da Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP), em 1933, e, a criação da USP, em 1934, em conjunto com a estruturação da Universidade do Distrito Federal (UDF), em 1935, que contou com a colaboração de Azevedo. 5 A partir da formação dessa grandiosa Coleção, podemos apreender que a COLEÇÃO

BRASILIANA foi responsável por reorientar a percepção sobre o significado do Brasil, A atualidades pedagógicas ficou responsável por instituir um novo léxico normativo no campo educacional do Brasil e a Coleção científica caracterizou-se no sentido de apresentação e introdução das ciências ao povo.

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Destacaram-se três implicações dessa organização da Brasiliana: a primeira, a efeito cognitivo da leitura de suas obras para a elaboração de uma interpretação a respeito da identidade nacional marcada pela pluralidade de abordagens teórica metodológica. Segunda, a concepção brasiliana de Estado Nação e, nesse, caminho, o suporte para conformar os diagnósticos e as alternativas para o Brasil, colaborando para a formulação de políticas públicas nos diferentes ramos. E, terceiro, o fato de a Brasiliana ter funcionado simultaneamente como “espaço estruturado” e “estruturante”, ou seja, se materializado nos livros, e desse modo, contribuído para moldar a mentalidade dos leitores orientando suas visões sobre o país.

No período de 1941-43, Azevedo dirigiu um dos núcleos centrais – A

Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), onde atuou como catedrático

de Sociologia Educacional e depois de Sociologia II. Nessa instituição de

ensino e pesquisa, Azevedo organizou a vinda de professores estrangeiros

para lecionar na FFCL, na área de pesquisa e ensino das Ciências Sociais.

Azevedo, figura como um dos interpretes do Brasil, que produziu um

diagnóstico calcado na situação cultural e educacional desse país. Ele foi um

dos mentores, articuladores e difusores do projeto de criação de uma

universidade no estado de São Paulo. Nesse sentido, Azevedo é reconhecido

como intelectual, que apostou no projeto de modernização pela educação no

Brasil.

A produção bibliográfica de Azevedo se propôs a um desafio, o de

investigar os caminhos práticos da organização e da mudança social no Brasil

e de proporcionar diretrizes para pensar cientificamente o Brasil, ou seja, ele

produziu a partir de uma refinada seleção, um repertório para a organização

instrumental teórico-metodológica da Sociologia até meados do século XX.

Esse instrumental teórico esteve direcionado para a reflexão a respeito do

legado científico, teórico e prático para o desenvolvimento do país, para uma

abordagem da cultura e da educação.

De acordo com Nascimento (2012) o conjunto de obras produzidas por

Azevedo permite que sejam apresentadas diferentes fases do seu pensamento:

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1) as obras Da Educação Física (1915), Novos Caminhos e Novos Fins (1932),

A cultura brasileira (1943) trabalharam direcionadas para a compreensão do

papel das ciências (Sociologia) no desenvolvimento da Sociologia brasileira; 2)

o conjunto de obras A cidade e o campo na civilização industrial, de 1962,

Princípios de Sociologia,de 1935, Sociologia educacional, de 1940, A cultura

brasileira, de 1943, As ciências no Brasil, de 1955, revisa a sua versão sobre a

institucionalização da Sociologia do país, assim como aponta algumas

definições conceituais que compuseram a sua versão sobre o instrumental

teórico metodológico dessa ciência;3) as obras A cidade e o campo na

civilização industrial (1962), Canaviais e engenhos na vida política do Brasil

(1948) e Um trem corre para o Oeste (1950) reuniu como tema a transição da

oposição entre a modernidade e tradição pela ideia de complementaridade

entre desenvolvimento e mudança social.

Destas diferentes fases do pensamento de Azevedo pretendemos

aprofundar a primeira, que trabalha com a disputa de campo ideológico da

educação entre os defensores da Escola Nova, liderada por Azevedo, e os

católicos. A educação emerge como principal alternativa para o progresso do

Brasil e a identificação desse país como Nação. Portanto, nessa fase do

pensamento de Azevedo é defendida a ideia de proposta de revolução

reformista, isto é, realizada dentro do status quo, da ordem, a educação

dedicada à orientação e a mudança social, com o propósito de garantia da

unidade nacional.

3. EM DEFESA À ESCOLA NOVA

Para Azevedo (1963) apreender as diversidades e as suas conexões em

uma sociedade, sobretudo considerando a alma do povo, a terra, os homens e

as instituições são elementos basilares na formação do Brasil. A busca pela

interpretação da identidade do povo brasileiro para o referido teórico nos anos

1930 estava em processo de transformação devido as mudanças econômicas e

sócio-culturais do país, o que se distanciava da interpretação pautada na

influência do clima, da raça na composição da sociedade brasileira.

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O pensamento de Azevedo aponta a cultura como portadora de uma

importante função na sociedade brasileira e é interpretada como o eixo da

modernização. Nesse aspecto a educação assume papel principal na

circulação e introdução de valores estabelecidos pela cultura. As instituições de

ensino herdaram essa tarefa como meio para o progresso da nação.

Portanto, dentro da longa trajetória da produção bibliográfica de

Fernando de Azevedo optamos por estabelecer um recorte menor, com ênfase

na potencialização que a cultura adquiriu, compreendida como racionalidades,

e ferramenta que pode provocar mudanças no ethos da sociedade brasileira.

Nesse recorte utilizamos as seguintes obras de Fernando de Azevedo: Novos

Caminhos e Novos Fins, de 1927; A Cultura Brasileira, de 1943. Essas obras

nos ajudam a estabelecer um novo parâmetro para pensar o moderno versus o

atraso, apresentando como alternativa para superação do atraso a inserção da

educação na sociedade, que em certa medida propõe que o intelectual deve

assumir a tarefa de difusão da cultura na sociedade. Nas palavras de Azevedo:

Essa função é, por conseguinte, uma função de produção, de circulação e de organização no domínio espiritual: criadora de valores e de bens espirituais, com que instaura um domínio que é uma pátria e um asilo para todos, a inteligência não só os distribui e se esforça por torná-los acessíveis a um maior número possível, como empreende a organização da sociedade, segundo pontos de vista espirituais, “atingindo a sua mais alta expressão quando empreende organizar a vida moral”. A cultura, pois nesse sentido restrito, e em tôdas as suas manifestações, filosóficas e científicas, artísticas e literárias, sendo um esfôrço de criação, de crítica e de aperfeiçoamento, como de realização de ideais e valores espirituais, constitui a função mais nobre e mais fecunda da sociedade, como a expressão mais alta e mais pura da civilização (AZEVEDO, 1963, p. 38).

Portanto, essas obras de Azevedo foram produzidas subjacentes às

transformações que ocorreram no Brasil nos anos 1930 – 1940, focando no

florescimento de instituições educacionais, de ensino geral e especializado,

com o intuito de transmissão da cultura em seus mais diversos aspectos.

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Em 1927, Azevedo foi convidado para empreender a reforma do ensino

no Rio de Janeiro, Distrito Federal do Brasil. Nessa oportunidade ele publicou o

livro “Novos Caminhos e Novos Fins”, que resultou de uma coletânea de

conferências realizadas por ele, na posição de diretor da Instrução Pública do

Distrito Federal-RJ, respondendo em tom de defesa aos intelectuais católicos.

Ele utilizou essa obra para publicar e difundir no meio cultural, político e

educacional brasileiro os ideias da Escola Nova.

No livro, a “Cultura brasileira”, de 1943, Azevedo tratou das questões

ligadas a tradições culturais e reafirmou que a educação era a instituição

responsável por transmitir valores, visões, enfim patrimônio material de uma

geração a outra, assegurando a coesão social. E, em um momento de crise, a

educação se transformou em um instrumento privilegiado para desencadear

novas tradições e superar as antigas. Assim, a vitória das novas tradições

representaria a garantia do restabelecimento do equilíbrio social e da evolução

civilizacional do país. Essa obra foi produto do censo de 1940, encomendado a

Azevedo, e parte do projeto Coleção Científica Brasiliana. Completa esse

enfoque, a ideia de proposta de revolução reformista, isto é, revolução

realizada dentro do status quo, da ordem, dedicada a orientação e a mudança

social, com o propósito de garantia da unidade nacional.

É difícil separar o protagonismo que Azevedo exerceu como

representante dos ideais da “Escola Nova” em instituições de ensino, do teórico

que produziu uma extensão bibliográfica. É possível afirmar que a militância de

Azevedo em defesa da “Escola Nova” se fez presente em todas as instâncias

que ocupou, podendo ser interpretada as duas obras referidas desse teórico

como tom de resposta aos projetos concorrentes de educação, bem como nas

instituições exerceu o papel de policy markers.

Azevedo (1963) registra um importante momento pela renovação das

diretrizes da educação no Brasil, no manifesto dos pioneiros da educação

nova, apresentado ao povo e ao governo e publicado em 1932, no Rio de

Janeiro e São Paulo, as diretrizes de uma política escolar, inspirada em novos

ideais pedagógicos e sociais, com objetivo de alcançar uma civilização urbana

e industrial, de modo que rompesse contra as tradições individualistas da

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política do país, apresentando como ideias norteadoras a solidariedade

nacional, a adaptação das diretrizes escolares as mudanças econômicas e

sociais em processo no país.

A defesa do princípio de laicidade, a nacionalização do ensino, a organização da educação popular, urbana e rural, a reorganização da estrutura do ensino secundário e do ensino técnico e profissional, a criação das universidades e de institutos de alta cultura, para o desenvolvimento dos estudos desinteressados e da pesquisa e científica, constituíam alguns dos pontos capitais dêsse programa de política educacional, que visava fortificar a obra do ensino leigo, tornar efetiva a obrigatoriedade escolar, criar ou estabelecer para as crianças o direito à educação integral, segundo suas aptidões, facilitando-lhes o acesso, sem privilégios, ao ensino secundário e superior, e alargar, pela reorganização e pelo enriquecimento do sistema escolar, a sua esfera e os seus meios de ação (AZEVEDO, 1963, p. 667).

A formulação e divulgação das diretrizes de uma política da educação

estabeleceu novo marco para reposicionar o papel dela no processo de

desenvolvimento do Brasil. Ademais, permitiu inaugurar uma nova fase de ação

amparada pelo domínio das ideias. Apesar de diferentes posicionamentos de

grupos de educadores frente as diretrizes que a educação deveria tomar,

houve consenso pela renovação da educação e a execução de um plano

escolar para o Brasil (AZEVEDO, 1963).

A campanha para a renovação pedagógica foi intensamente debatida

em conferências e esboços de planos empreendidos pelo acalorado embate

entre os representantes da Escola Nova e os católicos. Em 1932, na V

Conferência Nacional de Educação, sediada em Niterói, foi aprovada um

desenho do plano nacional de educação. No ano seguinte, no simpósio

organizado pelo Departamento do Rio de Janeiro da Associação Brasileira de

Educação, o conselho diretor concluiu o texto final da proposta de um plano

nacional de educação, que conciliou demandas da Escola Nova e da corrente

católica (AZEVEDO, 1963).

A Carta de 1934 instituiu medidas que assegurasse a formulação de um

plano nacional de educação. Entre as suas diretrizes destacamos as demandas

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levadas pela corrente da Escola Nova, que reconheceu a educação como um

direito de todos, instituindo a liberdade do ensino em todos os graus, a

gratuidade e obrigatoriedade do ensino primária ao ulterior. A educação tomou

bases democráticas ao instituir essas diretrizes, ao difundir o ensino de uma

pequena fração da população adolescente, que estava concentrada na

burguesia (AZEVEDO, 1963).

A obra, Novos Caminhos e Novos Fins, de Azevedo foi produzida em

paralelo com a sua atuação no cargo de diretor da Instrução Pública do Distrito

Federal. Nessa instituição Azevedo tomou como ponto de partida a realização

do recenseamento escolar para formular o diagnóstico da situação educacional

do Distrito Federal.

Em sua obra propôs medidas para a reorganização da diretoria do

ensino normal, entre elas se destacaram: a) alteração do ensino normal; b) a

construção de novos prédios, c) organização do ensino primário, que se tornou

obrigatório e gratuito; d) remodelação das escolas, seguindo a vocação

econômica de cada região; e) obrigatoriedade da ginástica pedagógica em

todas as escolas e a construção de praças de jogos; f) a formação de

professores e o desenvolvimento de uma parceria com esses atores

(AZEVEDO, 1935).

No Brasil, no início dos anos 1930, o avanço da industrialização gerou

uma civilização em mudança, inaugurou um novo repertório para o conceito de

desenvolvimento. Segundo Azevedo (1935), a reforma da educação emergiu

como uma solução para a situação de déficits na sociedade brasileira Sendo

assim, a educação nova, assumiu como diretrizes a ideia de igualdade, de

solidariedade social e de cooperação que constituem os fundamentos do

regime democrático subjacente às ideias de pesquisa racional, trabalho criador

e progresso cientifico.

Nesse sentido, pautada nessas diretrizes a educação emergiu

prognóstico para o Brasil, e, mais do que isso, ela se tornou um aparelho

dinâmico para projetar a transformação social.

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Para este fim, a reforma articulou a escola com o meio social, modificou a sua estructura, remodelando-a num regimen de trabalho e de vida em commum, sob a feição de uma comunidade em miniatura, em que seriam utilisadas as diversas formas de actividade social, que desenvolvem o sentimento de responsabilidade, de sociabilidade e de cooperação. A reorganização estructural da escola, a instituição do exercício normal do trabalho em commum e a utilização, na escola, das formas de actividade social (caixas econômicas, bancos, cooperativas escolares etc) são os meios para a escola socializada adaptar-se cada vez mais ao fim social que a reforma attribuiu aos seus esforços (AZEVEDO, 1931, p. 22).

A educação nova surge como um plano de ação balizada pela ideia de

cooperação social, que atrai um fim comum de todas as forças e instituições

sociais, como a escola, a família, os pais e professores. A sua proposta é de

união das diferentes classes em torno dessa diretriz, e o incentivo a interação

do sistema pedagógico com o seu meio social, foi introduzida na sociedade.

Para Azevedo é no nível das ideias morais que é possível fazer a

métrica do grau de civilização de um povo. A noção de cooperação deve ser

introduzida na sociedade, o que contribuíra para a conscientização da

necessidade esforço, o sentimento de responsabilidade e o espírito de

cooperação, rompendo com o individualismo e subjetivismo em um ambiente

espiritual de trabalho e de alegria.

O ideal da reforma proposto pela Escola Nova é a ação, isto é, o espírito

de iniciativa, a consciência da necessidade do esforço para afirmar-se, o gosto,

o hábito, a técnica do trabalho e o respeito a personalidade de outro, afirmando

o sentimento de trabalho em cooperação. Sendo assim, ela está dividida em

três importantes alicerces: 1) escola única; 2) escola do trabalho; 3) escola

comunidade.

O Estado deve providenciar para a população um sistema de educação

conforme as condições sociais e econômicas do meio. O Estado deve viabilizar

um ensino público para toda sociedade, para a formação e desenvolvimento do

espírito de uma democracia social, de modo que a educação se torne

obrigatória e gratuita.

15

A sociedade é regida pela sistemática da organização do trabalho,

partindo a ideia de conciliação entre a escola e o trabalho. A escola é a

atividade que é aproveitada como instrumento ou meio de educação. O

pressuposto dessa linha de pensamento associa o trabalho manual a prática de

aprendizado, colaborando para despertar o hábito e a técnica de trabalho.

Logo, a escola que era apenas teórica passou a ser um laboratório, que

estimula orientando e praticando as atividades educativas.

O terceiro princípio fundamental da escola nova é o de comunidade.

Essa doutrina propõe por uma forma de vida e de trabalho em comum,

ensinando a viver em sociedade e a trabalhar em cooperação. O aluno não

deve exercer a sua atividade isoladamente, mas quando possível em grupos,

exercendo a cooperação. Não se trata de preparar o indivíduo para o processo

de aprendizagem, mas à sociedade, incutindo a ideia social, desenvolvendo a

habilidade de colaboração para aperfeiçoar o rendimento do trabalho,

instituindo a organização do trabalho em uma sociedade.

A formação das classes dirigentes e a educação das massas populares

são duas faces de um problema, cuja sua resolução depende a estabilidade da

estrutura social e o próprio equilíbrio político das instituições. Azevedo ressalta

que a ausência da educação popular, a elite formada em centro universitário

constituíram uma sociedade aristocrática. Por outro lado, a educação da

população com ausência da formação de elites capazes de orientá-las e dirigi-

las, mobilizaria forças para a pior das demagogias. Portanto, tornando as elites

acessíveis às camadas populares, pela sua educação progressiva e por outro

lado, expandindo a ação das elites intelectuais, devido a extensão cultural,

estabelece a renovação de dirigentes em um sistema de circulação,

característica das democracias.

Dessa forma, a concepção nova, do papel da escola na sociedade

repercutiu fortemente na conscientização do papel dos educadores como

operadores, com função social, dessa “reforma” na sociedade. O confronto da

escola com outras instituições sociais criou uma nova política de educação,

reorganizando a escola, um regime de vida e de trabalho em sintonia. Essa

nova concepção de organização introduzida na sociedade pela educação

16

buscava dar uma eficiência maior a esses setores da sociedade, levando-os a

cooperar com outras instituições sociais. O professor nesse processo foi

considerado como o “agente social”, com alto espírito de cooperação. Portanto,

a nova concepção do lugar da escola na vida e compreensão mais nítida da

sua função social despertou a necessidade de transformar a escola num centro

de influências educativas, capazes de repercutir sua ação em outras

instituições políticas, sociais e religiosas.

4. O MINISTÉRIO CAPANEMA: ENQUADRAMENTO DOS PROJETOS

CONCORRENTES DE EDUCAÇÃO

Gustavo Capanema é um nome importante quando falamos de

educação. Foi ministro durante parte do governo Vargas (de 1934 a 1945) e foi

peça importante de várias mudanças no campo da educação no Brasil.

Como já foi indicado no texto, a década anterior foi palco de uma série

de disputas para assumir o projeto educacional no Brasil, considerado então, a

saída para o problema nacional.

Não é a toa que assim que Capanema assume, ele recebe Alceu

Amoroso Lima, representante intelectual da Igreja Católica, que entrega um

grande documento que continha uma série de medidas a serem adotadas em

diversas áreas. Na questão da educação onde, além de pedir que o ensino

religioso católico seja parte da educação básica, bem como a facilidade da

implantação de Universidades Católicas, também, indica que deve haver

diretrizes nacionais da educação, bem como a elaboração de um plano

nacional.

O Ministro, que já assumiu em meio a uma disputa entre projetos

educacionais, em janeiro de 1936, distribuiu um questionário entre diversos

meios: professores, estudantes, jornalistas, políticos, cientistas, contendo 207

quesitos e que funcionaram de bases para a construção de um Plano nacional

de educação.

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Tanto a Liga de Defesa Nacional quanto a Igreja Católica se

organizaram para produzir um documento ao ministério depois de ter recebido

o questionário. Ambos produzem um documento com o posto de vista das

instituições, o que demonstra uma retomada sobre a questão da disputa sobre

projetos de educação.

O questionário, portanto, aponta não só o debate da época, mas como

os atores estavam se organizando em relação aos recursos disponíveis.

Em resumo, podemos entender que os representantes da corrente da

“Escola Nova” apoiavam a centralização da educação no estado em nome da

democratização do ensino, cultura e igualdade social. A centralização permitiria

que os cargos que eles já ocupavam fizessem a ponte com a realização dos

seus projetos.

Por outro lado, a Igreja Católica defendia a total liberdade de ensino

(inclusive o religioso) e a autonomia das escolas, dado que a possibilidade da

subordinação da educação pelo estado poderia impedir a educação religiosa,

como já havia acontecido nos estado de São Paulo, em 1932, por intermédio

da interventoria de Fernando de Azevedo.

Enquanto isso, os militares colocavam o papel da educação com o

propósito de servir à segurança, ordem e continuação da nação e passam a se

colocar como especialistas em educação nacionalista. Eles defendem a

educação moral e cívica.

A partir das respostas do questionário foi produzido um Plano com 504

artigos e metas para 10 anos de existência. O plano abrangia diversos temas

como diretrizes, finalidades, modalidades, controle e financiamento. Em 17 de

maio de 1937 é assinada a versão final do anteprojeto. No dia seguinte o

anteprojeto foi enviado ao Presidente que encaminhou à Câmara dos

Deputados para a apreciação e aprovação para efeito de lei. Em 23 de agosto

de 1937 implantou-se a “Comissão do Plano Nacional de Educação” que

discutiu amplamente todos os pontos até que, pelo fechamento do congresso

em novembro de 1937, o plano foi impedido de ser posto em prática. (CURY,

2010).

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Alguns pontos do plano são de importante destaque. A definição da

educação adotada pelo plano tinha como objetivo “formar o homem completo,

útil à vida social, pelo preparo e aperfeiçoamento de suas faculdades morais e

intelectuais e atividades físicas, sendo tarefa precípua da família e dos poderes

públicos” (SCHWARTZMAN, BOMENY e COSTA, 1984: 182).

A educação religiosa ficou garantida em todos os níveis de ensino de

acordo com a religião do aluno e no ensino público deveria ser regulado pelas

autoridades locais, isso garantiria o atendimento aos anseios da Igreja.

Também se grarantiria a educação moral e cívica, regulando-a

minuciosamente, assim, os militares também estavam contemplados.

Por fim, o ministro dava grande importância para a educação superior.

No referido plano, havia 40 páginas e 195 artigos somente dedicados à

educação superior. Além disso, em comunicação com o presidente Getúlio

Vargas em 14/11/1935, quando entrega o projeto de reorganização do

Ministério da Educação, indica:

“No plano que lhe entrego, há um ponto para o qual peço o seu maior interesse. É a universidade. É preciso que a União dê à sua universidade o máximo relevo. É preciso que esta universidade seja realmente uma instituição brilhante e poderosa, que tenha prestígio entre as demais existentes no país, e que este prestígio seja incontrastável. Chegou o momento de se dotar a Universidade Federal dos instrumentos essenciais de que ela carece. (...)” (SCHWARTZMAN, BOMENY e COSTA, 1984: 330)

Nesse sentido, o Ministério Capanema também ficou conhecido pelo seu

grande projeto universitário. As elites resolveriam o problema civilizador

brasileiro. O termo elite poderia ser compreendido também em formato de

corpo técnico e não somente de escritores e artistas. Só com verdadeiras elites

se resolveria, não somente o problema do ensino primário, mas o da

mobilização de elementos capazes de movimentar, desenvolver, dirigir e

aperfeiçoar todo o mecanismo de nossa civilização (SCHWARTZMAN,

BOMENY e COSTA, 1984: 206).

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O núcleo desse projeto foi a Universidade do Brasil – uma continuação

da Universidade do Rio de Janeiro. A universidade deveria ser centrada na

faculdade de Filosofia e Letras, coisa que não aparecereria tão cedo na

Universidade do Brasil, nesse quesito a USP saiu na dianteira.

O projeto da Universidade do Brasil se desdobra em quatro atividades

principais: o desenvolvimento da própria concepção da universidade; seu

planejamento físico, que deveria se materializar na Cidade Universitária; a

criação de uma faculdade de filosofia, ciência e letras e a construção do

campus universitário. A Universidade do Brasil deveria servir de modelo para o

todas as universidades em âmbito nacional.

O plano foi bem criticado pela mídia e chamado de megalomania, na

qual a educação primária ficaria sucateada em favor do gasto enorme na

educação superior.

“Os anos e esforços dispensados no planejamento da cidade universitária foram em vão, já que o atual campus da Universidade do Rio de Janeiro foi construído em outro local e com outros projetos. A faculdade nacional de filosofia, apesar de ter-se consolidado em alguns de seus cursos e programas, não chegou a capturar a mística e as esperanças que cercara a Universidade do Distrito Federal, nem conseguiu se equiparar ao nível de qualidade de sua congênere e antecessora paulista, criada em 34. A tentativa de dar à nova faculdade um conteúdo ético e filosófico de cunho católico não chegou a ganhar corpo, tendo a própria igreja partido para a criação de sua universidade independente. A faculdade de economia jamais chegou a ser constituir no centro de formação de líderes nacionais a que se destinava incialmente” (SCHWARTZMAN, BOMENY e COSTA, 1984: 226)

De um modo geral, o ministério teve sucesso em implantar uma série de

reformas administrativas e procedimentos. O maior foi conseguir incutir a

necessidade de que o sistema universitário precisava de suporte legal,

padronização de currículos e padrões que fossem válidos em todo o país. Mas

foi fracassado no projeto universitário em sua execução literal.

20

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nessa comunicação podemos compreender que três possíveis

movimentos foram detectados em relação ao repertório proposto pela “Escola

Nova” e em específico Fernando de Azevedo. O primeiro foi a superação do

discurso do determinismo geográfico proferido pelos literários regionalistas. A

ideia de educação propõe uma nova concepção de atraso para o Brasil e

introjeta a noção de modernização por intermédio da expansão e

universalização da educação, de modo que transformasse o ethos da

sociedade brasileira.

O segundo movimento apresentado foi o da “disputa de ideias” entre as

correntes de pensamento da educação, a Igreja Católica, a Escola Nova e as

Formas Armadas. Nessa arena, a disputa atravessa a questão simbólica, ou

seja, do debate no campo de interpretação sobre qual projeto de educação

seria o mais adequado para ser introduzida na sociedade brasileira, a disputa é

por espaço político dentro da engenharia institucional do Estado.

Nessa arena, Azevedo se destacou como ator e interprete, conciliando a

sua atuação técnica e a sua produção bibliográfica sobre educação. Para o

referido teórico a educação era o aparelho dinâmico para projetar a

transformação social. A educação seria a portadora de energias sociais para

civilizar um povo.

O terceiro movimento foi a adaptação das ideias que movimentaram os

projetos concorrentes das escolas de pensamento para a esfera institucional do

Ministério da Educação de Capanema. Esse movimento foi gerado através da

conciliação entre as ideias dos diferentes projetos de educação, mas a ideia de

expansão do ensino permaneceu a frente desse grande projeto. O ensino

superior foi projetado com grande audácia com intenções de expansão para o

Brasil, circunscrito no projeto da Universidade do Brasil.

Apesar das divergentes ideias entre as escolas de pensamento sobre

quais diretrizes deveriam ser implementadas no projeto de educação no

Ministério Capanema, algumas inovações podem ser atribuídas a esse

momento. O diagnóstico de déficit cultural na sociedade brasileira é consenso

21

entre os projetos de educação. Mais do que isso, a educação emergiu no

repertório da intelligentsia como saída para esse atraso e caminho para a

modernização do Brasil. A inovação principal dentro desse movimento foi

apresentada pela técnica que conduziriam essa ideia motora de modernização,

foi a técnica de planejamento através das instituições estatais. Podemos

afirmar que se nenhum projeto de educação foi o “vencedor” nessa disputa de

ideias para ser o projeto hegemônico de educação dentro do Ministério

Capanema, houve uma conciliação das propostas tendo como norte a

universalização da educação, representado pela Política Nacional de

Educação.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, Fernando. Novos caminhos e novos fins. A nova política da educação no

Brasil (1935).

BORGES, Juliano Luis. Raça e evolução social em “Os Sertões” de Euclides da

Cunha. Revista Espaço Acadêmico, nº 58 – março de 2006.

CUNHA, Euclides Rodrigues Pimenta Da. Os sertões: campanha de Canudos. 5 ed.

Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1969.

CURY, Carlos Roberto Jamil. Por um Sistema Nacional de Educação. São Paulo:

Editora Modera, 2010.

DUTRA, Eliana de Freitas; MOLLIER, Jean Yves. Política, Nação e Edição - o Lugar

dos Impressos na Construção da Vida. Editora Annablume, 2006.

MARTINS, L. A gênese de uma intelligentsia: os intelectuais e a política no Brasil -

1920 a 1940. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v.2, n.4, p.65-87,

1987.

NASCIMENTO, Alessandra. Fernando de Azevedo: dilemas da institucionalização da

sociologia no Brasil. Editora Unesp/Cultura, 2012.

SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena Maria Bousquet; COSTA, Vanda Maria

Ribeiro. Tempos de Capanema. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.