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 UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ REGINA CELIA GOUVÊA LÁZARO QUEM POUPA, TEM! REPRESENTAÇOES SOCIAIS DE BAIXA VISÃO POR PROFESSORES DO INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT Rio de Janeiro 2009

Disserta Representação Social Cegos Questionario Na Escola

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  • UNIVERSIDADE ESTCIO DE S

    REGINA CELIA GOUVA LZARO

    QUEM POUPA, TEM! REPRESENTAOES SOCIAIS DE BAIXA VISO POR

    PROFESSORES DO INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT

    Rio de Janeiro 2009

  • UNIVERSIDADE ESTCIO DE S

    REGINA CELIA GOUVA LZARO

    QUEM POUPA, TEM! REPRESENTAOES SOCIAIS DE BAIXA VISO POR

    PROFESSORES DO INSTITUTO BENJAMIN CONSTANT

    Dissertao apresentada Universidade Estcio de S como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Educao.

    Orientadora: Prof. Dr. Helenice Maia Gonalves

    Rio de Janeiro 2009

  • Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    L431 Lzaro, Regina Celia Gouva

    Quem poupa, tem! Representaes sociais de baixa viso por professores do Benjamin Constant. / Regina Clia Gouva Lzaro. - Rio de Janeiro, 2009.

    114 f.

    Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade Estcio de S, 2009.

    1. Representaes sociais. 2. Educao especial. 3. Instituto Benjamin Constant. I. Ttulo.

    CDD: 371.19

  • DEDICATRIA

    Pela primeira vez em que entrei numa sala de aula para lecionar, em uma escola pblica do antigo Estado da Guanabara, me deparei com uma turma de onze alunos rotulados como AE (alunos excepcionais). Professora primria, recm formada pelo Instituto de Educao, em 1969, recebia esses alunos como presentes da diretora. Presente sim, pois desde ento, os deficientes fizeram parte da minha vida norteando toda a minha caminhada profissional.

    Aps cinco anos, j psicloga, fui trabalhar no Instituto Helena Antipoff entrando, ento, definitivamente para a educao especial, e a partir da no mais perdi de vista os alunos deficientes e/ou com necessidades educativas especiais.

    A atuao nessa rea me instigou a querer cada vez mais estudar e participar da educao desses alunos estigmatizados, excludos e mal atendidos.

    Tudo o pouco que sou a eles devo. H quase trs dcadas convivendo com deficientes visuais eles me ensinaram a

    enxergar no com os olhos, nem com o tato, mas com a sensibilidade de quem penetra num mundo desconhecido, se encontra e se supera.

    Esse trabalho eu dedico a todas as pessoas com deficincia que tiveram ou no uma oportunidade e, mesmo sendo discriminadas, acreditaram no seu potencial, superando diversidades.

  • AGRADECIMENTOS

    A todos os colegas do Instituto Benjamin Constant que colaboraram para que este trabalho se concretizasse.

    Aos deficientes visuais que me permitiram a aprendizagem.

    Prof Dr Nyrma de Azevedo que abriu as portas da academia para meu retorno ao espao universitrio.

    A todos os docentes do mestrado da UNESA que de alguma forma contriburam para minha formao acadmica.

    Aos professores convidados que compuseram a banca de defesa: Prof Dra. Rosana Glat e Prof. Dr. Tarso Mazzotti pela disponibilidade e interesse demonstrado.

    Ao amigo Lucindo, o principal responsvel pela minha deciso de realizar o Mestrado.

    Ao meu Antonio Carlos que mesmo reclamando de minha ausncia me incentivou em momentos difceis.

    Aos meus pais Manolo e Lourdes que me proporcionaram todas as possibilidades de estudos, alm de bons exemplos e educao.

    s minhas filhas Marcele e Caroline que so a minha razo de viver e que souberam entender as minhas ausncias.

    Aos meus amados netos Diego e Bruno que to distantes geograficamente me do fora para superar obstculos e poder estar com eles.

    E um agradecimento especial minha orientadora que soube to bem me conduzir no desenvolvimento deste estudo.

  • Apresentao

    Faz-se necessrio o conhecimento da minha trajetria profissional com o objetivo de esclarecer o lugar no qual eu falo e meu envolvimento institucional.

    H 27 anos ingressei no IBC e ao iniciar a carreira profissional como professora regente de turma das Classes de Alfabetizao (CA), lecionei para crianas consideradas educacionalmente cegas. Estes educandos estudavam no sistema Braille, porm possuam resduo visual suficiente para a leitura do Braille com os olhos.

    De acordo com instruo recebida na poca pela Coordenao do CA, esses alunos mantinham seus olhos vendados para melhor desenvolvimento de habilidades tteis, situao que muito me angustiava pelo fato de estar cegando esses indivduos. Este termo utilizado at hoje na Instituio quando o aluno impedido de usar sua viso ou quando a mesma no estimulada.

    Permaneci 18 anos em sala de aula. Aps a criao do Setor de Viso Subnormal, passei a atuar tambm como

    elemento de ligao das Classes de Alfabetizao com o referido Setor. No decorrer de todos esses anos, aprofundei estudos nesta rea e, mesmo quando no mais exercia a regncia, meu interesse ainda se voltava temtica, uma vez que ministrava cursos para professores de diferentes regies do Brasil.

    Nos ltimos onze anos, distante da atividade docente, exero a funo de gesto relacionada com a pesquisa.

    Retorno ao campo pedaggico, no segundo semestre de 2007, para dar incio a este estudo.

  • RESUMO

    Fundamentada na Teoria das Representaes Sociais, esta pesquisa teve por objetivo conhecer os indcios das representaes sociais de baixa viso elaboradas por professores que atuam nas turmas de 6 ao 9 ano do ensino fundamental no Instituto Benjamin Constant. A instituio foi escolhida por ser um rgo pblico federal, com mais de 150 anos de existncia, que se dedica educao e reabilitao de alunos com deficincia visual. Alm desta atividade fim, o IBC tem a preocupao com a capacitao dos seus funcionrios oferecendo a formao continuada para professores e tcnicos, alm de servios especializados de apoio educao de alunos deficientes visuais, constituindo-se, tambm, num campo de pesquisa e de estgio para pessoas interessadas na rea. A instituio se prope, ainda, a ser um Centro de Referncia e, embora atue como Escola Especial, procura por meio de diversos projetos e aes exercer papel significativo no panorama de polticas educacionais propostas pelo MEC. Participaram 13 professores (quatro professores cegos, um com baixa viso e oito videntes, de ambos os sexos, com faixa etria compreendida entre 31 e 70 anos) e 18 alunos com baixa viso, de ambos os sexos e faixa etria entre 13 e 23 anos. Foram realizadas as seguintes tcnicas de coleta de dados: uma entrevista com aluno concluinte, observao em sala de aula, associao livre de palavras com professores, entrevista conversacional com professores e grupo focal com alunos. Da anlise do material coletado, verificou-se que o slogan quem poupa tem condensa a representao social de baixa viso elaborada pelos professores participantes, que objetivam os sentidos agregados baixa viso nas dificuldades enfrentadas no cotidiano de suas atividades e os ancoram na vidncia. Tal resultado parece desmistificar a desmistificao de que a utilizao do resduo visual pode levar perda visual ou acelerar seu processo. Pode-se depreender que os professores que participaram desta pesquisa parecem estar desenvolvendo prticas pedaggicas com o aluno de baixa viso voltadas para o paradigma da conservao da viso, adotado pela educao especial no sculo passado, embora tenham informaes referentes ao paradigma da eficincia visual adotado pela educao especial a partir dos estudos divulgados por Barraga realizado em 1982 que enfatizam a necessidade de estimular e utilizar a viso residual com vistas a um melhor desempenho visual. A prtica pedaggica , portanto, orientada pela representao de baixa viso, isto , a crena de que a viso deve ser poupada, pois seu uso pode lesar ou acelerar o processo de deteriorao da funo visual.

  • Palavras-chave: Representaes Sociais. Baixa Viso. Professores de deficientes visuais.

  • ABSTRACT

    Based on the Theory of Social Representation, this research explored signs of low vision social representation prepared by 6th and 9th grade teachers from Instituto Benjamin Constant (IBC). IBC was selected because it is a federal public institution with over 150 years of existence, dedicated to the education and rehabilitation of students with vision impairments. This institution emphasizes the excellence of its professionals by offering extended education programs for teachers and technicians, as well as specialized services that assist and support the learning of the visually impaired students. IBC also serves as a research center for professionals specialized in low vision education. Although functioning as a special need school, IBC is an Excellence Center that strives for playing a significant role in the educational standards proposed by MEC (Ministrio da Educao). Thirteen teachers participated in this research. Four of them were blind or had low vision; the other eight had normal sight. The teachers group contained participants of both genders which ranged in age from thirty one to seventy years old. Eighteen low vision students of both genders and ranging in age from thirteen to twenty three years old took part in this research. The following techniques were used for data collection: one interview with each student, classroom observations, free word association with the teachers, conversational interview with the teachers, and focus group with the students. The data analysis indicated that the old saying a penny saved is a penny earned was true for the low vision social representation elaborated by the teachers, which relied on the senses aggregated to the low vision in order to face difficulties encountered throughout daily activities, associating the aggregated senses with the visual experience. This conclusion seems to agree with the notion that utilizing visual residues can lead to visual loss, or expedite its process. It is construed that the teachers who participated in this research seem to be developing pedagogic practices focused on the paradigm of conservation of vision (which was adopted by special education programs in the last century); even though, they have information regarding the visual efficiency paradigm which is based on studies released by Barraga in 1982 (adopted by current special education programs). Bagarras studies emphasize the need to stimulate and utilize the residual vision in order to obtain a better visual performance. The teachers pedagogic practices are guided by their perception of the low vision, in other words, the belief that the vision must be

  • saved since its use may lead to damage or speed up the process of deterioration of the visual function.

    Key words: Social representations. Low vision. Teaching visually impaired students.

  • Sumrio

    Introduo................................................................................................ 12

    Captulo 1 Teoria das Representaes Sociais................................... 18 1.1 Origem e desenvolvimento da teoria............................................ 18

    1.2 Funcionamento e estrutura das representaes sociais............. 20

    Captulo 2 Deficincia Visual......................................................................... 24 2.1 - Incio da educao escolar do cego no Brasil................................ 26 2.2 - O deficiente visual........................................................................... 27 2.3 - Preocupaes com a baixa viso.................................................... 30 2.4 - Entendendo a baixa viso............................................................... 32 2.5 - Auxlios para a pessoa com baixa viso......................................... 37 2.6 - Material didtico especializado...................................................... 39

    Captulo 3 Instituto Benjamin Constant............................................ 41 3.1 - Trajetria do IBC atravs seus Regulamentos e Regimentos...... 42

    Captulo 4 Poupe a viso: representaes sociais de baixa viso...... 58 4.1 - Coleta de dados............................................................................... 60

    4.1.1 - Entrevista com aluno concluinte............................................. 60 4.1.2 - Observao em sala de aula..................................................... 63 4.1.3 Teste de Associao Livre de Palavras aplicado aos professores............................................................................................ 66 4.1.4 Entrevista com professores e grupo focal com alunos.......... 69

    Concluso.............................................................................................. 89

    Referncias............................................................................................ 92

    Anexos.................................................................................................... 100

    Apndices............................................................................................... 105

  • Introduo

    Temos percebido que alunos com baixa viso podem enfrentar maiores dificuldades no processo educativo do que alunos cegos, pois s vezes sua condio no reconhecida de imediato nem pelos cegos nem pelos videntes.

    No espao escolar, as diferenas existentes entre as diversas patologias podem levar o professor a estabelecer equvocos com relao condio visual do aluno: supervalorizar o resduo visual leva a trat-lo como vidente e minimizar sua condio visual leva a trat-lo como cego, acarretando desprezo ao aproveitamento do resduo visual nas atividades escolares.

    Em pesquisa realizada no Laboratrio Interunidades para o Estudo das Deficincias (LIDE), foram constatadas caractersticas e problemas prprios s pessoas com baixa viso, que confronta a crena de que as dificuldades vividas pelos indivduos com baixa viso so as mesmas dos cegos, porm, minimizadas. Amiralian (2002) aponta

    dois problemas afetam diretamente essas pessoas, trazendo complicaes para sua educao e para a organizao de sua personalidade: falta de identificao desses alunos como pessoas com baixa viso e o deslocamento da sua problemtica para outras reas.

    Naquele estudo, verificou-se que pessoas com baixa viso eram tratadas ora como cegas, ora videntes, tanto pelos professores como pelos prprios pais, o que expe a incompreenso do que sejam pessoas com baixa viso. Em face dos demais resultados ali encontrados constataram-se a existncia de dificuldades afetivo-emocionais relacionadas a ansiedades causadas pela no satisfao de necessidades das pessoas com baixa viso.

    Essas pessoas formam grupos com certas particularidades que os videntes se julgam conhecedores, porm, estes partem de seus prprios referenciais, conforme esclarece Masini (1997, p.73): o conhecer esperado na educao da pessoa deficiente visual tem como pressuposto o ver e, portanto, no teriam sido consideradas as diferenas de percepo entre ela e a pessoa vidente.

    Estudos sobre baixa viso so necessrios, uma vez que a quantidade de alunos com baixa viso maior que a quantidade de alunos cegos, conforme mostra Quadro 1:

  • Quadro 1 Quantidade de alunos com necessidades educacionais especiais matriculados na Educao Bsica no Brasil 2006. ESCOLAS/CLASSES CLASSES Total Especiais Comuns ( %) ( %) Cegueira 9.206 5.207 56,5 3.999 43,5 Baixa Viso 60.632 7.101 11,7 53.531 88,3 Surdez Leve/Moderada 21.439 6.825 31,8 14.614 68,2 Surdez Severa/Profunda 47.981 26.750 55,7 21.231 44,3 Surdocegueira 2.718 536 19,7 2.182 80,3 Deficincia Mental 291.130 197.087 67,7 94.043 32,3 Deficincia Mltipla 74.605 59.208 79,3 15.397 20,7 Deficincia Fsica 43.405 13.839 31,8 29.566 68,2 Condutas Tpicas 95.860 22.080 23 73.780 77 Autismo 11.215 7.513 67 3.702 33 Sndrome de Down 39.664 29.342 74 10.322 26 Altas Habilidades/Superdotao 2.769 ---------- ------- 2.769 100 Fonte: Censo Escolar MEC/INEP/2006

    Embora o quadro mostre que h 60.632 alunos com baixa viso matriculados nas escolas pblicas brasileiras ao empreender reviso bibliogrfica, verificou-se que o quantitativo de pesquisas realizadas sobre o tema relativamente pequeno em relao ao conjunto dos trabalhos em Educao Especial, como veremos a seguir.

    A busca na literatura por estudos sobre o tema baixa viso1 teve como objetivo averiguar a existncia de investigaes similares ou prximas ao tema proposto neste trabalho. Inicialmente, foram consultadas teses de doutoramento, dissertaes de mestrado e artigos publicados anualmente em peridicos cientficos. Os artigos foram levantados por meio de palavras-chave, assunto, autores e revistas, tanto pela internet como em bibliotecas.

    Ao levantar a produo cientfica do Grupo de Trabalho da Educao Especial (GT 15) entre a 23 e 31 Reunio Anual da Associao Nacional de Ps-graduao e Pesquisa em Educao (ANPEd), foram localizados 126 trabalhos, dentre os quais trs se referiam baixa viso.

    No Portal da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES), utilizando a palavra chave deficiente visual, no perodo compreendido entre 1995 e 2006, foram encontrados 105 estudos, sendo 82 dissertaes de mestrado e 23 teses de doutorado. Para uma melhor anlise, essas pesquisas foram categorizadas por temas: (1) Integrao/Incluso, 27%; (2) Desenvolvimento Humano, 16%; e (3)

    1A pessoa com baixa viso apresenta diminuio na sua capacidade visual que limita seu desempenho.

  • Educao Fsica, Artes Cnicas, Recursos Pedaggicos, Formao de Professores, Aprendizagem, Famlia e Acessibilidade, abaixo de 10%.

    Dentre os 105 estudos, 51 se referiam deficincia visual, dos quais 39 enfocavam a cegueira e somente 15 tratavam, especificamente, da baixa viso, sendo que nenhum se referia s representaes sociais. No entanto, entre esses, trs trabalhos foram selecionados para compor a bibliografia desta pesquisa por apresentarem aspectos relevantes relacionados baixa viso.

    Castro (1996), por exemplo, ao investigar a aprendizagem e a estrutura cognitiva no deficiente visual concluiu que o fracasso acadmico da pessoa com baixa viso se deve a intercorrncias de superproteo e rejeio na forma de ensinar os sujeitos e que a deficincia visual no determina nem o fracasso acadmico, nem o desenvolvimento cognitivo, nem atitudes indesejveis que so observveis no cotidiano da escola.

    Enderle (2002) procurou compreender os significados da incluso/excluso no imaginrio da pessoa com baixa viso, considerando fatores histricos e sociais que produziram os conceitos de deficincia e de incluso/excluso.

    Monteiro (2004) ao analisar concepes e verificar os aspectos scio-culturais de escolares deficientes visuais a respeito do uso de auxlios pticos identificou conhecimentos insuficientes sobre a prpria deficincia, inadequaes quanto ao modo de utilizao dos recursos pticos e desconforto no seu uso em pblico.

    Esta uma das situaes que pode ser constatada no Instituto Benjamin Constant (IBC), instituio identificada como Centro de Referncia Nacional, para questes de deficincia visual: alguns alunos, mesmo orientados em relao ao ganho na qualidade visual, se recusam a utilizar os recursos pticos prescritos. Ali, observa-se que o professor muitas vezes lida com o aluno de baixa viso da mesma maneira que lida com o aluno cego e, em determinadas situaes, percebe-se uma maior preocupao com o aluno cego.

    No Instituto, verifica-se um nmero maior de alunos cegos do que de baixa viso, o que pode ser explicado no somente pelo fato da instituio ser mais conhecida como escola de cegos, mas tambm, pelo desconhecimento das necessidades da pessoa com baixa viso. Muitas vezes alunos de baixa viso so encaminhados ao Instituto pelas escolas no ato da matrcula ou ali chegam com idade j avanada aps freqentarem durante alguns anos as escolas da rede regular de ensino e no obterem sucesso.

    Assim como o cego, a pessoa com baixa viso precisa ser entendida em suas

  • especificaes e caractersticas, podendo ser estudada sob diferentes aspectos: anatmicos ou fisiolgicos do sistema ocular; condies pedaggicas requeridas ao sujeito no contexto escolar; ou interaes sociais decorrentes da prpria patologia. A pessoa com baixa viso, assim como o cego e o vidente, pertencente a determinado grupo social que possui crenas e valores relacionados a esta deficincia.

    Esta afirmao pode ser comparada ao que expe Trinca (1997, p. 10) sobre a percepo do indivduo cego referente a sua problemtica:

    Tudo parece convidar o cego a trazer tona a questo de fazer face a um mundo cuja tnica dada pelos padres e condicionamentos ditados, especialmente, pelos videntes. Ressalta-se a necessidade que o cego sente de usar os prprios recursos, em vez da submisso dos padres injustos, estabelecidos por referenciais inadequados.

    Representaes so elaboradas sobre a cegueira como, por exemplo, a de que cego indefeso e intil, ou a de que o cego possuidor de poderes sobrenaturais ou de um sexto sentido. Amiralian (1997) tece extensa explanao sobre conceitos populares e literrios da cegueira e as conseqncias dessa condio sobre a personalidade das pessoas, chamando a ateno para o quanto essas concepes esto desvinculadas de verificao cientfica. A autora afirma que h tendncia de igualar o cego ao indivduo que tem baixa viso, o que pode ser evidenciado pelos estudos que tm sido realizados at os dias atuais, cujo objeto a cegueira e suas conseqncias nas mais variadas situaes. Nestes estudos, questes relacionadas baixa viso so tratadas, equivocadamente, como se fossem pertinentes aos problemas da cegueira.

    Figueiredo (2007), no trabalho intitulado O desempenho de alunos de baixa viso em aulas de Ingls como lngua estrangeira em classes inclusivas, defende a posio de que o profissional de ensino da lngua estrangeira deixe de tratar esses alunos como cegos e aproveite seu resqucio visual, pois atravs de uma ilustrao, de um gesto, de uma imitao, pode-se evitar a traduo para a lngua materna do aluno, fato que possibilitar melhor qualidade na compreenso e incorporao de determinado conceito.

    A preocupao com a utilizao do resduo visual impulsionou a execuo desse estudo. Tendo como norteador a teoria das representaes sociais, buscou-se investigar as representaes sociais de baixa viso produzidas por professores de alunos do IBC. Para isso, foram elaboradas as seguintes questes norteadoras:

  • Como os professores de turmas de deficientes visuais lidam com os alunos de baixa viso? Que sentidos, valores, smbolos e crenas, os professores associam noo de baixa viso? Como se objetivam e onde se ancoram esses sentidos?

    Entende-se que as representaes sociais de baixa viso interferem nas prticas dos professores de alunos deficientes visuais, conforme Gervais e Jovchelovitch (1998) citados por Gatti (2003, p. 200-201):

    Conceitos e prticas so recheados pelas interaes entre idias e representaes que constituem referncia numa sociedade e representaes e idias que os indivduos criam para si mesmos em decorrncia de suas relaes prximas em comunidades.

    Acredita-se que o conhecimento dessas representaes contribuir para que novos estudos sejam empreendidos, no apenas em relao atuao dos professores em sala de aula, mas tambm quanto aprendizagem dos alunos com baixa viso e parceria que se estabelece entre escola e famlia. Entende-se que a possibilidade de provocar mudanas nas representaes sociais de um grupo social importante, pois de acordo com Abric (COSTA; ALMEIDA, 2007), estas podem constituir um entrave para a construo de novas prticas sociais.

    Para a concretizao desta pesquisa foram desenvolvidos quatro captulos. O primeiro, intitulado Teoria das Representaes Sociais, enfatiza a abordagem processual apresentada por Serge Moscovic e aprofundada por Denise Jodelet, com destaque para os processos de objetivao e ancoragem.

    O segundo captulo, Deficincia Visual, situa o deficiente visual no contexto histrico e o entendimento sobre deficincia visual em diferentes pocas; classificao legal da deficincia visual; conceitos de baixa viso, suas necessidades e possibilidades.

    O terceiro captulo, Instituto Benjamin Constant, analisa a trajetria desta instituio atravs de itens de seus Regulamentos e Regimentos, com nfase em aspectos relacionados ao atendimento ao aluno com baixa viso, foco deste estudo.

    O quarto captulo, Poupe a viso: representaes sociais de baixa viso,

    apresenta a pesquisa de natureza qualitativa desenvolvida, a anlise e discusso dos resultados. Lanando mo de triangulao metodolgica, foram utilizadas cinco tcnicas de coleta de dados: entrevista com aluno, observao, associao livre de palavras,

  • entrevista com professores e grupo focal com alunos. Em consonncia com os

    pressupostos da teoria das representaes sociais, procurou-se verificar como os professores de alunos do IBC objetivam os sentidos atribudos baixa viso e onde os ancoram.

    Na Concluso discute-se, entre outros aspectos, a necessidade de refletir sobre a criao de um Instituto de Baixa Viso, uma vez que esta entendida como vidncia.

  • Captulo 1

    Teoria das Representaes Sociais

    Vrios so os aportes tericos que vm sendo utilizados em estudos sobre a baixa viso: uns focalizam aspectos orgnicos baseados em diagnsticos; outros recursos especficos para melhor aproveitamento do resduo visual; outros ainda aspectos psicolgicos. No entanto, entende-se que, em funo da complexidade do fenmeno baixa viso, tais aportes isoladamente no apreendem a sua pluralidade.

    Por essa razo, nesta pesquisa, elegeu-se estudar a baixa viso luz da teoria das representaes sociais com o objetivo de entender como professores de alunos com baixa viso, que atuam numa instituio tida como referncia na rea da deficincia visual, constroem conhecimentos compartilhados que orientam suas prticas pedaggicas.

    A representao social, de acordo com Moscovici (1981, p. 181),

    compreendida como um conjunto de conceitos, afirmaes e explicaes originado na vida cotidiana no curso de comunicaes interpessoais. Elas so o equivalente, em nossa sociedade, dos mitos e sistemas de crenas das sociedades tradicionais; podem tambm ser vistas como a verso contempornea do senso comum.

    Foi escolhida esta teoria por fornecer elementos para reflexes sobre como e porque as pessoas constroem e compartilham suas prticas, conhecimentos e diferentes formas de ver o mundo. Ela contribui tambm para refletir sobre a funo e as influncias da comunicao e das interaes na construo e legitimao dos sentidos daquilo que familiar aos sujeitos da pesquisa.

    1.1 Origem e desenvolvimento da teoria De acordo com Moscovici (1993, p. 82), a explicao do conceito de representao social no uma tarefa fcil, pois ocupa uma posio "mista" por estar

    situado na encruzilhada de uma srie de conceitos sociolgicos e psicolgicos. Durante a dcada de 1950, Moscovici realizou uma pesquisa na Frana para

    compor sua tese de doutorado, que mostrou a representao social da psicanlise por

  • alguns segmentos da sociedade francesa. Esta deu origem sua obra seminal La Psicanlise, son image et son public, publicada em 1961, onde o autor introduziu um novo conceito gerando uma nova teoria a teoria das representaes sociais. Seu estudo sobre a representao social da psicanlise visou averiguar como um conhecimento cientfico, no caso a psicanlise, era assimilado e transformado na passagem de um universo para outro.

    Moscovici resgata a noo durkheimiana de conscincia coletiva a respeito da constituio social do indivduo. De acordo com Farr (2003, p. 32), Moscovici d continuidade a um estudo mais moderno das representaes coletivas de Durkheim.

    Para ele, os fenmenos psquicos tm razes na sociedade e para compreender a relao entre o individual e o social no contexto das sociedades modernas, que apresentam um carter mais dinmico que as sociedades primitivas, com caractersticas como pluralismo e rapidez com que as transformaes ocorrem, deve-se estudar as representaes sociais ao invs das representaes coletivas, pois estas seriam mais adequadas s sociedades menos complexas em que as representaes so mais estveis.

    Moscovici (2003, p. 49) sintetiza as transformaes do conceito de representaes coletivas da seguinte forma:

    [...] se, no sentido clssico, as representaes coletivas se constituem em um instrumento explanatrio e se referem a uma classe geral de idias e crenas (cincia, mito, religio, etc.), para ns, so fenmenos que necessitam ser descritos e explicados. So fenmenos especficos que esto relacionados com um modo particular de compreender e de se comunicar um modo que cria tanto a realidade como o senso comum. para enfatizar essa distino que eu uso o termo social em vez de coletivo.

    Para Alves-Mazzotti (1994), Moscovici prope que a noo de representao social corresponda busca de um conceito verdadeiramente psicossocial. Isto acontece na medida em que ele procura dialetizar as relaes entre indivduos e sociedade, ou seja, descobrir em atos psquicos ou individuais, origens sociais em seu contexto histrico, afastando-se da viso sociologizante de Durkheim e da perspectiva psicologizante da Psicologia Social. Supera, assim, a dicotomia entre os planos individuais e coletivos das representaes, integrando-os em sua proposio terica. Assim, representaes sociais so

    um sistema de valores, idias e prticas, com uma dupla funo:

  • primeiro, estabelecer uma ordem que possibilitar s pessoas orientar-se em seu mundo material e social e control-lo; e em segundo lugar, possibilitar que a comunicao seja possvel entre os membros de uma comunidade, fornecendo-lhes um cdigo para nomear e classificar, sem ambigidade, os vrios aspectos de seu mundo e da sua histria individual e social. (MOSCOVICI, 2003, p. 20)

    Para Farr (2003) e Minayo (2002), Moscovici contribuiu com uma nova configurao para a relao dos indivduos com a sociedade ao estabelecer uma percepo inovadora a respeito da integrao entre fenmenos perceptivos individuais e sociais. Moscovici (2001 p. 45) afirma que ao reviver tal noo, psiclogos sociais como Flament (1967) e Abric (1976) despertaram interesse por entreverem a possibilidade de estudar comportamentos e relaes sociais de forma mais complexa, atingindo resultados inditos.

    Enfim, pode-se dizer que o indivduo elabora representaes devido necessidade de estar informado sobre o mundo compartilhado com os outros, composto de pessoas, objetos, idias e fatos, a fim de compreend-lo, conduzi-lo e enfrent-lo.

    Por essa razo, a teoria das representaes sociais apresenta um instrumental terico e metodolgico que, quando bem utilizados, podem contribuir para uma melhor compreenso das condutas das pessoas e dos grupos. Desencadeou o crescente interesse dos pesquisadores pelo fato de apresentar um modelo capaz de dar conta tanto dos mecanismos sociais como dos psicolgicos que atuam na produo das representaes.

    1.2 Funcionamento e estrutura das representaes sociais A teoria das representaes sociais auxilia na apreenso e compreenso do

    processo de construo, legitimao e reconstruo dos sentidos partilhados no cotidiano, na interao de diferentes pessoas e grupos, em contextos diversos.

    Para Moscovici (2003, p. 34), as convenes imprimem uma forma determinante s representaes partilhadas pelos grupos sociais, tidas como modelos distintos. Tm como funo colaborar com os processos de formao de condutas e nortear as comunicaes.

    Quanto dimenses das representaes sociais, como uma de suas primeiras proposies, Moscovici (1981, p. 67-71) define trs: informao, que se refere organizao dos conhecimentos que o grupo possui a respeito de um objeto social; atitude, que focaliza a orientao global em relao ao objeto da representao social e campo de representao, que remete idia de imagem, de modelo social, ao

  • contedo concreto e limitado das proposies acerca de um aspecto preciso do objeto da representao. Estas dimenses fornecem uma panormica do contedo e sentido das representaes.

    Para a compreenso da elaborao e funcionamento das representaes, Moscovici (1978) apresenta a abordagem processual, em que a objetivao e a ancoragem constituem seus dois processos geradores. Estes processos esto intrinsecamente ligados e so modelados por fatores sociais, onde as atividades psicolgicas e suas condies sociais de exerccio so interdependentes, isto , o social se transforma em representao e a representao se transforma em social.

    Ao analisar esses processos, facetas da realidade so reveladas fornecendo pistas para melhor entender os indivduos no seu cotidiano. Pode-se dizer que esses processos compreendem a articulao entre o contedo cognitivo e as determinaes scio-histricas em que surgem e circulam as representaes.

    Jodelet (2001, p. 22), principal colaboradora de Moscovici, conceitua as representaes sociais como uma forma de conhecimento, socialmente elaborado e partilhado, com um objetivo prtico e contribuindo para a construo de uma realidade comum a um conjunto social, considerando os aspectos cognitivos, assim como os sociais. Esta perspectiva terica a que mais se aproxima de Moscovici, pois seus estudos tambm se preocupam com a gnese das representaes, extraindo-as dos sujeitos, analisando-as e explicando-as.

    Para a autora (1993), a objetivao a materializao das abstraes, dar corpo aos pensamentos, tornar fsico e visvel o impalpvel, enfim, transformar em objeto o que representado. Diz respeito forma como os elementos constituintes da representao se organizam e ao deslocamento atravs do qual tais elementos se materializam, ou seja, se tornam expresses de uma realidade vista como natural.

    Moscovici (1978) considera que a ancoragem se refere insero orgnica do que estranho ao pensamento j constitudo. Para ele, ancorar denominar, classificar fenmenos desconhecidos, novos para o senso comum, a partir de conhecimentos pr-existentes, atribuindo significado aos objetos.

    O processo de ancoragem refere-se integrao cognitiva do objeto representado no pensamento j existente, ou seja, tornar o desconhecido em familiar, passvel de ser compreendido, associando-o a conhecimentos anteriores, como justifica Moscovici (2003, p. 61):

  • Ns experimentamos uma resistncia, um distanciamento, quando no somos capazes de avaliar algo, de descrev-lo a ns mesmos ou a outras pessoas. O primeiro passo para superar essa resistncia, em direo conciliao de um objeto ou pessoa, acontece quando ns somos capazes de colocar esse objeto ou pessoa em uma determinada categoria, de rotul-lo com um nome conhecido.

    Desta forma, seleciona-se o modelo de pessoas ou objetos que constituiro consenso na comunicao entre pessoas ou grupos por meio de duas fases: classificao e nomeao do objeto a ser representado.

    De acordo com Jodelet (2001), na objetivao o indivduo materializa informaes que orientam suas percepes e seus julgamentos, entretanto, somente na ancoragem que o novo conhecimento ser inserido organicamente, atravs da articulao de trs funes da representao da realidade: funo cognitiva de integrao da novidade, funo de interpretao da realidade e funo de orientao das condutas e das relaes sociais.

    Campos (2003) entende a ancoragem como um processo no esttico, desenhado pelos processos sociais e cognitivos que sustentam viva a representao e seu estudo fundamental para a apreenso do funcionamento de uma representao social. Ento, pode-se dizer que a ancoragem um processo que transforma algo estranho e intrigante em uma realidade conhecida e condizente com uma categoria que o indivduo pense ser apropriada.

    A classificao de algum ou de alguma coisa acontece a partir de escolhas mediante modelos ou paradigmas guardados em nossa memria e que se estabelece uma relao positiva ou negativa com ele. A nomeao se d no momento em que se retira algo do anonimato e o insere ao modelo da identidade cultural do sujeito (MOSCOVICI, 2003). Pode-se ento, perceber a importncia desse conceito para o entendimento do cotidiano, uma vez que todo sentido atribudo a um objeto est relacionado s crenas e valores impostos pelo grupo de pertena e, ao mesmo tempo, traduz nossa identidade para com esse objeto. Neste sentido, os elementos das representaes no s manifestam as relaes sociais como tambm, contribuem para sua constituio.

    A teoria das representaes sociais, cuja matriz Moscovici, adquire outra vertente quando Abric (1998), preocupado com a estrutura das representaes, como elas se organizam, estabelecem seu significado e acionam seu papel normativo, prope em 1976, uma abordagem estrutural, com um cunho mais cognitivista.

  • Conhecida como teoria do ncleo central, a questo principal dessa abordagem que toda representao se organiza em torno de dois sistemas: central (ncleo central) e perifrico. A existncia do ncleo central compreende que o pensamento social, enquanto manifestao das representaes necessita garantir a identidade e continuidade do grupo social a que se refere. O sistema de valores e as crenas do grupo social, elaborados coletivamente ao longo da histria, constituem os fundamentos do modo de agir e enfrentar a realidade e no so passveis de negociao, por constiturem a base comum das representaes.

    Segundo o autor, as adequaes das representaes s mudanas so passveis de acontecer no sistema perifrico que est ligado ao contexto imediato. Para este autor, as representaes sociais tm origem dentro de grupos numa determinada cultura, em sujeitos que ocupam diversas posies sociais, imbudos em relaes sociais e prticas especficas a seu grupo. Destaca quatro funes essenciais teoria das representaes sociais: funo de saber, funo identitria, funo de orientao e funo justificadora.

    A funo do saber cognitiva e se refere a um saber prtico do senso comum, que permite que os atores sociais adquiram conhecimentos para compreender e explicar a realidade. a manifestao do esforo permanente do indivduo para compreender e se comunicar. A segunda funo situa os indivduos dentro do campo social permitindo a elaborao de uma identidade social e pessoal, que com a funo de orientao guiam os comportamentos e as prticas (ABRIC, 1998, p. 30). O saber construdo e a identidade demarcada se organizam em elementos articulados num todo coerente que iro guiar as aes e as prticas. E finalmente, a ltima funo justificadora utilizada pelos atores sociais permite, a posteriori, a comprovao das tomadas de posio.

    O sistema de valores e as crenas do grupo social, elaborados coletivamente ao longo da histria, constituem os fundamentos do modo de agir e enfrentar a realidade e no so passveis de negociao, por constiturem a base comum das representaes.

    Pode-se concluir como o grande propsito das representaes a transformao do estranho em familiar, que atravs das dinmicas das comunicaes possibilitam a reconstruo do real e que, por meio destas representaes sociais, os sujeitos se orientam e organizam seus comportamentos.

    Esta pesquisa optou pela abordagem processual para compreender, atravs da investigao dos processos de objetivao e ancoragem, tal como propostos por Moscovici e Jodelet, como se formam os sentidos associados baixa viso, construdos pelos professores participantes.

  • Captulo 2

    Deficincia Visual

    O cego tem... as suas vantagens. Ele no pode ver, mas pode apalpar [risos] a eu fico pensando um dia quero enxergar,

    um dia quero ficar cego... legal tambm. (A 17).

    O cego tem mais privilgio que o baixa viso, tem muitos. O curso que eu fui fazer da computao tinha o Braille e no tinha letra ampliada. A eu tinha que ler letra mida (A 7).

    [...] Se eu no leio o Braille e no tem letra ampliada eu vou ter que perguntar... Ento por isso que eles falaram que

    mais fcil ser cego... (A 8).

    O homem cria representaes para enfrentar e interpretar o mundo, estas tm origem em suas prticas e as orientam (cf. Jodelet, 2001). No diferente com a cegueira: a humanidade desenvolveu vrias maneiras para lidar com o fenmeno, o que ser brevemente exposto aqui. Nesta apresentao h de se perceber a influncia de diferentes povos, principalmente o europeu, at a criao da primeira escola para cegos no Brasil, que seguiu na poca, o modelo da escola francesa.

    De acordo com Sombra (1982), por se acreditar que pessoas cegas eram possudas por espritos malignos, em grande parte das sociedades primitivas, estas eram eliminadas ao nascerem ou abandonadas quando perdiam a viso. Em outras sociedades, eram tomadas como tendo sido castigadas pelos deuses.

    Na histria da humanidade, diferentes significados acompanharam a deficincia visual. Em algumas civilizaes, a pessoa com deficincia fsica (cego, coxo, corcunda, ao lado dos hansenianos) era considerada indigna e suas marcas corporais evidenciavam os maus espritos, que lhe davam poderes demonacos. Os atenienses abandonavam recm-nascidos deficientes s margens do caminho, em vasos de barro. Os espartanos, em consonncia com os ideais guerreiros, consideravam as crianas com deficincia como subumanas (AMARAL, 1994). Os olhos das pessoas poderiam ser retirados,

  • sendo a cegueira utilizada como castigo ou vingana. Com o apogeu do Cristianismo, na Idade Mdia, todos os homens passaram a ser

    considerados filhos de Deus e a cegueira deixou de ser um estigma de culpa se transformando em passaporte para o Reino dos Cus. Passa-se, ento, a observar uma tendncia de atendimento caritativo iniciado sob a proteo da Igreja Catlica e assumido gradativamente pelas autoridades civis, surgindo as primeiras instituies asilares que davam assistncia e proteo s pessoas com deficincia.

    Essas idias mtico-religiosas em torno da cegueira ainda repercutem tanto nas prticas cotidianas quanto no discurso religioso podendo ser consideradas solo frtil onde germinam o preconceito e a discriminao contra esses indivduos. No raro nos surpreendermos ainda nos dias de hoje com pessoas que relacionam a deficincia visual a uma herana maldita.

    Como explicam Telford e Sawrey (1983, p. 467),

    comparando os cegos com outras categorias de deficientes, esses tm sido em muitos aspectos um grupo favorecido, pois a eles foram atribudos papis teis como guias na escurido, memorizadores e transmissores verbais de tradies tribais e religiosas, sendo por vezes reverenciados como profetas e adivinhos. Tais fatos desencadearam a presuno de que eles tivessem uma segunda viso, como compensao pela viso perdida.

    Contudo, a cegueira foi estigmatizada e historicamente encarada com freqncia como uma punio pelos pecados da prpria pessoa ou de seus pais.

    A partir do sculo XVIII aprofunda-se o entendimento da deficincia visual com a passagem de uma viso supersticiosa para uma viso organicista, face o avano da cincia, em especial na rea mdica (MAZZOTTA, 1996). Refletindo mudanas na atitude da sociedade surgiram principalmente na Europa as primeiras iniciativas de atendimento educacional para as pessoas com deficincia.

    O sculo XVIII um marco na histria da deficincia visual devido inaugurao da primeira escola no mundo destinada educao de pessoas cegas, na Frana, sob a responsabilidade do filantropo francs Valentin Hay, em 1784: o Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris. Dentre outras razes, Hay foi motivado a fundar este educandrio aps presenciar na Feira de Paris, em 1771, um espetculo deprimente, onde cegos com culos sem lentes eram achincalhados em pblico.

    O atendimento educacional pessoa com deficincia visual, de acordo com

  • SOUSA (2004), tem incio com a insero dos indivduos cegos na cultura alfabtica, com a utilizao do mtodo do relevo linear, que seria uma reproduo do cdigo visual numa traduo em relevo da escrita convencional.

    Somente em meados do sculo XIX, Louis Braille, aluno daquele Instituto, cria o cdigo Braille em uma base diferente, substituindo o trao pelo ponto. Formado pela combinao de seis pontos em relevo, dispostos em duas filas verticais de trs pontos cada uma, geram 63 smbolos para a formao das letras e pontuaes. Utilizado mundialmente como meio de instruo e incluso social, atualmente o sistema Braille possui uma simbologia especfica para nmeros, smbolos matemticos, fsicos, qumicos e notas musicais.

    2.1 - Incio da educao escolar do cego no Brasil Jos lvares de Azevedo, jovem cego brasileiro, aps ter permanecido oito anos

    estudando no Instituto Real dos Jovens Cegos de Paris, regressa ao Brasil e obtm sucesso ao ministrar aulas ensinando o sistema Braille para Adlia Sigaud, filha do Dr. Xavier Sigaud, um francs naturalizado brasileiro, mdico da famlia Imperial. Em 1852, D. Pedro II ao v-lo escrevendo e lendo no sistema Braille, teria exclamado: A cegueira no mais uma desgraa! (LEMOS; FERREIRA, 1995).

    Impressionado com a possibilidade de o cego aprender a ler e escrever o imperador funda o Imperial Instituto dos Meninos Cegos,

    atravs do Decreto Imperial n. 1.428, de 12 de setembro de 1854, tendo sido inaugurado, solenemente, no dia 17 de setembro do mesmo ano, na presena do Imperador, da Imperatriz e de todo o Ministrio, com o nome de Imperial Instituto dos Meninos Cegos. Este foi o primeiro passo concreto no Brasil para garantir ao cego o direito cidadania (Disponvel em http://www.ibc.gov.br).

    Desta forma, nasce a Educao Especial no s no Brasil, como tambm na Amrica Latina. O I Congresso de Instruo Pblica acontecido em 1883 e que contou com a participao de representantes de pases latinos americanos, teve por objetivo discutir a educao das pessoas com deficincia. Entre os temas constavam questes relacionadas formao de professores para cegos e surdos e ao currculo (MAZZOTTA, 1996).

    O Instituto tinha por finalidade educar meninos cegos e prepar-los, segundo sua capacidade individual, para o exerccio de uma arte, um ofcio, uma profisso liberal.

  • Tendo Xavier Sigaud como primeiro diretor, os cursos foram estruturados com nfase na alfabetizao e no ensino de ofcios compatveis com a cegueira. No entanto, muitos obstculos tiveram que ser enfrentados em funo de preconceitos por parte das pessoas que viam a educao dos cegos como utopia (LEMOS; FERREIRA, 1995).

    2.2 - O deficiente visual De acordo com o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE)

    de 2000, observou-se que 14,5% da populao brasileira possuam pelo menos um tipo de deficincia, sendo que dentre todas as deficincias investigadas, a visual apresentou maior incidncia com percentual de 48,14%. Isso quer dizer que 16.644.842 de brasileiros tm deficincia visual, conforme mostra a Figura 1, apresentada a seguir:

    Figura 1 Porcentagem de tipo de deficincias entre os brasileiros

    Fonte: Censo Demogrfico IBGE-2000

    A falta de uma compreenso a respeito das decorrncias da deficincia visual, talvez seja uma das maiores dificuldades enfrentadas por essas pessoas. O fato de convivermos na sociedade contempornea com estmulos altamente visuais faz com que as pessoas que enxergam as videntes - tenham dificuldade em entender outras formas de interao social e apreenso do mundo que no seja a visual.

    A viso constitui o principal canal de acesso ao mundo. De acordo com o que o indivduo pode ver ou no, ele ir constituir determinada forma de apreender o ambiente, apresentando caractersticas e necessidades diferentes.

    O deficiente visual classificado em dois grupos: cego e baixa viso ou viso subnormal ou viso reduzida. A etiologia da deficincia visual pode ser congnita ou adquirida ao longo da vida e trar conseqncias prprias que iro influenciar no

    4,108,22

    16,5822,96

    48,14

    0

    10

    20

    30

    40

    50

    Porcentagem

    FsicaMentalAuditivaMotoraVisual

  • desenvolvimento educacional do deficiente visual. O cego congnito ou aquele que perdeu a viso nos primeiros anos de vida no

    possui imagens visuais teis. O meio que o cerca conhecido por meio do tato, audio, olfato, paladar sendo muitas vezes percebido e interpretado de forma diferente daquela que os videntes o fazem. Quando a cegueira adquirida, dependendo da idade em que se instalou a deficincia, o indivduo contar com os benefcios da memria visual nos processos de interao e apreenso do mundo. Sua bagagem de informaes visuais se constitui em um elemento facilitador no processo educacional.

    Na criana prejudicada visualmente, a percepo do mundo obtida por meio dos outros sentidos remanescentes, no entanto as pistas por eles oferecidas podem levar a julgamentos e formao de conceitos diferentes daquelas que possuem viso normal. Como exemplo, pode-se citar a redao de uma aluna cega congnita, da 2 srie de uma escola da rede estadual de ensino (BRASIL, 2005, p. 35): Minha me azul, olhos verdes, boca vermelha. s vezes minha me brava. Ela faz carinho, amorosa, muito linda, linda, linda, linda! A menina conceitua a me como azul por ser esta palavra usada freqentemente pela professora ao se referir a um dia claro: o cu est muito azul, muito lindo.

    Neste breve exemplo, em funo da falta da imagem visual que representasse o cu ou a cor, a menina provavelmente deve ter sido induzida a um processo mental tal como: cu azul/cu lindo; cu no azul/cu no lindo; cu muito azul/cu muito lindo; muito azul/ muito lindo, passando, ento, a palavra azul a significar lindo. Dentro desta lgica, como sua me muito linda, ela azul.

    As crianas apreendem o ambiente que as cerca atravs da observao e interao com o meio a sua volta. A criana de baixa viso possui inabilidade para ver e conhecer visualmente o mundo, precisando de estmulos que propiciem o desenvolvimento visual e de habilidades que constituem o ato de olhar.

    Sidney (2008) entende que a percepo visual decorre da conexo entre os mecanismos de olhar (de carter cognitivo e psicolgico) e o de ver (de carter fisiolgico). Os educadores devem estar atentos a situaes que podem constituir sintomas ou sinais de alteraes visuais.

    Segundo Lzaro (BRASIL/IBC, 2009), os indicadores mais comuns que sugerem uma investigao oftalmolgica podem ser: irritaes crnicas nos olhos, indicadas por olhos lacrimejantes, plpebras avermelhadas, inchadas ou remelosas; nuseas, dupla viso ou nvoas durante ou aps a leitura; esfregar os olhos, franzir ou

  • contrair o rosto quando se olham objetos distantes; excessiva cautela no andar, correr raramente e tropear sem razo aparente; desateno anormal durante realizao de trabalhos escolares; queixas de enevoamento visual e tentativas de afastar com as mos os impedimentos visuais; inquietao, irritabilidade ou nervosismo excessivo depois de um prolongado e atento trabalho visual; pestanejar excessivamente, sobretudo durante a leitura; segurar habitualmente o livro muito perto, muito distante ou em outra posio enquanto se l; inclinar a cabea para um lado durante a leitura; e capacidade de leitura por apenas um perodo curto.

    Muitas vezes, a pessoa deficiente visual tem suas potencialidades e capacidades subestimadas, at mesmo entre os componentes do grupo familiar, sendo tratada como incapaz de executar determinadas tarefas ou lhe sendo negado o poder de decidir por si mesma.

    Silva (2008) considera que no caso especfico do deficiente visual, sua identidade social foi construda a partir de imagens negativas de incapacidade e incompletude, presente em situaes discriminatrias observadas no dia-a-dia e baseada em valores cristalizados em nossa cultura. Tal atitude pode adiar a construo da identidade social para alm da que ocorre com o indivduo vidente. Goffman (1988, p.15) afirma que, com base em uma imperfeio original (a incapacidade real) h uma tendncia a se inferir uma srie de outras imperfeies, sendo freqente observar, por exemplo, algum tratando um deficiente visual como se fosse um surdo, falando alto com ele, ou, ainda, como se fosse um aleijado, tentando levant-lo.

    H diferentes graus de deficincia visual. Legislaes e outros documentos definem conceitos relacionados deficincia visual, mas a limitao visual se apresenta de forma bem variada.

    Em 1966, a Organizao Mundial de Sade (OMS) registrou 66 definies diferentes de cegueira utilizadas para fins estatsticos. O termo cegueira relativo, pois engloba pessoas com diversos graus de viso residual e compreende vrios tipos de deficincia visual grave.

    A cegueira total (amaurose) pressupe a perda completa da viso, inclusive com ausncia da percepo luminosa. A cegueira parcial, conhecida como cegueira legal, abrange indivduos que so capazes de contar dedos a pouca distncia e os que s vem vultos. Prximos cegueira total encontram-se pessoas que s tm percepo para

    distinguir entre claro e escuro e tambm aquelas que apresentam projeo de luminosidade, sendo capazes de identificar a direo de onde vem a luz.

  • Em 1972, a OMS props normas para uniformizar as anotaes dos valores da acuidade visual com finalidades estatsticas. Adotou como cegueira legal os indivduos que apresentam acuidade visual de 0 a 20/200 ps2, ou seja, enxergam a 20 ps de distncia (6 metros)3 no melhor olho aps a correo mxima, ou que tenham um ngulo visual restrito a 20 graus de amplitude. Logo, tambm considerada cegueira quando h restrio do campo visual e este apresenta uma viso tubular ou de tnel, uma vez que esta magnitude impeditiva da apreenso do meio como um todo, o que uma das caractersticas capital da viso.

    As pessoas so consideradas com viso residual quando, aps correo mxima, apresentam acuidade visual de 20/200 a 70/200 ps no melhor olho, ou seja, enxergam de 20 (6m) a 70 ps (21m) de distncia, tendo a possibilidade de correo por meios pticos especiais.

    A Resoluo adotada pelo Conselho Internacional de Oftalmologia em Sidney, na Austrlia, em 20 de abril de 2002 (OMS/CIO, 2002), recomendou a seguinte terminologia (ARCHANJO, 2009):

    Cegueira: somente em caso de perda total de viso e para condies nas quais os indivduos precisam contar predominantemente com habilidades de substituio da viso;

    Baixa viso: para graus menores de perda de viso nos quais os indivduos podem receber auxlio significativo por meio de aparelhos e dispositivos de reforo da viso; Viso diminuda: quando as condies de perda de viso so caracterizadas por perdas de funes visuais, como acuidade visual e campo visual; Viso funcional: descreve a capacidade de uso da viso pelas pessoas para as Atividades de Vida Diria (AVD). Muitas dessas atividades podem ser descritas apenas qualitativamente.

    2.3 - Preocupaes com a baixa viso At meados do sculo passado as pessoas com deficincia visual eram tratadas

    como se fossem cegas, inclusive aquelas que tivessem algum resduo visual, cuja utilizao tinha pouca importncia, e na escola todos os alunos aprendiam o Braille.

    2 Unidade de medida de comprimento que equivale aproximadamente a 30,48 centmetros.

    3 Uma pessoa de viso normal enxerga a 200 ps (60 metros).

  • A compreenso de que a eficincia visual pode ser desenvolvida e utilizada na escolarizao e nas tarefas dirias relativamente recente. Somente em 1953, com o desenvolvimento da oftalmologia, Gerald Fonda cria nos Estados Unidos uma subespecialidade oftalmolgica, a viso subnormal, sendo considerado pioneiro nesta rea por reconhecer o valor da utilizao do resduo visual. O termo baixa viso foi oficializado durante uma assemblia da Organizao Mundial de Sade (OMS) realizada em 1976.

    No Brasil, os primeiros servios em educao especial tinham por finalidade a conservao da viso, enfatizando o uso de materiais e mtodos que exigissem sua mnima utilizao, por se acreditar que as pessoas que apresentavam deficincia visual grave corriam o risco de perd-la ao utiliz-la (BRASIL, 2002). Somente em 1964, surge o conceito de eficincia visual com a publicao de um trabalho realizado por Natalie Barraga, com crianas de baixa viso. A pesquisadora, ao utilizar o Programa para Avaliao Diagnstica da Viso Subnormal, mostrou que por meio de aprendizagem era possvel aumentar significativamente a eficincia visual de crianas classificadas como cegas, mas que possuam alguma viso residual. Para ela, a eficincia visual no dependia diretamente da acuidade visual (AV)4 e a estimulao e a utilizao da viso residual podem levar a um melhor desempenho. Portanto, as crianas deveriam ser encorajadas a utilizar a viso e no a poupar, uma vez que a aprendizagem visual um processo no automtico, devendo ser ensinado como ver e como usar o resduo visual.

    A partir da dcada de 1970, especialistas comearam a se preocupar com o uso efetivo da viso residual. No entanto, at os dias de hoje, professores, pais e o prprio deficiente apresentam dvidas com relao utilizao do resduo visual por considerarem que a viso finita e o esforo empreendido para us-la pode acarretar sua perda, relacionando a causa da cegueira com a utilizao da viso. Como afirma Corsi (2001, p. 18),

    ainda existem dvidas em relao ao uso efetivo da viso residual, por grande parte dos familiares, professores e demais profissionais. Um nmero considervel de pessoas alfabetizadas atravs do Sistema Braille tem viso suficiente para ler tipos impressos comuns ou ampliados, ainda que venham usar auxlios pticos.

    4 Acuidade visual a agudeza da viso. Denota a habilidade de reconhecer detalhes. (VEIZTMAN,

    2000, p. 94).

  • At meados dos anos de 1970, prevaleceu o modelo teraputico no qual os deficientes visuais eram identificados pelo diagnstico oftalmolgico, que consistia na medida da acuidade visual, sendo encaminhados para o ensino no sistema Braille.

    Ainda no final da dcada de 1980, os alunos das classes de alfabetizao do IBC, que tinham resduo visual suficiente para ler o Braille com os olhos, tinham seus olhos vendados. Este procedimento, adotado na poca, exercia a funo de impedir que a viso residual interferisse na aprendizagem da leitura e escrita no sistema Braille.

    A constatao de que sujeitos com a mesma medida oftalmolgica apresentavam diferenas na utilizao do resduo visual acarretou em uma nova concepo educacional de cegueira, caracterizada pela nfase na eficincia visual e no mais na acuidade visual.

    2.4 - Entendendo a baixa viso A acuidade visual de 1,0 considerada normal pela escala de Snellen5 (Anexo

    1), que equivale medida de acuidade visual de 20/20 (viso normal). A pessoa com baixa viso enxerga menos que 0,3 (20/60) mesmo utilizando culos. Fazendo esta equivalncia, 20/200 corresponde acuidade visual de 0,1, que j pode ser classificada como cegueira legal.

    A maioria das crianas classificadas como deficientes visuais tem baixa viso ou viso subnormal, tendo necessidades diferentes das crianas cegas. Uma anomalia ou um mau funcionamento no aparelho visual pode acarretar em uma significativa baixa de viso ou a reduo do campo visual.

    Na escola, a baixa viso constitui um grande desafio para o professor. O desconhecimento das possibilidades da pessoa com baixa viso pode levar falsa idia de que dificuldades de aprendizagem e at mesmo dficit intelectual esto vinculados a esta deficincia. Como conseqncia, no raro encontrarmos alunos com baixa viso sendo tratados como se fossem cegos, sem receberem qualquer estmulo para a utilizao do seu resduo visual. Esta idia equivocada pode implicar em uma baixa expectativa do professor com relao ao rendimento acadmico do aluno.

    5 A Escala de Snellen, tambm conhecida como Escala Optomtrica de Snellen utilizada para fazer pr-

    diagnstico da condio visual de pessoas em todo o mundo. de fcil aplicao, dando indicativo se a pessoa precisa procurar um oftalmologista ou no.

  • A funcionalidade da viso de difcil compreenso, pois nos casos de baixa viso, pode haver comprometimento em diferentes funes visuais6, de forma isolada ou associada. Quando a acuidade visual se encontra comprometida, as imagens so vistas de forma turva e com baixo contraste dificultando a percepo de detalhes. Na viso para perto, essas pessoas encontram grandes dificuldade nas atividades que exigem viso de detalhes, como leitura de livros e textos. No caso da viso para longe, as dificuldades ocorrem, por exemplo, na leitura do quadro de giz em sala de aula, na leitura de legenda de filmes ou para ler a placa de um nibus.

    As alteraes no campo visual podem afetar a viso central7 e/ou a perifrica8. Nas figuras apresentadas a seguir pode-se observar uma simulao dessas situaes:

    Figura 2 Alterao do contraste

    FONTE: Instituto Benjamin Constant (www.ibc.gov.br)

    6 As principais funes visuais so acuidade visual (denota capacidade de discriminar detalhes); campo

    visual (refere-se a uma rea/espao especfico percebido pelos dois olhos); e sensibilidade ao contraste (capacidade de detectar diferenas de brilho entre duas superfcies adjacentes) (VEIZTMAN, 2000). 7 Viso central quando se dirige o olhar diretamente para o objeto. A viso central conseguida na parte

    da retina chamada mcula (MARTIN; BUENO, 2009, p.1). 8 Viso perifrica quando a imagem formada em outra parte da retina. uma imagem que no clara,

    mas importante para a leitura, para ver objetos de grandes dimenses e para a deslocao (MARTIN; BUENO, 2009).

  • Figura 3 Alterao da viso central

    FONTE: Instituto Benjamin Constant (www.ibc.gov.br)

    Figura 4 Alterao da viso perifrica

    FONTE: Instituto Benjamin Constant (www.ibc.gov.br)

    Na reduo ou ausncia total de viso central as pessoas podem deslocar-se sem dificuldades significativas, no entanto podem encontrar muita dificuldade de ler a escrita negra.

    Normalmente, o aluno que apresenta esse tipo de deficincia visual correr livremente pelo ptio da escola sem que esta seja percebida, porm apresentar problemas na leitura e na escrita, o que pode ocasionar desinteresse pela atividade, vindo a ser apontado pelos professores como desatento e preguioso.

  • No caso de haver uma reduo no campo perifrico, com uma preservao da acuidade visual na zona de maior definio da retina, a mcula9, as maiores dificuldades estaro situadas no nvel da mobilidade. O aluno esbarrar nas carteiras escolares, nos colegas e provavelmente no demonstrar interesse em atividades fora da sala de aula, sendo rotulado como desajeitado e desastrado.

    Em termos educativos, as medidas clnicas no podem constituir um dado determinante. Somente a avaliao da viso funcional permite reunir dados relativos capacidade visual do indivduo, pois a habilidade visual no depende apenas da patologia ocular, mas tambm da eficcia do uso da viso.

    Na pessoa com baixa viso no possvel a generalizao da avaliao do funcionamento visual, pois este depende da interao entre as funes visuais e os fatores ambientais e pessoais. Duas pessoas com a mesma acuidade visual podem apresentar nveis de funcionamento bem distintos, inclusive, de acordo com as diferentes condies ambientais, uma mesma pessoa pode apresentar diferentes nveis de funcionamento visual.

    A avaliao funcional pressupe a interveno de uma equipe multidisciplinar composta por oftalmologista especializado em baixa viso e o professor da turma ou disciplina, se este for capacitado em baixa viso, caso contrrio, faz-se necessrio a presena do professor da educao especial. de extrema relevncia que o docente compreenda os diferentes tipos de problemas visuais e suas interferncias na rea pedaggica, no s na identificao dos objetos e formas, na eficincia da leitura e da escrita, como tambm, na orientao e mobilidade (O&M), e nas atividades da vida diria (AVD).

    Carvalho et al (1994) afirmam que o funcionamento visual est relacionado com a maior ou menor capacidade para a utilizao do resduo na realizao das tarefas cotidianas e escolares. Pode-se dizer que a viso funcional o nvel de utilizao da viso no desempenho das tarefas e est condicionada por inmeras variveis de carter pessoal e ambiental.

    Esta especificidade pode contribuir para uma maior dificuldade do professor em trabalhar com o aluno com baixa viso. necessria uma avaliao clnico-educacional que informe e oriente a famlia, o aluno e o professor sobre procedimentos, possibilidades e necessidades de indicao, ou no, de recursos que iro nortear a

    9 A mcula constituda pela concentrao de clulas nervosas na retina, sendo a zona responsvel pela

    acuidade visual, nitidez da imagem e viso de detalhes.

  • atuao do professor junto ao aluno na busca de um melhor desempenho visual. Para a elaborao de um plano educacional adequado necessrio o

    conhecimento de cada caso, pois alm dos efeitos inerentes da prpria deficincia, outras variveis interferem no grau da perda da viso. O Quadro 2 mostra essa posio.

    Quadro 2 - Classificao mdica e educacional: paralelo e interseco Diagnstico mdico baseado na Acuidade

    Visual. nfase no que enxerga. Finalidade legal, econmica e estatstica.

    Resultado esttico em condies especiais de distncia e iluminao.

    Dados quantitativos (numricos)

    Diagnstico educacional - baseado na Eficincia Visual.

    nfase no como enxerga. Finalidade prtica e funcional em termos de

    desempenho na O&M, na AVD e nas tarefas escolares

    Resultado dinmico em condies de vida prtica.

    Dados qualitativos OBSERVAES Uma avaliao complementa a outra. O diagnstico mdico no leva necessariamente ao prognstico educacional (pode haver uma capacidade de viso para perto no desenvolvida). FONTE: Ministrio da Educao/Secretaria de Educao Especial: Programa Nacional de Apoio Educao de Deficientes Visuais, 2002.

    A falta de esclarecimento sobre o comprometimento da viso do indivduo pode ser motivo de desconfiana dos pais e, sobretudo, dos professores, que podero encontrar entraves para a realizao de determinadas atividades por parte do aluno.

    Muitas vezes ocorrem situaes em que h alteraes visuais progressivas

    causadas pela prpria doena ocular, que interferem negativamente no processo educacional. Nesses casos, o aluno vive um prolongado perodo de insegurana e angstia que difere daquele que convive com a falta de viso j h algum tempo, e que tambm difere daquele que ainda se encontra sob o impacto emocional da perda recente. Dessa forma, cada indivduo pode apresentar maior ou menor facilidade para lidar com as perdas em sua vida. Em todas as situaes, reaes diversas podem implicar no ajustamento emocional e, conseqentemente, no desenvolvimento do processo educacional do aluno.

    A observao e a avaliao especializada por meio de testes analisam todas as funes visuais a fim de compreender como que o aluno utiliza a viso. Esta informao imprime ao professor de sala de aula a possibilidade de fazer as devidas modificaes no ambiente e no material pedaggico utilizado para proporcionar ao aluno o melhor desempenho visual.

    A baixa viso diferenciada da cegueira, pois um resduo visual pode vir a ser

  • eventualmente melhorado por meio do uso de tcnicas e auxlios especiais que, adicionados a um treinamento apropriado, possibilita pessoa a execuo de atividades que podem proporcionar uma melhor qualidade de vida.

    Programas especiais so criados especificamente para o uso do deficiente visual. Como j foi mencionado anteriormente, o deficiente visual pode ser considerado legalmente cego e educacionalmente cego ou com baixa viso. Pedagogicamente, pode haver aluno cego que, mesmo possuindo resduo visual, ter o sistema Braille como principal meio para a aprendizagem da leitura e da escrita, porm deve ser estimulado a utilizar seu resduo visual para a locomoo e execuo das atividades do dia-a-dia. Necessitar de recursos como reglete10, puno, sorob11, livros em udio e bengala para locomoo. Em outros casos, alunos com diagnstico de cegueira podem apresentar um resduo visual suficiente para usufruir de uma aprendizagem atravs dos meios visuais, mesmo que necessitem de recursos especiais.

    2.5 - Auxlios para a pessoa com baixa viso Para a execuo das tarefas escolares, o aluno com baixa viso ao se esforar, na

    tentativa de querer enxergar mais do que realmente capaz, pode vir a provocar tenso, tanto fsica quanto emocional. Nesse sentido, o grau de viso residual adicionado ao tipo de doena ocular existente poder interferir no seu desenvolvimento acadmico. Auxlios e/ou recursos que venham a melhorar o desempenho visual do aluno podem ser indicados por profissionais especializados, aps observao do funcionamento visual frente a variados estmulos. Os recursos no resolvem o problema do indivduo com deficincia visual devolvendo-lhe a viso, mas a adequada utilizao busca a eficincia visual com o mximo conforto possvel.

    Os recursos indicados podem ser pticos, no pticos e eletrnicos. Os recursos pticos so prescritos pelo mdico especialista e consistem de lupas, rguas de aumento, telessistemas (sistemas telescpicos, telelupas e lunetas com poder variado de magnificao), dentre outros que proporcionam aumento da imagem retiniana. Existem recursos especficos para viso distncia e para perto.

    Os recursos no pticos so indicados pelo professor especialista, no possuem lentes e so de grande utilidade na escola sendo empregados como recursos didticos.

    10 Prancheta perfurada que com auxlio do puno (objeto usado para produzir o relevo no papel) onde se

    escreve o Braille. 11

    Instrumento desenvolvido a partir do baco que possibilita os clculos matemticos.

  • Constituem-se de contraste, controle da iluminao, controle da reflexo da luz, suportes para a leitura e ampliao. Os recursos eletrnicos podem ser indicados tanto pelo mdico como pelo professor e consistem nos videomagnificadores, tais como lupas eletrnicas12 e CCTV13. Para que esses recursos atinjam sua funo esperada, no devem ser usados aleatoriamente, mas aps a prescrio com orientao e acompanhamento do profissional habilitado, uma vez que em cada pessoa a baixa viso se manifesta de forma diferenciada.

    As pessoas com baixa viso podem ter seu resduo visual melhorado atravs dos recursos, no entanto a no aceitao da prpria deficincia pode muitas vezes lev-las a oferecer resistncia utilizao desses recursos e de tcnicas que podem beneficiar na reduo das barreiras atribudas pelo distrbio visual.

    A conscientizao do aluno com baixa viso sobre os benefcios que ter com o uso desses auxlios fundamental para sua aceitao e disponibilidade para aprender. No difcil se deparar com alunos que aps algumas tentativas mal sucedidas de utilizao dos recursos os abandonaram. Uma das causas da no-adaptao pode estar tambm arrolada falta de treinamento adequado, que deve ser individualizado e direcionado s necessidades de cada indivduo.

    O principal recurso utilizado pela pessoa com baixa viso para obter uma melhor resoluo visual a ampliao das imagens para longe e para perto. A ampliao pode ser alcanada de quatro modos: (1) ampliao pela diminuio da distncia relativa, ou seja, reduzindo a distncia entre o observador e o objeto; (2) ampliao linear, que ocorre ao se ampliar o tamanho das letras do escrito a ser lido; (3) ampliao angular, que consiste em utilizar lentes especiais de aumento que so os recursos pticos; e (4) ampliao por projeo, onde a imagem ampliada pela projeo em uma superfcie ao se utilizar recursos tecnolgicos.

    Uma das principais dificuldades encontradas pela pessoa com baixa viso o acesso leitura pela carncia de obras ampliadas, cuja publicao pode ser dificultada pelo fato de que as necessidades visuais so particulares.

    Levando-se em conta a relevncia de se estabelecer um padro mnimo que contemple um nmero maior de pessoas com baixa viso, para a adaptao de textos e

    12 Equipamento que amplia textos, imagens e pequenas peas que pode ser acoplado em qualquer TV,

    facilitando a leitura e escrita pelas pessoas com baixa viso. 13

    Circuito Fechado de Televiso - Equipamento de vdeo magnificao que apresenta um sistema de captao de imagem preta e branca e/ou colorida. Possui uma bandeja onde se coloca o objeto que se queira ler podendo-se obter vrios tamanhos com inverso de contrastes. (Disponvel em http://www.civiam.com.br/treinamento.php?secao=1&rnd=87. Acessado em 27/07/2009).

  • livros didticos, em 2001 foi realizado um estudo por professoras do IBC junto aos alunos, que gerou sugestes e/ou orientaes14 tais como: fonte recomenda Arial, Verdana ou Tahoma; tamanho 24 em negrito; um espao e meio entre as linhas; papel branco, marfim ou gelo sem brilho e tinta preta para maior contraste; e ilustraes simples, com poucos detalhes, contornos espessos e bem definidos, contrastantes com o fundo.

    Uma variedade de recursos pode minimizar interferncias no desempenho do aluno, decorrentes da limitao imposta pela reduo da sua capacidade visual. Mesmo com prescrio, o tipo de recurso a ser utilizado, ou no, vai depender da necessidade, do interesse e dos objetivos do aluno. Nesse sentido, compete ao professor a elaborao de estratgias facilitadoras do desenvolvimento das tarefas escolares eliminando barreiras que possam impedir o acesso ao conhecimento.

    2.6 - Material didtico especializado Na educao das pessoas com baixa viso os recursos didticos assumem um

    importante papel, constituindo-se num meio para facilitar, incentivar ou possibilitar o processo ensino-aprendizagem, devendo ser utilizados com maior ou menor freqncia em todas as disciplinas, reas de estudo ou atividades, sejam quais forem as tcnicas ou os mtodos empregados.

    A baixa viso no constitui cenrio nico, uma vez que indivduos com o mesmo diagnstico podem apresentar diferenas na acuidade visual, campo visual, viso de contraste, adaptao luz e ao escuro, podendo ainda haver combinao entre essas funes visuais, o que leva a apresentao de diferentes graus de comprometimento. Em funo dessa caracterstica, observa-se a dificuldade de generalizao quanto ao material didtico adaptado para baixa viso. No entanto para que sua utilizao alcance a maior eficcia, medidas padro devem ser adotadas como a utilizao de cores fortes e contrastantes para melhor estimular a viso funcional, contornos de letras e figuras bem definidos e a no utilizao de brilho para evitar o ofuscamento. Na maioria dos casos, os recursos didticos mais usados para os alunos com baixa viso so cadernos com margens e linhas fortemente marcadas e espaadas e lpis com grafite de tonalidade forte.

    14 Estudo realizado pelos Departamentos Tcnico Especializado e Pedaggico do IBC, desenvolvido pelas

    professoras: Elise de M. B. Ferreira, Maristela Dalmolin, Helena de S. Ferreira, Paula Mrcia Barbosa, Regina Clia G. Lzaro, Regina M. F. Chimenti e Valria C. Aljan. (Ver www.ibc.gov.br.)

  • Dentre os recursos didticos utilizados pelos alunos videntes, muitos podem ser aproveitados para os alunos com baixa viso tais como se apresentam, outros mediante certas adaptaes. Os materiais elaborados, tanto quanto possvel, devem ser simples e confeccionados com a participao do prprio aluno despertando o interesse e possibilitando maior diversidade de experincias. Para alcanar a desejada eficincia na utilizao dos recursos didticos pelos alunos com baixa viso, o professor dever considerar se esses so significativos para atender aspectos da percepo visual dos alunos a eles destinados.

    Diante do exposto, percebe-se o desafio do trabalho docente, pois o professor precisa lidar com todas as variveis que cada caso apresenta, em especial quando se refere ao aluno com baixa viso.

    O Instituto Benjamin Constant (IBC), localizado no Rio de Janeiro, instituio especializada dedicada educao de alunos com deficincia visual, que enfatiza o conhecimento tcnico e prtico nessa rea, ser foco de discusso no prximo captulo.

  • Captulo 3

    Instituto Benjamin Constant

    Isso aqui era o Instituto Imperial dos Meninos Cegos, todo mundo aprendia o Braille... (A13)

    O atendimento s necessidades da educao das pessoas deficientes visuais teve sua origem, no Brasil, em 1854, pela ao do poder pblico com a criao de uma escola que se deu dessa forma:

    De acordo com a autorizao insita no Art. 2 do Decreto Imperial n 781, de 10 de setembro de 1854, e o Decreto Imperial n 1.428, de 12 de setembro de 1854, foi fundado na Cidade de So Sebastio do Rio de Janeiro, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, cuja instalao solene ocorreu em 17 de setembro do mesmo ano, no bairro da Sade, Rua do Lazzareto n 3 (SOMBRA, 1983, p. 24).

    Inicia-se, assim, o processo ensino-aprendizagem de crianas cegas no Brasil. O educandrio foi estruturado de acordo com o modelo do Real Instituto dos Jovens Cegos, de Paris, para funcionar sob o regime de escola residencial. Mais tarde, o prestgio e a dedicao de Benjamin Constant Botelho de Magalhes, preocupado com a causa dos cegos, solidificaram a Instituio que hoje tem o seu nome e cuja importncia na educao dos deficientes da viso relevante no sistema educacional brasileiro.

    A trajetria do IBC foi permeada por mudanas polticas, sociais, cientficas e filosficas que ocorreram em consonncia com a ordem em vigor da sociedade e do sistema educacional brasileiro. De acordo com Hildebrandt (2004, p. 30),

    Com o desenvolvimento tecnolgico e os conflitos vividos pela sociedade, a partir do ps-guerra, no so poucas as modificaes verificadas em todos os setores da atividade humana, nos ltimos 50 anos. As instituies educacionais, como o IBC e a prpria educao, no esto isentas da influncia deste processo.

    Desde sua fundao, vrios dispositivos legais estabeleceram a finalidade e regulamentaram a organizao e o funcionamento do Instituto. Esses atos

  • normatizadores ocorreram nos anos de 1854, 1890, 1901, 1911, 1943, 1953, 1975, 1982, 1987, 1994, 1996 e 1998.

    3.1 - Trajetria do IBC atravs de seus Regulamentos e Regimentos Os caminhos percorridos pelo IBC na educao do deficiente visual sero analisados por meio de itens desses dispositivos considerados de maior importncia para o presente estudo.

    Em sua trajetria, subordinado aos governos do Brasil, imperial e republicano, 12 dispositivos legais estabeleceram sua finalidade, regulamentaram sua organizao e funcionamento, assumindo as denominaes de Regulamento, e Regimento, a partir de 1943.

    O Regulamento Provisrio do Imperial Instituto dos Meninos Cegos, que norteou as atividades na poca de sua fundao, tem por fim ministrar: instruo primria; educao moral e religiosa; ensino de msica; de alguns ramos de instruo secundria; e de ofcios fabris. Estipula a admisso de no mximo 30 meninos cegos que deveriam ser tratados com desvelo, a fim de nada lhes faltar, tanto com relao ao ensino, como caridade que se deve observar para com eles (IBC/DDI, 2005).

    Hildebrandt (2004, p. 22) chama ateno de que no h referncia existncia de meninas, mas somente alunos do sexo masculino. O carter misto do Instituto ser esclarecido no Regimento Interno de 1854, no Ttulo III Da disciplina, Captulo XV: Da separao dos alunos, Art. 43. As meninas cegas, seja qual for a sua idade, sero completamente separadas dos meninos [...]. No Captulo ltimo, Disposies Gerais, observa-se que, embora sua finalidade seja a instruo primria e algum ramo da secundria, nos Artigos 38, 39 e 40 o Regulamento afere a ex-alunos os ttulos de professor, o que no entender de Araujo (1993, p. 16), tal medida extrapola as prticas educacionais da poca e se justifica pela conscincia da burguesia infiltrada no poder monrquico da importncia de assegurar, atravs de um ttulo, o status social de seus descendentes.

    Segundo a autora, esta medida ao mesmo tempo em que acalenta vaidades, afere a outros uma iluso do reconhecimento social ao oficializar um espao institucional que os manter segregados, uma vez que os alunos cegos seriam induzidos e estimulados, de acordo com a disciplina, inteligncia e aptido, a permanecerem na instituio como professores. Ainda para a autora, isto traz tona o processo demaggico com que o Estado vai se ocupar da incluso do indivduo cego nas suas polticas pblicas (idem,

  • p. 16). A posio assumida por Araujo ao afirmar como demaggica a poltica do governo em incorporar ao IBC, como professores os alunos cegos que apresentassem habilidades adequadas, deve ser posta em questo, pois sem esses professores no factvel uma poltica de incluso de cegos na vida social.

    Em 1861, por meio de aprovao por concurso, Benjamin Constant Botelho de Magalhes ingressa na Instituio como professor de Matemtica, vindo a assumir o cargo de diretor, em 1869, no qual permaneceu durante 20 anos. Foi em sua administrao que D. Pedro II doou o terreno na Praia Vermelha, onde seria lanada a pedra fundamental do prdio no qual ainda hoje funciona o Instituto Benjamin Constant.

    De acordo com Lemos (1981, p. 28), Benjamin Constant ao assumir o cargo de Ministro da Instruo Pblica Correios e Telgrafos promoveu uma viagem aos professores cegos Paris, objetivando o estudo e a aquisio de equipamentos pedaggicos dos mais modernos que houvesse para aparelhar a Instituio, fato este que denota sua grande preocupao com a instruo das pessoas cegas.

    Aps a Proclamao da Repblica, o Instituto passa a ser denominado Instituto dos Meninos Cegos (Decreto n 9 de 24/11/1889), Instituto Nacional dos Cegos (Decreto n 193 de 30/01/1890) e, finalmente, Instituto Benjamin Constant (Decreto n 1320, de 24/01/1891).

    Em 1890, o Instituto transferido para sua sede prpria, na poca ainda em construo, e atravs do Decreto n 408 aprovado o Regulamento do Instituto Nacional dos Cegos, com capacidade de receber at 200 alunos. No Captulo I, Art. 1 desse decreto, o Instituto tem por fim ministrar:

    instruo primria; educao fsica, moral e cvica; instruo secundria; ensino da msica vocal e instrumental; ensino do maior nmero possvel de artes, indstria; e ofcios fabris que estejam ao seu alcance e lhes sejam de reconhecida utilidade; oficinas e casas de trabalho, onde os cegos, educados no Instituto, encontrem ocupao decente e sejam utilizadas as mais diversas aptides; todo o auxilio e proteo de que caream para facilitar-lhes os meios de dar livre expanso s suas diversas aptides fsicas, morais e intelectuais, e a todas as suas legtimas aspiraes em proveito seu, de suas famlias e da ptria.

    Nesse aspecto, o ensino profissionalizante assume sentido de desenvolvimento scio-cultural do alunado. O Art. 8 chama ateno crena, que ainda pode ser observada nos dias de hoje, de que os cegos tm aptido para msica:

  • Sendo o estudo da msica, dentre todo o ensino profissional, aquele que mais aproveita aos cegos, no s porque mais facilmente lhes proporciona meios de subsistncia, como porque tm eles para essa arte uma predileo notvel, criar-se-, logo que os recursos do Instituto o permitirem, uma aula de canto para ambos os sexos.

    O corpo docente contava com um total de 27 professores, repetidores15 e mestres, sendo que dentre estes, 10 estavam relacionados parte musical: um professor de 1 classe de msica terica e piano; um professor de 2 classe de msica terica e piano; uma professora de piano e canto para as alunas; um professor de piano e canto para os alunos; um professor de instrumentos de sopro e percusso; um professor de instrumentos de corda; um professor de rgo e harmonia; 3 repetidores do curso de msica.

    No Captulo VII, Dos professores, Art. 90, continua assegurada a vaga para ex-alunos: Os lugares de professores das cadeiras, que vagarem ou que forem novamente criadas, sero preenchidos, independente de concurso, pelos repetidores cegos, ex-alunos do Instituto, mediante proposta do diretor. Verifica-se, ainda o estmulo, por parte do governo, capacitao do professor ao patrocinar estudos fora do pas, se houver necessidade da Instituio, conforme consta no Art. 266. Poder tambm o governo mandar estudar na Europa alguma arte ou indstria de reconhecida vantagem para os cegos, a qualquer dos aspirantes ao magistrio, que tiver revelado grande inteligncia e vocao para o ensino prtico-profissional. O Decreto n 9.026, de 16 de novembro de 1911, que aprova novo Regulamento do IBC, apresenta um empobrecimento no contedo programtico com a eliminao de cadeiras cientficas, como cincias fsicas e histria natural, e a excluso da instruo moral e cvica. Na obra publicada pelo Governo Federal (BRASIL, 1992), em comemorao ao Centenrio da Independncia do Brasil, apresentado resultado de pesquisa realizada em 500 instituies filantrpicas e assistencialistas e nessa poca o IBC contava com 92 alunos, todos indigentes (ARAUJO, 1993, p. 35). Neste estudo, o item que se refere aos alunos tem como subttulo Movimento dos Asilados e na explanao se encontra:

    O nmero de alunos internados apenas de 6 dcimos da cifra que o

    15 Repetidor uma espcie de explicador das lies que assumia a docncia de certos grupos de alunos

    e de acordo com seu desempenho poderia vir a ocupar o cargo de professor.

  • estabelecimento folgadamente comportaria. [...] Desde sua fundao at hoje, e mais especialmente at 1890, o Instituto tem tido seus movimentos entorpecidos deixando de produzir todos os seus frutos [...] a educao completa dos jovens cegos; a habilitao destes para ganhar a prpria subsistncia; a divulgao, pelo pas, dos mtodos especiais de ensino dos cegos [...]. Em 1854, ano em que foi fundado, at 1895, o Instituto apenas teve 184 alunos matriculados. Dos jovens cegos que terminaram seus estudos, rarssimos so os que no vivem exclusivamente do magistrio, exercido no prprio Instituto. Avulta no pas o nmero de crianas cegas, e as respectivas famlias geralmente nem sabem da existncia do Instituto, ou fazem dele uma idia to imperfeita que chega a provocar riso ou compaixo. [...] Governos e populao habituaram-se a ver nele, no uma verdadeira casa de educao, que deve ser, mas um asilo, um puro e simples asilo! Era assim que, sendo o respectivo curso de seis anos, alunos havia que jamais o terminaram, permanecendo outros no estabelecimento por mais de 20 anos. (BRASIL, 1922, p. 475).

    At o ano de 1926, o IBC, por ser a nica instituio especializada para cegos no Brasil, era referncia para este tipo de deficincia. Havia demanda de alunos de todo o territrio nacional que no eram totalmente cegos, porm apresentavam dificuldades de aprendizagem nas escolas regulares. Muitos desses alunos estudavam no sistema Braille com a recomendao de lhes vendar os olhos.

    No perodo de 1937 a 1945, o Instituto permanece fechado para a concluso das obras do prdio principal que estavam inacabadas desde sua inaugurao. O IBC reinicia suas atividades com mudanas profundas na sua estrutura organizacional.

    Conduzido pelo Regimento aprovado atravs do Decreto n 14.165, de 3 de dezembro de 1943, o IBC amplia seus objetivos educacionais e se projeta como centro de disseminao de conhecimento, conforme Captulo 1, Art. 1, pargrafo V onde diz: realizao de pesquisas mdicas e pedaggicas relacionadas com as anomalias da viso e preveno da cegueira.

    Para operacionalizar os novos objetivos, o IBC passa a ser composto por: Seo de Educao e Ensino (SE); Seo de Medicina e Preveno da Cegueira (SP); Seo Imprensa Braille (IB); Seo de Administrao (SA); e Zeladoria (Z), cada uma com suas respectivas competncias.

    Pela primeira vez a pessoa com baixa viso ou amblope (denominao utilizada na poca) referenciada em trs itens do Art. 1:

    I ministrar a menores cegos e amblopes, de ambos os sexos, educao compatvel com as suas condies peculiares; III manter cursos para a reeducao de adultos cegos e amblopes;

  • IV habilitar professores na didtica especial de cegos e amblopes;

    Observa-se, no entanto, no item VI, a excluso da baixa viso: promover, em todo o pas a alfabetizao de cegos ou orientar, tecnicamente, esse trabalho, colaborando com os estabelecimentos congneres estaduais ou locais. Fato que tambm ocorre em outros itens como: dar aos cegos o conhecimento de uma ou mais profisses, com o fim de aparelh-los a prover a sua subsistncia; realizar pesquisas mdicas relacionadas com a cegueira; Imprensa Braille compete executar trabalhos de impresso, em caracteres Braille, de acordo com as necessidades do Instituto (grifos meus).

    Nesse Regimento, verifica-se a preocupao com a capacitao de docentes, tendo o IBC realizado, em convnio com o Instituto Nacional de Estudos Pedaggicos (INEP), em 1947, seu primeiro Curso de Formao de Professores de Anormais da Viso.

    O dispositivo legal, estabelecido desde 1854, que conferia ao ex-aluno a garantia de emprego, no Instituto, como professor ou mestre no mais foi mencionado. Araujo (1993, p. 45-46) relata a incoerncia das medidas oficiais entendendo que o IBC se tornou um entrave para a ascenso social do cego, uma vez que, os cursos de preparao para o aprendizado de uma profisso (Dec. 14.165 de 1943, Art. 4) no eram reconhecidos como cursos profissionalizantes, o certificado de conc