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Dossiê Nacional PUBLICAÇÃO ESPECIAL DO ANDES -SN 3 v Na defesa da educação pública de qualidade Precarização do trabalho docente II D ossiê N acional PUBLICAÇÃO ESPECIAL DO ANDES -SN 3

dobra dobra vinco vinco Dossiê Nacionalportal.andes.org.br/imprensa/noticias/imp-ult-1965703512.pdf · Assim, neste segundo fascículo do terceiro número da revista Dossiê Nacional

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Dossiê NacionalPUBLICAÇÃO ESPECIAL DO ANDES-SN3

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Na defesa da educação pública de qualidade

Precarização do trabalho docente II

Dossiê NacionalPUBLICAÇÃO ESPECIAL DO ANDES-SN3

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arta ao LeitorDiretoria do mandato 2012-2014

Coordenação editorial: Luiz Henrique Schuch e Marinalva Silva Oliveira

Coordenação de reportagem, edição e texto final: Carla Lisboa (Registro Profissional: 1635/DRT-DF)

Reportagem: Carla Lisboa, Fátima Xavier, Ricardo Borges, Valdeci Rodrigues, Washington Sidney

Diagramação: Ronaldo Alves (RP: 5103/DRT-DF)

Ilustrações: Alex Leal

Fotografias: Arquivo ANDES-SN e Seções Sindicais

Tiragem: 40.000 exemplares

Gráfica: Athalaia Gráfica e Editora LTDA

Setor de Indústrias Gráficas (SIG/Sul) – Quadra 06, Lote 2280 / CEP 70.610-460 – Brasília-DF

CNPJ: 02.717.866/001-43

Telefone: (61) 3343-4100 / Fax: 3343-4101

www.athalaia.com.br / [email protected]

Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino

Superior (ANDES-SN)Setor Comercial Sul (SCS) – Quadra 2 Bloco C – 5º Andar – Edifício Cedro II CEP 70.302-914 – Brasília – Distrito Federal Telefone: (61) 3962-8400 – Fax: (61) 3224-9716 Endereço eletrônico: [email protected] Brasília-DF, novembro de 2013

Apesar dos recursos públicos aplicados, o Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Públicas Federais (Reuni) – projeto de ampliação e de interiorização – acabou por aprofundar os problemas infraestruturais,

pedagógicos, administrativos e financeiros das IFE e revelou-se desastroso quanto à qualidade acadêmica e precarizador das condições de trabalho docente.

Ao colocar o Reuni em prática, a pretexto de democratizar o acesso ao ensino público superior, sem debate com a comunidade universitária, o governo federal expôs seu propósito de impor à sociedade um conceito de universidade condicionado pelo mercado, com sérios prejuízos para todos os envolvidos na educação e na produção de conhecimentos.

Pior. Com a expansão desordenada, os problemas estruturais que as universidades públicas enfrentavam se agravaram. Hoje, o que se vê, de Norte a Sul do País, são improvisações, obras inacabadas, equipamentos deteriorados e a mais absoluta falta de condições de lecionar e de fazer pesquisa. Caso do Polo Universitário Rio das Ostras, da UFF, onde os professores dão aulas em contêineres alugados.

Outros problemas pioraram o funcionamento das IFE – a desconstrução da carreira docente, perdas salariais, a falta de transparência na gestão dos orçamentos e de democracia no meio acadêmico, a imposição de interface por meio de estruturas privadas e de processos avaliativos descolados da contribuição peculiar de cada percurso acadêmico ao projeto de desenvolvimento institucional – e trouxeram como efeitos colaterais o estímulo à individualização, a divisão da categoria e o incremento da lógica produtivista.

Esse quadro marca o processo de decadência a que a educação superior pública vem sendo conduzida, conclusão de um modo de operar adotado nacionalmente que secundariza o valor e a importância da educação para a consolidação da democracia, da liberdade, da solidariedade, da cultura e do saber para as atuais e futuras gerações.

A educação como processo emancipador do ser humano deixa de ser prioridade. Seus objetivos são deturpados pela lógica utilitária dos resultados imediatos de um ensino puramente mimético e sem raízes, sem compromisso com a construção cultural. Enfim, dominada pelo fazer mais rápido e mais rentável como ocorre nos processos industriais em suas linhas de produção. Uma lástima!

Outra atitude lamentável é o fato de que, até o fechamento da edição, os Ministérios da Educação e do Planejamento e algumas reitorias das universidades citadas nas matérias não responderam às perguntas encaminhadas pela reportagem.

Assim, neste segundo fascículo do terceiro número da revista Dossiê Nacional Precarização, mostramos, por meio de uma série de dez reportagens, como o governo federal vem contribuindo, por intermédio do Reuni e de outros instrumentos político-pedagógicos, para a dilapidação desse direito social consagrado na Constituição Federal.

Boa leituraA Diretoria do ANDES-SN

Revista Andes Especial Novembro de 20133

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CAPA REVISTA DOSSIÊ NACIONAL _PRECARIZAÇÃO II_APROVADA.indd 2 11/11/2013 22:52:01

umário

9 Reuni expande a precarização nas universidades

19 Ataques à carreira preparam o terreno da privatização

27 Faltam democracia e transparência na gestão do orçamento

31 Desvio ideológico na concepção de mérito acadêmico

Revista Andes Especial Novembro de 20134

41 Administrações marcadas pela repressão e por perseguições

51 Aumentam casos de assédio moral a professores das IFE

59 No Brasil, lecionar faz mal à saúde

65 Armadilha federal para a saúde pública

79 Expansão sem qualidade deixa dois Cefets à beira do caos

87 A covardia do Estado liberal

Revista Andes Especial Novembro de 20135

ois ciência implica no exercício da crítica e essa é inseparável

da existência da liberdade

(Mauricio Tragtenberg)

Revista Andes Especial Novembro de 20137

Reuni expande a precarização nas universidades

Carla Lisboa

Enquanto o governo passa para a sociedade a falsa ideia de que as

demandas do ensino supe-rior estão sendo atendidas, a comunidade universitária sofre as consequências de uma expansão desordenada e com interrupção. Em todo o país, a constatação é a mesma: da forma como foi implantado, o Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) não cumpriu as metas que o próprio governo determinou e ainda agravou as

condições de funcionamento das instituições federais de en-sino superior.

O Polo Universitário de Rio das Ostras, um dos sete campi da Universidade Federal Fluminense (UFF) no interior do estado, é um bom exemplo dessa expansão precarizada. Foi criado em 2004 a partir de uma parceria entre a UFF e a Prefeitura do município, o Polo de Rio das Ostras ganhou um novo ritmo de expansão com a entrada do Ministério da Educação (MEC), em 2006-2007. O problema é que a verba do Reuni acabou em 2010 e, com a falta de conclu-

Docentes das Instituições Federaisde Ensino Superior das 5 regiões doPaís denunciam o mau funcionamentoe as péssimas condições de trabalho

Revista Andes Especial Novembro de 20139

são das obras de infraestrutura, os cursos continuaram a ser ministrados em espaços absolu-tamente inadequados.

Com duas unidades (os institutos de Humanidades e Saúde e de Ciência e Tecnologia) e seis cursos (Enfermagem, Psicologia, Serviço Social, Produção Cultural, Engenharia da Produção e Ciências da Computação), o campus de Rio das Ostras virou um im-proviso só. Como ocupa um espaço construído para abrigar uma escola de ensino médio, a “solução” foi o aluguel de contêineres, usados como salas de aulas, salas de professores e almoxarifado. O valor do alu-guel mensal de cada “módulo

escolar” é de R$ 2.500. Como são usados 22 contêineres, a universidade gasta, por mês, R$ 55 mil para funcionar.

Diversos problemas surgi-ram em razão dessa solução improvisada: salas inadequa-das para o trabalho didático--pedagógico, insalubridade por falta de ventilação, inexistência de laboratório de produção au-diovisual e auditório pequeno para as atividades de ensino, pesquisa e extensão. E mais: além do perigo das instalações, em virtude da provisoriedade que se tornou definitiva, há dificuldades na solicitação e no armazenamento de materiais porque estão em contêineres.

Os estudantes sofrem com a falta de um restaurante uni-

versitário e com moradia estu-dantil cercada de terrenos bal-dios e iluminação deficiente. Vários deles foram assaltados nas proximidades do campus. A precariedade da infraestrutura em Rio das Ostras se refle-te na qualidade da formação profissional e no adoecimento de professores por não conse-guirem realizar suas atividades dentro da qualidade esperada.

“Temos dificuldade em atender ao projeto pedagógico com as instalações improvisa-das. Inexistência de auditório, de laboratórios adequados, etc. Inexistência de espaço para re-alização da completude da vida universitária, como espaços para reunião de pesquisa e de projeto de extensão. A característica de

Contêineres improvisados como salas de aula trazem prejuízo mensal de R$ 55 mil para a universidade

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provisoriedade põe a condição de irresolução crônica, levando até mesmo alguns professores ao adoecimento por não conse-guirem realizar as suas ativida-des laborativas na qualidade es-perada”, constata o professor do Departamento Interdisciplinar (RIR), Ramiro Dulcich.

Obras paradas A Universidade Federal

Rural de Pernambuco (UFRPE) é um retrato da falta de planejamento da expansão do ensino público superior. Das 53 obras paradas em 20 univer-sidades, a UFRPE tem nove. A instituição tem cinco unidades acadêmicas no interior e, na sede, em Recife, funcionam 17 departamentos. Algumas obras estão paradas porque as empresas contratadas faliram

antes de terminar a construção dos prédios. Outras, porque não tiveram condições de honrar os contratos.

Na Unidade Acadêmica de Serra Talhada (Uast), no ser-tão, uma residência estudantil, dois prédios para laboratórios e outros dois para salas de pro-fessores começaram a ser fei-tos, mas não foram concluídos. Em Garanhuns, no Agreste, um reservatório de água, um prédio para salas de aula, um para administração e outro para necropsia de animais es-tão inacabados. Os estudantes fizeram vários protestos. A gestão da UFRPE diz que os problemas com as obras come-çaram em 2009.

Passados seis anos do Reuni, a precariedade das ins-talações e do funcionamento

da Uast parece ter se crista-lizado. Não há espaço físico apropriado para as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Os docentes amontoam-se em salas que chegam a abrigar até 30, causando uma série de prejuízos nas orientações de pesquisa e extensão e na prepa-ração dos estudantes e das au-las. A ausência de laboratórios de ensino e de pesquisa ou seu funcionamento improvisado tem provocado o adiamento de muitos trabalhos de fundo científico, prejudicando enor-memente a preparação dos estudantes que vão para o mer-cado de trabalho.

A falta de espaços para recepção de materiais e insta-lação dos equipamentos e ma-quinários adquiridos ao longo desses seis anos fez com que

UFRPE-UAST está com quase todas as obras inacabadas, o que causa transtornos à comunidade universitária

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estes tenham sido estocados de forma precária, amontoados uns sobre os outros, contri-buindo para diminuir a sua vida útil e até mesmo inviabili-zando o uso futuro desses equi-pamentos, o que representará um enorme gasto de dinheiro para recuperá-los e fazê-los funcionar. “Esta demanda, além de impossibilitar o apro-fundamento da aprendizagem por parte dos estudantes, tam-bém se reflete numa evasão de professores pesquisadores que acabam por fazer outros con-cursos em centros mais bem estruturados ou com o mínimo de estrutura para tal”, afirma o professor de zootecnia, Cauê Guion de Almeida.

O professor conta que os cursos práticos, como zoo-tecnia e agronomia, não têm um setor ou área, “o que traz grandes danos aos estudantes, que se formam sem nenhuma experiência prática ou que, para adquirir essa experiência,

precisam viajar para locais dis-tantes a fim de realizar aulas práticas”. Ele diz que os estu-dantes enfrentam ainda a falta de restaurante universitário e de áreas de convivência, além de terem transporte coletivo de péssima qualidade. As salas de aulas são insuficientes e a cada semestre é preciso fazer um remanejamento, desalojando outros setores para atender às demandas de ensino.

A comunicação entre os setores da unidade acadêmica é inviabilizada pela falta de equipamentos, como telefones e ramais nas salas dos docentes, biblioteca, apoio didático, labo-ratórios, garagens e almoxarifa-dos, o que obriga a todos a um gasto enorme de tempo e ener-gia na agilização do fluxo diário de trabalho. O professor afirma haver uma deficiência crônica na rede de computadores e que este problema se arrasta ao longo dos anos, inviabilizando a qualidade dos trabalhos que

dependem do recebimento e do envio de arquivos para os órgãos de fomento, consulta a biblio-tecas virtuais e levantamentos sistemáticos de dados, princi-palmente de imagens.

A falta de pessoal, técni-co-administrativos, tem co-locado em condições de vul-nerabilidade os mais diversos setores da unidade, dentre eles a Biblioteca (que funciona em espaço totalmente inade-quado e insuficiente).“Não há como conceber uma comuni-dade acadêmica, que já abran-ge um público aproximado de três mil usuários e que em breve alcançará os cinco mil, à mercê da falta de qualidade de tão importantes ferramentas para o avanço de suas pesqui-sas e de seu desenvolvimento pleno”, declara o professor.

Até o fechamento, nenhuma reitoria respondeu às perguntas encaminhadas e o MEC avisou por email que não podia aten-der à solicitação.

Obra interrompida do campus de Serra Talhada dificulta o trabalho docente

Um canteiro de obras sem previsão de término. É isso o que virou a Universidade Federal de Sergipe (UFS) com o programa de expansão do ensino superior. “As obras são bem-vindas, já que visam, teoricamente, à melhoria da qualidade do ambiente ofe-recido à comunidade acadê-mica. Entretanto, na prática, temos obras com prazo para começar e não para terminar”, critica a professora do Sistema Integrado de Gestão de Atividades Acadêmicas (Sigaa) da UFS, Brancilene Araújo.

Ela diz que a falta de pla-nejamento para execução de melhorias na infraestrutura da universidade é uma constante. “Em razão disso, obras fina-lizadas precisam ser desfeitas porque é preciso fazer outras obras. A falta de planejamento é tão séria que vários prédios têm ou tiveram os banheiros interditados por muito tempo. Isso sem contar a probabilida-de de se sofrer um acidente em virtude do entulho no campus”, alerta a docente.

Nos campi do interior, a situação é agravada pela ine-xistência de áreas de expansão tanto para atender aos novos

docentes quanto aos estudan-tes, pela falta de salas para professores ou espaços para construção de restaurantes uni-versitários. No fim, o barulho gerado em todo esse processo prejudica o desenvolvimento das atividades docentes.

Além da infraestrutura fí-sica, a UFS tem problemas na área didática. As salas de aula não comportam o número de estudantes, faltam reagentes, vidrarias e técnicos nos labora-tórios, o que obriga os profes-sores a depender de monitores

para preparar suas práticas e até mesmo seu material de aula. A carga horária docente na graduação é um problema sério, agravado pelo número de turmas que cada docente tem. Isso faz com que o pro-fessor muitas vezes atenda de 100 a 120 estudantes por semestre com cargas horárias quase sempre superiores a 50% do regime de trabalho docente, sem contar as ativida-des de pesquisa e extensão.

“Há ainda o caso da mul-tiplicação dos formulários,

UFS convive com obras inacabadas

Equipamentos amontoados no corredor do prédio do laboratório

Revista Andes Especial Novembro de 201313

quando o professor perde um tempo precioso preenchendo o Currículo Lattes, o SIGAA, relatórios de progressão e promoção, relatórios para o estágio probatório, quando cabível, e o plano de atividades docentes. Com isso, não têm sido poucos, na UFS, os casos de docentes com problemas cardiovasculares, casos de in-farto registrados, problemas psicológicos ou, ainda, casos de neoplasias as mais variadas”, garante a professora.

Os estudantes também so-frem com as precariedades. As bibliotecas muitas vezes não têm livros suficientes para aten-

dê-los, nem mesmo aqueles com necessidades especiais, dentro do programa Incluir. Brancilene Araújo diz que o atendimento no Restaurante Universitário (RU), que só existe no campus sede da UFS, em São Cristóvão, é péssimo. “Em razão de uma reforma que deveria ter ter-minado há pelo menos seis meses, os estudantes ficam em filas longas o suficiente para prejudicar as aulas próximas ao horário de almoço”.

O transporte e a segurança também são problemas graves. Na sede da universidade, as linhas de ônibus trafegam nos horários de funcionamento do

campus, mas nos campi do inte-rior, mesmo estes tendo cur-sos noturnos até as 23h, não há oferta de transporte, de modo que os ônibus pratica-mente não circulam no horá-rio noturno. A iluminação não existe em boa parte do campus sede, o que gera apreensão e insegurança na comunidade. Proliferam os casos de roubos ou tentativas de roubos, além de estarem se tornando fre-quentes os relatos de mulheres vítimas de violência sexual.

Brancilene relata que, em razão da instalação do sistema de refrigeração das salas de aula em alguns prédios, pro-fessores têm de dar aula em contêineres, os quais, embora refrigerados para conforto dos docentes e discentes, estão localizados em área erma, o que causa também apreensão e insegurança. “O atendimento administrativo está nas mãos de funcionários de empresas terceirizadas, que muitas ve-zes atrasam muito os salários e não respeitam os direitos trabalhistas”.

Na UFS III entulho dá uma boa medida da quantidade

de problemas enfrentados por estudantes e professores

Na Universidade Federal de Sergipe não há prazo para o final das obras

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Prédio da Fundação Universidade do Rio Grande foi construído dentro de uma Área de Proteção Permanente

Árvores nativas foram retiradas para não impedir a visão do prédio

Na Fundação Universidade do Rio Grande (Furg), a co-munidade universitária relata uma série de problemas decor-rentes da expansão promovida pelo Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Entre 2007-2008, fase mais acelera-da da expansão, foram criados vários cursos superiores fora do campus central, como os de Santo Antônio da Patrulha, Santa Vitória do Palmar e São José do Norte.

Dados do Censo da Educação Superior divulga-dos pelo MEC em setembro deste ano (2013) dão conta do resultado da expansão das uni-versidades públicas e informam que, em 2012, havia “7.037.688 estudantes matriculados em cursos de graduação no Brasil, distribuídos em 31.866 cursos oferecidos por 2.416 institui-ções — 304 públicas e 2.112 particulares —, e que as uni-versidades são responsáveis por mais de 54% das matrículas; as faculdades concentram 28,9%;

Furg agride ambiente e prejudica o ensino para ampliar vagas

Revista Andes Especial Novembro de 201315

os centros universitários, 15,4%; as instituições federais de edu-cação tecnológica, 1,6%”.

No Rio Grande do Sul, houve ampliação geográfica das universidades federais para 18 municípios, aumento do número de matrículas e de estudantes e construção de prédios. “Todavia, falando assim, até parece que é uma coisa dominantemente positiva e acreditamos que é bom que a universidade cresça e tenha técnicos e professores para rea-lizar o trabalho de que precisa e que possam ser ampliadas as vagas na graduação e na pós-

-graduação, assim como pro-jetos de extensão possam ser ampliados para que a universi-dade cumpra seu papel social, entretanto, é preciso ressaltar os problemas seriíssimos que têm afetado essa universidade em termos da precarização e das condições de trabalho em geral por causa das expansão”, observa o professor de edu-cação física do Instituto de Educação, Billy Graeff.

Estudantes denunciam EADEx-diretor da Seção

Sindical dos Docentes da

Universidade Federal do Rio Grande (Aprofurg), Graeff diz que não se pode falar em expansão por meio do Reuni sem destacar que boa parte dela foi realizada pela Educação à Distância (EAD) e que a Aprofurg tem recebi-do, embora não sistemática e nem organizadamente, uma série de relatos de que a EAD não é a melhor forma de se re-alizar a educação em nível de graduação e formação inicial no nível superior.

“Dois, três anos atrás ti-vemos uma formatura de uma turma de administração de

EAD, de São José do Norte, em que o orador não fez se-não delatar a forma precari-zada pela qual havia se dado a sua formação. Com certeza isso foi feito com o apoio de seus colegas porque esta-vam todos lá na formatura e o reitor não deu resposta alguma para esse problema”, conta o professor.

Na Furg, a precarização do trabalho docente e a que-da da qualidade do ensino estão relacionadas também às condições estruturais dos prédios. Várias obras, senão todas, foram embargadas por

falta de licença ambiental. “É impossível acreditar que uma universidade que tem abaixo do seu nome o seguinte dizer: “uma universidade voltada ao ecossistema costeiro” não sou-besse que era necessário pedir e nem esperar pela licença am-biental para iniciar obras em Área de Proteção Permanente (APP), áreas em que não poderia haver construções, áreas próximas a cursos de água, obras sem o projeto de saneamento básico. É um problema muito sério, o qual envergonha qualquer pessoa que tenha envolvimento com a

Universidade Federal do Rio Grande”, declara.

Todavia, mesmo as obras prontas oferecem muitas ra-zões para que a comunidade universitária problematize a expansão da Furg. “Não te-nho notícia de um único pré-dio aqui na Furg que tenha sido construído e entregue sem que não haja problemas estruturais do tipo: baixa qualidade do material usado, serviços sem acuidade, aber-turas que não oferecem segu-rança, problemas de infiltra-ção na cobertura e depois de um, dois, três anos das obras entregues aparecem os pro-blemas estruturais, tais como rachaduras em paredes”.

A estrutura dos prédios novos e antigos revela que a universidade não consegue se desenvolver por causa da falta de estrutura para telefone, internet e outros serviços que precisam ser prestados e sem os quais a instituição não funciona. “Na Furg, os servi-ços de internet e telefone são intermitentes. Não é todo dia que se pode contar com internet e telefone. Acaba que isso redunda em um direito social precarizado e malfeito para a sociedade”, reclama o docente.

A construção do prédio e de umarua em Área de Banhado causoua destruição de boa parte da umaárea de relevante interesse ambiental

Ataques à carreira preparam o terreno da privatização

Valdeci Rodrigues

e Fátima Xavier

A desconstrução da car-reira docente é uma das estratégias do go-

verno federal para acelerar o processo de privatização “por dentro” do ensino público superior no Brasil. Ano após ano aprofunda-se a subtração de direitos dos professores – justamente do grupo que se relaciona diretamente com os estudantes para produzir co-nhecimentos.

“Tudo ficou mais claro logo depois da ocorrência do que chamamos de ‘marco histó-

rico’ da categoria, ou seja, da conquista do Plano Único de Classificação e Redistribuição de Cargos e Empregos (PUCRCE), em 1987, após uma longa greve”, lembra a pri-meira secretária do ANDES-SN, Marina Barbosa.

Um dos principais pontos do plano foi o de oferecer igualdade aos professores que trabalhavam em locais diferen-tes, respeitando a autonomia da instituição em relação ao desenvolvimento da carreira e a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. A catego-ria finalmente conseguiria uma carreira que previa isonomia,

Para atender aos interesses do mercado, governo afeta o bolso e a saúde dos professores e enfraquece o vínculo do trabalho docente com a instituição

Revista Andes Especial Novembro de 201319

igualava as condições de traba-lho, colocava a dedicação exclu-siva como componente central e reconhecia os indutores − formação continuada, tempo de serviço e avaliação do plano de trabalho realizado dentro da própria instituição.

Mas não foi isso que acon-teceu e hoje a realidade é muito diferente. Não apenas para os que têm mais tempo de servi-ço, mas, também, para os novos contratados. Por exemplo, o objetivo da carreira imposta em 2012 é manter uma estrutura hierarquizada, seguindo deter-minadas denominações para cada classe. Porém, os muitos novatos portadores do título de doutor agora ficam enqua-drados no sopé da hierarquia.

Eles se sentem ludibriados. Depois o governo mudou para adjunto A. “Isso foi para enganar”, acusa o presidente da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Espírito Santo (Adufes), José Antônio Rocha Pinto.

No caso dos professores an-tigos, houve a criação da classe de associado, distanciada por um fosso salarial da classe de adjunto. Esta nova classificação faz com que os docentes levem mais tempo para chegar ao topo da carreira. Isso acontece porque, para progredir e chegar à classe de associado, o profes-sor precisa dar mais aulas em programas de pós-graduação, nos quais as vagas são restritas, e participar de programas de

pesquisa inalcançáveis para a maioria dos professores lotados nos campi do interior.

A desestruturação se ex-pressa visivelmente na relação entre os regimes de trabalho. Ilustram bem a situação os casos em que a quantidade de hora/aula é dobrada, mas os vencimentos não têm aumento na mesma proporção. Nem a diminuição dos níveis salariais, de 17 para 13, amenizou as perdas e a falta de lógica na classificação. Às vezes, a dife-rença salarial de um nível para o outro é inferior a 1%. Mas há mudança de patamar em que esse percentual chega a 25%.

João Negrão, presidente da Associação dos Professores da Universidade Federal do Paraná

Professores universitários lotaram Esplanada dos Ministérios para reivindicar melhores condições de trabalho

Revista Andes Especial Novembro de 201320

(APUFPR), Seção Sindical do ANDES-SN, lembra que a desestruturação da carreira vem desde os primeiros governos depois da ditadura militar, os quais “adotaram a gestão neoli-beral”. Mas a redução salarial, segundo ele, começou no go-verno Collor de Mello (1990-1992). Ele cita como exemplo os “40 salários mínimos pagos a um professor adjunto” na épo-ca. Hoje, o mesmo profissional recebe “15 salários mínimos”.

Os professores têm cons-ciência de que se trata de uma política de governo e muitos sentem na pele os efeitos da desconstrução da carreira. Hugo Blois, professor em Santa Maria (RS), conta que o estresse da carreira docente lhe custou três pontes de safe-na e uma mamária. “Conheço gente que tem problemas psí-quicos”, afirma.

A presidente do ANDES-SN, Marinalva Silva Oliveira, comenta que esse processo está de acordo com “o projeto mercantilista do governo”, mas precisa ser revertido para bene-ficiar a sociedade brasileira e não as forças do mercado. Ela argumenta que uma universi-dade pública está ancorada em três pilares indissociáveis: o ensino, a pesquisa e a extensão. Por isso, deve ser financiada pelo Estado, conforme esta-belece a Constituição. Para dar ao cidadão o que lhe é de direito, “um bom ponto de

partida é a destinação, já, de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país para a educação pública”, propõe.

A assessoria de comunica-ção do Ministério da Educação

(MEC) não se manifestou sobre a perda de direitos dos docentes. A do Ministério do Planejamento limitou-se a in-formar que quem decide é o Ministério da Educação.

Ensino de qualidade também mobiliza estudantes e técnico-administrativos

Revista Andes Especial Novembro de 201321

Os professores universitá-rios entendem que os ataques à carreira docente têm como pano de fundo a proposta de mudança radical do conceito de educação pública superior. A ideia é retirar a função social da universidade e transformá-la em uma “prestadora de servi-ços” com foco nas demandas do mercado. Assim, o Estado se livra de sua obrigação com a sociedade e transforma a ativi-dade docente em parte de um grande negócio.

“Isso muda o paradigma da educação que temos na Constituição Federal e faz par-te da reforma do Estado nos moldes do neoliberalismo que teve início no governo FHC, com o então ministro Bresser Pereira”, analisa o professor Daniel Nedel, da Universidade Federal do Pampa (Unipampa). “Começou com Bresser, mas as mudanças mais profundas fo-ram efetivadas agora”, pontua.

De fato, quem vai operar nesse novo modelo organiza-cional não é mais o docente que trabalha com a concep-ção humanista histórica de universidade, mas um outro tipo, condicionado por um plano de carreira condizente com essa lógica mercantilista. Difícil é identificar a função social da universidade em um contexto em que o Estado, antes provedor, limita-se a atuar como uma espécie de regulador de mercado.

Ao reduzir a educação a uma mera fatia de mercado a ser explorada pelo capital, com um funcionamento do tipo privado sob o pomposo nome de “orga-nização social”, o Estado trans-forma o professor universitário em um transmissor mecânico de conhecimentos, rompendo a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.

“De uma forma geral, não é a um projeto de educação

concebido pela comunidade acadêmica que o mercado tem de se adaptar, mas, ao contrá-rio, o mercado é quem dita qual será nosso projeto de educação”, ressalta Nedel. Por sua vez, o mercado quer um negócio que dê lucro e para gerar lucro é necessário fazer uma série de modificações. “E aí começa a mudar também a forma como nos relaciona-mos com o ensino de terceiro grau”, explica o professor. As universidades passam a ser geridas de uma forma análoga às empresas comerciais, as ins-tituições privadas.

“Nossa carreira passou a ser mal vista para essa nova função da universidade por-que não tem mais o com-promisso de gerar conheci-mento. Muda a concepção de universidade, muda a forma como o docente interage com a universidade, muda tudo”, observa Nedel. Nesse contex-

Mercantilização muda o papel dos docentes

A defesa da universidadepública ganha as ruas deBrasília. Uma bandeiradesfraldada por docentes,discentes e técnicos

Revista Andes Especial Novembro de 201322

to fica cada vez mais difícil ter espaço para questionar a função social da universidade, pois ela sofre efeitos da nova forma de organização e dos interesses do capital.

Professor patrocinadoAgora, o professor univer-

sitário deixa de atuar coleti-vamente, contribuindo para a construção do conhecimento, para dedicar-se apenas à forma-ção de novos profissionais ou à pesquisa condicionada à busca de seus próprios patrocinado-res. De acordo com a professo-ra Maria de Fátima Siliansky, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tudo caminha para a figura do “do-cente empreendedor” – aquele que tem iniciativa própria para captar recursos públicos e pri-vados no mercado.

Entre os critérios de ava-liação do corpo docente dos programas de pós-graduação, a Capes/MEC (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pontua o docente que vai buscar finan-ciamentos na avaliação para a progressão vertical na carreira. E a Lei 12.863/2013, que a presidente Dilma Rousseff sancionou em setembro deste ano, sacramenta a possibilida-de de ganhos financeiros para quem participa desses projetos.

A depender da área em que o professor está inserto, se está numa área tecnológica ou numa

área básica de saúde, e da dis-posição pessoal de se submeter a determinadas exigências ex-ternas, ele tem a possibilidade de fazer parceria com as em-presas que buscam nos centros de pesquisa a oportunidade de desenvolver os seus projetos, oferecendo vantagens. “Isso passa a ser uma atividade indi-vidual do docente, criando uma fragmentação enorme porque perde a perspectiva mais cole-tiva do trabalho, com grande repercussão sobre a graduação”, observa Fátima.

O docente da graduação tornou-se o que chamam pe-jorativamente de “baixo clero” porque não é bem pontuado, não é bem avaliado e por isso mesmo tem dificuldade de ascender na carreira. Para Fátima, legitimando o “alto” e o “baixo clero”, o governo cria universidades distintas, ou seja, universidades que se tornam centro de excelência e as uni-versidades que viram grandes escolas de terceiro grau.

Nesse quadro, surge “a desigualdade intrauniversida-de” porque aquilo que pode ser decantado como o sucesso do trabalho do docente vai depender de um conjunto de condicionantes, muitas vezes distanciados do interesse aca-dêmico efetivo e mais ainda do interesse social. Se ele pesquisa assuntos que não têm interesse comercial, vai encon-trar dificuldade não importa qual seja a relevância do traba-lho dele para a sociedade.

Fátima lembra que já exis-te uma grande heterogenei-dade. “Há setores que têm mais relação com o mercado, financiamento externo, boas condições de trabalho, e os setores completamente suca-teados, que dependem apenas do financiamento governa-mental, do Ministério da Educação”, afirma. Quando o Reuni se expandiu, uma das grandes transformações que provocou foi o “escolão” de terceiro grau.

Os professores universitários são claros em suas reivindicações

Revista Andes Especial Novembro de 201323

“O projeto de lei aprovado (complementado agora pela Lei 12.863/2013) é mais um marco no distanciamento da esfera pública, instaura uma nova carreira e precariza o trabalho dos professores ainda mais. O governo precisa des-truir a carreira docente para adequar as relações de traba-lho à nova universidade, mais instrumental”, reage o profes-sor Daniel Nedel.

Como uma “organização social” ou com suas ativida-

des próprias interpostas por entes privados, tem normas específicas que não se pautam pela universalidade, mas pela instrumentalidade; tem uma meta específica, que é compe-tir com a outra organização social que tenha a mesma meta. “É típico de uma orga-nização social um contrato de gestão para atingir essas metas, como está acontecendo com as universidades por meio do Reuni”, diz o professor.

O Reuni é uma espécie de contrato de gestão, a univer-sidade tem de cumprir metas para receber dinheiro e as metas não são instituídas pela universidade, mas de cima para baixo, pelo MEC. Se não apro-var 90% dos estudantes, por

exemplo, não cumpre a meta e tem dificuldade para justificar a necessidade de recursos”.

Para Nedel, outra conse-quência danosa da nova lei é a desvalorização da Dedicação Exclusiva (DE). Ele lembra que já existe nas universida-des, pela lógica do Reuni, uma coisa chamada “Banco de Professor Equivalente”. Com um contrato de dedicação ex-clusiva, o docente tem tempo de fazer pesquisa, é pago para pensar em projetos de longo prazo e fazer extensão, porém custa mais para a universidade do que dois professores com contrato de 20 horas sem de-dicação exclusiva.

“Quando se fala na ques-tão gerencial da universidade,

No ano em que o governo lançou o Reuni, docentes denunciaram a mudança de concepção de universidade

Lei cria novomodelo deuniversidade

Revista Andes Especial Novembro de 201324

por umas contas que eles fa-zem lá, é mais vantajoso con-tratar dois de 20 horas sem DE. O gerente disso tudo é o reitor, agora essa figura de “dono de empresa que tem de fechar a equação”, reclama. A universidade pública ficaria mais parecida com a privada, em que o professor, por conta do tipo de contrato que lhe é imposto, não tem tempo nem para fazer pesquisa e extensão, nem para se dedi-car ao ensino de qualidade. Antes dessa lei, os contratos de 20 horas ou 40 horas sem DE eram muito pouco valo-rizados, financeiramente não eram atraentes, agora, em algumas circunstâncias, são impostos como condição para

atender às horas-aulas sem cobertura de docentes.

Com esse tipo de lógica contida no contrato de ges-tão da organização social, o Estado vai diminuindo cada vez mais o financiamento da universidade, até que ela pre-cise buscar outras formas de financiamento. Daniel Nedel diz ainda que não há surpresa no fato de o atual governo, an-tes considerado politicamente “de esquerda”, promover essas mudanças neoliberais.

“Ele consegue implantar reformas que os governos ante-riores não conseguiram porque é mais habilidoso em massacrar os movimentos sociais, mesmo porque ele vem dos movimentos sociais, conhece muito bem a

linguagem, a aparelhagem – hoje, muitos sindicatos são apa-relhados pelo governo e fazem o papel de chapa-branca”, declara. E cita como exemplo a opor-tuna “criação” da Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior (Proifes).

“O Proifes assina qualquer coisa. Quando vamos para a mesa de negociação para rechaçar certos tipos de pro-postas, o Proifes compactua com o governo”, acusa. A pro-va disso, segundo ele, seria o fato de a categoria ter feito a maior greve de sua história em 2012, o governo atro-pelado todas as negociações e fechado um simulacro de acordo com o Proifes.

Cadeiras, móveis e equipamentos degradados são o sinal do pouco caso do Estado com a educação

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Faltam democracia e transparência na gestão do orçamento

Comunidade universitária sóconhece o destino do dinheirodesignado às IFE depois detudo decidido nos gabinetes

Valdeci Rodrigues

Faltam democracia e transparência na dis-tribuição dos recur-

sos públicos, internamente, nas Instituições Federais de Ensino. A comunidade aca-dêmica fica fora das decisões, tomadas em grupos pequenos e fechados – como o Conselho Diretor – que, geralmente, apenas homologam o que fora decidido nos gabinetes.

Para justificar a falta de participação dos docentes, a desculpa é sempre a mesma: os conselhos são formados por membros eleitos pelos próprios professores. Quem não faz par-te da direção não opina sobre as prioridades na gestão do orçamento e, às vezes, só toma

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conhecimento do destino do dinheiro depois de tudo deci-dido nos gabinetes.

A luta pela transparên-cia na aplicação do dinheiro do contribuinte continua na pauta de reivindicações do ANDES-SN. Os dirigentes sindicais justificam que os mecanismos existentes fun-cionam como uma cortina de fumaça para esconder da comunidade universitária o uso dos recursos financeiros, tantas vezes moeda de troca em um balcão de interesses caso a caso.

Os relatos dos que acom-panham de perto a situação são parecidos, o que revela a dimensão nacional da falta de critérios e de transparência. As decisões centralizadas trazem prejuízos para todos – comuni-dade universitária e sociedade. Isso porque, sem a participação dos três segmentos das univer-sidades, ações prioritárias são deixadas de lado.

Na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, o vice-presidente da Associação dos Professores Universitários do Recôncavo (Apur), Herbert Toleto Martins, não se con-forma com a notificação do destino do dinheiro pela in-ternet. Para ele, isso não re-solve as grandes questões das universidades.

“O grande problema é gas-tar com ‘x’ ou com ‘y’. Sempre ficam prioridades de fora.

É um grupo muito pequeno que decide politicamente. A comunidade não fica sabendo. Aqui não temos restaurante universitário nem área de la-zer, por exemplo”, reclama o dirigente sindical.

O presidente da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pernambuco (Adufepe), José Luiz Simões, é ainda mais veemente ao co-mentar a situação no seu es-tado: “Não há discussão nem no Conselho Universitário, imagine diante da sociedade (...). É ruim. Dá a impressão de decisão de cima para baixo.

Como sabemos se a priorida-de é construir um prédio ou fazer manutenção em outro? A reitoria prioriza o que não é prioritário”, acusa. Simões cita, entre os muitos proble-mas na UFPE, os prédios sem manutenção e a falta de segu-rança e de gabinetes para os novos professores.

O presidente da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ADUFRJ), Mauro Iasi, faz uma análise contundente. Para ele, a falta de democratização e de transparência é uma política de governo. Iasi conta que o

A revolta dos docentes contra a precarização do trabalho é uma realidade em todo o país. Em Sergipe eles foram às ruas mostrar sua indignação

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Das universidades citadas, apenas a UFPE disse como ad-ministra a aplicação das verbas que chegam à instituição. O pró-reitor de Planejamento, Orçamento e Finanças, Hermano Perrelli, contou que, dos cerca de R$ 1 bilhão que a univer-sidade recebe do governo, algo em torno R$ 800 milhões já chegam “carimbados”. São destinados ao pagamento do pesso-al ativo e inativo.

Segundo ele, os aproximadamente R$ 200 milhões restantes fazem parte de programas nacionais, como o Reuni, e são tam-bém destinados a obras e manutenção da UFPE. Ele assegura que a verba é repartida entre as 12 faculdades da instituição, segundo a decisão do Conselho Universitário, que tem “de 50 a 60 mem-bros”. O pró-reitor diz que “a queixa maior é a dificuldade de execução”. “O difícil é gastar”, acentua, referindo-se à burocracia, que provoca “um engessamento muito grande” nas IFE.

A Universidade Federal de Pelotas (UFPel) segue o mesmo padrão, com a diferença de que muitos ali ainda se lembram de uma gestão diferenciada, de 1989 a 1992, com Amílcar Gigante como reitor. “Professores, funcionários e estudantes sabiam quais os recursos e onde eram aplicados”, recorda-se o professor Hélvio Casalinho.

O Ministério da Educação, por intermédio da assessoria de comunicação, diz que os recursos públicos são destinados para cada universidade e a instituição pode até determinar o que será gasto com custeio ou com investimento. Mas quase todo di-nheiro serve para custear as despesas.

De acordo com o ministério, há programas específicos – como expansão de um curso ou implantação de novos campi –, em que a verba já vai rubricada para custeio ou investimento. Depois que os recursos são enviados, segundo o Ministério da Educação, a decisão sobre o detalhamento e a utilização do dinheiro fica por conta de cada instituição, dentro da autono-mia universitária.

A assessoria de comunicação do Ministério do Planejamento, também apontado como responsável pela falta de democracia e de transparência nos gastos públicos nas universidades, diz que a Pasta se limita a acompanhar as decisões, que são de compe-tência do MEC.

Recursos já chegam“carimbados” na UFPE

orçamento da universidade é controlado pela reitoria:

“É um processo adminis-trativo centralizado na rei-toria, pré-estabelecido pelo Ministério do Planejamento. Há uma série de determinações dos ministérios da Educação e do Planejamento”, critica. O diagnóstico de Iasi é claro: “Não há autonomia na uni-versidade” porque está tudo sendo encaminhado no sentido da mercantilização do ensino superior, com as instituições complementando suas verbas vendendo serviços e fazendo até venda de cursos”.

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Carla Lisboa

A professora titular em análises clínicas do curso de Farmácia

da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Maria Suely Leonart, descobriu e produziu amostras-controle para cali-bragem de aparelho de hemo-grama. Era segredo industrial. As indústrias estrangeiras não repassam esse conhecimento e dizem que se usar amostras de outra origem pode danificar os aparelhos que elas vendem. A professora provou que isso não é verdade. “Testamos por três meses em 14 laboratórios

de Curitiba e conseguimos um super-resultado. Confirmamos que dava para usar as amos-tras e que serviam para cali-brar os aparelhos”.

Ela publicou a pesquisa, mas não patenteou e nem vendeu. Queria criar o conhe-cimento e disponibilizá-lo para o Brasil baratear custos de importação, como faz hoje com pesquisas que objetivam melhorar a qualidade de exa-mes de detecção de câncer e do tratamento de anemia falciforme. Estuda a padro-nização de uma nova técnica mais eficiente de coleta de material com meio líquido

Desvio ideológico na concepção de mérito acadêmico

Governo compele a categoria a avaliações que estimulam a individualização e provocam efeitos da heteronomia sobre a função docente

Revista Andes Especial Novembro de 201331

para exame de Papanicolau de baixo custo para laboratórios e para o Sistema Único de Saúde (SUS). Na outra pesquisa, estuda como as substâncias antioxidantes podem proteger os portadores de falciforme da oxidação exacerbada das célu-las. “A ideia de que o antioxi-dante pode melhorar a qualida-de de vida deles poderia ser um tema que o governo ajudasse financeiramente”.

O dinheiro que preci-sa para o Laboratório de Citologia a própria Maria Suely tem de captar, por meio de concorrência a editais. “A universidade não faz plane-jamento de gastos dos min-

guados recursos que recebe. Eles são distribuídos de forma insuficiente e sem equida-de. Para mim, por exemplo, compram o mínimo”, revela. Se quiserem receber dinheiro para pesquisa, os docentes são obrigados a ingressar num sistema produtivista de ati-vidades acadêmicas e de cap-tação de recursos instituído pelo Ministério da Educação (MEC) por meio dos órgãos de fomento à pesquisa.

Se não se integrarem nesse sistema, nem sequer entrarão na disputa pelo dinheiro e, pior, não obterão boa avaliação de desempenho e não terão ascensão funcional e nem salarial, não ingressarão na pós-graduação, não receberão dinheiro para pesquisa e colo-carão em risco a pontuação da universidade perante um siste-ma federal de recebimento de recursos, ao qual a instituição está presa. Maria Suely é exem-plo do que ocorre país afora. Os docentes têm de captar recursos financeiros, condi-cionados a critérios externos, assegurar pesquisas e conquis-tar boa pontuação para evoluir na carreira. Caso contrário, deixam de existir perante os órgãos de fomento à pesquisa, perdem a oportunidade de as-cender na carreira e, com isso, a possibilidade de obter rea-justes salariais, uma vez que o plano de carreira está ligado à lógica da produtividade.

O efeito negativo e mais evidente dessa situação é a transformação da atividade acadêmica em tarefas de cunho produtivista e instrumental a serem executadas em curto prazo, as quais se distanciam do conteúdo profundo do co-nhecimento e reduzem a quali-dade da pesquisa científica e da educação superior pública.

“A incorporação da avalia-ção individual e dos programas e cursos isoladamente, des-vinculados das instituições, o que é exótico e anticientífico, é proveniente de um complexo de fatores interligados. Quando examinamos os documentos do Banco Mundial, em particular o famoso ‘Banco Mundial e a Educação Superior: Lições Derivadas da Experiência’, 1994, percebemos que a avaliação foi pensada como instrumento para golpear a autonomia universitária. O controle dos resultados – pro-dutividade, eficiência –, guiado por referências utilitaristas, é fundamentalmente coercitivo, recursos, bolsas, simbolismo. E esse controle é um controle sobre o processo de trabalho, sobre o modo de apropriação do tempo, agravando a hete-ronomia”, esclarece o profes-sor titular da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE/UFRJ), Roberto Leher.

Maria Suely atua no Laboratório de Citologia e fez descobertas importantes, mas não patenteou para que fossem de domínio público

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Além disso, a própria oferta de financiamento mediante órgãos de fomento passa a ser vinculada a Câmaras Setoriais (CT-Hidro, CT-Petro, etc.) que terminam por direcionar a pesquisa a assuntos do inte-resse do setor econômico, que destinam recursos aos fundos setoriais. “Não há mais pes-quisa livre ou desinteressada, e o debate sobre o valor da pesquisa básica em relação à pesquisa aplicada se torna dis-torcido”, acrescenta o professor do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB), Carlos Hiroo Saito.

Critérios produtivistasA docência superior e a

pesquisa científica estão cada vez mais reduzidas ao cumpri-mento de metas localizadas sob parâmetros irracionalmente homogeneizados. A avaliação de desempenho segue parâme-tros produtivistas com intensa produção de artigos científicos,

orientação de estudantes na pós-graduação, execução de aulas na graduação, captação de recursos financeiros por meio de elaboração de projetos para disputas de editais, den-tre outras atividades que, “no fundo, refletem uma política global produtivista e deslocada da função social do trabalho docente”. O resultado disso, segundo o ANDES-SN, tem sido o adoecimento da catego-ria, a queda da qualidade das pesquisas e do magistério, a precarização do trabalho e a mercantilização da ciência e da educação superior pública.

Leher explica que, como as universidades não têm recur-sos de outros custeios capazes de financiar a pesquisa e a extensão, o “bom desempe-nho” na pós-graduação sob a ótica da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a boa qualificação do indiví-duo no Conselho Nacional de

Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pas-saram a ser uma questão de sobrevivência, pois os recursos e os suportes das agências de fomento são dirigidos para os programas e indivíduos “bem avaliados”. “Isso exige um esforço sobre-humano dos indivíduos, uma profunda reo-rientação dos trabalhos univer-sitários, objetivando a produ-ção regular de produtos, pois, sem isso, o seu programa pode cair na avaliação e, certamente, será identificado o docente que produziu abaixo do esperado. Isso aprofunda a alienação do trabalho, provoca adoecimento e tristeza, como mostraram Valdemar Sguissardi e João dos Reis, e, sobretudo, perda da relevância do que é investigado na universidade brasileira”.

Excluídos do sistemaUm dos principais quesi-

tos da avaliação institucional e de docentes é a vinculação à

Os problemas provocados pelas avaliações do governo também são motivo de mobilização dos professores

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pós-graduação, à quantidade de orientandos e à redução do tempo dos cursos desses orien-tandos. Exatamente por causa disso uma parcela grande de do-centes está excluída do sistema. Além do surgimento de novos programas, constantemente outros enxugam seus quadros ou reduzem o número de cre-denciados em razão da avaliação da Capes estar baseada nesse tipo de produtividade. Docentes que condicionam seu trabalho a esses critérios são, gradualmen-te, postos à margem até serem eliminados porque são conside-rados peso morto.

A Capes vê programas que reúnem maior número de do-centes como inchados e, quando isso ocorre, mantém no quadro os professores que assinam o maior número de publicações. O resultado é um grande con-tingente de docentes impedidos de atuar na pós-graduação. Essa situação piorou depois da aber-tura de concurso para ampliação do quadro nos governos Lula e Dilma. Muitos docentes não conseguem entrar imediata-mente na pós-graduação porque estão fora do já estabelecido critério de credenciamento baseado nas publicações. “O destino de muitos professores é ficar estacionados na classe de adjunto sem conseguir passar para o nível de associado”, alerta o professor Carlos Saito.

Com esse sistema, foi ins-tituída, por meios formais e

informais, uma estrutura de pirâmide excludente de con-teúdo ideológico. “Na última greve denunciamos a mentira do governo de dizer que estava concedendo 40% de reajuste aos docentes. Ele aplicava valo-res de aumento maior na parte de cima da tabela, para titular e associado 4, 3, mas, para baixo, o índice de aumento era bem inferior. Vimos que o que está por trás do que hoje é o produtivismo não é o que ha-via explicitamente no período de vigência da Gratificação de Estímulo à Docência (GED), e sim está implícito na estrutura da carreira e existe uma barrei-ra significativa para a maioria dos professores”, explica Saito.

O fato é que os docentes são cada vez mais cobrados pela produção científica e por publicação, o que gera um cír-culo vicioso. “Por exemplo: se o docente consegue entrar na pós-graduação, depois que os estudantes concluem as disser-tações e teses, ele tem a possi-bilidade de compartilhar pu-blicação com o seu orientando. Mas o professor que não está na pós tem o campo de atuação restrito, porque diminuem as publicações e, assim, as chan-ces de obter um financiamento de projeto são ínfimas e menor ainda é a possibilidade de pu-blicar artigos em periódicos classificados como Qualis, que a Capes adota”, esclarece o pro-fessor da UnB.

O fator de impacto Para ser valorizado pela

Capes, o artigo tem de ser publicado em periódicos cien-tíficos com Fator de Impacto (FI) elevado, segundo cri-térios da Thomson Reuters Corporation. Esse índice, cria-do pelo cientista norte-ameri-cano e fundador do Institute for Scientific Information (ISI),Eugene Garfiel, mede quantas vezes a revista é ci-tada em outras publicações. Usando preponderantemente o fator de impacto (justifica-do como forma de eliminar o subjetivismo), a Capes criou

Roberto Leher acredita que aavaliação de desempenho

foi pensada como uminstrumento para golpeara autonomia universitária

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o Sistema Qualis. O Qualis A1, por exemplo, é representa-do pelas revistas de mais alto impacto. O problema é que o FI é medido pela Thomson Reuters Corporation e as revis-tas, para poder ter o seu fator avaliado, precisam associar-se a essa organização e pagar uma taxa. “Quando se pergunta se tem uma lucratividade, parece que existe um sistema edi-torial montado em torno do FI. Tem revistas consideradas importantes, mas não estão no sistema Thomson, por isso elas não têm FI e são consideradas marginais”, diz Saito.

Os docentes observaram, na discussão entre eles, haver mecanismos que forçam as revistas a aumentarem arti-ficialmente os seus FI. “Os docentes submetem o artigo a uma revista que, para ter seu FI elevado e se posicionar me-lhor no ranking da Thomsom, por vezes exige que ele cite

na bibliografia um ou dois artigos dela mesma. Assim, começa a criar um sistema ar-tificial. O pesquisador acaba perdendo porque ele apela pela publicação em conjunto ou em separado ou outro pesquisador cita o trabalho dele e ele cita o trabalho do outro. E assim se consegue criar grupos fe-chados e se cria um círculo vicioso. Há um sistema de produtivismo com essas ca-racterísticas na universidade”, denuncia o professor de ecolo-gia da UnB.

Roberto Leher esclarece que essa sucessão de acontecimen-tos em círculo ocorre porque o eixo dessas políticas de avalia-ção passa pela pós-graduação “de excelência”. “Isso cinde os professores entre aqueles que atuam apenas na graduação e os que atuam também na pós. Só os que atuam na pós podem percorrer a dita rota da exce-lência. Então, temos aqui uma profunda cisão. Mas existem outras que coexistem com a anterior, envolvendo a hierar-quia de áreas. É só observar o numero de bolsas de produtivi-dade para as áreas ditas estraté-gicas e as áreas secundárias. É gritante! Assim, mesmo entre os que estão na pós, temos ro-tas distintas de excelência, al-gumas mais bem pavimentadas e mais fáceis, outras são mais ásperas. A carreira docente in-felizmente reproduz tais defor-mações heterônomas”.

O professor da PPGE/UFRJ explica que uma carreira universitária deveria estar refe-renciada na instituição e em sua função social, valorizando, de modo equilibrado, os fins cons-titucionais da universidade: o ensino, a pesquisa e a extensão, indissociáveis. “O esforço sério da pesquisa sistemática, da pre-paração dos cursos, o trabalho de socialização do conhecimen-to para a sociedade, tudo isso precisa ser seriamente consi-derado. E também o tempo, o momento da vida acadêmica

O professor Carlos Saito, do

Departamento de Ecologia da

Universidade de Brasília, diz que já

não há pesquisa desinteressada

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“Quando se pergunta se tem lucratividade, parece que existe um sistema editorial montado em torno do FI” Professor Carlos Saito

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do professor. Não é possível pensar a evolução na carreira para um recém-concursado e um docente com muitos anos na instituição, que já tem maior reconhecimento na área, recebe convites para comitês editoriais, artigos etc. Temos de abrir o debate sobre o fato de que o ensino, a pesquisa e a extensão, embora indissociáveis, podem ser diferentemente equilibrados

e dimensionados ao longo da vida laboral do professor”.

Ele acredita que, juntamente com a avaliação institucional e, nela, a avaliação dos docentes, pode ser trabalhada uma dis-tribuição de funções, direitos e deveres que não é pela carreira, que pode ser muito boa tanto para a categoria como para a educação superior. “Uma car-reira que valorize o trabalho vis-à-vis aos fins da univer-sidade pode criar condições para percursos formativos mais sistemáticos, densos, rigorosos, pois, atualmente, a docência é completamente desvalorizada; o mesmo pode ser dito sobre a pesquisa abrangente, teorica-mente rigorosa, comprometida com a produção de conhecimen-to novo, eticamente orientado. Daí porque a última greve foi uma luta por concepção de universidade. Os problemas socioambientais, econômicos, energéticos, alimentares, educa-cionais da humanidade exigem uma universidade livre, não operacional aos interesses do mercado. Daí a aspereza das lutas pela carreira no Brasil de hoje. Os setores dominantes operam diretamente a educação básica (Todos pela Educação) e superior (por meio da Inovação Tecnológica). Enquanto isso, domínios estratégicos do co-nhecimento são eclipsados, agravando a condição capitalista dependente do país”, conclui o professor da UFRJ.

“O controle dos resultados guiado por referências utilitaristas é fundamentalmente coercitivo” Professor Roberto Leher

Avaliações da Capes intensificam o trabalho e geram insatisfação

Revista Andes Especial Novembro de 201336

A avaliação docente tem várias facetas e uma delas é ser realizada periodicamente e fazer parte da estrutura da carreira para fins de promoção e progres-são. O caráter produtivista da produção acadêmica foi escanca-rado em 1998, com a introdução da Gratificação de Estímulo à Docência (GED) na remunera-ção e sua correspondência depois na carreira do Ensino Básico Técnico e Tecnológico (EBTT). Na época, havia o entendimento de que a gratificação teria impli-cação direta na composição do salário e que não tinha nada que ver com promoção e progressão, ou seja, não tinha que ver com a estrutura da carreira. A GED foi instituída pela Lei 9.678/98, pelo governo Fernando Henrique Cardoso, a qual, apesar da greve dos docentes, foi sancionada e

durou dez anos. Somente em 2008, com a Medida Provisória 431/2008, convertida na Lei nº 11.784/2008, essa sigla desapa-receu, sua essência , porém, foi mantida sob outra denominação. “Para se chegar a esse resultado, o movimento docente lutou por muitos anos denunciando a per-versidade do sistema e reivindi-cando o fim do seu caráter pro-dutivista, e sua incorporação foi reivindicada na esteira de uma luta mais ampla pelo fim de to-das as gratificações – uma única linha no contracheque”, afirma o professor da UnB.

Na proposta original, ela iria se chamar PID – Projeto de Incentivo à Docência –, depois se tornou GED. Com essa gra-tificação, o governo introduziu um componente variável no sa-lário como se fosse produtivida-

de, o qual estava atrelado a uma pontuação, principalmente à quantidade de horas em sala de aula. Aprovada pelo Congresso Nacional, a GED estabeleceu um sistema em que o docente ficava refém dessa gratificação para elevar seu salário.

“Se o docente desse um número a mais de horas, ele ga-nhava mais pontos e se somava a isso publicação de artigos”, lembra Saito. Em seguida, criou-se uma tabela de pontu-ação em função das atividades dos docentes. E a partir de um determinado número de pontos alcançados, o professor teria direito à gratificação plena. Se não alcançasse os pontos, tinha 80% da gratificação. A remu-neração era variável e calculada ao fim do ano. Uma comissão recebia do professor cópias que

GED introduziu o produtivismo nas IFE

Gratificações e outros penduricalhos no contracheque destroem a carreira docente

Revista Andes Especial Novembro de 201337

comprovassem tudo o que ele havia feito e a pontuação valia para o ano seguinte. Se durante 12 meses o docente não alcan-çasse a pontuação definida, ele ficava com o salário reduzido.

O professor Carlos Saito acredita que foi a GED que introduziu na carreira docen-te o modelo produtivista. “E tanto era um modelo produti-vista que o governo calculava, para a instituição, uma cota de recursos para pagamento da GED. No máximo, 70% dos docentes podiam alcançar 100%. Se todos os docentes de uma instituição atingissem a pontuação para receber a GED integral, não haveria recursos financeiros para isso. Teria de estabelecer um ranking para ver quem era que estaria mais no topo e ganharia os 100%”, ex-plica. Essa situação criou uma disputa na universidade. Hoje a Capes, por exemplo, tem a ava-liação trienal dos programas, em que verifica o tempo de titulação e também o de pro-dução científica dos docentes e dos discentes. É feita de três em três anos porque há uma oscilação natural na produção científica. Dependendo da área, o pesquisador leva dois anos fazendo experimentos em cam-po para poder obter um resul-tado. O que se têm são ciclos.

Com a GED não era assim. A avaliação era feita num perí-odo curto de tempo de apenas um ano. “O que acontecia é

que, naquele ano em que o professor não tinha produção científica porque estava traba-lhando para isto, ele tinha de dar um jeito de correr para as salas de aula e cobrir a pontu-ação por meio de aula. E como a pontuação era calculada no fim do ano, às vezes só na metade do segundo semestre é que o professor via que não ia ter a produção com base nas outras coisas e ele corria para tentar negociar ou brigar para que o outro colega saísse da turma e ele assumisse aulas para poder se pontuar”, conta o professor Saito.

A GED criou a competição entre os pares porque não ha-via a possibilidade de todos, mesmo obtendo a pontuação mínima, receberem o teto da gratificação. Para obter os pontos, a disputa por horas aula era tão intensa que, inde-pendentemente de sua espe-cialidade, os docentes queriam pegar qualquer aula para poder pontuar. “O princípio dentro da UnB é que a universidade

deve procurar alocar os pro-fessores dentro de suas espe-cialidades, supondo que ele vai conseguir contribuir com sua experiência de pesquisa e de vida para tornar as aulas mais ricas com exemplos etc. E a GED criou uma situação abso-lutamente anômala”, afirma.

A GED também gerou o problema da falta de paridade entre os ativos e os aposen-tados e foi a forma que o ex--ministro da Educação, Paulo Renato, encontrou para suprir as vagas de docentes que sur-giam nas universidades e não podiam ser preenchidas porque o ex-presidente FHC proibiu a realização de concursos pú-blicos. “Como a gratificação era de estímulo à docência, e os aposentados já não estavam dando aula, num primeiro mo-mento se criou uma discussão sobre como é que seria resga-tada a paridade e aí o governo sinalizou com a proposta de pagar 90% para os aposenta-dos. Isso também permitiu criar essa desigualdade”.

No Sul, docentes questionam o produtivismo e a precarização do trabalho

Revista Andes Especial Novembro de 201338

Os professores da Universidade Federal do Pampa (Unipampa) impe-diram o governo federal de implantar o Sistema de Planejamento e Gestão de Desempenho (SPGD) na instituição – um modelo de avaliação de docentes que reforçava a transformação do trabalho acadêmico como ati-

vidade produtivista na insti-tuição. Isso ocorreu em 2008, quando o corpo docente era formado por cerca de 400 professores que, mobilizados contra essa proposta, supe-raram todas as dificuldades, como a distância entre os dez campi e a falta de recursos fi-nanceiros, fundaram uma se-ção sindical do ANDES-SN

para organizar a luta, lotaram as assembleias e barraram, no Conselho Universitário, a aprovação da proposta de adoção do SPGD.

Até o fechamento, nenhuma reitoria mencionada nesta ma-téria respondeu às perguntas encaminhadas. Em mensagem eletrônica, o MEC avisou que não podia atender à solicitação.

Unipampa não entrou no jogo

Revista Andes Especial Novembro de 201339

Administrações marcadas pela repressão e por perseguiçõesGestores punem divergências de docentes e técnicos com processos administrativos disciplinares, sindicâncias e demissões. Com os estudantes, fazem pior: chamam a polícia

Carla Lisboa

Algumas iniciativas de repressão e o tratamen-to dado às divergências

de opinião voltam a lembrar o que havia nas universidades públicas nos anos de chumbo. Engana-se quem pensa que apenas nos regimes autoritários os campi universitários são inva-didos pela polícia para reprimir manifestações de estudantes e que professores e técnicos são perseguidos e até demitidos por defenderem ideias contrá-rias às de quem está no poder.

A Universidade Federal do Maranhão (UFMA) é um dos

vários exemplos de instituição tomada por um clima de ame-aças mais ou menos veladas, orquestrado para funcionar sem ser notado e para relegar ao limbo quem pensa diferente. Quando isso não dá certo, as forças policiais atuam para pôr as coisas nos lugares definidos pelos gestores. Os docentes queixam-se de estar vivendo uma das gestões autoritárias mais repressivas da história da universidade. “A repressão às manifestações, principalmente aos estudantes da Anel e do DCE, quando houve a ocupa-ção da Reitoria, no início de 2013, foi a forma que os diri-

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gentes avisaram à comunidade como lidam com as divergên-cias”, declara o professor do Departamento de Engenharia de Eletricidade, Vilemar Gomes da Silva.

O que ocorre no Maranhão se repete em outros lo-cais afora, como atestam a Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), a Fundação Universidade do Rio Grande do Sul (Furg), a Universidade Federal do Tocantins (UFT) e a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). Nessas instituições apareceu uma forma mais sofisticada de repressão. Os gestores usam os instrumentos do processo jurídico-administrativo do ser-viço público, que deveriam ser usados no combate à corrup-ção, para perseguir qualquer

um que critique as atitudes dos poderes instituídos: ins-talam comissões de sindi-cância, instauram Processos Administrativos Disciplinares (PAD) ou recorrem a proces-sos na Justiça comum para per-seguir e punir pessoas e abafar as divergências.

Pedagogia do medoNa UFMA, no dia 6 de

fevereiro de 2012, formou-se uma comissão de sindicância para castigar o professor do Departamento de Filosofia, Wildoberto Gurgel, porque ele teria afirmado em blogs que havia alterações irregulares de notas do Sistema de Controle Acadêmico. Encerrada a sindi-cância, abriram um PAD, que funcionou de junho a novem-bro de 2012 e concluiu pela

demissão do docente. Ele foi exonerado um mês depois, no dia 11 de dezembro de 2012. Somente após uma difícil luta política e jurídica da Associação dos Professores da UFMA (Apruma), que contou com o apoio dos estudantes da Anel, o professor foi readmitido no dia 13 de agosto de 2013.

“Outros três PAD, sem justificativa sustentável e com tramitação que desrespeita normas internas e prazos, fo-ram abertos. Dois deles come-çaram após uma intervenção no Conselho Universitário (Consun), deflagrados em agosto de 2012. Nesses dois processos, professores que atuaram na greve de 2012 e fazem oposição à atual ad-ministração superior estão arrolados. Um terceiro PAD

Professor Ayala é sentenciado pela alta cúpula da Universidade Federal do Maranhão à perda do emprego

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foi aberto em maio de 2012 contra a professora do Campus de São Bernardo, Alina Miranda. Concluído, não teve o resultado divulgado”, diz o professor do Colégio de Aplicação da UFMA, deno-minado Colégio Universitário (Colun), e diretor adminis-trativo financeiro da Apruma.

Ele contou que “Bartolomeu Mendonça foi notificado no fim de agosto deste ano em uma ação por danos morais movida contra ele por um ex-coordenador do Ensino Médio do Colun e membro da gestão interventora do atual reitor. O autor da ação, inver-tendo a autoria de constrangi-mento ocorrida no colégio du-rante a intervenção da gestão pro tempore, acusa o professor

Bartolomeu de, em uma única expressão pronunciada duran-te debate acadêmico em refe-rência à gestão interventora, ter causado danos morais sub-jetivos a ele”, afirma Vilemar Gomes da Silva.

“Na UFOPA está em cur-so a pedagogia do medo para calar e amedrontar a comuni-dade. No caso dos docentes, a atual gestão usa, para isso, PAD, sindicâncias e emissão de notas baixas na avaliação do estágio probatório. Outro modo recorrente é não convo-car os professores para a par-ticipação no Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor), chamando docentes de ou-tras universidades ou sem qualificação para participar

do programa. As instâncias deliberativas não existem e as que foram criadas, como o Consun, só o foram em razão da pressão da comunidade. Entretanto, elas funcionam pro forma com conselheiros biônicos e sem discussão real sobre a vida da universidade, ou seja, a gestão procura pas-sar para a sociedade e para a própria comunidade universi-tária a existência de participa-ção, mas, na realidade, o que há é uma falsa participação”, relata o professor da UFOPA, Luiz Fernando França.

Até o fechamento, apenas a reitoria da UFT respondeu às perguntas encaminhadas. As demais não deram retorno. O MEC avisou por email que não podia atender à solicitação.

Comunidade acadêmica da UFOPA realizou greve e dentre as reivindicações exigiu também dignidade

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O ANDES-SN acredita que o estrangulamento das liberda-des democráticas e da participa-ção, o excesso de centralização da gestão, a verticalização e as escolhas antidemocráticas de direções não são casuais. Foram produzidas como política geral para o setor público e impostas pelo poder central. Prova disso é o Decreto nº 6.944, edita-do em 2009 e apelidado de Decreto do Choque de Gestão, que estabelece “medidas organi-zacionais para o aprimoramen-to da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional”.

No entendimento do ANDES-SN, o “choque de gestão que tem sido praticado nas universidades federais tem o sentido de dobrar o número de estudantes por professor e forçar o índice de diploma-dos, mesmo sem as condições para isso, dobrar o número de diplomados em relação aos ingressantes, conforme as cláusulas pétreas do Reuni, o que resulta na precarização das condições de trabalho; no aligeiramento da formação acadêmica; no abandono do princípio da indissociabilida-

de; na alteração das estruturas organizacionais, reduzindo os espaços colegiados e ampliando o poder das direções executivas (dos gestores)”.

Trata-se de um choque de gestão para exercer o controle heterônomo justamente no momento em que o gover-no tem em andamento um projeto de expansão e de interiorização da universi-dade pública. No decreto, o governo diz que o objetivo da reforma é diminuir os níveis hierárquicos para aumentar a amplitude de comando e declara que a meta é baixar a linha a partir dos gabinetes. É um sistema de gestão que pune as divergências de opi-nião e de concepção de ges-tão, de universidade e outras. Casos exemplares disso estão relatados em dossiês das Seções Sindicais enviados ao ANDES-SN sobre situações de impedimento à participa-

ção, com perseguição política a quem se arrisca a defender a categoria docente das condi-ções de trabalho precarizadas.

DossiêsA comparação das denúncias

registradas nos dossiês, advin-das de várias Seções Sindicais, demonstra haver características comuns nos estilos de gestão, como, por exemplo, o simulacro de participação e de observância às normas. Outra característica da gestão que se amplia são as decisões tomadas de forma apressada sobre temas impor-tantes, sem o debate amplo com a comunidade universitária e sem a apreciação e deliberação nos colegiados competentes das instituições, ou com convoca-ção feita descumprindo pre-ceitos básicos de democracia e não observância nem sequer do que está instituído pelo esta-tuto e pelo regimento interno das instituições.

Choque de gestão coíbe liberdades democráticas

DCE Mário Prata, Sintufrj e Adufrj fazem ato na escadaria do IFCS/UFRJ, 23/10

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Escolha do reitor na UFMA desagrada estudantes e professores

O atual estatuto da UFT foi elaborado sem a participa-ção da comunidade universi-tária e implantado em 2003, quando a instituição teve efetivamente suas atividades iniciadas. Ele concentra o po-der decisório na administração superior. “A composição dos conselhos tem a maior parte formada por pessoas ligadas ao reitor, o que não envolve os setores da universidade num amplo debate, até porque, caso a composição fosse diferente e mais equilibrada, reclamaria do reitor uma habilidade maior na capacidade de dialogar e de convencer os segmentos e seus respectivos representantes”, analisa o professor de filosofia, Fábio Duarte.

O professor Vilemar Silva conta que, no Maranhão, a sessão do Conselho Superior (Consun) para deliberar sobre a adesão ao Reuni foi convoca-da com menos de 72 horas de antecedência. E, mesmo com o protesto de professores e estudantes, ela foi realizada e concluída sob o aparato policial (Polícia Federal), numa peque-na sala da Advocacia Geral da União (AGU), cujo acesso foi restringido para os conselheiros. Eles, por sua vez, tiveram pou-co tempo para ler o projeto de adesão ao Reuni, sobre o qual se sabia que afetaria significati-vamente a vida de toda a comu-nidade acadêmica e também a concepção de universidade.

O professor da UFT, Fábio Duarte, conta que uma das formas de eliminar a participa-ção dos docentes foi explicita-da durante o ajuste do calendá-rio acadêmico após a greve dos professores das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), em 2012. “Foi ela-borado e implantado pela administração superior sem a apreciação e deliberação pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe), ferin-do regimento e estatuto das universidades”. Na UFMA, segundo Vilemar Silva, ocor-reu o mesmo. E mais: “o curso de Bacharelado em C&T, com modificações significativas na formação dos profissionais da área de Ciências Exatas e Tecnológicas, foi criado e implantado sem debate com a comunidade acadêmica, desres-peitando os trâmites regimen-tais nas instâncias colegiadas”.

Dossiês sobre a situação do trabalho docente nas uni-

versidades elaborados pelas Seções Sindicais para subsi-diar o ANDES-SN na defesa da categoria dão conta de que algumas gestões têm toma-do atitudes antidemocráticas camufladas ou travestidas de ações democráticas que visam a eliminar a participação. Um exemplo dessa situação é o esvaziamento das instâncias deliberativas das unidades aca-dêmicas e dos conselhos supe-riores. “As eleições para chefe de departamento, coordena-dores de curso e diretores aca-dêmicos na UFMA têm sido realizadas com até um ano de atraso, o que fere o prazo regimental. Não há eleição para os cargos dirigentes da maioria das unidades acadê-micas localizadas no interior do Maranhão e no Colégio Universitário, no campus de São Luís. Depois de muita luta, a Apruma-ANDES-SN conseguiu garantir as eleições para o Centro de Imperatriz e

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para o Colun”, informa o pro-fessor Vilemar Silva.

A FURG é outro exemplo que ilustra esse tipo de situação. Há seis anos houve uma modi-ficação interna na universidade que transformou unidades acadêmicas em institutos e, aproveitando esse momento de transformações, diminuiu-se a representatividade nos colegia-dos superiores e das unidades. “No curso de educação física, eliminaram a representatividade dos técnico-administrativos e reduziram a dos estudantes de quatro para um e a dos docentes de quatro para dois. Docentes, estudantes e técnicos afirmam que a transformação feita foi somente para piorar. Até mesmo a representatividade dos profes-sores é ‘eleita’ por meio eletrôni-co, escolhida por meio de listas chapa branca e sem um mínimo

de debate ou de votação”, relata o professor de educação física, Billy Graeff.

Docentes e estudantes do Campus de Três Lagoas da UFMS têm cobrado dos diri-gentes da instituição a implan-tação imediata do Plano de Transparência para que a uni-versidade passe a pôr à disposi-ção da comunidade informações dos recursos recebidos, dos gastos previstos e efetivados, bem como da política de dispo-nibilização de recursos (como diárias, material permanente e de custeio) e a forma de solici-tação por parte da comunidade acadêmica. Esse plano faz parte do acordo que a comunidade acadêmica fez com a reitoria du-rante a greve de 2012.

O diretor do campus de Três Lagoas da Universidade Federal de Mato Grosso do

Sul, José Antônio Menoni, contudo, informou aos do-centes e estudantes que parti-ciparam de uma reunião com ele, em setembro deste ano (2013), que a UFMS não vai implantar o plano por falta de funcionário. Disse que as planilhas de gastos estão à disposição para consulta e que o Portal Transparência permite a consulta dos gastos efetivados. “Salientamos que as planilhas não são prestação de contas públicas e que o Portal Transparência individualiza os gastos e recursos. No nosso entendimento, o que o Campus precisa é de uma prestação de contas simplificada e de fácil acesso, disponibilizada na pá-gina da instituição”, disse o presidente da ADLeste-Seção Sindical do ANDES-SN, Vitor Oliveira.

Docentes e estudantes fazem o enterro simbólico da democracia na Universidade Federal do Maranhão

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A escolha do dirigente tam-bém é usada como instrumento de exclusão da participação dos segmentos universitários. Novamente a UFMA ilustra a situação de boa parte do que ocorre nas universidades. Vilemar Silva conta que lá “esse é um processo draco-niano que começa por uma consulta prévia à comunidade universitária em que o voto do professor tem o peso de 70%, o do técnico-administrativo e o do estudante têm peso 15%, respectivamente”.

Numa segunda fase do processo, o Consun, que passa a exercer o papel de Colégio Eleitoral, elabora a composi-ção de uma lista tríplice, com os três mais votados, todos com votação acima de 10%. “O conselho pode alterar a ordem escolhida pela comuni-dade, cujos segmentos que a compõem participam de forma bastante desigual. Por último o Presidente da República es-colhe um dos três. Com tais regras, fica claro que não é a comunidade que escolhe o reitor, pois o Colégio Eleitoral pode fazer nova votação e, o mais importante, o Presidente é quem escolhe qual será o reitor”, afirma o professor.

A UFT, por sua vez, nas últimas eleições, tem posto

no Conselho Universitário (Consuni) o referendo do re-sultado da consulta na comuni-dade universitária, respeitando a paridade entre os segmentos (docente, discente e técnico-ad-ministrativo). “No entanto, a lei federal deixa isso em um ter-reno instável, posto que a lista tríplice permite que a consulta não seja respeitada pelo governo e isso abre margem para que se estabeleça um jogo de manipu-lações da administração supe-rior com grupos ou unidades. Há uma dificuldade, portanto, por causa de algumas entidades representativas e por as ditas lideranças estarem manipuladas pela administração superior, o que é óbice para um processo realmente aberto e democráti-co”, avalia Fábio Duarte.

O presidente do Sindicato dos Docentes da UFOPA – Seção Sindical do ANDES-SN (Sindufopa-ANDES-SN), Luiz Fernando de França, informa que na UFOPA é di-ferente. Nunca houve escolha democrática e participativa de reitor. Ele diz que, “no caso da UFOPA, é preciso se fazer uma retrospectiva: o reitor foi nomeado pelo MEC sem nenhum diálogo com a comu-nidade universitária. A gestão pro tempore completou qua-tro anos em novembro deste ano e, para se ter uma ideia da situação, o reitor Seixas não tem residência fixa em Santarém e até pouco tempo ele e toda a sua equipe ficavam hospedados em um hotel de luxo na cidade”, disse.

Na UFOPA, comunidade acadêmica reivindica saída de reitor indicado pelo MEC

Falta democracia na escolha do reitor

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Das cinco universidades procuradas para esclareci-mentos sobre as denúncias do cerceamento da participação, a única que se manifestou até o fechamento desta re-vista, entre 9 de setembro e 20 de outubro deste ano, foi a Reitoria da Universidade Federal do Tocantins (UFT). Na mensagem enviada por meio eletrônico, a Assessoria de Comunicação (Ascom) da UFT informou que o po-sicionamento que a reitoria tem assumido é marcado pela democracia desde a criação da universidade.

“Inicialmente, esclare-cemos que a representativi-dade dos docentes, técnico--administrativos e estudantes é assegurada pelo Regimento dos Conselhos Superiores Universitário (Consuni) e de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe) e tem sido criterio-samente incentivada e garan-tida a participação de todos. Essas sessões obedecem a um calendário anual e são convoca-das com antecedência mínima de 10 dias, de forma a garantir

a presença, assim como o rece-bimento das diárias ou ajuda de custo a todos os participan-tes. Buscando maior interação, essas seções são transmitidas a todos os campus pela intranet e são abertas à comunidade aca-dêmica”, afirma a nota enviada à reportagem da revista Dossiê Nacional Precarização II.

No documento enviado, a Reitoria diz estar, atualmente, com um calendário acadêmi-co de reposição de cem dias letivos relativos à última para-lisação docente, ocorrida em 2012. “Conforme aprovação do Conselho Superior, em maio de 2013, o cronograma das atividades de ensino, pesquisa e extensão busca atender aos direitos legais dos professores, mantendo, conforme solicitado pela comunidade acadêmica, períodos intermediários de recesso nos meses de julho e dezembro. Como forma de melhor discutir os próximos encaminhamentos em relação

Reitoria diz que regimento garante participação

Professores da UFT lutam para participar das deliberações na universidade

Sem restaurante e nem lanchonetes, estudantes cobram providências da reitoria

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ao Calendário, foi garantida pelo reitor e reafirmada no último Consuni a formação de uma comissão para discussão do calendário acadêmico”.

A nota dá conta de que, “em relação à adesão à Ebserh, esclarecemos que o Hospital Universitário da UFT encon-tra-se ainda em processo de licitação do projeto básico e complementar e que os con-tatos com o Ministério da Educação têm sido no sentido de viabilizar a construção de

um hospital para que os cur-sos de medicina, enfermagem, nutrição, serviço social possam ter no prazo de cinco anos um Hospital Universitário de referência capaz de propiciar aos estudantes as condições de formação necessárias ao bom profissional. Não temos um hospital universitário em Palmas, todavia, não há como negar o fato de que a criação de hospitais federais implica em novas formas de organização junto ao Ministério da Saúde

e ao Ministério da Educação. O mesmo ocorre em rela-ção ao Hospital de Doenças Tropicais, recentemente doado pelo governo estadual à UFT e que se encontra em fase de procedimentos legais de trans-ferência de mantenedora”.

A Reitoria informa ainda que a UFT tem, atualmente, 51 cursos de graduação, cinco doutorados e 19 mestrados, aproximadamente 19 mil es-tudantes regulares e que tem buscado todas as formas de gestão, com proposição de revisão dos conselhos como forma de contemplar de forma mais democrática os docen-tes, técnico-administrativos e discentes. “Somos defensores dos processos democráticos, participativos e temos imple-mentado medidas que incre-mentam o diálogo e a partici-pação democrática em todos os setores. Implantamos ações de descentralização acadêmico--administrativa”.

Conscientes do perigo que ronda a educação pública, os docentes protestam nas ruas de todo o País

Federal de Tocantins na manifestação do ANDES-SN em Brasília

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Aumentam casos de assédio moral a professores das IFE

Opressão faz parte de uma reconfiguração dotrabalho docente para responder às exigênciasdo mercado. Alguns gestores aproveitam-se dessequadro para praticar todo tipo de autoritarismo

Ricardo Borges

Umas das facetas mais perversas da expansão das IFE, por meio

do Reuni, é a degradação das relações e das condições de trabalho. O discurso oficial de expansão e de democratização do acesso à universidade en-cobre um quadro de opressão dos docentes. Situações de vio-lência têm sido frequentes nas instituições de ensino superior. Em todo o país, crescem as ocorrências de assédio moral e perseguição aos professores. São casos que revelam a impo-sição de uma reconfiguração do trabalho docente para respon-der às exigências do mercado e ao autoritarismo de gestores.

O professor Vicente Ribeiro, lotado no campus Chapecó da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS), é uma das vítimas de perseguição. O professor está sofrendo um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) movido pela reitoria pro tempore, por ter questionado o vice-reitor durante reunião do Conselho Universitário (Consuni), dia 15 de junho de 2012. Na ocasião, estava sendo debatido o ato do rei-tor de criar novo campus em Passo Fundo, sem consulta às instâncias colegiadas. Por de-cisão de ampla maioria de seus membros, o Consuni aprovou uma moção de repúdio ao ato do reitor, por considerá-lo uma

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afronta aos princípios da ges-tão democrática.

Esse não foi o único PAD contra servidor que mani-festou posição contrária à da reitoria. “Infelizmente, há um uso abusivo desse instru-mento”, avalia Ribeiro, que também é diretor da Seção Sindical dos Docentes da UFFS (Sinduffs). A reito-ria apresentou ainda uma representação ao Ministério Público Federal. “Acreditamos que não sofreremos condena-ção, pois em nenhum momen-to desacatamos a reitoria, mas apenas questionamos uma de-cisão tomada unilateralmente pelo reitor e a condução dos trabalhos do Consuni”, argu-menta Vicente Ribeiro.

Além de uma moção de apoio aprovada no VI Encontro Intersetorial do ANDES-SN, circula na internet abaixo-

-assinado em solidariedade ao professor. O documento acusa a reitoria de buscar, com os PAD, “levar para a esfera dis-ciplinar e criminal o legítimo debate realizado nas instâncias colegiadas da universidade, contribuindo para disseminar uma política de amedronta-mento em toda a comunidade universitária.” A diretoria do ANDES-SN denunciou o ato arbitrário da reitoria e dispo-nibilizou a assessoria jurídica para acompanhar o processo.

Em nota oficial, a Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) rebate as acusações alegando que “não fez, não faz e não fará assédio moral e tão pouco tolerará qual-quer prática do tipo”. Ainda segundo a nota, “o caso está sendo tratado com absoluta isenção e objetividade, respei-tando, na forma e no conteúdo,

os procedimentos emanados da legislação federal, do código de ética do servidor público e das demais disposições que regem processos como este”.

Humilhações e persegui-ções fazem parte dos assé-dios sofridos por docentes da Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Lotada no Instituto de Saúde e Biotecnologia de Coari (ISB/UFAM) desde 2006, a dou-tora em Genética Molecular Humana, Izabel Heckmann, conta que desde que chegou à unidade acadêmica pas-sou a ser perseguida pela direção. Responsável pela criação do Laboratório de Genética Molecular Humana (LABGEN), a professora afirma que durante a aprova-ção o parecerista questionou a real necessidade da criação de um laboratório de Genética Molecular, isso num campus de Saúde e Biotecnologia. Além disso, segundo IzaBel, o ex--diretor exigia constantemente a destinação do local exclusi-vamente ao ensino, ferindo o tripé do ensino superior. “Fui informada por colegas que a intenção da direção era me ti-rar do laboratório”, relata.

Segundo a professora, as humilhações intensificaram--se a partir de 2010, quando o ex-diretor informou, “aos gritos e batendo com uma muleta na mesa”, da nomea-ção de um segundo professor

Desde que chegou à UFAM, Izabel Heckmann enfrenta perseguição

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Na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA), os sinais de aumento dos casos de assédio moral e persegui-ção motivaram o Sindicato dos Docentes da UFOPA (Sindufopa) e o Comando Local de Greve a protocolar, em junho de 2012, um dossiê no Ministério da Educação. O Dossiê do Sindufopa reúne 40 documentos com denúncias feitas pelo sindicato, até mesmo e-mails de membros da adminis-tração superior que comprovam

a prática de intimidação e assé-dio moral na universidade.

Um dos casos mais ilustrativos é o do profes-sor Gilson Costa, lotado no Instituto de Ciências e Sociedade. Ele foi adverti-do pela reitoria depois de apoiar uma manifestação de estudantes contra as más condições oferecidas pela universidade. Segundo Sandra Moreira, diretora da Regional Norte II à época e que acompanhou o relato do

caso, o professor passou a sofrer perseguição da admi-nistração da UFOPA desde que entrou na universidade e tentou organizar uma seção sindical no campus.

“No início, as perseguições foram sutis, como delegar ao docente um número abusivo de disciplinas e ainda colocá--lo para ministrar aulas, cujas disciplinas não estão em sua área de atuação, além de enviá--lo para aulas no interior do estado”, relata.

Sandra conta que a reta-liação ao professor ficou mais evidente depois que Costa apoiou os estudantes em uma manifestação durante a aula magna no início do ano letivo de 2011. “Os estudantes recla-mavam das condições precárias da UFOPA e Gilson apoiou o movimento. Depois disso, ele foi acusado falsamente de instigar os discentes e impedir a realização da aula. A reitoria Docentes cobram estatuto para garantir transparência e evitar arbitrariedades

para coordenar o LABGEN. Seu isolamento dos demais colegas, apelidada de “dona de laboratório”, e o corte de materiais de pesquisa fizeram parte das práticas de assé-dio, segundo a professora. “Quando houve a alocação dos professores nas novas salas, senti-me punida ao ter minha mesa de trabalho instalada em

um laboratório vazio, localiza-do em outro bloco”, lembra.

No dia 17 de março de 2010, ela protocolou denún-cia na Reitoria. Em resposta, a Procuradoria da UFAM sugeriu a abertura de um PAD, que não ocorreu. Para seguir na luta contra as perse-guições, Izabel participou de audiência pública sobre assé-

dio moral no Senado, quando relatou as humilhações sofri-das. Ao retornar, encontrou diversos assediados, que se reuniram para enfrentar jun-tos o problema. Com o apoio da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Amazonas (Adua), criaram uma comissão de combate ao assédio moral na UFAM.

No Pará, sindicato apelou para o MEC

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abriu um PAD contra ele, que resultou em uma advertência ao docente”, completa.

Casos de perseguição também têm sido frequentes na Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Não só o Núcleo de Processo Administrativo tem sido usa-do como forma de legitimar perseguição a docentes e ser-vidores, como aqueles que não concordam com esse tipo de postura são retirados de lá. Foi o que ocorreu com a servidora Fabianne Gomes, exonerada do cargo de Coordenadora do NUPAD tão logo acatou denúncia contra interesse da reitoria (a denúncia versava sobre irregularidades em con-curso público).

Tornou-se pública na im-prensa local e nacional a movi-mentação da reitoria contra o professor Wildoberto Batista Gurgel (Ayala Gurgel), do Departamento de Filosofia. Antes mesmo de qualquer pro-cesso administrativo, o reitor anunciou à imprensa que o professor seria demitido. O professor havia comentado nas redes sociais a inoperância do sistema de controle de notas da universidade, o que permi-tia falhas, e que ele tinha um processo sobre essa matéria tramitando nos colegiados superiores havia nove anos. Embora tenha deflagrado uma perseguição moral ao professor e não reconhecido publicamen-

te a fragilidade do sistema, a UFMA modificou seu sistema de controle acadêmico. Após sindicância que apontava para advertência, foi aberto, sem nenhum fato novo, um PAD que culminou com a indica-ção de demissão do servidor, prontamente aceita pelo reitor, o que veio a ocorrer em dezem-bro de 2012, sem a aprovação do Consun. O sindicato dos professores recorreu à Justiça e conseguiu anulação da por-taria e obrigou convocação do Consun para discutir o caso. Nova demissão foi aplicada, em fevereiro de 2013.

Supostamente o profes-sor teria praticado ato que se enquadraria no inciso IX do artigo 117, da Lei 8.112/1990: “valer-se do cargo para lo-grar proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função públi-ca”. Entretanto, o PAD não conseguiu reunir provas que comprovassem tal conduta. Em nota oficial, a UFMA faz alegações que não foram ma-téria do PAD, como acúmulo de cargo nos últimos dois anos e ter sido beneficiado por universidade privada para denegrir a imagem da UFMA. A tramitação do PAD versou sobre uma matéria (as pos-tagens no Twitter sobre alte-rações de notas na UFMA), considerando-a como improbi-dade administrativa, ato sufi-ciente para demitir o docente.

“Para a imprensa, a nota ofi-cial fazia outras alegações ine-xistentes”, afirma o professor Ayala. Por meio do sindicato, o docente conseguiu retornar à instituição mediante limi-nar. O processo tramita na 3ª Vara Federal. “A universidade ainda não me pagou diversos direitos e mudou a minha ma-trícula e data de posse, o que estamos analisando juntos, o advogado do sindicato e eu”, diz Ayala Gurgel

Segundo o professor, o apoio do sindicato foi imedia-to e providencial. “Assim que expus a situação na Apruma,

Professor Batista Gurgel foi vítima de perseguição moral na UFMA

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minha causa foi analisada e compreendida que se tratava de um ato autoritário e persecu-tório”, afirma. Na avaliação do professor Gurgel a demissão foi um ato autoritário do rei-tor, que não admite a liberdade de expressão. “O episódio de falar publicamente sobre a fra-gilidade do sistema e os abusos cometidos contra o trabalho docente foi apenas um, em meio a tantos”, conclui.

Na Universidade Federal do Paraná (UFPR), o au-mento no número de denún-cias envolvendo situações de violência moral e psicológica também é significativo. O caso mais emblemático é o do campus Litoral, sediado no município de Matinhos-PR. Criado em 2004 pelo Conselho Universitário da UFPR, em 2007 foi trans-formado no Setor Litoral da UFPR, com representação nos Conselhos Superiores da Universidade. Entretanto, des-de a sua criação, apresentou

carências normativas, em fun-ção da fragilidade de um pro-jeto político pedagógico para os cursos, do não cumpri-mento da legislação e das re-soluções da universidade e da insuficiente regulamentação do próprio campus. Isso vem gerado um ambiente propício a situações de assédio moral.

“Os problemas são dos mais variados possíveis. Há, por exemplo, problemas de tratamento diferenciado aos docentes, conforme o lado po-lítico que esse docente assume na instituição. Os conflitos são constantes, o que precari-za as condições de trabalho”, denuncia a vice-presidente da APUFPR, Astrid Avila.

A APUFPR requereu formal-mente providências da reitoria, que levou o assunto à discussão em sessão extraordinária do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, em 19 de julho deste ano, que deliberou criar comis-são especial para apurar os fatos e propor soluções.

Segundo a reitoria da UFPR a situação do setor Litoral começou a ser resolvida com a criação das coordenações de curso. “Após ouvir a comi-tiva de docentes do Litoral, e a diretoria da APUFPR, a reitoria da UFPR intensifi-cou as ações das pró-reitorias de Gestão de Pessoas, de Graduação e de Administração nas atividades do cotidiano do Setor Litoral”, afirma a Reitoria, em nota sobre o Setor Litoral. Ainda segundo a reitoria, foi constituída, em julho, comissão de mediação para harmonizar as relações entre servidores e a diretoria do Setor Litoral.

Esses são apenas alguns exemplos de uma situação que se repete em diversas IES do país. Para o ANDES-SN, é importante que as seções sin-dicais realizem encontros nos quais os docentes possam de-nunciar as situações de assédio moral, repressão ou persegui-ção no âmbito da universidade.

Nas ruas, professores também protestam contra o assédio moral praticado contra a categoria

Abr

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A precarização do trabalho docente é ainda mais danosa durante o estágio probatório, período em que o servidor pú-blico se encontra fragilizado na relação com a instituição. São vários os casos de assédio e perseguição a docentes, que não raro sofrem graves sequelas emocionais, mas têm dificulda-de em denunciar.

A professora Eblin Farage, do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF) e doutora em serviço social, afirma que “os docentes fazem relatos, ‘desabafos’, mas não querem denunciar, não dão elementos para que o sindicato possa dar visibilidade a essas situações”. Eblin explica que o assédio moral também se apresenta na forma de sobre-carga de trabalho, porém não é percebido dessa forma pelo professor que está entrando na universidade. “Alguns pro-fessores chegam a dar mais de 20h em sala, mas não acham que isso é uma imposição da chefia, mesmo que em seu departamento tenha professor com apenas 4h/aula. Alguns entendem que é o ‘pedágio justo’ de quem entra”, conclui.

A professora Gabrielle Silveira Rocha Matos, do cur-so de fisioterapia do Instituto de Saúde e Biotecnologia de

Coari da Universidade Federal do Amazonas (ISB/UFAM), conhece bem essa situação de ameaça durante o estágio proba-tório. Ela relata um processo de

“desmoralização profissional”, que teve início em setembro de 2009, após questionar em uma reunião do colegiado do curso o afastamento de uma professora.

Estágio probatório, danos permanentes

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“A coordenadora do curso, presidente do colegiado, após a reunião, levou ao conhecimento do diretor do ISB/UFAM o meu questionamento e de outra

professora e fomos chamadas para a sala do diretor. Nesse momento fomos informadas por ele que não deveríamos questionar os atos administra-

tivos e nos lembrou que está-vamos em estágio probatório”, afirma Gabrielle.

Segundo ela, desde então passou a sofrer perseguição institucional e isolamento, tan-to pessoal quanto no exercício do trabalho. “Repetidamente fui ‘convidada’ à sala da dire-ção do ISB para ser lembrada da minha condição em estágio probatório”, acrescenta.

Em março de 2010, ela re-solveu protocolar um pedido de mudança de orientador de estágio probatório. Depois disso, sofreu repetidos pedi-dos de sindicância para apurar sua “conduta profissional”. Pela Portaria 633/2010, foi estabelecida uma comissão de sindicância contra ela, conclu-ída em outubro daquele ano, favorável à abertura de um PAD contra o então diretor da unidade. A comissão de ética acatou o pedido, mas o processo parou. “Ainda aguar-do uma providência adminis-trativa, que até o momento parece não ter sido tomada. Sofri e sofro as consequên-cias do dano causado por esse processo e pela ‘má fama que fiquei depois disso”, desabafa Gabrielle. Atualmente, a pro-fessora Gabrielle Matos está afastada para capacitação, mas ainda se submete a acompa-nhamento psicológico.

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No Brasil, lecionar faz mal à saúde

Intensificação e precarização do trabalhoprejudicam qualidade do ensino e adoecemos professores. Transtornos comportamentaissão as principais causas das licenças médicas

Washington Sidney

A expansão desordenada do ensino público supe-rior tornou o magistério

uma atividade de risco. O au-mento do número de turmas, da carga horária e de estudantes em sala de aula inviabilizou a relação professor-estudante, com graves prejuízos para a qualidade do en-sino e para a saúde dos professo-res. Somem-se a isso o aumen-to da correção de trabalhos, em geral nos fins de semana, e as péssimas condições ambientais a que os professores são expos-tos e o resultado são licenças médicas em profusão.

Karla Estelita Godoy, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), enfrenta problemas recorren-tes de garganta por causa de infecções adquiridas no tra-balho. Ela atribui a doença ao aumento da carga horária nos últimos semestres, ao excesso de estudantes por turma e, principalmente, às salas de aula com janelas que não se abrem, o que a obriga a usar um aparelho de ar-condiciona-do sem manutenção. Os diag-nósticos não deixam dúvida quanto à origem da doença.

“Consultei-me com diver-sos médicos nos últimos anos,

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quando esses problemas come-çaram. Alguns suspeitaram de processos alérgicos ou de infec-ções bacteriológicas ou virais em virtude de uma grande ex-posição a ambientes insalubres na universidade. Meu otorri-nolaringologista sugeriu que eu pesquisasse a Síndrome do Edifício Doente, que é quan-do há grande incidência de doenças provocadas nas pes-soas que frequentam o mesmo ambiente. Pesquisei e vi que vários estudos demonstram essa tese, cujos sinais podem ser encontrados no meu local de trabalho. Não sou só eu que tenho passado por isso, mas diversos colegas e es-tudantes”, conta. A docente também faz seu diagnóstico da situação: “O que está do-ente é o sistema educacional e é isso que nos adoece”.

Karla ministra oito horas de aula por semana, com uma carga horária que varia de duas a três disciplinas. Mas, por ser professora de Dedicação Exclusiva, tem diversas outras atividades acadêmicas que exigem dela permanecer nos mesmos ambientes e fazer uso consecutivo da voz, atendendo a orientandos (que não são poucos na graduação), coor-denando projetos de pesquisa e participando de eventos em nome da universidade. “Em razão da quantidade excessiva de estudantes no primeiro se-mestre de 2013, foi necessário dividir uma turma, que contava com quase 90 inscritos. Isso fez com que dobrasse a carga horária da disciplina, que pas-sei a lecionar de 11h às 13h e de 14h às 16h, às segundas e quartas-feiras. O desgaste foi grande e adoeci três vezes no semestre”, comenta.

Situações ainda mais gra-ves enfrentam os docentes da área de saúde da universidade. A presidente da Aduff, Eblin Farage, conta que eles lidam com doenças infecciosas e arriscam a saúde no contato com secreções e com materiais perfuro-cortantes contamina-dos. “Alguns cursos têm labo-ratórios montados de forma provisória há anos. No mês passado tivemos notícia de que todos os laboratórios de de-terminado curso haviam sido condenados por um setor na

universidade. Estamos tentan-do obter o laudo”, diz a pro-fessora. Segundo ela, há pouco tempo, no Polo Universitário de Rio das Ostras, uma pro-fessora passou mal em sala de aula e faleceu, o que dá uma boa medida do descaso dos di-rigentes com a saúde dos prin-cipais agentes da educação.

ProdutivismoO incremento da lógica

produtivista no meio acadê-mico, com exigências cada vez maiores de desempenho nas pesquisas e publicações de arti-gos, agrava o estresse e ajuda a explicar por que os transtornos mentais e comportamentais ocupam lugar de destaque en-tre as doenças que mais levam os docentes ao afastamento por licenças médicas, conforme revelam estudos feitos em duas universidades.

A pesquisadora Adriana Modesto de Souza, mestre em Ciências da Saúde com especialização em Gestão de Saúde pela Universidade de Brasília (UnB), analisou 2.218 prontuários no Serviço de Assistência Médica (SAM) da instituição e constatou que 202 docentes tiveram licenças médicas entre 2006 e 2011, o que resultou em 15.108 dias de afastamentos. Vários do-centes tiveram mais de uma licença no período.

Em sua tese de mestrado O perfil do adoecimento docente na

Falta de manutenção dos equipamentos adoece e colocaem risco docentes e estudantes

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UnB, Adriana catalogou algu-mas morbidades como justifi-cativa para as licenças médicas, mas chamou sua atenção as motivadas por transtornos mentais e comportamentais e por problemas no sistema mús-culo-esquelético e tecido con-juntivo. As primeiras respon-deram por 71 lançamentos e 2.238 dias de afastamento. As segundas, com 74 lançamentos, resultaram em 2.527 dias de afastamento. A frequência de afastamentos por transtornos mentais e comportamentais no período foi de 21 mulheres e 11 homens. No sistema ósteo--muscular e tecido conjuntivo, 23 mulheres e sete homens.

Adriana lamenta a perda amostral referente aos do-centes aposentados e/ou afas-tados e cujos prontuários já não se encontravam no SAM. Salientou que, na época da pesquisa, o setor encontrava--se em processo de adequação ao que preconiza o Subsistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor Público Federal (SIASS) e com limitação de espaço físico para a organi-zação dos prontuários. A dis-sertação está disponível para consulta no Repositório da Biblioteca da UnB.

Levantamento dos afas-tamentos por licença médica entre junho de 2010 e junho de 2013 na Universidade Federal Fluminense (UFF), feito pela Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas (Progepe), mostra que houve 2.053 casos de adoecimento de docentes, o que resultou em um total de 81.374 dias de afastamen-to no período. As doenças

ósteo-musculares lideraram os episódios (27,9% dos casos de 10 de junho de 2010 a 9 de junho de 2011; 23,7%, de 10 de junho de 2011 a 9 de junho de 2012; e 34,4%, de 10 de junho de 2012 a 9 de junho de 2013). Os agravos mentais e comportamentais responderam, respectivamente, por 25,6%; 32,6% e 31,1% nos mesmos períodos.

Em Mato Grosso, o pro-fessor Ricardo Costa fez uma pesquisa com 200 professores e concluiu que 55,1% deles apresentavam cansaço mental; 52,2%, tinham sintomas de estresse; 42,9%, sofriam de ansiedade, e 42,9%, admi-tiram ter esquecimentos. A frustração acometeu 37,8% dos docentes; 31,1% tinham sintomas de nervosismo; 29,3% sentiam angústia; 29,1% sofriam com insônia; e 16,8% queixaram-se de de-pressão. A pesquisa foi feita em setembro de 2013.

Movéis estragados fazem parte de situações que precarizam o trabalho

Porta velha denuncia o desleixo com a infraestrutura nas universidades públicas

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Não é difícil encontrarmos casos de adoecimento de docentes por transtornos mentais e comportamentais. As professoras de Enfermagem Maíra Toffer, da Universidade de Pelotas (UFPel), e Sirliane de Souza Paiva, da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), são exemplos disso. Apesar da dificuldade de relacionar a doença ao trabalho, já que a considera multifatorial, Maira também atribui a crise de depressão que a acometeu em 2006 à intensificação e à precarização do trabalho. Prova disso é que viu casos semelhantes ao seu entre alguns outros docentes da Faculdade de Enfermagem.

“Percebo muitos colegas estressados, pois são muitas horas de aula. E pelo método construtivista, são muitos trabalhos a serem avaliados e uma relação docente-discente muito alta. No meu caso, atuo na graduação, mestrado e doutorado. O que me chama a atenção é que sempre temos alguns professores fazendo uso de antidepressivos para suportar a carga de trabalho. Outro problema são as cargas de trabalho acrescidas pelos meios virtuais. Estamos constantemente em contato com os estudantes, resolvendo problemas. Isso é um acréscimo não computado como carga a mais de trabalho”.

Por causa da intensificação e da precarização do trabalho, Sirliane Paiva adquiriu uma disfunção têmporo-mandibular (conhecida como bruxismo), reflexo do estresse. Durante o sono ou quando está

trabalhando no computador, ela cerra os dentes com tal força que causou danos à musculatura facial e fratura nas raízes dos dentes. Já perdeu seis dentes por causa disso. Como não tem plano de saúde, boa parte do salário dela é revertida no tratamento dessa disfunção. Sirliane tem de fazer fonoaudiologia e frequenta três especialistas de odontologia. Alérgica, a professora de Enfermagem não pode tomar analgésicos. Por isso, sofre com uma dor que classifica de “nível dez”.

“É uma dificuldade muito grande porque você tem uma sensação de que não está ensinando tudo o que deveria e podia ensinar. É uma sensação de impotência e isso gera um estresse grande porque leva a pensar melhor as condições, aí você requisita professor e não há professor. É complicado. E no final há um prejuízo para o estudante e para o professor”, desabafa a docente. Ela afirma que a UFMA tinha sete mil estudantes. Nos últimos seis anos, por causa do Reuni, passou a ter 21 mil. E o quantitativo de docentes, que já estava defasado antes do programa de expansão, não foi reposto.

ExplicaçõesEspecialistas tentam explicar o

que vem acontecendo com a saúde dos docentes à luz da psicologia e da sociologia do trabalho. “Esse tipo de relação que está se estabelecendo, essa precarização, sem dúvida, tem ampliado os problemas de saúde mental dos professores. O nível de

depressão e obsessão aumenta. São sofrimentos psicológicos que vêm desse tipo de trabalho que o professor universitário realiza, sobrecarregado e precarizado. O que o sofrimento mental do professor fala para você? Ele diz assim: ‘Eu quero trabalhar direito e não posso. Eu quero educar e não consigo!’”, analisa o professor Wanderley Codo, pesquisador da UnB e coordenador do Laboratório de Psicologia do Trabalho.

O professor Sadi Dal Rosso, especialista em Sociologia do Trabalho, diz que a intensificação do trabalho docente é antiga, mas ele acredita que foi agravada pelo Reuni. “Isso se reflete, por exemplo, em maior número de turmas por professor, maior número de orientandos por professor. Você tem de corrigir mais trabalhos. Essas coisas representam um acréscimo de labor. Mas são problemas que já ocorriam anteriormente, estabelecidos pela pressão quanto à produção. Muito fundamentalmente pela avaliação da Capes, CNPq, que são, basicamente, os organismos avaliadores”, justifica.

Maíra teve crise de depressãocom o excesso de trabalho

O trabalho à base de antidepressivos

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No fim de setembro deste ano, na Mesa Combate à preca-rização das condições de trabalho que gera insalubridade e periculo-sidade, durante o V Encontro Nacional do ANDES-SN sobre Saúde do Trabalhador, na reitoria da Universidade Federal do Ceará (UFC), o vice-presidente da entidade, Luiz Henrique Schuch, des-tacou a necessidade de se ter clareza e disposição de luta para, prioritariamente, “exi-

gir condições adequadas de trabalho e todos os mecanis-mos preventivos ao perigo e às condições insalubres”. Em segundo lugar, “exigir que não haja retrocesso em rela-ção aos direitos dos traba-lhadores e que as obrigações patronais sejam integralmen-te cumpridas”.

Ele lembrou que a pre-carização das condições de trabalho nas IFES tem sido demonstrada nos eventos

anteriores e foi muito deba-tida, ocupando centralidade na pauta durante a greve nacional dos docentes em 2012. E demonstrou preo-cupação com as iniciativas do Estado no sentido de transferir para o trabalhador a responsabilidade pelos riscos a que está sujeito e de economizar dinheiro com as indenizações, “já que as providências para evitar os riscos não são adotadas”.

ANDES-SN cobra condições adequadas de trabalho

Professores da Universidade Federal do Ceará participaram do encontro nacional sobre saúde

Uma das Mesas do V Encontro Nacional do ANDES-SN sobre Saúde do Trabalhador na UFC

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Fátima Xavier

“Um figurino ina-dequado”. Assim o procurador

do Tribunal de Contas da União (TCU) Júlio Marcelo de Oliveira considera a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), vincula-da ao Ministério da Educação. Uma empresa pública criada pela Lei nº 12.550/2011, nos moldes estabelecidos pelos governos militares por meio dos Decretos-Lei nº 200/1967 e nº 900/1969, inicialmen-te voltada para 47 Hospitais Universitários (HU), perten-

centes a 33 universidades fe-derais públicas. A Ebserh tem patrimônio próprio – os hospi-tais que vai assumir –, capital exclusivo da União (todos os recursos destinados por lei aos próprios hospitais), mas de di-reito privado, que se rege pelas normas comerciais.

Os empregados da Ebserh serão em sua maioria celetis-tas e requisitados da própria universidade e do MEC e os cargos de chefia e gerência, incluindo os de superinten-dentes e gerentes dos hospi-tais que aderirem, segundo critérios estabelecidos pela nova empresa, serão de livre

Armadilha federal para a saúde pública

Ao criar a Ebserh, governo deu primeiro passo para aprivatização dos hospitais universitários. Com perfil autoritário,empresa colabora para reduzir autonomia das IFE, provoca retrocesso e pode levar à destruição do Sistema Único de Saúde

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nomeação. “A estatal tem per-fil autoritário, é um retrocesso e põe em risco a autonomia universitária”, afirma o pro-curador. “É a privatização da saúde pública”, reagem os docentes, estudantes, profis-sionais concursados do MEC e remanescentes do antigo Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social), que ainda trabalham nos HU.

Ainda que tenha, desde a sua criação, todos os recursos orçamentários destinados a to-dos os hospitais universitários e por ser a gestora do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (Rehuf), a Ebserh pre-cisa formalizar dois contratos. Um, com as universidades, que chama inicialmente de “contra-to de parceria”, para assumir cada unidade hospitalar, e outro com o Sistema Único de Saúde (SUS), do Ministério da Saúde. E aí está armado o alçapão.

CAOSÉ de conhecimento públi-

co que o governo federal vem reduzindo seus investimentos no setor desde o fim da década de 1990, levando a maioria dos hospitais ao caos. Agora, o governo impõe como solu-ção para todos os problemas, a submissão das universidades federais à nova empresa. Para completar o quadro, restam os empregados terceirizados, na verdade, precarizados, por cau-sa da recusa do governo em au-torizar a realização de concur-so público nos últimos anos, como prevê a Constituição brasileira. Em 2011, o TCU estabeleceu um prazo para a substituição desses emprega-dos por concursados e contra-tados pelo Regime Jurídico Único (RJU), mas o governo não autorizou a realização de concursos nesses moldes.

Bem ou mal, são os pre-carizados que asseguram o funcionamento desses hos-

pitais até hoje e a demissão sumária poderia promover “uma tragédia social”, com a descontinuidade do serviço de saúde prestados à população. Por isso, a luta do ANDES-SN é pela realização de con-curso público e progressiva substituição dos precarizados, até que todas as necessidades sejam atendidas por trabalha-dores regidos pelo RJU.

Com a Ebserh, porém, o regime de contratação será mantido como o dos atuais terceirizados pela CLT e a empresa já publicou editais de concursos públicos para preencher as vagas, que jul-ga necessárias, nas unidades da Federação onde assinou contrato com a universidade. Nessas localidades, estabele-ceu sua filial, cuja chefia, na prática, substitui a diretoria do hospital e é regiamente remunerada. E os demais HU, como ficam? Muitos restringi-ram ou suspenderam total ou

Categoria protesta contra qualidade do atendimento nos hospitais universitários de todo o Brasil

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Na UnB, houve intensa mobilização e protestos contra à entrega do hospital universitário à Ebserh

parcialmente o atendimento ao público, como uma forma de pressão a favor da Ebserh.

“As universidades que, na defesa e no exercício pleno de sua autonomia universitária e da indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão, decidirem não sucumbir e não se submeter à proposta da Ebserh, estarão inconstitucio-nal e imoralmente desprovidas de uma autorização necessária e inadiável do Ministério do Planejamento, como têm esta-do até hoje, para a solução do grave problema dos terceiriza-dos em seus HU”, declarou o procurador do TCU ao tentar prorrogar o prazo previsto em Acórdão 2.081/2011 para a demissão dos terceirizados. O acórdão que teria sido bran-dido como prazo fatal a ser observado pelas universidades federais para adesão à Ebserh, sob pena até de prisão dos rei-tores. Na verdade, o TCU de-

termina a contratação de con-cursados sim, mas pelo RJU, o que, como empresa estatal de direito privado que é, a Ebserh não vai e nem pode fazer.

Contrato padrãoMesmo propiciando “um

cenário de pressões ilegítimas e de coações morais inaceitá-veis”, como avaliou o procura-dor Júlio Marcelo de Oliveira, a Ebserh já conseguiu a adesão das Universidades Federais do Piauí (UFPI), Maranhão (UFMA), Brasília (UnB), Triângulo Mineiro (UFTM) e Rio Grande do Norte (UFRN). O Conselho Universitário (Consuni) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) aprovou a cessão do Hospital Getúlio Vargas e todo o seu patrimô-nio à Ebserh, mas a UFAM espera ajustes no contrato para aumentar a participação da universidade na adminis-

tração. Pouco provável, pois o contrato é padrão.

No dia 13 de setembro, surge a primeira derrota para a Eberh, uma liminar suspen-deu o contrato de adesão da UFMA porque o Conselho Universitário não foi ouvi-do. A liminar foi cassada no Tribunal Regional Federal 1ª Região, em Brasília. Não há previsão para o julgamento do mérito. No dia 23, no Piauí, o Ministério da Saúde, por meio do Departamento Nacional de Auditoria do SUS (Denasus) começou a fazer uma auditoria para saber por que o atendimen-to prestado à população pelo HUPI, da Ebserh no Piauí, só representa pouco mais de 1% dos recursos financeiros rece-bidos do SUS. O SUS repassa R$ 2 milhões por mês para o hospital. A UFPI foi a primeira a assinar contrato de compro-misso com a Ebserh no dia 14 de agosto de 2012.

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Com a responsabilidade de administrar apenas seis hos-pitais universitários até agora, a Ebserh já é alvo de auditoria do SUS pelo menos no Piauí. O objetivo é identificar as cau-sas do não funcionamento de diversos setores do hospital, o dano social que essa ociosida-de tem causado aos usuários e o prejuízo financeiro sofrido pelo SUS. A auditoria começou no dia 23 de setembro por so-licitação do Ministério Público Federal (MPF) e sob a respon-sabilidade do Departamento

Nacional de Auditoria do SUS (Denasus), do Ministério da Saúde, em Teresina. Os resultados irão subsidiar o Inquérito Civil público Nº 1.27.000.000905/2013.

De acordo com o chefe da Representação do Denasus, José Ademir Ramos de Sousa, a auditoria estará concluída em 60 dias. A assessoria de imprensa da Ebserh, contu-do, informou que a empresa considera a auditoria como um instrumento norteador de outras ações que possam ser

identificadas como causadoras do atraso no cronograma pro-posto. E garantiu que as ações que competem ao hospital já se encontram planejadas e repac-tuadas com o gestor municipal, representante do Ministério da Saúde, UFPI e Ebserh.

Após as visitas técnicas de praxe que justificaram a audi-toria, o Denasus/PI descobriu que o SUS pagou à Ebserh R$ 10 milhões, entre abril e agosto de 2013, segundo ex-trato fornecido pelo Fundo Nacional de Saúde, enquanto

Vários setores do HU do Piauí não estão em funcionamento, o que levou o SUS a abrir auditoria a pedido do MPF

Hospital sofre auditoria do SUS no Piauí

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a produção do hospital, no primeiro semestre de 2013, corresponde apenas a 1,64% do valor pago pelo SUS: “Esse índice representa a entrega do dinheiro do SUS à Ebserh em troca de quase nada”. Afirmam que a Ebserh e a diretoria do hospital não estão honrando o contrato de prestação de ser-viços celebrado com o Gestor do SUS em Teresina, pois não implantaram os serviços que constam do Plano Operativo e que, de fato, diversos seto-res e equipamentos do HU estão ociosos ou funcionando parcialmente. Entre outros, a UTI cardíaca e coronariana e o equipamento de hemodinâmica estão ociosos e as enfermarias, serviços de imagem (tomogra-fia, ultrassonografia, Raio-X, eletrocardiograma, etc.) fun-cionam precariamente.

InterferênciaA necessidade da realização

de uma auditoria no hospital surgiu com a insistência de notícias na mídia sobre a situ-ação estrutural e operacional do HUPI, no último semestre deste ano. Por meio de audiên-cias com os diversos segmentos do setor, o MPF aprofundou sua avaliação sobre o que estava acontecendo ouvindo quei-xas que vão desde a falta de estrutura de trabalho para os médicos, bebedouros, falta de acomodação para repouso, de lençóis descartáveis, de banhei-

ros para médicos e funcioná-rios, banheiros para pacientes que estão quebrados, defici-ência na estrutura fornecida a eles para atender aos casos de alta complexidade até a falta de medicações, como anti-hiper-tensivos, e materiais básicos, como máscaras de oxigênio.

Médicos denunciaram que as determinações para in-ternação de doentes não são emitidas como consequência do ato médico, são impostas

pela direção do hospital que também não respeita a auto-nomia do profissional quando são solicitadas transferências: “Há interferência da Direção, impedindo-as, em detrimento da saúde do paciente”.

Algumas especialidades clínicas, como neurologia, reumatologia, hematologia, dermatologia, contam apenas com um profissional. Os pa-cientes ficam na dependência do plantão de cada especia-lista. E, finalmente, uma das maiores e frequentes queixas dos docentes nos hospitais da Ebserh: além de ensinar, atendendo aos pacientes acom-panhados dos estudantes, os médicos docentes têm de atender o mesmo número de doentes que os médicos que não lecionam.

Segundo documento da superintendência da Ebserh/PI apresentado ao MPF em julho de 2013, a empresa as-sumiu o HUPI em novembro de 2012, três meses depois de assinar um “contrato de com-promisso” com a UFPI (14 de agosto). Nessa data, a empre-sa abriu apenas o ambulatório para a realização de consul-tas, de exames de análises clínicas e de imagem – “con-forme contratualização com o gestor do SUS”. Somente em junho passado, foi reaberto o setor de internação para patologias clínicas de baixa e média complexidade.

José Ademir prevê que auditoriadeverá estar concluída em 60 dias

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O contrato de adesão à Ebserh, assinado pelo reitor da UFMA, Natalino Salgado, em 17 de janeiro de 2013, poderá ser anulado, pois os Conselhos Universitário (Consuni) e de Administração (Consad) não foram ouvidos.

No dia 13 de setem-bro, a pedido da Associação de Professores da UFMA (Apruma), seção sindical do ANDES-SN, o juiz da 5ª Vara da Justiça Federal, em São Luiz, José Carlos do Vale, chegou a conceder liminar – já cassada – suspendendo o con-trato e todos os atos futuros ou praticados nesse sentido.

O juiz entendeu que a UFMA não poderia celebrar o contrato sem a deliberação dos conselhos por ferir a au-tonomia da universidade, os princípios da gestão democrá-tica e a participação da comu-nidade, conforme previsto no Estatuto da instituição. Ele considerou que a manutenção do contrato pode macular o princípio de moralidade administrativa, com drástica repercussão na situação eco-nômico-financeira da UFMA.

Pouco mais de duas sema-nas após ser deferida e por iniciativa da própria univer-sidade, a liminar foi derru-bada pelo Tribunal Regional Federal da Primeira Região,

em Brasília (Processo Nº 0059137-88.2013.4.01.0000). A UFMA acionou a Advocacia Geral da União (AGU) para formalizar o agravo de instru-mento. A preocupação maior era com a realização do con-curso público marcado para o dia 20 de outubro e previsto para preencher 1.877 vagas.

Cerca de 120 mil pessoas se inscreveram. Em defesa da UFMA, os procuradores fe-derais argumentaram que “a universidade tem competência para definir as diretrizes or-çamentárias, distribuição de recursos e o estabelecimento de normas gerais para a celebração de contratos” e que essa respon-sabilidade não se confunde com a autorização para celebrá-los “porque o Consad é uma ins-tância deliberativa e não execu-tiva”. O Consuni nem sequer foi mencionado na nota da AGU.

A concessão da liminar foi uma vitória política, diz a se-cretária geral da seção sindical, professora Marizélia Rodrigues. Ela acha que foi uma sinali-zação para o julgamento do mérito, pois o juiz reconheceu a ilegalidade do contrato.

Marizélia acredita também que o concurso não deveria se realizar até o julgamento do mérito porque pode trazer problemas ainda mais sérios se o contrato for considerado nulo de forma definitiva. A AGU, por meio das unidades da Procuradoria-Geral Federal, é quem presta assessoria jurídica e representa as autarquias e fun-dações públicas federais, in-cluindo aí a UFMA. A Ebserh possui representação jurídica própria. O presidente da empre-sa, José Rubens Rebelatto, não deu entrevista “por incompati-bilidade de agenda”.

Liminar suspende contrato no Maranhão

Rebelatto não deu entrevista: “incompatibilidade de agenda”

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ulga

ção

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A criação da Ebserh está no bojo de um processo de preca-rização do trabalho no serviço público que se iniciou no go-verno FHC, na forma de con-tratos com empresas privadas, autônomos e cooperativados, principalmente no SUS. Na sequência, o ex-presidente Lula toma posse com um discurso de que iria desprecarizar o tra-balho no SUS. O Ministério da Saúde já no início do pri-meiro governo petista, chega a criar um “comitê de despreca-rização”, mas, nas declarações do governo desde a primeira Conferência Nacional de Saúde que ocorreu depois da pos-se de Lula, ficou claro que o discurso de "desprecarização" não era contratar servidores públicos pelo Regime Jurídico Único (RJU), mas substi-tuir as contratações precárias por contratações pelo regime CLT. "A desprecarização para o governo é precarizar o RJU e privatizar também", avalia Claudia March, professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense (UFF) e secretá-ria geral da Aduff-S.Sindical. "E ao privatizar os hospitais universitários, o governo vai avançar na destruição do SUS, já em curso com as privatiza-ções pelas organizações sociais e fundações estatais de direito privado”, completa.

Presidente do Conselho Nacional de Saúde no período de 2006 a 2011 e ex-presi-dente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no Rio Grande do Norte, Francisco Batista Júnior lembra que a forma mais cruel de privati-zação é aquela que ocorre por meio da ocupação da estrutura pública e de suas institui-ções, exatamente na qual se enquadra a Ebserh. "Grupos políticos utilizam o patri-mônio e os recursos públicos para fins privados, seja por meio de processos estritamen-te econômicos, seja por meio de processos políticos, com o objetivo de se locupletar e se fortalecer política e eleitoral-mente", acredita. O benefício econômico pode acontecer me-diante compras direcionadas, viciadas e voltadas para grupos que se organizam previamente num grande acordo de interes-

ses e o político, por meio das nomeações clientelistas e con-tratações "fisiologistas".

"É um instrumento privile-giadíssimo para ocupação polí-tico-partidária, "cabides de em-prego" que, em certa medida, acaba se revelando muito mais cruel ao erário e ao patrimônio público do que a privatização clássica", considera. Francisco também acusa a Ebserh de fazer uma intervenção direta na autonomia universitária, particularmente no que diz respeito à formação profissio-nal que se dará de acordo com os interesses e a ideologia dos "dirigentes" da "empresa". Para professora Cláudia March, a existência por si só de uma instituição de direito privado externa à universidade e cen-tralizada pelo Ministério da Educação, que possibilitará o estabelecimento de convênios, contratos e outras relações

Claudia March alerta: ao privatizar os HUs, governo destruirá o SUS

Precarizar para privatizar

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mercantis com entidades pri-vadas para execução de sua competência, ou seja, “apoio” às finalidades universitárias – ensino pesquisa e extensão – já impede que a autonomia uni-versitária seja exercida.

Assistência X DocênciaMédico urologista, profes-

sor e diretor do ANDES-SN, Antônio Gonçalves Filho já está sentindo na prática a chegada da Ebserh no hos-pital universitário (HU) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). "A relação profissional é uma relação de assédio moral. Ou você se submete às regras ou você está fora. O médico vai ter que se submeter às metas construídas não a partir de um pacto de discussão aca-dêmica, mas dentro de um gabinete", acusa. "Se eu dou minha aula prática dentro do hospital, não tem como desvincular a assistência da docência. Quando era direção da universidade, nós pactuá-vamos. Quem fazia docência atendia oito, quem não fazia, atendia 16 pacientes. Não existe mais isso. Querem criar uma situação que nos obrigue a sair. Não fomos chamados em nenhum momento para discutir o assunto".

A criação da Ebserh seria para acabar com os HUs, já que passariam a ser adminis-trados por uma empresa esta-

tal e desvinculados da univer-sidade. "A lógica da empresa é melhorar a gestão, fazer mais com menos, isso compromete o meu processo de ensino--aprendizagem porque eu vou ter menos condições de executar os procedimentos necessários para a formação de um médico", desabafa. Essa formação, em sua opinião, requer mais do que um hospi-tal meramente de assistência. "Preciso pensar em novos recursos pedagógicos, rever minha prática docente, contri-buir mais com a melhoria do projeto pedagógico do curso, da forma que trabalhamos com a Ebserh no hospital, eu não tenho mais tranquilidade para fazer isso".

Outra mudança significa-tiva aconteceu na compra de material médico-hospitalar. "Há 15 dias não tinha seringa para retirar a sonda de um paciente e esse tipo de coisa não acontecia antes", diz o professor. O material acabou e o almoxarifado não teria comprado porque a forma que as compras eram feitas na estrutura antiga era muito burocrática, a Ebserh vai ace-lerar e comprar mais barato, centralizando pelo menos as compras grandes em Brasília. As compras de todos os HUs serão feitas em bloco. "Pode até parecer interessante, mas quando pensamos sob o ponto de vista de corrupção, o poder dessa comissão de licitação, vai ser problemático, são com-pras milionárias. Não é assim no SUS", avalia Gonçalves.

O professor cita também outro exemplo que o surpre-endeu: uma possível compra de "fibras de laser" no lugar de "alças de ressecção" para cirurgia de próstata, sem que nenhum urologista tenha sido consultado sobre a mudança.Além de encarecer muito os custos da cirurgia, as tais fibras são usadas em outratécnica que, segundo Gonçalves, ainda não é adotada. A superintendente da Ebserh no Maranhão, Joyce Lajes, iniciou uma entrevista que logo foi interrompida, não atendeu mais o telefone e não retornou a ligação.

Junior diz que a forma mais cruelde privatização é a que ocorre pelaocupação da estrutura pública

Revista Andes Especial Novembro de 201372

Leia o depoimento do professor Antônio Gonçalves Filho:

"Temos uma fila de 40 pacientes para operar de próstata e usamos uma técnica consagrada, com bisturi elétrico. Cada alça de ressecção custa em torno de R$ 200,00. Para operar 40 pacientes, com R$ 8 mil eu consigo comprar as alças necessárias para operar todos pacientesque ficam internados por 48 horas. Eu

tive conhecimento que a Ebserh nacional tomou a iniciativa de não comprar alças de ressecção, mas comprar fibras de laser para baratear os custos com a internação. Com laser, os pacientes teriam alta com 24 horas. Só que cada fibra de laser custa R$ 5 mil, para operar 40 pacientes, em vez de R$ 8 mil, eu vou gastar

R$ 200 mil. Nem preciso fazer pesquisa para saber se compensa. Uma diária num hospital particular de São Luiz custa R$ 300,00.E é um outro método, que ainda está em fase de estudo. A compra vai ser local e não foi uma demanda da Urologia. O próprio chefe da Urologia se espantou quando soube que iam comprar essas fibras. E não vão comprar só as 40, mas oitenta fibras, ou seja, 400 mil reais sem licitação porque só tem um fornecedor no Maranhão. E tem mais, o corpo clínico hoje não tem treinamento nessa técnica. Se fosse uma pesquisa científica era outro contexto, mas não existe nada nesse sentido. É esta a gestão que nós queremos? Ou queremos democratizar as decisões? Enquanto isso, eu tenho uma fila de 150 pacientes com pedras nos rins para operar de cálculo renal e só temos um nefroscópio. Com esse dinheiro -- 400 mil reais -- daria para eu operar todos os pacientes de próstata e ainda triplicar os materiais necessários para operar os rins. Eu fico muito revoltado. É esse o distanciamento da gestão de gabinete para a de quem está na ponta".

Docentes alertam para aprivatização dos HUs. Elespreveem que iniciativa vaiacabar com a saúde pública

Revista Andes Especial Novembro de 201373

Uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) com pedido de medida cautelar contra a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), vinculada ao MEC, aguarda há nove meses parecer do re-lator, ministro Dias Toffoli, no Supremo Tribunal Federal (STF). A ADI, que leva o número 4.895, é do então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, foi proposta há um ano e pede a declaração de inconstitucionalidade da Lei 12.550/2011, que autoriza a criação da empresa. Indeferida, a análise da medida cautelar foi prejudicada porque Tofolli, entendendo a ação como maté-ria relevante, resolveu adotar o "rito abreviado", a fim de que a decisão que vier a ser tomada seja em caráter definitivo. Três ministros do tribunal também não entenderam o caso como uma situação de urgência.

Na ação, Gurgel requer a declaração da inconstitucio-nalidade dos artigos 1º ao 17 da lei, que tratam das atribui-ções, gestão e administração de recursos da empresa ou, sucessivamente, dos artigos 10, 11 e 12, que tratam da forma de contratação de ser-vidores da empresa por meio da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de processo seletivo simplificado e de con-tratos temporários. Pelo me-

nos cinco pedidos de ingresso como amicus curiae (amigo da Corte), intervenção assisten-cial em processo de controle de constitucionalidade por parte de instituições que te-nham representatividade para

se manifestar nos autos. São oito entidades nacionais que, se acatadas, não poderão atuar como partes do processo mas como interessados na causa. Querem ser amicicuriae da ADI contra a Ebserh:

ADI aguarda decisão do STF

ADI Nº 4895

AMICUS CURIAE AUTORES

Pedido de Ingresso Nº 9095 05/03/2013

• Associação Nacional do

Ministério Público de Defesa da

Saúde (Ampasa)

Associação Nacional do Ministério

Público de Contas (Ampcon)

• Associação Nacional dos

Auditores de Controle Externo dos

Tribunais de Contas do Brasil (ANTC)

Pedido de Ingresso Nº10697 11/03/2013

• Federação de Sindicatos de

Trabalhadores das Universidades

Brasileiras (Fasubra)

• Federação Nacional dos

Sindicatos de Trabalhadores em

Saúde, Trabalho e Previdência

Social (Fenasps)

• Sindicato Nacional dos Docentes

das Instituições de Ensino Superior

(ANDES-SN)•

Pedido de Ingresso Nº 18452 22/04/2013

• Federação Nacional dos Médicos

(Fenan)

Pedido de Ingresso Nº 23508 07/05/2013

• Conselho Federal de Medicina

(CFM)

Pedido de Ingresso Nº 41349 25/08/2013

• Confederação Nacional dos

Trabalhadores na Saúde (CNTS)

Revista Andes Especial Novembro de 201374

Um plebiscito pode deci-dir o destino do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), do Ministério da Educação, que o governo pre-tende que assuma todos os hospitais universitários do País, pode também acabar com o complexo hospitalar formado por sete instituições de saúde. De acordo com o presidente da Associação dos

Docentes da UFRJ (Adufrj), Mauro Iasi, a Ebserh só se interessa por três, os maiores e, principalmente, de média e alta complexidade. A mobili-zação de todos os segmentos da universidade vem surpreen-dendo a cada dia e levou o de-bate a um impasse cujo desfe-cho é difícil de prever. Caberá ao reitor, professor Carlos Antônio Levi da Conceição, acatar ou não a proposta.

Depois de um longo processo de discussões que

culminou com relatórios das comissões permanentes do Consuni apontando uma sé-rie de irregularidades no con-trato da Ebserh e a necessida-de de se buscar uma proposta alternativa do movimento docente, a UFRJ mostrou sua força contra a empresa na reunião do Consuni no dia 26 de setembro. Mais de mil pessoas, entre estudantes, docentes, servidores, asso-ciações e sindicatos marca-ram presença. Participando da reunião do Consuni, a presidente do ANDES-SN, Marinalva Oliveira, acusou a Ebserh de ser um retrato claro de intervenção direta do capital sobre os serviços e alertou que não é possível permitir que a autonomia da universidade seja afrontada dessa forma. "Não aceitamos que nos tirem o desenvolvi-mento do conhecimento com qualidade", disse a presidente.

"O que vemos com a pos-sibilidade da entrada da em-presa é a perda da autonomia universitária e a não prioriza-ção do HU como um hospital--escola", disse a diretora do Centro Acadêmico Carlos Chagas, da Medicina, Diana Portela. Por ser uma empresa pública de direito privado, a estudante acredita que a fina-lidade econômica é superior ao ensino, à pesquisa e à ex-

Universidades se mobilizam contra a Ebserh

Iasi informa que Ebserhsó se interessa portrês dos sete institutosdo complexo hospitalar

Revista Andes Especial Novembro de 201375

tensão. Ela questiona também a substituição do modelo de concurso público pelo regime privado de CLT, a possibilida-de de formação de duas “por-tas de entrada”, uma pelo SUS e outra por planos de saúde (Artigo 32 da Lei 9.656/98). "Vimos nos últimos tempos um Hospital sendo sucateado propositalmente para que as pessoas se desesperem e acre-ditem no discurso de que se a Ebserh não entrar o hospital vai fechar", relatou.

O reitor tentou na pe-núltima reunião do conselho universitário impor uma vo-tação que é contra o estatuto da UFRJ, o diretor do hos-pital nem sequer recebe os estudantes, o coordenador de uma importante disciplina em quatro períodos do curso de Medicina, passou de sala em sala no início do semestre, dizendo que o hospital iria fe-char. Os estudantes começaram então a pesquisar os hospitais em que a Ebserh já assumiu o controle, como UFPI, UnB e UFMA. "No Piauí, a empresa recebeu o dinheiro e não inves-tiu no hospital, no Maranhão a entrada foi feita de forma ilegal e revogada pela Justiça, em Brasília, os estudantes, pro-fessores e técnicos perderam participação que, no processo de assinatura do contrato, ti-nha sido dada como certa. A situação, então, é uma empresa sendo imposta, sem debate,

sem conversa, sem certeza de melhora, desrespeitando os estudantes, os profissionais e o estatuto da universidade.

Por meio de sua assessoria de Imprensa, a Ebserh nega a preferência por apenas três hospitais, quer todos. É só uma questão de tempo: "Entre setembro de 2012 e setem-bro de 2013 foram realizadas atividades voltadas para a caracterização do perfil hos-pitalar, dimensionamento de serviços assistenciais e de pes-soal do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho e da Maternidade Escola. Os resul-tados serão encaminhados à universidade, que os discutirá no âmbito de suas instâncias colegiadas, cabendo decidir pela contratação ou não da empresa, uma vez que a decisão pela contratação é da autono-mia de cada universidade fede-ral. Concluída esta etapa e, se concretizada a parceria entre Ebserh e UFRJ, as próximas unidades hospitalares também serão diagnosticadas". Uma das maiores queixas em todo o território nacional é o fato da empresa fazer "diagnósticos" dos HUs antes da adesão à Ebserh, sem ouvir os segmen-tos envolvidos com o trabalho no hospital e não comparti-lhar o resultado.

Paralelamente a uma reu-nião no Conselho Universitário da UFRJ, realizada em se-tembro de 2013, estudantes

e professores reuniram-se no Teatro de Arena do Centro de Ciências da Saúde para avaliar as implicações de uma eventu-al contratação com a Ebserh. Naquele encontro, a estudante de medicina da Universidade de Brasília (UnB), Camila Damasceno, disse que os problemas do Hospital Universitário de Brasília (HUB) não foram resolvidos. Ao contrário, agravaram-se. “Setores considerados ‘menos produtivos’, isto é, com menor potencial para gerar lucro, estão sendo desmontados. As residências de otorrino, pe-diatria e radiologia passaram a ser realizadas em unidades fora da universidade. E essas áreas tinham grande demanda social. A cardiologia, por sua vez, com tratamentos caros, obteve 16 concursos”.

PelotasO grande argumento da

Ebserh para assumir o hospital da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) é a realização de um velho sonho dos docen-tes, estudantes e demais pro-fissionais da área de saúde: a construção de um hospital pró-prio. "Estamos vivendo uma situação importante porque o antigo reitor, Cesar Borges, havia proposto a construção de um hospital regional, com 30 leitos no terreno da própria universidade, conta a professo-ra Celeste dos Santos Pereira,

Revista Andes Especial Novembro de 201376

presidente da Associação dos Docentes da Universidade de Pelotas (Adufpel). O atual reitor, Mauro Del Pino, argu-menta que sem a Ebserh não tem hospital e acaba jogando a população contra os docentes porque, como hospital regio-nal, o atendimento pelo SUS cobriria Pelotas e toda a região.

Ao tomar posse, o reitor comprometeu-se em conversar com a comunidade acadêmica. "Em março ele disse que estava preparando o debate e todas as

vezes que o procuramos a res-posta é sempre esta" diz a pro-fessora. Del Pino não diz que é a favor da Ebserh mas, segundo Celeste, já permitiu todo o processo de diagnóstico do hospital. "A promessa é de que o hospital será 100% público não é verdade, pois a Ebserh é uma parceria público-privada, o estatuto diz que a empresa está aberta à contratação de serviços, aplicações financei-ras, o ressarcimento do SUS vai para a empresa, e não para

o fundo monetário de saúde, como sempre aconteceu", argu-menta Celeste. "Nós entrega-mos um patrimônio sem pers-pectiva de retorno, entregamos os servidores para ficar a mercê da dessa administração".

ParáO reitor da Universidade

Federal do Pará (UFPA), Carlos Maneschy, ainda não colocou em pauta a adesão da UFPA á Ebserh no Conselho Universitário. Segundo o pro-fessor e jornalista José Carneiro, da Secretaria Regional Norte 2 do ANDES-SN, as mobili-zações se multiplicam por ini-ciativa da Regional, da Adufpa, Fasubra e Sinditifes. "O reitor está apenas protelando, dan-do tempo ao tempo, de modo que, nos últimos segundos do tempo previsto, ele tomará as providências de praxe, tanto as subliminares quanto as formais, para que a Ebserh chegue triun-falmente na UFPA", ironiza o professor. O atual diretor do Hospital Universitário da UFPA, Antônio Carlos Franco da Rocha, recentemente empos-sado no cargo, não tem posição pessoal firmada sobre a estatal, mas, em entrevista concedida ao jornal da Adufpa, disse que a adesão da universidade é uma questão de tempo, pois alguns serviços (compras de materiais etc.) já são feitos por intermé-dio da Ebserh, como acontece em todo o País.

Camila disse que, depois da Ebserh, os problemas do HUBse agravaram

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Expansão sem qualidade deixa dois Cefets à beira do caos

Crescimento dos Centros Federais de EducaçãoTecnológica do Rio de Janeiro e de Minas Geraisveio acompanhado de uma asfixia institucionalcom falta de democracia interna e autonomia

Washington Sidney

Atores fundamentais na formação em todos os graus de ensino, os

Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefet) do Rio de Janeiro e de Minas Gerais enfrentam intensa pressão do governo federal desde que se recusaram a aderir à proposta do Ministério da Educação (MEC) de transformá-los em Institutos Federais (Ifets). Os dois Cefets lutam para serem reconhecidos como universida-des, a exemplo do que ocorreu, em 2005, com o antigo Cefet do Paraná, hoje Universidade

Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Diretores, profes-sores e estudantes recusam-se a aceitar que os dois centros venham a perder as caracte-rísticas de ensino superior e a autonomia que conquistaram, se vierem a seguir o modelo idealizado pelo MEC.

“Dado o amadurecimento e o tamanho alcançado pelas duas instituições, existe uma percepção interna de que a transformação em institutos federais, como proposto pelo MEC, não atende às nossas demandas institucionais, so-bretudo nos aspectos relacio-nados à democracia interna e à

Revista Andes Especial Novembro de 201379

autonomia administrativa. Os institutos nasceram com estru-tura extremamente vinculada a decisões advindas dos ministé-rios, os estatutos já vêm pron-tos e não há debate interno nas instituições sobre o assunto. Além disso, a lei que cria os Ifets prevê a existência de um único órgão colegiado eleito pela comunidade. Isso é um retrocesso enorme”, condena o professor Antonio Arapiraca, presidente do Sindicato dos Docentes do Cefet de Minas Gerais (Sindcefet-MG).

Arapiraca também rejeita o modelo de Universidade

Tecnológica (UT) apresentado pelos gestores do Cefet-MG. “É um modelo ruim, muito centrado na lógica produtivista, portanto, apesar de apoiarmos a transformação da instituição em universidade, acreditamos que o modelo deve ser outro, centrado numa articulação con-creta entre os três níveis de en-sino pretendidos na instituição, de modo que o estudante do curso técnico possa ter desde cedo contato com a pesquisa, o que sem dúvida produzirá tra-balhadores mais qualificados. Não apoiamos qualquer mo-delo baseado em apurar o olho e adestrar a mão, que produza mão de obra barata para aten-der aos interesses industriais num cenário globalizado de ultraespecialização, em que o trabalhador especialista numa única atividade fica fora do mercado se aquela linha de produção fecha. Acreditamos na formação de um trabalhador com autonomia para atuar na sua área”, destaca.

O diretor-geral do Cefet do Rio de Janeiro, Carlos Henrique Figueiredo Alves, acha que a transformação em Ifet deforma-ria institucionalmente o centro. Por força de lei, os institutos têm de reservar 50% das vagas a cursos de nível médio e 20% a cursos de licenciatura. Para adequar-se a esses requisitos, o Cefet/RJ, que possui 14 cursos de bacharelado e apenas dois em licenciatura, precisaria diminuir

a oferta de vagas de graduação em engenharia e aumentar as de licenciatura. “Queremos que o MEC olhe para gente de outra maneira, porque não temos a proposta de instituto. Estamos colocando a seriedade da oferta dos cursos de engenharia na instituição, e acabar com esses cursos no Cefet é uma falta de compromisso com a sociedade”, desabafa o diretor.

ImpasseA rigor, a transformação

dos Cefets em institutos é uma tentativa de reduzir estas instituições a um perfil apenas instrumental, o que sacrifica-rá o caráter acadêmico deles, caso essa iniciativa venha a ser concretizada. O objetivo do governo é priorizar a forma-ção de profissionais técnicos de nível médio e a adaptação às cadeias produtivas do País. Desde 2008, a transformação já ocorreu em quase todos os Cefets. Só os do Rio de Janeiro e Minas Gerais não aderiram à proposta do MEC.

Por força desse impasse, que já dura alguns anos, os dois Cefets sofrem verdadeira asfixia política – de vagas para a contratação de pessoal – e, durante alguns períodos, tam-bém financeira por parte do governo. A má vontade é clara. “Não vou chamar de retalia-ção, mas, como consequência da não adesão ao modelo de Instituto, o Cefet-MG sofreu

Márcio Basílio diz que o Cefetde MG sofreu estrangulamento

Revista Andes Especial Novembro de 201380

todos os estrangulamentos possíveis. Mais impactante até o momento é a falta de regras para oferecer vagas de professo-res. Desde a criação do Reuni e do Programa de Expansão da Rede de Educação Técnica, o Cefet-MG não recebe profes-sores para repor as aposenta-dorias e as vacâncias ocorridas nesse período. Ou seja, desde 2006 não temos concurso para repor perdas. E mais: nem mesmo as vagas de professores acordadas para a expansão fo-ram liberadas em sua totalida-de”, queixa-se o diretor-geral do Cefet-MG, Márcio Basílio.

Segundo ele, a consequência disso é que, hoje, o Cefet-MG conta com 630 professores efetivos e 306 temporários. Ou seja, quase metade dos do-

centes não é do quadro, o que implica numa sobrecarga dos efetivos, obrigados a assumir mais encargos administrati-vos e a dar conta dos projetos de pesquisa, de extensão e da orientação dos estudantes. “A demora na publicação do ban-co de professores equivalentes da Carreira de Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT) é enor-me, uma vez que foi acordado ainda em outubro de 2011, quando tomei posse. Soma-se a isso a decisão do Ministério do Planejamento de recolher as vagas de professor temporário agora no mês de outubro, con-siderando que toda a demanda por efetivos foi atendida pela promulgação do Projeto de Lei (PL) 2134/11. Se isso se

confirmar, estaremos entrando 2014 com um saldo negativo de mais de 100 professores”, contabiliza Basílio.

Por causa da falta de docen-tes e dos problemas estruturais resultantes da retaliação do go-verno federal, professores, fun-cionários e estudantes do Cefet do Rio de Janeiro fizeram, no início deste ano, um protesto contra o MEC. Na carta aberta em repúdio à transformação do centro em Ifet, os manifes-tantes dizem que o projeto do governo de fazer do centro um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia “forçará o fechamento de boa parte dos atuais cursos de gradua-ção, que já eram referência no cenário nacional, em favor de cursos de licenciatura”.

No Cefet MG, metade dos docentes não é do quadro, o que implica uma sobrecarga de trabalho para os efetivos

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Crescimento desordenadosacrificou os professores

A exemplo do que ocorreu com as Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), os Cefets do Rio de Janeiro e de Minas experimentaram, nos

últimos anos, um crescimento significativo na oferta de vagas a novos estudantes. O processo se deu de forma desordenada. O de Minas, por exemplo, con-ta hoje com dez campi em nove cidades do estado e oferece 74 cursos, 42 deles de ensino téc-nico, 18 de graduação e 14 de pós-graduação (seis de especia-lização lato sensu, sete de mestra-do acadêmico e um de doutora-do acadêmico). Conta com 990 professores (deste quantitativo

quase 40% são substitutos e temporários) e 530 técnicos administrativos para atender a 15.333 estudantes. O déficit é de 400 docentes.

O professor Antônio Arapiraca condena a exclusão dos Cetefs do chamado Banco de Professor Equivalente, ou seja, sistema pelo qual, quan-do um professor aposenta ou sai da instituição, a vaga é logo preenchida. Este meca-nismo tem problemas, pois funciona da seguinte maneira: cada instituição tem direito a um quantitativo de vagas e o professor DE (Dedicação Exclusiva) equivale a 1,5 do-cente; o professor 40h a um docente e o professor 20h a 0,5 docente, o que significa dizer que, para ter mais do-centes, muitas instituições têm de optar por contratar professores 40h.

“O ANDES-SN é contra este mecanismo, somos a favor da contratação de professor em dedicação exclusiva sem pressão contrária provocada por estas proporções, mas também temos a compre-ensão de que este é o único mecanismo que o governo disponibiliza para a reposição de quadros. Deixar-nos fora disso foi muito perverso, pois as pessoas foram aposentando e saindo da instituição e não repuseram estas vagas. Outra forma de retaliar é a prática de discutir ponto a ponto cada Washington da Costa elenca vários problemas decorrentes da expansão

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questão relacionada à insti-tuição, o que significa que os gestores têm de se deslocar com uma frequência muito grande a Brasília e na maior parte das vezes nada é resolvi-do. Esse tipo de tática é usado largamente pelo governo, até mesmo nas negociações com nosso sindicato”, acusa.

Washington da Costa, presidente da Associação dos Docentes do Cefet RJ, conta que, além da unida-de Maracanã, foram criadas outras seis nos últimos anos (Nova Iguaçu, Maria da Graça, Petrópolis, Nova Friburgo, Valença e Angra dos Reis). “Apesar de criadas em momen-tos diferentes, a implantação dessas unidades ocorreu de

forma similar: sem planeja-mento para médio e longo prazos, em condições precárias, umas por falta de professores, outras por falta de laborató-rios. Alguns laboratórios ainda não estão concluídos e há equi-pamentos adquiridos há anos que não foram instalados por falta de recursos para as obras de infraestrutura”, comenta o dirigente sindical. Segundo ele, os docentes estão levantando vários problemas, alguns de âmbito interno e outros rela-cionados a questões externas (governo federal).

Ele cita, entre os proble-mas do Cefet-RJ, a falta de construção e conclusão de laboratórios experimentais, a necessidade de contratação

de professores EBTT (mais de 190 para todo o sistema), carência de técnicos de labo-ratório e técnicos administra-tivos em educação, criação de restaurantes universitários, climatização das salas de aula, material de consumo para prá-ticas laboratoriais, adicional de insalubridade para docentes que trabalham em condições insalubres e criação de conse-lhos gestores deliberativos em todas as unidades, com repre-sentações dos três segmentos (docentes, técnicos adminis-trativos e discentes) eleitos por seus pares. As reivindi-cações foram aprovadas em assembleias pelos professores do Cefet/RJ e algumas estão sendo negociadas.

Expansão do Cefet do Rio de Janeiro, com criação de seis novos campi, causou déficit de 190 professores

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A transformação do Cefet do Paraná em universidade tec-nológica federal não resolveu os problemas, frustrando a comu-nidade acadêmica tanto no que se refere à estrutura como pela falta de democracia no meio acadêmico. O presidente da Seção Sindical dos Docentes da UTFPR (Sindutf-PR), Ivo Pereira de Queiroz, acusa a reitoria de operar longe dos parâmetros democráticos, sem ouvir a comunidade acadêmica. “Prova disso foi a apropriação arbitrária do campus de Curitiba pela reitoria, em setembro do

ano passado. Um ano após este golpe, a comunidade do maior campus da UTFPR permanece impedida de votar para eleger o diretor geral do campus”, comenta.

Ivo acredita que a forma centralizada de administração impede a democratização da gestão e da aplicação dos recur-sos. “Um exemplo diz respeito às verbas que a instituição re-cebe do governo: por causa das falhas no planejamento, para evitar a devolução de verbas não utilizadas, a administração sai às compras de última hora.

A Sindutf-PR pondera que, se houvesse uma administração qualificada pelo diálogo com a comunidade, os recursos pode-riam ser redirecionados, ao lon-go do ano, para o atendimento de demandas emergidas”.

A UTFPR contabiliza hoje, em seu quadro docente, 1.096 professores efetivos de magisté-rio superior, 1.051 da carreira EBTT e 1.029 funcionários técnico-administrativos. Mas a relação professor-estudante está se tornando inviável. Ivo conta que houve a conversão de centenas de códigos de vagas de

UTFPR: frustração, intervenção e falta de democracia

Cartazes no campus de Curitiba da UTFPR com a contagem dos dias de intervenção de um reitor interino

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docentes da carreira de Ensino Básico Técnico e Tecnológico para a de ensino superior, possibilitando a realização de concursos. No entanto, as no-vas aposentadorias da carreira EBTT não têm sido convertidas para o ensino superior, gerando um déficit de vagas.

“Consequentemente, há uma repercussão danosa sobre as condições de trabalho dos docentes remanescentes e a penalização dos discentes pela redução de turmas ofertadas em diversas disciplinas. Em Curitiba, cerca de 700 discen-tes ficaram impossibilitados de frequentar disciplinas na área da matemática, pois o departamento não tem pro-fissionais para atendê-los. A mesma coisa acontece com o Departamento de Física: faltam docentes. A carência de professores atinge pratica-

mente todos os campi. Existe uma importante demanda por técnicos administrativos e laboratoristas e as vagas não têm sido ofertadas por meio de concursos”, afirma.

A Sindutf-PR tem rece-bido queixas frequentes de docentes dos campi relatando carências derivadas da expan-são proporcionada pelo Reuni. Ivo diz que alguns dados são evidentes: “Cresceu o núme-ro de discentes por turmas. Mas as pessoas sentem falta de infraestrutura, caso dos laboratórios. Nos novos campi, docentes são destinados aos trabalhos administrativos, gerando lacunas no atendi-mento em salas de aulas”. O resultado disso, segundo ele, é o aumento de registros de licença-saúde de docentes.

A Universidade Tecnológica Federal do Paraná foi conta-

tada, mas, segundo o assessor de imprensa Paulo Strogenski, o reitor Carlos Eduardo Cantarelli estava viajando e não poderia dar entrevista. A reportagem também tentou contato com as secretarias de Educação Superior (Sesu) e de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação, mas até o fecha-mento desta edição nenhuma das duas respondeu as pergun-tas encaminhadas.

É importante ressaltar que todo o acúmulo de discussões do movimento docente pro-duziu referências para a uni-versidade brasileira, conforme está expresso no Caderno 2 – Proposta do ANDES-SN para a universidade brasileira, no qual o conceito de univer-sidade não se coaduna com subdivisões por especialidade ou por área do saber.

Assembleia Comunitária com docentes, técnicos e estudantes para discutir a autonomia do campus Curitiba, em 28/9/ 2012

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A covardia do Estado liberal

Em duas décadas, governos Collor,FHC e Lula saquearam os docentesaposentados. Redução salarial chega aR$ 24 mil ao ano com quebra de direitos

Washington Sidney

O saco de maldades do Estado brasileiro parece não ter fun-

do. Que o digam os docentes aposentados das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES). Nos últimos anos, eles foram vítimas de um ver-dadeiro saque por parte de seguidos governos. Os prejuí-zos começaram na era Collor, com os ataques aos servidores públicos e também aos di-reitos de aposentadoria do conjunto dos trabalhadores, foram sacramentados na ges-tão de FHC e não escaparam

nem sequer da administração do petista Lula da Silva.

Há relatos dramáticos de depreciação não só dos pro-ventos, mas também do valor que deveria ser dado a quem muito fez pela educação públi-ca no Brasil. Pessoas que de-dicaram suas vidas à educação e a construir conhecimentos, caíram nas ciladas de gover-nantes que administraram o país com uma visão patrimo-nialista, baseada nas piores práticas da política brasileira.

Para não perder os direitos adquiridos em 35 anos como professor, Salatiel Menezes dos Santos, 73 anos, viu-se obri-

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gado a aceitar a aposentadoria precoce em 1991. “O então presidente Collor, para desviar a atenção da quadrilha que havia montado para desvio de dinheiro público, iniciou uma campanha contra os servido-res, colocando no mesmo saco médicos, professores e pesqui-sadores como funcionários que ganhavam salários altíssimos, chamados de “marajás”.

O professor aposentado Salatiel ainda trabalhou cinco anos no Instituto de Biofísica sem remuneração extra além do salário integral de aposentado, até que o último estudante de Doutorado defendesse sua tese. Aposentado da UFRJ há 22

anos, alguns deles exposto a radiações ionizantes e a outros elementos perigosos, Salatiel contraiu câncer e viu seus di-reitos serem gradativamente solapados, até mesmo o adicio-nal de 40% de periculosidade, apesar de ter cumprido todas as obrigações contratuais que assumira com o serviço públi-co, portanto, com o Brasil, e não com os governantes.

“Durante muitos anos, recebi os salários da aposenta-doria de acordo com meu con-trato: tendo optado desde o início pelo regime estatutário, pagava 11% do total de minha remuneração como contribui-ção ao INSS. Por muitos anos

não tive direito ao 13º salário, nunca tive direito a Fundo de Garantia. Em compensação, tinha aposentadoria integral, com paridade salarial com os ativos e a garantia de que todo aumento que fosse dado aos ativos eu os receberia também. Havia garantia também de que todos os direitos legais incor-porados a meu salário seriam mantidos até o fim de minha vida ou de minha dependen-te-pensionista (esposa).

DesrespeitoAo constatar as maldades

que o governo FHC trama-va contra a categoria, José Queiroz Carneiro, docente na Universidade Federal do Pará (UFPA), 66 anos, também optou por se aposentar antes dos 50 anos. Ainda hoje ele se ressente da forma desrespeitosa como foi tratada a categoria pelo sociólogo. “Falando a res-peito de aposentadoria, ele cha-mou de ‘vagabundos’, em alto e bom som, os professores que se aposentavam antes dos 50 anos de idade. Ironicamente, ele estava chamando a si próprio pelo termo desqualificador. Como já tinha ultrapassado a idade de ser considerado va-gabundo, me aposentei. Não pensei nos prejuízos que a apo-sentadoria, de certa forma pre-coce, dada minha pouca idade na época, me reservava”.

Mas a maior queixa dos aposentados, além do fim da Tomáz: contribuição lhe dá um prejuízo equivalente ao 13º

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paridade com os docentes da ativa, refere-se à criação da contribuição previdenciária. O aposentado Tomáz de Aquino, da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMA), calcu-la que só essa “contribuição” representa, na soma dos 12 meses do ano, a perda do 13º salário. Ele define a cobrança como “um absurdo jurídi-co criado com a chancela do Supremo Tribunal Federal”.

Salatiel Menezes também condena a contribuição de 11% sobre o salário bruto para a Seguridade. “A isenção era assegurada por cláusu-las pétreas da Constituição, as quais foram desprezadas principalmente nos governos do PT. Infelizmente, com a covardia do STF, que, em de-monstração de pusilanimidade sem precedentes, ‘rifou’ este direito dos aposentados em

troca de que o Judiciário ficas-se fora da contribuição. Esta ‘contribuição’ se caracteriza claramente como confisco de salário. Mas o STF, composto quase totalmente por minis-tros nomeados por Lula ou Dilma, validaram este crime”.

Números concretosEspecialista em mate-

mática, Raimundo Renato Patrício, 74 anos, aposentado da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), dá nú-meros concretos ao prejuízo, levando-se em conta a ausên-cia de várias vantagens, como Gratificação por Tempo de Serviço, Gratificação por Produção Científica (esta era de 25% do salário básico e cuja perda, totalizando um salário a cada quatro meses, perfaz três salários ao longo de um ano). “No meu caso

particular, as perdas maiores foram a retirada da URP, correspondente a R$ 600 por mês, e a transformação da aposentadoria de integral para proporcional, causando um prejuízo de R$ 1.300 por mês. Isso tudo, aferido ao longo de um ano, provoca uma redução salarial em tor-no de R$ 24.000”.

Patrício não se constrange de colocar, no papel, o tama-nho da sua perda de poder aquisitivo em razão das ini-ciativas do Estado brasileiro contra os docentes aposenta-dos. Em agosto de 2010 ele percebeu R$ 5.439,38. Em agosto do ano seguinte, R$ 3.453,04. Em agosto de 2012 seus vencimentos subiram para R$ 3.838,39 e em agosto deste ano, para R$ 5.123,03. Ou seja, passados três anos, ele está rece-bendo R$ 316,35 a menos.

Em agosto de 2010, docentes participaram do XV Encontro Nacional de Assuntos de Aposentadoria, na sede da APUFPR

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Há 15 anos – desde a aprova-ção da Emenda Constitucional nº 20, do governo FHC –, o ANDES-SN luta contra os ata-ques aos direitos dos docentes aposentados. Sendo uma das bandeiras de lutas aprovadas e reafirmadas nos eventos delibe-rativos do sindicato, essa luta se desenvolve em várias frentes: no Congresso, nos tribunais, movi-mentos sociais, nas manifesta-ções de rua e nas incontáveis au-diências com o Poder Executivo.

Por entender que essa luta envolve todos os servido-res federais, o ANDES-SN participa das atividades da coordenação das Entidades dos Servidores Públicos Federais, no Fórum dos Servidores Públicos e no Espaço de Unidade e Ação. No Legislativo, concentra-se na aprovação da PEC 555/2006, que propõe o “fim da con-

tribuição previdenciária dos aposentados e pensionistas”, e acompanha o PL do sena-dor Paulo Paim, que trata da inclusão dos docentes sobre a equiparação do posicionamento de aposentados e pensionistas às tabelas remuneratórias dos servidores da ativa.

No âmbito jurídico, partici-pou no Mandado de Injunção 880 (aposentadoria especial e contagem do tempo trabalhado sob condições especiais e sua conversão para aposentadoria comum, no período pós-RJU), julgado procedente pelo STF, mas enfrenta obstáculos na im-plantação, o que levará a uma luta no Parlamento pela aprova-ção dos PLC 472/09 e 555/10 e a uma atuação no STF.

Segundo o professor res-ponsável pela Encarregatura de Assuntos de Aposentadoria do ANDES-SN, Almir Serra, o

ataque mais recente veio com a Lei nº 12.628/2012, do gover-no Dilma, regulamentando as normas dos fundos de pensão e criando as Fundações de Previdências Complementares do Servidor Público Federal (Funpresps), fundações pú-blicas de direito privado, para gerir esses fundos.

No fim de setembro de 2013, reunidos com integran-tes do governo, representantes do ANDES-SN perceberam a preocupação do governo com a aceitação, por parte dos docen-tes, do material produzido pelo sindicato (cartilha, panfleto e cartazes) sobre o Funpresp e que este material está provo-cando baixa adesão à fundação.

“O material denuncia o pre-juízo que a adesão a esse fundo significará para os servidores, pois se trata da entrega de par-te dos salários dos funcioná-rios durante 30, 40 anos, para uma empresa privada investir no mercado, sem nenhuma ga-rantia de retorno desse dinhei-ro e cuja resposta, se haverá ou não algum retorno, se dará no período em que o servidor mais necessitará dele, que é na aposentadoria. O resultado que ficou da reunião é que o ANDES-SN deve continuar com a campanha Diga não à Funpresp, atuando de forma mais intensa”, diz o professor Almir Serra.

Uma luta e várias frentes de batalha

Almir acredita que adesão ao Funpresp causará prejuízo para os servidores

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Dossiê NacionalPUBLICAÇÃO ESPECIAL DO ANDES-SN3

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Na defesa da educação pública de qualidade

Precarização do trabalho docente II

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