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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
AVM FACULDADE INTEGRADA
A INDISCIPLINA NO COTIDIANO ESCOLAR
Por: MARCELA ALVES GOMES
Orientador
Prof. FERNANDO GOUVÊA
Rio de Janeiro - RJ
2008
DOCU
MENTO
PRO
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O PEL
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I DE D
IREIT
O AUTO
RAL
2
AGRADECIMENTOS
A todos autores, corpo docente do
Instituto “A vez do Mestre”, o professor
Fernando Gouvêa pela orientação do
trabalho. Aos alunos e pessoas que,
direta ou indiretamente, contribuíram
para confecção desse trabalho
acadêmico e sua constante
atualização.
3
DEDICATÓRIA
Dedico essa monografia ao meu marido
Marcio, pelo companheirismo e
compreensão durante o tempo de estudo.
Também a João Pedro meu filho pela
alegria que trouxe as nossas vidas.
Edith Land e Rita Vargas pelo incentivo
ao estudo.
Adelaide Norberto, colaboradora
incansável na luta diária.
Á Célia Feliciano, minha mãe e mestra na
Universidade da vida.
5
RESUMO
A pesquisa bibliográfica neste estudo aborda a indisciplina no cotidiano escolar.
A proposta de pesquisar sobre o assunto, cresceu a partir da necessidade de
buscar algumas respostas para um tema tão antigo, e ao mesmo tempo atual e
frequentemente presente em discussões em torno da relação aluno/escola.
Estudos sobre a História da educação no Brasil revelam que desde o período
colonial até os dias de hoje, muito se tem mexido no planejamento educacional,
mas a educação continua a ter as mesmas características impostas em todos
os países do mundo, que é de manter o “status quo” para aqueles que
frequentam os bancos escolares. Nesse sentido, faz-se necessário, analisar as
cinco abordagens que mais influenciam nas ações de professores e que
consequentemente nas relações que eles estabelecem com os alunos, até os
dias atuais. No cotidiano escolar acontecem inúmeras situações que são vistas
pelos educadores com atitudes de indisciplina. De um modo geral, os alunos
são considerados como problemáticos, desrespeitadores, sem limites e
desinteressados, por outro lado, os alunos consideram as aulas
desinteressantes e os professores autoritários. Em função do exposto, faz-se
necessário tomar a indisciplina como uma temática fundamentalmente
pedagógica, buscar compreendê-la inicialmente como um sinal, de que
intervenção docente não está se processando a contento e que seus
resultados não se aproximam do esperado. Portanto, é preciso rever
posicionamentos endurecidos, questionar crenças arraigadas, confrontar
posicionamentos imutáveis, debater-se contra fatalidades: eis algo que, antes
de ser uma obrigação, significa uma oportunidade ímpar de vivência dessa
profissão, de certo modo, extraordinária. Para se alcançar a tão almejada
disciplina algumas premissas pedagógicas são fundamentais: o conhecimento
(professor), a relação prefessor-aluno, a sala de aula e o contrato pedagógico e
as regras éticas do trabalho docente.
PALAVRAS-CHAVE: Indisciplina. Professores. Educação no Brasil
6
METODOLOGIA
A pesquisa é de caráter exploratório sem hipótese prévia, busca
compreender a indisciplina no contexto escolar, as causas e possíveis
soluções.
O trabalho foi inicialmente desenvolvido, através da leitura de livros,
revistas, artigos relacionados ao assunto, com intuito de conhecer e confrontar
os pontos de vista dos autores. A cada leitura, páginas e trechos foram
selecionados para o momento da escrita.
8
INTRODUÇÃO
No mundo atual onde costume, moral, comportamentos estão em
constantes mudanças, como o professor deve lidar com a indisciplina de seus
alunos? Qual o melhor caminho? Como as regras devem ser criadas? Que
ações o professor deve ter em sala de aula?
A proposta de pesquisar sobre o assunto, cresceu a partir da
necessidade de buscar algumas respostas para um tema que surge frequente
em discussões em torno da relação aluno/escola.
A escola desempenha importante função no desenvolvimento de
crianças e adolescente, por esta razão, tem despertado o interesse de vários
estudiosos e pesquisadores sobre diferentes temas a ela relacionados. A
indisciplina, a autoridade, o autoritarismo são temas amplamente discutidos,
mas estão longe de conseguirem unanimidade em suas definições e uso.
Evidentemente, há dificuldade em viver a relação necessária entre a autoridade
e a liberdade, mas para discutir problemas de disciplina, é preciso refletir sobre
o papel de cada um dois envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
Com o passar do tempo, a escola deixou de ser apenas uma instituição
com funções relativas a aquisição transmissão de conhecimentos acadêmicos,
ou com meros objetivos preparatórios para o vestibular, e passou a
considerada um ambiente que propicia o desenvolvimento social de cada
indivíduo. Alguns autores acrescentam, ainda, que considerando o tempo em
que o aluno passa na escola, como membro de uma pequena sociedade, com
normas, tarefas, com pessoas com quem relacionar, é natural que estas
experiências afetem aspectos no comportamento social e, consequentemente,
do desenvolvimento. Portanto, as regras, as normas e a forma como a
indisciplina é abordada em uma instituição, poderá afetar a formação da
personalidade dos educandos e, consequentemente, influenciará o
comportamento da sociedade em geral.
Mas afinal a família deixou de educar seus filhos e por isso eles são
indisciplinados na escola, ou os alunos se comportam de forma insatisfatória
9
porque os professores não conseguem envolvê-los no processo de ensino-
aprendizagem?
Tiba (2001), afirma que o costume dos nossos filhos não dependem só
do que aprendem dentro de casa, pois a educação escapou ao controle da
família porque, desde pequena, a criança já recebe influência da escola dos
amigos, da televisão e da internet. Desta forma, não é possível atribuir a
indisciplina somente à família.
Zagury (2006), afirma que o professor reconhece que está
desatualizado pedagogicamente, defasado em termos de conteúdo, e que as
mudanças cada vez mais velozes e diversificadas do mundo tomam
atualização permanente uma necessidade fundamenta e inequívoca.
Neste sentido, o presente estudo, tem como objetivo geral identificar as
principais causas de indisciplina vivenciadas na escola e as possíveis formas
solução através da organização do trabalho pedagógico, em que o professor
experimente novas estratégias de trabalhado. Para tanto, faz-se necessário
tomar o ofício de professor como um campo privilegiado de aprendizagem, de
investigação de novas possibilidades de atuação profissional. Sala de aula é
laboratório pedagógico sempre! É o aluno que não se encaixa no que o
professor oferece ou é a sua forma de ensinar que não desperta o seu
interesse? É preciso reinventar a relação com eles, para que se possa, enfim,
preservar o escopo ético do trabalho pedagógico.
A autoridade coerente democrática, fundando-se na certeza da importância quer si mesma, quer da liberdade dos educandos para a construção de um clima real disciplina, jamais minimiza a liberdade. Pelo contrario,aposta nela. Empenha-se em desafiá-la sempre e sempre: jamais vê, na rebeldia da liberdade, um sinal de deteriorização da ordem. A autoridade coerente democrática está convicta de que a disciplina verdadeira não existe na estagnação, no silêncio dos silenciados, mas no alvoroço dos inquietos, na dúvida que instiga, na esperança que deperta (FREIRE, 1996, p. 104)
10
CAPÍTULO I
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
A História da Educação no Brasil é o estudo da evolução da Educação,
do ensino, da instrução e das práticas pedagógicas no Brasil. Como um
processo sistematizado de transmissão de conhecimentos, evolui em rupturas
marcantes e fáceis de serem observadas. O início deu-se no período colonial,
quando começam as primeiras relações entre Estado e Educação, por meio
dos jesuítas que chegaram em 1549, chefiados pelo padre Manuel Nóbrega.
Em 1759, com as reformas pombalinas, houve a expulsão dos jesuítas,
passando a se instituído o ensino laico e público, e os conteúdos basearam-se
nas Cartas Régias. Muitas mudanças ocorreram até que se chegasse à
pedagogia dos dias de hoje. (RIBEIRO, 1978).
As principais reformas foram Benjamim Constant (1890), Epitácio
Pessoa (1901), Rivadávia Correia (1911), Carlos Maximiliano (1915), João
Alves da Rocha Vaz (1925), Francisco Campos (1932), Gustavo Capanema
(1946) e as Leis de Diretrizes e Bases de 1961, 1968, 1971, 1996.
Até os dias de hoje muito tem se mexido no planejamento educacional,
mas a educação continua a ter as mesmas características impostas em todos
os países do mundo, que é a de manter o “status quo” para aqueles que
frequentam os bancos escolares.
Choques culturais.
A primeira grande ruptura travou-se com a chegada mesmo dos
portugueses ao território do Novo Mundo. Não podemos deixar de reconhecer
que os portugueses levaram ao Brasil um padrão de educação próprio da
Europa, o que não quer dizer que as populações que viviam no Brasil já não
possuíssem características próprias de se fazer educação. A educação que se
praticava entre as populações indígenas não tinha as “marcas repressivas” do
modelo educacional europeu.
11
Período Jesuítico (1549-1759)
A educação indígena foi interrompida com a chegada dos jesuítas. Os
primeiros chegaram ao território brasileiro em março de 1549. Comandados
pelo padre Manuel de Nóbrega, quinze dias após a chegada edificaram a
primeira escola elementar brasileira, em Salvador, tendo como mestre o Irmão
Vicente Rodrigues, primeiro professor nos moldes europeus, em terras
brasileiras, e que durante mais de 50 anos dedicou-se ao ensino e propagação
da fé religiosa.
Período Pombalino (1760-1808)
Este método funcionou absoluto durante 210 anos, de 1549 a 1759,
quando uma nova ruptura marca a História da Educação no Brasil: a expulsão
dos jesuítas pelo Marquês de Pombal.
A educação jesuítica não convinha aos interesses comerciais
emanados por Pombal. Se as escolas da Companhia de Jesus tinham por
objetivo servir aos interesses da fé, Pombal pensou em organizar a escola para
servir aos interesses do Estado.
Os professores geralmente não tinham preparação para a função, já
que eram improvisados e mal pagos. Eram nomeados por indicação ou sob
concordância de bispos e se tornavam “proprietários” vitalícios de suas aulas
régias
O resultado da decisão de Pombal foi que, no princípio do século XIX,
a educação brasileira estava reduzida a praticamente nada. O sistema jesuítico
foi desmantelado e nada que pudesse chegar próximo deles foi organizado
para dar continuidade a um trabalho de educação.
Período Joanino (1808-1821)
A mudança da Família Real, em 1808, permitiu uma nova ruptura com
a situação anterior. Para atender as necessidades de sua estadia no Brasil, D.
João abriu Academias Militares, Escolas de Direito e Medicina, a Biblioteca
Real, o Jardim Botânico e, sua iniciativa mais marcante em termos de
mudança, a Imprensa Régia. Na verdade não se conseguiu implantar um
sistema educacional nas terras brasileiras mas, segundo alguns autores, o
12
Brasil foi finalmente “descoberto” e a nossa História passou a ter uma
complexidade maior. O surgimento da imprensa permitiu que os fatos e as
ideias fossem divulgados e discutidos no meio da população letrada,
preparando terreno propício para as questões políticas que permearam o
período seguinte da História do Brasil.
Período Imperial (1822-1889)
D. João VI volta a Portugal em 1821. Em 1822, seu filho D. Pedro I
proclama a Independência do Brasil e, em 1824, outorga a primeira
Constituição brasileira. O Art. 179 desta Lei Magna dizia que a “instrução
primária é gratuita para todos os cidadãos”.
Em 1823, na tentativa de se suprir a falta de professores, institui-se o
Método Lancaster, ou do “ensino mútuo”, pelo qual um aluno treinado
(decurião) ensinava um grupo de 10 alunos (decúria) sob a rígida vigilância de
um inspetor.
Por todo o Império, incluindo D. Pedro I e D. Pedro II, pouco se fez pela
educação brasileira e muitos reclamavam de sua qualidade ruim. Contudo o
ensino especificamente artístico teve um grande impulso com a criação da
Academia Imperial de Belas Artes, cuja frutífera trajetória se estendeu até a
República, já como Escola Nacional de Belas Artes. Com a Proclamação da
República, tentaram-se reformas que pudessem dar uma nova guinada, mas a
educação brasileira não sofreu um processo de evolução que pudesse ser
considerado marcante ou significativo em termo de modelo.
República Velha (1889-1929)
A República proclamada adotou o modelo político estadunidense
baseado no sistema presidencialista. Na organização escolar percebe-se
influencia da filosofia positiva. A Reforma de Benjamim Constant tinha como
princípios orientadores a liberdade e laicidade do ensino, como também a
gratuidade da escola primária. Estes princípios seguiram a orientação do que
estava estipulado na Constituição Brasil. Uma das intenções desta Reforma era
13
transformar o ensino em formador de alunos para os cursos superiores e não
apenas preparador. Outra intenção era substituir a predominância literária pela
científica. A Reforma Rivadávia Correa, de 1911, pretendeu que o curso
secundário se tornasse formador do cidadão e não como simples promotor a
um nível seguinte. Retomando a orientação positivista, prega a liberdade de
ensino, entendendo-se como a possibilidade de oferta de ensino que não seja
por escolas oficiais, e de frequência. Além disso, prega ainda a abolição do
diploma em troca de um certificado de assistência e aproveitamento e transfere
os exames de admissão ao ensino superior para as faculdades. Os resultados
desta Reforma foram desastrosos para a educação brasileira.
Num período complexo da História do Brasil surge a Reforma João Luiz
Alves que introduz a cadeira Moral e Cívica com intenção de tentar combater
os protestos estudantis contra o governo do presidente Artur Bernardes.
A década de vinte foi marcada por diversos fatos relevantes no
processo de mudança das características políticas brasileiras. Foi nesta
década que ocorreu o Movimento dos 18 do Forte (1922), a Semana de Arte
Moderna (1922), a fundação do Partido Comunista do Brasil (1922)m a
Rebelião Tenentista (1924) e a Coluna Prestes (1924 a 1927).
Além disso, no que se refere à educação, foram realizadas diversas
reformas de abrangência estadual, como as de Lourenço Filho, no Ceará, em
1923, a de Anísio Teixeira, na Bahia, em 1925, a de Francisco Campos e Mario
Casassanta, em Minas Gerais, em 1927, a de Fernando de Azevedo, no
Distrito Federal (atual Rio de Janeiro), em 1928 e a de Carneiro Leão, em
Pernambuco, em 1928.
Segunda República (1930-1936)
A Revolução de 30 foi marco referencial para a entrada do Brasil no
modelo capitalista de produção. A acumulação de capital, do período anterior,
permitiu com que o Brasil pudesse investir no mercado interno e na produção
industrial. A nova realidade brasileira passou a exigir uma mão-de-obra
especializada e para tal era preciso investir na educação. Sendo assim, em
1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública e, em 1931, o
14
governo provisório sanciona decretos organizando o ensino secundário e as
universidades brasileiras ainda inexistentes. Estes Decretos ficaram
conhecidos como “Reforma Francisco Campos”.
Estado Novo (1937-1945)
No contexto político o estabelecimento do Estado Novo, segundo a
historiadora Otaíza Romanelli, faz com que as discussões sobre as questões
da educação, profundamente ricas no período anterior, entrem “numa espécie
de hibernação”. As conquistas do movimento renovador, influenciando a
Constituição de 1934, foram enfraquecidas nessa nova Constituição de 1937.
Marca uma distinção entre o trabalho intelectual, para as classes mais
favorecidas, e o trabalho manual, enfatizando o ensino profissional para as
classes mais desfavorecidas.
Em 1942, por iniciativa do Ministro Gustavo Capanema, são
reformados alguns ramos do ensino. Estas Reformas receberam o nome de
Leis Orgânicas do Ensino, e são compostas por Decretos-lei que criam o
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI e valoriza o ensino
profissionalizante.
República Nova (1946-1963)
O fim do Estado Novo consubstanciou-se na adoção de uma nova
Constituição de cunho liberal e democrático. Esta nova Constituição, na área
da Educação, determina a obrigatoriedade de se cumprir o ensino primário e dá
competência à União para legislar sobre diretrizes e bases da educação
nacional. Além disso, a nova Constituição fez voltar o preceito de que a
educação é um direito de todos, inspirada nos princípios proclamados pelos
Pioneiros, no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, nos primeiros anos
da década de 30.
Ainda em 1946, o então Ministro Raul Leitão da Cunha regulamenta o
Ensino primário e o Ensino Normal, além de criar o Serviço Nacional de
Aprendizagem Comercial – SENAC, atendendo as mudanças exigidas pela
sociedade após a Revolução de 1930.
15
Depois de 13 anos de acirradas discussões foi promulgada a Lei 4.024,
em 20 de dezembro de 1961, sem a pujança do anteprojeto original,
prevalecendo as reivindicações da Igreja Católica e dos donos de
estabelecimentos particulares de ensino no confronto com os que defendiam o
monopólio estatal para a oferta da educação aos brasileiros.
Se as discussões sobre a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação
Nacional foi o fato marcante, por outro lado muitas iniciativas marcaram este
período como, talvez, o mais fértil da História da Educação no Brasil: em 1950,
em Salvado, no estado da Bahia, Anísio Teixeira inaugura o Centro Popular de
Educação (Centro Educacional Carneiro Ribeiro), dando inicio a sua ideia de
escola-classe e escola-parque; em 1952, em Fortaleza, estado do Ceará, o
educador Lauro de Oliveira Lima iniciai uma didática baseada nas teorias
cientificas de Jean Piaget: o Método Psicogenético; em 1953, a educação
passa a ser administrada por um Ministério próprio: o Ministério da Educação e
Cultura; em 1961, tem início uma campanha de alfabetização, cuja didática,
criada pelo pernambucano Pulo Freire, propunha alfabetizar em 40 dias adultos
analfabetos; em 1962 é criado o Conselho Federal de Educação, que substitui
o Conselho Nacional de Educação e os Conselhos Estaduais de Educação e,
ainda em 1962, é criado o Plano Nacional de Educação e o programa Nacional
de Alfabetização, pelo Ministério da Educação e Cultura, inspirado no Método
Paulo Freire.
Regime Militar (1964-1985)
Em 1964, um golpe militar aborta todas as iniciativas de se revolucionar
a educação brasileira, sob o pretexto de que as propostas eram “comunizantes
e subversivas”.
O Regime Militar espelhou na educação o caráter antidemocrático de
sua proposta ideológica de governo: professores foram presos e demitidos;
universidades foram invadidas; estudantes foram presos e feridos, nos
confronto com a polícia, e alguns foram mortos; os estudantes foram calados e
a União Nacional dos Estudantes proibida de funcionar; o Decreto-Lei 477
calou a boca de alunos e professores.
16
É no período mais cruel da ditadura militar, onde qualquer expressão
popular contrária aos interesses do governo era abafada, muitas vezes pela
violência física, que é instituída a Lei 5.692, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, em 1971. A característica mais marcante desta Lei era
tentar dar a formação educacional um cunho profissionalizante.
Nova República (1986-2003)
No fim do Regime Militar a discussão sobre as questões educacionais
já haviam perdido o seu sentido pedagógico e assumido um caráter político.
Para isso contribuiu a participação mais ativa de pensadores de outras áreas
do conhecimento que passaram a falar de educação num sentido mais amplo
do que as questões pertinentes à escola, à sala de aula, à didática, à relação
direta entre professor e estudante e a dinâmica escolar em si mesma.
Impedidos de atuarem em suas funções, por questões políticas durante o
Regime Militar, profissionais de outras áreas, distantes do conhecimento
pedagógico, passaram a assumir postos na área da educação e a concretizar
discursos em nome do saber pedagógico.
No bojo da nova Constituição, um Projeto de Lei para uma nova LDB
foi encaminhado à Câmara Federal, pelo Deputado Octávio Elísio, em 1988. No
ano seguinte o deputado Jorge Hage enviou à Câmara um substitutivo ao
Projeto e, em 1992, o Senador Darcy Ribeiro apresenta um novo Projeto que
acabou por ser aprovado em dezembro de 1996, oito anos após o
encaminhamento do Deputado Octávio Elísio.
Até os dias de hoje muito tem se mexido no planejamento educacional,
mas a educação continua a ter as mesmas características impostas em todos
os países do mundo, que é mais o de manter o “status quo”, para aqueles que
frequentam os bancos escolares, e menos de oferecer conhecimentos básicos,
para serem aproveitados pelos estudantes em suas vidas práticas (RIBEIRO,
1978).
Podemos dizer que a História da Educação Brasileira tem um princípio,
meio e fim bem demarcado e facilmente observável. Ela é feita em rupturas
marcantes, onde em cada período determinado teve características próprias.
17
Queiramos ou não, nossas experiências educacionais advêm dos
países colonizados da América Latina. Guardando as devidas proporções,
somos miscigenados, somos “terceiro-mundistas” ainda! Em matéria de
proposta de educação, somos produtos de uma repressão europeia que nos
tornou, por muito tempo, dependentes e subdesenvolvidos. Nossas “origens”,
nossa inatividade, nossa cultura primata, foi combatida através da imposição
de hábitos e costumes estrangeiros e pela escravização dos ativos de cada
região invadida. A catequização foi uma das formas de imposição de um
programa educativo “mais adequado” ou “mais civilizado”. SUBSERVIÊNCIA,
DEPENDÊNCIA, PATERNALISMO foram palavras de ordem incorporadas à
cultura brasileira desde os jesuítas (RIBEIRO, 1978)
É nesse contexto histórico, que se construiu a relação professora,
escola e aluno ao longo do tempo.
18
CAPÍTULO II
ABORDAGENS QUE INFLUENCIAM OS PREFESSORES
Partindo do pressuposto de que, em situações brasileiras,
provavelmente tenham sido cinco as abordagens que mais influenciam os
professores, quer por meio de informações adquiridas na literatura
especializada, quer através de modelos a que foram expostos ao longo de suas
vidas, quer, ainda, através de informações obtidas de formações de
professores. Provavelmente, algumas dessas abordagens influenciam nas
ações dos professores e consequentemente na relação que ele estabelece
com os alunos, até os dias atuais.
a) ABORDAGEM TRADICIONAL – Os alunos são instruídos e
ensinados pelo professor. Os conteúdos são adquiridos pela
imitação. Não há pensamento reflexivo. A expressão oral o
professor é proeminente.
b) ABORDAGEM COMPORTAMENTALISTA – A aprendizagem será
garantida pelo programa estabelecido. Essa abordagem visa à
obtenção um determinado comportamento que deve ser mantido.
c) ABORDAGEM HUMANISTA – Ensino centrado na pessoa, e esta é
orientada por sua própria experiência. Atitude básica desenvolvida:
confiança e respeito ao aluno.
d) ABORDAGEM COGNISTA – A ênfase está na capacidade do aluno
de integrar informações e processá-lá. O que é priporizado são as
atividades do sujeito inserido numa situação social.
e) ABORDAGEM SÓCIO-CULTURAL – A ação educativa, para ser
validada, deve necessariamente, ser precedida tanto de uma
reflexão sobre o homem como de uma análise do meio de vida
desse homem concreto, a quem se quer ajudar para que se
eduque.
19
A educação brasileira passou por várias transformações, mais ainda se
observa profissionais que desenvolvem sua práxis educativa sem perder que
suas condutas e atitudes fazem parte algumas das tantas tendências e estas
se manifestam através do pensamento, comportamento, temperamento,
estratégias e ações que são implícitas ao se relacionar com os alunos.
Não podemos esquecer também, que ao longo do tempo o contexto
familiar sofreu várias mudanças que interferem sobremaneira na forma como a
criança pensa e age sobre o mundo e como se posiciona na escola.
Dentro desse quadro, acontecem inúmeras situações no cotidiano
escolar que são vistas de um modo geral pelos educadores como atitudes de
indisciplina.
2.1 – A indisciplina no cotidiano escolar
A indisciplina escolar tem se configurado enquanto uma queixa
frequente dos professores quando os mesmos são questionados acerca de
suas práticas. É comum atribuírem a este fenômeno uma grande parte de suas
dificuldades enquanto profissionais. Em suas falas é possível perceber que
eles se sentem angustiados, sem saber o que fazer, partindo então para a
busca de possíveis causas e tentativas de soluções para o que eles
consideram um problema.
É compreensível a angustia desses profissionais diante das
expressões de indisciplina dos alunos, pois, um dos locais em que a
indisciplina escolar se manifesta é na sala de aula, o que remete a uma análise
especifica de como os professores estão sendo preparados em sua formação,
seja inicial ou continuada, para exercer as funções que competem a um
educador no contexto da escola, e, especificamente, na relação com os alunos
em sala de aula.
“O professor reconhece que está desatualizado pedagogicamente, defasado em termos de conteúdo, e que as mudanças cada vez mais velozes e diversificadas do mundo tornam a atualização permanente uma necessidade fundamental e inequívoca.”
(Zagury – 2006, p. 105)
20
2.2 –Hipóteses sobre indisciplina
a) O ALUNO-PROBLEMA – Ao eleger o aluno-problema como um
empecilho ou obstáculo para o trabalho pedagógico, a categoria docente corre
abertamente o risco de cometer um sério equívoco ético, que é o seguinte: não
se pode atribuir à clientela escolar a responsabilidade pelas dificuldades e
contratempos de nosso trabalho, nossos “acidentes de percurso”. Seria o
mesmo que o médico supor que o grande obstáculo da medicina atual são as
novas doenças, ou advogado admitir que as pessoas que a ele recorrem
apresentam-se como um empecilho para o exercício “puro” de sua profissão.
Curioso, não?
Na verdade, os tais “alunos-problema” podem ser tomados como
ocasião privilegiada para que a ação docente se afirme, e que se possa
alcançar uma possível excelência profissional. O que se busca, no caso de um
exercício profissional de qualidade, é uma situação-problema, para que se
possa, na medida do possível, equacioná-la, suplantá-la o que se oportuniza a
partir das demandas “difíceis” da clientela.
Pois bem, o que fazer, então? Um primeiro passo para reverter essa
ordem de coisas talvez seja repensar nossos posicionamentos, rever algumas
supostas verdades que, em vez de nos auxiliar, acabam sendo armadilhas que
apenas justificam o fracasso escolar, mas não conseguem alterar os rumos e
os efeitos do nosso trabalho cotidiano.
Vejamos o caso específico da indisciplina. Na própria maneira de
entender o fenômeno disciplinar, podemos observar que as hipóteses
explicativas empregadas usualmente acabam reiterando alguns preconceitos,
muitos falsos conceitos e outras tantas justificativas para o fracasso e a
exclusão escolar. Encontram-se razões à profusão, mas alternativas concretas
de administração, como sabemos, são raras. Nossa tarefa, então, a partir de
agora passa a ser a de examinar concretamente os argumentos que sustentam
tais hipóteses.
b) O ALUNO “DESRESPEITADOR” – Uma primeira hipótese de explicação
da indisciplina seria a de que o aluno de hoje em dia é menos respeitador do
que o aluno de antes, e que, na verdade, a escola atual teria se tornado muito
21
permissiva, em comparação ao rigor e à qualidade daquela educação de
antigamente.
Esse primeiro entendimento, mais de cunho histórico, da questão
disciplinar precisa ser repensado urgentemente. E a primeira coisa a admitir é
que essa escola de antigamente talvez não fosse tão “de excelência” quanto
gostamos de pensar hoje em dia. Vejamos porquê. Nossa memória costuma
aplicar alguns truques em nós. Às vezes, é muito fácil incorrermos numa
espécie de saudosismo exacerbado, idealizando o passado e cultivando
lembranças de alguns fatos que não aconteceram ou que não se desenrolaram
exatamente do modo com que nos recordamos deles. Portanto, se
recuperarmos o modelo dessa escola do passado para cotejarmos nossos
problemas pedagógicos atuais, precisamos recuperar também o contexto
histórico da época, pelo menos em parte. Não é possível trazer de volta aquela
escola sem o entorno sócio-político de então.
É muito comum nos reportarmos à escola de nossa infância com
reverência, admiração, nostalgia. Pois bem, na verdade, essa escola anterior
aos anos 70 era uma escola para poucos, muito poucos. Uma escola elitista,
portanto. Exclusão, pois, é um processo que já estava lá, nessa escola de
antigamente, hoje tão idealizada.
Eram elas escolas militares ou religiosas, e algumas poucas leigas, que
atendiam uma parcela muito reduzida da população. Perguntemo-nos, por
exemplo, se ambos nossos pais tiveram escolaridade completa de oito anos.
Lembremo-nos então de nosso avós, se eles sequer chegaram a frequentar
escolas! Quanto mais recuarmos no tempo, mais veremos como escola sempre
foi um artigo precioso e difícil de encontrar no varejo social.
Todos se lembram, ou pelo menos já ouviram falar, dos exames de
admissão e, portanto, dos níveis “primário” e “ginasial”. Pois é, esse é um bom
exemplo de como essas tais escolas de excelência do passado eram
fundamentalmente segregacionistas e elitistas, atendendo uma parcela
pequena e já privilegiada da população. O exame de admissão representava o
que hoje conhecemos como vestibular para as universidades públicas, já na
passagem do primário para o ginásio. Inclusive, vale lembrar que a partir do
início dos anos 70 o primário e o ginasial deixaram de existir, dando lugar ao
22
“primeiro grau” (e mais recentemente ao “ensino fundamental”), agora com
nove anos consecutivos.
É tarefa de todos nós (principalmente os educadores) garantir uma
escola de qualidade e para todos, indisciplinados ou não, com recursos ou não
com pré-requesitos ou não, com supostos problemas ou não. A inclusão, pois
passa a ser o dever “número um” de todo educador preocupado com o valor
social de sua prática e ao mesmo, consciente de seus deveres profissionais.
Outro dado que precisa ser configurado com certa impacialidade
quando evocamos essas escolas do passado é o fato de que elas eram
fundamentalmente militarizadas no seu funcionamento cotidiano. E o que
significa? Se buscarmos exemplos em nossa memória, veremos isso com
clareza: as filas, o pátio, o uniforme, os cânticos, e particularmente a relação de
medo e coação que tínhamos como as figuras escolares (que
descuidadamente nomeamos hoje como “de respeito”), revelavam um espírito
fortemente hierarquizado da época, desenhando os contornos das relações
institucionais.
É possível afirmar, então, que essa suposta escola de excelência de
antigamente funcionava, na maioria das vezes, na base da ameaça e do
castigo traços nítidos de uma cultura militarizada impregnada no cotidiano
escolar daquela época sombria da história brasileira. Estamos nos referindo, é
claro, à ditadura militar.
Assim, quando constatamos que nosso aluno de hoje não viveu esses
tempos históricos obscuros, que ele é outro de outras coordenadas históricas e
agora estamos no referindo à abertura democrática, fica claro que precisamos
estabelecer outro tipo de relação civil em sala de aula.
É óbvia que uma relação de respeito é condição necessária (embora
não suficiente) para o trabalho pedagógico. No entanto, podemos respeitar
alguém por temê-lo ou podemos respeitar alguém por admirá-lo. Mas,
convenhamos, há uma grande diferença entre esses dois tipos de “respeito”. O
primeiro funda-se nas noções de hierarquia e superioridade, o segundo, nas de
assimetria e diferença. E há uma incongruência estrutural entre elas!
Antes o respeito do aluno, inspirado nos moldes militares, era fruto de
uma espécie de submissão e obediência cegas a um “superior” na hierarquia
23
escolar. Hoje, o respeito ao professor não mais pode advir no medo da punição
assim como nos quartéis mas da autoridade inerente ao papel do “profissional”
docente.
Trata-se, assim, de uma transformação histórica radical do lugar social
das práticas escolares. Hoje, o professor não é mais um encarregado de
distribuir e fazer cumprir ordens disciplinares, mas um profissional cujas tarefas
nem sequer se aproximam dessa função disciplinadora, apassivadora,
silenciadora, de antes.
Em contraposição, boa parte dos profissionais da educação ainda
parece guardar ideias pedagógicas que preservam, de certa forma, a imagem
dessa escola de antigamente e desse professor repressor, castrador. Muitas
vezes, para esses profissionais o bom aluno do dia-a-dia é aquele calado,
imóvel, obediente. Será este um bom aluno, de fato?
É muito estranho tomar uma descrição do cotidiano escolar do século
passado ou do meio desse século, e perceber que as escolas atuais têm um
funcionamento ainda parecido, em termos das normas disciplinares, com
aquelas escolas do passado. A punição, a represália, a submissão e o medo
ainda parecem habitar silenciosamente as salas de aula, só que agora, por
exemplo, por meio da avaliação. Não é verdade que muitas vezes alguns
professores chegam a ameaçar seus alunos com a promessa de provas
difíceis, notas baixas etc.? Não será isso também outra estratégia dissimulada
de exclusão? O que dizer, então, das expulsões ou das “transferências”?
Sob esse ponto de vista, talvez a indisciplina escolar esteja nos
indicando que se trata de uma recusa desse novo sujeito histórico a práticas
fortemente arraigadas no cotidiano escolar, assim como uma tentativa de
apropriação da escola de outra maneira, mais aberta, mais fluida, mais
democrática. Trata-se do clamor de um novo tipo de relação civil, confrontativa
na maioria das vezes, pedindo passagem a qualquer custo. Nesse sentido, a
indisciplina estaria indicando também uma necessidade legitima de
transformações no interior das relações escolares e, em particular, na relação
professor-aluno. Assim, resta uma questão: afinal de contas, escola para quê?
Sabemos hoje que, por meio da exclusão de grande maioria da
população, aquela escola do passado não visava, em absoluto, o preparo para
24
o exercício da cidadania. E a escola e o professor de hoje? O que eles visam, a
bem da verdade? Qual o seu papel e função? São diferentes daqueles da
escola de antes? Se assim forem, quais resultados temos, obtidos
concretamente? Enfim, estamos a serviço ainda da exclusão ditatorial ou da
inclusão democrática?
O autoritarismo e a licenciosidade são rupturas do equilíbrio tenso entre autoridade e liberdade. O autoritarismo é a ruptura em favor da autoridade contra a liberdade e a licenciosidade, a ruptura em favor da liberdade contra a autoridade. Autoritarismo e licenciosidade são formas indisciplinadas de comportamento que negam o que venho chamando a vocação ontológica do ser humano. Assim como inexiste disciplina no autoritarismo ou na licenciosidade, desaparece em ambos, a rigor, autoridade ou liberdade. Somente nas práticas em que autoridade e liberdade se afirmam e se preservam enquanto elas mesmas portanto, no respeito mútuo, é que se pode falar de práticas disciplinadas como também em prática favoráveis à vocação para o ser mais. (Freire – 1996, p.99 e 100)
c) O ALUNO “SEM LIMITES” – Outra hipótese muito em voga no meio
escolar, produto de nosso suposto e, às vezes, perigoso “bom senso” prático,
diz respeito à suposição de que “as crianças de hoje em dia não têm limites,
não reconhecem a autoridade, não respeitam as regras, e a responsabilidade
por isso é dos pais, que teriam se tornado muito permissivos”. Quase todos
parecem concordar com essa hipótese do “déficit moral” como explicativa da
indisciplina.
Pois bem, esse tipo de entendimento da questão disciplinar, mais de
cunho psicológico, merece pelo menos dois reparos: o primeiro, com relação à
ideia de ausência absoluta de limites e do desrespeito às regras; o segundo,
sobre a suposta permissividade dos pais.
Vejamos o primeiro: se prestarmos um pouco de atenção nos alunos
mais indisciplinados fora da sala de aula, num jogo coletivo, por exemplo,
veremos o quanto às regras são muito bem conhecidas pelas crianças e
adolescentes. Não é nada estranho a um jovem de hoje em dia a vivência de
uma situação qualquer de acordo com regras muito bem estabelecidas, rígidas
na maioria das vezes.
Um bom exemplo disso se encontra quando, num jogo ou brincadeira
infantil, alguém não cumpre aquilo que foi acordado previamente entre os
participantes, e este assim considerado “desviante” ou infrator é severamente
25
punido ou mesmo expulso do jogo. No limite, pode-se afirmar que um “governo”
infantil é nitidamente despótico, porque não prevê jurisprudências,
prerrogativas, maleabilidade.
Nesse sentido, as crianças, quando ingressam na escola, já conhecem
muito bem as regras de funcionamento de uma coletividade qualquer, mesmo
porque elas são inerentes a qualquer tipo de atividade humana, a qualquer tipo
de relação grupal. Podemos encontrar um outro exemplo concreto disso na
língua. Quando escolhemos uma palavra ou uma construção linguística
específica para narrar algo, estamos nos sujeitando automaticamente a um
conjunto já dado de regras. E isso todos fazemos, queiramos ou não. A criança
e o jovem também o fazem, talvez até com mais força e veemência do que os
adultos.
Isso é tão factual que, curiosamente, no mundo infantil as regras nem
sequer permitem muitas exceções. Quando uma criança diz, por exemplo, “eu
fazi” em vez de “eu fiz”, ou “eu trazi” em vez de “eu trouxe”, ela está
demonstrando o quanto está apegada a uma norma invariante já dada e que
descarta possíveis alterações, desvios. Ela está sendo, portanto, rigorosa ao
extremo. Dito de outra maneira, os seus “limites”, inclusive intelectuais, são
extensivos, implacáveis ao contrário do que possa parecer à primeira vista.
Desse modo, não se pode sustentar, nem na teoria nem na prática, que
as crianças padeçam de falta generalizada de regra e de limite, embora esta
ideia esteja muito disseminada no meio escolar. Ao contrário, a inquietação e a
das do cotidiano escolar, pode hoje ser encarada como excelentes ingredientes
para o trabalho de sala de aula. Só depende do manejo delas...
Não é evidente que quanto mais engajado o aluno estiver nas
atividades propostas, maior será o rendimento do trabalho do professor? E que
quanto maior for à apropriação das regras da matemática, da língua ou das
ciências, maiores serão o aproveitamento e o prazer em aprendê-las? Uma vez
de posse da “mecânica” de determinado campo de conhecimento (as
operações matemáticas, da gramática, das ciências, das artes, dos esportes
etc.), o pensamento do aluno parece fluir com maior rapidez e plasticidade.
Pois bem,um segundo reparo a essa ideia da falta de limites da criança
e do jovem refere-se à suposta permissividade dos pais que, por sua vez,
26
estaria criando obstáculos para o professor em sala de aula. Segundo boa
parte dos professores, a família, em certa medida, não estaria ajudando o
trabalho do professor pois as crianças seriam frutos da “desestruturação”, do
“despreparo” e do “abandono” dos pais. (vale lembrar, oriundos também das
décadas de 60/70). E mais ainda, os professores teriam se tornado quase
“reféns” de crianças tirânicas, deixados à mercê de crianças “sem educação”.
Será isso verdade?
O costume dos nossos filhos não dependem só do que eles aprendem dentro de casa. A educação escapou ao controle da família porque, desde pequena, a criança já recebe influências da escola, dos amigos, da televisão e da internet
(Tiba, 2001 p. 79)
É muito comum imaginarmos que “criança mal-educada em casa”
converte-se automaticamente em “aluno indisciplinado na escola”. Pois
alertemos que isso nem sempre é necessariamente verdadeiro. Não é possível
generalizar esse diagnóstico para justificar os diferentes casos de indisciplina
com os quais deparamos. Além disso, há uma evidência irrefutável de que os
mesmos alunos indisciplinados com alguns professores podem ser bastante
colaboradores com outros.
Ora, precisamos recuperar alguns consensos quanto às funções da
família e da escola, distinguindo claramente os papéis de pai e de professor.
Família e escola não são a mesma coisa, e uma não é a continuidade natural
da outra; porque se assim o fosse, também o inverso da equação acima
deveria ser igualmente plausível. Ou seja: “aluno indisciplinado na escola”
converter-se-ia em “filho mal-educado em casa”. Estranha essa última fórmula,
não?
Quando desponta algum entrave de ordem disciplinar na sala de aula,
uma das altitudes usuais por parte dos professores é convocar as autoridades
escolares, e estes, os pais para que “deem um jeito no seu filho”. Imaginemos
se, a cada vez que o filho desses mesmos pais apresentasse um problema
indisciplinar em casa, eles convocassem o professor para que este também
“desse um jeito no seu aluno”. Muito estranho, não? Esse exemplo ficcional
revela o quanto se costuma confundir e, às vezes, justapor os âmbitos de
competências, os raios de ação das instituições escola e família. Portanto,
27
precisamos admitir um consenso básico, muitas vezes esquecido no dia-a-dia
escolar: o de que aluno não é filho, e professor não é pai.
Em geral, a maioria dos professores imagina que o trabalho
disciplinador da moral da criança (de introversão das regras e, portando da
constituição dos famigerados “limites”), a cargo somente dos pais, é um pré-
requisito para o trabalho de sala de aula. E esta ideia, embora correta em
parte, também precisa ser repensada, pelo menos em parte.
Quando falamos genericamente em “educação” de uma criança ou
jovem, compreendemo-la como resultado conjunto da intervenção da família e
da escola. Embora essas duas instituições básicas sejam complementares e
possam chegar a se articular, elas são bastante diferentes em suas raízes e
objetivos. O trabalho familiar diz respeito à moralização da criança essa é a
função primordial dos pais ou seus substitutos. A tarefa do professor, por sua
vez, não é moralizar a criança. O objetivo do trabalho escolar é
fundamentalmente o conhecimento sistematizado, e seu objetivo, a recriação
deste. O resto é efeito colateral, indireto e mediato.
Yves de La Taille no texto A indisciplina e o sentimento de vergonha,
apresenta como tese central desse texto que a indisciplina em sala de aula é
em decorrência do enfraquecimento do vinculo entre moralidade e sentimento
de vergonha.
Essa ideia é bem interessante pois uma vez que consigamos fortalecer
novamente esse vínculo, o medo de passar vergonha torna-se por si só um
fator de auto-regulação evitando assim comportamentos indisciplinados.
No caso da família, o que está em foco é a ordenação da conduta da
criança, por meio da moralização de suas atitudes, seus hábitos; no caso da
escola, o que se visa é a ordenação do pensamento do aluno, por meio da
apropriação do legado cultural, representado pelos diferentes campos de
conhecimento em pauta. Uma diferença e tanto, não é mesmo?
Mas mesmo se argumentasse que determinadas crianças não
apresentam as posturas morais mínimas para o trabalho de sala de aula (caso
isso fosse possível...), esse argumento admitiria a seguinte réplica: trata-se de
um complicador, jamais um impeditivo para o trabalho em torno do objetivo
28
conhecimento, porque a docência sequer implica um trabalho semelhante
àquele realizado pela família.
Entretanto, muitos professores, diante das dificuldades do dia-a-dia,
acabam colocando como tarefa principal a normatização moral dos hábitos do
aluno para que, só a partir daí, ele possa desencadear o trabalho do
pensamento. Um bom exemplo disso é um outro tipo de máxima muito
frequente no meio pedagógico que reza, a nosso ver, equivocadamente: “para
ser professor, é preciso antes ser um pouco pai, amigo, conselheiro etc.”
Esse tipo de enfrentamento do trabalho pedagógico é desaconselhável
por três razões, pelo menos:
*em primeiro lugar, trata-se de um desperdício da qualificação e do talento
específico do professor, porque ele não se profissionalizou para ser uma
espécie de pai “postiço”. Para uma ocupação como a paternidade não se exige
uma preparação profissional cada um é pai ou mãe de um jeito peculiar e
assistemático. No caso do professor, exige-se uma preparação lenta e
especializada, devendo ele atuar de maneira semelhante aos seus colegas de
profissão e de modo diverso dos profissionais de outras áreas:
*em segundo lugar, trata-se de um desvio de função, porque ele não foi
contratado para exercer tarefas parentais, e dele não se espera isso. Por mais
que o trabalho em sala de aula demande muitas vezes exigências adicionais ao
âmbito estritamente pedagógico, não se podem delegar ao professor funções
para as quais ele não esteja explicitamente habilitado. É preciso, então, que o
trabalho docente restrinja-se a um alvo específico: o conhecimento
sistematizado, por meio da recriação de um campo lógico-conceitual particular.
Não confundir seu papel com o de outros profissionais e outras ocupações: eis
uma tarefa de fôlego para o professor de hoje em dia;
*em terceiro, trata-se de uma quebra do “contrato” pedagógico, porque o seu
trabalho deixa de ser realizado. Se o professor abandona seu posto, se ele não
cumpre suas funções específicas, quem fará isso por ele? Se o professor não
se responsabilizar imediatamente pelo conhecimento, quem o fará?
Como em todas as outras relações sociais / institucionais (médico-
paciente, patrão-empregado, marido-mulher etc.), na relação pedagógica existe
um contrato implícito um conjunto de regras funcionais que precisa ser
29
conhecido e respeitado para que a ação possa se concretizar a contento. E é
curioso constatar que os próprios alunos têm uma clareza impressionante
quanto a essas balizas contratuais do encontro pedagógico. Sem dúvida
nenhuma, eles sabem reconhecer quando o professor está exercendo suas
funções, cumprindo seu papel. O professor competente e cioso de seus
deveres não é, em absoluto, um desconhecido para os alunos; muito ao
contrário. Estes sabem reconhecer e respeitar as regras do jogo quando ele é
bem jogado, da mesma forma que eles também sabem reconhecer quando o
professor abandona seu posto.
Nesse sentido, a indisciplina parece ser uma resposta clara ao
abandono ou à habilidade das funções docentes em sala de aula, porque é só
a partir de seu papel evidenciado concretamente na ação em sala de aula que
eles podem ter clareza quanto ao seu próprio papel de aluno, complementar ao
de professor. Afinal, as atitudes de nossos alunos são um pouco da imagem de
nossas próprias atitudes. Não é verdade que, de certa forma, nossos alunos
espelham, pelo menos em parte, um pouco de nós mesmos?
Por essa razão, talvez se possa entender a indisciplina como energia
desperdiçada, sem um alvo preciso ao qual se fixar, e como uma resposta,
portanto, ao que se oferta ao aluno. Enfim, a indisciplina do aluno pode ser
compreendida como uma espécie de termômetro da própria relação do
professor com seu campo de trabalho, seu papel e suas funções.
Sob esses aspecto, valeria indagar: qual tem sido o teor de nosso
envolvimento com essa profissão? Temos nos posicionado mais como agentes
moralizadores ou como professores em sala de aula? Temos nos queixado das
famílias mais do que deveríamos ou, ao contrário, temos nos dedicado com
mais afinco ainda ao nosso campo de trabalho? Temos encarado os alunos,
nossos parceiros de trabalho, como filhos desregrados, frutos de famílias
desagregadas, ou como alunos inquietos, frutos de uma escola pouco
desafiadora intelectualmente? Enfim, indisciplina é uma resposta ao fora ou ao
dentro da sala de aula?
d) O ALUNO “DESINTERESSADO” – Ainda, uma terceira hipótese que os
professores levantam frequentemente sobre as razões da indisciplina é
que “para os alunos, a sala de aula não é tão atrativa quanto os outros
30
meios de comunicação, e particularmente o apelo da televisão. Por isso,
a falta de interesse e a apatia em relação à escola. A saída, então, seria
ela se modernizar com o uso, por exemplo, de recursos didáticos mais
atraentes e assuntos mais atuais”.
Esse tipo de raciocínio, mais de cunho metodológico, também merece
alguns reparos. O principal deles refere-se ao fato mais do que evidente de que
escola não é um meio de comunicação. Da mesma forma que distinguimos
anteriormente as instituições família e escola, aqui faz-se importante a
distinção escola e mídia.
Enquanto a mídia (os diversos meios de comunicação como a
televisão, o rádio, o jornal, o próprio computador atualmente etc.) tem como
função primordial a difusão da informação, a escola deve ter como objetivo
principal a reapropriação do conhecimento acumulado em certos campos do
saber aquilo que constitui as diversas disciplinas de um currículo. Ainda, os
meios de comunicação podem ter como objetivo o entretenimento, o lazer.
Escola, ao contrário, é lugar de trabalho árduo e complexo, mas nem por isso
menos prazeroso... Por essa razão, assim como afirmamos anteriormente que
professor não é pai e aluno não é filho, é preciso acrescentar: o professor não
é um difusor de informações, e muito menos um animador de plateia, da
mesma forma que o aluno não é um espectador ou ouvinte. Ele é um sujeito
atuante, corresponsável pela cena educativa, parceiro imprescindível do
contrato pedagógico.
Na escola portanto, não se “repassam” informações simplesmente:
ensina-se o que elas querem dizer, para muito além do que elas dizem, o
trabalho pedagógico-escolar é mais da ordem da desconstrução, da
desmontagem das informações, e isso se faz com raciocínio lógico-conceitual
propiciado pelos diferentes campos de conhecimento, representados nas
disciplinas escolares.
Claro está, pois, que o objetivo da ação docente não é “transmitir” ou
difundir determinados produtos, tais como dados, fórmulas ou fatos, mas
fundamentalmente reconstruir o caminho percorrido antes que se chegasse a
tais produtos. É isso, e tão-somente, o que se faz em uma sala de aula!
31
Pois bem, ponto pacífico, o trabalho pedagógico é muito mais do que a
difusão de determinadas informações. Assim, se não obtivermos o suporte do
conhecimento, ou seja, o recuo do pensamento que o conhecimento
sistematizado nos proporciona, como fazer para decodificar as informações
difusas que os meios de comunicação veiculam cotidianamente, e a granel?
Este é um outro dado importante, uma distinção basal: enquanto a
informação refere-se ao presente, o conhecimento reporta-se obrigatoriamente
ao passado. O conhecimento é aquilo que subjaz a (ou antecede) determinada
informação, e, portanto o requisito básico para a sua inteligibilidade. Por
exemplo, a televisão ou o rádio podem veicular uma determinada notícia e isso
eles fazem às centenas todo dia mas se não tivermos disponíveis certas
ferramentas, de tal maneira que possamos compreender o que aquilo significa
e implica, essa notícia não é compreendida por completo e acaba, mais cedo
ou mais tarde, sendo esquecida, apagada, substituída. Ela simplesmente
desaparece se não houver meios propícios para decompô-la, assim como um
locus para armazená-la. Em suma, pode-se afirmar que a memória é, antes de
tudo, donatária das competências cognitivas.
Por essa razão, a inteligência humana não é, sob hipótese alguma, um
depósito de informações, mas um centro processador delas. Não apenas
ingerimos “informações, mas as digerimos”, e isso é o que nos torna diferentes
uns dos outros. Alguns têm uma capacidade de digestão muito maior do que
outros, e essa capacidade se aprende e se potencializa principalmente no meio
escolar.
É fundamental, portanto, que tenhamos claro que, em sala de aula, o
nosso ponto de partida é a informação, mas o ponto de chegada é o
conhecimento. E essa é uma diferença nem um pouco sutil! Uma máxima
pedagógica recente espelha e, ao mesmo tempo, ameaça esse princípio
básico, do conhecimento como alvo prioritário da intervenção escolar:
“trabalhar com os dados de realidade do aluno”.
É possível, e até desejável, que a ação pedagógica seja desencadeada
a partir dos elementos informativos de que os alunos dispõem, mas o objetivo
docente deve ultrapassar em muito esse escopo restrito, da disponibilidade
cognitiva do aluno e sua pontualidade. O trabalho escolar visa, sem sombra de
32
dúvida, a transformação do pensamento do aluno. Em certo sentido, ele se
contrapõe aos “dados de realidade” discente. Antes, o mundo do conhecimento
contrapõe os saberes sistematizados àqueles pragmáticos, do dia a dia.
Por essas e outras, escola é lugar sempre do passado, no bom sentido
do termo. E deve continuar sendo! Muitas vezes conotamos o passado como
velho antiquado, ultrapassado, em desuso. Não é esse, em absoluto, o caso do
conhecimento escolar. Pode-se afirmar com segurança que, de certo modo, o
conhecimento sistematizado é a grande dádiva que os nossos antepassados
nos legaram, a única herança que as gerações anteriores podem deixar para
as gerações default fonts, para os “forasteiros” recém-chegados ao velho
mundo.
Todos sabemos que a condição humana é extremamente transitória;
somos um ponto fugaz entre o passado e o futuro. E é no interior dessa
evidência que se figura a “transitividade” do lugar educativo, daquele que se
coloca como lastro, mediador entre novos sujeitos e velhos objetos. Então, vale
a pena perguntar: será que estamos conseguindo que nossos futuros cidadãos
estejam angariando efetivamente tudo aquilo que lhes foi legado, para que
possam usufruir da vida, a que têm direito, com intensidade e
responsabilidade?
Muitas vezes, entretanto, temos a impressão de que os alunos não
têm, interesse algum naquilo que temos para lhes ofertar. Ou então, que os
conteúdos escolares seriam, na verdade, alheios aos interesses imediatos,
pontuais da criança e do jovem contemporâneos. Isso não é bem assim. Vale
lembrar que suas demandas não são tão definidas, ou irredutíveis, a ponto de
não poderem ser transformadas. Além do mais, a curiosidade é algo que marca
fortemente a infância e a adolescência, assim como a imaginação é a
estratégia principal empregada para descobrirem o mundo intangível à sua
volta. Pois então, qual é o papel do professor perante isso?
No nosso entendimento, talvez algo muito simples e, ao mesmo tempo,
absolutamente sofisticado: contar histórias... Em sala de aula, re-contamos
histórias – as histórias das conquistas do pensamento humano (nas ciências,
nas humanidades, nas artes, nos esportes). E isso não é nada desinteressante,
quanto mais para uma criança ou um jovem! Na abstração implicada nesses
33
domínios do pensamento pode-se atestar o cerne mesmo da perplexidade
humana perante a existência. E nisso reside grande parte do fascínio do viver!
De mais a mais, não existe nada tão instigante como desvendar a
“lógica” de algo que desconhecemos total ou parcialmente o que pode se
apresentar sob a forma de um problema matemático, da análise de um texto
literário, do movimento de astros longínquos, ou da geografia de terras alheias.
Para tanto, exigem-se do aluno apenas imaginação e inquietude curiosamente,
os mesmos ingredientes básicos da indisciplina, verificados na engenharia de
uma “cola” numa brincadeira maliciosa com o colega, ou ainda numa piada
sobre uma mania ou trejeito qualquer do professor.
Além disso, o ritmo do trabalho pedagógico é outro. Não se pode
imaginar que o tempo de “digestão” do conhecimento seja o mesmo das
informações. Ele é, obviamente, mais lento, mais artesanal, assim como a
inteligência humana é mais seletiva, mais qualitativa do que quantitativa. Sala
de aula, portanto, é o lugar onde o pensamento deve se debruçar por alguns
instantes sobre algumas indagações basais da vida, aquelas corporificadas
pelas questões impostas pelos diferentes campos do conhecimento e seus
múltiplos objetos.
Portanto, vale indagar: temos nos posicionado como aqueles que
guiam essa “viagem” do aluno rumo ao desconhecido, ou, ao contrário, temos
tomado o trabalho de sala de aula como algo maçante e previsível? Temos
visto em nosso aluno a possibilidade de um futuro ex-forasteiro no mundo,
alguém mais complexo e menos afoito do que antes, ou, ao contrário, como
alguém sem capacidade e não habilitado integralmente para essa
possibilidade? Temos tomado nosso ofício como uma linha de montagem ou
como ateliê de uma modalidade singular de arte aquela de forjar cidadãos.
34
CAPÍTULO III
UMA LEITURA PEDAGÓGICA DA INDISCIPLINA ESCOLAR
“Os alunos só podem se comprometer com a escola, se promover uma
educação participativa que estimule o treinamento da emoção. Para haver
disciplina, é a presença de uma autoridade saudável.”
“Para recuperar a autoridade, não é necessário se impor algo, é preciso que a mesma seja reconhecida através do afeto, do respeito, de maneira natural. Talvez, o segredo esteja no desenvolvimento da autoestima”. Tiba (2001, p. 102)
Até agora debatemos quatro grandes hipóteses explicativas da questão
disciplinar, tentando demonstrar que se trata das versões diagnósticas que não
se sustentam por completo, por três razões, pelo menos:
*a primeira é que elas estão apoiadas em algumas evidências equivocadas e
em alguns pseudo-conceitos (como a visão romanceada da educação de
antigamente, a moralização deficitária por parte dos pais, além da ideia do
conhecimento escolar como algo ultrapassado e desestimulante);
*a segunda razão é que, de uma forma ou de outra, elas acabam isolando a
indisciplina como um problema individual e anterior do aluno, quando, ao
contrário, a ato indisciplinado revela algo sobre as relações institucionais-
escolares nos dias atuais;
*a terceira razão deve-se ao fato de que as três hipóteses esquivam-se de
levar em consideração a sala de aula, a relação professor-aluno e as questões
estritamente pedagógicas. Elas esboçam razões para a indisciplina, mas não
apontam caminhos concretos para sua superação ou administração.
Essas quatro hipóteses explicativas cometem um engano, já de
largada, que é o de tomar a disciplina como um pré-requisito para a ação
pedagógica, quando, na verdade, a disciplina escolar é um dos produtos ou
efeitos do trabalho cotidiano de sala de aula. E todos sabemos disso de alguma
maneira, por mais que evitemos o peso dessa constatação...
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É sempre bom lembrar que um mesmo aluno indisciplinado com um
professor nem sempre é indisciplinado com os outros. Sua indisciplina,
portanto, parece ser algo que desponta ou se acentua dependendo das
circunstâncias. Por isso, talvez devêssemos nos indagar mais sobre essas
circunstâncias, e, por extensão, despersonalizar o nosso enfrentamento dos
dilemas disciplinares.
Quase sempre se imagina que é necessário os alunos apresentarem
previamente um conjunto de ações disciplinadas (como: ser “obediente”,
permanecer “em silêncio” etc.) para, então, o professor poder iniciar seu
trabalho. E esse é um equívoco sério, porque, em nome dele, perde-se um
tempo precioso tentando-se disciplinar os hábitos discentes.
Qual uma possível saída, então? Qual outra visão alternativa que não
se paute em nenhuma das três comentadas até agora, ou, mais ainda, que
evite a tentação de incorrer em um pot-pourri de todas elas? Gostaríamos de
propor uma outra hipótese diagnóstica, agora de cunho explicitamente escolar,
para que pudéssemos olhar com outros olhos a indisciplina “nossa de cada
dia”, um dos “ossos de nosso ofício”...
Tomando a indisciplina como uma temática fundamentalmente
pedagógica, talvez possamos compreendê-la inicialmente como um sinal, um
indício de que a intervenção docente não está se processando a contento, que
seus resultados não se aproximam do esperado.
Desse ponto de vista, a indisciplina passa, então, a ser algo salutar e
legítimo para o professor. Indisciplina é um evento escolar que estaria
sinalizando, a quem interessar, que algo, do ponto de vista pedagógico, e mais
especificamente da sala de aula, não está se desdobrando de acordo com as
expectativas dos envolvidos. O que fazer, então? Como interpretar claramente
o que a indisciplina está indicando de forma indireta? Vamos por partes.
Em geral, o trabalho docente é compreendido como a associação de
duas, digamos, grandes “dimensões”. Uma que é a dos conteúdos específicos
e outra que é a dos métodos utilizados. Ou seja, no ideário pedagógico, a
fórmula da intervenção docente resume-se a uma equação como esta: “ensina-
se algo de alguma forma”.
36
Gostaríamos, a partir de agora, de adicionar a essa combinação
pedagógica clássica um terceiro dado, que chamaremos de dimensão “ética”
do trabalho docente. Assim, nossa fórmula pedagógica passaria a contar com
mais um elemento: “ensina-se algo, de alguma forma, a alguém específico”.
Longe de psicologizar o ato educativo, o que se quer dizer com isso? A
dimensão dos conteúdos refere-se a “o quê se ensina”, a dimensão dos
métodos ao “como se ensina”, e a dimensão ética ao “para que se ensina”:
aquilo que delimita o valor humano e social da ação escolar, porque sempre
inserido em uma relação concreta.
Essa é uma distinção importante porque os grandes problemas que
enfrentamos hoje evocam, na maioria das vezes, este “para quê escola?”.
Acreditamos, portanto, que grande parte dos nossos dilemas de todo dia exija
um encaminhamento da natureza essencialmente éticos, e não metodológica,
curricular ou burocrática.
Curiosamente, essa ideia parece apontar na mesma direção para a
qual o aluno indisciplinado está incessantemente nos chamando a atenção. É
essa a pergunta que ele está fazendo o tempo todo: para quê escola? Qual a
relevância e o sentido do estudo, do conhecimento? No quê isso me
transforma? E qual é meu ganho, de fato, com isso?
Temos conseguido responder essas perguntas quando direcionadas a
nós mesmos? Qual a relevância e o sentido da escola, do ensinar e do
aprender para nós, professores? Escola realmente faz diferença na vida das
pessoas? Se ela marca uma diferença sem precedentes, por que ela
geralmente é conotada como um lugar intediante, supérfluo, aquém da
“realidade”, inclusive para nós mesmos? Por que nos esforçamos em imaginar,
tal como nossos alunos, que a “vida mesmo” está para além dos muros
escolares? E por que é que o mundo deixou (e parece deixar cada vez mais)
de parecer com um grande livro aberto?
Todas essas indagações são inadiáveis hoje em dia porque se os
professores, na qualidade de profissionais privilegiados da educação, tiverem
clareza quanto a seu papel e ao valor do seu trabalho, eles conseguirão ter um
outro tipo de leitura sobre o cotidiano da sala de aula, sobre os problemas que
se apresentam e as estratégias possíveis para o seu enfrentamento.
37
Por incrível que possa parecer à primeira vista, grande parte de nossos
contratempos profissionais pode ser resolvida com algumas ideias simples e
eficazes, mesmo porque muitas das armadilhas que o cotidiano nos arma
parecem ter nossa anuência, quando não nossa autoria. Portanto, rever
posicionamentos endurecidos, questionar crenças arraigadas, confrontar
posicionamentos imutáveis, debater-se contra as fatalidades: eis algo que,
antes de ser uma obrigação, significa uma oportunidade ímpar de vivência
dessa profissão, de certo modo, extraordinária.
Para que isso possa ser otimizado, algumas premissas pedagógicas
precisam ser reservadas (e fomentadas, é claro) no trabalho de todo dia, de
sala de aula. E essas premissas ultrapassam o plano dos conteúdos e dos
métodos, ou melhor, elas os abarcam.
Nada de muito complexo, ao contrário. Tendo-as em mente, todo o
resto (disciplina, aproveitamento, interesse, credibilidade, sucesso escolar) virá
a contento... Vale a pena apostar!
3.1 – ALGUMAS PREMISSAS PEDAGÓGICAS FUNDAMENTAIS
Há, a nosso ver, alguns princípios éticos balizadores de nosso trabalho,
e estes implicam, inicialmente, quatro elementos básicos, a saber:
*o conhecimento, que é o objeto exclusivo da ação do professor. O âmbito de
atuação do professor é essencialmente pedagógico. Portanto, ater-se ao seu
campo de conhecimento e suas regras particulares de funcionamento, nunca à
moralização dos hábitos, é uma medida fundamental;
*a relação do professor-aluno, que é o núcleo do trabalho pedagógico, uma vez
que o aluno é nosso parceiro, co-responsável pelo sucesso escolar, portanto.
Mas é fundamental que seja preservada a distinção entre os papéis de aluno e
de professor. Não se pode esquecer nunca que é dever do professor ensinar,
assim como é direito do aluno aprender. Isso nem sempre é claro ainda para o
aluno, principalmente aqueles do ensino fundamental, o que não significa que o
mesmo deva acontecer conosco;
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*a sala de aula, que é o contexto privilegiado para o trabalho, o microcosmo
concreto onde a educação escolar acontece de fato. É lá também que os
conflitos têm de ser administrados, gerenciados. É lá, e apenas lá, que se
equacionam os obstáculos e que se atinge uma possível excelência
profissional. Portanto, mandar aluno para fora de sala (e, no limite, pra fora da
escola) é um tipo de prática abominável, que precisa ser abolida urgentemente
das práticas escolares brasileiras;
*o contrato pedagógico. Trata-se da proposta de que as regras de convivência,
muitas vezes implícitas, que orientam o funcionamento da sala de aula daquele
campo de conhecimento em particular precisam ser explicitadas para todos
envolvidos, conhecidas e compartilhadas por aqueles inseridos no jogo escolar,
mesmo se elas tiverem de ser relembradas (ou até mesmo transformadas)
todos os dias. Portanto, a medida mais profícuo é a seguinte: jamais iniciar um
curso ou um ano letivo sem que as regras de funcionamento dessa “sala de
aula/laboratório” sejam conhecidas, partilhadas e, se possível, negociadas por
todos. É na medida em que todos se sentem co-responsáveis pelo “código” de
regras comuns que se pode ter parceria, solidariedade, um projeto conjunto e
contínuo o que, no caso do trabalho pedagógico, é mais do que necessidade, é
uma exigência.
3.2 – AS CINCO REGRAS ÉTICAS DO TRABALHO DOCENTE
Gostaria de finalizar essa breve incursão no tema disciplinar com a
proposição de cinco regras éticas, assim como as temos denominado, as quais
falam por si mesmas. Se o professor levar em consideração essas possíveis
balizas de convivência no seu trabalho cotidiano, os seus “problemas”
disciplinares deixarão de ser prioritários, uma vez que elas instauram a
intervenção do professor, e não as condutas da clientela, como norte da ação
escolar. Também, em nosso ponto de vista, trata-se do único antídoto contra o
fracasso escolar ou os tais “distúrbios de aprendizagem”, e até mesmo contra a
terrível falta de credibilidade profissional que nos assola e da qual padecemos
tão severamente nesses últimos tempos. E quais são essas regras?
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*a primeiríssima regra implica a compreensão do aluno-problema como um
porta-voz das relações estabelecidas em sala de aula. O aluno-problema não é
necessariamente portador de um “distúrbio” individual e de véspera, mesmo
porque o mesmo aluno “deficitário” com certo professor pode ser bastante
produtivo com outro. Temos que admitir, a todo custo, que o suposto obstáculo
que ele apresenta revela um problema comum, sempre da relação. Vamos
investigá-lo, interpretando-o como um sinal dos acontecimentos de sala de
aula. Escuta: eis uma prática intransferível!
*a segunda regra ética refere-se a desidealização do perfil de aluno. Ou seja,
abandonemos a imagem do aluno ideal, de como ele deveria ser, quais hábitos
deveria ter, e conjuguemos nosso material humano concreto, os recursos
humanos disponíveis. O aluno, tal como ele é, é aquele carece (apenas) de nós
e de quem nós carecemos, em termos profissionais
*a terceira regra implica a fidelidade ao contrato pedagógico. É obrigatório que
não abramos mão, sob hipótese alguma, do escopo de nossa ação, do objeto
de nosso trabalho, que é apenas o conhecimento. É imprescindível que
tenhamos clareza de nossa tarefa em sala de aula para que o aluno possa ter
clareza também da dele. A visibilidade do aluno quanto ao seu papel é
diretamente proporcional à do professor quanto ao seu. A ação do aluno é, de
certa forma, espelho da ação do professor. Portanto, se há fracasso, o fracasso
é de todos; e o mesmo com relação ao sucesso escolar.
*a quarta regra é a experimentação de novas estratégias de trabalho.
Precisamos tomar o nosso ofício como um campo privilegiado de
aprendizagem, de investigação de novas possibilidades de atuação
profissional. Sala de aula é laboratório pedagógico, sempre! Não é o aluno que
não se encaixa no que nós oferecemos; somos nós que, de certa forma, não
nos adequamos às suas possibilidades. Precisamos, então, reinventar os
métodos, os conteúdos em certa medida, nossa relação com eles, para que se
possa, enfim, preservar o escopo ético do trabalho pedagógico.
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*a última regra ética, e com qual encerro o percurso, é a ideia de que dois são
os valores básicos que devem presidir na nossa ação em sala de aula: a
competência e o prazer. Quando podemos (ou conseguimos) exercer esse
ofício extraordinário que é a docência com competência e prazer, por extensão,
com generosidade, isso se traduz também na maneira com que o aluno
exercita o seu lugar.
“A autoridade coerente democrática, fundando-se na certeza da importância, quer si mesma, quer da liberdade dos educandos para a construção de um clima real disciplina, jamais minimiza a liberdade. Pelo contrário, aposta nela. Empenha-se em desafiá-la sempre e sempre: jamais vê na rebeldia da liberdade, um sinal de deteriorização da ordem. A autoridade coerente democrática está convicta de que a disciplina verdadeira não existe na estagnação, no silêncio dos silenciados, mas no alvoroço, dos inquietos, na dúvida que instiga, na esperança que desperta”. (Freire-1996, p. 104)
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CONCLUSÃO
Podemos dizer que a história da Educação Brasileira tem um princípio,
um meio e fim bem demarcado e facilmente observável. Ela é feita de rupturas
marcantes, onde cada período determinado teve características próprias.
Somos produto de uma repressão europeia que nos tornou, por muito
tempo dependentes e subdesenvolvidos.
Até os dias de hoje muito tem se mexido no planejamento educacional,
mas a educação continua a ter as mesmas características impostas em todos
os países do mundo, que é a de manter o “status quo” para aqueles que
frequentam os bancos escolares: subserviência, dependência e paternalismo
foram as palavras de ordem incorporadas à cultura brasileira desde os jesuítas.
A educação brasileira passou por várias transformações, mas ainda
observam-se profissionais que se desenvolvem suas práxis educativas sem
perceber que suas condutas e atitudes fazem parte de algumas das tantas
tendências: tradicional, comportamentalista, humanista, cognicista, sócio-
cultural e que estas se manifestam através do pensamento, comportamento,
temperamento, estratégias e ações que são implícitas ao se relacionar com o
aluno.
Ao longo do tempo, o contexto familiar sofreu várias mudanças que
interferem sobremaneira na forma como a criança pensa, age sobre o mundo e
como se posiciona na escola. No entanto, o professor ainda está preso a
padrões comportamentais do passado. Dentro desse quadro, acontecem
inúmeras situações no cotidiano escolar que são vistas de um modo geral
pelos educadores como atitudes de indisciplina. A indisciplina escolar tem se
configurado enquanto queixa frequente entre os professores. É comum
atribuírem a esse fenômeno uma grande parte de suas dificuldades, então,
veem o aluno como um empecilho ou obstáculo para o trabalho pedagógico.
Pensando assim, os alunos são considerados por eles como: aluno-problema;
aluno desrespeitador; aluno, sem limite ou aluno desinteressado.
Muitos professores, diante das dificuldades do dia a dia, acabam
colocando como tarefa principal a normatização moral dos hábitos do aluno
para que, só a partir daí, ele possa desencadear o trabalho do pensamento.
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Ao nosso ver, esse tipo de enfrentamento do trabalho pedagógico é
desaconselhável por três razões, pelo menos:
• Trata-se de um desperdício de qualificação e do talento específico do
professor;
• Trata-se de um desvio de função, porque ele não foi contratado para exercer
tarefas fundamentais;
• Trata-se de uma quebra do “contrato” pedagógico, porque o seu trabalho
deixa de ser realizado.
Nesse sentido, a indisciplina parece ser uma resposta clara ao
abandono ou à habilidade das funções docentes em sala de aula, porque é só
a partir de seu papel evidenciado concretamente em ação em sala de aula que
eles podem ter clareza quanto ao seu próprio papel de aluno. Enfim, a
indisciplina do aluno pode ser compreendida como uma espécie de termômetro
da própria ação do professor com o seu campo de trabalho, seu papel e suas
funções.
Tomando a indisciplina como uma temática fundamentalmente
pedagógica, devemos compreendê-la inicialmente como um sinal, um indício
de que a intervenção docente não está processando a contento, que seus
resultados não se aproximam do esperado.
Desse ponto de vista, a indisciplina passa, então, a ser algo salutar e
legítimo para o professor. A indisciplina é um evento escolar que estaria
sinalizando, a quem interessar, que algo do ponto de vista pedagógico, e mais
especificamente da sala de aula, não está se desdobrando de acordo com as
expectativas dos envolvidos.
Portanto, rever posicionamentos endurecidos, questionar crenças
arraigadas, confrontar posicionamentos imutáveis, debater-se contra
fatalidades: eis algo que, antes de ser uma obrigação, significa uma
oportunidade ímpar de vivência dessa profissão, de certo modo, extraordinária.
Para que isso possa ser otimizado, algumas premissas pedagógicas
precisam ser preservadas (e fomentadas, é claro) no trabalho de todo dia, de
sala de aula. E essas premissas ultrapassam o plano dos conteúdos e dos
métodos, ou melhor, elas os abarcam.
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Há, a nosso ver, alguns princípios éticos balizadores do trabalho
pedagógico, e estes implicam, inicialmente, quatro elementos básicos, a saber:
o conhecimento, a relação professor-aluno, a sala de aula e o contrato
pedagógico.
Finalizamos essa breve incursão no tema disciplinar com a proposição
de cinco regras éticas, as quais falam por si mesmas. Se os professores
levarem em consideração essas possíveis balizas de convivência no seu
trabalho cotidiano, os seus “problemas” disciplinares deixarão de ser
prioritários, uma vez que elas instauram a intervenção do professor, e não as
condutas de clientela, como norte da ação escolar. Vejamos então, quais são:
Compreensão do aluno-problema como um porta-voz das relações
estabelecidas em sala de aula
A não idealização do perfil de aluno
A fidelidade ao contrato pedagógico
A experimentação de novas estratégias de trabalho
Competência e o prazer
Acreditamos que quando o professor exerce seu ofício extraordinário
que é a docência com competência e prazer, e por extensão, com
generosidade, isso se traduz na maneira com que o aluno exercita o seu lugar.