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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA EDUCAÇÃO MUSICAL NO CURRÍCULO ESCOLAR: TRILHANDO CAMINHOS PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA Por: Ana Paula Cruz Santiago Pereira Orientador Professora Mary Sue Pereira Rio de Janeiro 2013 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · RESUMO Este trabalho busca o entendimento do processo de educação musical e da Música enquanto disciplina dentro do contexto

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

EDUCAÇÃO MUSICAL NO CURRÍCULO ESCOLAR: TRILHANDO

CAMINHOS PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Por: Ana Paula Cruz Santiago Pereira

Orientador

Professora Mary Sue Pereira

Rio de Janeiro

2013

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

EDUCAÇÃO MUSICAL NO CURRÍCULO ESCOLAR: TRILHANDO

CAMINHOS PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Docência do Ensino

Superior.

Por: Ana Paula Cruz Santiago Pereira

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AGRADECIMENTOS

À Lena e Paulo, que fizeram e ainda

fazem muito por mim. À Clara e Daniel

que me ensinam todos os dias a amar.

Ao Márcio, pela presença firme e

carinhosa, por acreditar, apoiar e

insistir quando eu desacreditei e por

ver o que nem eu vi. Aos professores e

alunos, companheiros e amigos, que

trocam e compartilham comigo suas

experiências, que crescem junto

comigo e com quem todos os dias

aprendo a renovar-me.

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DEDICATÓRIA

À Clara e Daniel. Meus amores.

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RESUMO

Este trabalho busca o entendimento do processo de educação

musical e da Música enquanto disciplina dentro do contexto escolar. Buscando

as origens históricas, filosóficas e metodológicas da ação educativa como um

todo e, em especial da ação musical, o trabalho pretende provocar e suscitar,

em quem possa lê-lo, a percepção indispensável e necessária para o

entendimento do processo e da dinâmica do fenômeno musical dentro das

instituições escolares de ensino no Brasil.

O trabalho está dividido em três capítulos. No primeiro, fizemos um

breve histórico do caminho percorrido pela Música na educação escolar e na

formação do indivíduo.

No segundo capítulo, partindo da questão da Educação Musical

como área de conhecimento, abordamos seus antecedentes Brasil e como ela

vem se desenvolvendo, principalmente em função da evolução da legislação no

país.

No terceiro e último capítulo, refletimos sobre o ensino da música

principalmente como prática educativa dentro das instituições de educação

básica. Assim, suas funções e significados, a questão curricular e

metodológica e a formação do professor dentro do atual sistema educacional

brasileiro, fazem parte dessa análise.

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METODOLOGIA

A investigação foi feita através de pesquisa bibliográfica e de análise

legislacional. Foi realizado um levantamento de dados bibliográficos, através

livros, periódicos, revistas especializadas, artigos científicos e análise das Leis

da educação brasileira.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - Educação Musical 11

CAPÍTULO II - O ensino de Arte no Brasil 21

CAPÍTULO III – Valores e práticas 31

CONCLUSÃO 36

BIBLIOGRAFIA 38

ÍNDICE 41

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INTRODUÇÃO

A partir de 1996, a arte passou a ser componente curricular

obrigatório nas escolas do país. A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, (LDB, nº 9.394/96) aprovada em 20 de dezembro de 1996,

estabelece em seu artigo 26, parágrafo 2º: “O ensino da arte constituirá

componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de

forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos” A LDB promoveu

mudanças significativas em todo o contexto educacional brasileiro. Entretanto,

apesar dispor sobre o ensino de arte, não mencionava especificamente a

linguagem musical.

Em 18 de agosto de 2008, a Lei n° 11.769, publicada no Diário

Oficial da União, altera a Lei 9.394/96 tornando obrigatório o ensino de música

no ensino fundamental e médio.

Art. 1º O art. 26 da Lei n 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido do seguinte: § 6º A música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular de que trata o § 2º deste artigo. Art. 1º da Lei 11.769, de 18 de agosto de 2008 que altera a Lei 9.394/96.

A referida Lei diz que “os sistemas de ensino terão três anos letivos

(a contar de sua publicação) para se adaptarem às exigências estabelecidas”

(Brasil, 2008). Por sido publicada em 2008, concluímos que o término do prazo

para o cumprimento das exigências encerrou-se em 2011, e observamos neste

e nos dois anos seguintes uma movimentação no intuito do cumprimento da

legislação, com significativo aumento na busca por profissionais qualificados

para atender à nova demanda e o consequente aumento de contratações e

surgimento de novas vagas em concursos públicos.

Todavia, a inserção de uma disciplina implica em uma série de

reflexões pertinentes quanto a sua viabilidade dentro do formato escolar atual

(grade de disciplinas, infraestrutura, formação docente e etc.) e o professor de

música acaba por deparar-se com diversas de questões.

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No que diz respeito à infraestrutura escolar, temos situações

diversificadas: escolas com orquestras e bandas e com sala ambiente, outras

onde o professor trabalha de sala em sala, munido de um violão ou um

aparelho de som e outras onde ele não dispõe de recurso algum além do

tradicional quadro negro.

No que concerne à expectativa da direção e dos demais docentes

quanto à inserção da disciplina no contexto escolar, deparamo-nos com pré-

conceitos de que a disciplina, principalmente nos primeiros anos da educação

básica, deveria servir de apoio aos eventos festivos da escola, ensaiando

músicas para apresentações aos pais ou nas festividades ou ainda sendo

utilizada de forma instrumental, como recurso facilitador de aprendizagem de

conteúdos de outras disciplinas. São possibilidades, porém, é uma visão

limitada e esse absolutamente não deve o foco da educação musical.

Marisa T. de O. Fonterrada em seu livro De tramas e fios comenta

sobre a visão distorcida que a própria escola tem do professor de música e da

educação artística:

É sintomático que, em grande parte das escolas, a disciplina artes (ou educação artística, terminologia ainda vigente) não seja valorizada do mesmo modo que as outras; via de regra, o professor de artes é considerado o festeiro da escola, aquele que ajuda os alunos a passarem seu tempo enquanto se recuperam dos esforços empreendidos com as disciplinas consideradas “importantes”. Ele é um professor que tem que abrir seu espaço na comunidade escolar a cotoveladas, pois seu trabalho não é reconhecido como de igual valor ao de seus colegas de outras áreas do conhecimento. A maneira como é encarada a disciplina artes na escola brasileira atual é reflexo de uma “visão de mundo” que valoriza o saber e as técnicas, e vê a arte como entretenimento ou passatempo. (FONTERRADA, 2005. p.212-213)

Como disciplina, há conteúdos específicos a serem trabalhados, e a

música até pode eventualmente atender a expectativa da comunidade escolar

(diretores e demais professores de outras matérias) nas questões supracitadas,

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mas isso não pode definir como a disciplina será trabalhada pelo professor

especialista de música.

Sobre a sistematização dos conteúdos e a organização em séries ou

períodos, diferentemente das demais disciplinas que já têm uma tradição e

uma maneira de se trabalhar sistematizada em função da recente

implementação, ainda não há um padrão para se trabalhar essa disciplina e

ainda que Os PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais publicados em 1997 e

1998) ofereçam bases referenciais para a elaboração dos currículos escolares,

inclusive sobre o ensino de música, não há uma determinação sobre quais

conteúdos serão aplicados em cada uma das séries da educação básica. Além

disso, as escolas deliberam livremente em quais séries haverá ou não a

presença da música como disciplina, contribuindo para que o panorama seja

confuso no que diz respeito à continuidade entre uma série e a subsequente

em matéria de conteúdos.

Salvo exceções, o aluno provavelmente não teve a disciplina

contínua e progressivamente, desde as primeiras séries do ensino fundamental

e será apresentado aos seus conteúdos de forma não contínua em um dos

anos do ensino fundamental ou somente no ensino médio. Mesmo sendo uma

particularidade da disciplina a flexibilidade, a não cristalização dos

planejamentos e a não padronização dos mesmos, levantar questões

referentes à sistematização de conteúdos é importante.

Também é provável que apenas uma pequena parcela das escolas

tenha tido condições de montar uma estrutura adequada ao ensino de música,

quer por questões de tempo ou por desconhecer do que configura uma

estrutura adequada para o exercício de atividades musicais.

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CAPÍTULO I

EDUCAÇÃO MUSICAL

A comunicação entre as pessoas e os povos não se dá apenas por

meio da palavra oral e escrita, gestos e símbolos, mas também por meio de

linguagens artísticas, suas músicas, pinturas, danças, manifestações teatrais.

Portanto é extremamente relevante que os indivíduos, da mesma maneira que

são apresentados às línguas e demais formas de comunicação, sejam

apresentados de maneira adequada e o quanto antes na sua vida escolar às

diversas expressões artísticas. A importância da arte na escola resulta de sua

importância na vida. Assim, é necessário inserir a Arte na estrutura escolar

como uma área do conhecimento humano com suas características e objetos

de estudo específicos para que lhe seja dispensado o devido cuidado e

atenção.

Para nos apropriarmos de uma linguagem, entendermos, interpretarmos e darmos sentido a ela, é preciso que aprendamos a operar com seus códigos. Do mesmo modo que existe na escola um espaço destinado à alfabetização na linguagem das palavras e dos textos orais e escritos, é preciso haver cuidado com a alfabetização nas linguagens da arte. (...) Assim, mais fronteiras poderão ser ultrapassadas pela compreensão e interpretação das formas sensíveis e subjetivas que compõem a humanidade e sua multiculturalidade (...). (Martins, 2009, p.13)

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Arte mencionam a

inclusão da Arte na estrutura curricular tratando-a “como área, com conteúdos

próprios ligados à cultura artística e não apenas como atividade” e destacando

como componentes quatro linguagens: Artes Visuais, Dança, Música e Teatro

(Brasil, 1997, p.20).

Trataremos neste trabalho da Música, enquanto linguagem,

disciplina e objeto de pesquisa no âmbito educacional. Para não haver dúvidas

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quanto aos termos utilizados, faz-se necessário esclarecer o significado de três

conceitos fundamentais que serão utilizados nesta pesquisa, a saber, o de

Música (grafada com letra maiúscula), música e educação musical. Por Música

entendemos a disciplina componente do currículo escolar, assim como em

Português, Matemática e outras disciplinas; ao grafarmos com letra minúscula,

trataremos do substantivo música, que segundo o PCN de Arte é “uma das

modalidades na área de arte” e por educação musical entenderemos as

práticas referentes ao ensino da música no contexto escolar, quer como

componente curricular, quer como conteúdo obrigatório inserido na disciplina

Arte.

1.1 – Breve histórico

A música tem desempenhado um importante papel no

desenvolvimento humano, tanto no aspecto religioso, como no moral ou social,

contribuindo na formação de hábitos e valores indispensáveis á formação do

homem.

Se voltarmos nossos olhares para a Grécia antiga, encontraremos

um conceito de música complexo, englobando não apenas o fenômeno sonoro,

mas também a metafísica e a filosofia. Alícia Loureiro (2001, p.36) afirma que

“A palavra música vem do grego – ‘Mousiké’”. Ao buscarmos o significado

desta palavra, encontramos, segundo LIDDELL and SCOTT (2001, p.520), a

definição de que mousiké é “toda arte presidida pelas Musas, música, poesia

lírica, artes, letras” (tradução nossa). Dessa forma, podemos interpretar

mousiké como significando aquilo que se refere às musas, ou seja, à arte das

musas.

As musas regozijavam os deuses do Olimpo com seus cantos e aos

homens elas doavam a inspiração poética e o conhecimento. Como a maioria

dos conceitos gregos, a mousiké podia ser compreendida em dois âmbitos:

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num âmbito particular, englobando tudo o que envolvia uma produção sonora

(o canto, as danças, a poesia, etc...); num âmbito geral a mousiké ultrapassava

o fenômeno sonoro, equiparando-se aos conceitos de lógos e harmonia como

uma forma de organização do pensamento. Assim, a mousiké era resultado da

articulação entre essas duas instâncias, formando uma rede de significados de

culturalização do indivíduo. Segundo Loureiro:

“O reconhecimento do valor formativo da música fez com que surgissem, neste país, as primeiras preocupações com a pedagogia da música. Assim, a música requer uma instrução que ultrapassa o caráter puramente estético; torna-se uma disciplina (...). Pouco a pouco, “mousike” passou a abranger tudo o que concernia ao cultivo da inteligência, assim como “gymnastike” resumia tudo quanto se referisse ao desenvolvimento físico. Receber uma educação musical não significava, portanto, aprender a tocar piano, violino, ou fagote, mas estudar a fundo todas as artes liberais, a escrita, a matemática, o desenho, a declamação, a física e a geometria, saber cantar num coro e tocar perfeitamente pelo menos um instrumento.” (LOUREIRO, 2001, p.36)

A autora também explica a concepção dos gregos sobre música no

processo educacional, de sua importância na formação do cidadão livre apto a

agir na pólis:

Para os gregos, a educação era concebida como a relação harmoniosa entre corpo e mente e seu objetivo era preparar cidadãos para participar e usufruir dos benefícios da sociedade. Na visão dos gregos, a educação possuía uma função mais espiritual do que material. Seu principal objetivo era a formação do caráter do sujeito e não apenas a aquisição de conhecimentos. Por isso, buscavam uma educação plena, vinda de dentro do aluno e baseada não apenas nos livros, mas na experiência de vida de cada pessoa. Nessa perspectiva, a educação se constituía no estudo da ginástica e da música. Pela música e pela ginástica, buscava-se o equilíbrio entre a mente e o corpo, buscava-se um universo equilibrado – “ginástica para o corpo, música para a alma”. (...) A Grécia desenvolveu, dentre outras coisas, um dos elementos mais importantes do pensamento musical: o raciocínio matemático. Esta relação entre a matemática e a música se deve ao matemático Pitágoras, que ampliou suas descobertas para a dimensão da acústica sonora. Segundo Pitágoras, matemática e música eram parte uma da outra, e nessa relação estava a explicação para o funcionamento de todo o universo. A música é então considerada fonte de sabedoria,

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sendo considerada indispensável à educação do homem livre. As idéias de Pitágoras exerceram considerável influência sobre o pensamento grego, servindo de fundamento às doutrinas de Platão. (...) Segundo o filósofo, a música pode introduzir no espírito do ser humano o sentido de ritmo e de harmonia, pois uma pessoa corretamente educada na música, pelo fato de a assimilar espiritualmente, sente desabrochar dentro de si, desde a sua mocidade e numa fase ainda inconsciente do desenvolvimento, uma certeza infalível de satisfação pelo belo e de repugnância pelo feio. Além disso, a educação musical é vista por Platão como pré-requisito ao conhecimento filosófico (...), como também teria condições de realizar o inverso, contribuindo, de modo eficaz, para a educação da juventude. Daí, a necessidade de se colocar a música sob a administração do Estado, sempre a serviço da edificação espiritual humana, voltada para o bem da polis, almejada como cidade justa. (LOUREIRO, 2001, P.36-39)

Com a invasão do mundo grego pelo Império Romano, os valores

dominantes mudam. Características como sensibilidade e busca do belo são

incompatíveis com a formação dos soldados romanos, que são educados

com extrema disciplina a fim de serem duros, rígidos e severos. O povo

romano irá carregar, em oposição à sensibilidade grega, uma natureza

guerreira e rude e durante muito tempo, os ideais e propósitos romanos

restringirão-se a conquistar o mundo e a dominar os povos conquistados.

Posteriormente, entretanto, sob a tardia influência grega, as artes e as letras

floresceriam em Roma.

A cultura helenística influencia os romanos e a educação musical vai

ganhando espaço passando, a ser estudada como ciência, como um saber

científico, privilegiando seu aspecto teórico em detrimento do conhecimento

prático. É o início do rompimento da visão integrada da música e a criação

de duas visões diferenciadas: música teórica e música prática.

Durante a Idade Média, a Igreja Católica centralizou todas as

relações da vida dos indivíduos. Por considerar que a música exercia forte

influência sobre as pessoas, os cultos católicos apoiavam-se amplamente

sobre o recurso musical. Embora, dentro desta perspectiva, a música como

prática possua muito maior funcionalidade do que a teórica, não há até o

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referido momento um fim performático na música. Com relação ao ensino, a

Igreja estabeleceu o ensino da música como disciplina teórica inserida no

domínio das ciências matemáticas, situando-a ao lado da aritmética,

geometria e astronomia.

A Igreja acaba por impulsionar a investigação e o ensino de música.

A fundação de capelas, colégios, academias, bibliotecas, e a criação de

conjuntos polifônicos e instrumentais estimularam a busca por formação

especializada de compositores, cantores, concertistas e musicólogos. Na

schola cantorum, dirigida e criada por S. Gregório Magno, desenvolveu-se o

ensino do canto como forma de exaltação à fé. Nessa escola, padres e

missionários aprendiam música da liturgia católica, para que pudessem leva-

la a todos os lugares do mundo.

Gregório Magno (Papa de 590 a 604) deu ordenação definitiva ao

canto litúrgico. Elaborou dois livros: Antiphonarium e Cantatorium. Estes

livros continham cantos e hinos ordenados da forma que seriam usados nas

festas e cerimônias. Estes cantos e hinos deveriam servir de norma a toda

Igreja Católica.

Em homenagem ao papa estes cantos receberam o nome de canto

gregoriano ou cantochão. As canções eram emitidas a uma só voz e

compostas a partir de uma única linha melódica e tinham a função de ser

uma espécie de oração cantada, símbolo da fé cristã. Loureiro comenta a

respeito:

Até por volta do ano 1000, a música monódica e religiosa, era utilizada não só para efeito de ser ouvida, mas também para dar ao culto religioso um clima consonante, valorizando mais o cantor do que o musicus. O primeiro, associado ao saber musical do “bem modular o som”, dá prioridade à atividade do “corpo”, trabalha a prática musical, servindo aos cultos cristãos; o segundo enfatiza o saber musical que “fala” de números, continua buscando as relações entre a música e as disciplinas científicas, priorizando como ideal o funcionamento da “mente”. Para uma educação musical voltada para a prática, era nas

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escolas – em mosteiros e em catedrais – que se aprendiam salmos, notas, canto e gramática. . (LOUREIRO, 2001, p.40)

Na Idade Média, a música recupera a sua natureza como linguagem

expressiva, capaz de expressar sentimentos e restabelece-se da forma

como é compreendida no ideal grego, como ciência e como arte. Surgem as

primeiras tentativas para cantar a duas ou mais vozes, simultaneamente, em

livre união com o contraponto e a harmonia, ou seja, começa a surgir a

polifonia.

Paralelamente à música religiosa, agora com características

polifônicas, séria e de caráter transcendental, desenvolvia-se a música

popular, modal e de caráter profano. Apesar de não agradar à Igreja, surgem

os trovadores cortesãos e os menestréis populares. A canção trovadoresca,

com acompanhamento musical, composta por nobres músicos, cavaleiros

durante as grandes cruzadas, expressava sentimentos de amor e saudades,

além dos feitos heróicos das guerras, como comenta Andrade, citado por

Loureiro:

(...) havia desde muito na Europa continental uma espécie de cantadores estradeiros, classe rebaixada, vivendo de ciganagem, praticando por toda a parte feitiçaria, crimes e doce música. Eram os Histriões (Jograis, Menestréis), tocadores de instrumentos populares como a viela (fiedel), a rabeca, o tambor basco, flautas, cornamusa. Crescidos em importância quando os trovadores apareceram e principiaram se utilizando deles como acompanhadores, os menestréis chegaram a possuir escolas musicais chamadas Escolas de Menestria. (...) mui provavelmente por influxo da quotidianidade musical profana que os menestréis davam às cortes e castelos, é que os nobres, sem nada que fazer, principiaram inventando cantigas também (séc. XI a XIII). Estes foram os Trovadores (Troubadours, Trouvères) da França, e da Alemanha (Minnesaenger), a cujo exemplo se formou o trovadorismo europeu, fixador de línguas, influenciador de música, primeiro reflexo étnico das nações na música do Cristianismo (ANDRADE apud LOUREIRO, 2001, p.41-42).

A Renascença é um momento de expansão científica, de

florescimento do comércio e ascensão da burguesia. Há um movimento de

libertação do homem através da busca pela razão. Uma nova cultura

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floresce, marcada pelo individualismo e pelo antropocentrismo e pelo cultivo

das ciências, letras e artes. Segundo Aranha:

A escola institucionalizou-se de maneira mais complexa a partir do Renascimento e da Idade Moderna (...). Tratava-se de algo absolutamente novo, que bem definia o nascimento da escola, como conheceríamos daí para a frente. (...) a atenção dada à escola era fruto dos interesses da burguesia nascente, que começava a ver a família e a criança de maneira diferente (...). As necessidades da burguesia em ascensão exigiam outro tipo de educação, mais voltada para a vida e com olhar no futuro. (ARANHA, 2006, p.112-113)

Com raízes no humanismo, a Reforma Protestante liderada por

Martinho Lutero dá novo impulso à música religiosa. Ao homem é conferida

a responsabilidade pela sua fé e ao ver na Bíblia a fundamentação dessa fé,

o protestantismo busca colocar todos os fiéis em condições de salvar suas

almas através da leitura da Bílblia. Para isso, Lutero apela para as

autoridades públicas, insistindo na necessidade da criação de escolas.

Segundo Aranha:

Lutero considerava importante que as pessoas aprendessem a ler, a fim de ter acesso à Bíblia (que ele cuidou de traduzir do latim para o alemão), estendendo esse benefício também às mulheres. Nesse sentido, defendia intensamente a implantação da escola primária para todos e, de acordo com o espírito do humanismo, repudiava os castigos físicos, o verbalismo oco da Escolástica decadente e a filosofia medieval. Propunha jogos, exercícios físicos, música, valorizava os conteúdos literários e recomendava o estudo de história e de matemática. (ARANHA, 2006, p.112-113)

A educação preconizada por Lutero visava, basicamente, à

catequese do povo. Por sua importância nos cultos religiosos, a música

destaca-se nas escolas protestantes, onde as crianças aprendiam não só a

cantar, mas recebiam também noções de escrita musical.

Reagindo à difusão do protestantismo, a Igreja Católica mobiliza-se

e estabelecendo o movimento de Contrarreforma para fazer frente à

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Reforma Protestante, não perder fiéis e ainda angariar novos adeptos.

Aranha diz que:

A reação católica da Contrarreforma, na tentativa de deter a expansão do credo protestante, teve como expoente mais importante a ordem religiosa da Companhia de Jesus, cujos seguidores são conhecidos como jesuítas. A ordem estabelecia rígida disciplina militar e tinha como objetivo inicial a propagação missionária da fé, a luta contra os infiéis e os heréticos. Para tanto os jesuítas se espalharam pelo mundo, desde a Europa, assolada pelas heresias, até a Ásia, a África e a América. Fundaram inúmeros colégios e universidades. (...) Configuram-se aí as linhas mais rígidas da chamada escola tradicional, que (...) impunha a disciplina por meio da vigilância total. (ARANHA, 2006, p.113)

A música foi um dos principais recursos utilizados pelos jesuítas no

processo de escolarização da juventude européia, com vistas à formação do

bom cristão. Além de constituir uma disciplina, estava presente no currículo

das escolas, enriquecendo as festas e os cultos religiosos. Nos colégios

fundados pelas ordens religiosas oratorianas e jesuíticas a educação

musical foi praticada com fins estritamente religiosos até o final do século

XVIII.

No desenvolvimento das idéias pedagógicas temos a figura do

filósofo Jean-Jacques Rosseau, que centralizou os interesses pedagógicos

no aluno e não mais no professor. A respeito desse filósofo, Aranha

comenta:

Rousseau (...) ressaltou a especificidade da criança, que não devia ser encarada como um “adulto em miniatura”. Até então, os fins da educação encontravam-se na formação do indivíduo para Deus ou para a vida em sociedade, mas Rousseau quer que o ser humano integral seja educado para si mesmo: “Viver é o que eu desejo ensinar-lhe. Quando sair das minhas mãos, ele não será magistrado, soldado ou sacerdote, ele será, antes de tudo, um homem.” (ARANHA, 2006, p.208-209).

Loureiro (2001, p.43) comenta que a desvinculação entre ensino de

música e sua utilização com objetivos religiosos só ocorre no século XIX,

com o amadurecimento das idéias de Pestalozzi e Froebel. Discípulos de

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Rousseau, eles defendiam uma educação baseada no respeito à natureza

humana, às suas necessidades e interesses, enfatizando a importância da

sensibilidade no desenvolvimento da razão. A experiência é vista por eles

como pré-requisito para a aprendizagem. Por isso, ambos reconheciam a

“função social do ensino, não como simples instrução, mas como formação

completa, pela qual cada um é levado à plenitude do seu ser” (ARANHA,

2006, p.211).

Loureiro comenta que a perspectiva da sensibilidade no processo de

construção do ser humano “abre caminho para uma educação musical mais

voltada para a prática que para a teoria, ensejando a construção de

materiais didáticos com essa finalidade.” (LOUREIRO, 2001, p.43). Segundo

a pesquisadora:

Pestalozzi e Froebel iniciam assim um movimento de oposição à tradição secular, dominante no ensino da música, que se concretiza no século XX, com os trabalhos de Orff, Dalcroze, Kódaly, Willems, Gainza, Martenot, Schafer. Esses autores, tomando como base as idéias de Pestalozzi e Froebel, propõem uma nova metodologia para o ensino da música onde o fazer musical , a exploração sonora, a expressão corporal, o escutar e perceber consciente, o ato de improvisar e criar, a troca de sentimentos, a vivência pessoal e a experiência social oportunizariam a experiência concreta antes da formação de conceitos abstratos. Essa nova proposta para o ensino da música ressalta a importância da prática livre experimental, em detrimento da transmissão de conhecimentos do professor para o aluno, fazendo emergir a valorização do processo natural de desenvolvimento artístico-musical. É a ação do sujeito sobre o objeto. Os reflexos dessas propostas metodológicas afetaram inicialmente o “status quo” dos tradicionais conservatórios de música. Objetivando trazer modernização na maneira de musicalizar crianças, preocupando-se com as diferenças individuais dos alunos, tais propostas foram encontrar espaço, no Brasil, nos centros alternativos para o ensino da iniciação musical, criados sob os auspícios de Liddy Chiaffarelli e Antônio Sá Pereira, em final da década de 30. (Loureiro, 2001, p.43)

No século XX surgem diversas correntes novas de pensamento, que

puderam contar com o auxílio de outras áreas do conhecimento, tais como a

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Sociologia, a Psicologia, a Filosofia, bem como da ciência e da tecnologia que,

de forma acelerada, vem provocando profundas modificações em todas as

áreas do conhecimento, inclusive na Arte.

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CAPÍTULO II

EVOLUÇÃO DO ENSINO DE ARTE NO BRASIL

Os jesuítas vieram para o Brasil logo após o descobrimento no

século XVI, visando a catequização dos nativos e trazendo valores e práticas

que exerceram grande influência no conceito de educação em nosso país.

Segundo Loureiro:

O ensino da música no Brasil remonta aos primórdios do processo de colonização, iniciando-se com a vinda dos jesuítas. Essa ordem religiosa surge na Europa em meio às lutas religiosas deflagradas pela Reforma Protestante. Constituindo-se numa legião em defesa da Igreja Católica, os jesuítas elegeram a educação como uma de suas armas de combate à heresia. (ANDRADE apud LOUREIRO, 2001, p.44).

A ação jesuítica tinha por características um rigor metodológico e a

imposição cultural lusitana, desconsiderando a cultura e os valores locais

(indígenas). No Brasil, os curumins das missões católicas aprendiam, pela

prática exaustiva e com ênfase na memorização, músicas e autos europeus.

Silva comenta:

A educação musical estava delegada aos religiosos jesuítas, principalmente, e a regulamentação profissional formal dos músicos estava a cargo da Irmandade de Santa Cecília. O que temos até o início do século XIX é a permanência dos resquícios de uma regulamentação de trabalho provinda da Europa Medieval, exigindo a necessidade de filiação a uma oficina ou à dita irmandade para conseguir o exercício profissional (...) (SILVA, 2007, p.23-24).

De acordo com Boschi (1988), essa regulamentação tinha suas

bases nas corporações de ofícios, que, por sua vez, tinham origens nas

confrarias, que eram associações criadas para agrupar indivíduos praticantes

do mesmo ofício sob a égide de determinado santo protetor. Tratava-se de uma

regulamentação das relações de trabalho que se estabelecia na subordinação

dos aprendizes diante dos mestres. Nessa estrutura aristocrática apenas os

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mestres tomavam decisões e colocavam-nas em prática, aplicando os

processos normativos pertinentes à corporação. (p. 50-51)

Segundo Fonterrada (2005), durante o período colonial a educação

musical, bem como a educação geral, permaneceu vinculada de forma direta à

Igreja. A educação musical dava-se pelo canto e pela prática instrumental de

forma similar à dada nas igrejas, conventos e colégios europeus e permanecia

ligada às formas e repertórios do velho mundo (p.193).

Silva (2007) afirma que para aprender música era preciso buscar as

oficinas de mestres, os jesuítas, os mestres de solfa em seminários, os mestres

de capela nas matrizes e catedrais ou professores particulares. (p.25)

Acontecem mudanças no cenário musical por ocasião da chegada

de D. João VI e da família real portuguesa ao Brasil, fugindo da invasão

napoleônica na Península Ibérica. Mariz (2008) comenta a respeito:

A repercussão da chegada da Corte portuguesa, em 1808, foi especialmente notável no âmbito da música – não somente a religiosa como a profana – que tomou grande impulso. Fator preponderante da vida musical religiosa foi a reorganização da Capela Real (...). Ao entrarmos em pormenores sobre esse curto período de plenitude musical, recordaremos aquele a quem se pode chamar, sem exagero, de primeiro grande compositor brasileiro: o padre José Maurício Nunes Garcia (...). (Mariz, 2008, p.56)

Paralelamente à reorganização e fortalecimento da Capela Real

ocorre, a mando de D. João, a construção do suntuoso Real Teatro de São

João, à semelhança do São Carlos, em Lisboa. Sua localização era no

chamado Rocío do Rio de Janeiro, hoje Praça Tiradentes, Centro do Rio de

Janeiro. (MARIZ, 2011, p. 104). A música até então restrita à Igreja, estendeu-

se ao teatro, que recebia companhias estrangeiras de óperas, operetas e

zarzuelas.

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Mariz (2008) atribui ao padre José Maurício uma grande importância

como compositor e também como professor de música. O padre compôs em

torno de quatrocentas peças (apenas quatro destas profanas). Como educador

musical, realizou atividades importantes: escreveu um compêndio de música e

também um método de pianoforte, além de manter por vinte e oito anos em sua

residência uma escola de música que tinha como objetivo o de “preparar

músicos e cantores para as cerimônias religiosas da Sé do Rio de Janeiro.”

(p.57-58).

Um de seus discípulos foi Francisco Manuel da Silva (MARIZ, 2008,

p.58), autor do Hino Nacional Brasileiro e um dos grandes compositores

eruditos do Império. Segundo Silva (2007), Francisco Manuel teve grande

importância na institucionalização do ensino musical no Brasil ao envolver-se

no projeto de criação do Conservatório de Música do Rio de Janeiro. O músico

esteve à frente da instituição administrando-a desde o momento de sua

criação, em 1841, através de decreto imperial, até dezembro de 1865. (p.11)

Essa instituição foi a primeira escola pública e oficial do Império que tinha no ensino de música seu único objetivo. O modelo institucional veio da França onde, também no ensino de música, prevaleceu o ideal de universalidade e que conhecimento pudesse atingir a todos, e acabou criando um novo paradigma no ensino musical, hoje denominado como “sistema conservatório”. (SILVA, 2007, p.7).

Esse “sistema conservatório”, assim denominado pela pesquisadora

Janaína Girotto Silva acaba por torna-se uma espécie de padrão de ensino que

norteia a educação musical especializada a partir de então e perdurará durante

um extenso período. Segundo Silva:

Com a profusão dos conservatórios pela Europa, começa a se definir a primazia de um modelo de instituição para o ensino da música, padrão esse que começa a ser adotado em diversas partes do velho continente e também nas Américas (SILVA, 2007, p.34)

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O Conservatório passou a ser, junto com a orquestra e coro da

Capela Imperial, uma das mais importantes instituições musicais

especializadas no Rio de Janeiro do século XIX e também cresce o número de

professores particulares até que, com a volta de D. João VI a Portugal as

atividades culturais perdem força. A música religiosa da Capela Real cede

espaço à música profana. Segundo Loureiro (2001): “Bandas e orquestras se

espalham por toda parte, Surge o reinado da ópera, que movimenta a vida

social do Rio de Janeiro” (p.49) O piano tem grande presença nas casas das

famílias de classe média alta pois o estudo desse instrumento fazia parte de

uma boa educação, principalmente para as moças.

A evolução da educação musical não especializada, dentro do

contexto escolar, conta com poucos registros durante esse período. A

pesquisadora Marisa Fonterrada comenta a respeitodo registro de atividades

musicais em escolas:

Embora haja registro de atividades musicais em escolas - a Escola de Santa Cruz, dos negros escravos, ou as atividades do padre José Maurício, mestre de capela do imperador e professor de música na escola – foi somente em 1854 que se instituiu oficialmente o ensino da música nas escolas públicas brasileiras, por um decreto que dizia que o ensino deveria se processar em dois níveis: “noções de música” e “exercícios de canto”, não explicitando, porém, nada mais que isso. (Fonterrada, 2005, p.194)

Segundo Silva (2007), “a agência regulatória nesse caso seria o

Conservatório, que forneceria o treinamento necessário, mesmo não se

constituindo em um curso superior” (p.33).

Loureiro esclarece quanto ao início da implantação de um sistema

de formação de professores:

A Independência, em 1822, e a necessidade de imprimir ao país uma feição jurídica, determinou a convocação, por parte do Imperador Pedro I, de uma constituinte em 1823. Nos debates sobre o perfil da nova nação, a educação ocupa lugar importante.

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A implantação de um sistema de educação no país dependia da criação de uma rede de escolas e da formação de professores. Em 1835 é criada, em Niterói, a primeira Escola Normal. Em 1847, esta escola é fundida ao Liceu Provincial, o que possibilitou uma formação diversificada, visando a preparação de professores para o ensino preliminar e médio. Seu currículo, inicialmente muito simples, é enriquecido com a inclusão de novas disciplinas, entre elas a música. (Loureiro, 2001, p.49)

A função da música nas instituições que formam professores não era

de ser uma Disciplina, mas um recurso, uma ferramenta que auxiliasse a

introduzir as atividades e rotinas escolares.

Podemos observar que desde a época do império foram tomadas

medidas que, inter-relacionadas às dimensões políticas, buscaram pensar,

estruturar e aplicar preceitos e práticas de educação musical no contexto

escolar.

2.1 – Diretrizes e Bases Legais

Queiroz e Marinho (2009) enumeram as ações políticas relacionadas

a propostas de implementação do ensino de música nas escolas que

consideram mais marcantes:

1) a aprovação do Decreto n. 1.331 A, de 17 de fevereiro de

1854, primeiro documento que faz menção ao ensino de

música na “instrução publica secundaria” do “Municipio da

Corte” – cidade do Rio de Janeiro (Brasil, 1854, p.61); 2) a

nova configuração política estabelecida para a música na

Instrucção Primaria e Secundaria do Districto Federal”, a partir

do Decreto n. 991, já no Brasil republicano (Brasil, 1890); 3) a

inserção e a prática do canto orfeônico como base para as

aulas de música no ensino secundário, a partir de 1931 para o

Distrito federal – definido pelo Decreto n. 19.890, de 18 de abril

de 1931 (Brasil, 1931) – e sua expansão para outras partes do

país, a partir de 1942 com a criação do Conservatório Nacional

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de Canto orfeônico – decreto n. 4.993, de 26 de novembro de

1942 (Brasil, 1942); 4) a definição de “atividades

complementares de iniciação artística” como “norma” para a

escola de educação básica, instituída pela LDB 4.024/1961,

que não faz mais qualquer menção à presença do canto

orfeônico na escola regular (Brasil, 1961); 5) o estabelecimento

da Educação Artística como campo de formação nas diferentes

linguagens das artes na escola, a partir da LDB 5.692/71

(Brasil, 1971); a definição do “ensino da arte” como

componente curricular obrigatório, estabelecido pela LDB

9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Brasil, 1996) e, finalmente,

a aprovação da Lei 11.769, de 18 de agosto de 2008, que

altera a LDB vigente, determinando o ensino de música como

“componente curricular obrigatório” do ensino de arte (Brasil,

2008). (QUEIROZ, MARINHO, 2009, p. 61-62)

No século XX, houve profundas mudanças nas concepções acerca

da educação. Diversas novas correntes pedagógicas surgiram seguidamente

trazendo novos olhares, novas possibilidades, elementos diversos que

influenciaram a educação de forma geral e também a educação musical, área

que se tornou objeto de investigação de professores em todo o mundo e no

Brasil.

Duas datas são consideradas importantes para o ensino de Artes no

Brasil, segundo Dia e Lara (2012): “o ano de 1918, com o fim da Primeira

Guerra Mundial, ou o ano de 1922, com a realização da Semana da Arte

Moderna” (p.2). As autoras ainda comentam a respeito de desdobramentos da

Semana de Arte Moderna de 1922:

Naquele contexto, foi de suma importância, para o ensino de Artes, o papel dos modernistas Oswald de Andrade e Anita Malfatti, os quais introduziram atividades que buscavam a apreciação, em termos estéticos, da arte infantil, como também introduziram, na época, metodologias inovadoras sobre o ensino de Artes, baseadas na livre expressão e no espontaneísmo. (...) O processo histórico em defesa do ensino de Artes no país teve como grande influência os movimentos

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internacionais em defesa da Arte┽Educação, que se articularam naquele período. Esses movimentos direcionaram o movimento interno do país em favor do ensino de Artes. (DIA; LARA, 2012, p.2-3)

Para compreender como os pressupostos a respeito do ensino da

arte na escola fundamental chegaram ao Brasil faz-se necessário saber que os

primeiros anos do século XX caracterizaram-se por um debate das idéias

liberais que fundamentaram o processo de extensão da escolarização, que foi

considerada pelo estado um grande instrumento de participação política.

Ocorre então, um movimento em busca de um ensino universal, laico e

gratuito.

O professor Anísio Teixeira, discípulo de John Dewey, trouxe-nos a

proposta da Escola Nova, que era um movimento educacional que se opunha à

concepção tradicional de educação vigente até o início do século XX. Quanto à

Arte, ele acreditava que esta deveria sofrer um processo de democratização.

Na escola, o ensino da arte passaria a voltar-se para a preocupação em criar

meios para que o aluno pudesse “expressar-se”, tornando-se capaz de atuar na

sociedade de forma cooperativa.

O Canto Orfeônico foi incluído como disciplina obrigatória nos

currículos escolares por meio do Decreto nº 19.890 de 1931, assim

permanecendo por três décadas, como disciplina obrigatória. Ao final da

década de 1930 um importante movimento denominado Música Viva

estabeleceu uma nova concepção e iniciou um processo mudança na

concepção da função social da música. Movimento este liderado por Hans-

Joachim Koellreutter, que chegou ao Brasil em 1937. O movimento difundiu-se

grandemente por meio de cursos, conferências e transmissões radiofônicas

que eram voltados para a formação musical de adultos e crianças, com

execuções de obras contemporâneas brasileiras e internacionais por meio de

gravações e execuções ao vivo.

Sobre Koellreutter, Dia e Lara afirmam que sua presença foi

marcante na área da educação musical, pois:

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Koellreutter (...) criou cursos, escolas e seminários, articulando o cenário musical no Brasil. Um novo movimento alinhado à Música Viva foi visto em março de 1963, quando foi divulgado o “Manifesto Música Nova”, em São Paulo, que tinha por embasamento o compromisso com o mundo contemporâneo. O Manifesto reafirmava as ideias do movimento Música Viva (DIA; LARA, 2012, p.9).

Em 1940, iniciou-se oque é considerado o maior movimento maior

de ensino de artes no país: Educação através da arte, que influenciou

expressivamente o Movimento de Arte Educação e as decorrentes Escolinhas

de Arte do Brasil (EAB). Essas escolas se multiplicaram, formando o

Movimento Escolinhas de Arte (MEA). O termo Arte┽Educação foi relacionado

com a Educação através da Arte, criado em 1943, por Herbert Read na

Inglaterra.

Mais tarde, com a LDB de 1961 e com a reforma educacional de

1971, a Música perde, de certa forma, sua identidade como disciplina e fica

inserida na disciplina Educação Artística. Tal fato gerou mudanças na formação

superior. Para atuar nessa disciplina, foram criados, no ano de 1973, cursos de

licenciatura, com formação generalista: o professor que tinha noções de cada

um dos conteúdos de Arte sem que, no entanto, se especializasse em nenhum

deles. Saviani (2007) analisa esse período, segundo a forma como a educação

passa a ser vista:

(...) a educação passa a ser vista como instrumento de conscientização. A expressão “educação popular” assume, então, o sentido de uma educação do povo, pelo povo e para o povo, pretendendo┽se superar o sentido anterior, criticado como sendo uma educação das elites, dos grupos dirigentes e dominantes, para o povo, visando controlá┽lo e ajustá┽lo à ordem existente. (SAVIANI, 2007, P.315)

Na década de 1980, formaram-se diversas associações de ensino

da arte, destacando-se entre elas o papel da Federação de Arte-Educadores

do Brasil (Faeb), que foi criada em 1987, e contribuiu com ações, pesquisas e

publicações que são utilizadas como fonte para pesquisas sobre as relações

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entre as artes e seu ensino. Chegados os anos 1990, grandes expectativas

foram criadas em torno da elaboração das leis que iriam reger o ensino de

Artes e da Música no país. Com as conquistas alcançadas pelos profissionais

de diversas áreas na promulgação da Constituição Federal de 1988,

consideramos que a lei mais importante para a educação foi a Lei Federal nº

9.394/1996, que tem como sua maior conquista, para a área das Artes, a

obrigatoriedade do ensino da disciplina no país.

O que observamos em nossa pesquisa é que a presença da

educação musical nas escolas não é um fato novo. Queiroz e Marinho (2009),

afirmam que as questões relacionadas à presença da música no currículo

escolar e o debate em torno da sua inserção na estrutura curricular da

educação básica já têm uma trajetória de mais de um século, todavia

ganharam visibilidade muito maior a partir da publicação da Lei 11.769 em

2008:

(...) é possível afirmar que no Brasil já temos uma trajetória histórica, educativa e cultural que nos permite uma reflexão crítica acerca de perspectivas e caminhos concretos que possam subsidiar a inserção da educação musical nas escolas. (QUEIROZ, MARINHO, 2009, P.62)

Afirmam também que ainda há um longo caminho pela frente, no

sentido de estabelecer ações que possibilitem ao professor de Música campo

favorável para exercer plenamente suas atividades:

(...) Se por um lado é preciso reconhecer que temos um cenário representativo de conquistas, debates e reflexões no âmbito das práticas de educação musical na escola, por outro é preciso evidenciar, também, que ainda precisamos de ações que possam alicerçar a atuação do professor de musica nessa realidade. (QUEIROZ, MARINHO, 2009, P.62)

Desta forma, faz-se necessária uma análise para se dimensionar o

papel da música na escola e definir o que seriam as condições necessárias

para que o ensino de música possa vir a ter um valor significativo no processo

de educação escolar.

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Primeiramente precisaremos definir o que consideramos como educação

musical e qual o seu papel na educação formal dos indivíduos. Para essa

análise procuraremos compreender o processo de construção de saberes do

professor de música, o papel da instituição voltada para a formação deste

profissional, o que esse profissional tem a propor como ações para a

consolidação da área de educação musical no nosso país.

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CAPÍTULO III

VALORES E PRÁTICAS EM EDUCAÇÃO MUSICAL

A presença da música enquanto componente curricular não garante

um entendimento de sua importância na formação da criança e do jovem. No

que se refere ao conteúdo de música, os PCN apontam três eixos norteadores:

experiências do fazer artístico (produção); experiências de fruição (apreciação)

e reflexão. Entretanto, não se exige uma formação específica do profissional

que irá atuar como professor de Música. No nosso entendimento, é

imprescindível a busca por profissionais com habilitação na área, envolvidos

em um trabalho de reflexão crítica contínua sobre sua prática e o fortalecimento

dos centros de formação desses profissionais que não devem ser outros que

não as universidades.

Fonterrada (2005) afirma que em função da não exigência de

formação específica para o exercício profissional neste caso, acaba muitas

vezes cabendo ao não especialista a responsabilidade pelas propostas de

natureza artística, dentro e fora da escola, preocupando tanto licenciados

provenientes dos cursos de Artes, bem como docentes e alunos desses cursos

nas universidades, pois “o espaço profissional, já restrito, parece que tende a

perder contornos definidos e abrigar pessoal não habilitado para tarefas

anteriormente destinadas ao profissional credenciado.” (p.270). A autora afirma

também que se hoje uma lei federal obrigasse o ensino de Música enquanto

disciplina obrigatória em todos os anos do ensino fundamental, não haveria

quantidade suficiente de professores habilitados em música para suprir a

demanda gerada. Preocupa a pesquisadora, assim como a nós, a falta de

documentos legais que estabeleçam profissionalmente o profissional de

educação musical no Brasil:

(...) a profissão de educador musical não existe no Código de Profissões do Ministério do Trabalho. De acordo com esse documento, fazer música significa tocar, cantar, reger e

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compor. E músico é aquele que compõe, faz arranjos, toca, canta ou rege corais, orquestras e bandas. Não se menciona o ensino de música. A educação musical não existe, também, como subárea das áreas de Artes ou de Educação, nas listas emitidas pelas agências de fomento, embora seja acolhida em alguns cursos de licenciatura (como habilitação em música) ou de pós-graduação (como linha de pesquisa). Não há código de área, então não entra no sistema, portanto, não existe. Isso significa que, não obstante as mudanças ocorridas na década de 1990, que motivaram a criação de uma associação (Associação Brasileira de Educação Musical – Abem), e a presença da música na LDBEN e nos documentos governamentais que se seguiram a ela, não há, oficialmente, educação musical no país. (FONTERRADA, 2005, P.263)

É importante chamarmos a atenção para o valor e o lugar que hoje

são atribuídos à educação musical dentro da nossa sociedade. Entendemos

que a forma como a sociedade estabelece relações com a arte e com o

fenômeno cultural interfere diretamente na olhar e na predisposição da própria

comunidade escolar ao encarar a presença da educação musical na educação

básica e ao estabelecer relações com a mesma. Observamos que apesar de

ser uma disciplina que promova a formação humana e tenha características e

conteúdos próprios, por diversas vezes a Música vê-se inserida no âmbito

escolar com caráter de atividade lúdica, descontextualizada de suas realidades

cotidianas ou sendo utilizada como recurso pedagógico para auxiliar a

transmissão de conteúdos que não sejam os seus e sem que lhe sejam

atribuídos valores na educação formal do indivíduo, como comentam Martins,

Picosque e Guerra:

De fato, uma série de desvios vem comprometendo o ensino da arte. Ainda é comum essas aulas serem confundidas com lazer, terapia, descanso das aulas “sérias”, o momento para fazer a decoração da escola, as festas, comemorar determinada data cívica, preencher desenhos mimeografados ou retirados do computador, fazer o presente do Dia dos Pais, pintar o coelho da Páscoa e a árvore de Natal. Memorizam-se algumas “musiquinhas” para fixar conteúdos de Ciências, fazem-se “teatrinhos” para entender os conteúdos de História e “desenhinhos” para aprender a contar. (MARTINS; PICOSQUE; GUERRA, 2009. P.52).

Faz-se necessário considerar que em toda prática educacional estão

refletidos os valores e crenças de seus agentes. Se este conjunto de valores e

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de crenças não estiver muito bem fundamentado, poderá ser facilmente

subjugado ou transformado por pressões diversas.

O compositor e educador Koellreutter (1977) comenta a respeito da

função social da Arte:

Arte e artista, numa escala sempre crescente, tendem a tornar-se o instrumento universal da comunicação entre os homens porque tais áreas da sociedade em que a comunicação se processa tornam-se importantes universalmente; e porque a arte precisa de uma função social a fim de realizar eficientemente seu papel na sociedade. (KOELLREUTTER, 1977, P.2)

Há a necessidade de buscar o sentido e o significado da educação

musical, delimitando a abrangência de seu campo como ciência ou área de

conhecimento, desde sua concepção até a sua práxis. É indispensável o

conhecimento acadêmico, possibilitando ao docente em música a integração

entre conhecimentos empíricos, racionais, práticos e a atividade de pesquisa,

que consideramos fundamental. É extremamente importante estimular a

pesquisa na formação de futuros professores de música, pois há muitos

problemas enfrentados pelos profissionais do ensino de música. Dentre eles,

consideramos de grande importância o desconhecimento do valor da educação

musical como disciplina integrante do currículo escolar, a falta de organização

das instituições que oferecem esta disciplina no que concerne à estrutura

escolar, falta de sistematização do ensino de música nas escolas de ensino

fundamental e ausência de diretrizes no que concerne aos parâmetros

curriculares e à sua implementação. Há ainda um longo caminho a percorrer no

que se refere a sistematização do ensino de música dentro do contexto escolar.

Para Souza o trabalho de pesquisa em educação musical é

extremamente necessário e deve ser feito com o objetivo de melhorar a prática.

Para esse autor a pesquisa em educação musical:

(...) deve ter em vista o trabalho conjunto com professores de música e estudantes de licenciatura. (...) Deve-se combater

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uma saturação de teoria que não satisfaz, que exclui as necessidades de inúmeros pedagogos musicais que estão atuando em diversas regiões do país, e não desemboca em ação. A separação tradicional que a academia faz entre a teoria e a prática tem construído um mundo ‘detestável’ da prática fornecendo uma visão do trabalho do professor como sendo mais técnica do que intelectual. (SOUZA apud LOUREIRO, 2001, p.84).

Diante da realidade brasileira é necessário refletir se a educação

musical já consegue uma posição em que possa demonstrar que apresenta

características próprias que lhe conferem identidade de saber escolar. É

imprescindível que as discussões sobre o valor e o lugar que hoje são

atribuídos à educação musical dentro da nossa sociedade estejam presentes

nas universidades, mas também que extrapole seus muros e alcance a

sociedade como um todo, conscientizando pais, professores de outras áreas,

diretores escolares, coordenadores e, principalmente, os alunos, diretamente

envolvidos no processo educacional.

O compositor e educador Koellreutter faz uma reflexão a respeito do

tipo de formação que o educador musical deve ter. Segundo ele:

Apenas um tipo de educação musical é capaz de fazer justiça a essa situação: a que aceita como sua missão a tarefa de transformar critérios e ideais artísticos em nova realidade, sobre o fundo das mudanças sociais: um tipo de educação musical para treinamento de músicos que estarão capacitados a encarar sua arte como arte aplicada – isto é, como um complemento estético aos vários setores da vida e da atividade do homem moderno – e preparados para colocar suas atividades a serviço da sociedade (KOELLREUTTER, 1977, P.3).

Além de uma prática artística, que possibilite vivências

enriquecedoras, a educação musical pretende proporcionar ao indivíduo a

capacidade de sintetizar forma e conteúdo, bem como uma resposta criativa ao

mundo contemporâneo. É importante mencionar que a música constitui um

elemento essencial de integração do homem na sociedade e configura-se

também numa forma de libertação e de estimulo à criatividade, indispensável à

educação contemporânea.

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Acreditamos que a reflexão, no sentido de reconhecer os valores

atribuídos à música deve partir da própria prática pedagógica, ultrapassando

assim o campo da idéias, dos discursos acadêmicos, impedindo a dicotomia

teoria e prática e possibilitando à sociedade tomar consciência das relações

entre educação formal, educação musical, indivíduo e sociedade.

Valores atribuídos à música sofreram modificações, alterando

concepções de ensino e exercendo influência sobre o conteúdo a ser ensinado.

Presente em diferentes épocas e sociedades, e em diversos contextos da

educação escolar, é possível perceber que os valores são subjacentes a cada

tipo de sociedade, a qual se incumbe de estruturá-los e legitimá-los.

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CONCLUSÃO

Com base nas discussões apresentadas nesse estudo podemos

concluir que o tratamento dispensado a Arte como campo de conhecimento é

ponto fundamental para definir qual o enfoque será dado ao ensino dessa

disciplina, para que Arte seja tratada efetivamente como disciplina específica

com conteúdos específicos e não apenas como ferramenta ou recurso utilizado

em outras disciplinas.

Concluímos também que a Arte e a Música estão historicamente

presentes no processo educacional informal e formalmente, através de

diversas leis e resoluções e também sob diversas denominações,

possibilitando variadas abordagens metodológicas que foram mudando de

acordo com a evolução da própria educação.

Entendemos que a relação entre educação musical e cultura é

estabelecida pelas próprias relações do homem com a música e não podemos

pensar em uma ação educacional desvinculada dos aspectos culturais

particulares de uma comunidade e ao pensarmos especificamente na

educação musical brasileira nos dias atuais, podemos afirmar que a

diversidade musical deste país e a variedade de métodos possíveis de serem

utilizados no trabalho de educação musical, só tendem a favorecer e a

enriquecer os nossos processos educacionais.

Observamos que o processo de formação pedagógica e as

possibilidades de pesquisa na área de educação musical devem oferecer ao

professor competências que lhes dêem múltiplas possibilidades em suas

formas de ouvir, ensinar, aprender e de dialogar com a música e de criar

significados dos valores musicais dentro do ensino formal.

Finalmente, esta pesquisa, que não pretende propor qualquer

metodologia para o ensino da música, longe de ter caráter definitivo e

conclusivo, propõe-se a defender a possibilidade de o ensino da música

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constituir-se como um saber escolar necessário e importante para a cidadania,

enriquecendo as experiências individuais e coletivas.

Ao buscar refletir sobre a função social da música e da educação

musical, concluímos que somente entendendo a Música primeiramente como

algo que tem valor em si mesma, além trazer outros sentidos e significados, é

que estaremos possibilitando caminhos para que se efetive a relação entre

homem e música de maneira significativa, contextualizada com objetivos de

cada indivíduo e com sua realidade social e cultural, tornando-se essencial

para a realização plena do ser humano.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I - Educação Musical 11

1.1 Breve histórico 12

CAPÍTULO II - O ensino de Arte no Brasil 21

2.1 Diretrizes e bases legais 25

CAPÍTULO III – Valores e práticas 31

CONCLUSÃO 36

BIBLIOGRAFIA 38

ÍNDICE 41