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É Possível Ensinar Teatro Na Escola

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Teoria

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    O CAMPO

    Lamparina

    Revista de Ensino de Teatro

    EBA/UFMG.

    Volume 01- Nmero 02/ 2011.

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    possvel ensinar teatro na escola? Saber, Poder e Subjetivao nas PolticasCurriculares para o Ensino de Teatro

    Thiago Ranniery Moreira de Oliveira1

    RESUMO

    Este artigo investiga a poltica curricular para Ensino de Teatro a partir do contexto da reforma educacional brasileira que props os Parmetros Curriculares Nacionais de Arte. Tomando como base os Estudos Foucaultianos, argumenta-se que tal poltica curricular pe em ao toda uma srie de dispositivos com a finalidade de se apropriar dos saberes da Pedagogia do Teatro, de disciplin-los e de regular as funes do teatro na escola e na cultura, inscrevendo modos de ser para os sujeitos que o fazem e o praticam. A partir de uma centralidade do conceito de jogo, intenta-se estabelecer as relaes entre as estratgias de saber e malhas do poder na proposta curricular e os modos de subjetivao por ela demandados, os modos de ser e estar no mundo, os quais o Ensino de Teatro deveria se empenhar em produzir no atual contexto cultural.Palavras-chave: Poltica Curricular. Ensino de Teatro. Subjetivao.

    ABSTRACTThis article investigates the policy curriculum for Teaching Theatre from the context of the brazilian educational reform that has formulated the National Curriculum Parameters for Art. Building on Foucault studies, it is argued that such a curriculum policy sets in motion a whole series of devices for the purpose of appropriating the knowledge of Pedagogy of the Theatre, to discipline them and regulate the functions of the theater at school and culture By registering for ways to be guys that do and practice. From a central concept of the game, it seeks to establish the relationships between the strategies of knowledge and power grids in the proposed curriculum and modes of subjectivity for her defendants, the modes of being in the world for which the Education Theatre should strive to produce the current cultural context.Key-words: Curriculum Policy. Teaching Theater. Subjectivity.

    Desde sua elaborao e instituio, os Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (1 e 2 Ciclos) vm se constituindo como a maior expresso da reforma desse nvel de ensino no Brasil. Com efeito, nos ltimos anos da dcada de 1990 e na primeira dcada dos anos 2000, uma avassaladora onda de reformas invadiu a vida da educao. Inmeras 1 Mestrando em Educao pelo Programa de Ps-Graduao em Educao, Conhecimento e Incluso Social da Universidade Federal de Minas Gerais. Membro Pesquisador do Grupo de Estudos em Currculos e Culturas (GECC/FaE/UFMG). Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe.

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    reformas oficiais em polticas educacionais diversas propuseram mudanas na organizao do sistema escolar, no currculo e no cotidiano das escolas2. Foram anos produtivos em reformas oficiais, que sugeriram transformaes estruturais importantes para a educao brasileira. Na realidade, Reforma Educacional constitui, hoje, um tema em foco, tanto no Brasil como nos demais pases da Amrica Latina. No que tange ao Ensino de Artes, o PCN de Artes (BRASIL, 1997a; 1997b) deu Arte estatuto de rea do conhecimento no currculo da escola brasileira, por meio de quatro linguagens: artes visuais, dana, msica e teatro. Ter definido o Teatro como uma das linguagens-contedo da disciplina de Artes tornou-se uma das mais profundas e significativas polticas educacionais na trajetria do Ensino de Teatro no Brasil, o que reservou e garantiu nos currculos escolares espao para seu ensino. No entanto, fala-se, aqui, de reformas mesmo, destas feitas por poucos em nome de muitos, muitas delas em gabinetes fechados e que ao se pretenderem representativas no deixam de soar como mais uma reorganizao do poder. Como, ento, relaes de poder so engendradas no texto curricular oficial para o Ensino de Teatro? Que efeitos as disposies de poder de um texto curricular sobre teatro produzem sobre o prprio saber teatral? Que sentidos e significados so a produzidos sobre o fazer teatral? Como saberes so arranjados e orquestrados nas polticas curriculares para o ensino de Teatro? Como uma poltica curricular para ensino de Teatro costura discursos diversos, advindo dos mais variados territrios, contribuindo tanto para um alargamento dos limites enunciativos em que discursos sobre o teatro estavam aprisionados como para um direcionamento dos sentidos enunciativos do teatro em um texto curricular? Como um disciplinamento interno de saberes (VARELA, 2010), to tpico das reformas educacionais, pe em ao toda uma srie de dispositivos com a finalidade de se apropriar dos saberes, de disciplin-los e por o teatro a servio de certos interesses?

    Afinal, uma reforma curricular mais bem entendida quando tomada como parte de um processo de regulao social, com estratgias para disciplinar e regulamentar os indivduos (POPKEWITZ, 1997). Quando falamos em reformas educacionais falamos do modo pelo qual a liberdade humana administrada o tempo todo nas escolas, como se governa a alma de criana e adultos (BURBULES, 1998). Ou seja, os textos curriculares tem seus modos de 2 Alm dos Parmetros Curriculares Nacionais (PCNs), possvel citar o Programa Nacional do Livro Didtico (PNLD), a implantao do Fundo de Manuteno do Ensino Fundamental e de Valorizao do Magistrio (Fundef) e do Fundo Nacional da Educao Bsica (Fundeb), o Programa de Informatizao das Escolas (Proinfo), o Sistema de Avaliao da Escola Bsica (Saeb), a Provinha Brasil, o Programa TV Escola, a reformulao do Ensino Fundamental de Nove Anos. Sem falar dos diferentes projetos e programas de iniciativa dos governos estaduais implementados neste mesmo perodo.

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    endereamento que projetam quem eles querem que ns sejamos, que tipos de sujeitos querem e desejam (CORAZZA, 2004). Trata-se, pois, de se perguntar: que sujeito maquinado na poltica curricular para o ensino de Teatro? Em ltima instncia, reformas curriculares no so propostas inocentes para simples alocao de um campo de saber, no se constituem em um elemento neutro de transmisso desinteressada do conhecimento social, mas concorrem em processos de subjetivao dos escolares ao divulgarem uma srie de saberes sobre como devemos ser e nos portar. O argumento, aqui, desenvolvido , justamente, que as polticas curriculares para ensino de Teatro esto constitudas por um conjunto de estratgias de saber-poder de forma a regular as condutas na/da escola para insero no mundo social.

    Ainda que consideremos que na prtica tem se dado preferncia a uma determinada linguagem em detrimento das outras, dependendo da formao do professor de Artes, que muitos professores lero o texto dos parmetros com desinteresse ou descrdito ou abandonaro seus volumes em prateleiras, no parece ser possvel pensar o ensino de Teatro a despeito das orientaes oficiais, quando o texto curricular para ensino de teatro tomado como a celebrao de uma luta. No possvel a simples exaltao, sem uma devida anlise dos sentidos e significados institudos por tais textos ao teatro e ao fazer teatral. Porque um currculo no algo absorto e inerte, um terreno em que ativamente se criar e produzir cultura. O currculo , assim, um terreno de produo e poltica cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matria prima de criao (SILVA, 2001, p. 190). Para tanto, os contextos de produo dos textos no podem ser compreendidos como fixos e as relaes de poder a intricados deixam de ser vistas como relaes verticalizadas, ainda que as hierarquias permaneam.

    Certamente, existem reinterpretaes desses documentos e aes de resistncia na prtica pedaggica, assim como permanece em evidncia o carter produtivo do conhecimento escolar. Ademais, o espao ocupado pelo Teatro nos currculos ainda pode parecer pouco quando comparado a outras disciplinas. Todavia, menosprezar o efeito de poder do currculo oficial sobre o cotidiano das escolas significa desconsiderar toda uma srie de mecanismos de difuso, simblicos e materiais, desencadeados por uma reforma curricular, com o intuito de produzir uma retrica favorvel s mudanas projetadas e orientar a produo saberes, sujeitos e realidades. preciso, assim, considerar a legitimidade de tais propostas, construda tanto a partir da valorizao da idia de mudana nelas embutida (GOODSON, 1999), quanto pela efetiva apropriao que realizam de princpios e idias curriculares legitimadas no campo da Pedagogia do Teatro. Ou ainda, que outros discursos so a acionados para fazer funcionar e instituir territrios subjetivos para os quais uma reforma curricular orientada a trabalhar. Por isso, no h como supor que tais propostas sejam utilizadas como se quer, independentemente, dos contextos histricos e das relaes de poder nas quais esto envolvidas.

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    A Centralidade do Jogo: ou dispondo regras e jogadores

    O jogo tornou-se, sem dvida, o centro do investimento discursivo da poltica curricular para ensino de Teatro. No texto curricular, tanto para os 1 e 2 ciclos tanto para 3 e 4 ciclos, o jogo divulgado e propagado como o dispositivo bsico do processo de ensino-aprendizagem em teatro. O jogo como elemento central do ensino de teatro j tinha mesmo ganhado estatuto acadmico muito antes a elaborao dos PCN de Artes. Em termos histricos, as diferentes e distintas abordagens sobre Teatro e Educao tem dado ao jogo centralidade pedaggica (COURTNEY, 2003). A essa unidade de trabalho, tem sido concedida uma espcie de onipresena histrica e esttica no palco. A prpria noo do jogo como elemento bsico da cultura (HUIZINGA, 2001) aciona um efeito de verdade que o torna um saber institudo nos currculos escolares de Teatro. De fato, a prpria noo de jogo j vinha sendo pensada como instrumento da aprendizagem do ator e da construo da encenao teatral. Mas somente com a pedagogizao do jogo, no sentido de que este passa a ser visto como espao de formao humana, que lhe foi possvel sair dos territrios restritos da formao de atores profissionais e adentrar os espaos propriamente escolares (cf. ICLE, 2007).

    Assim, a afirmao a dramatizao acompanha o desenvolvimento da criana como uma manifestao espontnea, assumindo feies e funes diversas, sem perder jamais o carter de interao e de promoo de equilbrio entre ela e o meio ambiente (BRASIL, 1997a, p. 52) pode ser feita e legitimada como verdade. Inclusive, ao encontrar ecos mtuos em discursos diversos que dispem como sendo atravs do drama que a criana descobre a vida em si mesma, atravs de tentativas emocionais e fsicas. Abordagem, esta, que foi chamada, inclusive no Brasil, de jogo dramtico, e d ao drama centralidade no ensino escolar em torno do qual se estruturariam as demais reas do conhecimento. O problema que nesse discurso a criana no pode compreender o que est sendo dramatizado; ela no pode ser, portanto, rbitro das verdades mais profundas que um drama traz tona, porque desconhece o mundo sobre qual dramatiza. Papel que , por sua vez, transferido para uma autoridade, a qual caber no apenas incitar as dramatizaes e interpret-las, mas tambm reconstruir a experincia que o sujeito tem do mundo e de si, controlando, assim, este sujeito. Por ser tpico da condio infantil, apenas cabe escola estar atenta ao desenvolvimento do jogo dramatizado oferecendo condies para seu exerccio consciente e eficaz, para aquisio e ordenao progressiva da linguagem dramtica (BRASIL, 1997a, p. 52).

    No espao do jogo, transmitir-se-ia, de tal modo, um certo repertrio de modos de experincia de si, no qual a criana deve aprender a ser pessoa em alguma das modalidades includas nesse repertrio. O jogo torna-se no s um lugar onde se experiencia um mundo, mas, especialmente, onde se aprende a ser sujeito deste mundo. A criana deve ser levada a se expor constantemente para tornar-se controlvel e auto-controlvel, de forma que possam

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    moldar sua conduta - promover o equilbrio dela com o ambiente, escreve-se no prprio texto curricular, para que se torne sujeito de certo tipo (ROSE, 1996). Somente quando o jogo capaz de reconhecer a criana como um sujeito a ser governado, ele tem espao reconhecido no currculo escolar. Ou seja, quando o jogo d a ver um eu interior dos sujeitos, que, por sua vez, como sugere Foucault (1999), tem como corolrio a vontade de controle moderna.

    Decerto, ao observar uma criana em suas primeiras manifestaes dramatizadas, o jogo simblico, percebe-se a procura na organizao de seu conhecimento do mundo de forma integradora (BRASIL, 1997a, p. 52). O jogo simblico infantil rigorosamente referncia da concepo cognitivista de jogo, sistematizada dentro do construtivismo pedaggico que mostrou que o smbolo fazia parte das estratgias naturais do sujeito para assimilar a realidade. Esta concepo repercutiu fortemente na Pedagogia do Teatro no Brasil, a qual teria contribudo decisivamente para a conquista do espao do jogo dramtico infantil e das atividades com a linguagem teatral na educao escolar da criana. De fato, a psicologia construtivista tem sido incorporada nas reformas curriculares como o grande smbolo da revoluo e da mudana educacional (POPKEWITZ, 1997). A epistemologia gentica piagetiana foi incorporada no Brasil, especialmente, ao que se chamou de Sistema de Jogos Teatrais (cf. SPOLIN, 2006; KOUDELA, 2001). Contudo, para os 1 e 2 ciclos, o texto curricular trabalha exclusivamente com uma articulao entre jogo dramtico e jogo simblico. Esta noo especfica de jogo teatral, s aparece nos PCN Artes para o 3 e 4 ciclos.

    Para as polticas curriculares, o jogo teatral um jogo de construo em que a conscincia do como se gradativamente trabalhada, em direo articulao de uma linguagem artstica o teatro (BRASIL, 1997b, p. 88). Esta noo de jogo, entretanto, uma negociao discursiva do prprio texto curricular oficial que opera nos limites enunciativos dos discursos pedaggicos do ensino de Teatro, dentre eles a formulao de jogo teatral. Foi, especialmente, o Sistema de Jogos Teatrais (cf. SPOLIN, 2006) que permitiu, sem dvida, reivindicar o espao do teatro como contedo relevante em si no mbito da educao escolar para a formao da criana (KOUDELA, 2001). Ingrid Koudela (2002) ressalta que o prprio eixo norteador dos PCN-Artes para o Ensino de Teatro descendente direto do Sistema de Jogos Teatrais de Viola Spolin, que objetivam permitir aos alunos experimentarem o fazer teatral (quando jogam), apreciarem a linguagem teatral (quando vem os outros jogando) e contextualizarem os enunciados estticos (durante a avaliao coletiva). O foco est na dinmica de um jogo com regras no qual os jogadores so livres para improvisarem dentro de certo espao circunscrito, em que eles construiriam a prpria linguagem artstica. Se combinarmos isso com a viso de busca de autonomia pessoal, ento, os sujeitos do jogo teatral no so pessoas livres, mas novamente pessoas governveis. Afinal, esse tipo de sujeito flexvel que sabe improvisar e construir a partir de regras inscritas no campo social, esse tipo de pessoa autnoma e capaz de gerenciar a si mesmo cada vez mais o tipo de sujeito desejado e alimentado pelo

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    atual estgio do capitalismo, aquele que Maurizzio Lazzaratto (2006) chamou de capitalismo cognitivo.

    Desta forma, o texto curricular costura discursos tericos diversos e at divergentes, provavelmente na tentativa de atender s diversas presses que os pesquisadores em teatro e educao exerceram na poca de sua constituio. Mas seja de que forma for, traz cena o carter ambguo e forjado do conceito de jogo, por uma poltica curricular para Ensino de Teatro. O que no deve ser tratado como negativo em si. No s tais construes discursivas so produtivas, no sentido de que produzem as realidades que instauram, como desnaturalizam sua suposta homogeneidade, expressam os conflitos, as negociaes, as relaes de poder existentes no processo de produo de uma proposta curricular que visa se legitimar ante os mais diversos sujeitos, como tambm trazer para esses sujeitos modos de ser e estar no mundo como os mais adequados escola do nosso tempo.

    Regulando as Funes do Teatro no Currculo Escolar

    Cabe se perguntar aqui, quais finalidades educacionais so defendidas para o jogo teatral na proposta curricular para ensino de Teatro, quando no faltam expresses abundantes como alcanar a responsabilidade, legitimar seus direitos, aprender a ouvir, a acolher e ordenar opinies, respeitar as diferenas e organizar a expresso de grupo. Em outras palavras, a que serve a proposio de colocar o jogo como centro do processo pedaggico de ensino de teatro, quais funes tem sido dadas ao teatro no currculo escolar, que tipos de demandas so feitas ao teatro quando este inserido no currculo escolar. Inquietar-se sobre que teatro esse, quando:

    As propostas educacionais devem compreender a atividade teatral como uma combinao de atividade para o desenvolvimento global do indivduo, um processo de socializao consciente e crtico, um exerccio de convivncia democrtica, uma atividade artstica com preocupaes de organizao esttica e uma experincia que faz parte das culturas humanas (BRASIL, 1997a, p. 57).

    O teatro favorece aos jovens e adultos possibilidades de compartilhar descobertas, idias, sentimentos, atitudes, ao permitir a observao de diversos pontos de vista, estabelecendo a relao do indivduo com o coletivo e desenvolvendo a socializao. A experincia do teatro na escola amplia a capacidade de dialogar, a negociao, a tolerncia, a convivncia com a ambiguidade (BRASIL, 1997b, p. 88).

    O teatro torna-se aquela atividade capaz de promover a insero de crianas e jovens

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    nas regras do jogo social, de contribuir na formao do cidado. O discurso sobre o teatro atua no s regulando as condutas sociais dos sujeitos de um currculo, como a prpria conduta do teatro. Porque, se o cidado das sociedades liberais demandado pelos PCNs muito mais um colaborador e espectador atento, que ajuda a melhorar a performance da maquinaria social, espcie de pea fundamental na manuteno do espetculo democrtico (CORAZZA, 2004), o teatro o palco no qual se aprende a ser este sujeito, o espao destinado a fazer tal mediao cultural. O problema que o conjunto social existente passa a ser dado como algo pronto e acabado sobre o qual o teatro deve trabalhar, sem que se permita ao teatro a possibilidade de questionar a existncia de outro modo de vida social e coletiva. A pergunta que fica : quando a obsesso de todas as grandes transformaes do teatro, mais de que uma preocupao com as tcnicas, passou pela questo de porque fazer teatro? porque, ento, fazer teatro na escola?

    Que possibilidades so dadas ao ensino de teatro quando cabe a ele desenvolver nos indivduos as habilidades e competncias, tais como capacidade de dialogar, tolerncia, observar pontos de vista diferentes, to necessrias integrao social? Os princpios do teatro no currculo escolar so associados a princpios de controle e regulao social, capazes de projetar a formao do sujeito cidado adequado convivncia social, uma forma pela qual a subjetividade da criana seria disciplinada em conformidade com as relaes sociais. Este tipo de sujeito aquele individuado, que se auto-regula, conhece a si prprio e ao outro, respeita a necessidade de preservar a sua cultura e dos demais, sabe trabalhar em grupo, tem liberdade para trabalhar e , ao mesmo tempo, solidrio com os demais. preciso reconhecer que tais competncias esto adequadas ao atual estado do mundo do trabalho contemporneo. De fato, os currculos de arte tem, historicamente, atravs das suas diferentes abordagens, servido para fornecer as habilidades exigidas pelo mercado por meio do desenvolvimento de tcnicas apropriadas (POPKEWITZ, 1997). Para as polticas curriculares, o jogo dramtico e o jogo teatral ainda so tratados como artefatos privilegiados para revelar um suposto potencial nato de cada um dos indivduos e fornecer um contexto que ajuda a superar problemas encontrados ou impostos pela cultura, personalidade e sociedade.

    Mas ser mesmo esse o lugar do teatro na cultura, na cultura escolar e no currculo o de repetir aquilo que j est socialmente institudo? Reside mesmo a a necessidade do teatro? Quando o teatro em suas formas estabelecidas no encontra nenhum recurso para responder necessidade do teatro que a vida coletiva produz de forma to intensa (GUNOUN, 2004, p. 13), possvel ensinar teatro na escola? No texto curricular oficial, o teatro parece se esvanecer ante a uma projeto de pedagogizao que interna seus sentidos em uma fria e mrbida unidade de tratamento intensivo. de se perguntar se o teatro quando entra no currculo deveria mesmo servir para adaptar o indivduo ao convvio social, sem que isso fosse colocado em suspenso, em estado de estranhamento... O texto curricular oficial de teatro torna-se um espao muito mais controlado e regulado em torno das funes desse fazer

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    artstico na escola, do que se faz pretender. Para as polticas curriculares, a insero do teatro nos currculos escolares s parece ser

    justificvel na medida em que ele tambm capaz de compor a lgica de regulao social na qual a reforma do currculo oficial esteve implicada. Prevalece a restrio do processo educativo formao para o trabalho e para a insero social, na linha daquilo que Michael Foucault (2009), chamou de govermentalidade neoliberal, desconsiderando e desqualificando qualquer relao que o teatro tenha com o processo de formao cultural, capaz de conceber o mundo como possvel de ser transformado em direo a prticas artsticas abertas s necessidades que a vida coletiva produz e agencia. Quando os sentidos do teatro nos currculos so encerrados em princpios de insero social e de atendimento s atuais demandas do mercado do trabalho, parece se extinguir qualquer possibilidade de movimento na direo de outras possibilidades de fazer teatro, portanto, de viver e levar a vida.

    O discurso do jogo como elemento bsico do teatro, entretanto, contribui para a legitimidade do texto curricular e das funes que ele regula para o teatro na escola por ser construdo em associao a discursos legitimados tanto para professores como para pesquisadores em Pedagogia do Teatro. Impor crticas ao modo como o discurso da poltica curricular opera parece ser desnecessrio, mas quando se incorpora o que as linhas de pesquisa em Ensino de Teatro tem apontado, pela primeira vez na educao do Brasil, e tendo o teatro espao oficial garantido nos currculos escolares, torna-se, necessrio questionar os Parmetros Curriculares Nacionais de Artes, especialmente o texto oficial de teatro, e a forma pela qual ele vem regulando as funes do teatro na escola e na cultura e definindo o modo como devemos fazer e ensinar teatro. No apenas pelo fato de ser uma proposta curricular que se insere nas polticas de conhecimento oficial, que visam homogeneidade cultural e controle acentuado da educao, mas tambm, porque em seus princpios de organizao curricular, to divulgados como representao do novo e do revolucionrio no ensino de teatro, permanece uma orientao que desconsidera as polticas de currculo como polticas culturais.

    Consideraes Finais

    Tomar a poltica curricular de teatro como um discurso regulatrio, implicado em lgicas de saber/poder, permite por em destaque, portanto, no s as lutas discursivas entre as diversas tendncias acadmicas sobre o jogo, conceito central da proposta oficial para ensino de teatro, como tambm d a ver que tipo de demandas subjetivas, que modos de subjetivao so engendrados e demandados por tais textos. A prpria poltica curricular para ensino de teatro tambm pedaggica, ela tambm ensina sobre teatro na medida em que uma srie de saberes so a agenciados para divulgar uma srie de modos pelos quais os escolares devem se portar, o modo pelo qual possvel aprender e fazer teatro na escola, a ser

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    sujeito de um projeto social estabelecido, o modo pelo qual uma poltica de currculo inventa a cultura sobre a qual devemos viver, estabelecendo limites, inscrevendo rostos no horizonte. Mesclar discursos distintos para legitimar a construo da proposta, entretanto, no puro modismo de uma poltica curricular. Uma operao de enunciao de diversos discursos no texto curricular permite no s que o texto oficial seja aceito pelos mais diferentes especialistas em ensino de teatro, mas garante tambm o ar de mudana e novidade. O que no quer dizer que devemos lutar contra as propostas de ensino de teatro, como se por si s implicassem o desvirtuamento de discursos sobre ensino de teatro supostamente originais, em contradies a serem superadas ou ainda como se fossem a representao de processos de opresso ao fazer teatral. Parece ser mais significativo questionarmos o discurso generalizado de que a poltica curricular para ensino de teatro superou hierarquias e implicou em relaes mais democrticas para o teatro nos currculos. Aqui, no basta denunciar a preferncia de linguagens, a carga horria reduzida, por exemplo, mas, sobretudo, questionarmos as diferentes formas de controle engendradas no discurso para o ensino de teatro, de controle do teatro e dos indivduos que o fazem e o praticam. E, novamente, se perguntar: que possibilidades so engendradas ao teatro no currculo escolar? O que pode o teatro no currculo escolar?

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