Educação Ambiental, resíduos sólidos urbanos e sustentabilidade

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UNIVERSIDADE DE BRASLIA CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL

EDUCAO AMBIENTAL, RESDUOS SLIDOS URBANOS E SUSTENTABILIDADE. UM ESTUDO DE CASO SOBRE O SISTEMA DE GESTO DE PORTO ALEGRE, RS.

IZABEL CRISTINA BRUNO BACELLAR ZANETI

Orientadora Prof Dr Las Maria Borges Mouro S

TESE DE DOUTORADO Braslia, 5 de dezembro de 2003

UNIVERSIDADE DE BRASLIA CENTRO DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL

EDUCAO AMBIENTAL, RESDUOS SLIDOS URBANOS E SUSTENTABILIDADE. UM ESTUDO DE CASO SOBRE O SISTEMA DE GESTO DE PORTO ALEGRE, RS. IZABEL CRISTINA BRUNO BACELLAR ZANETI Tese de Doutorado submetida ao Centro de Desenvolvimento Sustentvel da Universidade de Braslia, como parte dos requisitos necessrios para a obteno do Grau de Doutor em Desenvolvimento Sustentvel, rea de concentrao em Poltica e Gesto Ambiental. Aprovado por: _________________________________________ Prof Dr Las Maria Borges Mouro S (UnB/CDS) Orientadora _________________________________________ Profa. Dra. Iara Lcia Gomes Brasileiro (UnB/CDS) Examinador Interno _________________________________________ Profa. Dra. Leila Chalub Martins (UnB/CDS) Examinadora Interna _________________________________________ Prof Dr Vera Margarida Lessa Catalo (UnB/FE) Examinadora Externa _________________________________________ Prof. Dr. Carlos Hiroo Saito (UnB/Ecologia) Examinador Externo Braslia, 5 de dezembro de 2003

Ficha Catalogrfica

ZANETI, IZABEL CRISTINA BRUNO BACELLAR Educao Ambiental, Resduos Slidos Urbanos e sustentabilidade. Um estudo de caso sobre o sistema de gesto de Porto Alegre-RS. 176 p. (UnB-CDS, Doutor, Poltica e Gesto Ambiental, 2003). Tese de Doutorado Universidade de Braslia. Centro de Desenvolvimento Sustentvel. 1. Resduos Slidos Urbanos 3. Sustentabilidade CDU 349.6: 628.4.032 I. UnB -CDS II. Ttulo (srie) 2. Educao Ambiental

concedida Universidade de Braslia permisso para reproduzir cpias desta tese e emprestar ou vender tais cpias somente para propsitos acadmicos e cientficos. O autor reserva outros direitos de publicao e nenhuma parte desta tese de doutorado pode ser reproduzida sem a autorizao por escrito do autor.

_____________________________________________ Izabel Cristina Bruno Bacellar Zaneti

DEDICATRIA

Dedico esta tese s mulheres trabalhadoras dos galpes, pela acolhida nas Unidades de Triagem ou nas ruas, quando interrompiam o seu trabalho para serem entrevistadas. Pela coragem destas guerreiras, que, no meio daquelas toneladas de lixo, contaram sua dor e muitas vezes abriram seus coraes, falando-me da dignidade do seu trabalho, da perspectiva de estudar e de proporcionar um mundo melhor aos seus filhos. Pelas histrias de vida que me confiaram, meu respeito e admirao.

AGRADECIMENTOSAgradecer uma atitude de extrema felicidade. Agradeo a todos aqueles que compartilharam os momentos felizes e os desafios desta caminhada, desde os bem prximos at aqueles que nem sequer sabemos seus nomes. minha famlia, pelo apoio e unio. Aos meus pais, por me fazerem acreditar que meus sonhos so possveis. Ao Hermes Zaneti, meu companheiro e cmplice de ideais... s minhas filhas Tain e Nicole, que nestes quatro anos cresceram, tornando-se companheiras e crticas das questes sociais. Las Mouro, pela sua receptividade e acolhida, estimulando-me a seguir, mesmo nos momentos mais vulnerveis. Iara Brasileiro, pelo seu olhar de girassol. Leila Chalub Martins, pelo seu comprometimento e persistncia. Vera Catalo, por despertar em mim as sementes deste ideal. Ao Carlos Saito, por suas convices. Ao CDS-UnB, pela oportunidade de crescer, aprender e compartilhar. Ao professor Othon Leonardos pelo entusiasmo contagiante na construo desta tese. Ao professor Marcel Bursztyn pela generosidade de compartir seu conhecimento, leituras e fotografias de uma causa em comum: o lixo e os catadores. s colegas de Doutorado da turma 2000, em especial a Mnica, Raquel, Suzana, Carmem e Ire, pelo privilgio de compartilhar um sentimento verdadeiro de coleguismo, cooperao e crescimento. s colegas do Programa de Educao Ambiental da Faculdade de Educao-UnB, especialmente a Cludia e Helana pela escuta sensvel na concepo desta tese. Ao DMLU, pelo apoio na pesquisa de campo. A UFRGS, por ter me recebido e propiciado a logstica que tornou vivel a pesquisa de campo. Aos colegas da Escola da Natureza, pela acolhida e generosidade. Yara Magalhes, pelo sentimento maior que a amizade, maternal. Bea Maury, pelo seu olhar atento na reviso sbia e coerente deste trabalho. In memoriam GLORINHA PIMENTEL, QUE PARTICIPOU DA CONCEPO DESTA TESE DESDE O MESTRADO, DESPERTANDO EM MIM O VERDADEIRO SENTIDO E SIGNIFICADO DE EDUCAR

RESUMO

O presente estudo busca discutir a sustentabilidade do sistema de gesto dos resduos slidos urbanos de Porto Alegre, tomando como referncia as dimenses polticoinstitucional, tcnico-ecolgica, socioeconmico ambiental e cultural-educacional. Solues tcnicas isoladas, tais como coleta, tratamento e destinao final, vm resolvendo parcialmente o problema, j que na medida em que o tempo decorre, observa-se que a quantidade e a complexidade dos resduos vem crescendo transformando-se em grave ameaa ao meio ambiente. O estudo faz uma reflexo sobre o Sistema de Gesto e Tratamento Integrado de Resduos Slidos Urbanos na cidade de Porto Alegre, sob o olhar de quatro atores sociais: a) o Poder Pblico que, por intermdio do Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), exerce a funo de regulao e gerenciamento; b) os operadores que realizam a triagem dos resduos nas unidades de triagem e os catadores independentes que recolhem os resduos nas ruas; c) a populao de Porto Alegre nas unidades domiciliares e, d) as empresas recicladoras e os intermedirios. Busca-se tambm verificar o papel e a importncia da Educao Ambiental na integrao do sistema. Em uma abordagem qualitativa, em um primeiro momento, o estudo se props ao resgate histrico da experincia do sistema de gesto em 12 anos, por intermdio de pesquisa documental, da identificao do seu funcionamento e da verificao da concepo de Educao Ambiental adotada pelo DMLU no sistema. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com funcionrios do poder pblico, com os operadores de triagem, catadores de rua, e com empresrios e intermedirios. Num segundo momento, numa abordagem quantitativa, foram aplicados 400 questionrios nas unidades domiciliares em Porto Alegre, com o objetivo de avaliar a coleta seletiva, investigar os motivos que levam as pessoas a participar ou no deste sistema e identificar se as aes educativas adotadas pelo DMLU transformaram sua concepo na gesto dos resduos. Conclui-se que Porto Alegre avanou muito na gesto dos resduos, evoluindo da situao precria do lixo para o sistema de gesto integrada de resduos, mas esbarra ainda nas questes de quantidade de resduos produzidos e da finitude dos aterros sanitrios.A Educao Ambiental mudou a atitude das pessoas em relao gesto dos seus resduos nas unidades domiciliares.Para que haja sustentabilidade necessria uma mudana de paradigma e de padres de produo e consumo e um sistema de Educao Ambiental que, junto a outros fatores, contribua para esta transformao.Esta mudana dever ocorrer atravs da responsabilizao de todos os atores sociais envolvidos, onde o poder pblico articulado s foras da sociedade civil organizada promova espaos de debate e negociao de interesses, visando consolidao de polticas pblicas que considerem a articulao entre as dimenses da sustentabilidade.O poder pblico tem que assumir a tarefa de regulao diante da desregulao que a lgica de mercado imprime no sistema de gesto de resduos. Palavras-chave: Resduos Slidos; Educao Ambiental; Sustentabilidade; Gesto integrada de Resduos; Atores Sociais.

ABSTRACTThis study discusses the sustainability of the solid waste management in Porto Alegre according to political institutional, technical ecological, social economic environmental and cultural educational aspects. Isolated technical solutions, such as collection, treatment and final destination have been only partially solved the problem. As time has elapsed the quantity and the complexity of the waste have been growing and becoming a grave threat to the environment. The study analizes about the management system and Integrated Treatment of Municipal Solid Waste in the city of Porto Alegre under the influence of four social actors: a) the public administration, which by the mediation of the Departamento Municipal de Limpeza Urbana plays the role of regulation and management; b) the operators who make the items separation of the waste in the separation unities and the independent scavengers who collect the waste on the streets; c) the Porto Alegre population in the domiciliary unities and; d) the recycling companies and the mediators. This study also verifies the role and the importance of the Environmental Education in the systems integration. In a qualitative approach, at the first stage of the project, the study has evaluated the historical experience in the management system for 13 years, by mediation of documental research, identification of its operation and verifying the conception of Environmental Education in the system adopted by DMLU. Semistructured interviews were carried out with employees from the public administration, selection operators, street scavengers, businessmen and mediators. At the second stage, in a quantitative approach, 400 questionaries were applied in domiciliary unities in Porto Alegre. They were used to evaluate the selective garbage collect, to investigate the reasons that stimulate people whether to participate or not in this system and too identify whether the educative actions adopted by DMLU have changed its conception on the management of the waste or not. In conclusion, there has been too much advance on the waste management in Porto Alegre, developing from a precarious situation to an integrated management of waste system. On the other hand, it still has to deal with questions related to the quantity of waste which has been produced and the limitations of the sanitary embankments. The Environmental Education has changed peoples attitude concerning their waste in domiciliary unities. In order for this sustainability to exist it is necessary a change in the paradigm in the production and consumption patterns and in the Environmental Education system that, among other factors, contributes for this transformation. This change may take place with the shared responsibility of all the social actors involved. It is necessary that the public administration together with the civil society organized effort, promote places for discussion and negociation of the conflict of different interests towards the consolidation of public policies which consider the articulation among the sustainability dimensions. The public administration must assume a regulatory task and face the excesses of the market logic that has been imprinted in the waste management system. Keywords: Solid Waste; Environmental Education; Waste Integrated Management, Sustainability.

RESUMLtude prsent cherche discuter la dvellopement durable du systme de gestion des rsidus solides urbains de Porto Alegre-RS, prenant comme rfrence les dimensions politiqueinstitutionnelle, technique-cologique, socioconomique environnementale et culturelducationnelle. Des solutions techniques isoles, tels comme la collecte, triage, traitement et destination finale, rsoudrent partiellement le problme, puisque mesure que le temps dcoule, on observe que la quantit et la complexit des rsidus en grandissent et se transforment dans une grave menace l'environnement. L'tude fait une rflexion sur le Systme de Gestion et Traitement Intgr de Rsidus Solides Urbains dans la ville de Porto Alegre-RS, sous le regard de quatre acteurs sociaux : a) le Pouvoir Public qui, par l'entremise du Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU), exerce la fonction de rglement et gestion ; b) les oprateurs qui ralisent la slection des rsidus dans les units de slection et chiffonniers indpendants qui collectent les rsidus dans les rues ; c) la population de Porto Alegre dans les units domiciliaires ; d) les socits et les intermdiaires. On cherche aussi vrifier le rle et l'importance de l'ducation Environnementale dans l'intgration du systme. Dans un approche qualitative, dabord, l'tude sest propose la rcuperation historique de l'exprience du systme de gestion dans 13 ans, par l'entremise de recherche documentaire, de l'identification de son fonctionnement et de vrification de la conception d'ducation Environnementale adopte par le DMLU dans le systme. Ont t ralises des entrevues semi-structures avec des fonctionnaires du pouvoir public, avec les oprateurs de slection, chiffonniers, et avec entrepreneurs et intermdiaires. En second lieu, dans une approche quantitative, ont t appliqus 400 questionnaires dans les units domiciliaire Porto Alegre, avec l'objectif d'valuer le triage des dchets, enquter les raisons qui emmnent les personnes participer, ou non, de ce systme et identifier si les actions ducatives adoptes par le DMLU ont transform leur conception dans la gestion des rsidus.Il se conclut que Porto Alegre a avanc beaucoup dans la gestion des rsidus, voluant de la situation prcaire de dcharge sauvage pour le systme de gestion intgre des rsidus, mais heurte encore dans les questions de quantit de rsidus produits et de finitude des enfouissement.L'ducation Environnementale a chang l'attitude des personnes lgard de la gestion des leurs rsidus dans les units domiciliaire. Pour quil y ait le dveloppement durable est ncessaire un changement de paradigme et de normes de production et de consommation et un systme d'ducation Environnementale qui, prs d'autres facteurs, contribue celle-ci transformation. Ce changement devra se produire travers la responsabilisation de tous les acteurs sociaux impliqus, o le pouvoir public de faon articule aux forces de la socit civile organise promeuve des espaces de dbat et de la ngociation d'intrts, visant la consolidation de politiques publiques qui considrent larticulation entre toutes dimensions du dveloppement durable. Le pouvoir public doit assumer la tche de rglement devant du drglement que la logique de march imprime dans le systme de gestion des rsidus. Mots-cls : Rsidus Solides Urbains ; ducation Environnementale; Systme de Gestion Intgr de Rsidus Solides; dvellopement sustent; acteurs sociaux.

SUMRIODEDICATRIA ....................................................................................................................... 4 AGRADECIMENTOS ............................................................................................................. 5 RESUMO................................................................................................................................... 6 ABSTRACT .............................................................................................................................. 7 RESUM ................................................................................................................................... 8 LISTA DE FOTOS .................................................................................................................... 12 LISTAS DE FIGURAS ............................................................................................................... 12 LISTA DE TABELAS ................................................................................................................ 12 LISTA DE ANEXOS ................................................................................................................. 13 LISTA DE GRFICOS ............................................................................................................... 13 LISTA DE SIGLAS, NOMENCLATURAS E ABREVIAES .......................................................... 15 PARTE I .................................................................................................................................. 16 RESDUOS SLIDOS URBANOS:AS SOBRAS DA MODERNIDADE ........................16 INTRODUO ...................................................................................................................... 17 CAPTULO 1 - REFERENCIAL TERICO......................................................................26 1.1 SUSTENTABILIDADE, DESENVOLVIMENTO ECONMICO E CRISE AMBIENTAL....................................................................................................................... 26 1.1.1 A dimenso poltico-institucional. .......................................................................... 29 1.1.2 Poltica Nacional de Resduos Slidos (PNRS)....................................................... 31 1.2 RESDUOS SLIDOS URBANOS: ASPECTOS TCNICOS E SOCIOECONMICOS........................................................................................................32 1.2.1 A dimenso tcnico-ecolgica ................................................................................. 32 1.2.2 Sistema de gesto integrada de resduos slidos urbanos ...................................... 34 1.2.3 Classificao dos resduos slidos .......................................................................... 36 1.2.4 Disposio final dos resduos slidos. .................................................................... 37 1.2.5 Quantidade de resduos e disposio final no Brasil.............................................. 38 1.2.6 A dimenso socioeconmica.................................................................................... 39 1.3 EDUCAO AMBIENTAL - A DIMENSO CULTURAL- EDUCACIONAL ......... 42 1.3.1 Educao Ambiental - A compreenso dominante.................................................. 42

1.3.2 A educao no processo de gesto dos resduos slidos ........................................ 44 1.3.3 A viso de complexidade na dimenso micropoltica ............................................. 45 1.3.4 Participao, cidadania e empoderamento............................................................. 46 1.3.5 Educao ambiental e valores................................................................................. 48 CAPTULO 2 - O CAMPO DA PESQUISA........................................................................ 51 2.1 A CONSTRUO DO CAMPO DA PESQUISA ........................................................................ 51 2.1.1 Estudo de Caso ........................................................................................................ 51 2.1.2 Identificao dos Atores .......................................................................................... 52 2.1.3 Etapas do Processo Investigatrio.......................................................................... 53 2.2 PESQUISA QUALITATIVA .................................................................................................. 55 2.2.1 Instrumentos de Pesquisa ........................................................................................ 55 2.3 PESQUISA QUANTITATIVA ...................................................................................... 59 2.3.1 Questionrio ............................................................................................................ 59 PARTE II ................................................................................................................................ 64 O OLHAR DOS ATORES SOCIAIS ESTUDO DE CASO: O SISTEMA DE GESTO DE RESDUOS SLIDOS URBANOS DE PORTO ALEGRE ........................................64 CAPTULO 3 - O OLHAR DO PODER PBLICO...........................................................66 3.1 O DESAFIO DO PODER PBLICO........................................................................................ 66 3.2 O SISTEMA DE GERENCIAMENTO E TRATAMENTO INTEGRADO DE RESDUOS.................. 67 3.2.1 O que o Sistema..................................................................................................... 67 3.2.2 Como Funciona o Sistema Principais Projetos.................................................... 71 3.2.3 Implantao da coleta seletiva nos bairros............................................................. 77 3.3 LEGISLAO E MULTA .................................................................................................... 79 3.4 EDUCAO AMBIENTAL .................................................................................................. 80 3.5. AVALIAO .................................................................................................................... 85 3.6. PLANOS, PROJETOS E PERSPECTIVAS. .............................................................................. 86 CAPTULO 4- O OLHAR DA POPULAO DE PORTO ALEGRE ............................89 4.1. RESULTADOS ............................................................................................................. 90 4.1.1 Caracterizao da Amostra..................................................................................... 90 4.1.2 Participao no Processo de Coleta Seletiva.......................................................... 94 4.1.3 Mudanas que ocorreram nas famlias em relao aos 3 Rs..................................97 4.1.4 Conhecimento da populao em relao s unidades de triagem .......................... 99 4.1.5 Atitude das pessoas em relao ao descarte dos resduos ....................................101

CAPTULO 5 - O OLHAR DOS OPERADORES DE TRIAGEM E DOS CATADORES DE RUA ................................................................................................................................. 103 5.1 AS UNIDADES DE TRIAGEM - UM ESPELHO DA COLETA SELETIVA DE PORTO ALEGRE. ............................................................................................................................................ 103 5.2 O OLHAR DOS OPERADORES DE TRIAGEM ........................................................ 112 5.3 OS CATADORES DE RUA ......................................................................................... 123 CAPTULO 6- O OLHAR DAS EMPRESAS RECICLADORAS E INTERMEDIRIOS ............................................................................................................125 6.1 VIABILIDADE ECONMICA DA RECICLAGEM ..................................................126 6.2 PRESERVAO DO MEIO AMBIENTE ..................................................................128 6.3 EDUCAO AMBIENTAL NAS EMPRESAS..........................................................133 PARTE III ............................................................................................................................. 135 CAMINHANDO PARA O FUTURO .................................................................................135 CAPTULO 7. A SOBRA, A SOMBRA E A LUZ DO SISTEMA DE GESTO DE RESDUOS SLIDOS URBANOS. ................................................................................... 136 7.1 AS SOBRAS: RESDUOS E FINITUDE ................................................................................. 136 7.1.1 A relao entre os atores sociais atravs da circulao dos resduos.................. 137 7.1.2 A continuidade da proposta poltica de gesto de resduos slidos urbanos ....... 140 7.1.3 O carter socioeconmico do sistema de gesto dos resduos slidos ................. 140 7.2 A SOMBRA DO SISTEMA DE GESTO DE RESDUOS ........................................143 7.2.1 Do lixo sobra a sombra inconsciente ....................................................................144 7.2.2 A sombra sombra do sistema.............................................................................. 144 7.2.3 Excluso, m incluso e reciclagem social. Catadores de rua sombra do sistema ........................................................................................................................................ 145 7.3 EDUCAO AMBIENTAL A LUZ DO SISTEMA DE GESTO DOS RESDUOS ............................................................................................................................................ 149 7.3.1 A Educao Ambiental -um importante vetor de mudanas de comportamento ..149 7.3.2 Educao Ambiental para a Sustentabilidade....................................................... 151 CONSIDERAES FINAIS...............................................................................................156 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...............................................................................162 ANEXOS ............................................................................................................................... 170

LISTA DE FOTOSPARTE I Foto 1 As sobras da modernidade. (Iara Brasileiro) Foto 2 Mulheres separando resduos. (Izabel Zaneti) PARTE II Foto 3 O olhar no lixo (Iara Brasileiro) Foto 4 Caminho utilizado para coleta seletiva nos bairros (Arquivos DMLU) Foto 5 Aterro Sanitrio da Extrema.Onde ser o prximo? (Izabel Zaneti) Foto 6 Unidade de Triagem: Ilha dos Marinheiros. (Izabel Zaneti) Foto 7 Carrinho Eltrico apelidado de Baby: substituio das carroas. (Izabel Zaneti) Foto 8 Somos uma famlia (Izabel Zaneti) PARTE III Foto 9 Caminhando para o futuro. (Iara Brasileiro) Foto 10 Como que o catador pra a carroa na rua, se proibido pelo Cdigo de Trnsito? (Marcel Bursztyn) Foto 11 Sa pra tomar ar (Izabel Zaneti)

LISTAS DE FIGURASFigura 1 Sistema de Gesto Integrada de Resduos Urbanos em Porto Alegre Figura 2 Mapa das Unidades de Triagem Figura 3 O ciclo da coleta seletiva Figura 4 A relao entre os atores sociais atravs da circulao dos resduos

LISTA DE TABELASTabela 1 Etapas do processo investigatrio. Tabela 2 Aumento percentual anual do total de resduos slidos (1992/2002)

LISTA DE ANEXOSAnexo 1 Roteiro de Enrevistas Anexo 2 Questionrio Anexo 3 Folheto Informativo Anexo 4 Cartilha Anexo 5 Carta dos Operadores de Triagem Comunidade

LISTA DE GRFICOSGRFICO 1-Evoluo da gerao de resduos em Porto Alegre. GRFICO 2-Entrevistados, em relao ao sexo, em porcentagem. GRFICO 3-Entrevistados, em relao faixa etria, em porcentagem. GRFICO 4-Entrevistados, em relao ao estado civil, em porcentagem. GRFICO 5-Nmero de moradores, por domiclio dos entrevistados, em porcentagem. GRFICO 6-Entrevistados, em relao ao nvel de escolaridade, em porcentagem. GRFICO 7-Entrevistados, em relao ao exerccio ou no de atividade remunerada, em porcentagem. GRFICO 8-Domiclios, em relao renda familiar, em porcentagem. GRFICO 9-Entrevistados, em relao ao conhecimento ou no da existncia da coleta seletiva no bairro, em porcentagem. GRFICO 10-Entrevistados em relao realizao ou no da separao dos resduos no domiclio em porcentagem. GRFICO 11-Entrevistados, em relao aos motivos de adeso coleta seletiva, em porcentagem. GRFICO 12-Entrevistados, em relao ao motivo de no adeso coleta seletiva, em porcentagem. GRFICO 13-Entrevistados, em relao s mudanas ou no nos hbitos da famlia, em porcentagem.

GRFICO 14-Entrevistados, em relao ao tipo de mudanas de hbitos ocorridas nas famlias, em porcentagem. GRFICO 15- Entrevistados, em relao ao conhecimento ou no sobre a disposio final dos resduos, em porcentagem. GRFICO 16- Entrevistados, em relao ao conhecimento das alternativas da disposio final dos resduos, em porcentagem. GRFICO 17-Entrevistados, em relao ao conhecimento de que a coleta seletiva gera emprego e renda para os operadores de triagem, em porcentagem. GRFICO 18-Entrevistados, em relao ao conhecimento da existncia de nove unidades de triagem, em porcentagem. GRFICO 19-Entrevistados, em relao ao conhecimento do tipo de trabalho desenvolvido nas unidades de triagem, em Porto Alegre, em porcentagem. GRFICO 20-Entrevistados, em relao ao conhecimento sobre a ocorrncia de acidentes de trabalho nas unidades de triagem, em porcentagem. GRFICO 21-Entrevistados, em relao atitude no descarte dos resduos, em porcentagem. GRFICO 22-Entrevistados, em relao avaliao da coleta seletiva, em porcentagem.

LISTA DE SIGLAS, NOMENCLATURAS E ABREVIAESABNT CNEMCONAMA DMLU EA EPA FEPAM IPES IBGE Ong ONU OP PEV PNSB SGTIRSD SEDU-IBAM SMIC UT Associao Brasileira de Normas Tcnicas Comisso Nacional de Energia Nuclear Conselho Nacional de Meio Ambiente Departamento Municipal de Lixo Urbano Educao Ambiental Environmental Protection Agency USA Fundao Estadual de Proteo Ambiental Henrique Luis Roessler Instituto de Promoo e Economia Social Instituto de Pesquisa de Geografia e Estatstica Organizao No Governamental Organizao das Naes Unidas Oramento Participativo Posto de Entrega Voluntria Pesquisa Nacional de Saneamento Bsico Sistema de Gerenciamento e Tratamento Integrado de Resduos Slidos Domiciliares. Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano-Instituto Brasileiro de Administrao Municipal Secretaria Municipal de Indstria e Comrcio Unidade de Triagem

PARTE I RESDUOS SLIDOS URBANOS AS SOBRAS DA MODERNIDADE

Quando o homem compreende sua realidade, Pode levantar hipteses sobre o desafio dessa realidade e procurar solues. Assim, pode transform-la e seu trabalho pode criar um mundo prprio, seu eu e suas circunstncias. Paulo Freire

Foto 1: Iara Brasileiro

INTRODUOAqui no galpo, diariamente, puxamos milhares de sacolinhas de lixo. Um dia, quando abri uma sacola tinha uma caixa de sabo. Era uma caixa igual a todas as outras, mas resolvi abrir para colocar no fardo. Encontrei um envelope, abri e tinha 600 dlares. Foi o melhor lixo que encontrei.(Entrevista catadora)

Essa histria aconteceu numa Unidade de Triagem de Porto Alegre e foi narrada por uma catadora que todos os dias tinha a mesma rotina: puxar os resduos da cesta e separ-los. Segundo ela, cada sacolinha conta uma histria diferente, traz os restos daquilo que no serve mais para alguns e, ao mesmo tempo, representa a sobrevivncia de outros.

Foto 2. Mulheres separando resduos na unidade de triagem A situao vivida pela catadora citada acima nos conduz a uma reflexo sobre o que representa ou significa a sua realidade: histrias pessoais que, entrelaadas, revelam o tipo de sociedade de consumo e desperdcio em que vivemos. Somadas essas histrias se transformam em toneladas de resduos produzidos diariamente, que representam, hoje, um dos maiores desafios enfrentados pelas prefeituras municipais, visto que sob suas responsabilidades paira a gesto deste problema.

18

DELIMITAO DO TEMAO presente estudo tem como tema Educao Ambiental, Resduos Slidos Urbanos e Sustentabilidade e destina-se a investigar o Sistema de Gesto Integrada de Resduos Slidos Urbanos da cidade de Porto Alegre-RS. O problema fundamental a investigar : a articulao entre as dimenses tcnicoecolgica, socioeconmica ambiental, poltico-institucional e cultural-educacional fator fundamental para a integrao e sustentabilidade do sistema de gesto de resduos slidos urbanos de Porto Alegre? Para responder esta questo, realizou-se um estudo sobre o sistema de gesto de resduos slidos urbanos sob o olhar de quatro categorias de atores sociais: o poder pblico que exerce a funo de regulao e gerenciamento, a populao que realiza ou no a primeira triagem dos resduos nas unidades domiciliares, os operadores que trabalham nas Unidades de Triagem, os catadores independentes que recolhem os resduos nas ruas atravs da coleta informal, as empresas que reciclam os resduos na sua produo e os intermedirios que comercializam os resduos.Buscou-se compreender o que os resduos representam, qual o seu significado. Observando-se a foto de Iara Brasileiro: Resduos slidos urbanos: as sobras da modernidade, que ilustra a abertura desta parte do estudo, v-se a mquina da sociedade industrial atolada nos resduos que a mesma sociedade produziu. Chegamos em pleno sculo XXI com uma tecnologia avanada, com uma enorme variedade e complexidade de produtos sem saber o que fazer com as sobras deles. Esta mesma situao repete-se todos os dias em todos os lugares, deixando uma questo para resolver: onde colocar mais resduos? Nos ltimos anos de pesquisa sobre o tema resduos slidos, iniciado no mestrado,1

constatou-se que este um tema que acompanha a humanidade desde os seus primrdios. No estudo citado buscou-se resgatar alm do aspecto tcnico dos resduos, seu significado poltico, psicolgico, simblico e mitolgico. O reconhecimento do simblico remete a um novo significado e traz tona a experincia do mitolgico apontando as formas de se retomar a ligao que ficou perdida

1

Zaneti, Izabel Cristina.Dissertao de Mestrado. Reciclar: um processo de transformao.Alm do lixo.FE. UnB Braslia.1996.

19 entre o mundo consciente e inconsciente. Os mitos so como um reflexo do que se passa no inconsciente coletivo e tm como funo despertar aquilo que est velado. Em estudos sobre mitologia, Alice Bailey (1983) apresenta-nos Os Doze Trabalhos de Hrcules trazendo o tema resduos discusso. O dcimo primeiro trabalho refere-se misso que Hrcules recebeu de seu mestre de limpar os estbulos de Augias. Segundo Bailey, Hrcules, filho de deuses e do homem j havia realizado dez trabalhos anteriores muito difceis que lhe haviam dado uma condio de luz e de destaque. No entanto, seu mestre disse que ele voltasse as costas claridade e fosse at aqueles para os quais a luz no existia e os ajudasse a crescer; que se dirigisse costa ocidental do Peloponeso, ao reino de Elida, onde reinava Augias, filho de Hlio, deus do sol. Dele, cujo nome significava o resplandecente, dizia-se que os raios de sol reluziam nos seus olhos, e que em seu reino estavam riquezas do sol. Porm, ao lado das riquezas do sol, se encontrava o monturo, a sujeira. Os dejetos dos animais que no foram tirados por mais de trinta anos haviam-se acumulado nas estrebarias e se espalhado por todo o reino. Os campos j no floresciam e a peste havia se instalado no reino, matando seus habitantes.Hrcules se apresentou ao Rei e ofereceu-se para fazer o servio. No foi bem recebido, j que o Rei o tratou como impostor e fanfarro. Disse-lhe que muitos j haviam tentado a faanha e no lograram xito. Todavia, aceitou a oferta, fazendo um trato. Oferecia sua filha e uma parte no gado como recompensa se o servio fosse feito em um dia. Em caso contrrio, ficaria com Hrcules como escravo. Hrcules tendo aceitado a incumbncia, desanimou-se quando viu o acmulo da sujeira. Sentado beira de um rio contemplando os efeitos da pestilncia que matava a muitos, teve uma idia. Lanando os olhos ao redor, reconheceu a existncia de dois rios, o Alfeu e o Peneo, eram caudalosos e abundantes. Observando os estbulos, viu que estavam rodeados por um muro de pedras. Primeiramente, usou sua fora para derrubar o muro construdo de pedras. Depois, trabalhando com afinco, fora e inteligncia, conseguiu desviar o curso de ambos os rios, fazendo-os passar por dentro dos estbulos, e destes para o campo.A limpeza estava feita. Em apenas um dia limpou as estrebarias e todo o Reino. Retornando ao Rei, foi novamente vilipendiado. Dizendo que o trabalho havia sido feito pelos rios e no pelo Heri, Augias o expulsou do reino como conspirador. Retornando ao Mestre Iniciador, Hrcules foi saudado como vencedor. Tu te tornaste agora um servidor do mundo. A recompensa outra. Ganhaste uma jia com este trabalho, e ningum poder tirarte.(BAILEY, A.1983:181)

Este mito remete-nos realidade dos dias de hoje, onde a tarefa de Hrcules precisa ser cumprida, pelo conjunto dos seres humanos, j que este trabalho no apenas de limpar os estbulos, mas de limpar o planeta. Assim como Hrcules tambm sentimo-nos desafiados a resolver o problema dos resduos, ao ver em pleno sculo 21, as cidades, a exemplo de Augias, repletas de resduos.

20 Dentre os motivos que geram reflexes sobre essa problemtica, constata-se a ao predatria humana, que, em curto espao de tempo, vem destruindo o que a natureza levou bilhes de anos para gerar: as condies necessrias ao surgimento e sustentabilidade da vida no planeta. Essa ao do ser humano acabou produzindo uma situao limite de desequilbrio ecolgico, fruto de uma crise de viso de mundo. O consumo desenfreado, a produo industrial descompromissada com a preservao ambiental, agravada pelo acmulo de uma grande quantidade de produtos descartveis e de resduos geram uma agresso ao meio ambiente. As razes de uma srie de problemas associados aos resduos decorrem de uma cultura predominante que tende a encar-los como algo sem utilidade ou valor: o lixo. Surge ento uma questo: lixo ou resduo? Existe um problema conceitual e cultural a respeito do significado do lixo. O dicionrio define lixo como sujeira, entulho, o que se varre, o que no se quer mais, coisa imprestvel. As expresses: resduo slido e lixo, embora comumente usadas como sinnimo, tanto na linguagem tcnica e legal, quanto na coloquial, no significam, necessariamente, a mesma coisa. Lixo est associado noo da inutilidade de determinado objeto, diferentemente de resduo, que permite pensar em nova utilizao, quer como matria prima para a produo de outros bens de consumo, quer como composto orgnico para o solo.(MANDARINO. 2000:8) Atualmente, a palavra lixo vem sendo substituda tecnicamente pelo termo resduo, no entanto, no h uma unanimidade entre os autores. De acordo com a ABNT (1987), resduos slidos so definidos como aqueles que resultam de atividades da comunidade de origem industrial, domstica, hospitalar, comercial, de servios, varrio e agrcola. O conceito de resduo muda a relao que as pessoas tm com o que descartam. diferente de lixo, que possui um sentido pejorativo, e do qual se espera que seja coletado o mais rpido possvel e de preferncia jogado para bem longe. No entanto, esse tipo de ao no resolve o problema, j que mesmo longe, o lixo fica depositado em algum lugar, contaminando o meio ambiente. A questo levantada que a produo do lixo na realidade o resultado de uma sociedade de consumo, que gera no apenas o rejeito material, como tambm o social. Como o caso das pessoas que se alimentam e vivem do resto e das sobras daqueles que consomem e descartam o que se considera intil.

21 O aumento dos resduos slidos nos grandes centros urbanos d-se basicamente pela introduo no mercado de produtos descartveis. Devido facilidade de manuseio, esses materiais tornaram-se os preferidos da populao economicamente privilegiada, gerando uma enorme quantidade de materiais descartveis e poluentes, o que vem ocasionando uma forte agresso ao meio ambiente. Embora existam tentativas de atribuir valor econmico aos resduos, esse tipo de ao no tem levado necessariamente a uma mudana de estilos de vida e de reduo do consumo. Estima-se que, todos os dias, cada indivduo produza uma mdia de 800 gramas a um quilo de resduos slidos em cidades de mdio e grande porte, que precisam ser recolhidos, transportados, tratados e destinados a um lugar especial. Numa sociedade de consumo acelerado, crescem as exigncias de saneamento e se reduzem os espaos para receber esta incmoda e constante produo de resduos. As prefeituras, em sua grande maioria, no possuem ainda tecnologia nem conhecimento adequado para o manejo dos resduos, depositando-os assim, em lixes a cu aberto, contribuindo ainda mais para a poluio dos solos e das guas. No entanto, algumas prefeituras realizam a gesto integrada. Estas polticas tm como objetivo, a reduo, o reaproveitamento e a reciclagem dos resduos e so uma iniciativa, do Poder Pblico, como uma tentativa de resolver o problema dos resduos nos centros urbanos, minimizando a quantidade de resduos para a disposio final. Mesmo assim, h sobras ou rejeitos, que so encaminhados ao aterro sanitrio - que possui um tempo limitado de uso necessitando de tratamento especial. Em mbito nacional algumas experincias significativas tm sido realizadas neste sentido, dentre elas destacamos a dos municpios de Curitiba, Belo Horizonte, Porto Alegre, Florianpolis, Niteri, Vitria da Conquista. Uma dessas experincias, o Sistema de Gerenciamento e Tratamento Integrado de Resduos Slidos na cidade de Porto Alegre o enfoque desta pesquisa. A escolha de Porto Alegre deu-se por esta ser uma cidade que, desde 1989, atravs do Departamento Municipal de Limpeza Urbana-DMLU, adotou o Sistema de Gerenciamento e Tratamento Integrado de Resduos Slidos Urbanos, como soluo local para o problema dos resduos e cuja premissa bsica, segundo os tcnicos do DMLU, a Educao Ambiental. Esta nova maneira de abordar a questo dos resduos fez com que o DMLU se tornasse referncia nacional na poltica ambiental sobre resduos slidos. Como conseqncia, Porto

22 Alegre foi escolhida pelo Programa de Gesto Urbana da Organizao das Naes Unidas (ONU) e pelo Instituto de Promoo de Economia Social (IPES), como a primeira capital latino americana para sediar a reunio do grupo de trabalho de resduos slidos, em junho de 2000. Porto Alegre foi, ainda, sede dos trs encontros do Frum Social Mundial, por ser considerada uma das cidades que tem um bom ndice de qualidade de vida e a cidadania muito desenvolvida. Dentro deste padro, a discusso da questo dos resduos tem tido um papel fundamental. Porto Alegre um municpio com aproximadamente 1.360.590 habitantes (segundo o censo demogrfico de 2000). Apresenta uma taxa de alfabetizao de 96,7%, entre a populao com 10 ou mais anos de idade. uma das sete capitais do pas onde o percentual de domiclios com os resduos coletados atinge 100%2. Diariamente so geradas, em Porto Alegre, 1600 toneladas de resduos slidos, das quais 900 toneladas correspondem a resduos domiciliares. Estima-se que das 270 toneladas de resduos secos, apenas 20% sejam reciclveis, com a seguinte composio: vidro 7%; plstico 19%; papel 56% e metal 18%. (dados relatrio DMLU/1999) A relevncia deste estudo Educao Ambiental, Resduos Slidos Urbanos e Sustentabilidade reside na necessidade de encontrar alternativas para a gesto dos resduos slidos urbanos no meio ambiente e verificar o papel e a importncia da Educao Ambiental em sua integrao e sustentabilidade. Com base nas reflexes iniciais e na definio do tema de estudo, foram definidos os objetivos descritos a seguir.

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Dados Pesquisa Nacional de Saneamento Bsico /PNSB-IBGE/2000

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OBJETO DE ESTUDOA articulao entre as dimenses tcnico-ecolgica, poltico-institucional,

socioeconmico-ambiental e cultural-educacional e a sustentabilidade dos sistemas de gesto integrada dos resduos slidos urbanos.

OBJETIVOS DE ESTUDO 1 OBJETIVO GERALRealizar estudo sobre o Sistema de Gesto Integrada de Resduos Slidos Urbanos da cidade de Porto Alegre, sob o olhar de quatro categorias de atores sociais: o poder pblico, a populao, os operadores de triagem e catadores e as empresas recicladoras e intermedirios.

2 OBJETIVOS ESPECFICOSResgatar o histrico do sistema de gesto de resduos slidos urbanos de Porto Alegre atravs de pesquisa documental; Identificar a viso dos atores sociais envolvidos no processo de gesto dos resduos slidos; Identificar o funcionamento tcnico do sistema de gesto de resduos slidos urbanos em Porto Alegre; Discutir a sustentabilidade e a integrao do sistema de gesto sob o olhar das dimenses poltico-institucional, educacional; Verificar o papel e a importncia da Educao Ambiental na integrao do sistema de gesto de resduos slidos de Porto Alegre. tcnico-ecolgica, socioeconmica-ambiental e cultural-

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Em sua estrutura, alm da introduo e das consideraes finais, esta tese est dividida em trs partes: A primeira parte constitui-se de dois captulos. O captulo 1 trata da fundamentao terica, com as bases epistemolgicas deste estudo, as quais trazem elementos para uma reflexo sobre a questo dos resduos e a sua insero na crise ambiental e no modelo econmico vigente. Neste captulo reflete-se sobre a concepo e o papel atribudo da Educao Ambiental nas polticas pblicas de gesto de resduos slidos urbanos e das questes socioambientais na busca da sustentabilidade. O captulo 2 apresenta a metodologia e a construo do campo de pesquisa. So apresentados tambm os instrumentos utilizados para a coleta de dados no processo investigatrio referentes as quatro categorias de atores sociais: o poder pblico, a populao de Porto Alegre, os operadores de triagem e os catadores independentes de rua e as empresas recicladoras e intermedirios. A segunda parte O olhar dos atores sociais, constitui-se de quatro captulos e traz como estudo de caso uma anlise do Sistema de Gerenciamento e Tratamento Integrado dos Resduos Slidos Urbanos de Porto Alegre sob o olhar das quatro categorias de atores sociais pesquisados. O captulo 3 aborda O Olhar do Poder Pblico e tem como objetivos identificar o Sistema de Gesto, seu funcionamento; seus principais projetos, a implantao da Coleta Seletiva, das Unidades de Triagem e da Educao Ambiental. Avaliar o sistema a partir de um olhar retrospectivo no perodo de doze anos de sua existncia. Por fim, este captulo tambm trata da legislao vigente, dos projetos, das perspectivas e dos planos futuros para este sistema. O captulo 4 O olhar da populao de Porto Alegre, apresenta os resultados do questionrio aplicado populao nas unidades domiciliares de Porto Alegre e tem por objetivos: traar o perfil daquele que faz a primeira separao dos resduos em domiclio e daquele que no faz. Identificar porque a populao separa ou no os seus resduos. Verificar se a Educao Ambiental repercute nas mudanas de hbitos das famlias, no que diz respeito ao reaproveitamento, reciclagem e reduo do consumo. Por fim, avaliar a coleta seletiva sob o ponto de vista da populao pesquisada. O captulo 5 O olhar dos operadores de triagem e dos catadores de rua apresenta a sistematizao dos dados obtidos nas entrevistas realizadas com operadores de triagem e

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catadores de rua, com o objetivo de verificar como eles realizam a triagem; como se organizam em seu ambiente de trabalho e, ainda, avaliar a separao dos resduos realizada pela populao, a partir do olhar de quem realiza a triagem nos galpes. O captulo 6 O olhar das empresas recicladoras apresenta os dados relativos s entrevistas realizadas com as empresas recicladoras e intermedirias e tem por objetivos: verificar a viabilidade econmica da reciclagem no processo produtivo, a relao custobenefcio e como se d o ciclo de comercializao dos resduos. Tambm identificar como se desenvolve o processo de Educao Ambiental nas empresas. A terceira parte: Caminhando para o futuro, constitui-se do captulo 7, das consideraes finais, das referncias bibliogrficas e anexos. O captulo 7: A sobra, a sombra e a luz do sistema de gesto dos resduos traz elementos para a reflexo e para a discusso dos dados apresentados nos captulos 3, 4, 5 e 6, com o objetivo de relacionar os atores, e as questes que emergem deste sistema sob o olhar das dimenses da sustentabilidade.

CAPTULO 1 - REFERENCIAL TERICOO referencial terico trata, de forma interdisciplinar, dos temas sustentabilidade, resduos slidos urbanos, gesto integrada e educao ambiental, abordando o modelo de desenvolvimento econmico atual, a crise ambiental desencadeada, as polticas pblicas na discusso dos problemas ambientais e a importncia da integrao dessas reas de conhecimento para compreender a complexidade dos temas em relao ao sistema de gesto para sua sustentabilidade. O tema dos resduos tem sido motivo de preocupao para vrios autores. Atualmente, a literatura sobre este assunto bastante vasta, mas basicamente voltada para os aspectos tcnicos de sua gesto, abrangendo a coleta, o tratamento, a caracterizao e a destinao final. No entanto, no so muito discutidas questes relacionadas mudana de paradigma. A escolha de tratar os temas acima citados de forma interdisciplinar se d pelo fato desta ser uma viso abrangente, na qual possvel observar-se o objeto de estudo como um todo. Com isso busca-se superar uma viso especializada e fragmentada do conhecimento em direo compreenso da complexidade e da interdependncia dos fenmenos da natureza e da vida. Por isso que podemos tambm nos referir interdisciplinaridade como postura, como nova atitude diante do ato de conhecer.(CARVALHO. 1998:21).

1.1 SUSTENTABILIDADE, DESENVOLVIMENTO ECONMICO E CRISE AMBIENTALNos ltimos tempos, em decorrncia dos hbitos da sociedade capitalista na qual vivemos, a natureza tem sido agredida pelo consumo exagerado de produtos industrializados e txicos que, ao serem descartados, acumulam-se no ambiente como resduos, causando danos ao planeta e prpria existncia humana. A produo de resduos em larga escala-entenda-se no s no sentido de resduos slidos/sobras, mas tambm no sentido social/ sombra: misria, fome e excluso - caracteriza a sociedade de consumo desde o sculo passado e avana neste incio do terceiro milnio. O lucro, como corolrio da ao empresarial, continua a ser o objetivo teleolgico do modo de produo capitalista, caracterizado pela economia de mercado, hoje ancorada no neoliberalismo. Em decorrncia, est ele diretamente ligado ao consumo sem limites o que gera o desperdcio e a grande produo de resduos.

27 A manuteno da produo de maneira a atender o crescente consumo requer o uso cada vez maior de recursos naturais e energticos. Neste sentido:(...) a utilizao de um padro tecnolgico que parte do pressuposto da inesgotabilidade dos recursos ambientais, bem como a grande diversificao e mobilidade dos poluentes, so tambm aspectos a serem considerados neste processo sistemtico e macio de degradao ambiental e contribuem para o crescente fenmeno de escassez dos recursos ambientais (...) Isso se deve principalmente ao fato de que, at alguns anos atrs, estes recursos eram considerados bens livres (ou seja, que tm valor de uso e no tm valor de troca), disponveis em quantidade ilimitada e de apropriao gratuita. (BURSZTYN,M.A.1994: 13,14)

Nas discusses sobre os rumos do processo de destruio da natureza, desde a Conferncia de Estocolmo (1972), SACHS (1993) props o conceito de ecodesenvolvimento, posteriormente ampliado para desenvolvimento sustentvel. Ele enfatizou a necessidade de se planejar atividades socioeconmicas e de gesto do meio ambiente, buscando aquele desenvolvimento que atenda s necessidades do presente, sem comprometer as possibilidades das geraes futuras atenderem s prprias. Esta concepo incorpora as diferenas entre pases e culturas, alm de implicar na integrao entre meio ambiente e estrutura socioeconmica num processo que melhora as condies de vida das comunidades humanas e, ao mesmo tempo, respeita os limites da capacidade de carga dos ecossistemas. No se pode, pois, separar a sociedade da natureza, pois a natureza no um espao passivo disposio do homem, como tem sido entendido nestes ltimos sculos, mas um espao em movimento dinmico, cclico, em que a inter-relao e a interdependncia garantem sua reproduo e manuteno. Nesse sentido, as estratgias de sustentabilidade, tanto urbana quanto rural, devem levar em conta a complexidade das dimenses desenvolvidas nos processos ambientais considerados, tal como colocado por SACHS (2000), ao destacar as dimenses da sustentabilidade. No presente estudo, o interesse est em discutir as questes ligadas ao papel do Estado, da Sociedade Civil e da Educao no processo de gesto ambiental e, particularmente, dos resduos slidos urbanos. Dentre as dimenses estudadas por SACHS destaca-se: social, ambiental, cultural, econmica e poltica: 1. Social: alcance de um patamar razovel de homogeneidade social, distribuio de renda justa, emprego pleno e (ou) autnomo, com qualidade de vida, igualdade no acesso aos recursos e servios sociais. 2. Cultural: mudanas no interior da continuidade (equilbrio entre respeito tradio e inovao); capacidade e autonomia para elaborao de um projeto nacional integrado;

28 3. Ambiental: respeito e reforo capacidade de auto-depurao dos ecossistemas naturais; 4. Econmica: desenvolvimento econmico intersetorial equilibrado, segurana

alimentar, capacidade de modernizao contnua dos instrumentos de produo; 5. Poltica nacional e internacional: a primeira definida em termos de apropriao universal dos direitos humanos, desenvolvimento da capacidade do Estado para implementar o Projeto Nacional, em parceria com os empreendedores; a segunda tem como caractersticas: o controle institucional efetivo do sistema financeiro e de negcios; da gesto do meio ambiente e dos recursos naturais; proteo da diversidade biolgica e cultural; proteo da diversidade global, como herana comum da humanidade. (SACHS, I. 2000:7) RATTNER comenta que para utilizar o conceito de sustentabilidade preciso ir alm da dimenso conceitual e aplicar na prtica, onde o 'discurso transformado em realidade objetiva '. (RATTNER, 1999:233) FREY (2001) aponta que para SACHS (1993), a meta principal do planejamento a harmonizao dos interesses socioeconmicos, ecolgicos e culturais. Mas preciso uma nfase maior na dimenso poltica. Segundo FREY (2001), as concepes de planejamento, regulao e participao democrtica so centrais para se implementar uma gesto local sustentvel. Boa parte das teorias que visam a sustentabilidade do desenvolvimento carecem de investigaes que aprofundem a dimenso poltico democrtica, o que representa um dos mais importantes fatores limitadores da implementao de estratgias de desenvolvimento sustentvel. Para o autor, existem trs abordagens de desenvolvimento sustentvel: 1) econmicoliberal de mercado; 2) ecolgico-tecnocrata e 3) poltica de participao democrtica. Na abordagem econmico-liberal o crescimento econmico visto como pr-condio para a sustentabilidade ambiental e as concepes de desenvolvimento sustentvel apostam no mercado como fora-reguladora do desenvolvimento. Na abordagem ecolgico-tecnocrata o Estado e suas instituies de regulao de planejamento, garantem a prevalncia do bem comum no processo de desenvolvimento. Nesta abordagem, a ateno voltada para a dimenso ecolgica, isto , a compatibilidade do

29 desenvolvimento econmico com a preservao dos recursos naturais, e que deve tornar-se alvo prioritrio da interveno estatal. Na abordagem poltica de participao democrtica, objetivada a atuao e mobilizao poltica da populao e das organizaes da sociedade civil:(...) a participao popular e o fortalecimento da sociedade civil ganham um valor em si e desempenham ao mesmo tempo um papel fundamental no caminho para a sociedade sustentvel (...) o planejamento orientado pelas necessidades da populao, mas tambm conduzido por ela.(FREY, K.2001:126-129)

FREY aponta duas orientaes na abordagem poltica de participao democrtica. Enquanto uma enfatiza o conflito e a luta entre a elite e os excludos pelo acesso ao poder social e poltico, a outra se apia na esfera pblica como fora motriz do sistema poltico dentro de um projeto de desenvolvimento sustentvel. Levando em conta estas observaes, este estudo que trata da gesto integrada dos resduos slidos busca superar a fragmentao das vises tcnicas especializadas para gerar uma viso abrangente, abordando este assunto interdisciplinarmente. Neste trabalho as dimenses da sustentabilidade sero consideradas da seguinte forma: tcnico-ecolgica, socioeconmica e ambiental, poltico-institucional e cultural-educacional.

1.1.1 A dimenso poltico-institucional. Polticas pblicas - o papel regulador do EstadoConsiderando a dimenso poltico-institucional preciso compreender o papel regulador do Estado nas diversas dimenses das polticas pblicas. O neoliberalismo busca adaptar os princpios do liberalismo econmico s condies do capitalismo moderno, ou seja, adaptado realidade de um mundo em que a no-interveno do Estado na economia um ideal. A meta a interveno mnima do Estado deixando o mercado ditar os rumos. A viso neoliberal,(...) ainda que na aparncia se valha do desmantelamento do Estado, busca, na verdade, a conquista do mesmo, como forma de viabilizar a construo de um outro Estado: onde o mercado substitua as formas de mediao entre os diferentes atores sociais; onde a concorrncia substitua a cooperao; onde o eu substitua o ns. (BURSZTYN, M. 1998: 155)

Esse padro de organizao poltica capitalista, em sua evoluo ao longo da histria da cultura ocidental, culminou na crise ambiental e social da atualidade, em funo da presso socioambiental.

30 A racionalidade econmica capitalista gera uma tenso antagnica entre o interesse comum e o privado, pois opera a partir de uma construo ideolgica do particular enquanto isolado do coletivo. No entanto, a crise ambiental coloca viso neoliberal o desafio de responder necessidade de regulao coletiva, a partir da interveno do poder pblico em favor dos interesses comuns de preservao da vida no planeta. Em toda parte, foram criadas estruturas governamentais voltadas para a regulamentao e para a fiscalizao das atividades causadoras de danos ambientais. Atualmente, a necessidade de regulamentao ambiental tornou-se mais intensa e considerada indispensvel diante do fato de que:(...) o meio ambiente envolve uma categoria de riscos e de danos onde os problemas se apresentam com acuidade bem particular (cadeias de causalidade extensas e mltiplas, responsabilidades divididas, carter de massas e coletivo dos riscos, sade das pessoas). Trata-se de um terreno em que as acomodaes com a doutrina individualista da responsabilidade parecem difceis de evitar. Da mesma forma que para o trfego de veculos, a minimizao de riscos pessoais implica a aceitao de certas regras e restries pblicas.(LEPAGE,1989:327 apud BURSZTYN 1994: 85)

Portanto, se at os neoliberais admitem a regulao do Estado, tangidos pela realidade dos fatos, pelas ameaas que a cincia tem comprovado existir aos ecossistemas e ao meio ambiente e, em conseqncia, s prprias condies de vida no planeta, porque esta ao reguladora do Estado essencial. Como a lgica de mercado no leva em considerao a preservao do meio ambiente, o Estado no pode ser o estado mnimo como defendido pelo liberalismo, mas o Estado necessrio para exercer essa funo reguladora em defesa do meio ambiente. Essa funo se refere, basicamente, criao de instrumentos legais que definam as bases de polticas pblicas adequadas gesto ambiental. Em relao s polticas de saneamento bsico, NUNESMAIA (2001) comenta que a regulamentao jurdica da gesto dos resduos slidos muito recente em cidades e pases do Hemisfrio Norte, por exemplo: Qubec, Alemanha, Dinamarca, ustria e Frana. As legislaes nestes pases datam da dcada de 90 e se encontram ainda em processos de ajuste. A Alemanha foi um dos primeiros pases a adotar a responsabilizao como instrumento legal para viabilizar a reciclagem das embalagens. Em relao ao quadro jurdico dos programas de coleta seletiva, no Brasil a regulamentao inicia-se no final da dcada de 80 e meados da dcada de 90.

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1.1.2 Poltica Nacional de Resduos Slidos (PNRS)O Brasil vem adotando providncias visando criao de um aparelhamento jurdico que possibilite a regulao dos resduos. A proposta de lei que dispe sobre a Poltica Nacional de Resduos Slidos3 (PNRS) sugere que esta poltica seja desenvolvida em consonncia com as Polticas Nacionais de Meio Ambiente, de Recursos Hdricos, de Saneamento e de Sade, de acordo com os objetivos, princpios, fundamentos, diretrizes, instrumentos, planos e programas adotados na lei. MANDARINO (2000), em seus estudos afirma que:(...) em julho/1999, o Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA, em sua 53 reunio ordinria aprovou Resoluo, fornecendo subsdios para uma poltica nacional de gesto de resduos slidos. Entendeu a Consultoria Jurdica do Ministrio do Meio Ambiente, entretanto, que o CONAMA havia extrapolado sua competncia legal, uma vez que a Resoluo determinava sanes e estabelecia, entre outros aspectos, princpios, diretrizes e programas para a gesto de resduos slidos, atribuies para as quais o CONAMA no dispe de competncia. Na prtica, em que pese o texto falar em meros subsdios para uma posterior formulao de poltica, estava configurada a prpria poltica nacional para o setor, matria da competncia privativa do Congresso Nacional, a ser tratada mediante edio de lei em sentido estrito. A resoluo no chegou a ser publicada e seu texto foi encaminhado ao Congresso Nacional como uma proposta de projeto de lei, somando-se aos outros tantos projetos j existentes. Esse incidente procedimental, longe de ser fato isolado, soma-se confuso reinante e faz com que o pas permanea sem as diretrizes necessrias ao gerenciamento da questo. (MANDARINO, A.2000: 49)

Embora a proposta de uma legislao visasse buscar um desenvolvimento sustentvel para todos, h de imediato vrios interesses em conflito, como, por exemplo, em relao responsabilizao das empresas no destino dos resduos. Esta uma questo que desafia a capacidade de regulao do Estado na articulao entre interesses privados e coletivos. Tratase de:(...) uma das condies necessrias para criar bases para o estabelecimento de mecanismos regulatrios que disciplinem e compatibilizem interesses difusos de um sistema de decises complexo. Os decisores devem ser responsabilizados pelos seus atos; ou seja, devem ser creditados a si os sucessos ao mesmo tempo em que respondam pelos erros cometidos. (BURSZTYN,M & BURSZTYN, M.A. 2000:39)

Enquanto isso, os processos de regulamentao estaduais apresentam uma diversidade de situaes. No final da dcada de 80 e meados da dcada de 90 foram aprovadas leis estaduais e municipais que tornam obrigatria a coleta seletiva em vrias cidades brasileiras, como Curitiba, Porto Alegre, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Note-se que as leis do importncia valorizao econmica dos resduos, mas isso j era feito pelos catadores nos

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Poltica Nacional dos Resduos Slidos em tramitao na Cmara dos Deputados.

32 lixes, especialmente em relao ao papel; em muitas cidades j existia um mercado de reciclveis, mesmo no havendo coleta seletiva. Um estudo sobre a legislao em vigor do Distrito Federal (MANDARINO, 2000) analisou a questo a partir de dois parmetros: a eficcia dos instrumentos legais e sua adequao base conceitual dos resduos slidos, e a efetividade desses instrumentos, em face das prticas comuns no Distrito Federal, de destinao final do lixo domiciliar. MANDARINO constatou que o arcabouo legal necessita de uma urgente sistematizao, com vistas superao de suas falhas, tais como confuses conceituais, omisses e ambigidades, fatores que comprometem seu cumprimento, uma vez que carecem da explicitao de parmetros e critrios para a matria, embora seja prdigo em comandos genricos. Estes aspectos mostram que a dimenso poltico-institucional da sustentabilidade deve ser integrada viso das necessidades de organizao micropoltica e de cidadania.(...) a legislao, por si s, significa pouco, produzindo apenas um pequeno avano. Quando os deveres so impostos pela ordem legal, dificilmente se consegue obter adeso. As leis no pegam. As pessoas no obedecem. A fiscalizao ineficiente, despreparada e exercida de forma pontual. Mas, quando alguns na sociedade percebem a necessidade de mudana de hbitos, padres e comportamentos, vo aos poucos puxando os demais e as transformaes comeam a ganhar corpo. A as leis passam a ser cumpridas, pelo simples fato de traduzirem metas que a sociedade pretende alcanar. (op cit: 97)

Os custos e a gigantesca dimenso dos problemas gerados pelos resduos slidos urbanos no meio ambiente, extrapolam a capacidade do Estado em resolv-los isoladamente. Essa tarefa exige uma ao conjunta entre Estado, Mercado e Sociedade Civil, enfim, uma verdadeira transformao social. O poder pblico dever agir articulado s foras organizadas da sociedade civil, e promover espaos de debate e negociao de interesses, visando consolidao de princpios norteadores para polticas de gesto de resduos slidos urbanos. Este ponto ser discutido no captulo trs.

1.2 RESDUOS SLIDOS URBANOS: ASPECTOS TCNICOS E SOCIOECONMICOS 1.2.1 A dimenso tcnico-ecolgicaAs dimenses tcnica e ecolgica consideradas em conjunto tornam evidente os paradoxos do modelo de desenvolvimento vigente, e apontam as imposies socioeconmicas

33 e ambientais que este modelo traz para as decises tcnicas e para os impactos ambientais. Pode-se afirmar que a apropriao privada dos recursos naturais, guiada pela lgica capitalista do lucro, com seus ritmos produtivos artificiais lineares e em acelerao crescente, gerando poluio, resduos e degradao, o fator responsvel pela crise ambiental. Segundo CAPRA:(...) um dos principais desacordos entre a economia e a ecologia deriva do fato de que a natureza cclica, enquanto que nossos sistemas industriais so lineares. Nossas atividades comerciais extraem recursos, transformam-nos em produtos e em resduos, e vendem os produtos a consumidores, que descartam ainda mais resduos depois de ter consumido os produtos. Os padres sustentveis de produo e de consumo precisam ser cclicos, imitando os processos cclicos da natureza. Para conseguir esses padres cclicos, precisamos replanejar num nvel fundamental nossas atividades comerciais e nossa economia. (CAPRA. 1996:232)

Existe um descompasso muito grande no ritmo e na intensidade do metabolismo industrial e no ritmo da natureza. A sustentabilidade estabelece, como premissa ecolgica, que a sobrevivncia em longo prazo de cada espcie depende de uma base limitada de recursos. Essa limitao exige que estejam funcionando processos de despoluio e de regenerao permanentes, para que a vida se manifeste, transforme e evolua. No entanto, a lgica do mercado em funo do seu objetivo maior, o lucro, no se preocupa com a repercusso que esta diferena de ritmos causa ao meio ambiente e menos ainda em se auto-regular, no limitando a sua ao em funo da preservao do meio ambiente, pois isso contraria o seu objetivo maior. No processo industrial, por exemplo, a poluio permanece como uma externalidade, cujos custos so jogados sociedade,...evidenciando, assim, as limitaes da funo reguladora das foras de mercado quando se considera a varivel ambiental nos mecanismos de alocao de recursos. (BURSZTYN, M. A.1994 :14) A crescente ameaa de colapso ambiental e de esgotamento dos recursos naturais desencadeia uma busca de solues e explica um movimento tambm crescente na sociedade civil: a reviso de certos paradigmas, no sentido de pensar as condies de operacionalizao social, poltica e tecnolgica de um desenvolvimento sustentvel. A presso da sociedade civil, inclusive sobre os governos, tem gerado um ambiente propcio busca de solues para gerar um equilbrio entre desenvolvimento e meio ambiente. Um dos exemplos dessa busca o chamado Princpio Poluidor Pagador.(...) a transferncia aos poluidores dos custos da preveno e da luta contra a poluio atravs de pesquisas de produtos e tecnologias menos poluentes e a utilizao mais racional dos recursos so os pontos essenciais do Princpio Poluidor Pagador, adotados pelos pases

34membros da OCDE4, no incio da dcada de 70 (...). Este princpio afirma que o poluidor deveria se responsabilizar pelas despesas relativas s medidas tomadas pelos poderes pblicos para que o meio ambiente se mantenha num estado aceitvel. (op cit: 15)

A idia, portanto, no a de inviabilizar o processo de desenvolvimento, mas a de rediscuti-lo em funo do meio ambiente. A verdadeira escolha no entre desenvolvimento e meio ambiente, mas, entre as formas de desenvolvimento, sensveis ao meio ambiente ou no. Na questo dos resduos slidos urbanos, vistos como as sobras do processo de industrializao, vrios estudos esto sendo feitos buscando instrumentos e metodologias para preservar o meio ambiente, como, por exemplo, o sistema de gesto integrada de resduos, como ser tratado a seguir.

1.2.2 Sistema de gesto integrada de resduos slidos urbanosDentre os estudos realizados sobre gesto de resduos, destaca-se NUNESMAIA (2001), que analisou os modelos de gesto socialmente integrados de resduos urbanos no Brasil em quatro cidades; uma de porte mdio, Vitria da Conquista (nordeste) e trs metrpoles: Porto Alegre e Curitiba (regio sul) e Belo Horizonte (regio sudeste) do pas. As principais variveis estudadas foram a gesto integrada de resduos, a coleta seletiva organizada, a atividade dos catadores, a destinao final dos resduos urbanos e o impacto socioambiental e sanitrio dos resduos urbanos. Sua pesquisa da maior relevncia para o presente estudo eis que teve por objetivo avaliar a gesto dos resduos urbanos municipais socialmente integrados, a partir da anlise dos modelos adotados nos municpios acima citados. O trabalho de NUNESMAIA permitiu realizar comparaes com o caso pesquisado do presente estudo. A respeito da globalizao da expresso gesto integrada, NUNESMAIA (2002) comenta que na Europa a expresso significa livre-circulao no continente, favorecendo a abertura de servios pblicos, a concorrncia, a definio de normas, o compromisso de estabelecer hierarquia dos princpios de gesto de resduos aliados proteo ambiental. Na Frana, a gesto integrada objetiva reforar a cooperao intermunicipal para coleta e tratamento, para agregao de maior poder de negociao, beneficiando as economias diferenciadas. A gesto apoiada pelo planejamento administrativo, com diretrizes para todo4

Organizao de Cooperao e Desenvolvimento Econmico-Pases membros da OCDE so: Alemanha, ustria, Blgica, Canad, Dinamarca, Espanha, EUA, Grcia, Irlanda, Islndia, Itlia, Luxemburgo, Noruega, Holanda, Portugal, Gr-Bretanha, Sucia, Sua e Turquia.(BURSZTYN, M.A op cit: 17).

35 o territrio francs. No caso da Sucia, a gesto integrada, conta com a participao da populao na definio de prioridades do modelo de gesto, no controle e no acompanhamento do mesmo. A autora tambm refere-se ao fato de que a gesto integrada induz ao conceito: (...) de responsabilidade ampliada para os produtos e embalagens colocadas no mercado e (...) que pode significar ainda a integrao dos resduos quanto s atividades econmicas, ao emprego, autonomia e ao desenvolvimento sustentvel.(op cit: 121) A expresso gesto integrada tornou-se mundialmente usada, mas seu contedo ainda vago e mltiplo segundo as convenincias de quem a utiliza. Da mesma forma, extremamente varivel o contedo atribudo ao termo gesto socialmente integrada quanto importncia do social, particularmente do emprego e da participao de acordo com cada pas. Dentre as trs metrpoles estudadas pela referida autora, Belo Horizonte apresenta o programa de Educao Ambiental mais agressivo. A vertente social marcante nos trs programas, mas de forma diferenciada. A autora concluiu que a coleta seletiva no Brasil apresenta uma ntida conotao social e a sua ambio de uma gesto de resduos socialmente integrada. Segundo NUNESMAIA (2002), a concepo do modelo definido como gesto dos resduos urbanos socialmente integrada baseia-se na idia do desenvolvimento alternativo de formas de tratamento e valorizao dos resduos, respondendo preocupao com a minimizao dos impactos sobre a sade humana e o meio ambiente. Acrescente-se a isso a dimenso social, por intermdio da participao do cidado no processo de gesto dos resduos e da insero social dos excludos que vivem da coleta dos resduos domsticos. A estruturao do modelo engloba cinco elementos: a) sanitrio (sade humana); b) social (emprego de pessoas desfavorecidas, inclusive catadores), c) comunicao (participativo), d) aspectos ambientais e, e) critrios econmicos. Comparando a base de princpios da poltica de gesto de resduos de pases do Norte e do Sul, a autora ressalta que no Brasil h mais nfase em aspectos culturais e sociais. A autora comenta tambm que:O elemento principal do modelo de gesto socialmente integrado a associao da reduo de resduos em sua fonte geradora, com polticas sociais municipais. O grau de importncia das grandes fontes geradoras de resduo, nesse modelo, determinado a partir dos

36problemas identificados: leitura da realidade local, impactos causados sobre o homem e sobre o meio ambiente, funo do tipo de resduos, de sua qualidade e quantidade. (op cit: 122)

1.2.3 Classificao dos resduos slidosFalar em resduos slidos remete idia de sobras de um processo, que, se bem tratadas, separadas na origem e encaminhadas corretamente, podem ser reaproveitadas, recicladas e compostadas. Segundo MANDARINO (2000) faz-se necessrio uma classificao dos resduos slidos, a fim de propiciar a definio do tipo de tratamento e destinao final que devem receber, para que no causem maiores danos ao homem e ao meio ambiente.(op cit: 28) So vrias as classificaes dos resduos slidos. As mais comuns so: a) quanto ao risco de potenciais de contaminao e, b) quanto natureza ou origem. A Associao Brasileira de Normas Tcnicas-ABNT classifica os resduos de acordo com o risco que oferecem (NBR 10004): Classe I, ou perigosos, que possuem substancial periculosidade ao ambiente, letalidade, no degradabilidade e efeitos adversos, podendo ser inflamveis, corrosivos, reagentes, txicos ou patognicos; Classe II, ou no inertes, so os resduos que podem apresentar caractersticas de combustibilidade, biodegrabilidade ou solubilidade, com possibilidade de acarretar riscos sade ou ao meio ambiente, no se enquadrando nas classificaes de resduos Classe I ou na Classe III. Classe III, ou inertes, so aqueles que, por suas caractersticas no oferecem riscos sade e ao meio ambiente, e que, quando amostrados de forma representativa, segundo a NBR 10.007, e submetidos a um contato esttico ou dinmico com gua destilada, no tiveram nenhum de seus constituintes solubilizados. (SEDU-IBAM, 2001:25) Quanto natureza ou origem, os resduos podem ser agrupados em cinco classes, a saber: a) domstico ou residencial; b) comercial; c) pblico, d) domiciliar especial e) fontes especiais: industrial, radioativo, portos, aeroportos e terminais rodoferrovirios, agrcola e de servios de sade. a) Domiciliares - produzidos nas atividades dirias dos domiclios, como restos de alimentos, embalagens, papel, pedaos de louas, vidro, plsticos e metais etc. b) Comerciais - semelhantes ao domstico, porm proveniente de empresas, escritrios, cujas caractersticas dependem da atividade ali desenvolvida.

37 c) Pblico - recolhido nas ruas, nas feiras livres, como restos de frutas, verduras, legumes, madeiras e tambm aqueles descartados irregular e indevidamente pela populao, como entulho, bens considerados inservveis, papis, restos de embalagens e alimentos. Os resduos domiciliares, comerciais e pblicos, representam a maior parte dos resduos slidos produzidos nas cidades. d) Domiciliar especial - entulho de restos de construo como pedaos de telhas, tijolos, areia, cimento; pilhas e baterias, lmpadas fluorescentes e pneus. e) Fontes especiais: - Industrial - resduos gerados pelos mais diversos tipos de indstrias (sobras de processos); servios de sade (seringas, gazes, esparadrapos etc.) - Radioativo - resduos que emitem radiaes acima dos limites permitidos pelas normas ambientais. No Brasil, o manuseio, acondicionamento e disposio final do lixo radioativo est a cargo da Comisso Nacional de Energia Nuclear- CNEM. - Portos, aeroportos, rodovirios e ferrovirios - resduos gerados nos terminais, decorrentes do consumo de passageiros. A periculosidade est no risco de transmisso de doenas e pelas cargas transportadas, eventualmente contaminadas. - Agrcola - principalmente vasilhames descartados pelo uso de agrotxicos. A falta de fiscalizao e de penalidades mais rigorosas para o manuseio inadequado destes resduos faz com que sejam misturados aos resduos comuns e dispostos em vazadouros dos municpios, ou que sejam queimados nas fazendas e stios, causando gases txicos. - Servios de sade - compreende todos os resduos gerados nas instituies destinadas preservao da sade da populao. Segundo a NBR 12.808 da ABNT, estes resduos subdividem-se em: Classe A - resduos infectantes; Classe B - resduos especiais - rejeitos radioativos, farmacuticos e qumicos perigosos. Classe C resduo comum.(IBAM/ SEDU, 2001:26-32)

1.2.4 Disposio final dos resduos slidos: aterros sanitrios; controlados e vazadouros a cu aberto.O processo recomendado para a disposio adequada dos resduos slidos urbanos o aterro. Existem dois tipos: o aterro sanitrio e o aterro controlado.

38Aterro sanitrio a forma mais adequada de disposio de resduos urbanos no solo, atravs de confinamentos em camadas cobertas com material inerte, geralmente solo, segundo normas operacionais especficas de modo a evitar danos ou riscos sade pblica e segurana, minimizando os impactos ambientais. (ABNT-NBR-10703/89)

A implantao de um aterro sanitrio deve ser precedida do processo de seleo da rea, licenciamento e projeto executivo. Devero ser analisados diversos parmetros ambientais e populacionais como as caractersticas do solo, a profundidade do lenol fretico e tambm a distncia dos centros urbanos, aliada proximidade com os centros coletores. So adotados procedimentos tcnicos operacionais tais como a drenagem e o tratamento do chorume e do gs gerado durante a decomposio do lixo, para evitar a poluio do solo, do ar e das guas subterrneas. Outro tipo de aterro aceito pela legislao o aterro controlado que um processo de aterramento, onde os resduos recebem uma cobertura diria de material inerte, sem promover o tratamento do chorume e a queima do biogs. Vazadouro a cu aberto ou lixo Os lixes a cu aberto so o destino final de grande parte do lixo coletado pelos municpios. A diferena entre um aterro controlado e um lixo que, no primeiro a disposio final de resduos no solo possui algum controle. No segundo, h uma simples descarga de material no solo, sem nenhum critrio tcnico e sem qualquer tratamento prvio. Estes lixos localizam-se geralmente, em reas desmatadas, crregos ou nascentes. Os resduos so simplesmente jogados a cu aberto de forma irregular causando poluio e graves problemas ambientais.

1.2.5 Quantidade de resduos e disposio final no BrasilSegundo dados da PNSB/ IBGE (2002):Nas cidades com at 200 000 habitantes, pode-se estimar a quantidade coletada de resduos variando entre 450 e 700 gramas por habitante/dia; acima de 200 000 habitantes, esta quantidade aumenta para a faixa entre 800 e 1200 gramas por habitante/dia. A PNSB/2000 informa que, na poca em que foi realizada, eram coletadas 125.281 toneladas de lixo domiciliar, diariamente, em todos os municpios brasileiros. Trata-se de uma quantidade expressiva de resduos para os quais deve ser dado um destino final adequado, sem prejuzo a sade da populao e sem danos ao meio ambiente. Dos 5507 municpios brasileiros, 4026, ou seja, 73,1%, tem populao at 20 000 habitantes. Nestes municpios, 68,5% dos resduos gerados so vazados em lixes e alagados.Se tomarmos, entretanto, como referncia, a quantidade de lixo por ele gerado em relao ao total da produo brasileira, a situao menos grave, pois em conjunto coletam somente 12,8% do total brasileiro (20655 t/dia). Isso menos do que o gerado pelas 13 maiores cidades brasileiras, com populao acima de um milho de habitantes. S estas

39coletam 31,9% (51 635 t/dia) de todo o lixo urbano brasileiro, e tm seus locais de disposio final em melhor situao:1,8% (832t /dia) destinado a lixes, o restante sendo depositados em aterros controlados ou sanitrios. (PNSB/ IBGE, 2000: 52-53)

Mesmo com esta porcentagem de resduos depositada em aterros, a situao da disposio final vai ficando cada vez mais crtica. Por um lado, h a finitude dos aterros, que geram uma busca constante por novos espaos fsicos adequados para depositar os resduos, locais cada vez mais distantes dos centros urbanos. Por outro lado, h a poluio causada pela disposio dos resduos em lugares inadequados, como por exemplo, os lixes a cu aberto, situados muitas vezes em encostas florestadas, manguezais, rios, baas e vales. Esta situao agravada ainda pela presena de catadores nos lixes denunciando os problemas sociais resultantes do modelo de desenvolvimento atual e da m gesto dos resduos, como ser visto a seguir.

1.2.6 A dimenso socioeconmicaOs resduos precisam ser entendidos numa dimenso mais ampla. No apenas na dimenso tcnica, mas no aspecto socioeconmico, na prpria condio humana dos excludos que vivem da catao. O resduo da sociedade tambm se produz, ele est a cu aberto e torna-se visvel na presena de catadores - entre eles crianas - na segregao informal dos resduos nos vazadouros, nos aterros ou nas ruas. Este o ponto mais agudo e manifesto da relao dos resduos com a questo social. Os resduos so o elo entre o que no serve mais para uns e o que para outros representa trabalho e sobrevivncia. Foi constatado no Brasil por ocasio do lanamento da campanha Criana no Lixo nunca mais,(1999) que 50 mil crianas viviam do lixo e no lixo, trabalhando com os seus pais na catao e separao de lixo. Estas crianas vivem em situao de risco, se alimentam dos restos de comida encontrados nos lixes e abandonam a escola para ajudar os seus pais. Esta situao resultado da extrema pobreza em que vivem estas pessoas e que sofrem as conseqncias da m distribuio de renda. No modelo neoliberal, diminui a oferta de empregos e cresce o desemprego. Esta situao se agrava para uma grande quantidade de pessoas de baixa qualificao profissional que passam a fazer da catao de resduos a base da sua sobrevivncia e a da sua famlia. A concentrao de renda se acentua, pois os mais ricos aumentaram o seu rendimento, enquanto os mais pobres diminuram. Isto indica que o tipo de desenvolvimento que est

40 sendo produzido tende a se inviabilizar porque injusto. Ao gerar concentrao de renda, cada vez mais sero ampliadas as diferenas sociais entre uma minoria, cada vez menor, que possui cada vez mais e uma imensa maioria, cada vez maior, que possui cada vez menos. O resultado no ser outro, seno a gigantesca exploso social, que j estamos assistindo nos dias de hoje. Alguns dados do IBGE sobre o Brasil: Um em cada trs brasileiros pode ser considerado pobre. 10% da populao (cerca de 16 milhes de habitantes) so miserveis. (IBGE-1996) Segundo clculos do IPEA, a partir das estimativas existentes com base na renda familiar per capita, a proporo de brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza de cerca de 34%. Em nmeros absolutos, isso significa cerca de 55 milhes de pessoas em 2001. J a proporo de indigentes, ou seja, os que no tm renda sequer para consumir o mnimo de calorias definido pela Organizao Mundial da Sade de cerca de 14% da populao. Em termos absolutos, a pobreza no Brasil preponderantemente urbana. De acordo com MORAIS E LIMA (2001), do nmero absoluto de pobres, 76% vivem em reas urbanas, sendo 48% em aglomeraes urbanas. As metrpoles de So Paulo, Rio de Janeiro e Recife so as que, nessa ordem, contm o maior nmero absoluto de pobres. Segundo GOMIDE (2003), a linha de pobreza corresponde ao valor da renda domiciliar per capita que, em cada ano, assegura o nvel mnimo necessrio para satisfazer as necessidades bsicas do indivduo referentes alimentao, vesturio, moradia e transportes. A linha de pobreza representa, portanto, um parmetro que permite considerar como pobres todos os indivduos que se encontram abaixo de seu valor. Constata-se que, por um lado, existe o grupo com (com casa, com emprego, com escola, com transporte etc.) e, por outro lado, o grupo sem, que sobrevive muitas vezes dos restos, do lixo dos que tm e descartam porque no serve mais. Estes dados mostram a situao de risco em que vivem estas pessoas sem teto, e sem endereo limpo. Segundo BUARQUE, endereo limpo consiste no provimento a todo cidado de condies dignas de habitao e no apenas um lote de terra (agregando-se fatores como gua, esgoto, transportes, infra-estrutura urbana, escola etc.). O grupo com, vive cada vez mais amedrontado pelo grupo sem. Cada vez mais ficam dentro de casa, da empresa, de carros, cercados por grades, protegidos por alarmes, seguranas, ameaados de seqestros e assaltos, com medo de perder seus privilgios, seus bens e sua vida. Cada vez mais ficam com bens materiais e sem liberdade.

41 Por outro lado, este modelo cria no s legies de excludos no plano interno do pas, mas, em funo da globalizao do processo econmico, gera continentes e regies de excludos, pobres explorados pelos ricos que detm o poder.Segundo NASCIMENTO (2000): A excluso social diz respeito ao ato de excluir, de colocar margem um determinado grupo social. H trs acepes do ponto de vista sociolgico, do termo excluso social. 1) uma decorrncia do conceito de anomia (...) neste sentido, o conceito aproxima-se do conceito de discriminao racial, sexual, religiosa, ou outra (...) embora no estejam formalmente excludos de direitos, suas diferenas no so aceitas, 2) excluso de direitos, so grupos sociais - trabalhadores pobres, mendigos, biscateiros, que no tem integrao ao mundo do trabalho e, (...); 3) nova excluso - o no reconhecimento - o que Hannah Arendt chama de recusa ao espao da obteno de direitos so os moradores de rua, ndios, ou modernmades. So as pessoas que passam a no ter direitos. (NASCIMENTO, E. 2000: 61,62)

BUARQUE5(1997) define os modernmades como: aqueles nmades criados pela modernidade. So migrantes permanentes que vivero do que sobra na modernidade: conscientes de que sero sempre excludos.Os excludos no tm acesso a bens e servios bsicos e nem ao mercado de trabalho formal. Segundo BURSZTYN,o contexto atual aponta no sentido de uma crescente excluso do mercado de trabalho (...) onde as pessoas vo sendo conduzidas no sentido do rebaixamento na hierarquia social, eles deixam de pertencer ao mundo oficial e passam a ser um problema. (2000:51, 52)

Estas condies de vida tendem a levar o indivduo e as populaes a situaes-limite. A maior parte das iniciativas de combate excluso tem-se mostrado ineficiente, principalmente quando o peso quantitativo dessa categoria social grande. preciso que as iniciativas tomadas caminhem para a formao de uma nova utopia que: (...) inclua investimentos em educao que visem uma nova tica; o ser deve ser resgatado face ao ter introduzido no mundo capitalista; a diversidade e a pluralidade devem ser valorizadas, a fim de se reduzirem as diferenas sociais crescentes; e a educao deve estar aberta a novos paradigmas que visem incluso de todos.(BARTHOLO &BURSZTYN,

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Expresso usada por Cristovam Buarque na apresentao do livro de BURSZTYN, M & ARAJO, C.H. Da utopia excluso: vivendo nas ruas de Braslia. RJ.Garamond; Braslia: Codeplan, 1997.

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1.3 EDUCAO AMBIENTAL - A DIMENSO CULTURALEDUCACIONAL 1.3.1 Educao Ambiental - A compreenso dominanteEm diversos contextos mundiais e locais, a educao ambiental tem sido discutida como um importante instrumento de transformao social, resultando em documentos relevantes para a visibilidade da questo. Vrias definies de educao ambiental tm sido elaboradas nestes contextos. A Conferncia de Tbilisi (1977) definiu a EA como:(...) um processo permanente no qual os indivduos e a comunidade tomam conscincia de seu meio ambiente e adquirem o conhecimento, os valores, as habilidades, as experincias e a determinao que os tornam aptos a agir - individual e coletivamente a resolver os problemas ambientais.

Por ocasio da Rio/92 foram produzidos trs documentos importantes para a validao da EA no mbito internacional: Agenda 21 (elaborada pelos chefes de estado), o Tratado de Educao Ambiental para Sociedades Sustentveis e Responsabilidade Global (elaborado pelo Frum Global, realizado paralelamente por ONGs de todo o mundo) e a Carta Brasileira de Educao Ambiental (elaborada pela coordenao do MEC). No Brasil, a Lei 9.795 de 27/04/99, dispe sobre a Educao Ambiental e institui a Poltica Nacional de Educao Ambiental (PNEA). A EA definida como:Processos por meio dos quais o indivduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competncias voltadas para a conservao do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.

Seus princpios bsicos so: enfoque humanista e participativo; concepo do meio ambiente em sua totalidade; pluralidade de idias e concepes pedaggicas, na perspectiva de inter, multi e transdisciplinaridade; vinculao entre a tica, a educao, o trabalho e as prticas sociais; garantia de continuidade e permanncia do processo educativo; abordagem articulada das questes ambientais locais, regionais, nacionais e globais; reconhecimento e respeito pluralidade e diversidade individual e cultural. Embora a EA seja definida nestes documentos como um processo dinmico integrativo, transformador, participativo, abrangente, globalizador, permanente e contextualizador, h um aspecto que praticamente escamoteado nestas definies.

43 Trata-se de conceber a Educao como um instrumento no processo de gesto ambiental, postulando-se a necessidade de criao de espaos democrticos de exerccio do poder de gesto. Tal concepo presume formas de compartilhamento das questes ambientais com as populaes locais envolvidas; das informaes necessrias compreenso da complexidade dessas questes, bem como a criao de espaos de deciso quanto s polticas pblicas a serem adotadas. Neste sentido, a Agenda 21 Brasileira, concluda em julho de 2002, contm algumas indicaes interessantes a respeito da dimenso poltica da sustentabilidade que, embora no estejam diretamente articuladas s questes da Educao, valem ser destacadas:O planejamento governamental deve ser um processo de negociao permanente entre o Estado e as instituies da sociedade (...) negociar assumir as diferenas e reconhecer nos conflitos de interesse a essncia da experincia e dos compromissos democrticos. As lutas, os conflitos e as dissidncias so formas pelas quais a liberdade se converte em liberdades pblicas concretas. Desse modo, o compromisso democrtico impe a todas as etapas do processo de planejamento o fortalecimento de estruturas participativas e a negao de procedimentos autoritrios, que inibem a criatividade e o esprito crtico. (MMA/PNUD, 2002:1)

Existem a tambm algumas referncias indiretas ao processo educativo necessrio implementao das propostas transformadoras, includas no "Objetivo 20 - Cultura cvica e novas identidades na sociedade da comunicao - A formao de capital social:A longa crise do Estado em