Educação Do Campo - Residência Agrária

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    1/215

    A experincia do

    Programa Residncia Agrria

    Mnica Castagna MolinaGema Galgani S. L. Esmeraldo

    Pedro Selvino NeumannSonia Maria P. P. Bergamasco

    (Organizadores)

    Educaodo campoe formao

    profissional

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    2/215

    A experincia doPrograma Residncia Agrria

    Mnica Castagna MolinaGema Galgani S. L. Esmeraldo

    Pedro Selvino Neumann

    Sonia Maria P. P. Bergamasco(Organizadores)

    Educaodo campoe formao

    profissional

    MDA

    Braslia, 2009

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    3/215

    APRESENTAO

    DEZ

    ANOS

    DE

    PRONERAE

    O

    PROGRAMA

    RESIDNCIA

    AGRRIA

    07INTRODUO 11

    CAPTULO1GNESEDOPROGRAMARESIDNCIAAGRRIA 15

    1.1.Residncia Agrria: concepes e estratgias 17Mnica Castagna Molina

    1.2. Uma Residncia para as cincias agrrias: saberes coletivospara um projeto campons e universitrio 29 Maria Ins Escobar Costa Casimiro

    CAPTULO2MATRIZREGIONAL 39

    2.1. Os desafios de uma formao voltada para o contexto regional:a experincia do Curso de Especializao em AgriculturaFamiliar e Camponesa e Educao do Campo da Regio Norte 41 Laura Anglica Ferreira, Luiza de Nazar Mastop-Lima,

    Maria Suely Ferreira Gomes, Marlene Naoyo Abe e Carla Rocha

    2.2. ProgramaResidncia AgrriaNordeste I:a fora de uma experincia 63 Gema Galgani S. L. Esmeraldo, Helena Selma Azevedo,

    Francisco Casimiro Filho e Maria Lcia de Sousa Moreira

    S U M R I OLUIZ INCIO LULA DA SILVAPresidente da Repblica

    GUILHERME CASSELMinistro de Estado do Desenvolvimento Agrrio

    DANIEL MAIASecretrio-Executivo do Ministrio doDesenvolvimento Agrrio

    ROLF HACKBARTPresidente do Instituto Nacional deColonizao e Reforma Agrria

    ADONIRAM SANCHES PERACISecretrio de Agricultura Familiar

    ADHEMAR LOPES DE ALMEIDASecretrio de Reordenamento Agrrio

    JOS HUMBERTO OLIVEIRASecretrio de Desenvolvimento Territorial

    CARLOS MRIO GUEDES DE GUEDESCoordenador-Geral do Ncleo de EstudosAgrrios e Desenvolvimento Rural

    CSAR JOS DE OLIVEIRADiretor de Desenvolvimento de Projetosde Assentamentos

    CLARICE APARECIDA DOS SANTOSCoordenadora-Geral de Educao do Campoe Cidadania

    NELSON MARQUES DE FELIXChefe da Diviso de Educao do Campo

    NEAD EXPERINCIAS 2

    Copyright 2009 MDAISBN 978-85-60548-46-0

    Projeto Grfico, Capa e DiagramaoCaco Bisol Produo Grfica Ltda(Mrcia Helena Ramos)

    Reviso e Preparao de OriginaisMnica Castagna Molina, Gema Galgani S.L. Esmeraldo, Pedro Selvino Neumann,Sonia Maria P. P. Bergamasco (Org.).Iara Maurente.

    FotografiasAcervo do Programa Residncia AgrriaINCRA/ MDA

    MINISTRIO DODESENVOLVIMENTO AGRRIO(MDA)www.mda.gov.br

    INSTITUTO NACIONAL DECOLONIZAO E REFORMAAGRRIA (INCRA)www.incra.gov.br

    NCLEO DE ESTUDOS AGRRIOSE DESENVOLVIMENTO RURAL(NEAD)SBN, Quadra 2, Edifcio SarkisBloco D - loja 10 - sala S2Braslia/DF - CEP: 70.040-910Telefone: (61) 3961-6420www.nead.org.br

    PCT MDA/IICA Apoio s Polticas e Participao Social no Desenvolvimento Rural Sustentvel

    M722e Educao do Campo e formao profissional: a experinciado Programa Residncia Agrria / organizao deMnica Castagna Molina ... [et al.] Braslia : MDA,2009.

    424p. ; 23cm. (NEAD Experincias 2).

    ISBN: 978-85-60548-46-0

    I. Ttulo. II. Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria.III. Educao do Campo. IV. Programa Residncia Agrria.

    CDD 379.2

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    4/215

    4 5

    CAPTULO4RELATODEEXPERINCIAS 243

    4.1. Lembranas doResidncia Agrria 245 Jos Paes Floriano

    4.2. Prticas agroecolgicas voltadas para utilizao da AzadirachtaIndica - Nim- como controle fitoterpico nos carrapatos daespcieBoophilus Microplusno Assentamento Nova Cana:uma perspectiva sustentvel 255 Maria da Conceio C. B. da Ba Viagem e

    Ana Cludia Ramos de Arajo

    4.3. Prtica e discurso em agroecologia: formao para transioda agricultura convencional para agricultura agroecolgica.O caso da famlia difusora de Paje Mirim - Tabira/PE 261 Maria do Rosrio de Ftima Andrade Leito e

    Edvnia de Souza Silva

    4.4. A importncia das boas prticas de manipulao de alimentos:uma experincia de formao educativa com as mulheresagricultoras e beneficiadoras de alimentos da unidade doStio Vaca Morta em Monte Alegre - Afogados da Ingazeira/PE 277 Alexsandra M. Siqueira

    4.5. Novas identidades e novas dinmicas dos movimentossociais no sul do Brasil: Via Campesina e FETRAF-Sul 297 Everton Lazzaretti Picolotto

    4.6. Extenso de tecnologias adaptadas realidade do pequenoagricultor: fabricao de multi-implementos de trao animalno Assentamento Rural Pirituba II - Itapeva/SP 317 Claudia Assad Mello e Antonio Jose da Silva Maciel

    4.7. OResidncia Agrriano Assentamento Sep Tiaraj -Ribeiro Preto/SP: a perspectiva da agroecologia 330 Wilon Mazalla Neto, Celso Costa Lopes e

    Julieta Teresa Aier de Oliveira

    Sumrio

    2.3. Afinao e desafinao da travessia vivida noProgramaResidncia AgrriaNordeste II 85 Geralda Macedo

    2.4. Curso de Especializao Agricultura Familiar e Camponesae Educao do Campo: a experincia e os resultados na UFG 104 Wilson Leandro Mozena, Joel Orlando Bevilaqua Marin e

    David Jos Caume

    2.5. O ProgramaResidncia Agrrianas Regies Sul/Sudeste:algumas reflexes 134

    Janisse V. Garcia, Julieta T. Aier de Oliveira, Pedro SelvinoNeumann e Sonia Maria P. P. Bergamasco

    CAPTULO3MATRIZESLOCAIS 157

    3.1. A formao universitria para a Agricultura Familiar eEducao do Campo: a experincia do ProgramaResidncia Agrriaem Pernambuco 159 Irenilda de Souza Lima

    3.2. Coerncia de iderios dos temas de pesquisa noCurso de EspecializaoResidncia Agrria apoiado pelo MDA 170 Fabio Nolasco e Abdala Untar

    3.3. O projeto piloto doResidncia Agrriada UniversidadeFederal de Santa Maria/RS 191

    Pedro Selvino Neumann, Vivien Diesel, Jos Marcos Froehlich,Paulo Roberto da Silveira e Janisse Viero Garcia

    3.4. OResidncia Agrria no Paran: a percepo estudantil 214 Ricardo Serra Borsatto e Lourival de Morais Fidelis

    3.5. Relatando e refletindo sobre as experincias da FEAGRI/UNICAMP em sua participao noResidncia Agrria I 228 Julieta Teresa Aier de Oliveira, Kellen Maria Junqueira

    e Sonia Maria Pessoa Pereira Bergamasco

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    5/215

    6 7

    A P R E S E N T A O

    Dez anos de PRONERA e oProgramaResidncia Agrria

    Rolf Hackbart 1

    Clarice Aparecida dos Santos 2

    Este livro foi projetado a propsito dos dez anos do ProgramaNacional de Educao na Reforma Agrria - PRONERA. Ao longodeste tempo muito se falou a respeito da estreita e inevitvel vinculaoexistente, no mbito da Educao do Campo, entre Reforma Agrria,

    Educao e Desenvolvimento. Essa trade suscitou muitas idias acercado papel da educao no processo de desenvolvimento que, por sua vez,se converteu em propostas de aes pblicas potencialmente capazes deserem implementadas.

    Algumas destas idias se transformaram em realidade. Outras,ainda no. Ainda no! Mas, o ProgramaResidncia Agrria uma das pro-postas que se tornou realidade. Pela teimosia coletiva, por um lado, deproduzir avanos no campo das polticas pblicas e, por outro, pela prpriamaterialidade do PRONERA e as relaes que produz com as Universi-dades e com os movimentos sociais, colocando-os em dilogo. Um dilo-go que se inicia em torno de um determinado e especfico curso, mas que,por esta condicionalidade e convivncia, se amplia para outras aes.

    1. Presidente do Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria - INCRA.

    2. Coordenadora Geral de Educao do Campo e Cidadania - INCRA.

    CAPTULO5REFLEXES/ANLISES 345

    5.1. Desafios na formao de agentes de ATER/ATES:reflexes em torno do projeto piloto da UFSM 347 Janisse Viero Garcia e Vivien Diesel

    5.2. A questo camponesa e os desafios doProgramaResidncia Agrria 372 Lais Mouro S

    5.3. Por que a Nova ATER no sai do papel?Uma anlise da viso dos alunos do projetoResidncia Agrria 386 Vivien Diesel, Pedro Selvino Neumann, Janisse Viero Garcia

    e Jos Marcos Froehlich

    ANEXO 409

    SIGLRIO 419

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    6/215

    8

    Educao do Campo e Formao Profissional: a experincia do Programa Residncia Agrria

    9

    No Seminrio Nacional de Educao Profissional3, o professorGuilherme Delgado4afirmou que o latifndio incompatvel com aconstruo de uma nova cultura, especialmente em relao segurana esoberania alimentar, uma vez que as grandes cadeias produtivas da agri-cultura, as chamadascommodities(soja e gros), pecuria, biocombustveise florestas plantadas exigem, por um lado, grandes propriedades, mono-cultivo e precarizao da fora de trabalho e, por outro, concentraofundiria e devastao ambiental. Em contrapartida, no oferecem ascondies estratgicas necessrias ao enfrentamento da falta de alimentosbaratos e de qualidade para as populaes pobres do planeta.

    Assim, a Reforma Agrria e os assentamentos no Brasil nestesdez anos impem novos desafios educao, especialmente no que serefere ao seu papel fundamental em relao produo de alimentos compreservao dos recursos naturais. Momentos de crise de abastecimento,tal como se anuncia e se vislumbra, assim como de crise ambiental, soocasies privilegiadas para reformas estruturais nas polticas de educaoe de assistncia tcnica.

    Ainda, segundo o especialista Guilherme Delgado, tais reformasdevem atender a alguns requisitos: a criao de bases tcnicas/tecnolgicasestruturais como as que o futuro exige; inovaes tcnicas, organizacio-nais e laborais que desenvolvam capacidade de trabalho; acesso irrestritoa direitos sociais bsicos no espao agrrio, pois sem a conquista de mni-mos sociais no h desenvolvimento; e, o debate acerca da funo scio-ambiental da propriedade fundiria.

    Tais contedos devem compor um Programa como oResidnciaAgrriapara articular os conhecimentos necessrios Reforma Agrriacomo eixo de projeto de desenvolvimento, sua relao com educao ecom educao profissional. Tambm, para enfrentar os limites da baixa

    especializao no trabalho do campo, que compromete a produtividadedo trabalho. Para pensar novas relaes de trabalho e a organizao daproduo, novas tecnologias para a pequena produo e produo emescala, com base na agroecologia e na cooperao e, acima de tudo, paraenfrentar os prprios limites organizativos dos camponeses e contribuirpara a consolidao da organizao social, essencial no desenvolvimento.OResidncia Agrriaveio, ainda, para enfrentar grandes problemas estru-

    3. Promovido pelo PRONERA, de 02 a 05 de junho de 2008, em Luzinia-GO.

    4. Contexto atual do Campo nos Projetos de Desenvolvimento em debate. Palestra proferida por Guilherme Del-gado, economista do IPEA e Professor da Universidade Federal de Uberlndia.

    A

    presentao

    OResidncia Agrriase implementou como um Programa doMinistrio do Desenvolvimento Agrrio MDA institudo por umaPortaria do Ministro mas, se enraizou na legislao por meio de uma aono Plano Plurianual PPA 2004-2007 e, posteriormente, no PPA 2008-2011 para fincar suas razes no solo das polticas voltadas para o desen-

    volvimento dos camponeses e seus territrios.Passou por um perodo de avaliao em 2006 e 2007 e se revi-

    talizou em 2008, com um incremento de recursos capazes de implemen-tar novas iniciativas. A experincia inicial, como intencionalmente previa,produziu iniciativas prprias das Universidades interessadas em garantira sua continuidade, como Programa da prpria Universidade, buscandoparcerias com governos estaduais. o caso da Universidade Federal doCear que, no Curso de Agronomia, incorporou a experincia e come-mora seus resultados, com uma significativa quantidade de alunos dagraduao atuando em assentamentos naquele estado.

    OResidncia Agrria uma proposta por meio da qual se ofere-cem ascondies de estgio de vivncia e especializao para estudantes graduadosque tenham interface com os projetos de desenvolvimento dos assenta-mentos e com seus processos educativos que os beneficirios realizamnestas reas. Podem participar todos os jovens profissionais que estejamdispostos a conviver com a populao assentada por um perodo mnimode dois anos e, desta convivncia, fazer seu objeto de estudo acadmicocom a perspectiva de trabalho futuro e, acima de tudo, contribuir com oscamponeses e camponesas atravs do conhecimento sistematizado.

    Os participantes recebem bolsa de estudos para que se mante-nham, assegurem as despesas com viagens e compra de livros, insumos erequisitos necessrios para que compreendam a realidade onde esto in-seridos. Assim, num determinado momento do processo, podem passar

    a intervir, articulando com a assistncia tcnica e a pesquisa para a cons-truo de novas matrizes tecnolgicas, interagindo com a comunidade eseus projetos nas reas da produo, sade, educao e na defesa dos di-reitos humanos e sociais.

    A Reforma Agrria atua, em relao ao desenvolvimento, nacontra-lgica do projeto historicamente implementado e financiado emnosso pas. Atua numa concepo de modernizao tcnica com mudan-a social, numa opo de desenvolvimento com alterao na estruturaagrria, que gera nova cultura e novas expectativas frente ao desenvolvi-mento econmico e social.

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    7/215

    10

    Educao do Campo e Formao Profissional: a experincia do Programa Residncia Agrria

    11

    Este livro surge da necessidade de garantir a sistematizao e oregistro da experincia do processo de implantao do ProgramaResidn-

    cia Agrria, que se desenvolve no mbito das polticas pblicas de Educaodo Campo, executadas pelo Instituto Nacional de Colonizao e ReformaAgrria e pelo Ministrio do Desenvolvimento Agrrio.

    O objetivo principal deste Programa oportunizar novas estra-tgias de formao para estudantes e profissionais das Cincias Agrrias,preparando-os para uma atuao capaz de compreender as necessidades eespecificidades dos processos de produo e de promoo do desenvolvi-mento rural no mbito da Reforma Agrria e da Agricultura Familiar.

    Este enfoque tem pertinncia no peso e na importncia da Agri-cultura Familiar para o Brasil e, por reconhecer que historicamente osprofissionais de Cincias Agrrias tm sido formados marginalizando aimportncia do aprendizado de posturas e prticas dialgicas, imprescin-dveis para a atuao junto aos diversos setores que compem a Agricul-tura Familiar.

    O projeto piloto do ProgramaResidncia Agrriacujos relatos soobjeto deste livro foi planejado para se desenvolver simultaneamente emtodo territrio nacional. Desta forma, foram selecionados 15 estados da

    Federao, contemplando todas as regies, assim distribudos: sete estadosda regio Nordeste, em funo da grande concentrao de assentamentose dois estados nas demais regies: Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul.

    A partir da seleo das unidades da federao, universidadespblicas que possuam experincias anteriores de trabalho junto ao pbli-co alvo desta poltica foram convidadas a desenvolver o projeto piloto do

    Residncia Agrria, composto de duas fases integradas: um Estgio de Vi-vncia e um Curso de Especializao em Agricultura Familiar e Campo-nesa e Educao do Campo. A primeira fase do Programa seria desenvol-

    vida individualmente em cada instituio e, a segunda, requeria sua arti-culao em rede.

    I N T R O D U Oturais, como a sada da juventude do campo e o decorrente envelhecimen-to da populao camponesa.

    So algumas razes para o INCRA manter colado ReformaAgrria um programa de educao como o PRONERA. Para dar umnovo sentido e, tambm, para ressignificar a prpria educao, conferindoimportncia a homens e mulheres que trabalham e fazem dos assenta-mentos o seu espao de vivncia e convivncia.

    precisamente por esta razo que o PRONERA contm umaao denominadaResidncia Agrria. Porque o momento histrico exigeque se pense, proponha e atue em perspectiva, especialmente no campodas polticas pblicas. Nossa tarefa preparar as condies para o futurodo desenvolvimento, em novas bases, em novos paradigmas.

    Braslia, maro de 2009

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    8/215

    12

    Educao do Campo e Formao Profissional: a experincia do Programa Residncia Agrria

    13

    A avaliao positiva dos resultados produzidos e dos ricos proces-sos desencadeados por meio do Programa foi um incentivo a sua continui-dade, hoje aberto para todas as universidades que desejarem apresentar suaspropostas ao PRONERA. Este livro pretende auxiliar na implantao destesnovos projetos, instigando questes e desafios para os novos caminhos aserem trilhados na formao dos profissionais das Cincias Agrrias.

    Esta experincia piloto s se materializou em funo de umaintensa contribuio e compromisso de diferentes indivduos, instituiese movimentos sociais, que assumiram o desafio proposto peloResidncia

    Agrria. A todos eles, e especialmente aqueles que se dispuseram a siste-matizar e refletir a experincia vivida, apresentamos nossos agradecimen-tos, com a perspectiva de que este livro possa contribuir com os processos

    de transformao do campo brasileiro.

    Mnica Castagna Molina - UnBGema Galgani S. L. Esmeraldo - UFC

    Pedro Selvino Neumann -UFSMSonia Maria P. P. Bergamasco - UNICAMP

    Maro de 2009

    Introduo

    Foram convidadas a participar e aceitaram este desafio as seguin-tes instituies: Universidade Federal do Par; Universidade Federal do

    Acre; Universidade Federal do Cear; Universidade Federal do Piau;Universidade Federal do Semi-rido; Universidade Federal da Paraba;Universidade Federal Rural de Pernambuco; Universidade Federal deSergipe; Universidade Federal da Bahia; Universidade Federal Rural doRio de Janeiro; Universidade Federal de Gois; Universidade Federal deSanta Maria; Universidade Federal do Paran. Tambm foram convidadasas seguintes instituies estaduais: Universidade Estadual de Mato Grosso UNEMAT e Universidade Estadual de Campinas UNICAMP.

    A estrutura deste livro foi concebida objetivando-se registrara experincia do projeto piloto nas diferentes fases de execuo. A par-

    tir desta perspectiva, considerou-se relevante recuperar as concepesque fundamentaram a criao do ProgramaResidncia Agrriae as estra-tgias idealizadas para a sua materializao, o que deu origem ao pri-meiro captulo.

    Em seguida, optou-se por uma apresentao que possibilitasseo registro da apropriao destas concepes e de suas re-significaes peloconjunto de instituies parceiras na oferta daquela Especializao emrede, possibilitando a visualizao do conjunto dos processos vivenciadosem cada regio, cujos frutos esto apresentados no captulo dois, denomi-nado Matriz Regional.

    Alm das reflexes sobre o conjunto das cinco Especializaes,considerou-se importante divulgar a dinmica desencadeada pelo Progra-maResidncia Agrria em cada universidade, particularmente naquelasinstituies que se dispuseram, num prazo exguo, a sistematizar suasprticas. Esse material compe o captulo trs, intitulado Matriz Local.

    Foram inmeras as experincias desenvolvidas por mais de 300estudantes em seus trabalhos junto s reas de Reforma Agrria e de Agri-

    cultura Familiar, em todo o pas. Visando registrar a riqueza destas aeso quarto captulo traz uma pequena mostra da diversidade destas experi-ncias, organizadas pelos prprios residentes.

    No ltimo captulo so apresentados textos reflexivos sobrediferentes questes provocadas pela execuo do Programa Residncia

    Agrriana sua experincia piloto.Espera-se que este livro contribua com a anlise sobre: em que

    medida foi possvel ao Programa atender seus objetivos; como se derame quais foram as maiores dificuldades; as contradies dentro do governoe das universidades que limitaram sua execuo e quais foram seus prin-cipais xitos.

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    9/215

    14

    Educao do Campo e Formao Profissional: a experincia do Programa Residncia Agrria

    Captulo 1

    GNESE DO PROGRAMARESIDNCIA AGRRIA

    FIGURA 1: Localizao e nucleao das universidades que realizaram os Cursos deEspecializao em Agricultura Familiar e Camponesa e Educao do Campo- Programa Residncia Agrria(2005 -2007)

    Fonte: MDA - Documentos do Programa Residncia Agrria

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    10/215

    17

    Residncia Agrria:estratgias e concepes

    Mnica Castagna Molina5

    INTRODUO

    O Programa Nacional de Educao do Campo: Formao deEstudantes e Qualificao de Profissionais para Assistncia Tcnica, lan-ado em 2004 pelo Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, foi concebi-do a partir da necessidade de formar Especialistas das Cincias Agrriaspara atuao nas reas de Reforma Agrria e Agricultura Familiar.

    A denominao do Programa explicita sua maior intencionali-dade: ser uma poltica de formao profissional, com o objetivo de contri-buir com a promoo do desenvolvimento rural na busca da melhoria dascondies de vida no campo brasileiro. Em funo de sua principal estra-tgia de execuo, a insero e a permanncia dos estudantes universitriosnos assentamentos e reas de Agricultura Familiar por extensos perodos,adotou-se tambm como sua denominao ProgramaResidncia Agrria.

    A formao profissional idealizada para oResidncia Agrriafoiconcebida considerando-se a materialidade do trabalho nas reas de ReformaAgrria e Agricultura Familiar, a partir dos desafios concretos que a escolhapoltica e ideolgica para a construo de um modelo de desenvolvimentorural diferente do hegemnico (principalmente das conseqncias sociais eambientais que produz) coloca para a execuo de polticas pblicas.

    A articulao intrnseca entre as diferentes dimenses que com-pem este tema: Questo Agrria; Reforma Agrria; DesenvolvimentoRural; Formao Profissional, Matriz Tecnolgica; Soberania Alimentar,esto contidas nos debates que se desenvolveram nos ltimos dez anos nombito da Educao do Campo, a partir do qual foram construdos osprincpios do ProgramaResidncia Agrria.

    5. Doutora em Desenvolvimento Sustentvel UnB. Coordenou a equipe que elaborou e implementou o ProgramaNacional de Educao do Campo: Formao de Estudantes e Qualificao de Profissionais para Assistncia Tcnica Residncia Agrria.

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    11/215

    18

    Educao do Campo e Formao Profissional: a experincia do Programa Residncia Agrria

    19

    Captulo 1Gnese do Programa Residncia Agrria

    oportunizassem aos jovens estudantes perceber as contradies existentesno modelo de desenvolvimento vigente no campo brasileiro. Objetivou-se, ainda, propiciar espaos de produo de criticidade, para que pudessemperceber a diferena que determinadas condutas podem ter na relaocom os agricultores e na construo ou desconstruo de estratgias efi-cazes de promoo do desenvolvimento rural.

    Desde o incio, o Programa foi concebido como uma polticaindutora, como uma ao de governo capaz de fomentar a criao de es-paos de produo de conhecimento no mbito das Cincias Agrrias,dentro das universidades pblicas, a partir do estmulo e do chamamentode docentes e discentes para a execuo de projetos de pesquisa e extensonas reas de Reforma Agrria e de Agricultura Familiar.

    ESTRATGIAS DE IMPLANTAO DO RESIDNCIA AGRRIA

    A proposta original doResidncia Agrriaera composta por duasfases: a primeira se daria a partir do envolvimento dos estudantes dasCincias Agrrias, no ltimo semestre de formao nas universidades, em

    Estgios de Vivncia nas reas de Reforma Agrria e Agricultura Familiar,com seis meses de durao. A segunda, imediatamente aps o trminodeste perodo, com o ingresso dos recm formados em um Curso de

    Especializao, com durao de dois anos.A concepo desta estratgia de formao pressupunha que

    ambas as etapas fossem totalmente articuladas, j que a finalidade maiordo Programa se viabilizaria com a conjuno dos objetivos destas duasetapas formativas. A dinmica para a execuo do Residnciatinha comoeixo norteador a compreenso de que a necessria formao de profissio-nais crticos desta rea de conhecimento no se daria somente a partir dasreflexes tericas possibilitadas na passagem pela universidade, mas exi-

    giria forte presena e trabalho nas reas rurais.A articulao das etapas formativas dar-se-ia da seguinte manei-

    ra: durante o Estgio de Vivncia, os estudantes das agrrias inserir-se-iamnas comunidades rurais selecionadas com o apoio e mediao de umaequipe de Assistncia Tcnica que j atuasse nesta rea rural. Para tanto,buscou-se garantir a articulao com outra ao do INCRA: o Programade Assessoria Tcnica, Ambiental e Social - ATES6. OResidncia Agrria e

    6. De acordo com o Manual de Operaes do INCRA, o Programa de Assessoria Tcnica, Social e Ambiental Reforma Agrria atua com equipes de tcnicos em Cincias Agrrias, sociais, ambientais e econmicas. Os grupostrabalham nos assentamentos executando atividades como: elaborao de planos de desenvolvimento ourecuperao de projetos de assentamento, extenso rural, capacitao continuada, visando formao decompetncias e mudana de atitudes e procedimentos dos atores sociais, que potencializem os objetivos demelhoria da qualidade de vida e promoo do desenvolvimento rural sustentvel.

    Um dos fundamentos centrais da Educao do Campo refere-se articulao de seus postulados ao entendimento da necessidade daconstruo de um novo projeto de nao para a sociedade brasileira. Pro-

    jeto este cuja centralidade se d a partir da busca da garantia das condiesdignas de vida para todos, o que exige redistribuio de renda, de terra,poder e conhecimento.

    A especificidade da Educao do Campo, em relao a outrosdilogos sobre educao deve-se ao fato de sua permanente associao comas questes do desenvolvimento e do contexto na qual ela se enraza. Suabase de sustentao que o campo deve ser compreendido para muito almde um espao de produo agrcola. O campo espao de vida, de produode relaes sociais; de produo de histria, cultura e conhecimento, de luta

    de resistncia dos sujeitos que nele vivem.A concepo de educao, da expresso Educao do Campo,no pode abrir mo da necessria ligao com o contexto no qual se de-senvolvem estes processos educativos: com os graves conflitos que ocor-rem no meio rural brasileiro, em funo dos diferentes interesses econ-micos e sociais existentes para utilizao deste territrio. Esta concepo constituinte e estruturante de um determinado projeto de campo que,por sua vez, parte maior da totalidade de um projeto de sociedade, denao. Sua compreenso exige viso ampliada dos processos de formaodos sujeitos do campo. A Educao do Campo compreende os processosculturais; as estratgias de socializao; as relaes de trabalho vividaspelos sujeitos do campo em suas lutas cotidianas para manter esta identi-dade, como elementos essenciais de seu processo formativo.

    Por isso, as reflexes sobre Educao do Campo so indissoci-veis do debate sobre a construo de um novo projeto de nao; sobre amudana do modelo de desenvolvimento brasileiro e sobre o papel docampo neste modelo.

    Tendo como pressuposto que os principais componentes destemodelo a ser forjado pela luta coletiva so: a prioridade vida e dignida-de de todos os seres humanos e a produo da igualdade e da justia social,o novo papel do campo neste modelo exige democratizao do acesso terra, Reforma Agrria para a desconcentrao fundiria. neste cenrioque se insere a construo doResidncia Agrria: formar profissionais com-prometidos com a classe trabalhadora do campo, que tenham horizontede transformao da sociedade, que assumam compromisso com as mu-danas do meio rural e com as condies de vida de seus sujeitos.

    O que se pretendeu, a partir dos referencias tericos que orien-taram a elaborao do Programa foi criar possibilidades de formao que

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    12/215

    20

    Educao do Campo e Formao Profissional: a experincia do Programa Residncia Agrria

    21

    Captulo 1Gnese do Programa Residncia Agrria

    colaborar com a construo de diagnsticos participativos buscando,junto com as comunidades, identificar as principais dificuldades encon-tradas no sentido de viabilizar seus processos produtivos e sua organi-zao social.

    Para alcanar estes objetivos, e oportunizar presena continuadanas reas de atuao, o Programa estabelecia nos artigos 11 e 12 de suaNorma de Execuo que:

    Art. 11: As instituies de ensino e seus docentes e discentes deveroatuar obrigatoriamente nas reas de Reforma Agrria e de AgriculturaFamiliar do estado em que se localizam, devendo priorizar a seleo dereas que estejam contidas no mbito dos territrios rurais eleitos como

    prioritrios pela Secretaria de Desenvolvimento Territorial SDT.

    Art. 12:As instituies de ensino, em parceira com os movimentos sociaisdo campo e os rgos pblicos que prestam Assistncia Tcnica, seleciona-ro as reas de atuao, devendo concentrar seus alunos numa mesmaregio do estado, cuja distncia no dever exceder a quilometragemorientada pela Comisso Executiva, respeitando as especificidades de cadaregio para garantir um acompanhamento mais intenso e permanente dosdocentes nas aes do conjunto da Instituio no Programa.

    Na seqncia dos trabalhos produzidos no Estgio de Vivncia,os estudantes ingressariam em um Curso de Especializao construdo nombito doResidncia Agrria, em parceria com as Universidades executorasdo Programa, denominado Especializao em Agricultura Familiar eCamponesa e Educao do Campo7.

    Esse Curso seria ofertado em regime de alternncia, contendoperodos de formao que ocorreriam nas prprias Universidades, e pe-

    rodos que ocorreriam no campo, para que estes jovens profissionaispudessem continuar desenvolvendo as atividades planejadas com a comu-nidade rural na qual haviam se inserido, buscando estratgias para enca-minhar as demandas diagnosticadas coletivamente, a partir do suporte doconhecimento cientfico construdo durante o Curso.

    Definiram-se como requisitos para o convite das universidadesparticipantes do Programa o acmulo de experincias de trabalhos de

    7. A denominao do Curso de Especializao foi objeto de intenso debate durante a construo do Programa, tantoentre as instncias do prprio Ministrio do Desenvolvimento Agrrio, quanto entre este e as vrias instituiesuniversitrias e movimentos sociais e sindicais parceiros. A opo coletiva da utilizao das duas categorias:Agricultura Familiar e Camponesa baseou-se no reconhecimento da presena destas duas formas de produo naagricultura brasileira, no polarizadas, mas em um gradiente de situaes.

    o ATES eram, poca, programas nascentes (2003/2004), em processo deinstalao, cuja semelhana se dava principalmente, pela compreenso daimportncia do meio rural para a implantao de outra concepo dedesenvolvimento para a sociedade brasileira.

    O estabelecimento de novas funes para a Assistncia Tcnicanas reas de Reforma Agrria, com a incorporao da Assessoria Ambien-tal e Social possibilitou a articulao entre os dois Programas. Alm disso,no perodo, reformulavam-se tambm os papis reservados PolticaNacional de Assistncia Tcnica e Extenso Rural - PNATER, que sematerializaria atravs do trabalho das equipes de Assistncia Tcnica e

    Extenso Rural ATER. As concepes e diretrizes que estavam sendoconstrudas para o PNATER possibilitaram tambm a articulao do

    ProgramaResidncia Agrriacom esta poltica.Imaginava-se que esta articulao oportunizaria aos jovens queiniciavam nova fase de insero profissional, espaos ricos de dilogo etrocas de experincias. Idealizava-se ainda, que a estratgia de terem recmsado de graduaes, e participarem de uma Especializao, funcionassecomo via de mo dupla: no s complementaria sua formao, comotambm enriqueceria o prprio trabalho destas equipes de ATES ou

    ATER, onde iriam inserir-se.Por isso, o pargrafo nico do artigo 11, da Instruo Norma-

    tiva que criou o Programa dispunha:

    S podero ser escolhidas reas que j tenham trabalhos de AssistnciaTcnica, sendo que desta equipe ser escolhido um tcnico que atuar em

    parceira com o professor da instituio de ensino responsvel por este aluno,e que se denominar Orientador de Campo, para melhor acompanhar osestudantes e os recm-formados, em vista de uma melhor integrao nas

    comunidades e melhor aproveitamento destes estagirios em campo.

    Aliada a esta diretriz, props-se tambm como estratgia doPrograma, que aps o Estgio de Vivncia, parte dos orientadores decampo, membros das equipes de ATES ou ATER, participariam dosCursos de Especializao, com o objetivo de criar oportunidades de qua-lificao para profissionais que j atuavam nos assentamentos e reas de

    Agricultura Familiar.Ainda na fase de Vivncia, os estudantes conheceriam as comu-

    nidades, estabelecendo vnculos e buscando compreender o modo de vidadas populaes rurais. A proposta doResidncia Agrriaera que, no perodode seis meses, a partir de diferentes metodologias os estudantes pudessem

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    13/215

    22

    Educao do Campo e Formao Profissional: a experincia do Programa Residncia Agrria

    23

    Captulo 1Gnese do Programa Residncia Agrria

    zir nova concepo de formao para os trabalhos de apoio produoagropecuria, na perspectiva de efetivar aes propostas pelos educadoresdo campo que vinham se formando nos cursos do PRONERA.

    De acordo com os princpios da Educao do Campo, por suacompreenso de educao como processo de formao humana, queocorre em diferentes esferas e no apenas na dimenso escolar, fazia-senecessria a construo de trabalhos articulados entre os processos deformao com os processos de apoio organizao da produo nas reasde acampamentos, assentamentos e Agricultura Familiar. Ora, se a Edu-cao do Campo afirma que s h sentido em seus postulados, comoconstituintes de um projeto mais amplo de transformao do conjunto de

    valores da sociedade, a perspectiva da garantia da real humanizao e

    emancipao de todos, a primeira e mais forte condio da exeqibilidadede seus fundamentos deve se dar a partir das prprias transformaes dascondies de trabalho no campo.

    A riqueza da compreenso do prprio conceito de Educao,contido na expresso Educao do Campo relaciona-se necessria vin-culao com o mundo da vida dos educandos que protagonizam estasprticas educativas. O processo de reproduo social destes sujeitos e desuas famlias, ou seja, suas condies de vida, trabalho e cultura no po-dem ser subsumidos numa viso de educao que se reduz escolariza-o. O que a faz surgir; o que lhe garante materialidade exatamente aconcretude dos processos vividos por estes sujeitos na luta cotidiana dabusca de sua humanizao e de seus direitos. Na compreenso da Educa-o do Campo, o debate do campo precede a Educao e este

    fundamentalmente o debate sobre o trabalho no campo, que traz colada adimenso da cultura, vinculada s relaes sociais e aos processos produ-tivos da existncia social no campo. Isto demarca uma concepo de

    educao. Integra-nos a uma tradio terica que pensa a natureza daeducao vinculada ao destino do trabalho.

    Esta concepo nos aproxima e nos faz herdeiros de uma tradio pedag-gica de perspectiva emancipatria e socialista: desta tradio o acmulo depensar a dimenso formativa do trabalho, do vnculo da educao com osprocessos produtivos, de como no possvel pensar-fazer a educao semconsiderar os sujeitos concretos e os processos formadores que os constituemcomo seres humanos desde a prxis social (CALDART, 2008, p 77).

    Para se manter ntegra esta compreenso de educao, no re-duzindo-a s prticas inovadoras sobre as necessrias, mas insuficientes,

    extenso universitria e pesquisas nas reas de assentamentos e de Agri-cultura Familiar e Camponesa, prticas recorrentes de parceria com osmovimentos sociais e sindicais do campo e o desenvolvimento anteriorde Estgios de Vivncia.

    Esperava-se que, partir dessas experincias, oResidncia Agrriase implantaria em instituies nas quais houvesse grupos de professorese alunos com compreenso do rural identificada com os pressupostos doPrograma. A inteno era que, com o apoio do Governo, via execuodesta poltica pblica, com aporte de recursosfinanceiros e infra-estrutu-ra fsica materializao destes Projetos8, estes grupos de docentes pudes-sem se fortalecer e ampliar as aes de ensino, pesquisa e extenso produ-zidas nas universidades pblicas, no mbito das Cincias Agrrias, a partir

    de aes direcionadas promoo do desenvolvimento rural, nas reas deReforma Agrria e Agricultura Familiar.Idealizou-se que o desenrolar desta dinmica proporcionaria as

    Universidades espaos relevantes de confrontao entre teoria e prticaque fizessem emergir os diferentes paradigmas para o desenvolvimentodo campo brasileiro. Cinco eixos temticos foram eleitos como priorit-rios para os cursos de Especializao: Campo e Desenvolvimento; Edu-cao do Campo; Agroecologia; Socioeconomia Solidria; MetodologiasParticipativas e de Pesquisa, para possibilitar aos estudantes a compreen-so critica desses paradigmas em confronto.

    AS CONCEPES DO RESIDNCIA AGRRIA

    No processo de construo desta poltica, para as Universidadesque fariam parte da primeira experincia doResidncia Agrria, explicitava-sea intencionalidade do Programa de ampliar e fortalecer a rede de instituiesuniversitrias j envolvidas com a produo de conhecimento na tica da

    Educao do Campo. Rede esta cuja tessitura vinha se fazendo a partir dainsero das instituies de ensino superior nos cursos do PRONERA9,especialmente aqueles direcionados formao de educadores do campo.

    , alis, este processo que em muito contribui para a percepoda necessidade de intensificar, e at mesmo, em muitas reas, de introdu-

    8. Para fortalecer estes grupos articulou-se, na fase de implementao do Programa, uma parceria com a FundaoBanco do Brasil, que atravs de seu Programa de Apoio Formao de Agentes de Desenvolvimento Rural garantiua instalao de computadores, impressoras, e materiais para registro destas experincias nas universidades.

    9. O Programa Nacional de Educao na Reforma Agrria - PRONERA tem como objetivo garantir o acesso escolarizao formal para jovens e adultos assentados, incluindo nvel mdio, tcnico profissionalizante e ensinosuperior, em diferentes reas do conhecimento. O PRONERA executado atravs de parceria com mais de 55universidades pblicas federais e estaduais, com os movimentos sociais e sindicais rurais.

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    14/215

    24

    Educao do Campo e Formao Profissional: a experincia do Programa Residncia Agrria

    25

    Captulo 1Gnese do Programa Residncia Agrria

    camponesa, todas as suas estratgias metodolgicas propunham-se ao cul-tivo de prticas dialgicas, a partir das quais, as idias, saberes e valoresdestes sujeitos deveriam ter a mesma legitimidade das idias, saberes e va-lores das equipes doResidncia Agrria, fossem elas docentes ou discentes.

    Nesta direo Tardin afirma que:

    a relao de fundo est em camponeses, camponesas e tcnicos vincula-rem-se em estado de convivncia (viver com) no dilogo entre sujeitoseducandos-educadores; neste encontro que entrelaa compromisso social,

    cultural, poltico, ideolgico e de classe. um estado de viver que emnada se assemelha e em tudo supera aquela relao vertical e domina-dora de Assistncia Tcnica (insistncia tcnica), onde algum, o tcni-

    co, sendo um estranho, assiste, como um ato que apenas olha e nada vdo mundo campons, e prescreve sobre o objeto especfico um receituriocomercial determinado pelos agentes do capital, alimentando um crcu-lo vinculante subordinador que ora coopta, ora exclui o campons,tanto quanto em nada leva em conta a natureza e seus processos ecol-

    gicos(2006, p.3).

    As Diretrizes Bsicas do Programa traduziam esta compreensono seu inciso nono, que estabelecia que oResidncia Agrriadeveria:

    IX desenvolver processos educativos permanentes e continuados, a par-tir de princpios dialgicos e da prxis que permitam o movimento de

    ao-reflexo-ao e, a perspectiva de transformao da realidade. Umadinmica de aprendizagem-ensino que valorize e provoque o envolvi-mento de tcnicos e agricultores familiares em aes sociais concretas, e

    ajude na interpretao crtica e no aprofundamento terico necessrio auma atuao transformadora.

    A materializao desta Diretriz dever-se-ia traduzir durantetoda a execuo da poltica: tanto na fase do Estgio de Vivncia quantodurante a realizao do Curso de Especializao. Mas para tal ambio, o

    Residncia Agrriadeveria ser capaz de estimular, de desencadear processosque induzissem esta transformao no mbito das Cincias Agrrias, aprincpio para dentro das prprias instituies universitrias responsveispela formao dos profissionais que atuam no campo.

    O Programa construiu estratgias que intencionavam induzir acriao de espaos institucionais para a germinao de mudanas nas pr-ticas dos docentes das Cincias Agrrias. Definiu-se que, desde o perodo

    dimenses dos processos pedaggicos escolares vividos pelos sujeitos docampo, necessrio construir polticas pblicas de Educao do Campocapazes de contribuir para a verdadeira transformao: produzir prticaspedaggicas que sejam capazes de alavancar o processo de desalienao doprprio trabalho. Conforme ressalta S, se compreendermos o

    o trabalho como a atividade criadora humana e a educao como o pro-cesso de desenvolvimento permanente dessa capacidade, preciso que aeducao esteja a servio da auto-realizao dos indivduos e no da ordem

    alienante do capital. Mszros repe em sua reflexo sobre a educaopara alm do capital, a proposio marxista de que a auto-alienao dotrabalho est na raiz de todas as formas de alienao (2006, p 225).

    No caso dos assentados e agricultores familiares, a auto-aliena-o reproduz-se nos processos que induzem os trabalhadores a adotaremprticas e estratgias de produo que paulatina ou aceleradamente rouba-lhes a autonomia e o controle do processo de trabalho, instaurando situ-aes que os subordinam aos interesses maiores da acumulao de capital,ao invs de preocuparem-se com a construo e viabilizao de estratgiasprodutivas que lhes garantam independncia e permanncia das condi-es de reproduo familiar. Durante as ltimas dcadas da histria bra-sileira, parte relevante da Assistncia Tcnica e da Extenso Rural prestou-se a este papel10.

    H vasta bibliografia que discute a relao entre profissionaisexternos e as comunidades de agricultores familiares e camponesas. Estarelao tem sido historicamente pautada como relao de poder e subor-dinao, onde prevalece a palavra do tcnico.

    Aliado a um amplo conjunto de prticas produtivas desenvolvi-das por agricultores familiares e camponeses e apoiados por diferentes

    organizaes, o ProgramaResidncia Agrriaambicionava tornar-se umaao de governo capaz de: acumular foras na perspectiva da contra hege-monia; contribuir com a garantia da autonomia da produo familiar ecamponesa; colaborar com o fortalecimento da produo agroecolgica eda promoo da segurana alimentar.

    Tendo como escola de pensamento os valores defendidos pelosprincpios da Educao do Campo, oResidncia Agrriafoi inspirado no le-gado de Paulo Freire. Para contribuir com a construo da autonomia

    10. necessrio ressalvar que sempre houve espaos de resistncia. Embora tenha sido hegemnico aquele tipode prtica, houve, durante todo este perodo, grupos e organizaes de diferentes matizes, tanto pblicas, quantoprivadas, que mantiveram a criticidade de sua atuao.

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    15/215

    26

    Educao do Campo e Formao Profissional: a experincia do Programa Residncia Agrria

    27

    Captulo 1Gnese do Programa Residncia Agrria

    Universidade, em especial a das Cincias Agrrias (MICHELOTTIe GUERRA, 2006, p.15).

    Este o desafio posto s prticas formativas idealizadas peloResi-dncia Agrria: simultaneamente disponibilizar os conhecimentos cientfi-cos existentes, capazes de subsidiar a busca de solues para os problemasencontrados a partir das prticas participativas desenvolvidas pelos alunos poca do Estgio de Vivncia e durante a Especializao, sem, contudofazer deste processo o silenciamento e a excluso dos saberes e prticas dosagricultores em relao aos mesmos problemas. Desta interao, da arti-culao entre os diferentes modos de conhecer poderiam brotar novasestratgias de atuao com a perspectiva de reforar a autonomia da pro-

    duo familiar e camponesa.Com o objetivo de analisar em que medida estas concepes eestratgias se materializaram, sero apresentados na seqncia as reflexessobre as experincias dos cinco Cursos de Especializao desenvolvidospeloResidncia Agrria, com o intuito de socializar os erros e acertos destaexperincia piloto, na perspectiva da acumulao de subsdios tericospara a consolidao das polticas pblicas de Educao do Campo.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    CALDART, Roseli. S. Sobre Educao do Campo. In: Campo, PolticaPblica e Educao.Coleo Por uma Educao do Campo v. 7.Braslia,DF: NEAD, 2008.

    MDA. INCRA. Programa Nacional de Educao do Campo: Formaode Estudantes e Qualificao Profissional para Assistncia Tcnica: Dire-trizes Bsicas do Programa. Braslia, 2004.

    MDA. INCRA. Programa Nacional de Educao do Campo: Formaode Estudantes e Qualificao Profissional para Assistncia Tcnica: Nor-ma de Execuo.Braslia, 2004.

    MDA. INCRA. Programa Nacional de Educao do Campo: Formaode Estudantes e Qualificao Profissional para Assistncia Tcnica: Ins-truo Normativa. Braslia, 2004.

    MICHELOTTI, Fernando e GUERRA, Gutemberg Armando Diniz.Agronomia e Desenvolvimento Sustentvel:reflexes e princpiosda experincia da Universidade Federal do Par. Mimeo, Marab, Par,2006.

    do Estgio de Vivncia, os alunos que participassem doResidncia Agrria,seriam acompanhados por docentes que deveriam ir a campo, com fre-qncia e regularidade. A inteno era que, deste convvio, nasceriam noapenas novas compreenses na academia sobre os problemas concretosdos camponeses, mas tambm novos projetos de pesquisa e extensonestas localidades, comprometendo o processo de produo de conheci-mento das universidades pblicas com a promoo do desenvolvimentorural em suas regies.

    A presena da universidade nos assentamentos, acampamentose reas de Agricultura Familiar refletia a essncia da poltica doResidncia

    Agrria. A possibilidade de desencadear movimentos de transformao noprprio processo de produo do conhecimento no mbito Cincias

    Agrrias era uma das principais ambies do Programa.A construo de novos processos de produo de conhecimen-to se daria medida que os estudantes universitrios integrados aoResi-dnciae os docentes que dele participassem, assumissem a dimensometodolgica proposta, cujo fundamento seria a compreenso de que aao cotidiana dos camponeses portadora de saberes e conhecimentos eque tambm deveriam orientar a prtica da Assistncia Tcnica.

    Este reconhecimento tem sido um dos pontos de tenso doavano da agenda da Educao do Campo. Ao mesmo tempo em que ossujeitos do campo lutam para ter acesso ao conhecimento cientfico his-toricamente construdo, exigindo o aumento de seus nveis de acesso escolarizao formal, tm simultaneamente o desafio de recuperar suasprticas, seus saberes, no permitindo que eles sejam desqualificados esubsumidos pela viso cientfica tradicional.

    Uma das principais caractersticas da produo familiar e cam-ponesa exatamente a diversidade, pois ela detentora de uma racionali-dade especfica, j que nas unidades familiares

    a fora de trabalho no apenas um fator de produo, mas a prpriarazo de sua existncia. A indissociabilidade entre a unidade de produoe a unidade de consumo no modo de vida campons, imprime-lhe umaoutra racionalidade, no sentido de otimizar o uso da fora de trabalho eno de reduzi-lo. (...) Saber lidar com essa outra racionalidade, contri-buindo para a gerao de um conhecimento agronmico capaz de atender

    as verdadeiras necessidades da produo familiar, permitindo a construode um dilogo entre formas diferentes de saber que potencializem um novo

    padro tecnolgico na agropecuria, com vistas sua maior sustentabili-dade, requer repensar a prpria concepo de cincia predominante na

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    16/215

    28

    Educao do Campo e Formao Profissional: a experincia do Programa Residncia Agrria

    29

    Uma residncia para as cinciasagrrias: saberes coletivos para umprojeto campons e universitrio

    Maria Ins Escobar Costa Casimiro11

    INTRODUO

    O Programa Nacional de Educao do Campo: Formao deEstudantes e Qualificao Profissional para Assistncia Tcnica Resi-dncia Agrriase constituiu em um espao formativo de grande impor-tncia para estudantes e profissionais oriundos dos Cursos de Cincias

    Agrrias. Embora tenha pouco tempo de existncia j apresenta aspectosque indicam sua originalidade no educar, sua coragem ao propor novasfrmulas e resgatar antigas, que foram esquecidas porque no faziamparte dos interesses dominantes. A centralidade desta proposta pedag-

    11. Mestre em Desenvolvimento Sustentvel UnB. Participou da equipe que elaborou e implementou o ProgramaNacional de Educao do Campo: Formao de Estudantes e Qualificao de Profissionais para Assistncia Tcnica Residncia Agrria.

    Primeira turma Residncia Agrria, Santa Maria/RS. Reunio

    em escola de assentamento no municpio de Jia/RS.

    MOLINA, Mnica C. (org). Educao do Campo e Pesquisa: Ques-tes para Reflexo. Braslia, Ministrio do Desenvolvimento Agrrio.NEAD, 2006.

    S, Las Mouro. Cincia e Sociedade: A Educao em Tempos de Fron-teiras Paradigmticas. In:Linhas Crticas- PPGE Revista Semestral daFaculdade de Educao da UnB. Volume 12, n 23 p.217- 228, julho-dez,2006 Braslia, DF.

    TARDIN, Jos Maria. Dilogo de Saberes no Encontro de Culturas.Mimeo. Escola Latino Americana de Agroecologia, Curitiba, Paran,2006.

    WANDERLEY, M.N.B. Razes histricas do campesinato brasileiro. In:

    Tedesco, Joo Carlos (org.).Agricultura Familiar Realidades e Pers-pectivas. 2. Ed. Passo Fundo: EDIUPF, 1999, Cap. 1, p. 21-25.

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    17/215

    30

    Educao do Campo e Formao Profissional: a experincia do Programa Residncia Agrria

    31

    Captulo 1Gnese do Programa Residncia Agrria

    A primeira turma deste Programa teve o Estgio de Vivnciaprolongado na maioria dos estados, acompanhado pelafigura do orienta-dor acadmico (professor da Universidade) e de um orientador de campo(tcnico que atuava no local). Constatou-se que muitos dos professoresdas Universidades que integraram o Programa nunca haviam ido a umassentamento ou os conheciam superficialmente.

    Ns j fazamos extenso, um Curso aqui, outro l, um dia de campo,mas dessa forma a primeira vez e dificilmente ns professores que pas-

    samos por esta experincia voltaremos a fazer da forma que fazamos.(Depoimento de uma professora no Seminrio de Encerramen-to do Estgio de Vivncia).

    Vocs estavam com medo de ir para os assentamentos, serem rejeitados ouperguntados, mas devo confessar que quem estava com medo ramos ns,s que no deixvamos transparecer, pois, como orientar os estudantesnum estgio em uma realidade que desconhecamos totalmente? (Depoi-mento de um professor, no Seminrio de Encerramento do

    Estgio de Vivncia).

    Neste aspecto, o Programa Residncia Agrriatem um papelfundamental, o de aproximar a Universidade e os pesquisadores das ques-tes reais das famlias camponesas. Envolv-los neste universo, compro-met-los com a melhoria da qualidade de vida destas pessoas um dosobjetivos do Programa.

    Constatou-se em uma das Universidades, cujo professor orien-tador tambm era coordenador de estgios curriculares no Curso deGraduao, que aps seu envolvimento com o Programa, aumentou oleque de estgios oferecidos pela escola para os alunos e tornou-se mais

    representativo da realidade. O estgio que era oferecido somente emempresas e fazendas passou a ser realizado tambm em reas de Agricul-tura Familiar e Reforma Agrria. No seminrio de encerramento da vi-

    vncia foifirmado um termo de cooperao entre INCRA e a Universi-dade daquele estado. Casos como este mostram a importncia desta pri-meira fase, que na verdade no um estgio de vivncia, estgio de Vi-

    vncias, onde professores, agricultores, estudantes, tcnicos mergulhamem uma realidade de forma intensiva para aprender e ensinar. E apren-dendo ensinam e ensinando aprendem.

    claro que nem todas as escolas deram este carter ao Estgiode Vivncia. Algumas Universidades enfrentaram resistncias em aban-

    gica est em reconhecer o papel e a importncia do homem e da mulherdo campo. Assim, os movimentos sociais e sindicais rurais compem,

    junto com as Universidades, os projetos poltico-pedaggicos que seinserem no Programa.

    A proposta tem ainda muitos desafios para sua consolidao: ospercalos da implantao de uma nova poltica; o descompasso entre oscalendrios das Universidades e a liberao de recursos pelo Programa; adificuldade das Universidades em realizarem trabalhos coletivos e inter etransdisciplinares; as dificuldades de comunicao e as difceis condiesde acesso aos assentamentos; realidade enfrentada todos os dias pelas fa-mlias assentadas.

    O desenho do Programa se inspirou em experincias de algu-

    mas Universidades, de movimentos estudantis e sociais e a partir delasconstruiu um modelo deResidncia. Sua primeira edio foi uma modali-dade de ensino de ps-graduao sob a forma de Curso de Especializao,caracterizada pela capacitao no trabalho em Assentamentos de Reforma

    Agrria e reas de Agricultura Familiar, funcionando sob a responsabili-dade de instituies pblicas de ensino universitrio e por colegiados lo-cais constitudos por representantes dos movimentos sociais, das Univer-sidades e instituies prestadoras de Assistncia Tcnica.

    O ESTGIO DE VIVNCIA

    Durante a primeira turma, a Universidade que se inseria noPrograma promovia inicialmente um Estgio de Vivncia (esta a pri-meira fase do Residncia). Neste estgio, os estudantes foram para ocampo vivenciar o dia-a-dia das famlias que a vivem e trabalham. Aidia era promover um compartilhar de olhares, de saberes, quebrar adistncia muitas vezes evidenciada na postura dos tcnicos e reforada

    pela Universidade atravs da hierarquizao do conhecimento. Nestemomento, exercitam-se novas relaes entre estudantes e comunida-des: um pedido de entrada, um reconhecimento das limitaes e um sedispor a contribuir a partir da troca de aprendizagens. No um mo-mento fcil, pois, os estudantes esto vivenciando: as questes da ju-

    ventude, o peso da formatura, de um diploma e o desafio de uma rea-lidade diferente quando vo se deparar com sintaxes diferentes, lgicasprodutivas diversas e outras vises de mundo. tambm na vivnciaque vem na prtica o que s viram nos livros, e que vo confrontar oaprendido, e ter a possibilidade de contribuir criticamente a partir desua formao e de sua vida.

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    18/215

    32

    Educao do Campo e Formao Profissional: a experincia do Programa Residncia Agrria

    33

    Captulo 1Gnese do Programa Residncia Agrria

    Uma ferramenta importante para este produto foi o dirio de campo, soba orientao pedaggica, que tinha a funo de registrar as percepes, asangstias, inseguranas, aspectos sociais, polticos, fsicos, antropolgicos,agronmicos do local da vivncia.

    A PESQUISA NO RESIDNCIA AGRRIA

    Na segunda etapa, o estudante j est articulado com o tcnicoque atua no local, com o professor orientador e com representantes dacomunidade, podendo assim, neste coletivo, formular um esboo deplano de trabalho. Esse plano consolidaria sua pesquisa, na rea escolhi-da, com durao de dois anos. Esta se constituiu em mais um desafio do

    Programa, pois a concepo de pesquisa, essencialmente para os profes-sores das Cincias Agrrias envolvidos no Programa, se reportava spesquisas experimentais, ou sob ambientes controlados, ou apenas tec-nolgicas, focadas nos aspectos produtivistas e unidimensionais. A pro-posta da pesquisa no Residncia Agrria deveria ser multidimensional,transdisciplinar, complexa como a realidade familiar e camponesa. Eranecessria a avaliao permanente, considerando as limitaes de todosno processo.

    Na regio Nordeste, houve a possibilidade de reunio dos pro-fessores orientadores no I Encontro de Formao dos Formadores do

    Residncia Agrria do Nordeste, que se realizou em Aracaj, em junho de2005. A reunio de 60 profissionais de ensino superior de Universidadesfederais do Nordeste foi um marco de grande importncia. Nesta reu-nio, doutores e mestres das Cincias Agrrias e sociais discutiram sobre:Questo Agrria, Paradigmas do Desenvolvimento, Educao do Campoe participaram de uma oficina pedaggica discutindo Formao Profissio-nal e Transdiciplinariedade. A partir da e da vivncia nos assentamentos

    passou-se a discutir sobre os dois cursos de especializao que acontece-riam naquela regio (situados na UFC e UFPB), compondo assim oProgramaResidncia Agrria.

    A experincia de construo dos currculos foi significativa, poistrouxe grandes perspectivas de transformao e reafirmou os desafios desuperao na formao dos novos tcnicos educadores e formadores.

    Pensando os Currculos Atravs das Vivncias

    Enquanto aconteciam os Estgios de Vivncia em quinze esta-dos diferentes, a Coordenao Nacional promovia as reunies regionais

    donar prticas tecnicistas de oferecer respostas prontas, postura de quemveio com um conhecimento tcnico e superior para auxiliar a vida dosagricultores familiares camponeses. Algumas destas situaes ocorreramprincipalmente onde os colegiados locais no funcionaram, e tambm,quando no havia a participao dos movimentos sociais e de represen-tantes dos movimentos estudantis durante o planejamento das ativida-des. Em outros casos, os tcnicos orientadores de campo que deveriamfazer a entrada dos estudantes e professores nas reas, por j conhece-rem a realidade e os agricultores, no atuaram adequadamente j queestavam chegando nestas reas como tcnicos recm contratados peloservio de ATES12ou ainda por no compreenderem os princpios doPrograma, trataram os estudantes como seus estagirios, suprindo pre-

    cariedades dessas equipes. Estes estudantes no foram bem compreen-didos pelos agricultores, pois, aos seus olhos, eram simplesmente repre-sentantes das entidades de ATER/ATES, tendo que responder porquestes de crdito, atraso do banco, etc. Por sua vez, os estudantes,encantados pelo status de tcnico perante a comunidade assumiram estepapel construdo equivocadamente, no tendo assim a oportunidade debanhar-se na lgica e na simblica da vida camponesa nem de viven-ciar com os trabalhadores.

    Estas vivncias diferenciadas eram confrontadas quando os es-tudantes se reuniam para avaliar e trocar experincias e os nveis de trocacresciam quando as escolas, as regionais e os estados se reuniam. Assim,o papel de cada sujeito, os erros e acertos, as aprendizagens, as superaese as limitaes iam sendo explicitadas, registradas e refletidas agregandoavanos formativos nos grupos.

    Outro aspecto importante desta etapa a preparao anterior vivncia. Neste momento, acontece a sensibilizao das famlias que re-cebero os estudantes. Os tcnicos, professores e estudantes consolidam

    e validam a coordenao colegiada. Os princpios do Programa so discu-tidos e fortalecidos no sentido de se entender essa vivncia com os agri-cultores e agricultoras. Pode-se constatar que as Universidades que fize-ram uma boa preparao tiveram mais xito na vivncia. Questes discu-tidas na preparao puderam ser confrontadas em campo e rediscutidasno retorno, algumas delas viraram trabalho de concluso de curso. O

    Estudo Participativo da Realidade, exigido aofinal do perodo de vivnciapela coordenao do Programa, poderia se converter em monografia etrabalho de final de curso, como aconteceu em algumas Universidades.

    12. Assessoria Tcnica Social e Ambiental ATES.

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    19/215

    34

    Educao do Campo e Formao Profissional: a experincia do Programa Residncia Agrria

    35

    Captulo 1Gnese do Programa Residncia Agrria

    mente na vida dos povos do campo13? O segundo impulso foi de adicionaros diversos conhecimentos necessrios para estes profissionais: histricos,sociolgicos, antropolgicos para que se fizesse uma leitura mais crticada realidade. Constatou-se tambm a necessidade de um conhecimentotcnico agroecolgico, para contribuir com alternativas sustentveis e,uma prtica pedaggica consistente, com conhecimentos metodolgicos,de comunicao, culturais que favorecessem a organizao social, resul-tando numa matriz curricular muito extensa.

    Para contornar esse problema contou-se com a contribuiodos tcnicos, que j estavam em campo, e dos militantes do setor de pro-duo dos movimentos sociais que trouxeram os principais gargalos daprtica do tcnico. Agregou-se a essa contribuio a ousadia de professores

    que propuseram metodologias diferentes para a realizao das Especiali-zaes. A partir da, surgiram formatos interessantes, como o Curso daregio Norte, que realizou uma etapa em cada regio (Altamira, Marabe Rio Branco) escolhendo uma temtica regional, e a partir dela os eixostemticos foram sendo desenvolvidos.

    A maior parte dos cursos trabalhou com a idia de mdulos oueixos temticos. Assim as diversas reas do conhecimento foram chama-das a contribuir com determinada temtica sem cair nas limitaes disci-plinares. Tarefa difcil esta, pois, regra geral toda lgica na construo decurrculos d-se em torno das disciplinas. Um exemplo dessa dificuldadepde ser constatado aps uma exaustiva reunio, com discusso acaloradae profunda sobre o que move as pessoas no processo de aprendizagem.Nesse debate uma professora exclamou: Gente, tudo bem! Mas no vejo

    como comearmos a montar este Curso se no for a partir das disciplinas... Nessasituao comeou-se pelas disciplinas, mas a experincia de outros cursoscontribuiu para o avano da proposta.

    Os eixos temticos nos cinco Cursos de Especializao em Agri-

    cultura Familiar e Camponesa e Educao do Campo foram os seguintes:Campo e DesenvolvimentoEconomia Familiar e Camponesa e Socioeconomia SolidriaAgroecologia, Produo e SustentabilidadeEducao do Campo e Desenvolvimento Metodologias Participativas e Pesquisa como princpio

    Educativo.

    13. Aqui so chamados povos do campo de maneira genrica todos aqueles que vivem e produzem sua existncianos campos, florestas, cerrados, no mar, nos rios, em ambientes opostos organizao urbana, e segundoWanderley (1999) numa lgica de construo de territrios familiares, de lugares de vida e de trabalho, capazes deguardar a memria da famlia e de reproduzi-la para as geraes posteriores. Estes so agricultores, extrativistas,pescadores, quilombolas e tantos outros.

    para construo dos cursos de Especializao em Agricultura Familiar eCamponesa e Educao do Campo. A tentativa era reunir os sujeitosenvolvidos no Programa para, a partir da realidade, pensar sobre as carn-cias na formao dos profissionais, e quais habilidades, conhecimentosseriam necessrios para a especificidade da Agricultura Familiar e Cam-ponesa. A composio do grupo que se reunia era sempre variada, regrageral a maioria era de professores das Cincias Agrrias, representantesdos movimentos sociais, tcnicos do INCRA, s vezes representantes dosestudantes e Coordenao Nacional. Uma participao fundamentalneste processo foi dos estudantes da Especializao em Educao doCampo e Desenvolvimento, do PRONERA, pois traziam a experinciaacumulada da Articulao Nacional por uma Educao do Campo e dos

    cursos formais do PRONERA. Em funo dessa prtica foram incorpo-rados no Programa como monitores.Questes pouco presentes nos cursos de Cincias Agrrias, que,

    de maneira geral, so prticas constantes nos cursos de Educao do Cam-po, tais como: o compromisso com o estudo, a responsabilidade coletiva,arte e cultura, o trabalho solidrio, cooperativo, a avaliao permanente,deveriam constar nos cursos doResidncia Agrria.

    Os Cursos de Especializao deveriam se realizar na perspec-tiva da Pedagogia da Alternncia. Desta forma, os monitores teriammuito a contribuir a partir de sua avaliao e crtica quanto aos possveisxitos e dificuldades dentro dos cursos do PRONERA. Apesar de algunsdos professores envolvidos nos cursos de Especializao do Residncia

    Agrriaestarem tambm coordenando e ou acompanhando outros cur-sos do PRONERA, foi freqente a percepo do entendimento doTempo Comunidade (referente ao perodo de tempo em que os estu-dantes esto em campo) como o tempo da prtica e o Tempo Univer-sidade ou Tempo-Escola, como o tempo da teoria. Em geral, esta sepa-

    rao equivocada na construo do conhecimento que se deseja, ereflete vcios antigos, cujas razes encontram-se no pensamento carte-siano de construo do saber. A prtica do tcnico educador deve estarrepleta de teoria, de reflexo e suas teorias devem estar aliceradas narealidade. Mas, como a reflexo epistemolgica avana mais rpido quea prtica, sentiu-se que na hora de concretizar os princpios definidospara o curso, as formas tradicionais se revelavam.

    O primeiro impulso foi preencher o currculo com as discipli-nas que os professores j ministravam em seus cursos regulares ou emoutras especializaes. Para evitar essa repetio, retornava-se sempre pergunta: o que necessrio para que esse profissional contribua efetiva-

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    20/215

    36

    Educao do Campo e Formao Profissional: a experincia do Programa Residncia Agrria

    37

    Captulo 1Gnese do Programa Residncia Agrria

    quisadores): objetividade, neutralidade, busca da verdade, conhecimentodesinteressado do mundo, etc. Se a cincia no representa a nica fonte de

    conhecimento vlido, se os conhecimentos tradicionais e os saberes cotidia-nos tambm devem ser considerados na produo do conhecimento agro-ecolgico, ento necessrio promover o dilogo de saberes, em outras

    palavras, a articulao entre o conhecimento cientfico e os outros saberesproduzidos atravs do tempo. Isto no uma coisa fcil, se considerarmosa formao dos pesquisadores, a cultura e a estrutura das instituies.

    De uma maneira geral, nas Cincias Agrrias, so restritos oacesso ao conhecimento e a sua produo de forma relacionada econo-mia moral da produo familiar e camponesa. Os prprios setores de

    produo dos movimentos sociais do campo ainda utilizam planilhasdemonstrativas de viabilidade econmico-financeira, para ofinanciamen-to da produo, que no refletem a realidade da evoluo dos sistemasprodutivos familiares.

    Visualizar a possibilidade de um mercado nacional familiar ecampons, de regras diferenciadas um passo ousado. A academia neces-sita aprofundar os conhecimentos da lgica cooperativa da AgriculturaFamiliar e Camponesa que permita a esses agricultores permanecer naterra e a partir destas prticas, somada ao conhecimento cientfico acumu-lado, elaborar propostas de viabilidade econmico-financeira, de melhoriade vida, de vitalizao de uma socioeconomia solidria que movimentemercados excludos e explorados: mercado campons, extrativista, depesca artesanal, e outros. Este um dos desafios para estes jovens residen-tes, seus orientadores e as comunidades que os recebem.

    Por fim, este texto ao relatar algumas questes da experinciado Programa pretende contribuir com aqueles que buscam novos cami-nhos para a educao nas Cincias Agrrias. Tambm objetiva contribuir

    com aqueles que atuam junto ao Estado e que compreendem que as po-lticas pblicas esto no cerne de uma mudana social que atenda as ne-cessidades dos povos do campo.

    Esta reflexo, que cumpre a funo de memria do Programaquer ressaltar a importncia e o potencial de transformao que tem otrabalho dos profissionais que atuam em Assistncia Tcnica e ExtensoRural. Na Poltica Nacional de Assistncia Tcnica e Extenso Rural,consolidada na proposta da Secretaria de Agricultura Familiar do Minist-rio do Desenvolvimento Agrrio SAF/MDA em 2003, e nos documentosorientadores do Programa de Assessoria Tcnica, Social e Ambiental

    ATES do INCRA, lanado em 2004, pode-se observar que as responsabi-

    Algumas Universidades optaram por designar um coordenadorpor eixo temtico. Este profissional no era definido ser detentor de conhe-cimento especfico sobre aquela temtica, mas de forma especial, conhecera construo metodolgica do Curso e contribuir no dilogo entre as reasdo conhecimento e entre os professores que trabalhariam com aquele eixo.Desta maneira, seria um facilitador do dilogo entre diferentes saberes.

    Considerando que os Cursos eram interestaduais e que foramindicados professores de outros estados para contriburem, percebeu-se anecessidade que o coordenador articulasse o trabalho, acertando as agen-das, fazendo com que os professores das diferentes reas no trouxessempartes isoladas do todo, mas que problematizassem as interfaces de cadarea, e assim pudessem construir com os estudantes este todo.

    Dificuldades foram encontradas em diferentes nveis: carnciade professores que tivessem afinidade com a proposta metodolgica, la-cunas nos conhecimentos sobre Economia Camponesa e sobre Agroeco-logia. Quanto a este ltimo, Gomes (2005) nos ajuda a entender que:

    a Agroecologia considerada uma disciplina cientfica que transcende oslimites da prpria cincia, ao pretender incorporar questes no tratadas

    pela cincia clssica (relaes sociais de produo, eqidade, seguranaalimentar, autoconsumo, qualidade de vida, sustentabilidade, etc.). Acincia clssicaficou mais restrita exatido, s medidas, ao exame dasquantidades, o que exige controle e rigor, ou seja, pressupondo a aplicaode um mtodo. Tratar uma disciplina cientfica que no se restringe ao

    campo especfico da cincia exige uma primeira ruptura epistemolgica,do antigo conceito de demarcao entre cincia e no-cincia, e a conse-

    qente aceitao de que a cincia no tem o monoplio sobre o conheci-mento vlido. Esta a primeira grande dificuldade para a pesquisa em

    Agroecologia.

    Um dos princpios do Programa questionar o modelo deproduo agrcola excludente e poluidor. Nesse sentido, oResidncia Agr-ria tem como princpio aprofundar a reflexo-ao de um novo paradigmade base agroecolgica. Esse s se consolidar quando ocorrer uma ruptu-ra na base epistemolgica que d sustentao ao paradigma em vigor. Deacordo com Gomes (2005)

    aceitar que os conhecimentos produzidos em outros contextos, alm da-queles considerados cientficos, tambm so vlidos, significa colocar emdiscusso os referenciais mais caros cincia clssica (e aos prprios pes-

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    21/215

    38

    Educao do Campo e Formao Profissional: a experincia do Programa Residncia Agrria

    Captulo 2

    MATRIZ REGIONAL

    lidades e as expectativas sobre a atuao dos tcnicos no se resumem aoaspecto da produtividade das propriedades. Objetiva-se que os profissio-nais contribuam na organizao dos trabalhadores, no atendimento sdemandas bsicas de sade, educao, abastecimento de gua, sistemas demoradia, energia eltrica, instalaes comunitrias, preservao dos recur-sos naturais, enfim todas as questes que direta ou indiretamente estorelacionadas com o desenvolvimento integral da comunidade, portanto,um profissional capaz de atuar como agente de desenvolvimento.

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    GOMES. J.C.C. Pesquisa em Agroecologia:Problemas, perspectivase desafios. Texto Base do I Encontro de Agroecologia das Unidades da

    EMBRAPA e parceiros. 2005. Braslia (mimeo).

    WANDERLEY, M.N.B. Razes histricas do campesinato brasileiro. In:Tedesco, Joo Carlos (org.)Agricultura Familiar Realidades e Pers-pectivas. 2. Ed. Passo Fundo: EDIUPF, 1999, Cap. 1, p. 21-25.

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    22/215

    41

    Os desafios de uma formaovoltada para o contexto regional:a experincia do Curso deEspecializao em AgriculturaFamiliar e Camponesa e Educaodo Campo da Regio Norte

    Laura Anglica Ferreira14

    Luiza de Nazar Mastop-Lima15

    Maria Suely Ferreira Gomes16

    Marlene Naoyo Abe17

    Carla Rocha18

    14. Professora da Universidade Federal do Par UFPA. Doutora em Dveloppment Rural et Systme dElevageINAP-G Frana.

    15. Professora da Faculdade de Cincias Agrrias de Marab UFPA. Mestre em Antropologia UFPA.

    16. Mestre pela Universidade Federal da Paraba UFPB.

    17. Mestre em Agriculturas Familiares e Desenvolvimento Sustentvel UFPA.

    18. Mestre em Desenvolvimento Rural UFPA.

    Alunos da 1 Turma do Curso de Especializao e assentadosem almoo de confraternizao em assentamento rural.

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    23/215

    42

    Educao do Campo e Formao Profissional: a experincia do Programa Residncia Agrria

    43

    Captulo 2Matriz Regional

    No territrio da Transamaznica a parceria com os movimen-tos sociais foi com a Federao dos Trabalhadores Rurais na Agricultura- FETAGRI, Regional Transamaznica, e das prestadoras de ATES: aCooperativa de Servios - COODESTAG e a Associao das Casas Fa-miliares Rurais do Par - ARCAFAR.

    No territrio do Acre, as parcerias estabelecidas foram: a Se-cretaria Executiva de Assistncia Tcnica e Extenso Rural - SEATERdo Acre; a Cooperativa de Assistncia Tcnica e Extenso Rural e Con-sultoria Agropecuria Ltda - COOPEAGRO; o Conselho Nacional dosSeringueiros - CNS; o Centro dos Trabalhadores da Amaznia CTAe o Grupo de Pesquisa e Extenso em Sistemas Agroflorestais do Acre- PESACRE.

    Essas parcerias tiveram graus diferenciados de envolvimento eacompanhamento no Curso, mas todas foram, em um momento ououtro, fundamentais no processo de formao.

    O CONTEXTO AGRRIO ENVOLVIDO NO CURSO

    O contexto agrrio que envolve as Universidades responsveispelo ProgramaResidncia Agrria, no Norte, tm em comum estarem emterritrios amaznicos. Mas a realidade que os envolve vasta e diversa.No caso do Par, por ser um estado muito grande, a problemtica discu-tida no Curso abrangeu especificamente as regies do Sudeste do Par eda Transamaznica, locais onde o NEAF possui um acmulo acadmico-cientfico da Agricultura Familiar e Camponesa local.

    Os territrios do sudeste do Par e da Transamaznicae a Reforma Agrria

    O Sudeste do Par uma regio de fronteira agrcola que temseu histrico de expanso baseado em conflitos pela posse da terra queocorreram, e ainda ocorrem, a partir de um fluxo migratrio motivado,especialmente, pela abertura de estradas, por grandes projetos de explora-o dos recursos naturais, como o garimpo, a construo de hidroeltricae a instalao de milhares de famlias oriundas, principalmente, do Nor-deste do pas, que ali permaneceram/permanecem mesmo aps o fimdestes projetos. A partir destes conflitos e, mais recentemente, atravs daspolticas de Reforma Agrria, a colonizao espontnea desta regio seconsolidou pela legalizao da posse da terra. At 2004/2005, o INCRAhavia registrado 399 Assentamentos no Sudeste do Par, envolvendo mais

    INTRODUO

    A insero da Universidade Federal do Par no ProgramaResi-dncia Agrriaest ligada longa experincia de um grupo de docentes-pes-quisadores do Ncleo de Estudos Integrados sobre Agricultura Familiar -NEAF19e de seu interesse em aes que fortaleam o desenvolvimento econsolidao da Agricultura Familiare Camponesa local/regional. Para tan-to, o NEAF privilegiou sua atuao na formao de recursos humanos,atuando em nvel de graduao e de ps-graduao lato sensuestricto sensu,no ensino mdio e fundamental, apoiando as Casas Familiares Rurais -CFRs e as Escolas Famlia Agrcola - EFAS, mas tambm em capacitaesde tcnicos voltados para assistir/assessorar os programas de ATER/ATES20.

    A preocupao maior foi a de formar/capacitar profissionais para refletireme atuarem na complexidade da Agricultura Familiar e Camponesa local,levando em conta suas demandas e especificidades, e o contexto no qualesto inseridas. Alm da formao, o NEAF implementa um programa depesquisa-desenvolvimento para apoio a esta categoria, atravs de seus labo-ratrios, o Laboratrio Scio-Agronmico do Tocantins - LASAT, emMarab, e o Laboratrio Agroecolgico da Transamaznica - LAET, em

    Altamira. Estes laboratrios atuam em parceria com as organizaes dosagricultores familiares e com os movimentos sociais.

    As experincias do NEAF, a opo acadmico-cientfica detrabalhar com a Agricultura Familiar e Camponesa e a insero destegrupo nas questes relativas Reforma Agrria, criaram uma referncia eum reconhecimento do trabalho do grupo em mbito nacional e permitiua participao no ProgramaResidncia Agrria, elaborando e implementan-do junto com a Universidade Federal do Acre e entidades colaboradoras,o Curso de Especializao em Agricultura Familiar e Camponesa e Edu-cao do Campo da regio Norte.

    No sudeste paraense, contou-se com a parceria de diferentesentidades colaboradoras. Em relao aos movimentos sociais, participa-ram a Federao dos Trabalhadores Rurais na Agricultura - FETAGRI,Regional Sudeste do Par; e o Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra - MST. Dos servios de ATES, contou-se com a atuao da Coo-perativa de Prestao de Servios - COOPSERVIOS; da CooperativaMista dos Assentados de Reforma Agrria da Regio Sul e Sudeste do Par- COOMARSP e da Escola Famlia Agrcola de Marab - EFA.

    19. A partir de 2008 este passou a integrar o Ncleo de Cincias Agrrias e Desenvolvimento Rural da UFPA, ligadoao Programa de Ps Graduao em Agriculturas Amaznicas.

    20. Assistncia Tcnica e Extenso Rural - ATER e Assessoria Tcnica, Social e Ambiental - ATES.

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    24/215

    44

    Educao do Campo e Formao Profissional: a experincia do Programa Residncia Agrria

    45

    Captulo 2Matriz Regional

    do programas direcionados para as reas de Reforma Agrria, com ativi-dades no campo da educao e em torno das polticas agrrias e ambien-tais. Exemplo disso so as experincias nos municpios de Brasil Novo,Medicilndia, Pacaj e Uruar, onde entre os profissionais que trabalhamcom ATES, esto os tcnicos das Casas Familiares Rurais que atuam

    junto s famlias de agricultores, fazendo um acompanhamento tcnico esocial das atividades desenvolvidas no estabelecimento agrcola.

    No que diz respeito ao Sudeste Paraense, desde o ProjetoLumiar, criado em 1997, tm surgido vrias entidades de prestao deservios em ATES que trabalham de maneira bastante articulada comos movimentos sociais do campo e que tm buscado testar e implemen-tar experincias produtivas novas na regio. O trabalho de ATES tem

    cada vez mais se articulado com os projetos de Educao do Campo,sobretudo com o Ensino Mdio da EFA Marab e com os cursos deCincias Agrrias da UFPA.

    Os territrios do Acre

    Enquanto os territrios do Par so marcados pela ocupao demigrantes originrios de diversas regies do Brasil, no Acre, o ambientenatural ainda dominante. Cerca de 90% da rea do Acre coberta porflorestas naturais, sendo mais de 80% desta considerada ambientalmenteprotegida. Esse estado se diferencia das outras unidades da federao porsua rica biodiversidade em termos de fauna e flora, por suas Reservas

    Extrativistas e Projetos de Assentamentos Agroextrativistas.O setor agrcola estadual constitui-se, na sua ordenao econ-

    mica, principalmente, de pastagens para explorao da pecuria extensiva,extrativismo, agricultura de subsistncia, fruticultura e olericultura. A reaplantada com pasto de aproximadamente 800.000 ha para um rebanho

    prximo de 2,2 milhes de cabeas de boi. No entanto, a maioria daspastagens encontra-se com baixo ndice de unidade animal, em conseq-ncia do processo de degradao, sendo importante a gerao de conhe-cimento regional e uma nova forma de pensar a assistncia tcnica, quepromova intervenes para melhorar o rendimento produtivo e econ-mico nestas reas.

    O extrativismo ainda uma atividade econmica muito forte,principalmente pela manuteno do homem no campo, que sobrevive daagricultura de subsistncia, da caa e pesca e sobre uma base econmicaancorada principalmente na extrao de ltex (borracha) e na coleta decastanha-da-amaznia.

    de 40.000 famlias, alm de reas de posse antiga que ainda no foramlegalizadas e de acampamentos.

    Na Transamaznica, a regularizao fundiria mais antiga,remonta dcada de 1970. Esta regio sofreu um forte incremento nasua populao a partir da migrao causada pela concentrao de terrasno Sul e Sudeste do pas e possibilitada pela abertura da Rodovia quedeu nome e identidade ao territrio. Nesse perodo, o projeto governa-mental incluiu no apenas a abertura da estrada, mas tambm a distri-buio oficial de lotes de colonizao nas estradas vicinais (os traves-ses), bem como crdito e assistncia tcnica por Agncias Governa-mentais (Banco da Amaznia - BASA, Empresa de Assistncia Tcnicae Extenso Rural - EMATER e Comisso Executiva do Plano da Lavou-

    ra Cacaueira - CEPLAC). Com a crise da ditadura militar, a partir doincio da dcada de 1980, a regio passou por um processo de abandono,desmobilizando-se o apoio oficial s reas de colonizao.

    A partir do final da dcada de 1980, as organizaes do campodesses dois territrios engajaram-se na luta pela melhoria dos processosprodutivos, para garantir a consolidao de um projeto de desenvolvimen-to agrcola e agrrio cujo sujeito central fosse o campesinato. Inicialmen-te, o foco central desse movimento foi garantir a democratizao doacesso ao crdito: PROCERA e FNO, atravs de movimentos conhecidoscomo Grito do Campo e Grito da Terra.

    O sucesso dessa investida levou ao surgimento de outras deman-das, relativas melhoria da produo. Entre elas est a assessoria tcnica, ainfra-estrutura e a educao. Alguns avanos quanto a estes aspectos ocorre-ram nos ltimos anos, destacando-se, entre outras iniciativas, a criao doPrograma Nacional de Educao na Reforma Agrria - PRONERA, doPrograma Nacional de Apoio Agricultura Familiar - PRONAF, em 1996,e da Poltica Nacional de Assessoria Tcnica, Social e Ambiental - ATES, em

    2003. O crescimento destas polticas tem conseguido atingir uma parcelaimportante de Agricultores Familiares historicamente excludos na regio.

    Do ponto de vista do estmulo consolidao dos aspectosprodutivos, estas polticas, por serem novas, apresentam problemas deimplementao. Em geral, elas precisam ser adaptadas ao contexto regio-nal, mpar na Amaznia. Quanto Assistncia Tcnica, existe um proble-ma importante relativo formao dos tcnicos, oriundos de escolas deCincias Agrrias, baseadas numa lgica produtivista/tecnicista, poucoadaptada ao trabalho com a Agricultura Familiar e Camponesa.

    Neste sentido, vrias experincias alternativas tm surgido, poriniciativa dos movimentos sociais do campo e de suas parcerias, envolven-

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    25/215

    46

    Educao do Campo e Formao Profissional: a experincia do Programa Residncia Agrria

    47

    Captulo 2Matriz Regional

    deve estar ligado s problemticas que envolvam a Agricultura Familiarregional. Portanto, a primeira fase do ProgramaResidncia Agrria, queprevia/prev a insero do estudante na realidade da Agricultura Fami-liar e Camponesa e suas organizaes, no foi, em si, uma novidade paraos estudantes do Par. O que o Programa acrescentou foi a dinmicadesta entrada na comunidade rural, a qual deveria estar inserida em umcontexto de ATES/ATER, onde cada estudante deveria acompanhar umtcnico dessas equipes para sua completa imerso na vida diria de umassentamento. Esta experincia deveria permitir ao estudante no sestabelecer uma ligao direta com a comunidade, mas junto com esta,desenvolver uma temtica para seu Trabalho de Concluso de Curso.

    Ainda, como objetivo da formao, previa-se ainda, a aproximao com

    o trabalho dos tcnicos das prestadoras de servios (ATES/ATER) aosagricultores familiares.Para os estudantes do Par, a dificuldade encontrada foi a de

    quebrar a dinmica conhecida de insero nas comunidades a partir dosestgios de campo realizados ao longo do Curso e/ou das experincias

    vividas em estgios nos Laboratrios de Pesquisa-Desenvolvimento liga-dos ao NEAF21, para a nova proposta de acompanhar um tcnico da

    ATES/ATER. Esta dificuldade foi ainda maior devido aos tempos dife-rentes entre os estudantes e os tcnicos. Com calendrios de atividadesdefinidos e necessidades diferenciadas, conciliar horrio de aula na Uni-

    versidade e ida a campo dos tcnicos foi praticamente impossvel. Sobre-tudo com as condies de acesso e distncia das comunidades, o que nopossibilita sair para campo apenas em uma das partes do dia. Normalmen-te, a ida a campo leva o dia inteiro e parte da noite. Esta situao geroupequenos conflitos entre as duplas estudante-tcnico, cada qual respon-sabilizando o outro pelos desencontros.

    Para os estudantes do Acre, a experincia foi bem diferente.

    Sem contato com a realidade da Agricultura Familiar e Camponesa regio-nal, salvo em alguns casos, o Estgio de Vivncia foi, para muitos, a pri-meira experincia concreta de contato com a realidade agrria e o desper-tar para a discusso em torno da Questo Agrria e da Educao doCampo, sendo, inclusive, um momento de desistncia ou, ao contrrio,de reafirmao da escolha de participar do Programa.

    Diante dessa experincia, o grupo da UFPA, entendeu que estemomento de Vivncia deveria ser diferenciado. Havia necessidade de sepensar alternativas que conciliassem o desenrolar das atividades envolven-

    21. LASAT em Marab e LAET em Altamira.

    A fruticultura representa uma rea superior a 11 mil ha, sendocerca de 50% ocupada com banana, seguida, por citros, cupuau, pupu-nha, abacaxi e mamo.A produo de banana no estado do Acre umadas atividades agrcolas de maior expresso econmica, pelas facilidadesde cultivo, produo continuada ao longo do ano e uma larga utilizao eaceitao nas mais variadas formas de consumo.

    O sistema de produo da fruticultura acreana caracterizadopor vrios fatores: baixo uso de tecnologias, principalmente no tocante autilizao de mudas com baixa qualidade sanitria, prticas de manejoinadequadas, baixo uso de insumos, emprego de cultivares no adaptadase de baixo potencial produtivo, problemas fitossanitrios e alta perda daproduo por ocasio da colheita, armazenamento e transporte.

    A olericultura praticada principalmente nos cintures verdesque circundam as cidades. Algumas hortalias como alface, couve, cebo-linha e coentro, atendem demanda do estado, mas a maioria, como ce-noura, beterraba, cebola, car, inhame, repolho, tomate e outras, so im-portadas das regies produtoras, fato este que eleva o preo ao consumi-dor, principalmente nas regies de difcil acesso, como o caso do Valedo Juru, no extremo oeste do Acre.

    H, portanto, para os problemas levantados, falhas nos serviosde Extenso Rural e Assistncia Tcnica, ora pela imperfeio das ATERora pela questo cultural especfica deste estado, que no nasceu de umaagricultura, mas sim do extrativismo. Estas lacunas podem ser superadascom a formao de recursos humanos integrada ao contexto e s dinmi-cas agrrias do estado.

    Assim, clara a importncia e a necessidade de se investir cadavez mais na formao dos tcnicos que atuam e atuaro nestes territriosatravs de um paradigma que valorize aspectos como as estratgias e oconhecimento dos agricultores, a participao, a necessidade de apreenso

    da complexidade das realidades locais e suas diversidades, preocupaescom a sustentabilidade ambiental, enfim, que reconheam a importnciadas questes sociais e ambientais imbricadas nas questes tcnicas.

    A EXPERINCIA DOS ESTGIOS DE VIVNCIA

    A proposta pedaggica do Curso regular de Agronomia daUFPA, ofertado nos Campi de Marab e Altamira (PA), j prev umainsero dos estudantes no meio rural, em reas ocupadas pela Agricul-tura Familiar. Da mesma forma, para integralizao do Curso, cada es-tudante deve apresentar um Trabalho de Concluso de Curso, o qual

  • 8/9/2019 Educao Do Campo - Residncia Agrria

    26/215

    48

    Educao do Campo e Formao Profissional: a experincia do Programa Residncia Agrria

    49

    Captulo 2Matriz Regional

    Estabeleceram-se cinco eixos temticos na perspectiva de que oconjunto desses eixos deveria permitir a cada educando perceber a reali-dade complexa que envolve a Agricultura Familiar e Camponesa e sercapaz de analis-las de forma crtica, compreend-las em suas diversasfacetas e intervir para apoiar sua consolidao no campo. Para tanto, oconhecimento deveria englobar desde o entendimento da forma de pro-duo familiar e camponesa, dos processos de desenvolvimento no cam-po, at os fatores que envolvem a produo agrcola diretamente, abor-dando os elementos tcnicos e econmicos do processo produtivo, pas-sando pelos mtodos de pesquisa e ao voltados para a realidade e para ainterveno. Neste universo, o processo de Educao do Campo essen-cial para o entendimento dos processos de desenvolvimento.

    Cada eixo foi estruturado de forma a fornecer uma base tericaem que os educandos pudessem se apoiar durante os trabalhos de campo,na tentativa de entender, interpretar e analisar a realidade estudada.

    O Eixo Temtico I, intitulado: Campo, Desenvolvimento eEduc