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Educação Escolar e Desenvolvimento Local

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Autor: Vicente Fideles Ávila

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EDUCAÇÃO ESCOLAR E DESENVOLVIMENTO LOCAL: realidade e abstrações no currículo

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Vicente Fideles de Ávila

EDUCAÇÃO ESCOLAR E DESENVOLVIMENTO LOCAL: realidade e abstrações no currículo

PIANO

Brasília-DF 2003

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Copyright © 2003 Plano Editora Ltda. É proibida a reprodução total ou parcial desta publicação, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, da Editora. Assessoria editorial Walter Garcia Editor executivo Jair Santana Moraes Revisão Marluce Moreira Salgado Normalização bibliográfica Regina Helena Azevedo de Mello Editoração eletrônica Eveline de Assis Capa Marcos Hartwich Impressão e acabamento Editora Gráfica Ipiranga

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte (CIP) Ávila, Vicente Fideles de.

A958 Educação escolar e desenvolvimento local: realidade e abstrações no currículo / Vicente Fideles de Ávila. - Brasília : Plano Editora, 2003.

102 p. ISBN: 85-85946-55-5 1. Educação escolar. 2. Qualidade do ensino. I.

Título. CDU 371.311.5

Todos os direitos reservados à Plano Editora Ltda, conforme Lei n° 9.610, de 19/2/1998. SLA Trecho 4, Lote 2000, sala 201 - Telefax: (61) 361-1384 71200-040 - Brasília-DF E-mail: [email protected] Impresso no Brasil

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S U M Á R I O

APRESENTAÇÃO : 7

INTRODUÇÃO 9

CAPÍTULO 1 - NOÇÕES DE EDUCAÇÃO ESCOLAR E DESENVOLVIMENTO LOCAL 1 5

CAPÍTULO 2 - CONHECER: DAS REALIDADES PARA AS RESPECTIVAS ABSTRAÇÕES 2 3

2.1 Pelos seis princípios construtivistas de Piaget 23

2.2 Pela teoria do conhecimento da Filosofia Clássica 26 2.2.1 Três passos lógicos de cada

< ciclo da cadeia evolutiva do / conhecimento 27

2.2.2 Espiral progressivo-expansiva do conhecimento 32

2.2.3 Tentativas.de reconstituição da espiral do conhecimento .... 37

2.2.4 Progressiva emancipação físico-sensorial 40

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CAPÍTULO 3 - D A INTERAMBIENTALIDADE À INTERDISCIPLINARIDADE 4 5

CAPÍTULO 4 - FENÔMENOS LOCAIS E ABSTRAÇÕES CURRICULARES 5 7

CAPÍTULO 5 - ENSINO DE CIÊNCIAS NO PRISMA DO DESENVOLVIMENTO LOCAL ... 7 1

5.1 Primeiro ângulo de ponderação: Química, Física, Biologia, História, Matemática, Geografia, etc. não são coisas só de currículo escolar 75

5.2 Segundo ângulo de ponderação: das "químicas, físicas, biologias, geografias, histórias, etc. da realidade" às "Química, Física, Biologia, etc. dos manuais" 76

CAPÍTULO 6 - POLÍTICA DE DESAFIO A EXPERIÊNCIAS INOVADORAS 7 9

BREVE ESBOÇO DE CONCLUSÃO

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS \

SOBRE QXAUTOR

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APRESENTAÇÃO

Direta e incisivamente, dois são os principais objetivos de todo este trabalho. O primeiro é colocar em evidência a oportunidade e mesmo a necessidade de a relação temática educação escolar x desenvolvimento local alimentar-se e implementar-se pelo ensino-aprendizagem dos domínios científicos curriculares a partir de fatos e fenômenos dos meios de vivência das próprias comunidades-localidades em que as escolas se inserem, mediante firme e intensa política de apoio à multiplicação de experiências inovadoras nesse sentido. O segundo é sugerir maneiras ou rumos operacionais para que essa relação temática se dinamize em perspectiva simultaneamente tridimensional, portanto implicando um único processo: a melhoria da qualidade/quantidade do ensino, em termos de volume e significância vivencial; a transformação das ações docentes e discentes em trabalho prazeroso pelo conhecimento e aproveitamento das realidades e potencialidades locais como pontos de partida te não "pontos de chegada") ou "campos de decolagem" para abstrações cada vez mais ampliadas e universalizadas de conhecimentos gerais, científicos e tecnológicos; e o concomitante reflexo construtivo dessa dinâmica escolar na melhoria da qualidade de vida dos próprios alunos, assim como de suas famílias e comunidades.

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Em termos de encaminhamento metodológico, as matérias que compõem este estudo se orientaram pelos referenciais da coerência e da consistência lógicas, internas e externas, mais comuns às argumentações de cunho descritivo-analítico, combinando "história de vida" com fontes bibliográficas - isto em virtude de a relação temática ora em pauta, mesmo sob nomenclaturas diferenciadas das atuais, vir se constituindo objeto de interesse, preocupação e produção sistematizada do autor desta matéria há quase quatro décadas, conforme indicação destacada nas referências bibliográficas.

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INTRODUÇÃO

O tema se circunscreve ao âmbito da relação entre educação escolar e desenvolvimento local, da forma como são nuclearmente conceituados no Capítulo 1.

Em termos mais descritivos, essa relação é focada como indispensável e intercomplementar, tendo em vista que a educação escolar pode, ou mesmo deve, tornar-se dinamismo formador de gerações que capilarizem a cultura do desenvolvimento local endógeno (de dentro para fora) no seio de suas próprias comunidades-localidades, sem enfraquecer ou desvirtuar os compromissos e as atividades de ensino-aprendizagem que a sociedade espera e cobra da instituição escolar. Pelo contrário, a planejada, controlada e avaliada ativação dessa relação também poderá contribuir, significativamente, para a progressiva solução do já histórico problema da melhoria quantitativa e qualitativa do próprio processo de ensino-aprendizagem.

O que se quer dizer com a mencionada capilarização da cultura do desenvolvimento local endógeno, na relação entre a educação escolar e a realidade em que se insere a escola, é que a realidade se configura como "campo de decolagem" da educação e não como mero "campo de pouso" dos

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conhecimentos sistematizados e semiotizados1

unicamente de fora para dentro do ambiente de vivência de cada comunidade escolar.

Na dinâmica escolar vigente, os alunos deixam as suas vivências e os seus conhecimentos primários fora da sala de aula e recebem, lá dentro, as lógicas e as fórmulas abstratas, portanto sinteticamente semiotizadas, das matérias ou conteúdos que as autoridades e os educadores lhes determinam ou acham convenientes. Por sua vez, os alunos são obrigados, isto sim, a elaborar, de maneira virtual, a "reconstituição" mental dos fenômenos concretos da realidade que tais lógicas e fórmulas representam, mas sem vínculos diretos, no próprio processo ensino-aprendizagem, de conexão entre as lógicas fenomenologicamente vivenciadas na realidade e aquelas abstratamente semiotizadas em análises e conclusões científicas, que, no máximo, se utilizam de descompromissadas ilustrações ou exemplificações da cultura vivencial dos alunos.

Isso gera dois tipos de conseqüências indesejáveis em nossa dinâmica de educação

1 Semeion é palavra grega que significa signo, como sinônimo de sinal (semà), inclusive com a raiz etimológica sem- comum aos dois termos, e de símbolo (symbolon). Semiótica vem diretamente do grego semeiotiké ("apto a notar, relativo a observação" ou , de acordo com Cunha (1994, p. 713), "observação dos sintomas", em linguagem médica. Giles (1993, p. 139) conceitua Semiótica como "1. O estudo: a) da natureza e dos tipos de sinais; b) daquilo que significam; c) de como são usados; d) de como produzem o desejado efeito, isto é, de como conseguem comunicar o significado desejado. 2. A análise da linguagem usada por determinada ciência", ao passo que semiose é "processo que consiste em funcionar como símbolo (sinal), expressão lingüística, forma de falar; também, condição de entender ou compreender, que produz determinado comportamento ou resposta".

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escolar. A primeira é o choque cultural, e mesmo existencial, entre o mundo real dos educandos e o mundo dos saberes curriculares, de certo modo reeditando a dicotomia concebida por Platão entre o "mundo sensível" e o "mundo das idéias", questão esta retomada no Capítulo 4. A segunda, decorrente da primeira, é que, em última análise, a nossa educação escolar, ao contrário de influenciar os educandos a conhecerem e se interessarem pela transformação dos locais originários de suas vivências, acaba incutindo e aos poucos impregnando-lhes, como necessidade existencial, a idéia de que se quiserem saber mais e melhor, inclusive hoje como condição sine qua non também em termos de qualidade de vida, terão de abandonar suas localidades de origem. Isto em virtude de que os recursos para se saber e viver melhor se situam indefinidamente sempre além das fronteiras locais dos alunos, resvalando-se dos horizontes locais para as sedes regionais, destas para os pólos nacionais e destes para os países ou centros internacionais erigidos como protótipos do bem-saber e do bem-viver.

Não é à-toa que a juventude está fugindo dos pequenos municípios brasileiros, à procura de chances de estudo e de trabalho nos centros urbanos, sobretudo maiores, como também não é sem motivo que quase ninguém, depois que sai, se preocupa em investir e colaborar para significativas transformações em sua localidade de origem. Por isso, os grandes centros estão abarrotados de médicos, advogados, engenheiros, empresários e toda uma gama de profissionais com escolaridade

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de elite, enquanto os municípios interioranos clamam amargamente por socorro, principalmente nas áreas de saúde, educação, emprego e outras de base.

Trata-se, pois, de saídas ou evasões das localidades de origem sem nenhuma perspectiva de volta, senão física pelo menos de influências transformadoras. Frisa-se que a questão não se refere necessariamente à volta física, porque qualquer política de "fixação" do ser humano no seu meio de origem é tão ilógica quanto a sua "orientação" para nenhum espaço de vivência e influência pessoal e social: o direito à liberdade de ir e vir é até consagrado em nossa Constituição Federal (artigo 5 o , inciso XV). Diz respeito, isto sim: primeiro, ao fato de que se propiciem chances, a quantos não queiram sair, de melhor conhecerem e aproveitarem os potenciais de realização humana e ambiental que o seu meio lhes disponibiliza; segundo, à importância da formação de laços cognitivos, afetivos e construtivos - entre as pessoas e seus respectivos meios - naqueles que, ao saírem, se sintam solidariamente compelidos a influenciar o desenvolvimento das localidades de origem, mesmo não intencionando ou podendo a elas fisicamente voltar em termos de fixação de residência ou empreendimento.

E, se questionado sobre a melhor época para se iniciar a formação dos mencionados laços entre as pessoas e os meios, enfatizo tratar-se de processo que deve começar a partir da educação infantil, pela oferta de oportunidades, no sentido de que as crianças se motivem e aprendam a identificar, conhecer e

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valorizar as potencialidades de suas comunidades-localidades por efetivas e processuais cadeias interativas entre realidades locais, dinâmicas curriculares e crescente capacidade de abstração e universalização de conhecimentos ao longo de suas trajetórias de vida escolar, metaescolar, transescolar e pós-escolar. Essas cadeias pressupõem que as realidades locais cumpram o papel fundamental de "campos de decolagem", como dito atrás, para que as crianças, ou quaisquer outras pessoas, conquistem, de maneira cada vez mais ampliada e aperfeiçoada, suas capacidades de abstrair2 e de universalizar conhecimentos de toda ordem, começando pelo das características fenomenológicas e das potencialidades próximas e remotas dos seus contextos existenciais.

2 O verbo abstrair vem da combinação dos termos latinos abs + trahere, em que ab (a ou abs, dependendo da fonética do termo a que se liga na seqüência), aqui como prefixo preposicional de origem, procedência ou "1) Ponto de partida (da vizinhança de um lugar, e não do interior do mesmo), podendo ou não ter idéia de movimento" (Faria, 1956, p. 13), mais trahere (p. 976), com os significados, entre outros, de arrastar, puxar, carregar, trazer, atrair, absorver, sorver, levar consigo, etc. Portanto, abstrair no sentido aqui empregado significa: arrastar, puxar, atrair, sorver, etc., as propriedades do objeto em situação de conhecimento para o espaço mental da compreensão intelectiva, implicando a idéia de movimento ou passagem das propriedades do objeto (procedência), a que se referem existencialmente, para o espaço das faculdades psíquicas, capaz de captar suas configurações e de transformá-las em linguagens lógicas ou discursos mentais que as definam ou descrevam segundo os graus de compreensão apurados no decurso desse processo.

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CAPÍTULO 1

NOÇÕES DE EDUCAÇÃO ESCOLAR E DESENVOLVIMENTO LOCAL

Quanto à conceituação dos dois pólos da acima mencionada relação temática, a educação escolar não exclui a de nível superior. Entretanto, para o horizonte desta matéria, diz respeito sobretudo àquela que se processa oficialmente nas instituições escolares da educação básica (compreendendo educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos), regida pelo Capítulo II (artigos 22 a 38) da Lei n° 9.394/96, com respaldo no Capítulo III - Seção I (artigos 205 a 214) da Constituição Federal.

Mas o que significa desenvolvimento locall - Tratando-se de alternativa de desenvolvimento muito recente, a resposta à questão implica esclarecimentos nocionais mais amplos. Já se fala bastante a respeito de desenvolvimento local no Brasil, por vezes até por meio de informes publicitários veiculados pela mídia de alcance nacional. Entretanto, o significado desta expressão ainda é objeto de contínua análise e discussão, em virtude de sua ainda muito curta trajetória histórica.

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Segundo José Carpio Martin (1999), a Europa começou a se interessar pelo desenvolvimento local, "como una estratégia adecuada a Ias demandas sociales de mayor bienestar social y de creación de empleo " há pouco mais de vinte anos, intensificando-se significativamente na Espanha durante os anos 80, mas estendendo-se e propagando-se sobretudo na América Latina, ao longo dos anos 90, por intercâmbios entre geógrafos espanhóis e países ibero-americanos.

No Brasil, a explicitação1 desse interesse se iniciou por volta de 1996 por intermédio de um curso na Universidade de São Paulo (USP), sendo o autor supracitado um dos ministrantes. A notícia espalhou-se rapidamente, principalmente em alguns Estados do Nordeste, chegando imediatamente também à Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), de Campo Grande, Estado de Mato Grosso do Sul, na qual amplo programa de desenvolvimento local começou a ser delineado em meados de 1997, mediante convênio com a Universidade Complutense de Madri (UCM). Hoje, a mencionada universidade sul-mato-grossense já conta até com um programa de mestrado em Desenvolvimento Local, com área de concentração em Territorialidade e Dinâmicas Socioambientais.

1 O clima para proposta de desenvolvimento à maneira do desenvolvimento local veio sendo preparado desde 1992, em cujo ano se realizou, no Rio de Janeiro, a "Conferência Mundial sobre Meio Ambiente", também denominada Eco-Rio 92, com temática centrada em biodiversidade, desenvolvimento (mtó)sustentável e assuntos correlatos.

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,. Na Europa,2 o desenvolvimento local visa ao empreendimento de medidas descentralizadas ao âmbito de determinada comunidade-localidade concreta (detentora de identidade social e histórica própria), mas com as seguintes conotações que o delimitam, conceitualmente, como estratégia de desenvolvimento: destina-se a comunidades-localidades periféricas, ou socioeconomicamente carentes em relação à média das demais; sua programação deve contar com a participação das comunidades envolvidas; pressupõe-se que o desenvolvimento social decorra do desenvolvimento econômico, e não o inverso; e seus alvos principais são a geração de emprego e a melhoria da qualidade de vida das comunidades periféricas.

Sob forte pressão política por ação de combate imediato à extrema pobreza, e de certo modo combinando a concepção de desenvolvimento sustentável - bastante cultivada no País após a mencionada Eco-Rio 92 - com a de desenvolvimento local - recentemente aportada da Europa - , o governo

1 Em 1995, o Consejo Econômico y Social (CES) da então Comunidade Européia, hoje União Européia, entendeu que "El desarrollo local es el proceso reactivador de la economia y dinamizador de la sociedad local, mediante el aprovechamiento eficiente de los recursos endógenos existentes en una determinada zona, capaz de estimular y diversificar su crecimiento econômico, crear empleo y mejorar la calidad de vida de la comunidad local, siendo el resultado de un compromiso por el que se entiende el espado como lugar de solidaridad activa, lo que implica câmbios de actitudes y comportamientos de grupos e indivíduos" (Martin, 1999), em relação ao qual o próprio Martin acresce os seguintes destaques interpretativos: "conjunto de procesos, comunidad definida, el territorio. 'Io local' como espacio pluridimensional, con una identidad social y histórica, un espacio para la convivência y el empleo, un espacio con una comunidad de interés para potenciar el desarrollo".

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federal brasileiro lançou, em julho de 1999, o "Programa Comunidade Ativa", inserido no preexistente e mais abrangente "Programa Comunidade Solidária" de promoção social, presidido pela primeira-dama do País, objetivando o assim chamado "Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável" (DLIS) em municípios mais carentes para tanto adrede triados. Esse programa conta com apoio financeiro da Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura (Unesco) para contratação de agências capacitadoras de recursos humanos e envolve o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), os governos estaduais e as prefeituras municipais (dos municípios triados) em suas implantação e implementação locais.

Embora seja muito cedo para efetivas avaliações de funcionamento e resultados, a concepção de desenvolvimento local, nos prismas tanto da União Européia quanto do DLIS brasileiro, deixa algumas importantes brechas para discussão, como: primeira, o "Comunidade Ativa/DLIS", ora em fase de operacionahzação, ainda se caracteriza como estratégia tipicamente assistencialista ou promocionalista, em relação às comunidades-localidades socioeconomicamente periféricas, sem ser assumida compromissadamente por todo o Estado como autêntica política pública de desenvolvimento (trata-se de programa de assistência emergencial, em face da situação de extrema pobreza em acelerado processo de agravamento, que se encaixa em outro também de configuração assistencial, o "Comunidade Solidária"); segunda, tanto o DLIS quanto a

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concepção européia de desenvolvimento local deixam margem à interpretação de que os vigentes princípios e paradigmas capitalistas de desenvolvimento socioeconômico, pelos quais as comunidades-localidades não tidas como carentes ainda conseguem equilibrar-se, são irretocáveis até pela falta de contraposição de outras alternativas, a exemplo do socialismo histórico já declinado; terceira, ambos visam intencionalmente ao desenvolvimento endógeno das comunidades-localidades, mas principalmente o DLIS não oferece pistas teórico-metodológicas no sentido de que efetivamente ocorra o processo de endogeneização em virtude dos exógenos e parametrizados "pacotes" de estratégias e técnicas de diagnoses, treinamentos de lideranças e implementação de atividades não necessariamente compatíveis com as peculiaridades e potencialidades de cada com un i dade-1 ocal i dade.

Em face dessas e de outras questões, uma equipe do Programa de Desenvolvimento Local da UCDB, coordenada pelo autor deste trabalho, decidiu estudar mais a fundo - do início de 1999 ao final de 2000 - o significado do desenvolvimento local encarado como estratégia inovadora de desenvolvimento, inclusive na condição de contraponto à capitalista, por sinal - e reiterando - a única vigente na atualidade e escancaradamente privilegiante do domínio dos mais desenvolvidos e ricos sobre os menos desenvolvidos ou pobres, em termos de regiões, países e até hemisférios.

Segundo o estudo da equipe, as razões de ser, finalidades e perspectivas processuais do desenvolvimento local convergem para a

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endogeneização3 de capacidades, competências e habilidades no sentido de que cada comunidade-lócalidade se torne paulatinamente apta a se desenvolver de dentro para fora, em conformidade com suas peculiaridades bem como diagnosticando, explicitando e implementando suas potencialidades. Assim se desenvolvendo, qualquer comunidade-localidade aos poucos construirá lastro e conquistará desenvoltura para: de um làdo, tornar-se sujeito e agente de contínuas melhorias em sua própria qualidade de vida, sem as excessivas amarras da dependência externa; de outro, equilibrar-se, em níveis aceitáveis de relacionamentos bi e multilaterais, nos processos de interações horizontais e verticais com outras comunidades locais, regionais, nacionais e internacionais.

Em suma, e de acordo com a mencionada equipe:

(...) o "núcleo conceituai" do desenvolvimento local consiste no efetivo desabrochamento - a partir do rompimento de amarras que prendam as pessoas em seus status quo de vida - das capacidades, competências e habilidades de uma "comunidade definida" (portanto com interesses comuns e situada em (...) espaço territorialmente delimitado, com identidade social e histórica), no sentido de ela mesma - mediante ativa colaboração de agentes externos e internos - incrementar a cultura da solidariedade

3 "O desenvolvimento endógeno não significa, todavia, que as comunidades locais se isolem em relação aos processos exteriores ou de âmbito nacional; pelo contrário, as interações com o meio envolvente tenderão a reforçar-se, no quadro de uma internalização (ou de uma localização) desses processos" (Nóvoa et al., 1992, p. 20).

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em seu meio e se tornar paulatinamente apta a agenciar (discernindo e assumindo dentre rumos alternativos de reorientação do seu presente e de sua evolução para o futuro aqueles que se lhe apresentem mais consentâneos) e gerenciar (diagnosticar, tomar decisões, agir, avaliar, controlar, etc.) o aproveitamento dos potenciais próprios - ou cabedais de potencialidades peculiares à localidade

assim como a "metabolização" comunitária de insumos e investimentos públicos e privados externos, visando à processual busca de soluções para os problemas, necessidades e aspirações, de toda ordem e natureza, que mais direta e cotidianamente lhe dizem respeito (Ávila et al., 2000, p. 68).

Esse núcleo conceituai não emergiu repentinamente e nem por mera casualidade. Resultou de dois anos de estudos da equipe, conforme referido acima, cujo coordenador já vinha se dedicando a essa temática, evidentemente sob outras nomenclaturas, há mais de trinta anos, com livros e artigos publicados. Procurando atender a possíveis interessados em análises mais aprofundadas, concernentes ao conceito acima, as aludidas publicações vêm relacionadas nas referências bibliográficas, já que é nesta ótica conceituai que também se desenrola o presente estudo.

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CAPÍTULO 2

CONHECER: DAS REALIDADES PARA AS RESPECTIVAS ABSTRAÇÕES

2.1 Pelos seis princípios construtivistas de Piaget Os fundamentos teórico-científicos da

doutrina piagetiana já são abundantemente propagados no mundo inteiro e, é claro, também no Brasil. Que educador, relativamente bem atualizado em teorias de aprendizagem, já não leu algo ou ouviu falar sobre o construtivismo cognitivo, enfocado no prisma psicogenético de Jean Piaget, e o construtivismo social, centrado no chamado processo socioistórico, de Lev Vigotsky?

Nesse sentido, além de farta bibliografia disponível nas livrarias e bibliotecas, sobretudo universitárias, muita coisa pode ser consultada até pela Internet. Mas só relembrando noções gerais e comparadas dessas duas categorias de construtivismo,

O trabalho de Piaget destaca que o desenvolvimento cognitivo é um processo social, embora o ponto central de sua argumentação seja que os elementos cognitivos básicos já estão internalizados no indivíduo (Minsky, 1985) e são apenas reestruturados (reforçados, hierarquizados, reordenados, etc.) pela interação do indivíduo com a sociedade (educadores).

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Para Piaget o conhecimento é construído de dentro para fora. O Construtivismo Social de Vigotsky (...) argumenta que o desenvolvimento cognitivo é feito no sentido inverso. Da sociedade para o indivíduo, de fora para dentro (Oliveira, 1997).1

A análise comparativa das duas teorias mostra que ambas se complementam, em termos de melhor equilibração e harmonização entre os dinamismos (ativadores do processo humano de conhecer/aprender) psicogenéticos individuais piagetianos e os socioistóricos vigotskyanos. Mas, para efeito desta matéria, importa ressaltar o núcleo doutrinário piagetiano, aquele pelo qual o desenvolvimento cognitivo da criança se opera, da primeira infância à adolescência, em seis sucessivos estágios periodizados por faixas etárias:

I o) O estágio dos reflexos, ou mecanismos hereditários, assim como também das primeiras tendências instintivas (nutrições) e das primeiras emoções. 2o) O estágio dos primeiros hábitos motores e das primeiras percepções organizadas, como também dos primeiros sentimentos diferenciados. 3o) O estágio da inteligência sensório-motora ou prática (anterior à linguagem), das regulações afetivas elementares e das primeiras fixações exteriores da afetividade. Estes três primeiros estágios constituem o período da lactância (até por volta de um ano e meio a dois anos, isto é, anterior ao desenvolvimento da linguagem e do pensamento). 4 o) O estágio da inteligência intuitiva, dos sentimentos interindividuais espontâneos e das relações sociais de

1 Fonte: http://www.di.ufpe.br/~jhcfc/ciberespaeo/construcionismodistribuido. html, p. 2, acesso em 9/11/01.

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submissão ao adulto (de dois a sete anos, ou segunda parte dá "primeira infância"). 5 o) O estágio das operações intelectuais concretas (começo da lógica) e dos sentimentos morais e sociais de cooperação (de 7 a 11-12 anos). 6 o) O estágio das operações intelectuais abstratas, da formação da personalidade e da inserção afetiva e intelectual na sociedade dos adultos (adolescência) (Piaget, 1969, p. 13).

Numa visão compacta, dos seis princípios acima, a criança se evolui do concreto para o abstrato, bem como do simples para o complexo, em quatro sucessivas etapas, as "sensório-motoras, pré-operacional, operações concretas e operações formais". 2

No que concerne à continuidade de evolução do conhecimento humano após a adolescência,3

prossegue Piaget (1969, p. 14): (...) no adulto, cada um dos estágios passados corresponde a um nível mais ou menos elementar ou elevado da hierarquia das condutas. Mas a cada estágio correspondem também características momentâneas e secundárias, que são modificadas pelo desenvolvimento ulterior, em função da necessidade de melhor organização. Cada estágio constitui então, pelas estruturas que o definem, uma forma particular

2 Fonte: http://www.di.ufpe.br/~jhcf/ciberespaeo/constracionismodistribiiido. html, p. 1, acesso em 9/11/01.

3 Piaget não especifica o limite etário de passagem da adolescência para a fase adulta, mas a Unesco, segundo Mussen (1969, p. 30 et seq.), através de pesquisa realizada em vários países, concluiu que a adolescência se estende, em média, até por volta dos vinte e cinco anos. Ávila (1973, p. 22-32) também trata desse assunto ao se referir à relação entre escola e desenvolvimento biopsíquico.

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do equilíbrio, efetuando-se a evolução mental no sentido de uma equilibração sempre mais completa.

Convém observar, aliás, que a teoria dos seis estágios piagetianos detém irrefutáveis méritos de originalidade pelo fato de constituir resultado demonstrado por mais de quatro décadas de pesquisa aplicada, combinando variáveis de cunho pedagógico, psicológico, matemático e biológico-genético. Mas, como veremos logo a seguir, o princípio lógico básico, ou geral, de que o conhecimento humano se processa da realidade para a teoria, do concreto para o abstrato e do simples para o complexo, em sucessivos ciclos que concatenam e impulsionam a processual progressão do conhecimento de maneira expansivo-evolutiva, remonta à Teoria do Conhecimento no contexto da Filosofia Clássica, há dezenas de séculos ou, mais precisamente, desde a era aristotélica. Em outras palavras, isso significa que pela via da investigação científico-aplicada, Piaget alcançou e detalhou, em termos de evolução por faixa etária, o mesmo arcabouço lógico que a Filosofia Clássica de há muito descobrira, ensinava e ainda ensina pelo viés da lógica racional o que, sem dúvida alguma, era do conhecimento de Piaget.

2.2 Pela teoria do conhecimento da Filosofia Clássica

Quando cursava filosofia (entre 1959 e 1961, portanto há mais de quarenta anos), essa base de

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Teoria do Conhecimento4 tanto me impressionou e abriu horizontes que decidi, desde então, estudar uma maneira de torná-la acessível a educadores e a quantos mais por ela pudessem interessar. Em 1995, tive a oportunidade de publicar a minha versão,5

sintetizada nos próximos três subitens da forma mais facilitada que me foi possível.

2.2.1 Três passos lógicos de cada ciclo da cadeia evolutiva do conhecimento Esses três passos serão melhor entendidos

se focarmos nossa atenção na evolução de uma criança, desde o seu nascimento, quando todo o seu futuro acervo de conhecimento começa a se formar pela simples captura de espectros de imagens através do tato, da audição, da visão, da olfatação e da gustação. Já se sabe até que antes mesmo do nascimento os bebês começam a capturar espectros de imagens ao menos pelo tato e audição.

Pois bem, comecemos a considerar esses passos lógicos desde o ponto zero de partida do

4 Meu primeiro contato com a questão foi através da obra, em latim: Boyer, Carolo (S. J.). Cursusphilosophiae: ad usum seminariorum. Brugis, Belgii: Desclée De Brouwer et Soe., 1949, p. 61-163. Todavia é oportuno lembrar que os bons manuais de filosofia normalmente trabalham essa dinâmica na parte referente à lógica menor ou formal. Jacques Maritain dedicou à questão todo o seu livro, inclusive traduzido para o português: A ordem dos conceitos: Lógica Menor. 3. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1958.

5 Esta matéria se encontra nos Tópicos 3 e 4 (p. 27-76) do livro de Ávila, A pesquisa na vida e na universidade, cuja 2 a edição vem relacionada nas Referências Bibliográficas. O Tópico 3 prepara ambiente para a explanação concentrada no Tópico 4.

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processo de conhecimento da criança, não importando se anterior ou posterior ao seu nascimento. Diante disto, merece observar que, ao romper esse ponto zero, a criança se depara com novos fatos e situações, que detonam também novas partidas para o seu conhecimento, só que nunca mais do ponto zero. Em relação a essas novas situações, qualquer pessoa irá refazer a dinâmica cíclica dos três passos lógicos, sintetizados logo adiante, mas com a vantagem de que tudo o que foi acumulado em sua memória (consciente, subconsciente e inconsciente), desde o ponto zero de sua partida para o conhecimento, lhe subsidiará e facilitará no sentido de que processe com mais rapidez, complexidade e perfeição os sucessivos ciclos de passos lógicos, requeridos para que o seu conhecimento se estenda a essas novas situações.

Em vista disso é que, por um lado, o conhecimento humano se constrói e expande cumulativo-difusivamente, desde o útero materno ou ponto zero até a morte, ou perda das capacidades mentais, e, por outro, o ser humano desenvolve e evolui processos próprios de formulação e manifestação de suas representações reais e imaginárias -poéticas, míticas, rítmicas e outras - de tudo do universo que lhe cerca, fornece condições de vida e incita ou desafia seu interesse, bem como sua curiosidade, ansiedade e inteligência desveladora.

Agora, conversemos sobre a seqüência dos três passos lógicos no âmbito de cada ciclo da cadeia de conhecimento, a começar pelo primeiro, tendo presente sempre que o segundo passo amplia e enriquece o primeiro e que o terceiro faz a mesma

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coisa em relação ao segundo e assim sucessivamente. Nenhum dos passos tem razão de ser por si mesmo, visto que os três formam um conjunto ou ciclo dinâmico, em que da "simples apreensão" (primeiro passo) se evolui para o "juízo " (segundo passo) e deste para o "raciocínio " (terceiro passo), cujas descobertas (interpretivo-argumentativas) impulsionam a abertura de novos ciclos de apreensões, ajuizamentos e raciocínios, ao mesmo tempo alimentando e implementando a dinamização de toda a nossa cadeia de conhecimento.

A dinâmica vivenciada ao longo desses três passos lógicos, já no primeiro ciclo, e as singelas conclusões daí extraídas não deixam de ser os embriões iniciais propriamente ditos para a detonação de toda a cadeia de conhecimento (o que veremos mais adiante na questão referente à espiral progressivo-expansiva).

Agora, sim, percorramos concentradamente cada passo, pela ordem de seqüência, no curso do primeiro ciclo de conhecimento em formação numa criança de saúde física e mental normal filho(a), irmão(ã), sobrinho(a) ou outra que conheçamos desde o nascer:

• IoPasso: a "simples apreensão" Relembremos que ainda no ventre materno

essa criança estava se formando, inclusive seu cérebro, mas já era capaz de tatear e ouvir, talvez não podendo (não vamos polemizar esta questão) degustar, cheirar e ver. Entretanto, a partir do

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nascimento também essas sensações lhe foram possibilitadas.

Sem muito esforço, recordamos que a criança passou os seus primeiros meses de nascimento como se estivesse apenas recebendo ou sugando o seu entorno - ou mundo externo - pelos olhos, boca, ouvido, nariz, mãos e toques de tudo em todas as partes de seu corpo.

A "simples apreensão" se limita, portanto, apenas à exposição ou estampação de propriedades do objeto na mente, captadas pelos sentidos e a ela veiculadas pelas atividades psicossensoriais processadas e comandadas pelo cérebro.

Ilustrando, pensemos nessa operação como a de estampação de um vulto qualquer mim filme situado no fundo do aparelho fotográfico (a mente animada e controlada pelo cérebro): abre-se o diafragma (sentidos aptos a contatarem) e o espectro de alguma propriedade do objeto é captado pela reação dos seus contrastes (forma, cor, som, etc.) em confronto com os sentidos e depositado na película (memória). Mas, o filme ainda não está sendo revelado pela mente: trata-se, pois, de espectro já presente na mente, sem que suas propriedades - desse objeto - tenham sido ainda por ela - mente - identificadas.

• 2oPasso: o "juízo" Após alguns meses, a criança continuou com

o diafragma aberto, mas deu início também a uma outra atividade mental, começando a revelar,

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mesmo que muito lenta e elementarmente, as silhuetas das imagens (reconhecendo a mãe, pelo tom de voz ou pela maneira de pegar) a partir de afirmações e negações, ou juízos positivos e negativos (é/não é) a respeito das propriedades estampadas em sua mente pela "simples apreensão".

No caso do filme, certamente bateríamos todas as fotos (faríamos todas as "simples apreensões") e depois as mandaríamos revelar num laboratório. Na criança, ou em qualquer ser humano normal, o cérebro constitui de per si o laboratório e a própria presença do espectro apreendido, como imagem estranha circulando pelos neurotransmissores cerebrais, já o incita ao esforço de sua progressiva revelação, ou seja, o cérebro procura identificar as propriedades da imagem estampada através de afirmações/negações (é/não é - é/não é - é/não é - ...), até que, digamos, se possam identificar as silhuetas das mesmas por associação ou exclusão entre as afirmações/ negações de fato realizadas.

• 3oPasso: o "raciocínio" Depois de permanecer mais alguns meses

sugando (pela "simples apreensão") e ensaiando a sua arrancada para a identificação (exercitando "juízos" a respeito) das propriedades apreendidas, a criança vai sofisticando gradativamente o seu progresso e de certo modo começa a esboçar análises ("raciocínios" genéricos) sobre essas propriedades, até optando por aquelas que mais lhe

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convenham, embora ainda por razões extremamente sensoriais que mais lhe agradem (cor, som, volume, maciez, etc.), através da operação de relação e confronto entre os diversos é/não é ajuizados ou identificados na operação anterior.

Isso quer dizer que - ampliando, detalhando e aperfeiçoando os "juízos" - a mente prossegue o processo de revelação do conhecimento agora de maneira interpretativo-ürgumentativa. Se no "juízo" a mente consegue formar apenas dois paradigmas de identificação (o dos é e o dos não é), no "raciocínio" acrescenta-se a cada é/não é enorme grau de complexidade e perfeição, pois aí a mente não só afirma ou nega (é/não é - é/não é — é! não é - ...) como também descobre o porquê de cada é/não é e a expressão se evolui de é/não é para isto é isto porque... ou isto não é isto porque..., extrapolando-se para o campo da interpretação argumentativa.

Nessa operação, ou terceiro passo lógico, a mente analisa, avalia e qualifica os "juízos" pronunciados sobre as propriedades apreendidas do objeto, cruzando-os entre si e dando início a novo ciclo internamente dinamizado por "simples apreensão"? "juízo"? "raciocínio".

2.2.2 Espiral progressivo-expansiva do conhecimento

Portanto, cada ciclo - inclusive o primeiro - abre ganchos e fornece insumos para o início do próximo, do segundo a todos os demais da cadeia,

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mas nem sempre de maneira linear, isto é, um ciclo pode abrir ganchos e insumos tanto para desencadear o próximo como para despertar ou subsidiar inúmeros outros de natureza e em escala de tempo diferentes.

As vezes, só na fase adulta a pessoa se sente impulsionada a retomar ganchos de ciclos ocorridos na infância, porque: ou as continuidades ensejadas por esses ganchos não puderam ocorrer devido à falta de condições; ou tais ganchos restam adormecidos na subconsciência ou inconsciência e só mais tarde, não importa quando, são evocados por circunstâncias e motivações de quaisquer tipos, inclusive casuais e traumáticas.

Ademais, importa destacar que duas ordens de fatores funcionam ao mesmo tempo como cenário contextual e ingredientes reatores para a abertura de leques de "juízos" que potencializam "raciocínios" sempre e cada vez mais complexos, variados e aperfeiçoados do ponto de vista lógico-racional. Essas ordens são, por um lado, as motivações e memóriasJnternas de cada indivíduo bem como da espécie vista no seu todo e, de outro, as motivações ejnemórias externas em relação também a cada indivíduo e ao todo da espécie.

As motivações internas são toda sorte de estímulos (instintivos, endócrinos, psicológicos, volitivos propriamente ditos, lógicos, etc.), independentemente se herdados, se acumulados geneticamente ou se esculpidos, lapidados e armazenados pela espécie desde a sua primeira configuração como tal ou pelo ser humano como

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individualidade a partir do ventre materno. E as memórias internas são principalmente a biogenética e aquela situada em nosso complexo sistema neural, que, em suma e segundo a Psicanálise, se gradua, para efeito de evocação pelo cérebro, em memória consciente, memória subconsciente e memória inconsciente.

Já as motivações externas se constituem de todos os estímulos vindos de fora para dentro em relação ao indivíduo e à espécie, enquanto as memórias externas, que constituem os cenários mesológicos de situação espacial e funcional de cada indivíduo e da espécie, se configuram como memórias ambientais, históricas, culturais, organizacionais (maneiras pelas quais os corpos externos se ordenam), relacionais (maneiras pelas quais os corpos externos se relacionam e equilibram), interacionais (maneiras pelas quais os corpos externos se interagem e evoluem modificando-se a si mesmos e uns aos outros), e similares.

É importante enfatizar essas duas ordens de fatores, porque ao se falar descontextualizadamente dos três passos lógicos de cada ciclo do processo de conhecer, como sintetizados anteriormente, pode prevalecer a impressão de que os indivíduos e a espécie humana, no todo, sejam sujeitos unilateralmente privilegiados, restringindo os entes a serem conhecidos, principalmente se não humanos, a meros objetos apaticamente passivos de conhecimento pelos aludidos sujeitos e passando a idéia de que os fatores motivadores e capacitadores do conhecimento só se originariam

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e partiriam unicamente do sujeito humano como senhor absoluto do ato de conhecer. Mas isto não é o que realmente acontece na processual dinâmica de relacionamento interativo entre sujeito e objeto do conhecimento. Se por um lado o sujeito (pelo menos o sujeito humano normal) é biopsiquicamente capaz de engendrar o processo de conhecer, por outro, todo e qualquer objeto, desde o mais recôndito do reino mineral, não apenas se deixa conhecer como também de certo modo desafia o sujeito a conhecê-lo exibindo seus atributos (forma, cor, odor, características físicas, químicas, biológicas e outras manifestações quantitativas e qualitativas), que ao mesmo tempo funcionam como referenciais de atração e garras sensíveis que permitem a acoplagem sensorial entre ambos, objeto e sujeito. Por essa acoplagem, o sujeito começa a sugar intelectivamente as propriedades do objeto, em processo que se orienta sempre na direção das propriedades mais concretas e simples para as cada vez mais abstratas e complexas.

Isso quer dizer que, a cadeia progressivo-expansiva de ciclos continuará implementando-se ao logo de toda a vida pensante desta pessoa, agora no estágio de criança, em relação ao mesmo e a outros objetos de conhecimento, até sua morte ou interrupção de suas condições mentais. Só que, na cadeia de ciclos que se sucedem, cada um se torna mais complexo, mais rápido, mais rico e mais significativo do que o(s) anterior(es), evidentemente porque aproveita de tudo o que foi extraído6 do(s) que o precedeu(ram). E mais, isso quer dizer que o processo do conhecimento se

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orienta no sentido do apreender ao aprender, ou seja, da apreensão ao entendimento do mundo, não importa sob que ângulo ou aspecto, do útero materno à aniquilação das faculdades mentais.

Portanto, as representações que as pessoas elaboram de tudo o que há no universo - isoladas ou agregadas em grupos, instituições, sociedades, povos e espécie humana - passaram e passam por essa dinâmica processual cíclica, porque é por ela que cada ser humano se relacionou/relaciona, apreendeu/apreende, aprendeu/aprende, socializou/socializa qualquer representação significante ao longo das histórias individuais e da humanidade, desde o surgimento do primeiro exemplar da espécie até o último que vier a encerrar a sua multimilenar trajetória dinâmico-cognitiva, aí incluído o vasto e rico domínio da criação imaginária, seja ela de cunho poético, mítico, rítmico e artístico de toda ordem.

6 O verbo extrair tem conotação etimológica muito semelhante, mas não igual, ã de abstrair, tratada em nota de rodapé logo na Introdução. Semelhança: forma-se da composição dos termos latinos ex + trahere, na qual trahere mantém os mesmos significados indicados na referida nota (arrastar, puxar, carregar, trazer, atrair, absorver, sorver, levar consigo, etc.) e ex ou e - por questão de fonética - também como prefixo preposicional (e também "prevérbio", a exemplo de ex + alar ou e + vocar) de origem, procedência ou ponto de partida (de algum lugar ou ambiente). Diferenças: primeira, ex ou e "indica ponto de partida (sent. local): 1) Do interior de, de (com idéia de movimento de dentro para fora)" (Faria, 1956, p. 346) enquanto a, ab ou abs se refere a "1) Ponto de partida (da vizinhança de um lugar, e não do interior do mesmo), podendo ou não ter idéia de movimento" (p. 13); segunda, extrair é verbo empregado mais comumente -porém não exclusivamente - em dinâmica processual no âmbito dos fenômenos físicos e abstrair no dos fenômenos mentais ou psíquicos.

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2.2.3 Tentativas de reconstituição da espiral do conhecimento

Em vista do acima exposto, torna-se relativamente fácil tentar reconstituir, mental e virtualmente, a espiral progressivo-expansiva da cadeia do conhecimento, das duas maneiras que se seguem.

Na primeira maneira de reconstituição da espiral, os três passos lógicos são os pontos cardeais no horizonte de cada ciclo ou elo da perspectiva ascendente da espiral, assim posicionados: de simples apreensões—>juízos—> raciocínios do ciclo inicial (portanto menos complexos e abstratos) para simples apreensões—> juízos—» raciocínios dos ciclos ou elos posteriores, sucessivamente sempre mais complexos e abstratos (os ciclos anteriores preparam, sustentam e subsidiam os ciclos posteriores), ou, como resume Ávila (2000, p. 63):

(...) Io ciclo: das primeiras e simples apreensões (obtidas através dos sentidos) passa-se ao ajuizamento (afirmações ou negações a respeito das propriedades apreendidas) e (imediatamente) se decola para o raciocínio argumentativo (sobre cada propriedade, bem como sobre os produtos delas resultantes, pelo processo análise-síntese). (...) 2° ciclo (cuja sistemática se aplica dinamicamente, sempre no sentido do menos para o mais complexo ou significativo, a todos os ciclos que se sucederem na seqüência): os resultados ou produtos do raciocínio argumentativo do I o ciclo detonam a geração de novas apreensões (através dos sentidos ou pelo processo lógico de análise-síntese ou pela interação de ambos), que passam por ajuizamentos (mais complexos que os anteriores), que

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decolam para raciocínios argumentativos (mais amplos, profundos e sofisticados); e assim por diante.

Portanto, a dinâmica trajetória do conhecimento parte de um ponto zero ou primeiras simples apreensões (em que pela primeira vez determinadas propriedades de objetos ou fenômenos são captadas, via sentidos, e estampadas na mente), evolui-se para juízos (a mente afirma ou nega algo em relação às propriedades apreendidas/ estampadas) e passa para raciocínios, ou seja, comparando, cruzando, associando, excluindo, etc., afirmações e negações formuladas nos juízos ou cotejando-as com outras evocadas das memórias (vimos atrás que há vários tipos de memórias), a mente analisa as propriedades em questão e produz argumentações, conclusões, hipóteses e inferências sobre elas.

Assim, o primeiro ciclo se assemelha à primeira volta completa de uma espiral estreita na base, mas ampliando-se à medida que cada ciclo ou elo posterior se desponta, sem, todavia, interromper a sua perspectiva de continuidade, visto que: primeiro, cada ciclo anterior é base e gera insumos para a dinâmica do ciclo posterior; segundo, cada ciclo posterior se torna sempre mais amplo e aperfeiçoado que o seu antecessor.

É necessário observar, no entanto, que esses ciclos em processo crescente e difusivamente espiralado não se dinamizam tão mecânica e apressadamente como alguém possa pensar. A criança, que parte da estaca zero, como se referiu atrás, passa um bom tempo simplesmente

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apreendendo (por sensoriação e sucção do) seu contexto de mundo, começando em seguida a exercitar-se (também por significativo período de vida) em ajuizamentos sobre o que apreendeu e continua apreendendo para, a partir de então, iniciar-se nos primeiros passos do raciocínio cognitivo propriamente dito: aqui está o estreito elo entre a base lógica da teoria do conhecimento, no âmbito da Filosofia Clássica, e os seis estágios Piaget, abordados no início deste capítulo.

Depois que se completa o primeiro ciclo da espiral, aí sim, os demais assim como o próprio processo espiralado no seu todo tendem a dinâmicas nunca simultâneas mas, se em estado de normalidade biopsíquica, progressivamente cada vez mais rápidas, harmônicas, amplas e aperfeiçoadas, dependendo sempre de três fatores: fluxo de entrada de informações na mente, freqüência e ritmo de exercitações em termos de ajuizamentos e raciocínios sobre essas informações e crescente formação de estoques de memórias das mesmas, isto é, tanto das já raciocinadas quanto das apenas ajuizadas ou tão-somente apreendidas.

E a segunda maneira de reconstituição da espiral progressivo-expansiva do conhecimento consiste na tentativa de concatenação fenomenológica dos componentes referenciais do próprio processo de conhecer. A progressão desses componentes se evolui, no âmbito de cada ciclo e no da transição de um ciclo para outro, das situações mais concretamente sensoriais e simples para as cada vez mais especulativas e complexas. Por este prisma - e sempre no âmbito de cada ciclo -,

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a mente, ao contatar pelos sentidos (ou sensoriar) as concretudes (isto é, quaisquer objetos, fenômenos ou idéias em condições de serem captados pelos sentidos), abstrai-lhes (saca, tira, extrai delas) propriedades (maneiras de se apresentar e de ser, como formato, tamanho, cor, composição, correlação de componentes, espessura, densidade, etc.) de fora para dentro, do simples para o complexo, do geral para o particular, do todo para as respectivas partes e das partes para os componentes em que elas se desdobram, etc.), que são elaboradas como teorias (ilações ou conclusões lógicas), as quais tendem a se projetar em termos de aplicabilidades práticas (em sentido abrangente ou específico de buscar novos conhecimentos sobre as concretudes visadas pela cadeia de conhecimento em evolução ou de interferir de algum modo em suas maneiras de ser, organizar, funcionar ou apresentar), gerando novos ciclos ou elos sempre com níveis de complexidade e especulação (análise reflexivo-argumentativa) cada vez mais amplos, elevados e aprimorados.

2.2.4 Progressiva emancipação físico-sensorial Em suma, pela ativação processual da cadeia

de ciclos, cada um deles evoluindo das (—» para as) concretudes—> abstrações—> teorias—> práticas, também se conquistam e exploram patamares espiralmente progressivos - inclusive no que concerne a quantidades e qualidades - sempre mais amplos, complexos, profundos, diversificados,

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aprimorados, etc., de simples apreensões—> juízos—> raciocínios—> novas simples apreensões—> ... ... no âmbito de nossa natural maneira de conhecer.

Partir-se, pois, de realidades para as respectivas representações abstratas ou teorias semiotizadas (fórmulas e outras formas de sistematizar métodos e conclusões técnico-científicas através de sinais, símbolos e convenções específicas, como visto na Introdução) é a maneira moldada pela própria natureza de o ser humano exercitar e desenvolver processualmente suas capacidades e habilidades de aprendizagem/ conhecimento, interagindo suas potencialidades individuais de captar (por sensoriação), processar (ajuizar, cruzar, associar, analisar, argumentar, etc.) e armazenar (memorizar e estocar) informações com os modos de ser, agir, relacionar e influenciar dos fenômenos sociais, físicos e ambientais do seu raio de vivência ou do alcance direto e indireto de seus sentidos. E isto ocorre sempre no estratégico curso direcional daquelas duas lógicas intercomplementares: do (mais —> menos) concreto para o (menos mais) abstrato e do (mais —> menos) simples para o (menos —>mais) complexo.

Metaforicamente, como visto anteriormente, por essas lógicas as dimensões dos contatos físico-sensoriais funcionam como "pistas de decolagem" nas quais cada ser humano encontra as condições essenciais para preparar e alçar o seu próprio vôo de aprendizagem/conhecimento. E lugar adequado para "abastecer", "taxiar" e "tomar impulso", desde que com vistas à "decolagem" do concreto para o abstrato e do simples para o complexo. Todavia,

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aos poucos os contatos físico-sensoriais vão se espaçando cada vez mais (através de novas e mais sofisticadas "pistas de reabastecimento"), em razão também dos progressivos aumentos das autonomias de vôo, mas permanecendo sempre estreitos os vínculos das relações entre os próprios vôos e os referenciais das realidades, a exemplo dos contínuos contatos com torres de comando na área da aviação, compreendidos em suas sucessivas trajetórias evolutivo-expansivas de autoconstrução do conhecimento. Aí, sim, quanto mais abstração e complexidade o educando ou qualquer ser humano conseguir tanto mais rico, aprofundado, diferenciado e emancipado será seu processo de aprendizagem/conhecimento.

É nesse contexto que se destaca o papel do professor, o de ajudar cada aluno a se tornar capaz de decolar e pilotar o seu processo de aprendizagem/ conhecimento a partir das "pistas" abertas pelos contatos físico-sensoriais das realidades que lhe são disponíveis. Limitar-se-á, no início e com o apoio direto do professor, a ensaiar tímidas, porém iteradas decolagens e aterrissagens mais descritivo-fenomenológicas que semióticas de aprendizagem descritiva. Entretanto, se a dinâmica metodológica for projetada e operacionalizada adequadamente, não demorará muito para que o aluno sinta a falta das correspondentes representações semióticas abstratas (fórmulas ou outras convenções lógicas específicas), começando, agora de fato, a assumir e comandar o seu próprio processo de aprendizagem por graus e intensidade de conhecimento sempre mais elevados e aperfeiçoados.

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Daí em diante, o professor continuará sempre necessário, mas limitado à consciente, efetiva e afetiva condição de "co-piloto"7 até o crepúsculo das rotas de aprendizagem do aluno que, evidentemente, se situem nos raios psicopedagógicos e técnico-científicos de sua responsabilidade e especialização.

"Até agora a formação para o magistério esteve dominada, sobretudo, pelos conhecimentos disciplinares, conhecimentos esses produzidos geralmente numa redoma de vidro, sem nenhuma conexão com a ação profissional, devendo, em seguida, serem aplicados na prática por meio de estágios ou de outras atividades do gênero. Essa visão disciplinar e aplicacionista da formação profissional não tem mais sentido hoje em dia, não somente no campo do ensino, mas também nos outros setores profissionais" (Tardif, 2002, p. 23).

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CAPÍTULO 3

D A INTERAMBIENTALIDADE À INTERDISCIPLINARIDADE

Observa-se, preliminarmente, que a finalidade primordial deste capítulo é a de orientar a discussão para o enfoque lógico de que a interdisciplinaridade, tal como tem sido proclamada e concebida no Brasil a partir das últimas quatro décadas, restará sempre na condição de mero artifício curricular, no horizonte da educação escolar, se não emergir de contínua ambiência interativa, ou interambientalidade, profundamente impregnada tanto na comunidade de cada escola quanto na relação desta com a concretude dos fenômenos da realidade em que a mesma se insere e contextua.

Desde novembro de 1973, quando me integrei à equipe técnica do Centro de Seleção, Treinamento e Aperfeiçoamento de Pessoal do Paraná (Cetepar), vinculado à Secretaria Estadual de Educação do Paraná, a questão evocada pelo título, acima, sempre esteve intensamente presente em minhas preocupações. Aliás, até mesmo neste momento, em 2002, se me apresenta mais no prisma das preocupações lógicas que de respostas acabadas. À época, a interdisciplinaridade surgia como alvissareira novidade, porém, ainda não explicitada e muito menos

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digerida nos debates educacionais brasileiros, dado que seu estudo sistemático só começou a tomar corpo, em termos de Brasil, de 1976 em diante.1

Mesmo assim, de certo modo a ela me referia por meio da expressão fechamento de circuito de aprendizagem, naturalmente concitando os professores a romperem as redomas do isolamento entre eles próprios para se constituírem realmente corpo docente em cada escola, à maneira de vasos com bases interativamente comunicantes, nos âmbitos da escola como um todo e de cada turma ou sala de aula especificamente. Isto quer dizer que esses professores tanto poderiam como podem sempre se organizar no sentido de sistematizarem e comunicarem entre si as lógicas e noções teóricas fundamentais de suas áreas de especialização, em permanente rodízio de produção

1 "O eco das discussões sobre interdisciplinaridade chega ao Brasil ao final da década de 60 com sérias distorções, próprias daqueles que se aventuram ao novo sem reflexão, ao modismo sem medir as conseqüências do mesmo. Dois aspectos são fundamentais a serem considerados: o primeiro é o modismo que o vocabulário desencadeou. (...) Impensadamente tornou-se a semente e o produto das reformas educacionais empreendidas entre 1968 e 1971 (nos três graus de ensino). O segundo aspecto é o avanço que a reflexão sobre interdisciplinaridade passou a ter a partir dos estudos desenvolvidos na década de 70 por brasileiros (referimo-nos ao de Hilton Japiassu que em 1976 publicou o livro Interdisciplinaridade e patologia do saber, aos trabalhos que procurei desenvolver a partir da dissertação de mestrado, iniciada em 1976 e concluída em 1978 e aos de outros estudiosos brasileiros que a esses estudos vêm se dedicando)" (Fazenda, 1999, p. 23-24). Em outros termos, Lück (1998, p. 86) assim se expressa: "A idéia de superação da fragmentação do ensino não é nova, afirmam os professores. A concepção do currículo, proposta no final do século passado, já indicava uma preocupação com a fragmentação (...). A Lei n° 5.692/71, que propunha a integração vertical e horizontal das discipünas, procurou orientar a superação dessa fragmentação. Igualmente, o método de projetos que foi muito popular em certa época. Esses aspectos correspondem, no entanto, a estágio elementar e inicial do processo".

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e socialização de saberes e autoformação institucional, o que contribuiria de maneira muito expressiva para se fechar o circuito do exercício da aprendizagem., possibilitando que cada aluno formule sua própria unidade de conhecimento,2 evidentemente no nível da "formação comum" da educação básica, em toda a escola, ou seja, nas relações professor/professor, professor/currículo/realidade e professor /aluno/ currículo/realidade tanto dentro- quanto fora da sala de aula.

Pragmaticamente falando, não se trata de rodízio em que um professor ou uma equipe de professores "empanturre" os demais colegas e apropria escola com suas teorias e fórmulas. Bem ao contrário, o professor ou a equipe de professores de cada área ou domínio de conhecimento pode: a) começar o seu trabalho pelo levantamento das respectivas características e potencialidades bem como usos e costumes da comunidade-localidade em que a escola se situa, referentes, por exemplo, a questões lingüísticas e a outros fenômenos da vida e do meio; b) conferir, a esse trabalho, tratamento analítico fundamentado mas acessível à compreensão de qualquer cidadão pressupostamente bem alfabetizado; c) documentá-lo em texto escrito; d) passá-lo e discuti-lo com seus

- Tentando elucidar o trinômio "relacionamento, ordenação e seqüência" disposto no Art. 5 o da Lei n° 5.692/71, de acordo com a explicação do Parecer n° 853/71 do Conselho Federal de Educação: "A elaboração do currículo pleno não se conclui com a conversão das matérias em atividades, área de estudo ou disciplinas. Estas categorias curriculares não são entidades estanques. Conquanto relacionadas sob rubricas distintas, num inevitável artifício cartesiano, devem convergir para uma reconstrução, no aluno, da substancial unidade do conhecimento humano".

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colegas em espaços curriculares e extracurriculares; e) colocá-lo à disposição ou até debatê-lo, também em espaços curriculares e extracurriculares, com grupos interessados de alunos, pais, associações, demais funcionários da escola e não importa que outros; f) conferir tratamentos aprofundados e especializados aos alunos nos momentos curriculares aprazados.

Aos poucos, esse processo - se de fato institucionalizado - provocará verdadeira reação em cadeia no que respeita ao envolvimento de toda a comunidade escolar no exercício do constante ir-e-vir entre os itens curriculares teóricos e as dimensões fenomenológicas da realidade pessoal, comunitária e ambiental a que se referem, bem como no de sistematização, produção e disseminação de conhecimento.

Em que pese a propriedade conceituai de disciplinaridade, hoje já historicamente incorporada por estudiosos da educação escolar e até ocupando privilegiado destaque nas "Diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena" 3 para o contexto do ensino,

3 As "Diretrizes" destacam, no título do item II - 2.2.3, "Competências referentes ao domínio dos conteúdos a serem socializados, de seus significados em diferentes contextos e de sua articulação interdisciplinar", assim como fazem as "Diretrizes para a organização da matriz curricular" (item II - 3) gravitarem em torno de seis "eixos" articuladores, o que de per si já focaliza a integração como pano de fundo de toda a "matriz curricular", mas explicitando e conferindo ao "eixo" posicionado em terceiro lugar a estratégica função de "Eixo articulador entre disciplinaridade e interdisciplinaridade", conforme item II - 3.3 e artigo 11 do Projeto de Resolução do MEC/CNE - Parecer n° CNE/CP 009/2001.

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constitui-se proposta ainda muito difícil de se concretizar, e até de se compreender no patamar da aplicabilidade, justo porque se refere mais à etapa operacional das disciplinas curriculares4 do que à performance de geração e configuração do próprio currículo em construção permanente.5

Neste sentido, a interambientalidade ou dinâmica de sistêmica interação e familiarização da escola (dirigentes + professores + alunos + outros servidores + famílias e elementos da comunidade que se articulam com a escola) envolvendo-se nas correlações entre fenômenos da realidade em que a escola se situa e respectivos conteúdos de explicação e representação científica, à maneira de vasos com bases interativamente comunicantes (como referido

4 Sem nenhuma atitude discriminatória em relação a outras formas conceituais - como as de Japiassu (1976) referindo-se ao contexto de fragmentação das ciências especializadas, de Fazenda (1999) e de Pombo Guimarães e Levy (1994), estas duas diretamente concernentes à educação escolar, a conceituação de Lück (1994, p. 64) parece muito bem engendrada: "Interdisciplinaridade é o processo que envolve a integração e engajamento de educadores, num trabalho conjunto, de interação das disciplinas do currículo escolar entre si e com a realidade, de modo a superar a fragmentação do ensino, objetivando a formação integral dos alunos, a fim de que possam exercer criticamente a cidadania, mediante uma visão global de mundo e serem capazes de enfrentar os problemas complexos, amplos e globais da realidade atual".

5 "Não se poderia falar aqui em Currículo como um instrumento preestabelecido em decorrência de objetivos, métodos, conteúdos, avaliações etc. Currículo é a própria vida do indivíduo numa situação de mundo - mundo da educação, lugar onde estão localizadas a escola, a comunidade, a natureza, as coisas dentro da natureza mesma. Tudo isso dentro de sua concepção de consciência de... e da atribuição de significados por essa consciência. Constitui-se na produção de conhecimento a partir do experienciado, isto é, do mundo vivido pelo sujeito, considerado como um ser transformador" (Martins, 1992, p. 88). Por outra, Demo (1996) enfatiza que o professor que não pesquisa não tem o que ensinar e que pesquisa é diálogo inteligente com a realidade.

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atrás), constitui o fluxo inicial que impulsiona o processo curricular a se desembocar na interdisciplinaridade propriamente dita. Sem essa interambientalidade, a interdisciplinaridade restará configurando-se como utopia curricular teórico-artificial, muito parecida com a veleidade de quem queira construir uma bela casa sem considerar se o solo a se edificar, o clima institucional, a mentalidade dos agentes e beneficiários, bem como os recursos materiais e a mão-de-obra estejam preparados ou se preparando para esse tipo de construção: não é à toa que excelentes idéias arquitetônicas, mesmo discutidas e apreciadas em importantes congressos, de fato nunca transpõem os arquivos dos respectivos projetos.

Em termos mais aplicáveis, esse dimensionamento lógico, o de progressão da interambientalidade para a interdisciplinaridade, implica investimentos em aculturação científica dentro da escola, isto é, nos âmbitos da escola toda e de toda a vida escolar do aluno, da educação infantil à superior (no que couber), como também fora da escola.6

Quanto à aculturação científica em toda a escola, a experiência tem mostrado que o segmento

6 "Muitos estudos têm-se concentrado na questão da abertura e do enraizamento da escola na comunidade, como uma imposição de novos tempos. Advertem que a escola tem que passar a ser mais mobilizadora e organizadora de um processo cujo movimento deve envolver os pais e a comunidade. É também necessário integrar os diversos espaços educacionais que existem na sociedade, ajudando a criar um ambiente científico e cultural, que amplie o horizonte de referência do exercício da cidadania. Além disso, há de se discutir e superar o isolamento das escolas entre si." (Conselho Nacional de Educação - CNE, 2001, item 1-3.1.3).

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docente normalmente se configura como verdadeiro "arquipélago científico", aglutinando "ilhotas" de "experts" ou até de "quebra-galhos" em Química, Física, Biologia, Geografia, História, Língua Portuguesa, Língua Inglesa, etc. São "ilhotas" hermeticamente fechadas,7 mas institucionalmente piramidalizadas, por hierarquia de discriminação: primeiramente em dois grandes blocos, o das "exatas" - de maior status - e o das "humanas", dado o substrato positivista de nossa educação a partir da Primeira República (Ávila, 2002); em seguida, e um pouco mais sutilmente, no seio de cada bloco.

A título de exemplo, é muito comum ouvir até em sala de aula professor de Língua Portuguesa dizer que "o meu negócio é Português (...) não sei nada de Química, Matemática, Física e Biologia!" e, ao contrário, professor - brasileiro - de Química, Matemática, Física ou Biologia afirmar com "orgulho" que "o meu forte é (...), não entendo nada de Português!" Mas, o curioso é que ambos por vezes saem por aí falando em cidadania ou educação cidadã, aliás erigida como uma das principais finalidades da educação básica. O fato de a finalidade mais abrangente de toda a educação

1 "Há ainda a necessidade de se discutir a formação de professores para algumas áreas de conhecimento desenvolvidas no ensino fundamental, como Ciências Naturais ou Artes, que pressupõem uma abordagem equilibrada e articulada de diferentes disciplinas (Biologia, Física, Química, Astronomia, Geologia, etc., no caso de Ciências Naturais) e diferentes linguagens (da Música, da Dança, das Artes Visuais, do Teatro, no caso de Arte), que, atualmente, são ministradas por professores preparados para ensinar apenas uma dessas disciplinas ou linguagens." (CNE, 2001, item 1-3.2.9).

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básica consistir em assegurar ao educando "a formação comum indispensável para o exercício da cidadania",8 quer dizer que Língua Portuguesa (como também estrangeira eleita para o currículo), Matemática, Química, Física, Biologia e todos os demais componentes curriculares assim como a atuação de todos os educadores escolares, mormente professores, são considerados fundamentais para essa finalidade, devendo se interagir e convergir para que os alunos se tornem realmente capazes de exercer a cidadania. Mas, será que esses conhecimentos, mesmo que apenas nocionais ou no nível da mencionada "formação comum", são necessários apenas para a cidadania dos alunos e não dos professores, muitos inclusive formados em grau superior, independentemente das áreas de conhecimento em que atuem? Se os próprios professores não sentem a necessidade de outros conhecimentos curriculares, que não os dos respectivos domínios profissionais, para o exercício de suas cidadanias, a conclusão lógica mais plausível talvez seja a de que tais conteúdos tenham sido e continuem sendo configurados e dinamizados nos currículos escolares de educação básica como básicos apenas para exames vestibulares, ou algo parecido, mas nada tendo a ver com o exercício de cidadania.

No que respeita a implicações em toda a vida escolar do aluno, por que já na educação infantil

8 Artigo 22 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996.

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as crianças não começam a observar e até a "brincar" com as lógicas primárias inclusive da Química, da Física e da Biologia, por exemplo, a partir dos universos de vivência ou ao alcance delas mesmas? Sequer me refiro a Ciências da Computação em virtude de que as crianças que em casa começaram a conviver desde cedo com computadores não só têm superado os adultos adestrados por eventuais e tardias disciplinas curriculares ou "cursinhos", calcados em decifração de manuais, como também já vêm ocupando o correspondente mercado docente e empresarial, mundo afora, e mesmo subsidiando o interesse por Matemática e Física, em razão de suas aplicabilidades justo na área computacional.

Em suma, não há razão convincente para se querer que os alunos se interessem, ou sejam atraídos por Matemática, Química, Física, Biologia, Geografia, História, etc., se as mesmas continuarem, como de praxe, apenas cunicularmente encapsuladas em superdoses alopáticas e ministradas quase "goela abaixo" só no finalzinho do ensino fundamental ou durante o ensino médio, visando principalmente a boas notas de provas e sucesso em vestibular. Por isso, não fica tão difícil entender fundamentalmente por que a esmagadora maioria das crianças paradoxal e simultaneamente se interessa/desinteressa pela escola; aos poucos, e, coincidentemente, com a evolução da infância para a adolescência, vai se configurando e acentuando a mórbida satisfação pelas "matanças" de aulas, assim como pelas "bagunças" em sala e "infernização" dos professores, agora esvaziados de seus mecanismos de repressão tanto física quanto psicológica; os próprios pais que mais

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precisam da realidade concreta para a sobrevivência no meio rural e nas periferias urbanas continuam tirando seus filhos da escola, a fim de que os ajudem no sustento da família, mesmo sabendo que isso acaba gerando mais prejuízos que benefícios até em termos de curto prazo.

Da mesma forma, os alunos se interessariam muito mais por outros tipos de ciências ou de áreas científicas se começassenl, desde seu ingresso na escola, a se aproximar delas mediante os respectivos objetos, fatos e fenômenos compreendidos em seus raios de vivência. As próprias ciências seguem essa lógica vencendo progressivamente os elos das cadeias do conhecimento por sucessivas passagens das situações mais concretas, simples e imediatas, para constantemente crescentes estágios de abstração, complexidade e abrangência.

Por investimento em aculturação científica fora da escola entende-se a criação de meios e condições para a popularização de lógicas e noções das ciências envolvidas nos currículos escolares também junto às Associações de Pais e Mestres, ou similares, aos círculos familiares e comunitários dos alunos e à população em geral.

Por que não aproveitar o espaço escolar para a realização de eventos ou ciclos de informações e discussões sobre a relação que existe entre os fenômenos vivenciados cotidianamente e os conteúdos científicos escolares? Por um lado, todas as reuniões com pais e outros membros comunitários deixariam de ser tão maçantes e pouco freqüentadas, pois normalmente se ocupam de informações disciplinares negativas, justamente

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aquelas que os familiares sempre gostariam de evitar. Por outro, todos se preparariam um pouco mais, tanto para ajudar os alunos a se motivarem e dedicarem ao estudo, sobretudo no caso dos pais em relação aos filhos, quanto para cuidar melhor da própria saúde, alimentação, tomada de iniciativa, e assim por diante.

Realçando apenas um exemplo da falta que fazem pelo menos noções de como fenômenos e fatos da natureza são explicados cientificamente, a grande maioria das pessoas bem escolarizadas -até em nível de doutorado - , com as quais venho convivendo ao longo de décadas, sequer tem noção de como se "formam" e "caem" os raios lá nas montanhas, nas árvores dos quintais, nas cumeeiras de suas próprias casas ou, simplesmente, "riscam/ faíscam" firmamento afora. Eu mesmo vim a entender melhor essa questão mais por documentário de televisão, casualmente focado, que pela privilegiada situação de meus longos anos de escolaridade. Então, só os vocacionados pela Física devem entender de raios? Afinal, os raios podem se "formar" lá no mundo das nuvens, mas "cair" por acolá ou aqui mesmo e na propriedade, no gado, no pára-raios e na cabeça de qualquer um, físico ou não.

No que concerne a raios, energia solar, temperatura, dilatação e outros fenômenos de vivência comum da área da Física (assim como da Geografia, da Biologia, da História, da Química, etc.), o Físico (da mesma forma que o geógrafo, o biólogo, o historiador, o químico, etc.) é o especialista daquilo a respeito do qual todas as

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pessoas, pelo menos as escolarizadas, deveriam adquirir as respectivas noções básicas já a começar da educação infantil, dentro e fora da escola, assim como na condição de alunos, pais ou membros da comunidade da qual cada escola é parte integrante.

Por esse processo interativo entre vivências fenomenológicas e concernentes representações científicas, reenfatizando dentro e fora da escola assim como a partir da educação infantil, gera-se a interambientalidade da qual emanam as condições essenciais de ambiência e interligação energética para a configuração, ativação e produtividade da interdisciplinaridade. Reiterando a lógica dominante em todo o curso deste capítulo, sem a interambientalidade ou ambiência de configuração contextual e infra-estrutural de permanente construção do currículo, o enfoque direto na interdisciplinaridade restará sempre modismo estéril em qualquer dinâmica curricular.

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CAPÍTULO 4

FENÔMENOS LOCAIS E ABSTRAÇÕES CURRICULARES1

De longa data, muito se fala e discute sobre a falta de qualidade e eficiência ou produtividade do ensino escolar brasileiro. Entretanto, mais se discute a respeito dela, enquanto fenômeno negativo, do que em ativar iniciativas para de fato resolvê-la. Ou melhor, até há preocupação nesse sentido, mas limitada à cata de soluções vindas prontas de fora do contexto em que a escola se insere, sobretudo endossadas ou teorizadas por autores nacionais e, de preferência, internacionais, com aceitação consagrada pela intelectualidade educacional do País.

Nada há ou haverá contra a busca por subsídios, e não "substitutivos", teórico-metodológicos externos ao contexto típico de cada escola, desde que: primeiro, comecemos de fato a acreditar em nossa própria capacidade de solução; e, segundo, nos disponhamos a alavancar a

Este capítulo é dedicado principalmente ao período da educação escolar que vai da educação infantil às quatro séries iniciais do ensino fundamental.

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qualidade e produtividade de nosso processo de ensino escolar a partir dos recursos e potencialidades abundantemente existentes nas realidades-localidades em que as instituições escolares se inserem, começando pelos recursos e lógicas que a própria natureza nos oferece à mancheia. E é exatamente sobre essa questão que ensaio tratar de modo mais direto nas páginas deste e dos próximos capítulos, sempre com' a maior simplicidade descritivo-analítica possível.

Em 1968, coordenava uma reunião de professores rurais do município de Alfenas, no sul de Minas Gerais, e a temática em discussão já era a de como melhorar o ensino escolar no meio rural. Ouvidos todos os que quiseram se manifestar, a falta de material didático adequado tornou-se o ponto de consenso mais apontado como responsável pelo baixo nível do ensino rural. Interrogados sobre a razão pela qual não criavam o próprio material didático, alegaram não disporem, lá na roça, de revistas, jornais e outros recursos elucidativos, como os acessíveis às escolas da cidade, para montarem os flanelógrafos, álbuns seriados e similares, em plena evidência à época.

Aliás, e apesar de a repressão da ditadura militar estar chegando ao seu auge justo em 1968, reflexos de teorias educacionais inovadoras implementadas no nordeste brasileiro continuavam a exercer algum tipo de influência também no centro-sul do País, principalmente o método ativo, dialogai e participante de alfabetização de Paulo Freire muito bem-sucedido no Rio Grande do Norte, em Pernambuco e no Rio de Janeiro desde o início

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dos anos 60, assim como o Movimento de Educação de Base (MEB) criado em 1961 pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), de pronto expandido, principalmente via rádio por todo o Nordeste. A implementação do método de alfabetização de Paulo Freire ganhou amplos espaços nos Movimentos de Cultura Popular (MCP), já atuantes no município de Recife em 1960, valendo-se de duas estratégias básicas: "os círculos de cultura e os centros de cultura, nos quais eram organizados grupos de debates para o aclaramento de situações problemáticas, com ajuda visual" (Paiva, 1983, p. 252). Isso, segundo o próprio Paulo Freire (1999, p. 61), em virtude de que:

(...) nas sociedades alienadas, condição de onde partíamos e de que saíamos, as gerações oscilam entre o otimismo ingênuo e a desesperança. Incapazes de projetos autônomos de vida, buscam nos transplantes inadequados a solução para os problemas do seu contexto. São assim utopicamente idealistas, para depois se fazerem pessimistas e desesperançosas. O fracasso de seus empréstimos, que está na sua inorganicidade, confunde suas elites e as conserva numa posição ingênua diante dos seus problemas. A sua grande preocupação não é, em verdade, ver criticamente o seu contexto. Integrar-se com ele e nele. Daí se superporem a ele com receitas tomadas de empréstimo. E como são receitas transplantadas que não nascem da análise crítica do próprio contexto, resultam inoperantes. Não frutificam. Deformam-se na retificação que lhes faz a realidade. De tanto insistirem essas sociedades nas soluções transplantadas, sem a devida "redução" que as adequaria às condições do meio, terminam as suas gerações mais velhas por se entregarem ao desânimo e a atitudes de inferioridade.

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Por outra, as idéias da obra Análisis fenomenológico de la educación, do argentino Gustavo F. G. Cirigliano, vinda a público na Argentina em 1962, já exerciam significativa influência nos meios acadêmico-educacionais brasileiros, tanto é que foi traduzida e publicada, sob a orientação de Osmar Fávero e Maria de Lourdes Fávero, pela Editora Vozes em 1969.

Ao apresentá-la, na mencionada edição brasileira, Cirigliano (1969, p. 5-6) acentuou:

Nesta obra preferimos suscitar nos educadores a confiança de que, dispondo de um método para focalizar a educação como fenômeno, têm a possibilidade de corrigir esse hiato entre teoria e realidade concreta. O método (ao tornar possível uma estrutura básica do fenômeno educação) lhes permitiria elaborar com os seus próprios meios uma teoria a seguir, suficientemente sólida para guiar a prática que realizam ou a nova prática que irão experimentar. Procura-se pois induzir os educadores a que continuem indagando, numa atitude de reflexão profunda, "o que têm à frente", o que neste caso é muito especial porque os inclui a eles mesmos.

E ao se encaminhar para a conclusão da obra (p. 222), fica bem claro por que o autor explicitou logo na sua apresentação a "preferência" mencionada acima:

Hoje a educação é transmissão de regras de jogo, formação de "formalizados" e condenados ao círculo! Por isso se diz que a educação vai "mal". E a nossa apreciação "mal" é a respeito dos valores antigos, porque desde outro ponto de vista corresponde perfeitamente às necessidades atuais. Inclusive a

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escola se manifesta como mais um elemento, com regras dè jogo próprias, porém. Importa respeitar os horários; cumprir os regulamentos. Acatar a disciplina, embora não se sinta nada; pôr cara-de-atenção na aula; preencher a freqüência nos trabalhos práticos, mesmo sem tê-los feito; em suma, a farsa, o "fictício" de Freyer.

Pois bem, respirando um pouco dessa brisa inovadora, e tendo vivido intensamente a realidade rural - inclusive escolar - até os 13 anos de idade, ponderei aos professores participantes da reunião, a dos professores rurais do município de Alfenas, mais ou menos nos seguintes termos: a) de fato vocês não têm revistas e jornais à disposição lá no campo enquanto as escolas e os professores da cidade podem contar com eles mais facilmente; b) todavia, revistas e jornais por vezes contêm textos e gravuras que dão idéias maquiadas das realidades que os editores querem mostrar e enfatizar em cada número ou fascículo, enquanto vocês - professores, alunos e familiares - vêem, pisam, respiram, admiram e sofrem as próprias realidades em que vivem e trabalham; c) em palavras mais diretas, esses materiais mostram fotografias e textos sobre: montanhas nevadas dos Alpes ou Andes, mas vocês todos sobem e descem morros e montanhas todos os dias até para chegarem às escolas; animais (vacas, ovelhas, pássaros, porcos, etc.), enquanto vocês lidam ou convivem diariamente com todos eles até como meio de subsistência no meio rural; vistas aéreas e poéticas de rios, cascatas e lagos, quando muitos de vocês os margeiam ou atravessam, na maioria das vezes em pinguelas improvisadas e perigosas, para irem à lavoura, à busca

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do gado, à compra do indispensável não produzido pela família e às próprias escolas; c) por que as figuras (fotos) de vaca, árvore, montanha, rio, lago, etc., servem como material didático e não a própria vaca que pasta bem ali, o rio que se atravessa, o lago que se margeia, a árvore ao lado da escola, a montanha que se avista do pátio, a lavoura em que se trabalha, bem como o monjolo, a bica d' água, o paiol, o quintal, o capão de mato, o engenho, o fogão, a latrina, a estrada, o horizonte e tudo o mais com o qual se convive ora prazerosa e orá sacrificadamente todos os dias? É claro que, mesmo não respondendo explicitamente, podia-se inferir o que se passava pela cabeça dos professores: o problema é que não podemos levar a vaca, a montanha, a lagoa, a árvore, etc., para dentro da sala de aula (pois lhes fora inculcado que material didático ou de ensino se restringia só àquilo que podia ser enfiado lá num cantinho da sala).

Mais de três décadas se passaram, a ciência e a tecnologia evoluíram fantasticamente, as populações se urbanizaram rapidamente, a globalização vem se acirrando de modo assustador, mas a essência da questão acima continua praticamente a mesma. Inclusive Joel Martins (1992) publicou, nesse entremeio, um bom trabalho na área, intitulado "Um enfoque fenomenológico do currículo: educação como poiesis". Entretanto, e de maneira pragmaticamente generalizada, a escola era e continua sendo vista pela maioria dos profissionais da educação e dirigentes societários como locus estratégico de crianças, adolescentes e jovens deixarem a realidade vivencial atrás dos umbrais da sala de aula para lá dentro

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tentarem entendê-la e reconstituí-la analógico-virtualmente, através de sínteses abstratas de conhecimento, provindas do acervo científico acumulado, mediadas bem ou mal pelo professor e suas exemplificações didáticas artificiais.

Em outros termos, e fazendo uso de analogia grosseira mas bem ilustrativa, a realidade da vida da criança é como aquele animal que ela cavalga até a entrada da sala de aula. Em lá chegando, é obrigada a amarrá-lo no esteio ao lado, porque os únicos "animais" que podem entrar em sala são o aluno (normalmente criança ou adolescente), o professor e, vez por outra, alguém como diretor, supervisor, orientador e similar, mesmo assim com uma condição: que todos deixem lá fora as cavalgaduras de suas realidades cotidianas, também amarradas em esteios talvez um pouco mais privilegiados que o destinado às crianças ou adolescente na situação de aluno.

E, dentro da sala de porta fechada, o professor brasileiro, e do mundo subdesenvolvido de modo geral, embora sabedor de que em relação a ele quanto mais se exige tanto menos se valoriza, faz malabarismos 2 no intuito de levar os alunos a "espremerem" os cérebros para decifrarem e reconstituírem virtualmente (isto é, tentando elaborar

- No Capítulo I de seu livro Aprendendo a aprender com o professor, Pedro Demo (1998, p. 7-16) apresenta uma espécie de panorama da anacrônica situação do professor da educação básica, encontrado por suas andanças país afora, a partir da idéia referencial de que "O professor básico, em certa medida, é o 'último dos moicanos', ou um Dom Quixote clássico, se pensarmos em sua santa teimosia ao tocar moinhos de vento ou empreender batalhas com poucas chances de vitória" (p. 7).

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configurações mentais), e através de ensinamentos curriculares abstratos, aquelas mesmas realidades lá fora bloqueadas. O efeito desastroso dessa dicotomia, da educação infantil à educação superior, é o de que o aluno escolar também dicotomiza a própria realidade, a pessoal sua e a de seu contexto existencial. De um lado fica a realidade concreta em que nasceu, vive, trabalha, alegra-se e sofre e, de outro, a realidade sublimada ou virtualizada do conhecimento dessa mesma realidade, a exemplo do que imaginara Platão (Thonnard, 1976, v. 1, p. 46-81) a respeito do "mundo sensível" (concreto, relativo, imperfeito-perfeito, em que bom-ruim coexistem lado a lado, em que as pessoas vivem de carne e osso) e o "mundo das idéias", este sim uma espécie de Olimpo virtual no qual os protótipos materializados ou "idéias" pairam libertas das carcaças que as aprisionam nas limitações da materialidade quando obrigadas, por lei cósmica, a se testarem de tempos em tempos através de "encarnações" oumaterializações no "mundo sensível", por elas formando e evoluindo, entre si e no interior de cada um, os reinos mineral, vegetal e animal.

Para isso, nosso professor lança mão dos para fulano, de acordo com beltrano e segundo sicrano,3 que tanto se esforçou para aprender em

3 "(...) é forçoso reconhecer que a profissionalização do saber na área das Ciências da Educação tem contribuído para desvalorizar os saberes experienciais e as práticas dos professores. A pedagogia científica tende a legitimar a razão instrumental: os esforços de racionalização do ensino não se concretizam a partir de uma valorização dos saberes de que os professores são portadores, mas sim através de um esforço para impor novos saberes ditos 'científicos'. A lógica da racionalidade técnica opõe-se sempre ao desenvolvimento de uma práxis reflexiva" (Nóvoa, 1995, p. 27).

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seus cursos de formação inicial (nos níveis médio, superior, ou em nenhum deles se "leigo") e de formação continuada (em treinamentos, reciclagens, cursinhos e congêneres), ou que constem hoje dos "selecionados" textos de apoio escolar que o sistema lhe disponibiliza.

Entretanto, acontece rotineiramente de professores ensinarem aritmética (subtração, divisão, fração, soma e multiplicação), sem se darem conta, por exemplo, de que qualquer animal quando pasta subtrai (separa, tira, arranca) o capim da moita, o divide (mastiga-o, tritura-o, fraciona-o) com os dentes, o multiplica pela mastigação (de cada ramo resultando muitos pequenos pedaços que caibam em sua garganta) e, concluindo este primeiro ciclo do fenômeno pastar, soma-lhe (acrescenta-lhe, adiciona-lhe) saliva a fim de que se facilite a digestão, pela qual são subtraídos (tirados, liberados) os elementos nutritivos agora do próprio capim e não mais da moita como no início, os quais desencadeiam (por novas adições, subtrações, divisões-fracionamentos e multiplicações) outros ciclos de vida-realidade no animal que os assimila e metaboliza.

Por outra, mas ainda na linha das operações aritméticas, basta um pouco de atenção para se constatar que há na natureza certos fios de meada ou lógicas básicas pelas quais tudo se orienta e dinamiza, extremamente simples de serem observadas e entendidas como no caso das duas que se seguem, apenas para efeito de exemplificação:

1) A primeira é a de que todas as ferramentas cortantes ou desintegrantes de outros objetos neste

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planeta (da simples faca de cozinha, ao reagente químico, ao raio laser e à ogiva nuclear) são em verdade instrumentos de divisões que geram frações, subtrações e multiplicações, o que pode ser observado no ato de descascar e cortar uma laranja em dezenas de pedacinhos para uma boa salada: para subtrair a casca do resto da laranja é preciso que a mesma seja dividida em casca {fração x) e resto (fração y), assim como para multiplicar o resto da laranja (fração y) em muitos pedacinhos é também necessário que o mesmo seja ainda dividido muitas vezes, obtendo-se assim n frações individualizadas (pedaço por pedaço) ou agrupadas (tantos tipos de pedaços catalogados de acordo com certas propriedades comuns, tamanho ou formato, por exemplo).

2) A segunda consiste em se conscientizar de que cola, prego, parafuso, grampo, clipe, corda, cadarço, prendedor de roupa, fita gomada, durex, etc., se caracterizam como instrumentos de somas ou adições: das mais simples, como as de colar uma figura no caderno ou de pregar uma tábua na outra, às mais complexas (isto é, que também abrangem possibilidades de multiplicações de elementos ou frações envolvidas), a exemplo das sofisticadas armações e amarrações que o pessoal da construção civil faz nas estruturas dos prédios por aí afora.

Até pelos dois singelos exemplos acima se percebe a possibilidade de exploração interfaciada e interacional dos elos iniciais do processo de desabrochámento do conhecimento a partir da própria realidade vivenciada/vivenciável. E isto, nas perspectivas da formação do raciocínio lógico e dos

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saberes inerentes à essencial relação que a Matemática, a Lingüística, a Geografia, a História, a (Bio)Química, a Física, a Biologia e outras ciências particulares têm com os fenômenos ou dimensões da realidade que somos, sentimos, vivemos e nos contextuam dia a dia, no sentido das mais próximas para as mais remotas. Trata-se, pois, do encaminhamento do processo de aprender a conhecer tomando como referência de partida as próprias dimensões fenomenológicas da realidade,4

portanto observáveis pelo professor e aluno, as quais constituem os objetos de pesquisa, expressão e sistematização das mencionadas ciências.

Daí fluem repercussões já imediatamente proveitosas a pontos essenciais da atualidade e perspectiva de vida do aluno, em termos de saúde, alimentação, aproveitamento de recursos, cuidados sanitários, interação ambiental, relacionamento social, visão de mundo e muitos outros, sobretudo nas primeiras etapas da caminhada de qualquer pessoa, portanto não só da criança, rumo à permanente construção e conquista do bem-estar

4 O interessante é que o texto da Lei n° 5.692/71 já acentuava isto ao se referir a "atividades" como referencial metodológico (artigo 5 o) do ensino nas quatro primeiras séries do I o grau, assim conceituadas pelo Parecer n° 853/71 do ex-Conselho Federal de Educação: "Nas atividades, as aprendizagens desenvolver-se-ão antes sobre experiências colhidas em situações concretas do que pela apresentação sistemática dos conhecimentos". Por que não funcionou? Porque o texto legal não teve contexto histórico e real para se concretizar, ou seja, por um lado não havia condições culturais e técnicas para esse tipo de "ousadia" e, por outro, o total policiamento da ditadura militar podia caracterizar, quando quisesse, quaisquer iniciativas como "atos subversivos", de fato não poupando todas as de origem civil que lhe pareceram de algum alcance ou "perigo" social.

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humano-ambiental. Ademais, é o meio mais simples, barato e ao alcance de todos para que o aluno desperte o interesse e incorpore o autocompromisso de aprender a pensar e conhecer por sua própria cabeça, portanto não apenas pela do professor - ou de quantos lhe estejam por trás -, embora jamais se queira insinuar que a ajuda mediadora deste lhe seja dispensável. Pressupõem-se, todavia: primeiro, què o professor já conheça previamente bem, e se disponha a continuar a conhecer mais juntamente com os alunos, os dois lados da moeda, o da dimensão fenomenológica a ser conhecida (referente a cada item curricular) e o do respectivo conhecimento científico já formulado ou em formulação; segundo, que seja capaz de auxiliar o aluno a se evoluir da percepção empírica comum ao entendimento científico da aludida dimensão fenomenológica.

Para tanto, além de bom conhecimento a respeito dos mencionados dois lados, requerem-se constante e simultaneamente do docente,5 enquanto estimulador e monitorador de aprendizagem, exercitação de habilidades criativas e cultivo do bom senso interacional em sua relação com o aprendiz e na orientação do envolvimento de ambos com o

5 Ainda Demo (1996, p. 48) entende que o professor: "a) em primeiro lugar, é pesquisador, nos sentidos relevados: capacidade de diálogo com a realidade, orientado a descobrir e a criar, elaborador da ciência, firme em teoria, método, empiria e prática; b) é, a seguir, socializador de conhecimentos, desde que tenha bagagem própria, despertando no aluno a mesma noção de pesquisa; c) é, por fim, quem, a partir de proposta de emancipação que concebe e realiza em si mesmo, torna-se capaz de motivar o novo pesquisador no aluno, evitando de todos os modos reduzi-lo a discípulo subalterno".

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sempre bidimensional objeto de aprendizagem:6

percepção empírico-fenomenológica-comum de cada item curricular mais respectivo conhecimento científico produzido ou em processo de produção.

6 Esta questão é estudada no já mencionado livro de Joel Martins (1992), cujo título, Um enfoque fenomenológico do currículo: educação como poíesis, expressa por si mesmo a idéia da amplitude e profundidade com que o tema é aí abordado.

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CAPÍTULO 5

ENSINO DE CIÊNCIAS NO PRISMA DO DESENVOLVIMENTO LOCAL 1

Pareceu-me oportuno iniciar este capítulo também por um acontecimento de três décadas atrás, reiterando que naquela época já vinha me dedicando à questão educação versus desenvolvimento, este na ótica do que hoje se está chamando desenvolvimento local.

Em novembro de 1973, deparei-me com um grupo de professores de Química, no já aludido Centro de Seleção, Treinamento e Aperfeiçoamento de Pessoal do Paraná (Cetepar),2 em Curitiba (PR).

1 Este capítulo visa primordialmente as quatro últimas séries do ensino fundamental e o ensino médio.

2 Em 1974 foram realizados dois cursos de aperfeiçoamento, em preparação à implantação (ou implementação, já que os nove maiores municípios do Estado o haviam implantado entre 1972 e 1973) do regime instituído pela Lei n° 5.692/71: um para docentes de I a a 4" e outro para docentes de 5 a a 8 a série do I o grau, com duração de 264 horas cada, atingindo cerca de dezoito mil professores de I o grau dos oitenta maiores municípios do Paraná. O mencionado grupo de professores fazia parte do grande grupo de aproximadamente quinhentos professores de elite, selecionados pelas Inspetorias Estaduais de Ensino para se inteirarem dos conteúdos, bem como dos respectivos materiais e metodologias de ensino, e contribuírem para o aprimoramento dos mesmos, em novembro de 1973 no Cetepar, e assumirem -como de fato assumiram- a "multiplicação" dos Cursos nos próprios municípios de fevereiro a novembro de 1974. Ao autor desta matéria coube a elaboração dos textos e a preparação do grande grupo em relação a três temas: "O papel do professor", "Noções sobre planejamento" e "Noções sobre projeto".

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Debatendo sobre interesse/motivação de alunos pelo ensino no contexto da Lei n° 5.692/71, já revogada mas à época em acelerada fase de "implantação", foi unânime o desabafo desses professores no sentido de que seria contraditório querer que motivassem os alunos, uma vez que eles mesmos se sentiam completamente desestimulados. E, segundo os presentes, esse eco de desestímulo se refletia diretamente na falta de candidatos às licenciaturas em Química: por um lado, cursos bons mas difíceis, portanto com baixa demanda, muitas evasões e poucas conclusões; por outro, chances de acesso profissional diminuídas, salários aviltados, condições de trabalho inadequadas e cada vez mais exigências impostas aos professores. Diante dessa situação e da conseqüente perspectiva de "nos tornarmos espécie em extinção", questionou um professor com o aval dos demais: em termos de Química, o que pode ser feito para despertar o interesse de nossos alunos bem como o de candidatos para as correspondentes licenciaturas?

A experiência mostra que qualquer pessoa normal, mas em ambiente polêmico, ao fazer uma pergunta tende a respondê-la explícita ou implicitamente em seu próprio teor ou no colóquio que a circunstancia e justifica. E foi exatamente isso que aconteceu em relação à questão formulada, passando a impressão de que o problema do interesse geral pela Química, nos âmbitos das clientelas da educação básica e das licenciaturas, se resolveria fundamentalmente por ampliação das respectivas cargas horárias nas

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grades curriculares e melhorias tanto de salários quanto de condições para o trabalho docente. Todavia, em que pese esse tipo de desestímulo ter sido e ainda hoje continuar sendo real e prejudicial a todos os profissionais docentes, principalmente aos que atuam na educação básica - portanto não restrita só aos de Química - , dois aspectos puderam ser notados nas entrelinhas do questionamento: por uma parte, os componentes do grupo procuraram se excluir ou eximir de responsabilidade no tocante ao "que pode ser feito para despertar o interesse" e, por outra, sinalizaram significativo equívoco impregnado em sua cultura educacional, dando a entender que algo por eles julgado como extremamente importante, no caso a Química, já o era de per si (ou deveria ser tido como) também necessariamente interessante ou atraente para os aprendizes e a sociedade em que estes se inseriam.

O equívoco consistia, portanto, em se ignorar ou desconsiderar que não existe relação biunivocamente necessária entre estas duas complexas expressões de qualidade, ou seja, o ser interessante não decorre automaticamente do ser importante, e vice-versa, em relação a Química, Física, Matemática, Línguas, Geografia, Biologia, História, e não importa que outro tipo de conhecimento, fato ou fenômeno interposto a percepções de pessoas como objeto de comunicação e aprendizagem. Esta é uma questão fundamental no domínio do marketing, pelo qual ora se procura tornar interessante algo até então tido só como importante e ora se faz emergir a

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dimensão importante daquilo que ainda é apreciado em virtude apenas de seu lado interessante.

Retomando a questão do "que pode ser feito para despertar o interesse de nossos alunos bem como o de candidatos para as licenciaturas", um certo toque maiêutico, na linha do que foi acima observado, reorientou a discussão para novos rumos. Mais oportunidades e condições de trabalho assim como melhores salários talvez até resolvessem ou resolvam a questão do interesse pelas licenciaturas em Química (assim como em Física, Biologia, Matemática, etc.), enquanto perspectiva profissional. Entretanto, não solucionariam diretamente o problema concernente a interesse/motivação e gosto dos alunos pela própria Química, Física, Biologia, etc., principalmente no âmbito da educação básica, uma vez que a regra geral permaneceria a de os professores e significativa parte dos alunos continuarem achando-as importantes, em virtude dos enormes espaços que as mesmas vêm conquistando e ocupando no processo de evolução científica e da vida sobre o planeta, porém não automaticamente interessantes ou atraentes; pelo contrário, na prática seus aprendizados continuariam tremendamente difíceis e "chatos" ou "maçantes", em gíria estudantil.

Então - interpelaram com veemência e curiosidade - , que fazer para tornar Química, assim como Física, Biologia, etc., interessantes, atraentes para todos os alunos? A resposta a esta questão não era e não é tão simples, como certamente se espera, pois implica vários ângulos

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de ponderações, destacando-se entre eles - em razão dos limites quantitativos desta matéria - os dois abaixo, ainda hoje longe de serem temas comuns de discussão e cooperação entre os próprios profissionais da educação escolar.

5.1 Primeiro ângulo de ponderação: Química, Física, Biologia, História, Matemática, Geografia, etc. não são coisas só de currículo escolar

É preciso investir na mudança da mentalidade de que Matemática, História, Geografia, Química, Física, Biologia, etc., trabalhadas na escola se limitam aos acanhados espaços das grades curriculares nos últimos anos do ensino fundamental e no ensino médio, bem como da programação de "cursinhos" pré-vestibulares e de cursos superiores específicos. Extrapolando o currículo escolar, essas ciências são também (antes, durante e após a vida 3 escolar) coisas do lar, do quintal, do trabalho, do lazer, da rua, da roça, da terra, da água, da comida, do vaso sanitário, do esgoto, do adubo e de incontáveis outros domínios da realidade que somos, vivemos, aperfeiçoamos ou prejudicamos.

3 "A plasticidade e flexibilidade internas dos sistemas vivos, cujo funcionamento é controlado mais por relações dinâmicas do que por rígidas estruturas mecânicas, dão origem a numerosas propriedades características que podem ser vistas como aspectos diferentes do mesmo princípio dinâmico - o princípio da auto-organização" (Capra, 1982, p. 263).

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5.2 Segundo ângulo de ponderação: das "químicas, físicas, biologias, geografias, histórias, etc. da realidade" às "Química, Física, Biologia, etc. dos manuais"

A lógica da mudança de mentalidade acima mencionada é a de que pelas "químicas, físicas, biologias, histórias, geografias, etc., da realidade" se chegue às "Química, Física, Biologia, História, Geografia, etc. dos manuais" ou "livros didáticos",4

e não o inverso como de costume.5 Entenda-se por "químicas da realidade" (já que para as outras áreas científicas bastará substituir químicas por físicas, biologias, histórias, geografias, etc.): "química da cozinha", "química do banheiro", "química do quintal", "química do vestuário", "química da mercearia", "química da farmácia", "química do açougue, "química do curral", "química da serraria", "química da lavanderia", "química dos vasos de plantas", "química da piscina", "química do lago", "química da represa poluída", "química da praia" e

4 "O conhecimento do mundo, mesmo o conhecimento científico, é-nos dado através do ponto de vista particular do sujeito, ou de experiência do mundo, sem as quais os símbolos da ciência seriam sem significado. (...) A ciência não teve e não terá nunca, pela sua própria natureza, a mesma significância que a experiência original de mundo, pela simples razão de que ela busca uma explicação racional do mundo e não a sua compreensão" (Martins, 1992, p. 87).

5 Referindo-se a conteúdos superficiais e profundos, no contexto da relação cultura socializada versus educação sistemática, Cirigliano (1969, p. 99) assim se expressa: "Aproveitando esta distinção, gostaríamos de lembrar que, para a educação sistemática, é conveniente partir dos conteúdos superficiais, pois estes permitem viver plenamente na sociedade concreta. (...) Pois a escola, ao se ter dedicado aos profundos exclusivamente, e por causa mesma deles, caiu num distanciamento da vida real (ao que tendem naturalmente), chegando a ser 'remota e morta, abstrata e livresca' ".

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tantas outras situações inerentes à vida das pessoas, pequenas ou grandes, nas quais se possam evidenciar as lógicas e as dinâmicas da Química, da Física, da Biologia, da História, da Geografia, etc., passando-se da relação ou vivência empírica comum com essas situações, muitas vezes quase puramente automatizada, para a experiência enriquecida por consciência progressivamente reflexiva.6

O que isso quer dizer, na verdade reiterando o que já se enfatizou atrás, é que dos fenômenos concretos se caminhe paulatina e vivencialmente às respectivas teorias e fórmulas, exatamente na contramão de nossa prática curricular que parte das fórmulas e teorias para duas habituais, penosas e contraditórias tarefas: primeiramente a do tradicional "decoreba" e, em seguida, a do insano esforço de reconstituição mental (virtual) de fenômenos concretos, muitos dos quais presentes em nossas diuturnas trajetórias de vida.

Na área da Química há inúmeros fatos para justificar essa questão, aparteou um professor. Só para efeito de exemplo, normalmente as pessoas sonham com uma bela e cara pia de mármore na cozinha, o que não aconteceria se soubessem que o mármore não é o melhor material para esse tipo de mobiliário, tendo em vista o constante processo de corrosão provocado por seu elevado

6 Donald Schon (1995, p. 77-91) descreve a experiência de um projeto de formação de professores pelo método "practicum reflexivo", através do qual se progride dinamicamente da reflexão na ação para a reflexão sobre a ação e desta para a reflexão sobre a reflexão.

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teor de carbotíatode cálcio, que reage em contato com outros ácidos muito presentes nesse ambiente, sobretudo os encontrados no limão, no vinagre e nos solúveis (detergentes) de modo geral.

Ora, acrescenta-se: esse conhecimento está ao alcance de qualquer pessoa, criança ou adulta (não importa se sabendo ou não que a fórmula do carbonato de cálcio é CaC0 3 e que o vinagre contém CH3 COOH OU até ainda sendo analfabeta); é útil ao exercício da cidadania (mesmo não se deixando explorar por ignorância própria ou esperteza alheia); contribui para que a Química comece a ser entendida como algo acessível e interessante (ao mesmo tempo em que reforça sua importância); e é, por conseguinte, muito fácil de ser disseminado. Aliás, em apenas vinte minutos de conversa com outro professor de Química, o que inclusive me passou as fórmulas acima, mais de dez outros fenômenos similares, concernentes principalmente à corrosão/ oxidação e temperatura, me foram por ele rapidamente descritos.

Ademais, importa frisar que essa mesma lógica pode ser aplicada, evidentemente com as exceções ou adequações cabíveis, ao âmbito das demais áreas científicas presentes nos currículos escolares, o que significa igualmente evoluir das "físicas, matemáticas, biologias, geografias, histórias, etc. da realidade" para a "Física, Matemática, Biologia, Geografia, História, etc. dos manuais", também revertendo as respectivamente tradicionais lógicas de aprendizagem, a de o professor ensinar e o aluno aprender para a do "aprendendo a aprender com o professor" (Demo, 1998).

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CAPÍTULO 6

POLÍTICA DE DESAFIO A EXPERIÊNCIAS INOVADORAS

Historicamente, o que se vem presenciando no Brasil, sobretudo a partir da segunda metade do século passado, são reclamações em mão dupla. De um lado, as bases da pirâmide educacional (famílias, alunos, professores, dirigentes escolares e seus representantes políticos) acusam os governos (federal, estaduais e municipais) pela precariedade e ineficiência quantitativa e qualitativa do atendimento escolar à população brasileira. De outro, os governos até aceitam as acusações das bases, mas cometem ledo equívoco, se a questão é olhada do ponto de vista lógico-social, ou brutal distorção, se enfocada no prisma político-eleitoreiro.

Os governos não apenas consideram que cabe ao Estado, mesmo que até agora só teórico-normativamente, assegurar a todo cidadão brasileiro o direito de acesso e permanência na escola até o final do ensino fundamental - o que é absolutamente correto - , como também - e aí está o problema -atribuem ao mesmo Estado a administração gerencial e a execução dos serviços educacionais. Em decorrência, os governos - evidentemente

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personificando o Estado - gerem e executam tais serviços com-^respaldo legislativo, mas independentemente do real envolvimento das comunidades em que as escolas se localizam, embora seja aí que as dimensões gestora e executivo-operacional da educação escolar de fato aconteçam.

Incorporando, pois, a concepção de educação pública como se fosse exatamente a mesma coisa que educação estatizada,1 os mandatários do Estado, politicamente respaldados por grupos de elite ideológico-partidária ou simplesmente ideológico-tecnicista, além de fazerem as regras acabam determinando, de maneira unilateral mas direta e indiretamente, como se devem instituir, jogar e apitar o jogo da educação escolar, inclusive de nível superior.

Essa concepção expressa bem a cultura de Estado totalitário, moldada desde o período do Brasil Colônia até o presente. Hoje, o voto embora represente nosso principal baluarte de tenra democracia ainda não legitima integralmente - em termos de lógica e ética - os eleitos para o autêntico exercício dos poderes tanto Executivo quanto Legislativo por delegação de seus eleitores, pois, na melhor das hipóteses, o que se passa entre o votante e o votado se reduz a desleal barganha. Por ela, o votante dá seu voto (líquido e certo, na verdade pagando antecipadamente) em troca de meras

1 O livro No município sempre a educação básica do Brasil (Ávila, 1999), o livrete Municipalização para o desenvolvimento (Ávila, 1993) assim como outros livros e artigos, de autoria do titular deste estudo, também tratam disso e se encontram relacionados nas Referências Bibliográficas.

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promessas, sabendtí-se já de antemão, evidentemente ressalvadas as raras - porém boas -exceções, que a regra é a de que só se realizarão aquelas que se revestirem de "interesse político" e, mesmo assim, nos limites das possibilidades decorrentes de outras "barganhas políticas" em que o próprio eleitor não mais se envolve.

E o mais irônico, em relação aos serviços inclusive sociais sob a responsabilidade do Estado, é que seus próprios mandatários, ao perceberem que tais serviços começam a pesar muito, deles procuram se desvencilhar deixando-os se "despencarem" de cima para baixo, em termos de União para Estados e destes aos municípios,2 ou leiloando-os no circuito empresarial privado, nacional e internacional, mas jamais liderando, mobilizando, organizando, apoiando, coordenando e envolvendo a população em co-responsáveis e co-participativos processos de soluções para os mesmos. Esquecem-se, ignoram ou não admitem, assim, que a razão principal de ser do próprio Estado é a de garantir, através das posturas mencionadas atrás e outras congêneres, que o bem público seja pensado, programado e alcançado simultaneamente visando e envolvendo os cidadãos, as comunidades e, por conseqüência, a nação em processo de autoformação, auto-organização e autoconstrução, nem sempre implicando necessariamente a estatização dos serviços requeridos para tal.

2 Esse é o tipo de "municipalização à 'rolo compressor'" descrito nas páginas 16-19 do livrete Municipalização para o desenvolvimento (Ávila, 1993).

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Aliás, numa verdadeira democracia, a estatização de serviços só tem realmente motivo de existir em situações de carência ou emergência, mas, mesmo assim, se configurada de cunho pedagógico-formativo no sentido de criar condições físicas e logísticas, isto é, científicas, técnicas, psicológicas, etc., para que a população (orientada, apoiada e coordenada pelo estado) se motive, mobilize, organize e capacite a se desenvolver por si mesma. Isto, sim, se caracteriza autêntico serviço público3 pelo qual se rompe o crucial dilema da estatização ou privatização que historicamente nos encurrala: se ficamos o "bicho" da estatização nos "come", mas se corremos é o "bicho" da privatização que nos "pega".

Em suma, escamoteando o potencial de ação participativo-cooperativa de nosso povo, os governos não vislumbram alternativas de gestão social e econômica além dos âmbitos estatizado e privatizado, relegando a população4 ou, mais especificamente, as comunidades já localmente configuradas em todo o território nacional à condição de compulsórias clientes, simultânea e contraditoriamente visadas sob estes dois prismas: de um lado, como "inesgotáveis fontes" das quais se arrancam cada vez mais pesados impostos, sobre-impostos, taxas e sobretaxas para

3 Conforme abordagem no início do presente estudo, o desenvolvimento local se conceitua essencialmente e se dinamiza exatamente nesta perspectiva de serviço público (inclusive em termos de educação escolar), pela qual o poder público se envolve (liderando, mobilizando, coordenando e participando) nas atividades do desenvolvimento comunitário local, mas não necessariamente as estatizando.

4 O Tópico 1 do livro No município sempre a educação básica do Brasil, já aludido anteriormente, trata disso e intitula-se "Vivência de povo não mobilizado para se desenvolver".

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cobrir eternos ônus, tanto os efetivamente devidos quanto os decorrentes de má gestão e criminosa espoliação do erário público; de outro, como abnegadas e passivas consumidoras dos serviços estatizados ou privatizados, principalmente os de cunho social, à mancheia prometidos porém ainda de fato à míngua disponibilizados. Disso, a história do Brasil e nossas próprias histórias de vida são incontestes testemunhas.

Nesse perfil de submissão verticalizada - da população em relação ao Estado - encaixam-se, evidentemente, o sistema escolar brasileiro e, dentro dele, os educadores que o dinamizam, já que ambos ocupam a estratégica função de importantes, senão principais, formadores de nossa sociedade. Essa relação de submissão é percebida mas não rompida pelos profissionais da educação escolar, ou seja, os esboços de reações nesse sentido não cruzam as fronteiras das reivindicações. E estas, na verdade, ratificam a incômoda, porém passiva, aceitação da própria submissão. Reivindicarmos que só o Estado nos atenda já diz de per si não acreditarmos ou não sabermos que nossa função de educadores profissionais compreende, inclusive, a educação de nosso próprio Estado para perspectivas de sadia evolução: os mandatários do Estado de hoje estiveram aos cuidados dos educadores de ontem e os de amanhã estão hoje em nossos lares e salas de aula.

Exemplo clássico e atual dessa cultura de submissão é a generalizada aceitação da listagem de livros didáticos confeccionada pelo Ministério da Educação (MEC). Por que as redes escolares de cada município, de cada microrregião ou de cada

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Unidade da Federação - orientadas pelas diretrizes curriculares nacionais, estaduais, e até municipais - não produzem os seus próprios livros didáticos, compatibilizando situações locais, regionais, nacionais e até internacionais com a dinâmica curricular bem como reivindicando, aí sim, recursos e apoios externos para sua editoração e publicação? Isso colocaria os órgãos gestores, as escolas e os educadores implicados em permanentes e dinâmicos fóruns de interação, atualização e criatividade produtiva, tornando investigação e ensino duas faces necessariamente intercomplementares da mesma moeda, a da educação escolar.

Mas, retomando o título deste capítulo, a "Política de Desafios a Experiências Inovadoras" não constitui responsabilidade nem só dos educadores escolares como também não apenas do Estado. Ambos são conclamados a se envolverem nesse desafio como dois tipos de agentes de uma mesma linha de processo, um cuidando do seu efetivo acontecer na realidade e o outro da sua regulação pública. Aos educadores escolares cabe a dimensão política do autodesafio de se lançarem profissional e tecnicamente em ousadas, porém sérias, experiências inovadoras, pois são eles que de fato conhecem os sujeitos, os objetos, as condições e os recursos reais e potenciais para o aiavancamento das quantidades-qualidades da educação escolar em cada escola-localidade. E ao Estado, através dos poderes constituídos, compete a dimensão política das constantes conclamações e apoios no sentido de que os educadores escolares, as escolas e as agências formadoras de educadores saiam da defensiva, se

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preparem, criem autoconfiança e ousem em matéria de boas e inovadoras experiências.

Isso, em virtude de que até agora as entidades que personificam e dinamizam o Estado brasileiro têm mais dificultado5 (limitado, provocado suspeitas, elitizado e de certo modo até censurado) que facilitado, apoiado, cobrado, diversificado, acompanhado e desafiado o desenvolvimento da capacidade experimental-inovadora nas escolas e agências formadoras de profissionais. Por outra, o fato é que os poderes constituídos de nosso Estado deveriam, até mais que desafiar, realmente exigir, acompanhar e premiar a multiplicação dessa capacidade experimental-inovadora, em vez de inibi-la ou até reprimi-la, por exclusão discriminatória, nas instituições escolares de educação básica e superior não situadas nos raios das influências diretas dos "pólos-monopólios" dos saber e saber-fazer educacionais para todo o território nacional.6

Infelizmente essa cultura de "pólos-monopólios" não é típica apenas do Estado brasileiro, em nível federal - no qual, aliás, os mesmos sempre se representam muito bem - , mas permeia também

5 Não é à toa que a "ANPEd/Carta de Caxambú ao povo e às autoridades cons t i tu ídas" (ANPEd, 2001, p. 116) denuncia : "A desmedida central ização na condução dos destinos da educação pública, o sistemático desprezo pelos pronunciamentos dos fóruns e instâncias de deliberação colegiada, bem como o recurso, cada vez mais freqüente, a procedimentos burocráticos impositivos estão entre as tendências de gestão governamental que ferem as disposições, os interesses e as mais firmas convicções do coletivo que a ANPEd representa".

6 O velho problema brasileiro da exacerbada centralização, principalmente no setor educacional, é enfocado nos Tópicos 1, 2 e 3, p.11-46, do livro No município sempre a educação básica do Brasil (Ávila, 1999).

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a elite de nossa intelectualidade educacional, cujos reflexos vêm causando efeitos no mínimo inibidores nas instituições, sobretudo, de nível superior. Os atuais critérios e processos de avaliação de instituições e cursos superiores de graduação e pós-graduação (em cujas definições e operacionalizações nossos "experts" educacionais participam ativamente com sugestões e como consultores, membros de comissões externas de avaliação, pareceristas, etc.) constituem, sempre ressalvadas honrosas exceções, expressão real dessa política nacional de exclusão das regiões interioranas não avalizadas diretamente pelos aludidos "pólos-monopólios".

Se o MEC, o Conselho Nacional de Educação (CNE), as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, todas as fundações e demais entidades que atuam no setor educacional escolar adotarem de direito e de fato essa dimensão política, a do desafio a contínuas, sadias e sérias experiências, não nos restará a menor dúvida de que acharemos, em conjunto (isto é, Estado + educadores + comunidades), alternativas sempre e cada vez mais capazes de promoverem constantes melhorias em todos os níveis e ciclos da educação básica brasileira.7

São posturas e melhorias de há muito reclamadas pela sociedade desprovida de

1 "Compreender o processo de construção de conhecimento pedagógico compartilhado é tão importante quanto compreender o aprender a aprender, que eqüivale a ser capaz de realizar aprendizagens, em diferentes situações e contextos que favoreçam a aquisição de estratégias cognitivas, considerando-se as condições individuais de cada sujeito na sua interação com pares (crianças e/ou adultos). Ambos os processos implicam trocas cognitivas e socioculturais entre ensinantes/aprendentes durante o processo de ensinar e de aprender" (Bolzan, 2002, p. 23-24).

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perspectivas no que concerne a desenvolvimento autenticamente endógeno, que lastreie suas capacidades e competências de equilibradas interações e convivências exógenas. Assim, mais uma vez ensino e investigação se intercomplementariam sem academicismos, mensurismos, rotulismos, modismos, geografismos, artificialismos, reproducionismos e copismos, sobretudo metodológicos, impostos de cima para baixo e de fora para dentro em nossa realidade escolar: a própria escola se configuraria também como locus de inovação8 metodológica e geração de conhecimento.

Em termos de encaminhamento operacional, o ideal será que ambas as partes - as cúpulas gestoras do Estado de um lado e os educadores escolares de outro - partissem em situação de mútuo apoio para a prática das duas convergentes9 dimensões políticas

8 "Não aceitar a responsabilidade pela realidade em que vivemos é, ao mesmo tempo, nos desobrigarmos da tarefa de transformá-la, colocando na mão

• do outro a possibilidade de agir. É não assumirmos nosso destino, não nos sentimos responsáveis por ele, porque não nos sentimos capazes de alterá-lo. A atitude decorrente dessas visões é sempre de fatalismo ou de subserviência, nunca uma atitude transformadora" (Toro, 1997, p. 15).

9 Analisando o paradoxo da não oposição "Entre o oficial e o alternativo em propostas curriculares", implicando "multiplicidade de termos e de interações entre eles", Fleuri (2001, p. 118) diz que "Este é um problema de caráter epistemológico. Epistemologia, em sentido amplo, significa conjunto de premissas que sustentam nossos modos de fazer distinções, de segmentar os eventos, de dar sentido ao mundo (Bateson, 1976, 1986 apud Fleuri, 2001). Os tipos de distinção normalmente assumidos são baseados na oposição outou. Esta forma de pensar nos leva fatalmente a escolher um pólo, excluindo ou submetendo todos os outros. Mas numa outra perspectiva epistemológica, a complexa (chamada também de sistêmica, ecológica), são propostas [Severi e Zanelli, J 990 apud Fleuri, 2001] 'premissas diferentes para nossos sistemas de distinção: uma epistemologia da conexão ele. As oposições não devem ser (ingenuamente) eliminadas, mas é indispensável descobrir a estrutura que possa conectá-las, o contexto comunicativo que coligá-las (...)"'.

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de experiências sérias e inovadoras. Entretanto, esse ideal ainda se afigura a devaneio utópico pelas mesmas razões culturais e procedimentais apontadas anteriormente, bem como pela alta probabilidade de impasse no tocante a quem. deva tomar a dianteira -Estado ou educadores - da implementação de sua dimensão política, há pouco referida: se um empurra para o outro, a mútua anulação é que se colhe como desastroso prejuízo para todos.

Em face disso, a lógica recomenda que os educadores - armando-se de ousada coragem mas com séria responsabilidade - multipliquem experiências inovadoras de interação10 entre realidade vivencial e respectivos conteúdos científicos, tanto nas escolas da educação básica quanto nas instituições de ensino superior, relacionadas com todos os componentes da dinâmica curricular e do próprio processo ensino-aprendizagem. Por outra, extrapolem essas experiências para o âmbito extra-escolar, principalmente no que respeita à criativa elaboração e publicação de materiais ilustrativos e explicativos dos fenômenos cotidianamente vivenciáveis, propiciando noções científicas de fácil captação e compreensão pelas diferentes faixas etárias, dos dois anos de idade até a velhice, como nos casos das "químicas, físicas, biologias, geografias, etc., da realidade" anteriormente referidas.

E por aí que os educadores descobrirão alternativas para constantes melhorias de

1 0 "Assim, como não há homem sem mundo, nem mundo sem homem, não pode haver reflexão e ação fora da relação homem-realidade (...)" (Freire, 1985, p. 17).

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performances educacionais não só da clientela escolar como também da sociedade brasileira em geral e do próprio Estado, de modo mais específico, pelo menos em termos de médio e longo prazos. Afinal, reiterando, os mandatários da sociedade e do Estado de amanhã serão aqueles hoje alunos das nossas escolas de educação básica e superior, da mesma forma que os de hoje tendem a perpetrar até os equívocos assimilados da educação escolar de ontem.

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BREVE ESBOÇO DE CONCLUSÃO

Educação e desenvolvimento têm-se constituído duas temáticas dicotomicamente tratadas em nossa história: a educação escolar exacerbadamente centrada no circuito fechado do processo ensino-aprendizagem e o desenvolvimento economicistamente submetendo povos, grupos e indivíduos a regras capitalistas de jogo. Até a tese da "educação como investimento", adotada pela ONU de modo geral e Unesco de maneira muito particular, principalmente nos anos 60 do século passado (Ávila, 1983), foi abortada, em virtude do dirigismo tecnicista da educação como mecanismo social de implementação da ideologia e dos modelos capitalistas do desenvolvimento econômico-social arraigados no Pós-Segunda Guerra Mundial, em realidade até hoje ainda não substancialmente alterados.

Mas essa dicotomia não tem a mínima razão de ser no contexto da relação entre educação escolar e desenvolvimento local. Este emerge de dinâmicas socioculturais orientadas para a endogeneização de capacidades, competências e habilidades nas comunidades-localidades, a fim de que se desenvolvam em todos os sentidos, e não apenas economicamente: por ele, o desenvolvimento sociocultural é que gera o

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desenvolvimento econômico, e não o contrário, de acordo com as teorias e práticas capitalistas vigentes.

Para tanto, as comunidades precisam cultivar o hábito de melhor conhecerem e aproveitarem tanto as suas peculiaridades e potencialidades humanas e sociais quanto as do seu meio de vivência. Em termos de formação de gerações, tudo pode começar pela educação escolar, da educação infantil à de nível superior, por desafiadoras experiências que conectem realidades de vivência com respectivos conteúdos e fórmulas científicas ao longo da vida-currículo-escolar. E esta é a idéia de fundo que permeou todo o presente trabalho.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Para os interessados em mais elementos sobre a relação temática entre educação escolar e desenvolvimento local na ótica do autor.

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De outros autores ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-

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SOBRE O AUTOR

Vicente Fideles de Ávila é licenciado em Filosofia pela Faculdade Domí Bosco de Filosofia, Ciências e Letras de São João del-Rei-MG, e em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Guaxupé-MG; bacharel e mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma; e doutor em Políticas e Programação do Desenvolvimento (com enfoque em Educação e Emprego) pela Université de Paris I/Panthéon-Sorbonne.

É professor universitário desde 1968. Professor aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), atualmente é docente dos programas de mestrado em Educação (área de concentração: Educação Escolar e Formação de Professores) e em Desenvolvimento Local (área de concentração: Territorialidade e Dinâmicas Socioambientais) da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) de Campo Grande (MS).

Entre os cargos e funções que exerceu, foi gerente de operações do Centro de Treinamento e Aperfeiçoamento de Pessoal do Paraná (Cetepar) em 1974-1975; chefe da Subassessoria de Planejamento da Universidade Estadual de Ponta Grossa-PR (1975-1981); coordenador de Avaliação e Controle, bem como de Cooperação Intersetorial,

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e secretário substituto de Planejamento da Secretaria Geral do MEC (1981-1985).

Principais obras: Vida escola vida (1973), Municipalização para o desenvolvimento (1993), No município sempre a educação básica do Brasil (1999) e A pesquisa na vida e na universidade (2000).

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OUTRAS PUBLICAÇÕES DA P L A N O E D I T O R A

SÉRIE PESQUISA EM EDUCAÇÃO 1. A CONSTRUÇÃO DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO NO BRASIL

Autora: BERNARDETE ANGELINA GATTI 86 páginas, R$ 15,00

2. O PROCESSO DE PESQUISA: INICIAÇÃO Autores: MELANIA MOROZ E MÔNICA HELENA GIANFALDONI 110 páginas, R$ 15,00

3. A PESQUISA-AÇÃO Autor: RENÉ BARBIER 159 páginas, R$ 15,00

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