Educare_Educacao_Especial aspectos negativos e positivos da educação especial

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  • 8/6/2019 Educare_Educacao_Especial aspectos negativos e positivos da educao especial

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    Educare.ptEducao especial: aspectos positivos e negativos do Decreto-Lei n. 3/2008

    Lus de Miranda Correia| 2008-02-20

    O novo decreto-lei contm um misto de aspectos negativos, de cariz acentuadamente grave, que nosleva a reflectir se realmente o seu objectivo o de promover aprendizagens efectivas e significativas

    nas escolas regulares para todos os alunos com NEE.As sucessivas reformas educativas que tm ocorrido em diversos pases do mundo ocidental enfatizam afilosofia da incluso, assumindo que os alunos com necessidades educativas especiais (NEE) devem fazerparte da comunidade onde vivem, beneficiando do ensino ministrado nas escolas regulares e, sempre quepossvel, nas classes regulares dessas mesmas escolas. Penso que deve ter sido este princpio que tambmmotivou o Governo portugus, levando-o a considerar a reestruturao dos servios de educao especialatravs da publicao do Decreto-Lei n. 3/2008, de 7 de Janeiro. Contudo, ao analisarmos o decreto,verificamos que ele no considera um conjunto de condies que caracterizam o que comummente se designapor uma educao de qualidade, justa e apropriada s capacidades e necessidades dos alunos com NEE.Melhor dizendo, o decreto-lei em questo contm um misto de aspectos negativos, de cariz acentuadamentegrave, que nos leva a reflectir se realmente o seu objectivo o de promover aprendizagens efectivas e

    significativas nas escolas regulares para todos os alunos com NEE. Ora vejamos:1. O Decreto-Lei n. 3/2008 parece excluir a maioria dos alunos com NEE permanentes (basta ler com atenoo artigo 4., pontos 1 a 4), deixando de fora mais de 90% desses alunos, todos eles com NEE permanentes.So disso exemplo os alunos com dificuldades de aprendizagem especficas, das quais se destacam as

    dislexias, as disgrafias, as discalculias, as dispraxiase as dificuldades de aprendizagem no-verbais, todas elas

    condies vitalcias, portanto, permanentes. Deixa ainda de fora os alunos comproblemas intelectuais(deficincia mental), com perturbaes emocionais e do comportamento graves, comproblemas especficos delinguagem e com desordem por dfice de ateno/hiperactividade, tambm estas condies todas elaspermanentes.

    2. O decreto-lei obriga, ainda, ao uso da Classificao Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Sade(vulgo CIF) para determinar a elegibilidade e consequente elaborao do Programa Educativo Individual dascrianas com possveis NEE (artigo 6., ponto 3). O mais caricato que usa a classificao para adultos, uma

    vez que no se refere CIF-CJ (significando o CJ crianas e jovens). Mas mesmo esta classificao no podesobrepor-se aos instrumentos e tcnicas que os professores e tcnicos especializados j usam, para alm decarecer ainda de muita investigao para se poder avalizar da sua utilidade, como alis invocam os muitosespecialistas que consultei. Um deles (Dr. Don Lollar, investigador/cientista do Centro para o Controlo ePreveno de Doenas), envolvido no estudo da CIF, depois de lhe ter referido que, quanto a mim, a CIF-CJ eraapenas e s um sistema de classificao (uma checklist) e, assim sendo, ter-se-ia de alimentar forosamentedos resultados das avaliaes feitas pelos elementos de uma equipa interdisciplinar, confirmou a minhainterpretao, dizendo, "I agree with you that the ICF-CY should ?feed itself on the various evaluations made bythe interdisciplinary team considering a student with significant special needs1". Assim sendo, mesmoargumentando-se que a CIF poder-se- constituir como um instrumento aglutinador de determinada informao,arrumando-a em cdigos, e proporcionar uma linguagem comum (preferiria uma linguagem universal, porque,dada a interdisciplinaridade de todo o processo, comum no ser), como dito por muita gente, em matria deeducao continuo a afirmar que o seu uso totalmente desnecessrio, uma vez que o objectivo no comparar as capacidades e necessidades dos alunos com NEE permanentes, mas responder individualmente

    s necessidades de cada um deles (cada caso um caso) atravs da elaborao de um programa educativoindividualizado (PEI). Mais, a CIF, para alm de ainda necessitar de muito trabalho para que possa serconsiderada como um instrumento de algum merecimento (como diz o Dr. Lollar, "The ICF-CY is in edition 1.Yes, there is much work to be done - long past when I am professionally departed2", adiantando, ainda, numoutro e-mail que me enviou, "I am clear that the ICF-CY will not come to international acceptance, much lessuse, during my professional lifetime.3"), contm tambm um conjunto de imprecises que preciso esclarecer,tal como a aparente confuso entre "actividades" e "participao", a subjectividade na graduao dos itens (tipo

    escala de Likert), o excesso de tempo que necessrio para preencher a checkliste, como j referido, a faltade investigao fidedigna. Por tudo isto, e muito mais haveria para dizer se o espao o permitisse, sou daopinio que, se se pretender usar a CIF, ento que se use na investigao, mas nunca na educao.

    3. O Decreto-Lei n. 3/2008 tambm no operacionaliza conceitos (de incluso, de educao especial, denecessidades educativas especiais...), deixando-os, como vem sendo costume, s mais variadas interpretaes,nada condizentes com os direitos dos alunos com NEE e das suas famlias.

    Para alm destas questes de fundo, o decreto-lei contm ainda um conjunto de questes contraproducentessecundrias, a saber:

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    a) Possui um conjunto de incongruncias (destaco uma grave: No artigo 6., ponto 5, diz que "a aprovao doprograma educativo individual" da responsabilidade do "presidente do conselho executivo", ao passo que oartigo 10., pontos 1 e 2, refere que essa competncia da responsabilidade do "conselho pedaggico". Veja-se, ainda, o preceituado no artigo 1., ponto 2, em que se afirma que "A educao especial tem por objectivos...a transio da escola para o emprego das crianas... com necessidades educativas especiais... " (trabalhoinfantil?). (Desleixo, mas uma lei nacional no pode ser alvo deste tipo de desleixos que iro, com certeza,lanar a confuso nas escolas.);

    b) sintctica e semanticamente confuso e retrico (ver Prembulo, pargrafo primeiro e aquele que diz que"Todos os alunos tm necessidades educativas...");

    c) Remete a responsabilidade da coordenao do PEI para os docentes do ensino regular ou directores deturma. Para alm da falta de preparao, muitos deles sentem-se apanhados pela armadilha da "qualidade

    versusigualdade", sentindo a "presso" do sistema quanto melhoria dos resultados dos seus alunos ditos semNEE, mas simultaneamente tendo que responder s necessidades dos alunos com NEE, cujas aprendizagensatpicas lhes exigem competncias que no tm e que, caso no lhes seja proporcionado o acesso a serviosespecializados adequados, far diminuir o sucesso escolar dos dois grupos de alunos. Assim sendo, e aexemplo do que a literatura nos transmite, a coordenao de PEI (mais logstica do que pedaggica oucientfica) deve ser do docente de educao especial; e

    d) Usa frequentemente o termo "deficincia", deixando entender o seu cariz clnico, quando desde, pelo menos1978, ele se tornou obsoleto em educao, passando a usar-se o termo "necessidades educativas especiais".

    O decreto-lei, no entanto, contm tambm alguns aspectos positivos, dos quais destaco:

    a) A obrigatoriedade da elaborao de um programa educativo individual para os alunos com NEEpermanentes,alis j consignado no Decreto-Lei n. 319/1991, de 23 de Agosto;

    b) A promoo da transio dos alunos com NEE permanentes para a vida ps-escolar;

    c) A confidencialidade de todo o processo de atendimento a alunos com NEE permanentes; e

    d) A criao de departamentos de educao especial nos agrupamentos (a insero da rea de educaoespecial nos departamentos de expresses era um absurdo).

    Contudo, no seu cmputo geral, e dada a gravidade dos aspectos negativos que referi e que, s por si, so maisdo que suficientes para se pedir que sejam efectuadas alteraes significativas ao Decreto-Lei n. 3/2008, de 7de Janeiro, torna-se crucial que os professores, os tcnicos e as famlias, numa palavra, a sociedade civil emgeral, se pronuncie em favor dos direitos dos alunos com NEE permanentes e das suas famlias. Uma dascontribuies pode passar pela assinatura da petio que se encontra a circular na Internet(www.petitiononline.com/luis2008/), uma vez que o decreto-lei se encontra em discusso na comisso deeducao da Assembleia da Repblica. Penso que chegou a altura de dizermos, e dizermos bem alto, queestamos perante um problema grave. De tal maneira grave que pode comprometer o futuro da maioria dosalunos com NEE permanentes.

    1Concordo consigo que a CIF-CJ deve "alimentar-se das vrias avaliaes efectuadas pelas equipas interdisciplinares no que respeitaaos alunos com NEE significativas".2A CIF-CJ est na sua primeira edio. Sim, ainda h muito trabalho para ser feito - muito para alm da minha reforma.3Tenho a certeza de que a CIF-CJ no encontrar aceitao internacional, muito menos quanto ao seu uso, durante a minha vidaprofissional.

    Lus de Miranda CorreiaProfessor Catedrtico, Universidade do Minho

    inwww.educare.pt 2000-2008 Porto Editora

    http://www.petitiononline.com/luis2008/http://www.petitiononline.com/luis2008/http://www.educare.pt/http://www.educare.pt/http://www.petitiononline.com/luis2008/