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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS CURSO DE BACHARELADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS Airton F. Moreira Jr. Efeitos dos novos instrumentos de avaliação da pesquisa científico-tecnológica: o caso da Embrapa São Carlos 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

CURSO DE BACHARELADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Airton F. Moreira Jr.

Efeitos dos novos instrumentos de avaliação da pesquisa

científico-tecnológica: o caso da Embrapa

São Carlos

2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

CURSO DE BACHARELADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

Efeitos dos novos instrumentos de avaliação da pesquisa

científico-tecnológica: o caso da Embrapa

Monografia de conclusão de curso apresentada

como pré-requisito parcial para a obtenção de

título de Bacharel em Ciências Sociais, pelo

curso de Ciências Sociais da Universidade

Federal de São Carlos (UFSCar).

Aluno: Airton F. Moreira Jr.

Orientador: Prof. Dr. Thales Haddad Novaes de Andrade

São Carlos

2008

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Agradecimentos

Primeiramente, agradeço à FAPESP pelo financiamento da pesquisa de iniciação científica “A

construção de ferramentas de avaliação de impactos tecnológicos: o caso da Embrapa”, na

qual se baseia a presente monografia.

Agradeço o meu orientador, Prof. Dr. Thales H. Novaes de Andrade, pelos três anos de

orientação, nos quais pude contar com direcionamentos, discussões, ensinamentos, estímulo e

outras imensas contribuições fundamentais para o meu desenvolvimento como cientista

social.

Agradeço a Prof.ª Dr.ª Maria da Glória Bonelli, pela participação na banca examinadora desta

monografia. Sua importância para minha formação acadêmica é imensurável.

Agradeço especialmente os meus pais, Airton e Nina, que com muita dedicação e esforço

foram os principais responsáveis pela minha formação pessoal e meu empenho nos estudos;

por tudo isso, dedico a eles esta monografia. Também agradeço a todo o restante da minha

família, pelo estímulo e carinho.

Agradecimentos também especiais e afetuosos à Chris, por me acalmar, me fortalecer, e estar

sempre ao meu lado, em todos os bons momentos desses últimos anos; além disso, por revisar

textos e apontar dicas úteis durante a redação deste trabalho.

Todos os professores e funcionários do curso de Ciências Sociais da UFSCar foram

importantes para minha formação. Também não posso deixar de agradecer a todos os amigos

e colegas do curso de Ciências Sociais e de outros cursos da UFSCar, pelo convívio prazeroso

e estimulante dos últimos quatro anos. Não cito a todos por medo de cometer alguma injustiça

me esquecendo de alguém.

Agradeço os membros do grupo de pesquisa Sustentabilidade, Riscos e Inovação (SURI) da

UFSCar, em especial Thales, Bruno, Vanessa e Lucas, pelos momentos de estudo, debate e

aprendizagem.

Não posso deixar de mencionar os professores, coordenadores e alunos do Cursinho Pré-

vestibular da UFSCar, por terem contribuído para meu crescimento profissional e pessoal

enquanto professor de História e de Política do Cursinho.

Por fim, agradeço os pesquisadores e funcionários entrevistados na Embrapa, que concederam

um material valioso para a elaboração das idéias contidas neste trabalho.

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Efeitos dos novos instrumentos de avaliação da pesquisa científico-

tecnológica: o caso da Embrapa

Airton F. Moreira Jr.

Resumo

Os novos mecanismos pelos quais se avaliam as pesquisas científico-tecnológicas desempenham papéis cruciais na atualidade, enquanto instrumentos de gestão da ciência e de prestação de contas dos seus resultados para a sociedade. Mais que instrumentos gerenciais, os mecanismos avaliativos apóiam a legitimidade das práticas e concepções dominantes acerca da atividade científica, fazendo da avaliação uma referência importante no cotidiano dos pesquisadores. O objetivo deste trabalho é discutir os efeitos dos novos mecanismos de avaliação da ciência e da tecnologia sobre a atividade científica, a partir de um estudo de caso na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Para tanto, os depoimentos de pesquisadores e avaliadores da Embrapa são analisados à luz do referencial teórica da sociologia da ciência e da tecnologia. Nos discursos sobre os métodos e critérios pelos quais as pesquisas são avaliadas, transparecem diversas tendências e dilemas que permitem compreender melhor os rumos da dinâmica de produção científica e tecnológica contemporânea. Palavras-chave: Ciência, Tecnologia e Inovação. Avaliação. Sociologia da Ciência e da Tecnologia. Institutos Públicos de Pesquisa. Embrapa.

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Lista de Siglas

Ambitec-agro Sistema de Avaliação de Impacto Ambiental da Inovação Tecnológica Agropecuária

Ambitec-agroindústria

Sistema de Avaliação de Impacto Ambiental da Inovação Tecnológica para Agroindústria

Ambitec-produção animal

Sistema de Avaliação de Impacto Ambiental da Inovação Tecnológica para Produção Animal

Ambitec-social Sistema de Avaliação de Impactos Sociais de Inovações Tecnológicas Agropecuárias

CECH Centro de Educação e Ciências Humanas

CT&I Ciência, Tecnologia e Inovação

DCSo Departamento de Ciências Sociais

Embrapa Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

FAPESP Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo

IDI Índice de Desempenho Institucional

INRA Institut National de la Recherche Agronomique

IPP Instituição Pública de Pesquisa

OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

P&D Pesquisa e Desenvolvimento

PDE Plano Diretor da Embrapa

PDI Plano de Desligamento Incentivado

SAPRE Sistema de Avaliação e Premiação por Resultados

SAU Sistema de Avaliação de Unidades

SEG Sistema Embrapa de Gestão

SEP Sistema Embrapa de Planejamento

SGE Secretaria de Gestão e Estratégia

SNI Sistema Nacional de Inovação

UC Unidade Central

UD Unidade Descentralizada

UFSCar Universidade Federal de São Carlos

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Sumário

1 Introdução ........................................................................................................................ 06

2 Transformações da ciência e de seus instrumentos de avaliação ................................ 09

2.1 O modelo linear de produção científico-tecnológica e os instrumentos tradicionais de avaliação ............................................................................................................................... 09

2.2 A emergência do modelo dinâmico de produção científico-tecnológica e os novos instrumentos de avaliação ..................................................................................................... 14

3 Avaliação da atividade científica no olhar da sociologia da ciência ........................... 24

3.1 Sociologia da Ciência clássica: paradigma mertoniano ................................................. 24

3.2 Nova Sociologia da Ciência: construtivismo e teoria ator-rede ..................................... 29

3.3 Sociologia neo-institucionalista do campo científico ..................................................... 37

4 Gestão e avaliação na Embrapa (1985-2007) ................................................................ 49

4.1 Reorganização institucional da Embrapa: do modelo ofertista ao dinâmico .................. 49

4.2 Novos formatos da gestão e da avaliação institucional na Embrapa .............................. 50

4.3 A construção dos instrumentos de avaliação de impactos tecnológicos ........................ 54

4.4 Efeitos dos novos instrumentos de avaliação nas práticas de pesquisa da Embrapa ...... 56

5 Conclusões ........................................................................................................................ 67

Referências bibliográficas .................................................................................................. 70

Anexos .................................................................................................................................. 74

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1 Introdução

Na presente monografia, analisa-se como os novos mecanismos de avaliação da

ciência, tecnologia e inovação (CT&I) produzem efeitos na prática de cientistas e

pesquisadores, a partir do caso da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Nos últimos anos, os padrões organizacionais das atividades de pesquisa e

desenvolvimento (P&D) têm se transformado profundamente, acompanhando mudanças mais

amplas nos contextos político, econômico e social. Nesse cenário, gestão e coordenação são

tidas como procedimentos chave para o sucesso dos processos inovativos. Um dos objetivos é

aprimorar a relação entre a P&D empreendida por instituições científicas e a dinâmica

inovativa das empresas, através da troca de conhecimentos, transferência tecnológica e redes

de cooperação. Pela perspectiva das Instituições Públicas de Pesquisa (IPPs), a esse fenômeno

se soma a necessidade de conquistar novas fontes de financiamento além do Estado, bem

como novas parcerias de pesquisa. Nesse contexto, a avaliação da CT&I é um dos

componentes da gestão da inovação, pois permite que gestores, policy makers e potenciais

parceiros tenham acesso a indicadores sobre a produção científico-tecnológica que, por um

lado, embasem suas decisões gerenciais e, por outro, justifiquem a alocação de recursos nas

atividades de P&D.

Este trabalho apresenta alguns resultados de uma pesquisa que analisou como o uso

dos novos mecanismos de avaliação interfere na dinâmica de produção científico-tecnológica.

Para tanto, parte-se do ponto-de-vista de seus agentes principais: os pesquisadores. Através de

um estudo de caso realizado na Embrapa, o trabalho discute quais os pressupostos da

aplicação desses instrumentos, como se dá sua construção na Embrapa e seus efeitos sobre as

práticas de cientistas e técnicos da instituição. A primeira etapa da pesquisa revisou

criticamente os principais paradigmas contemporâneos do estudo da CT&I. No caso, partiu-se

da Economia da Inovação (teoria neo-schumpeteriana) e da Sociologia da Ciência e das

Técnicas (teoria ator-rede e sociologia do campo científico). A segunda etapa consistiu na

revisão dos documentos e comunicações que tratam dos instrumentos avaliativos utilizados

pela Embrapa e dos boletins que contém resultados de avaliações. Na terceira etapa, foram

realizadas entrevistas com agentes envolvidos pelas práticas avaliativas da instituição –

cientistas, gestores e avaliadores – com o objetivo de identificar as diferentes visões e

opiniões sobre os usos e efeitos dos novos métodos de avaliação da CT&I.

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O Capítulo 1 apresenta as transformações da ciência e de seus instrumentos de

avaliação promovidas nas últimas décadas, nos termos da crise do chamado “Modelo Linear”

da produção científico-tecnológica e a emergência do “Modelo Dinâmico”. O objetivo é

realizar uma revisão crítica da literatura que tradicionalmente tem discutido a ciência

contemporânea, apontando os limites das abordagens que enfatizam apenas as dimensões

econômicas, gerenciais ou mesmo “pós-modernas” sobre o tema. Várias disciplinas têm

analisado a atividade científica, a inovação tecnológica e os novos instrumentos de avaliação

da pesquisa; alguns exemplos são a Economia da Inovação, as Ciências Informacionais, a

Administração, além da própria Sociologia. Em geral, as análises partem de diferentes

dicotomias, como: “Modelo Linear” versus “Modelo Dinâmico” e “Hélice Tripla entre

universidade-indústria-governo” (Etzkowitz & Leydesdorff, 2000); “Modo 1” versus “Modo

2” de Produção do Conhecimento (Gibbons et al., 1994) e “Ciência Moderna” versus “Ciência

Pós-Moderna” (Sousa Santos, 2005). De acordo com algumas dessas análises, é possível

identificar três grandes períodos da atividade científica: a) das origens da ciência moderna no

século XVII até a década de 1940, momento em que vigora o ideal de ciência neutra,

autônoma e pouco direcionada para fins específicos; b) do pós-guerra ao início dos anos de

1970, quando a ciência autônoma, mas com maior regulação do Estado, é considerada a chave

do bem-estar humano; c) dos anos de 1980 até a atualidade, quando CT&I “em rede” são

revalorizadas enquanto instrumentos estratégicos para o desenvolvimento sócio-econômico.

Este último período corresponde ao atual contexto da atividade científica.

Como as Ciências Sociais pode contribuir para o aprofundamento das análises sobre a

avaliação no novo contexto da atividade científica? O Capítulo 2 apresenta o referencial

teórico-metodológico da Sociologia da Ciência, uma área das Ciências Sociais que desde sua

origem – há cerca de 70 anos – tem se dedicado a investigar a dinâmica social da produção

científico-tecnológica. Segundo o sociólogo Terry Shinn (in Kreimer, 1999), é possível

agrupar as investigações empreendidas pela Sociologia da Ciência em três diferentes

perspectivas teórico-metodológicas. A primeira delas é o paradigma mertoniano, cuja origem

é o conjunto de trabalhos realizados nas décadas de 1930 e 1940 por Robert Merton,

considerado o fundador desse campo. O segundo é o paradigma construtivista, baseado nas

contribuições teóricas de Thomas Kuhn. Existem diversas vertentes construtivistas na

sociologia da ciência, como a abordagem da “construção social da tecnologia”, as

“etnografias de laboratório” e a “teoria ator-rede”. Por fim, o paradigma neo-institucionalista

se baseia nos trabalhos de Pierre Bourdieu e na noção de “campo científico” presente em suas

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análises. Terry Shinn e Yves Gingras são exemplos de pesquisadores que têm dado

continuidade a Sociologia bourdiesiana do campo científico.

Neste trabalho, as contribuições da Sociologia da Ciência são analisadas criticamente.

Discute-se a convergência de três tópicos debatidos por esses paradigmas: as suas concepções

sobre a atividade científica, sobre a inovação tecnológica e, por fim, sobre a avaliação das

práticas de pesquisa. O argumento presente nas investigações desse campo é que a avaliação

não é um aspecto isolado da ciência, pois o contexto e o conteúdo da atividade científica

influenciam e são influenciados pelos procedimentos de avaliação. Nesse sentido, o trabalho

sintetiza as principais características das diferentes abordagens da Sociologia da Ciência, com

ênfase no modo como essas abordagens enxergam o tema da avaliação.

O Capítulo 3 apresenta o caso da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

(Embrapa). A Embrapa é um bom exemplo para se refletir sobre as transformações da

atividade científica e de seus critérios de avaliação; isto porque desde meados da década de

1980, a instituição tem procurado reorganizar seus mecanismos de gestão e avaliação da P&D

com vistas a se adequar ao contexto institucional da ciência contemporânea. Isso significa, por

um lado, novos padrões de relacionamento com agentes econômicos, políticos e sociais e, por

outro, novos critérios de avaliação das pesquisas que levem em conta dimensões até então

consideradas extra-científicas. Nesta pesquisa, foi realizado um levantamento documental

acerca das transformações institucionais da Embrapa, com o objetivo de se compreender os

pressupostos da construção dos novos instrumentos de avaliação da P&D. O enfoque foi dado

a um instrumento avaliativo específico: a avaliação de impactos tecnológicos (Sistema

Ambitec). Em um segundo momento, através de entrevistas semi-estruturadas, foram ouvidos

os próprios pesquisadores e avaliadores da Embrapa, com o objetivo de se compreender quais

são os pontos-de-vista dos agentes da instituição sobre as mudanças dos mecanismos de

avaliação da ciência, como os procedimentos avaliativos interferem nas suas práticas

científicas e como estes percebem as tendências deste cenário ainda em transformação1.

Por fim, espera-se com esta pesquisa apontar as tendências e dilemas dos novos

critérios de avaliação da Embrapa, e realizar considerações que constituam a base de

aprofundamentos empíricos posteriores.

1 O modelo das entrevistas está anexado no final desta monografia.

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2 Transformações da ciência e de seus instrumentos de avaliação

2.1 O modelo linear de produção científico-tecnológica e os instrumentos

tradicionais de avaliação

As origens da atividade de pesquisa científica tal qual conhecemos hoje remetem ao

conjunto de fatores caracterizado como revolução científica, um processo pelo qual a

produção de conhecimentos sintonizou-se aos valores emergentes da modernidade européia.

Esse processo não será discutido detalhadamente neste trabalho, mas cabe ressaltar algumas

de suas características: a defesa do método indutivo, o uso de abstrações teóricas matemáticas

para se representar a natureza, a experimentação constante e uma visão cumulativa acerca da

produção de conhecimentos (cf. Rossi, 2001). Essas peculiaridades definiram uma nova

postura diante da produção de conhecimentos sobre o mundo físico e natural, promovendo o

surgimento da chamada ciência moderna.

A revolução científica consolida-se no século XVII, com a criação de novos espaços

responsáveis pela produção do conhecimento científico, como as academias e as sociedades

de cientistas. Os membros dessas instituições foram os principais atores da construção dos

novos padrões de produção de conhecimento, através de métodos, procedimentos e regras

específicas que deveriam ser seguidas por todos os pesquisadores da instituição, e o

compromisso com essas regras seria objeto da vigilância constante dos “pares”, isto é, de toda

a comunidade científica. Com isso, as instituições científicas foram as pioneiras em formar a

autonomia da ciência, conferindo a um único tipo de agente – o pesquisador membro da

comunidade – a competência para produzir conhecimentos legítimos (Rossi, 2001).

O sociólogo Robert Merton afirma que a comunidade científica explicitou esse

conjunto de normas – denominado pelo autor como “ethos científico” – com a função de

manter a autonomia de suas práticas de pesquisa. A imposição institucional do ethos seria

capaz de canalizar as motivações dos cientistas e, deste modo, impedir a “contaminação” da

ciência por elementos do contexto social que a envolve (Merton, 1970). Os trabalhos de

Merton são considerados a origem da Sociologia da Ciência, e suas características serão

discutidas com mais detalhes no capítulo 3. Por ora, cabe apontar que a visão do autor servirá

de base para os argumentos que defendem a autonomia ciência e o desinteresse dos

pesquisadores para com seus resultados de seu trabalho.

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Existe uma profunda relação entre tal concepção de ciência institucionalmente

autônoma vigente entre o século XVII e o início do século XX e os instrumentos utilizados no

período para a avaliação de seus resultados. No caso, como identificam Zackiewicz (2003;

2005) e Velho (2008), a comunidade científica adotou instrumentos de avaliação focados

apenas para a pesquisa básica. A “boa ciência” dependeria apenas da adoção de critérios

científicos reconhecidos pelos outros cientistas (primordialmente, o método científico) e cedo

ou tarde encontraria sua aplicação.

Nesse sentido, a “revisão por pares” (peer review) constitui o instrumento primordial

de avaliação da produção científico-tecnológica (Zackiewicz, 2005; Velho, 2008). A revisão

por pares procura garantir que apenas critérios científicos sejam utilizados ao avaliar o

trabalho dos pesquisadores. Conforme apontado por Rossi (2001), o mecanismo de revisão

pelos pares contribui para a institucionalização da ciência moderna: o “par” competente a

estabelecer julgamentos é o “colega” da comunidade de cientistas, cuja excelência acadêmica

– e não sua articulação com outras instituições sociais – garante o reconhecimento dos demais

membros da comunidade. Deste modo, outros agentes e critérios ficam excluídos do processo

avaliativo (Davyt & Velho, 2000).

Entre o século XVII e o início do XX, instrumentos de avaliação diferentes da revisão

por pares não são vistos como necessários, uma vez que “a necessidade de prestar contas para

a sociedade perdia sua importância quando confrontada com o argumento de que o sistema de

revisão por pares estava selecionando a melhor pesquisa” (Davyt & Velho, 2000, p. 103).

Posteriormente, a Segunda Guerra Mundial (1939-45) foi responsável por consolidar

de fato a institucionalização da ciência, em particular graças ao modo como os Estados

Unidos da América (EUA) administraram o uso da ciência e da tecnologia no conflito. A

aplicação dos resultados da pesquisa científica e militar nos esforços de guerra foi considerada

um fator crucial para a vitória norte-americana, principalmente após o sucesso do Projeto

Manhattan. Desta forma, ao final da guerra os EUA haviam estabelecido uma ampla estrutura

de incentivo à P&D. Além disso, a transposição de tecnologias de origem militar para o uso

cotidiano – como foi o caso da penicilina – promoveu uma visão promissora sobre como as

descobertas da pesquisa científica poderia trazer benefícios públicos também em tempos de

paz. Com isso, surgia naquele momento um grande otimismo quanto à ciência e à tecnologia.

As transformações da ciência nesse período são sintetizadas pelo relatório Science, the

Endless Frontier, do diretor de P&D do governo norte-americano, Vannevar Bush (1945).

Esse relatório lançou as bases do modelo de política científica e tecnológica dos EUA, que em

seguida se difundiu aos demais países de capitalismo avançado. Nele, Bush defende que o

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conhecimento científico possui centralidade na promoção do bem-estar público, em áreas

como o combate às enfermidades, a segurança nacional, a geração de emprego e o

crescimento industrial. Logo, pela importância da pesquisa científica em todas essas áreas,

seria necessária uma ampla estrutura pública de apoio à prática da ciência. Este será o

argumento que constituirá a principal origem da força de sustentação da ciência a partir do

pós-guerra: o Estado deveria se responsabilizar pelo desenvolvimento científico; isso

ocorreria através de grandes investimentos financeiros em programas de pesquisa básica, no

ensino superior e na qualificação dos pesquisadores, além da manutenção de departamentos e

programas governamentais (Bush, 1945). Cabe lembrar que tal concepção de ciência regulada

pelo Estado filia-se à consolidação do Welfare State no pós-guerra.

Para essa visão, a produção científico-tecnológica ocorreria através de uma linearidade

entre pesquisa básica – pesquisa aplicada – tecnologia – bem-estar social. Essa concepção

sobre a ciência consolida o que diversos analistas (Gibbons et al., 1994; Etzkowitz &

Leydesdorff, 2000; Furtado, 2005; Dagnino, 2007; Velho, 2008) consideram como “Modelo

Linear” (ou “Ofertista”) de produção científico-tecnológica, no qual caberia aos cientistas

ofertar conhecimentos “puros” que seriam base de avanços tecnológicos posteriores. A

ingerência direta do Estado nos assuntos de pesquisa não seria tolerável; tampouco o setor

produtivo ou o restante da sociedade são vistos como aptos a participar do debate científico.

Compete à comunidade científica – e não aos campos político e econômico – a autonomia no

controle e no direcionamento das suas atividades que, sendo garantido o respeito ao método

científico, resultariam automaticamente em ganhos sociais. Esse Modelo também é

denominado como “ciência mertoniana”, graças à defesa da autonomia institucional das

atividades de pesquisa.

Contudo, entre as décadas de 1950 e 1970, diversos fatores contribuiriam para

modificar algumas das características do Modelo Linear, sem romper por completo com ele.

Nesse momento, os altos gastos do Estado com P&D passam a ser criticados. Segundo

Furtado (2000), programas custosos como a missão espacial dos EUA começam a ter seus

resultados em matéria de retornos sociais questionados pelo campo político. Também se

defende que os cientistas se preocupem menos com a expansão da fronteira tecnológica do

que com problemas mais presentes à sociedade – como a crise energética dos anos de 1970.

Destarte, a transformação da ciência e da tecnologia em bem-estar social passa a ser vista de

maneira mais complexa e menos automática: para que ela ocorra, não seria possível ignorar as

demandas sociais e industriais pelas tecnologias geradas nas práticas de pesquisa.

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Outro fator diz respeito à concepção valorativa sobre a ciência, já que a visão positiva

sobre ela passa a coexistir com críticas que enfatizam um ponto de vista negativo a propósito

dos efeitos da ciência e da tecnologia sobre o mundo social. Essas críticas surgem das fontes

mais diversas, como movimentos sociais e formulações teóricas do próprio campo intelectual,

que atribuem à ciência e à tecnologia a degradação do ambiente, a limitação da liberdade

humana ou o aperfeiçoamento das desigualdades sociais2. Ou seja, o conhecimento científico

seria de fato neutro, porém, poderia ser utilizado tanto para o “bem” quanto para o “mal”, o

que seria determinado pelo modo como se controlam as atividades científicas (Velho, 2008).

É nesse contexto que ganha força a exigência política e social por accountability

(prestação de contas, ou “contabilidade”) das atividades de P&D. Por mais que a prática

científica ainda deva possuir relativa autonomia, os cientistas são cada vez mais chamados a

prestar contas pelas conseqüências de seu trabalho. Segundo Zackiewicz, “a lógica [de

accountability] é que se a maior parte do dinheiro que financia C&T é público, então as

instituições beneficiadas devem ao poder público justificativas de seu uso” (2003, p. 195).

As pressões por accountability incentivaram o surgimento de novos mecanismos de

controle e avaliação da CT&I. Quanto ao controle, a exigência política de que os cientistas

trabalhassem em problemas relevantes para a sociedade levou ao surgimento de programas

tecnológicos de pesquisa mais direcionados pelo Estado, tendo em vista principalmente o

setor produtivo. Como lembram Furtado (2005) e Velho (2008), a demanda por tecnologias

adquire relevância diante da mera oferta de conhecimentos científicos. O controle das

atividades de pesquisa continuaria sendo exercido principalmente por cientistas; mas estes

deixam de ser os únicos atores da ciência e passam a dividir espaço com formuladores de

políticas (policy makers) e burocratas (Zackiewicz, 2003; Dagnino, 2007).

Sobre a avaliação da CT&I, no momento em que ela amplifica seu escopo para

incorporar os resultados da P&D e a demanda por tecnologias, critérios administrativos do

Estado se chocam com os critérios científicos nos processos avaliativos. E para que esses

resultados sejam efetivamente congregados ao julgamento da ciência, criam-se novos

instrumentos de avaliação denominados “indicadores de input” (isto é, de “insumos” ou

“investimentos”) e “indicadores de output” (“saídas”, “produtos” ou simplesmente

“resultados”), dividindo espaço com a já citada revisão por pares. A ênfase desses

instrumentos recai sobre os produtos finais da atividade científica, e não apenas sobre a

2 Datam deste período, por exemplo, as críticas de Ellul (1968) aos efeitos da técnica para os seres humanos e da Escola de Frankfurt sobre os totalitarismos do conhecimento científico (Adorno & Horkheimer, 1985) e da racionalidade tecnológica (Marcuse, 1967). Contudo, ao mesmo tempo que os autores realizam tais críticas, o caráter autônomo atribuído ao desenvolvimento técnico-científico corrobora uma visão linear acerca da CT&I.

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pesquisa básica. O intuito é criar dados objetivos para embasar a tomada de decisões na área

de política científica e tecnológica (Velho, 2008).

Com relação aos indicadores de entrada de recursos (inputs), a idéia de linearidade

entre pesquisa científica básica e produção tecnológica pressupunha que a qualidade e certeza

dos resultados tecnológicos obtidos seriam proporcionais aos investimentos iniciais; quanto

maiores e mais bem alocados os recursos, melhores seriam os resultados da pesquisa. Nesse

sentido, passou-se a contabilizar com maior cuidado a entrada de recursos financeiros nas

instituições científicas.

Quanto aos indicadores de “resultados” (outputs), um importante mecanismo de

avaliação desse tipo é a cienciometria. O pressuposto desse instrumento é que seria possível

utilizar a precisão dos métodos científicos (leia-se, quantitativos) para avaliar a própria

ciência. Seu principal método é a construção de indicadores bibliométricos, ou seja, à

contabilização do número, do impacto e da qualidade das publicações científicas. Nota-se que

a noção de “qualidade” também adquire aqui contornos corporativos, uma vez que ela é tida

como proporcional à quantidade de vezes que uma publicação é citada por outros cientistas

(Davyt & Velho, 2000). Outras iniciativas no sentido de controlar os resultados da ciência

buscando maior “precisão” e “objetividade” são: o technology forecasting, que visa prever o

futuro do desenvolvimento técnico-científico a partir de modelos teóricos sofisticados; a

criação de departamentos governamentais de avaliação tecnológica (technology assessment); e

o desenvolvimento de métodos de avaliação ex-ante que procuram calcular os possíveis

retornos financeiros de projetos de pesquisa e, com isso, mensurar a relação input/output das

atividades de P&D (Zackiewicz, 2003; Velho, 2008).

O enfoque na demanda por tecnologias, a construção da idéia de accountability e os

instrumentos de avaliação dos inputs e outputs das pesquisas não rompem em definitivo com

a visão linear e ofertista sobre a ciência. Analisando a política científica e tecnológica do

período, Dagnino (2007) identifica que a grande maioria dos policy makers responsáveis pelo

controle político era constituída dos chamados experts, pesquisadores prestigiados oriundos

da própria comunidade científica e que ainda partilhavam do ethos mertoniano.

Do mesmo modo, a busca por instrumentos de avaliação da ciência estritamente

objetivos e científicos levou os métodos de avaliação a ignorar a complexa influência dos

componentes políticos, sociais ou mesmo subjetivos no universo da pesquisa científica. De

acordo com Davyt & Velho (2000), a revisão por pares, mecanismo que representaria o mais

objetivo instrumento de avaliação, muitas vezes se baseia em elementos subjetivos para julgar

a qualidade científica, como a amizade ou a concorrência dentro de uma mesma área. Em

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alguns casos, cientistas tendem a avaliar negativamente o trabalho de pares que tenham

projetos parecidos com o seu, pois isso representaria maior competição. Quanto aos índices

bibliométricos, critica-se o fato deles não levarem em conta outros componentes do conteúdo

científico – restringindo a qualidade científica a critérios quantitativos – e de sua comunicação

– como o “conhecimento tácito” implícito nas práticas de pesquisa. Com isso, os instrumentos

de avaliação do Modelo Linear atribuem à ciência uma independência ideal, mas não real, dos

contextos institucional e social nos quais ela está inserida (Zackiewicz 2003).

2.2 A emergência do modelo dinâmico de produção científico-tecnológica e os novos

instrumentos de avaliação

Entre o final da década de 1970 e 1980, alguns fatores contribuíram para a emergência

de transformações profundas na atividade científica, o que se refletiu nos seus instrumentos de

avaliação. Segundo as diversas análises sobre o tema (Gibbons et al., 1994; Etzkowitz &

Leydesdorff, 2000; Salles Filho et al., 2000), os principais fatores que levaram a essas

transformações foram: a) mudanças na relação entre Estado e sociedade com o advento do

neo-liberalismo; b) revolução técnico-científica e digital; c) atual estágio da economia

globalizada, com seus novos padrões concorrenciais e o regime de acumulação flexível; d)

surgimento de novas abordagens teórico-metodológicas sobre a inovação tecnológica (como a

teoria evolucionista na Economia e o construtivismo na Sociologia).

As mudanças na relação entre Estado e sociedade dizem respeito ao fato dos Estados

Nacionais cortarem boa parte do financiamento de universidades, programas tecnológicos e

institutos públicos de pesquisa a partir da década de 1970. Este processo é reflexo de uma

mudança muito mais ampla observada no relacionamento entre Estado e sociedade e Estado e

economia, seja pela ideologia política neoliberal, seja pela incapacidade orçamentária do

Estado de financiar áreas que exijam gastos elevados – como a ciência e da tecnologia – a

partir da crise fiscal dos anos de 1970.

Como conseqüência, a responsabilidade do Estado para com a ciência e a tecnologia

torna-se problemática, e a Big Science entra em declínio. Nesse cenário, as instituições de

pesquisa precisarão buscar novas fontes de recursos para manter o nível de suas atividades.

Nesse sentido, as instituições científicas passam a se articular com parceiros diferentes que

representam outras possibilidades de custeio, como governos locais, bolsas de pesquisa,

programas interinstitucionais, universidades e, principalmente, as empresas privadas. Os

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objetivos são garantir a captação de recursos públicos e privados, a geração de recursos

próprios através da venda de serviços e o relacionamento institucional com os novos atores da

pesquisa. No caso específico das IPPs, Salles Filho et al. sintetizam as opções adotadas diante

do novo cenário:

[...] as IPPs terão que, sob a perspectiva política, se subordinar às demandas de

segmentos da sociedade civil muito mais do que às demandas advindas da lógica

interna corporativa de seus funcionários; sob a perspectiva fiscal, fundar uma cultura

de recursos públicos por cuja utilização e resultados tenham de prestar contas a

todos os segmentos da sociedade; e, sob o ponto de vista institucional, introduzir

critérios de gerência técnica e de planejamento que as aproximem das formas mais

eficientes de gestão (Salles Filho et al., 2000, p. 29-30).

Os surgimentos da microeletrônica, da nanotecnologia, da internet e outros frutos da

revolução técnico-científica e digital também foram fatores fundamentais na transformação

das atividades de P&D. Primeiramente, porque promoveram o nascimento de novas

disciplinas e áreas do saber, o que implica em novas possibilidades de pesquisa. Em segundo

lugar, por permitirem o surgimento de novos produtos e processos de P&D. Por fim, por

estabelecerem uma maior mobilidade de informações e conhecimentos entre pesquisadores e

instituições.

Outro fator será o aparecimento de novas abordagens teórico-metodológicas sobre a

relação ciência-indústria e sobre a inovação tecnológica. Este tema merece especial atenção,

pois essas abordagens representam a visão atualmente hegemônica sobre a ciência. De acordo

com Tigre (2005), as abordagens evolucionista e/ou neo-schumpeteriana surgiram a partir da

crítica ao descaso da teoria econômica neo-clássica acerca do papel da tecnologia na mudança

econômica. Por sua vez, como afirma Trigueiro (1997), o construtivismo na Sociologia da

Ciência se posiciona contra a perspectiva da “ciência mertoniana” que marcava os estudos

dessa disciplina. Essas abordagens colocaram o problema da mudança tecnológica no centro

do debate sobre a atividade científica.

A abordagem evolucionista foi concebida na década de 1970 por Richard Nelson &

Sidney Winter. Contrários à centralidade dada ao equilíbrio estático na teoria econômica

tradicional, eles se utilizam de analogias biológicas na tentativa de incorporar a dinâmica

transformadora e complexa do capitalismo em seu modelo teórico. O objetivo é construir uma

nova visão sobre as transformações da economia tendo como ponto de partida as empresas,

tidas como as protagonistas da mudança tecnológica. Para estes autores, as empresas agem de

acordo com certas regras de decisão regulares e previsíveis chamadas de rotinas (Nelson &

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Winter, 2005), que constituiriam o objeto da análise da Ciência Econômica. Elas seriam como

os genes biológicos: características persistentes que determinam parte do comportamento

possível das empresas e ramos de atividade. Assim como os genes, as rotinas são hereditárias,

pois há continuidade entre as características do passado, do presente e do futuro dos agentes.

Nesse sentido, as decisões das empresas são influenciadas por diversos fatores presentes no

dia-a-dia da produção, e têm como base a organização atual das atividades desses agentes.

Mas os atributos internos não definem sozinhos as rotinas das empresas. A teoria

evolucionista argumenta que o mercado possui um papel fundamental na definição dos rumos

adotados pelas empresas nas mudanças tecnológicas que implementa. Para Nelson & Winter

(2005), a atuação no cotidiano do mercado levaria a um processo de seleção natural,

conforme o seu contraponto biológico. As empresas que atingem rotinas mais lucrativas

crescem, enquanto as que chegam a rotinas menos lucrativas, perdem capacidade

concorrencial. Ao longo do tempo, as rotinas das empresas mais lucrativas tendem a se

consolidar entre o ramo de atividades no qual elas se inserem, e as menos lucrativas deixam

de ser motivadas. Logo, por essa perspectiva, as mudanças tecnológicas empreendidas pelas

empresas seriam resultados de evoluções graduais que conjugam as rotinas das técnicas

internas e o ambiente de seleção operado pelo contexto externo (mercado).

Em um sentido muito próximo, Dosi (2006) propõe que os processos de inovação são

influenciados pelo que ele chama de paradigmas tecnológicos, que englobam a definição das

necessidades produtivas a serem solucionadas, as diretrizes da busca pela inovação, os

princípios científicos a serem utilizados durante a pesquisa e a base tecnológica material sobre

a qual emergirão essas respostas. Isso significa que um paradigma tecnológico promove a

concentração de esforços da inovação em certas direções, e não em outras. As escolhas por

tais direções resultam naquilo que Dosi (2006) denomina trajetórias tecnológicas, que se

constituem nos caminhos utilizados pelos agentes na resolução dos problemas produtivos.

A partir do modelo teórico evolucionista, a relação entre economia e tecnologia ganha

centralidade entre os estudos sobre o comportamento econômico, incentivando a releitura da

obra de um autor que já havia discutido o assunto em outro contexto: o economista Joseph A.

Schumpeter (1982)3. Diversas análises neo-schumpeterianas realizadas a partir da década de

3 A Teoria do Desenvolvimento Econômico de Schumpeter (1982) é um clássico estudo econômico dos processos inovativos. Segundo o autor, inovações são novas combinações de forças produtivas. Essas novas combinações podem significar: 1) novos bens ou novos padrões de qualidade desses bens; 2) novos métodos produtivos; 3) novos mercados; 4) novas fontes de matérias-primas ou bens semi-manufaturados; 5) novas formas de organização da indústria (Schumpeter, 1982, p. 48). Para Schumpeter, essas novas combinações são o centro do desenvolvimento econômico e da competitividade capitalista.

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1980 se basearam nessa arquitetura conceitual para investigar a inovação tecnológica entre os

agentes do setor produtivo, criando a corrente teórica chamada de Economia da Inovação.

Mas por mais que as abordagens dessa nova disciplina enfatizem o protagonismo das

empresas nas mudanças tecnológicas, elas não deixam de reconhecer a relevância de outros

atores e dimensões para o estímulo às inovações tecnológicas. A abordagem da Ciência

Econômica que popularizou os estudos sobre a interação entre empresas e demais agentes é a

dos Sistemas Nacionais de Inovação (SNIs). Esse termo diz respeito aos modos como a

interação dos arranjos políticos, econômicos, científicos, sociais e educacionais de um país

promove um ambiente frutífero às inovações tecnológicas. Nas décadas de 1970 e 1980,

foram realizados diversos estudos de caso sobre a consolidação e os fatores de sucesso dos

SNIs, como o realizado por Freeman (1987) sobre o crescimento econômico do Japão.

No mesmo momento, a Sociologia da Ciência também vivenciava o surgimento de

novas abordagens sobre a atividade científica. Graças aos problemas suscitados pelas

transformações da ciência, a idéia de uma produção científico-tecnológica institucionalmente

autônoma e neutra é posta a prova, o que também põe em cheque a abordagem

institucionalista de Merton (1970). É nesse cenário que emergem os estudos construtivistas

sobre a atividade científica, na passagem dos anos de 1970 para os de 1980. Autores como

David Bloor (1998) e Bruno Latour (2000) defendem a indiferenciação entre a ciência das

demais esferas sociais, uma vez que a atividade científica é tão contextual e contingente

definida quanto todas as outras. Assim como a teoria mertoniana, as particularidades do

paradigma construtivista da Sociologia da Ciência serão discutidas no capítulo 3.

Tais novas abordagens teóricas acerca da atividade científica têm levado a uma nova

postura das Ciências Sociais diante da produção de conhecimentos científicos, e sobre a

relação desta atividade com as demais dimensões sociais. Para Boaventura de Sousa Santos

(2005), as transformações da ciência podem ser vistas como a passagem de uma “Ciência

Moderna”, defensora do conhecimento universal e neutro acerca de uma natureza imutável,

para aquilo que chama de “Ciência Pós-Moderna”. Os cientistas que desenvolvem a “Ciência

Pós-Moderna” reconheceriam o caráter local e contingente da ciência, a semelhança do

conhecimento científico com outras formas de conhecimento acerca do mundo, a capacidade

de mutação dos processos naturais, a possibilidade de reflexão levantada pela expansão do

conhecimento científico e a tendência da ciência em transformar-se em senso comum,

também extraindo elementos do senso comum para a construção de suas práticas. Sousa

Santos (2005) identifica essa transformação não apenas nos aspectos institucionais da ciência

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(como mecanismos de gestão e avaliação), mas no surgimento de novas teóricas científicas a

partir do século XX.

Outras abordagens, ligadas às Ciências Econômicas e Gerencias, dão ênfase à questão

da produção de conhecimento em um contexto de mercado. Gibbons et al. (1994) salientam

que ao adquirir centralidade na nova economia, o conhecimento passa a ser visto como um

elemento produtivo fundamental a ser apropriado pelas empresas – logo, passível de

comercialização, mercantilização. O conhecimento é uma mercadoria tão importante quanto

insumos, tecnologias materiais e força de trabalho, estando sua produção/circulação sujeita a

um tipo peculiar de mercado. Nos termos da Economia da Inovação, o conhecimento é visto

primordialmente como base das oportunidades de inovação tecnológica (Dosi, 1988).

Com base nessa constatação, Gibbons et al. (1994) realizam uma análise mais ampla

da nova configuração da CT&I e seu relacionamento na economia. Para os autores, assiste-se

atualmente a uma mudança no modo como se dá a produção de conhecimento. Os autores

denominam como Modo 2 uma série de aspectos que contrastam com o formato tradicional

dessa produção (Modo 1). Segundo Gibbons et al. (1994: 3-8) as características do novo

Modo que contrastam com o formato tradicional seriam:

a) Conhecimentos produzidos em seu contexto de aplicação. Desde o início da

pesquisa, já são considerados os imperativos industriais, governamentais e, de maneira mais

geral, sociais. Um conhecimento só é criado e considerado válido se os interesses dos vários

atores envolvidos no contexto forem incluídos.

b) Transdisciplinaridade. As soluções para problemas de pesquisa são cunhadas a

partir das contribuições de diversas disciplinas, e não de uma em particular. Em outras

palavras, no Modo 2, as descobertas são produzidas além das fronteiras disciplinares. Pelo

fato das soluções serem criadas em seus contextos de aplicação, são criados modelos teóricos

próprias ao contexto, e a comunicação dos resultados se inicia já no processo de produção e

depende fortemente dos seus participantes.

c) Heterogeneidade e diversidade organizacional. Não existem conformações rígidas

e duradouras entre instituições. A formação de contratos de parceria e de times de pesquisa é

temporária; assim que um problema de pesquisa é resolvido ou se redefine, se desfazem os

vínculos inseridos no contexto. A multiplicação de instituições aptas a desenvolver atividades

de P&D e o desenvolvimento dos meios de comunicação contribuíram para esse fenômeno.

Em suma, o formato do Modo 2 exige maior flexibilidade dos agentes de pesquisa.

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d) Prestação de contas4 à sociedade e reflexividade. As preocupações com os efeitos

da tecnologia sobre o interesse público aumentaram o número de grupos interessados em

influenciar o processo de pesquisa e a definição de prioridades. Para os autores, um reflexo

disso é a presença de cientistas sociais junto a cientistas naturais, engenheiros, técnicos, policy

makers e juristas, refletindo sobre a dimensão social de suas atividades. Nesse contexto, cria-

se a necessidade de prestar contas à sociedade sobre os processos de pesquisa e seus impactos.

Essa prestação de contas deve permear todo o procedimento da pesquisa, influenciando não só

a divulgação de seus resultados, como também desde o início a definição do problema e de

possíveis caminhos a percorrer, como parte integrante do contexto de aplicação. Interesses de

grupos e indivíduos antes vistos como exteriores à dinâmica científica e inovativa devem ser

incorporados. Como conseqüência, aumenta a reflexividade que os atores do contexto de

aplicação possuem sobre suas próprias atividades.

e) Controle de qualidade. No Modo 1, a qualidade das atividades de CT&I e da

produção de conhecimentos era condicionada ao modelo de revisão por pares. A definição de

qualidade encontrava-se atrelada aos imperativos internos da comunidade científica, e o

avanço da ciência é entendido como o avanço de conhecimentos em cada disciplina. A partir

do Modo 2, a definição de “boa ciência” é mais difícil de ser alcançada, pois envolve uma

conformação mais ampla de interesses sociais, econômicos e políticos.

Finalmente, o atual estágio da economia globalizada também influenciou as

transformações da ciência, em particular o relacionamento das atividades de P&D e o setor

produtivo. A Economia do Conhecimento seria a configuração econômica surgida a partir da

década de 1980 na qual o financiamento da pesquisa, as tecnologias de comunicação e a

própria estruturação da ciência sofrem profundas alterações. Por essa perspectiva, pesquisa

científica e tecnológica são fontes de oportunidades estratégicas para os agentes econômicos

inovarem e, com isso, crescerem economicamente. Logo, recursos tão importantes quanto

ciência e tecnologia devem ter sua dinâmica controlada, no sentido de tornar mais eficiente a

relação entre conhecimento, inovação e economia, incentivando modelos de cooperação entre

os agentes (Castells, 1999).

Nesse sentido, uma multiplicidade de agentes é incorporada a dinâmica inovativa.

Essa visão nos leva ao conceito de redes, amplamente utilizado pelos analistas da inovação.

Como afirma Lemos (2000: 169), “vem se considerando a formação de redes como o formato

organizacional mais adequado para promover o aprendizado intensivo para a geração de

4 Tradução do termo inglês accountability, que em alguns casos é traduzido como contabilidade para o português.

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conhecimento e inovação”. Na Ciência Econômica, o conceito de redes visa dar conta da

multiplicidade de agentes e interações envolvidas na concepção e na difusão da inovação.

Esses agentes são as empresas, universidades, instituições privadas, governos, consumidores,

etc. A dinâmica interativa entre esses variados agentes configura uma rede de cooperação. O

formato, a abrangência e a diversidade de uma rede pode variar bastante, de acordo com o

ambiente em que ela se insere, o(s) tipo(s) de setor(es) da indústria que ela comporta e sua

amplitude (nacional, regional ou local) (Castells, 1999; Lemos, 2000).

A dinâmica da inovação tecnológica em empresas, governos, universidades e IPPs

está, portanto, extremamente vinculada a outro tipo de transformação: a promoção das

inovações organizacionais. Sanidas (2004) ressalta que inovações tecnológicas não são

capazes de aprimorar a produtividade por si só. Seria viável para uma empresa atingir o

crescimento econômico baseando-se apenas em inovações organizacionais, porém o inverso

não é possível, pois as inovações tecnológicas dependem do suporte das organizacionais para

funcionarem de maneira apropriada dentro da produção industrial. Os diferentes níveis de

competitividade econômica das empresas não seriam dados pelos seus resultados da P&D,

mas sim no modo como a P&D é administrada pelas inovações organizacionais.

Esse tipo de inovação está profundamente articulada aos métodos de organização

científica da produção surgidos com o fordismo e complexificados com o advento do regime

de acumulação flexível (toyotismo). A diferenciação e a descentralização da produção, a

fabricação just-in-time, o controle de qualidade total, a flexibilização das relações contratuais

de trabalho e os novos padrões de cooperação inter-firmas são em si mesmos modelos de

inovações organizacionais inerentes ao novo regime (Sanidas, 2004).

Desta forma, com o objetivo de atuar com mais eficiência sobre a pesquisa interna, os

países de capitalismo avançado se interessam mais pelas análises dos processos inovativos. A

geração de informações sobre inovação passa a ser vista como um importante condicionante

de seu sucesso. A Ciência Econômica se volta cada vez mais para a análise da inovação,

principalmente a partir de meados dos anos 1980. Esses estudos procuram examinar a

eficiência das atividades de P&D e de seus padrões organizacionais. Uma maior compreensão

dos processos inovativos resultaria no aumento do arcabouço decisório para gestores e policy

makers. Com isso, defende-se a mensuração quantitativa e qualitativa da inovação, justificada

pela necessidade de compreensão desses fenômenos. Percebe-se que, por essa visão,

compreensão é entendida como sinônimo de universalização e comparabilidade.

Ao se considerar a gerência da P&D e a criação de indicadores como chaves para o

sucesso inovativo, a avaliação da ciência, tecnologia e inovação se enquadra à nova lógica de

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pesquisa. Isso significa que as transformações na configuração da CT&I se refletem no modo

como se avaliam seus resultados. Sobre isso, Zackiewicz (2003), argumenta que, na

atualidade, assiste-se a convergência entre as tradições de avaliação interna (revisão por

pares) e externa (governo, avaliadores profissionais, órgãos de financiamento, etc.), a

emergência de uma nova gestão pública, que requer indicadores de desempenho e de

programação das instituições de P&D, e a busca por meios efetivos que associem produção

científica e desempenho competitivo.

Logo, com as novas concepções de ciência, tecnologia e de inovação surgidas a partir

da década de 1980, dois dos métodos de avaliação mais usuais são a avaliação de impactos

tecnológicos e os estudos do futuro (prospecção) da CT&I (Zackiewicz, 2003). A primeira

investiga conseqüências do uso de uma ou várias tecnologias ao longo da cadeia produtiva,

seus efeitos na realidade econômica, social e ambiental, além de procurar determinar as

trajetórias que levaram um processo de inovação tecnológica ao sucesso. Já os estudos de

prospecção buscam prever, antes mesmo da implantação da pesquisa, as conseqüências do uso

de uma ou várias tecnologias para a economia, a sociedade e o ambiente, antecipando

possíveis ações ou precauções. Quanto à avaliação de impactos tecnológicos, alguns esforços

têm sido empreendidos no sentido de construir métodos de avaliação mais sistêmicos, que

sejam capazes de abarcar diferentes dimensões de impactos tecnológicos. De acordo com

Furtado (2000), é possível identificar quatro dimensões de impactos que são objeto dos

métodos avaliativos atuais.

A primeira é a avaliação de impactos econômicos. Sua função é mensurar os ganhos

econômicos trazidos por um projeto ou processo inovativo. As metodologias mais utilizadas

nesse caso são avaliações ex-ante e/ou ex-post de contabilidade da relação custo/benefício

advinda da inovação. A segunda é a avaliação de impactos sociais. Segundo Furtado (2000),

as metodologias que avaliam impactos sociais são bem menos presentes do que as de

impactos econômicos; em geral, instrumentos que dizem analisar impactos sócio-econômicos

se restringem a essa última dimensão. Com isso, as avaliações sócio-econômicas investigam

como os gastos com P&D transformam-se em ganhos socializáveis e contribuem para o

desenvolvimento social. O intuito é legitimar esses gastos. A terceira é a avaliação de

impactos ambientais. Assim como as avaliações de impactos sociais, essas avaliações também

surgiram como avaliações econômicas de impactos ambientais, isto é, contabilizam danos ou

benefícios trazidos pelo processo inovativo ao meio ambiente. Atualmente, calculam-se os

impactos a partir da unidade de medida original (agricultural, agropecuária, etc.),

identificando como a situação da unidade avaliada se transformou após a implantação de uma

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inovação, diferenciando-a da situação precedente. A última e mais recente é a avaliação de

impactos sobre capacitação, em outros termos, impactos político-institucionais. Com a

percepção da importância das inovações organizacionais, os próprios processos de

aprendizagem, de gerenciamento e de aperfeiçoamento organizacional passam a ser

mensurados. O que se mensura é o aprendizado das empresas e instituições, a formação de

redes de cooperação, a capacitação de recursos humanos, conhecimentos codificados e tácitos

presentes em um processo inovativo, etc. (Furtado, 2000).

Partindo para a análise das implicações mais gerais desses métodos da avaliação, Rip

(2001) discute o modo como eles se inserem na nova realidade da CT&I. Segundo o autor, um

dos principais desafios que se apresentam aos modelos de avaliação nesse contexto é se voltar

para os problemas estratégicos da P&D. Para tanto, três aspectos da avaliação são

fundamentais: a) dar base às decisões de gestores; b) permitir mudanças estratégicas nos

rumos da P&D; c) fornecer prestação de contas quanto aos recursos destinados às atividades

científicas e tecnológicas.

O suporte às decisões de gestores e policy makers é possibilitado pelo julgamento que

a avaliação promove sobre os impactos da pesquisa. As decisões possibilitadas pela avaliação

estão, em geral, relacionadas com a conquista de financiamento e contratos de pesquisa com o

setor público ou privado. Para que a avaliação funcione como suporte às decisões, os

resultados da avaliação são transformados em indicadores (principalmente quantitativos).

Deste modo, como lembra Rip (2001) instrumentos de avaliação vêm sendo aplicados tanto

no nível micro-sistêmico (sistema de P&D de uma instituição, universidade ou empresa) ou

macro-sistêmico (sistema de P&D de um país ou região).

Os atores político, econômicos, científicos e outros podem não apenas administrar o

sistema de P&D existente, mas também operar algumas transformações em seu

direcionamento. Além disso, nem sempre os objetivos e resultados das atividades de P&D são

satisfatórios. Esses fatores levam à necessidade de mudança estratégica de seus rumos. Nesse

contexto, a avaliação poderia auxiliar no diagnóstico da P&D, e seus resultados devem ser

apropriados pelos agentes interessados nessa mudança (Rip, 2001). Percebe-se, deste modo, a

convergência entre a prática de avaliar e a prática de planejar. Avaliação e gestão se

transformam em duas faces do mesmo procedimento: a busca pela coordenação e organização

da inovação (Zackiewicz, 2003). A avaliação da CT&I permite gerenciar melhor os processos

inovativos, assim como avaliar os resultados do gerenciamento promove o aprendizado e o

aprimoramento das pesquisas e dos mecanismos de incentivo à inovação.

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Além da visão estratégica necessária à avaliação, Rip (2001) identifica outros três

desafios: aprimorar os sistemas de pesquisa nacional, determinar impactos diretos e indiretos

da inovação e incorporar as visões dos novos stakeholders5 à avaliação. Em primeiro lugar, a

avaliação deve fornecer subsídios para que a P&D de um país possa melhorar

substancialmente. Ela deve demonstrar, através de representações e indicadores, o que

funciona e o que não funciona em um Sistema Nacional de Inovação, em um modelo de

políticas científicas e tecnológicas ou em esforços de P&D empreendidos por cientistas e

engenheiros. Esse tipo de aplicação para os resultados da avaliação é incentivada pelos países

de capitalismo avançado e por organismos como a OCDE, com base em modelos “ideais” de

SNIs. Nesse sentido, o avaliador não é apenas um crítico do que foi feito no passado, mas um

importante crítico construtivo para o futuro (Rip, 2001).

Contudo, os métodos de avaliação encontram dificuldades em definir com clareza

quais são os impactos advindos da inovação. O paradigma neo-schumpeteriano discutiu a

incerteza dos rumos da inovação (Dosi, 1988); do mesmo modo, a conexão ente a atividade de

pesquisa e seus “efeitos” é difusa e incerta para ser avaliada com precisão. Além disso, é

difícil determinar qual esforço de pesquisa promoveu qual efeito, pois os usuários da inovação

estão em contato com diferentes resultados de pesquisa ao mesmo tempo, o que torna

complicada a tarefa de atribuir impactos a seus devidos responsáveis. Em outros termos, há

uma co-produção de impactos tecnológicos que a avaliação, ao reduzir a complexidade de

uma certa realidade, possui problemas em analisar6 (Rip, 2001).

Finalmente, talvez o maior desafio para os métodos de avaliação contemporâneos seja

colocado pela multiplicidade de fatores e agentes envolvidos em processos inovativos. A

partir do momento que surge uma concepção mais ampla e dinâmica de inovação, são

identificados novos agentes que se encontram envolvidos nos esforços de P&D – ou ao menos

interessados em seus resultados. Como exemplo, Rip (2001) cita o interesse pelos aspectos

éticos, legais e sociais da CT&I, pelos quais ela é julgada pela sociedade. Incorporar esses

aspectos, fazendo a avaliação abarcar dimensões muito além da economia, é mais complexo

do que parece, uma vez que aspectos sócio-culturais colocados pelos novos agentes

dificilmente se traduzem satisfatoriamente em indicadores e dados estatísticos.

5 Agentes “portadores de interesse”. 6 A isso se soma o problema do tempo que uma inovação leva para produzir impactos. Rip (2001, p. 2-33) afirma que em alguns casos, avaliadores identificaram impactos que começaram a se manifestar apenas dez anos depois. Entretanto, estabeleceu-se entre os avaliadores a convenção de que três anos é um tempo razoável para se identificar impactos.

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24

3 Avaliação da atividade científica no olhar da Sociologia da Ciência

3.1 Sociologia da ciência clássica: paradigma mertoniano

No capítulo anterior, foram apresentados os principais elementos dos diferentes

períodos da atividade científica. Esses períodos, por sua vez, não deixaram de ser

problematizados pela sociologia. As mudanças no contexto da atividade científica

produziram, por sua vez, alterações no modo como a sociologia investiga a ciência. Nesta

seção serão apresentados alguns elementos da obra de Robert Merton, cujas características,

como se perceberá, estão profundamente vinculadas ao que se denomina como “Modelo

Linear” das práticas de P&D,

O pioneirismo de Robert Merton no estudo sociológico da ciência deve-se ao fato de

que ele foi um dos primeiros pesquisadores a analisar a ciência como uma instituição social,

de modo similar, por exemplo, ao Estado ou à religião. O argumento central de Merton (1970)

é que a ciência influencia e é influenciada por outras instituições sociais, constituindo uma

atividade social fundamentada em valores normativos que regulam o funcionamento interno

dessa instituição e contribuem para diferenciá-la das demais.

Dois fatores do contexto acadêmico do qual Merton fez parte, nas décadas de 1930,

1940 e 1950, influenciaram a sociologia mertoniana. Primeiramente, o autor procura integrar

duas perspectivas antagônicas que predominavam no campo da sociologia norte-americana

nesse período: por um lado, a grande teoria social, formuladora de modelos teóricos

sistêmicos, sem se preocupar com os dados empíricos; por outro, o excessivo empirismo

sociológico voltado para análises do cotidiano micro-social, sem promover generalizações

teóricas7. Merton (1970) concebe uma abordagem sociológica que, a partir de análises de

“médio alcance” e problemas bem delimitados, procura realizar estudos que abarquem tanto o

levantamento empírico como a generalização teórica. Nesse sentido, o aspecto chave da

sociologia mertoniana é a perspectiva funcionalista das instituições sociais.

Em segundo lugar, outros autores já haviam lançado um olhar sociológico para as

relações entre ciência, tecnologia e sociedade, como Karl Marx (2004), Max Weber (2002;

2006), Émile Durkheim (2007), Karl Manheim (1972). Entretanto, Merton foi o primeiro a

consolidar um programa de pesquisa sobre a atividade científica tratada como uma instituição

7 Como principais exemplos dessas duas abordagens, podem-se citar a teoria dos subsistemas de Parsons e as análises empíricas da Escola de Chicago.

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social, sendo possível falar em uma “escola mertoniana” de sociologia da ciência. Ele

procurou analisar não só como ciência e tecnologia causam transformações na sociedade, mas

também como a sociedade interfere na produção científica e tecnológica.

Nesse sentido, a sua primeira investigação acerca da atividade científica recaiu sobre o

processo de institucionalização da ciência na Inglaterra do século XVII. É nela que Merton

(1970) introduz o tema da inter-relação entre a ciência e outras instituições sociais,

fundamento da sua visão sobre essa atividade. Naquele período, a valorização da natureza no

pensamento religioso puritano acabou por influenciar e incentivar o espírito científico, que na

época emergia como uma forma sistemática, racional e empírica de se estudar as leis naturais.

Esse relacionamento se intensificou a partir do momento que as instituições científicas

inglesas, como universidades e associações, passaram a contar com puritanos entre seus

membros. Desta forma, o puritanismo formulou justificativas para a prática científica e,

consequentemente, conferiu maior legitimidade social à ciência, contribuindo para sua

expansão (Merton, 1970).

A partir desse estudo é possível identificar a interdependência funcional da ciência

com outras instituições sociais. De acordo com Merton (1970), a atividade científica recebe

interferência das condições ideológicas, políticas, econômicas, culturais e institucionais na

qual está inserida, além de também interferir nessas condições. O caso da emergência da

ciência moderna na Inglaterra durante o século XVII é um exemplo desse fenômeno.

A discussão sobre a interdependência funcional da ciência levou o autor a se interessar

pelo estudo detalhado daquilo que seria a especificidade dessa instituição, que a diferencia das

outras instituições sociais e fornece as bases da prática científica autônoma. Nesse sentido,

Merton (1970) afirma que a atividade científica, como qualquer instituição social, é dotada de

valores normativos que regulam as práticas de seus membros e determinam o comportamento

moralmente aceito pelos agentes da instituição. É esse conjunto de valores e normas que o

autor denomina ethos científico. Nas palavras do sociólogo, “esses imperativos, transmitidos

pelo preceito e pelo exemplo e reforçados por sanções, são assimilados em graus variáveis

pelo cientista, formando assim sua consciência científica [...]” (Merton, 1970, p. 653).

Segundo Merton (1970), quatro imperativos institucionais compõem o ethos científico:

1) universalismo: a verdade deve advir de critérios impessoais e universalmente válidos, e

todas as pessoas que se mostrem cientificamente competentes tem o direito de ser cientistas;

2) comunismo: o conhecimento científico deve ser público, ou seja, os resultados da ciência

são de propriedade comum dos cientistas e da sociedade; 3) desinteresse: os cientistas devem

realizar suas pesquisas sem se interessar pelos frutos de seus resultados; 4) ceticismo

Page 27: Efeitos dos novos instrumentos de avaliação da pesquisa ... · PDF file3 Efeitos dos novos instrumentos de avaliação da pesquisa científico-tecnológica: o caso da Embrapa Airton

26

organizado: “duvidar” é um princípio prático e moral, pois todas as crenças e conhecimentos

socialmente aceitos podem e devem ser postos a prova para comprovação científica.

Tal abordagem funcionalista distingue entre os “motivos” individuais dos cientistas e

os valores normativos de suas atividades. No cotidiano de seu trabalho, as ações dos cientistas

podem ser motivadas por vários fatores, por exemplo, desde a curiosidade por aprender até a

esperança de lucros financeiros. Entretanto, as normas institucionais canalizam essas

motivações, levando os cientistas a se adequar às atitudes institucionalmente reconhecidas e

validadas. Destarte, o sociólogo não se propõe a analisar os motivos dos agentes mas sim o

modo como suas ações se adequam ao ethos da estrutura institucional (Merton, 1970).

Na visão do paradigma mertoniano, o ethos possui uma função específica para essa

atividade, que é a estabilidade institucional da ciência, ou seja, a garantia de que os cientistas

persigam a sua “meta institucional” – a ampliação dos conhecimentos comprovados – sem

serem perturbados pelas pressões advindas do contexto extra-científico. Para citar alguns

exemplos, o universalismo impede que particularismos sócio-culturais definam a “verdade”

cientificamente aceita, e o desinteresse implanta o controle das motivações individuais que

permite um policiamento interno sobre o cumprimento dos compromissos com a comunidade.

A perspectiva aqui exposta ausenta de problematização sociológica o conteúdo

propriamente científico das práticas de pesquisadores e técnicos. Nas palavras de Merton,

“aqui estamos tratando, preliminarmente, da estrutura cultural da ciência, isto é, de um

aspecto limitado da ciência como instituição. Assim, pois, examinaremos não os métodos da

ciência, mas os costumes que os circundam” (1970, p. 652). Processos naturais, abstrações

teóricas, demonstrações, metodologias, instrumentos técnicos, etc. não são objetos da análise

sociológica. Logo, para o paradigma mertoniano, a dinâmica social da produção científico-

tecnológica resume-se ao nível institucional das atividades de seus agentes, sem se confundir

com o conteúdo cognitivo e/ou técnico pelo qual essa atividade se constitui.

Mesmo sem focar seus estudos no conteúdo das práticas científicas, Merton (1970)

não deixa de analisar a inovação tecnológica. Um dos aspectos importantes da tecnologia na

abordagem mertoniana é sua funcionalidade para a prática da ciência, pois os objetos técnicos

produzidos pelas pesquisas básicas são a origem de grande parte da legitimidade que essa

atividade adquire diante do senso comum. Para o autor, a sociedade pode não compreender os

conhecimentos científicos abstratos, mas por crer que estes são as bases das tecnologias que

usufrui, ela apóia e corrobora a autonomia científica para que seus subprodutos tecnológicos

continuem a ser promotores de consumo e bem-estar. Todavia, quando esses objetos passam a

produzir efeitos negativos para a sociedade, como o desemprego estrutural ou o acirramento

Page 28: Efeitos dos novos instrumentos de avaliação da pesquisa ... · PDF file3 Efeitos dos novos instrumentos de avaliação da pesquisa científico-tecnológica: o caso da Embrapa Airton

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das desigualdades, ela deixa de apoiar a autonomia da ciência e passa a exigir maior controle

sobre seus resultados, criando-se assim uma nova fonte de hostilidade contra a ciência.

Outro exemplo de pesquisa deste paradigma sobre o tema da produção tecnológica é

uma breve discussão sobre os efeitos das condições políticas, econômicas e culturais no

trabalho dos engenheiros (Merton, 1970). Segundo ele, as possibilidades dos engenheiros

refletirem criticamente sobre as amplas conseqüências de seu trabalho encontram barreiras

nas condições sociais em que ele exerce suas tarefas. Merton (1970) destaca três dessas

barreiras: 1) a especialização impede um olhar sistêmico do engenheiro sobre os resultados de

suas ações; 2) a ética profissional, conseqüência da especialização, faz com que os

engenheiros desempenhem suas funções pontualmente, sem se responsabilizar pelos efeitos de

seu trabalho; 3) a burocratização configura uma hierarquia social na qual o engenheiro apenas

produz técnicas ajustadas às rígidas demandas industriais ou políticas, cabendo ao

administrador ou gestor aplicá-las de acordo com seus interesses. Além disso, a origem social

e as lealdades profissionais desses indivíduos também determinariam suas intenções e pontos

de vista. De acordo com Merton (1970), enquanto tais condições limitarem as perspectivas

dos engenheiros, a produção tecnológica continuará a carecer da reflexividade necessária a

minimização dos impactos negativos do desenvolvimento técnico.

É a partir dos estudos sobre a interdependência funcional da ciência e sobre a

estabilidade da instituição que emerge o tema da avaliação das práticas de pesquisa no

paradigma mertoniano. Para Merton (1970), se as inter-relações da ciência com outras

instituições são capazes de levar à expansão científica, essas mesmas inter-relações também

podem representar um perigo para a autonomia institucional. Segundo ele, a ciência se

defronta a todo instante com pressões de origem externa, como ingerências do Estado,

ideologias políticas, critérios de utilidade do conhecimento, etc. Em certos contextos, esses

elementos pressionam de tal modo as práticas científicas que os rumos dessas práticas podem

sair do domínio dos cientistas e técnicos e serem ditados por agentes não pertencentes a essa

instituição. Na visão do autor, isso constitui um problema para a autonomia da ciência na

medida em que esses outros agentes extra-científicos não partilham dos mesmos valores para

controlar, avaliar e julgar o conhecimento técnico-científico.

Nesse sentido, temas como os conflitos advindos da relação entre ciência e Estado

mereceram especial atenção de Merton (1970), como na análise acerca da atividade científica

sob o regime nazista alemão. Naquele período, a ciência ficou suscetível aos critérios políticos

e ideológicos do regime totalitário. A produção dos cientistas era avaliada não por seu

conteúdo teórico-metodológico, mas pela “raça” ou pela ideologia política do pesquisador. O

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comando estatal concedia autoridade e prestígio aos cientistas mais alinhados à ideologia

oficial, enquanto os cientistas não-arianos ou os que se mostravam inimigos do Estado eram

perseguidos tanto política quanto cientificamente; nesses casos, os resultados de suas

pesquisas deveriam ser considerados “equívocos” teóricos. Deste modo, Merton percebe que

em casos de extrema pressão externa os critérios na definição do “erro” e da “verdade”

científica são fornecidos por valores externos à ciência.

A partir da crítica ao que denomina como “hostilidade” contra a ciência no contexto

do nazi-fascismo, o autor conclui que outras ordens sociais são mais favoráveis ao

desenvolvimento autônomo da atividade científica, pois permitem a descentralização política

necessária à interação livre entre diferentes instituições sociais. Merton (1970) tem em mente

a sociedade democrática norte-americana como modelo ideal para que se garanta a auto-

regulação da ciência, em um momento marcado pela consolidação do Welfare State.

Todavia, por restringir a análise da ciência a sua esfera institucional, a abordagem de

Merton (1970) leva a crer que o “erro” científico é resultado das interferências extra-

científicas nas atividades de pesquisa, enquanto a “verdade” seria alcançada preservando-se a

autonomia da instituição e o bom uso do método científico. Uma das mais contundentes

críticas ao paradigma mertoniano diz respeito justamente a esse olhar funcional da atividade

científica que, de certo modo, corrobora a visão oficial idealizada pela comunidade. Para a

perspectiva mertoniana, tem-se uma “boa” ciência quando os cientistas definem os rumos de

seu trabalho e avaliam os resultados das pesquisas fundamentados em critérios

cientificamente aceitos; mas quando outros agentes e critérios extra-científicos são utilizados

para direcionar e avaliar a ciência, cria-se um conhecimento “pervertido” ou mesmo “falso”.

É com essa perspectiva que, Segundo Kropf & Lima (1998), Merton passa a analisar o

sistema de recompensas (reward system) da ciência, isto é, o modo os agentes da instituição,

através dos mecanismos internos de avaliação dos resultados científicos, distribuem o

reconhecimento e o prestígio entre seus membros. Na realidade, o tema das recompensas já

está presente na análise da estrutura normativa da ciência; para Merton (1970), o imperativo

institucional do desinteresse definiria que a única forma aceita de se recompensar um cientista

seria o reconhecimento de suas contribuições teóricas por parte dos pares.

Para essa visão, os melhores cientistas produziriam mais, fazendo com que sejam mais

bem avaliados e, consequentemente, mais reconhecidos pelos pares. Haveria ainda uma

linearidade entre o prestígio científico e a publicação, de acordo com a qual a contagem de

publicações citadas de um cientista seria o meio ideal de se mensurar sua competência e

sabedoria. Deste modo, os cientistas com maior prestígio seriam aqueles que, de fato,

Page 30: Efeitos dos novos instrumentos de avaliação da pesquisa ... · PDF file3 Efeitos dos novos instrumentos de avaliação da pesquisa científico-tecnológica: o caso da Embrapa Airton

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contribuíram decisivamente para a expansão dos conhecimentos científicos comprovados8

(Merton apud Bourdieu, 2001). Esse argumento fortalece o uso da cienciometria e a

construção de índices bibliométricos para se avaliar a ciência. Contudo, conforme identifica

Bourdieu (2001), a abordagem funcionalista mertoniana deixa de problematizar os conflitos

internos entre os cientistas ao considerar que as avaliações e o sistema de recompensas

atuariam com justiça (desde que a autonomia da instituição fosse garantida).

Os trabalhos de Merton fundaram as bases da sociologia da ciência. Segundo Shinn

(1999), a partir da década de 1940 diversas análises fundamentadas no referencial desses

trabalhos se dedicaram a estudar a ciência enquanto uma instituição social. Shinn cita como

exemplo o sociólogo Joseph Ben-David, que naquele período investigou a profissionalização

da atividade científica partindo de um olhar institucional. Por três décadas, o paradigma

mertoniano seria hegemônico nas investigações em sociologia da ciência. Esse cenário só

começaria a mudar no início dos anos de 1970, com a crescente difusão das idéias expressas

na obra “A Estrutura das Revoluções Científicas”, publicada em 1962 por Thomas Kuhn.

3.2 Nova sociologia da ciência: construtivismo e teoria ator-rede

O filósofo e historiador da ciência Thomas Kuhn propõe que o desenvolvimento

científico não é um fenômeno contínuo e evolutivo, mas sim marcado por grandes rupturas

teórico-metodológicas denominadas “revoluções científicas” (Kuhn, 2005). Em um sentido de

certo modo próximo à tese do paradigma mertoniano, Kuhn considera a adesão a valores e

normas ditadas pela comunidade científica como um elemento fundamental na definição da

conduta dos pesquisadores. O próprio conceito de “paradigma” tem sua origem na obra

kuhniana, e diz respeito justamente a esse conjunto de normas comunitárias que caracterizam

a atividade científica. Essas normas definem os problemas a serem pesquisados, as

metodologias válidas para investigá-los e as respostas satisfatórias aos enigmas (puzzles) da

pesquisa. Elas são aceitas por boa parte dos cientistas de uma área ou disciplina e, com isso,

8 O paradigma mertoniano chegaria a analisar o problema dos conflitos internos em investigações realizadas a partir da década de 1950. Segundo Kropf & Lima (1998), nesse período Merton identifica casos onde o sistema de recompensas da ciência entra em conflito com os valores normativos dos cientistas. Nesses casos, a busca pela meta institucional levou cientistas a adotarem um comportamento considerado por Merton como disfuncional e desviante. Esse fenômeno, chamado pelo autor de “Efeito Mateus” da ciência, demonstraria que diferentes posições sociais na estrutura institucional podem levar seus agentes a adaptarem suas ações para atingirem a meta da instituição, mesmo que isso signifique negar alguns elementos do ethos científico. No entanto, o fato de Merton tratar esses casos como desviantes ou anômalos comprova que o autor não procurou desenvolver um estudo sistemático desse fenômeno como pertencente a própria dinâmica estrutural da ciência.

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30

são internalizadas por eles e determinam o padrão de conduta aceito hegemonicamente pela

comunidade, constituindo a chamada “ciência normal”. Um paradigma atinge o esgotamento

quando seu referencial teórico-metodológico torna-se incapaz de explicar novos problemas

emergidos no seio do próprio cotidiano da ciência normal; segundo o autor, é esse processo

que desencadeia as revoluções científicas (Kuhn, 2005).

Ora, é de fundamental importância compreender a diferença entre o conceito de

paradigma exposto por Kuhn (2005) e o de ethos exposto por Merton (1970), pois é essa

distinção que permitirá profundas mudanças no campo da sociologia da ciência. Conforme

apontam Kropf & Lima (1998), uma primeira distinção diz respeito à idéia de “norma” que,

na abordagem kuhniana, tem suas raízes na noção de “regra” da filosofia wittgensteiniana.

Para Kuhn (2005) o conteúdo das normas científicas são fundamentadas nas próprias

atividades dos cientistas, ou seja, seus significados são construídos coletivamente ao longo

das ações concretas em que essas normas são empregadas. Assim sendo, Kuhn nega que as

normas da ciência sejam estáticas e preexistentes à ação, conforme enxerga a abordagem

mertoniana a partir da noção de ethos.

Outro aspecto que diferencia Merton e Kuhn diz respeito à questão da autonomia

científica. Para Merton (1970), mesmo nos momentos de maior autonomia institucional o

ethos científico tem suas normas definidas a partir da funcionalidade destas para a

manutenção da autonomia diante das pressões externas. Logo, para a visão mertoniana, por

mais que o ethos científico seja uma especificidade da instituição, ele só emerge e se define

através do relacionamento entre a ciência e a estrutura social mais ampla. Contrariando esse

argumento, as noções kuhnianas de “paradigma” e “ciência normal” sugerem que, nos

momentos de estabilidade, as normas que regulam as práticas dos cientistas chegam a adquirir

autonomia do restante da sociedade. Segundo Kuhn (2005), por mais que essa autonomia seja

enfraquecida e receba interferência de valores externos nos momentos de revoluções

científicas, a partir do momento que um paradigma se estabiliza no cotidiano da atividade

científica suas normas se tornam independentes do contexto macro-social.

Por fim, o conceito de paradigma transcende o tratamento institucional da ciência, ao

englobar um elemento evitado pela abordagem mertoniana: o conteúdo do conhecimento

científico. Na perspectiva de Kuhn (2005), o contexto sócio-institucional e o conteúdo

cognitivo são partes indissociáveis da atividade científica. É nesse sentido que o conceito de

paradigma não trata apenas dos imperativos morais da ciência (como o faz o conceito

mertoniano de “ethos”) mas também aspectos teóricos e metodológicos das normas que

compõem os argumentos, problemas, métodos e técnicas dessa atividade.

Page 32: Efeitos dos novos instrumentos de avaliação da pesquisa ... · PDF file3 Efeitos dos novos instrumentos de avaliação da pesquisa científico-tecnológica: o caso da Embrapa Airton

31

Kuhn impactou o campo da epistemologia na década de 1960, mas não foi absorvido

diretamente pela sociologia da ciência. Suas possíveis contribuições teóricas só seriam

discutidas por essa disciplina a partir dos anos de 1970, quando foram defendidos diferentes

pontos de vista sobre sua obra. Segundo Trevor Pinch (apud Kropf & Lima, 1998), duas

interpretações das teses de Kuhn emergiram entre os autores da sociologia da ciência: uma

“conservadora” e outra “radical”. A interpretação “radical” levou ao limite as teses da

construção coletiva do conhecimento científico e da indissociabilidade entre o contexto social

e o conteúdo cognitivo da ciência – e, diga-se de passagem, desconsiderou parte daquilo que o

próprio Kuhn afirmou sobre a autonomia científica. Por essa visão, a ciência é uma atividade

extremamente contingente, contextualizada e socialmente determinada. Essa interpretação deu

origem ao paradigma construtivista, um novo olhar sobre a ciência que transformou

decisivamente os estudos sociológicos sobre a atividade científica.

O primeiro a adotar as teses de Kuhn para tal abordagem sociológica da atividade

científica é David Bloor. Para Bloor (1998), a maior limitação das análises que enfatizam o

nível institucional da ciência é o fato dos estudos explicarem o “erro” pela influência do extra-

científico e a “verdade” pelo respeito à autonomia institucional. Como Kuhn, Bloor (1998)

parte de uma visão wittgensteiniana segundo a qual os as “crenças” da ciência e os critérios de

“verdade” são construções coletivas, produtos de uma intensa negociação social. Com esses

pressupostos em mente, o autor propõe o que denomina como um “Programa Forte” para esse

campo de estudos, que seria composto por quatro princípios: 1) causalidade: devem ser dadas

explicações causais sobre as condições que levaram a produção de um conhecimento; 2)

imparcialidade: o sociólogo deve ser imparcial quanto à “verdade” ou “falsidade” dos

conhecimentos expressos pelos agentes; 3) simetria: as mesmas causas devem explicar os

conhecimentos considerados “verdadeiros” e os “falsos”; 4) reflexividade: os princípios da

sociologia da ciência devem ser aplicáveis à própria sociologia.

Como lembra Kreimer (1999), embora o programa forte proposto por Bloor não tenha

se consolidado, suas idéias foram aprimoradas em maior ou menor grau por outras correntes

do paradigma construtivista. Particularmente, o princípio de “simetria” é uma importante

contribuição a esse paradigma; a idéia de que os estudos sobre a ciência devem abarcar tanto

o “acerto” como o “erro” das controvérsias científicas, sem distinção, culminou em um

crescente relativismo quanto à ciência. A perspectiva construtivista passa a defender que o

conhecimento científico não se diferencia das outras crenças sociais e que, do mesmo modo,

os processos sociais que criam os conhecimentos científicos e os não-científicos são

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32

basicamente os mesmos. Sobre esse ponto, merecem destaque os estudos de etnografia do

laboratório, os quais mais tarde permitiram o surgimento da teoria ator-rede.

O estudo etnográfico do laboratório parte do princípio que as leis físicas, os

componentes biológicos, os materiais orgânicos, os procedimentos técnicos, enfim, que os

elementos e processos tidos como “naturais” não são fatos captados ou descritos pelos

cientistas; pelo contrário, são fabricados ou produzidos nas atividades cotidianas dos

pesquisadores. Deste modo, o objetivo das etnografias de laboratório é analisar de que modos

as práticas sociais dos cientistas fabricam os conteúdos cognitivos e técnicos que fazem parte

das controvérsias científicas. Os autores mais associados a essa corrente de estudos são Karin

Knorr-Cetina (2005) e Bruno Latour, este último a partir de seus primeiros trabalhos (como

em Latour & Woolgar, 1997).

Um importante instrumento dessa abordagem sobre a ciência é a análise dos

enunciados e modalidades proferidas pelos cientistas (cf. Latour & Woolgar, 1997). As

modalidades procuram qualificar ou modificar um enunciado, podendo atribuir-lhe um caráter

positivo ou negativo. As modalidades positivas afastam um enunciado das condições humanas

de produção e o tomam como um fato “dado” e “verdadeiro”, possibilitando seu uso em

outras práticas de pesquisa. Já as negativas expõem as condições de produção de um

enunciado, procurando demonstrar a fraqueza de seu conteúdo e, com isso, transformá-lo em

“equívoco” ou “falsidade”, recusando sua aceitação enquanto conhecimento comprovado9.

Deste modo, as atividades dos cientistas adquirem um aspecto de persuasão, retórica,

manipulação e poder – ou seja, política – visto que o conhecimento científico é composto nos

enunciados dos agentes por meios tácitos, como no dia-a-dia do laboratório, e formais, como

nos artigos científicos. O conteúdo cognitivo da ciência seria, portanto, resultado da

manipulação utilitária dos pesquisadores (Latour & Woolgar, 1997; Knorr-Cetina, 2005).

Mas o que, segundo o paradigma construtivista, motiva os agentes científicos a agirem

politicamente? Merton (1970) havia enxergado que, por mais variadas que fossem as

motivações dos cientistas, o ethos científico e seu conseqüente sistema de recompensas seriam

9 Sobre essa questão, Latour fornece alguns exemplos de enunciados e modalidades: “A) A estrutura primária do hormônio liberador do hormônio do crescimento (GHRH) é Val-His-Leu-Ser-Ala-Glu-Glu-Lys-Glu-Ala; B) Agora que o Dr. Schally descobriu a estrutura primária do GHRH, é possível dar início a estudos clínicos em hospitais para tratar de certos casos de nanismo, visto que o GHRH deve estimular o hormônio do crescimento carente nesses casos; C) O Dr. A. Schally afirmou durante vários anos em seu laboratório de New Orleans que a estrutura do GHRH é Val-His-Leu-Ser-Ala-Glu-Glu-Lys-Glu-Ala. No entanto, por incrível coincidência, essa também é a estrutura da hemoglobina, componente comum do sangue e freqüente contaminante do extrato de encéfalo purificado, quando a manipulação é feita por pesquisadores incompetentes” (Latour, 2000, p. 42). No caso, B é modalidade positiva, pois toma o enunciado A como uma verdade, um fato a fundamentar pesquisas futuras. Já a modalidade C é negativa, pois questiona e invalida do conteúdo de A tornando-o um erro humano.

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os “filtros” definidores das práticas desses agentes. Contrariando essa visão, o construtivismo

acredita que os cientistas agem conscientemente interessados apenas em benefícios

particulares, desejando consolidar suas teorias ou objetos técnicos a todo custo; eles são

capazes de fazer qualquer coisa para isso, independente de constrangimentos ou de valores

morais e/ou científicos. No limite, o pesquisador é visto como o expoente do empresário

capitalista, isto é, um empreendedor individualista a todo instante agindo somente em prol do

sucesso de suas teorias e/ou tecnologias. Nas palavras de ,

É essa concepção de ciência, enfim, que determina o modo como paradigma

construtivista enxerga o processo de avaliação da ciência: como parte integrante da produção

de conhecimentos. Segundo Knorr-Cetina:

[...] se olharmos o processo de produção do conhecimento detalhadamente, veremos

que os cientistas remetem constantemente suas decisões e seleções à resposta

esperada de determinados membros dessa comunidade de “validadores”, ou aos

preceitos da revista em que desejam publicar. As decisões se baseiam no que está

hot e no que está out, naquilo que “podemos” e “não podemos” fazer, com quem

terão que associar-se quando formularem tal afirmação. Em resumo, os

descobrimentos do laboratório são feitos, como parte essencial de sua consistência,

com um olho posto na potencial crítica ou aceitação (e nos potenciais aliados e

inimigos!) (Knorr-Cetina, 2005, p. 65-66).

Deste modo, as descobertas da pesquisa científica e a validação (isto é, a avaliação

positiva) desses novos conhecimentos são inseparáveis, pois é só através da validação da

teoria pelos pares que o conhecimento adquire legitimidade e, sabendo disso, os cientistas já

“adequam” suas práticas tendo em vista serem aceitos por aqueles que julgarão seu trabalho.

Cabe ressaltar quem Knorr-Cetina (2005) considera como “avaliadores”: os próprios

cientistas, ou seja, os membros da mesma comunidade que, consequentemente, partilham de

critérios semelhantes para julgar a prática científica. Os agentes que avaliam a ciência são, por

esse ponto de vista, tanto os produtores como os clientes das pesquisas, pois é a partir destas

últimas que os cientistas selecionam os elementos que pretendem manipular e, deste modo,

dar continuidade à fabricação de conhecimentos. Dito de outra forma, os resultados das

avaliações retroagem sobre a atividade científica e contribuem para sua expansão.

Ora, mas se os pesquisadores adaptam suas atitudes conscientes dos critérios e dos

atores pelos quais serão avaliados, isso não comprovaria que, por mais contingente e

contextual que possa ser a prática científica, ela deva se adaptar a certos princípios e normas

específicas e gerais da ciência? Não é essa a conclusão das etnografias de laboratório. Pelo

contrário, entre as práticas de pesquisa arbitrárias e os critérios de conduta mais ou menos

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estáveis, a visão “radical” do paradigma construtivista prefere enfatizar as primeiras e abolir

as últimas. Nas palavras de Mattedi (2007), tais investigações pretendem demonstrar que o

rigor, a consistência e a universalidade dos fatos científicos constituem o resultado de práticas

sociais locais, contingentes e oportunistas, e não de padrões de conduta estáveis e universais.

Com o passar do tempo, as contribuições das etnografias de laboratório foram levadas

ao extremo pelo paradigma construtivista que, desta forma, expandiu suas análises para além

dos cientistas e do laboratório. Nesse sentido, a chamada teoria ator-rede foi concebida por

Michel Callon e Bruno Latour a partir dos anos de 1980 na tentativa de avançar nas

discussões colocadas pelo paradigma construtivista.

Segundo a teoria ator-rede, um fato ou um objeto não são apenas transmitidos de um

ator para os outros; esses mesmos fatos e objetos são coletivamente compostos pelos atores, e

isso é uma das propriedades fundamentais que diferencia a Teoria ator-rede do paradigma da

Economia da Inovação. A idéia de “rede” (network) presente na abordagem construtivista não

pode ser confundida – como o faz a Ciência Econômica – com a noção advinda da internet.

Essa confusão poderia fazer crer que a informação se difunde pela rede sem interferências,

sem transformações, igualmente presente para todo usuário da internet. Pelo contrário, a idéia

de rede na perspectiva da teoria ator-rede contempla transformações do conteúdo, bem como

dos próprios atores que o compõem.

Percebe-se que ou os outros atores tomam a afirmação original em suas mãos, ou

simplesmente ignoram. Esse fenômeno coloca uma incerteza aos atores que pretendem

consolidar um fato ou um objeto técnico: se os outros atores não tomam a afirmação para si,

ela não teve sucesso, e será facilmente esquecida; se tomarem, poderão transformá-la de tal

forma que terá origem uma afirmação totalmente diferente, sobre a qual ficará difícil definir

quem teve a responsabilidade original. A única solução para o construtor de fatos será, de um

lado, alistar outras pessoas que participem e fortaleçam a construção dos fatos, e de outro,

controlar o comportamento delas para que suas ações sejam previsíveis. São tais

procedimentos que recebem de Latour (2000) o nome de translação de interesses, e de Callon

(1992) o nome de tradução, ambos se referindo ao mesmo processo de composição coletiva

dos fatos e objetos técnicos.

O conceito de translação engloba “a interpretação dada pelos construtores de fatos aos

seus interesses e aos das pessoas que eles alistam” (Latour, 2000, p. 178). Isso significa que

um ator em busca de consolidar suas teorias ou seus objetos técnicos não deve apenas

promover modalidades sobre as afirmações alheias, mas tentar garantir que suas intenções

sejam confirmadas ou reforçadas pelos outros atores envolvidos no processo. Para tanto,

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35

tentam alinhar os objetivos dos outros aos seus próprios objetivos (ou o inverso), com isso

recrutando aliados que reforcem a associação. Dito de outro modo, as translações constituem

a essência das associações em rede operadas pelos cientistas.

Mas o grande diferencial da teoria ator-rede das demais perspectivas teóricas consiste

na identificação dos “atores” envolvidos na atividade científica. Eles são cientistas,

engenheiros, empresários, gestores, políticos ou usuários, mas não são apenas os seres

humanos. Elétrons, motores, princípios, enzimas, chips, vírus e cavalos são atores tão

relevantes quanto instituições de pesquisa, governos ou empresas, e qualquer translação de

interesses passa também pelos elementos não-humanos que compõe uma associação (Callon,

1987; Latour, 2000). Deste modo, é possível afirmar que a teoria ator-rede promove a

implosão das fronteiras entre ciência e natureza e entre ciência e técnica, pois ambas as

dimensões são consideradas indiferenciáveis.

Em suma, pela perspectiva apresentada pela teoria ator-rede, o processo de recrutar

alianças humanas e não-humanas é o centro da atividade científica. A importância é tamanha

que, para Latour, é tal procedimento que define a peculiaridade das práticas de cientistas e

engenheiros: “chamaremos de ‘cientistas’ e ‘engenheiros’ aqueles que são suficientemente

sutis para incluir no mesmo repertório de manobras recursos humanos e não-humanos,

aumento assim sua margem de negociação” (Latour, 2000, p. 206).

Conseqüentemente, não é possível dizer quem faz ou quem não faz CT&I, quem está

do lado de dentro e do lado de fora da ciência: encerradas as funções dos cientistas

considerados tradicionalmente enquanto tais, surgem outros “cientistas” – todos os atores

necessários para manter a caixa-preta em funcionamento. O modelo teórico proposto pela

teoria ator-rede, também chamado por Latour (2000) de "modelo de difusão" nega essa

distinção entre ciência e sociedade. Para uma visão desse tipo, a sociedade também faz a

atividade científica e técnica, a partir do momento em que é responsável pela difusão e a

manutenção dos seus resultados (Latour, 2000).

Ora, é essa visão acerca da atividade científica que embasa o olhar construtivista da

teoria ator-rede sobre a avaliação da pesquisa científico-tecnológica. Em um sentido

semelhante ao defendido pela Economia da Inovação (exposta no Capítulo 1), a teoria ator-

rede defende que a avaliação é um elemento-chave para a gestão das redes científico-

tecnológicas. O acompanhamento constante da P&D tem o papel de instrumentlizar as

decisões dos gestores, policy makers e demais agentes relevantes na atividade científica.

Callon organizou uma coletânea de trabalhos sobre a avaliação da CT&I na atualidade,

juntamente com dois colegas (Callon, Larédo & Mustar, 1995). Na visão de Callon, Larédo &

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Mustar (1995), com o novo contexto da ciência faz-se necessária maior gerência e controle do

Estado por parte dos programas tecnológicos. O sucesso do programa é diretamente

proporcional ao sucesso das políticas relativas ao acoplamento dos mais variados atores.

Logo, para desenvolver suas interferências sobre as pesquisas e as redes técnico-econômicas

com mais eficiência, o Estado precisa conhecer melhor a realidade sobre a qual agirá.

Além dos pesquisadores vinculados à teoria ator-rede, outros autores construtivistas

também enfatizam a importância das recentes transformações da ciência para a crescente

democratização de suas atividades e resultados. Bijker (1995), por exemplo, defende a

importância de diferentes mecanismos de participação de agentes não-científicos nas

controvérsias tecnológicas. Essa participação contribuiria para o reconhecimento do caráter

socialmente determinado da atividade científica e técnica.

Ora, a partir dos temas discutidos até o momento, percebe-se a importante

contribuição do construtivismo para a análise da atividade científica: eliminar qualquer tipo

de determinismo que possa existir no estudo da dinâmica da CT&I. A natureza não explica o

conteúdo científico, pois o que é natural é definido pelas associações. A sociedade não explica

o sucesso ou falha da inovação, pois não se separam as dinâmicas sociais e as científicas.

Nem mesmo a peculiaridade científica e tecnológica dos empreendimentos inovativos explica

seu sucesso ou falha, pois definir quem são de fato cientistas e técnicos passa a ser

problemático. Para essa perspectiva, estamos diante de associações mais fracas ou mais fortes,

e estudar a ciência nunca deixou de ser algo diferente de estudar o restante da sociedade

(Latour, 2000; 2006).

Entretanto, cabe ressaltar que as contribuições das vertentes construtivistas também

possuem seus limites. Segundo Kreimer (1999), o atual estágio dos estudos dessa disciplina

tem se baseado hegemonicamente nas contribuições dessa corrente analítica. Todavia, como

bem lembra o autor nas conclusões de sua análise sobre a sociologia da ciência, a chamada

onda construtivista dessa disciplina tem encontrado dificuldades em se afirmar na sociologia

contemporânea como um todo, e o principal motivo para isso é o fato de que, a partir do

momento em que essa abordagem colocou em questão os próprios princípios da sociologia

tradicional, esse diálogo se perdeu. Para Kreimer (1999), faz-se necessário o reencontro da

sociologia da ciência com os problemas e referenciais tradicionalmente reconhecidos pelas

ciências sociais. Como será argumentado no próximo item, a sociologia do campo científico

proposta por Pierre Bourdieu (1983; 2001; 2004) apresenta-se como uma possível solução

para esse dilema.

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3.3 Sociologia neo-institucionalista do campo científico

O paradigma neo-institucionalista da sociologia da ciência pode ser visto como um

meio de se incorporar tanto algumas contribuições do paradigma mertoniano quanto do

construtivista. Como será argumentado a seguir, esse paradigma permite um olhar mais

profundo sobre a atividade científica contemporânea, uma vez que enfatiza complexidade

interna à atividade científica e discute a inter-relação entre ciência e sociedade sem implodir

por completo as barreiras entre elas.

De acordo com o que afirma Terry Shinn (1999), um dos teóricos vinculados à

perspectiva neo-institucional, as investigações deste paradigma refletem de maneira implícita

ou explícita o conceito de campo científico, formulado pelo sociólogo Pierre Bourdieu. A

noção de “campo” é em parte uma analogia extraída das ciências físicas que, como grande

parte dos esforços teóricos da sociologia contemporânea, visa superar as dicotomias

estabelecidas pelo pensamento sociológico clássico, como as existentes entre ação e estrutura,

objetividade e subjetividade, indivíduo e sociedade, conteúdo e contexto, etc. Para Bourdieu

(1989), um campo emerge a partir das práticas dos agentes que o compõem; ao mesmo tempo,

são essas práticas que definem e inibem as possíveis condutas dos agentes. Dito de outro

modo, por mais que os agentes construam o campo (a partir de ações que constituem

estruturas estruturantes), é este último uma força que retroage sobre suas próprias ações (ou

seja, uma estrutura estruturada). Segundo o autor:

A cada momento, a estrutura do campo científico se define pelo estado das relações

de força entre os protagonistas em luta (agentes ou instituições); isto é, pela estrutura

da distribuição do capital específico, resultado das lutas anteriores objetivado nas

instituições e disposições e que comanda as estratégias e chances objetivas dos

protagonistas. Basta perceber a relação dialética entre as estruturas e estratégias

utilizadas por meio das disposições para fazer desaparecer a antinomia entre a

sincronia e a diacronia, a estrutura e a História. A estrutura da distribuição do capital

científico está na base das transformações do campo e se manifesta por intermédio

das estratégias de conservação (ou de subversão) da estrutura que ela mesma produz.

Por um lado, a posição que cada agente singular ocupa em um dado momento na

estrutura do campo científico é a resultante (objetivada nas instituições e

incorporada nas disposições) do conjunto de estratégias anteriores desse agente e de

seus concorrentes (as quais dependem da estrutura do campo, pois resultam das

propriedades estruturais da posição a partir da qual são engendradas). Por outro lado,

as transformações da estrutura do campo são o produto de estratégias de

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conservação ou de subversão cujo princípio de orientação e eficácia situa-se nas

propriedades da posição ocupada por aqueles que as produzem no interior da

estrutura do campo. (Bourdieu, 1983, p. 123).

O campo, portanto, não é fruto nem do simples conjunto das interações dos indivíduos,

nem um reflexo direto da estrutura macro-social (Bourdieu, 1989). Sendo assim, “é a

estrutura das relações objetivas entre os agentes que determina o que eles podem e o que não

podem fazer” (Bourdieu, 2004, p. 23).

Isso significa que um campo é relativamente autônomo do espaço social global em que

se insere. Por mais que estejam em constante interação com os outros campos sociais, e por

mais que seja difícil diferenciar aspectos de origem interna ao próprio campo e aspectos

externos relativos ao espaço social em que se inserem, os agentes pertencentes a um campo

tendem a empreender suas atitudes com base nas particularidades do microcosmo social que

conformam. Deste modo, é possível falar no campo político, no campo econômico, no campo

artístico, no campo científico, enfim, diversos campos sociais que interagem entre si, mas

conservam maior ou menor autonomia a partir do momento em que são formados por lógicas

e princípios específicos que devem ser seguidos pelos agentes (Bourdieu, 1989; 2001; 2004).

Em um primeiro momento, pode-se pensar que a visão bourdieusiana sobre o campo

científico seria a mesma de Merton (1970) sobre o ethos da comunidade científica. Contudo, o

fundamental da noção de “campo” que a diferencia da noção mertoniana de “comunidade” é

que os agentes que o compõem não são homogêneos, visto que ocupam diferentes posições na

estrutura hierárquica em que estão inseridos e que contribuem para reproduzir (ou

transformar) através de suas práticas cotidianas. As relações hierárquicas entre agentes

dominantes e agentes dominados definem o leque de ações disponível aos agentes, pois nas

suas práticas cotidianas os dominantes lutam para conservar a sua posição, enquanto os

dominados procuram “ascender” na hierarquia (Bourdieu, 1989). De acordo com Bourdieu, as

diferentes posições dentro de um campo são o resultado da distribuição desigual de diferentes

espécies de capital entre os agentes que compõem esse campo. Cada campo possui seu

conjunto específico de capital, uma vez que são os diferentes capitais que constituem os

instrumentos das práticas dos agentes (Bourdieu, 1989).

A estrutura das relações objetivas entre os agentes de um campo e sua conseqüente

diferenciação hierárquica define as disposições específicas para a agência. Essas disposições

constituem o interesse incorporado pelos agentes em agir de alguma forma, ou seja, em

desempenhar determinadas estratégias para atingir seus fins. Isso resulta em princípios

agência e de concorrência específicos para cada campo. A internalização das disposições de

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um campo ou do espaço social geral é abordada por Bourdieu (1989) a partir do conceito de

“habitus”, que remete ao conjunto de saberes tácitos na agência em um campo, saberes estes

implícitos nas práticas dos agentes. Esse habitus é adquirido através de vários fatores, como a

origem social, a formação escolar e o gênero – no espaço social geral – e as disciplinas ou

trajetórias científicas – no caso específico do campo científico.

Outra característica da noção de campo é que ela pode ser aplicada a diferentes

realidades. No caso da ciência, um campo pode ser tanto a ciência como um todo quanto os

seus “subcampos” científicos (laboratórios, disciplinas, universidades, áreas do conhecimento,

etc.). Do mesmo modo, o “agente” de um campo não é necessariamente um único indivíduo, e

pode ser também, por exemplo, uma instituição de pesquisa.

O referencial teórico-metodológico propiciado pelas noções de “campo” e “habitus”

possibilitou novas abordagens sobre a atividade científica, uma vez que focalizam a análise na

complexidade das práticas internas ao campo científico e incorporadas por seus agentes ao

mesmo tempo em que levam em conta as pressões de ordem externa. Tal abordagem constitui

a base dos trabalhos de Bourdieu (1983, 2001, 2004) sobre a ciência. Em tais trabalhos, o

olhar de Bourdieu sobre a ciência se baseia na análise das especificidades do campo

científico, a partir do qual os cientistas, assim como os agentes de outros campos, atuam de

acordo com suas posições e disposições. Nesse sentido, com base na teoria dos campos

sociais, o autor sintetiza sua visão acerca da atividade científica nas seguintes palavras:

A sociologia da ciência baseia-se no postulado de que a verdade do produto –

mesmo desse produto particular que é a verdade científica – reside numa espécie

particular de condições sociais de produção, num estado determinado da estrutura e

do funcionamento do campo científico. O universo “puro” da mais “pura” ciência é

um campo social como outro qualquer, com suas relações de força e monopólios,

lutas e estratégias, interesses e lucros, mas no qual todas essas invariantes assumem

formas específicas (Bourdieu, 1983, p. 112).

O primeiro aspecto que remete às lutas específicas do campo científico diz respeito ao

interesse que motiva as ações dos cientistas. Bourdieu (1983; 2001; 2004) lembra que os

cientistas podem parecer desinteressados com relação a outros tipos de interesse presentes em

outros campos – como os ganhos econômicos, por exemplo – mas que, mesmo assim, não há

como negar intencionalidades nas ações dos pesquisadores e técnicos. O que é específico do

campo científico é o que o autor chama de interesse desinteressado, isto é, um interesse

consciente dos agentes desse campo em fazer parecer que suas ações são desinteressadas,

motivadas tão-somente pela busca de novos conhecimentos.

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Entretanto, por mais que os cientistas se esforcem – portanto, se interessem – em fazer

suas ações parecerem desinteressadas, Bourdieu (1983; 2001) identifica um interesse

particularmente importante para os agentes do campo científico: a vontade de adquirirem

reconhecimento, prestígio e crédito diante de seus pares. Para comprovar essa constatação,

Bourdieu (1983) lembra que todos os pesquisadores procuram chegar primeiro que seus

concorrentes no momento de publicar uma nova descoberta ou patentear um novo produto,

pois é a novidade que garante o reconhecimento dos demais.

Uma segunda especificidade diz respeito ao conteúdo da concorrência no campo

científico, ou seja, àquilo que está em jogo nas lutas entre os agentes desse campo. De acordo

com Bourdieu (1983; 2001), como em todo campo social, o que está em jogo no campo

científico são as próprias regras do jogo, os próprios princípios que regulam a concorrência

entre os pesquisadores e, portanto, a dinâmica do campo científico. Mais precisamente, o

principal objeto da disputa entre os cientistas é a representação daquilo que cada agente

considera como “boa ciência”. Isso significa que as tensões entre os cientistas em seu

cotidiano se referem ao que esses agentes consideram como a boa prática científica – as

técnicas, os argumentos válidos, os métodos, os critérios de avaliação, etc. –, ou seja, aos

princípios e trajetórias que todos os cientistas devem seguir para se legitimarem no campo.

Logo, para Bourdieu, na dinâmica da ciência as representações quanto à atividade

científica não são consensuais, ao contrário do que faz crer a abordagem comunitária do

“ethos” científico mertoniano e da “ciência normal” kuhniana. Em suma, um campo é um

espaço de disputa justamente porque o que está em jogo são os pontos-de-vista dos agentes

acerca de suas atividades, que repercutem em diferentes estratégias para legitimá-los.

Ademais, outro fator interfere na atividade científica, inclusive nas disputas pela

representação legítima da boa ciência: as pressões externas ao campo. A dinâmica do campo

científico tende à autonomização das práticas dos cientistas, isto é, a eliminação de qualquer

interferência que se sobreponha aos padrões especificamente científicos de concorrência. No

entanto, nem sempre essa autonomização tem sucesso, seja na ciência como um todo, seja em

subcampos científicos (disciplinas, laboratórios, universidades, etc.). Para Bourdieu (2001;

2004), muitas vezes agentes e lógicas externas, pertencentes a outros campos, interferem na

dinâmica da ciência, chegando a se sobrepor aos princípios desse último – produzindo com

isso o que o autor chama de heteronomia. Campos não-científicos procuram impor suas

representações acerca da atividade científica de acordo com seus princípios e interesses,

anulando as tentativas de representação dos agentes do próprio campo científico. O mesmo

vale para subcampos científicos, como laboratórios e disciplinas: algumas são mais

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autônomas que outras, o que significa dizer que em certas instituições ou áreas as pressões

externas são mais difíceis de impor, enquanto outras recebem maior interferência.

Exemplos desse fenômeno são as formas diferenciadas de interação entre o campo

científico e o campo político, por um lado, e entre o campo científico e o campo econômico,

por outro. De acordo com Bourdieu (2004), o poder de investimento e nomeação burocrática

do Estado garante uma espécie de independência dependente ao campo científico, pois se por

um lado as atividades de pesquisa dependem fortemente da entrada de recurso financeiros

públicos, o mesmo Estado garante certa independência às práticas dos cientistas através de

contratos estáveis de longo prazo, concursos públicos e títulos, gerando uma estabilidade

relativa muitas vezes utilizada pelo campo científico para se contrapor às ingerências do

próprio Estado. Todavia, a lógica universalista do Estado muitas vezes entra em choque com

os princípios estritamente científicos, gerando tensões quanto à representação da atividade

científica que interferem no relacionamento dos agentes desses campos.

Mas a partir do momento em que o Estado retira sua responsabilidade quanto ao

desenvolvimento da produção científico-tecnológica – conforme foi discutido no capítulo

anterior – o campo científico passa a depender cada vez mais da entrada de recursos

financeiros não-estatais para a manutenção de suas atividades. As implicações desse

fenômeno são um dos novos aspectos da atividade científica mais investigados pelo

paradigma neo-institucionalista. Segundo Lamy & Shinn:

Depois de mais de vinte anos, os sistemas nacionais de pesquisa e de inovação

sofreram profundas mutações, que coincidiram com um relativo afastamento do

Estado sobre a pesquisa acadêmica e uma pluralização dos agentes da pesquisa e da

inovação. À procura de novas formas de financiamento, e submissas à pressão das

demandas econômicas e sociais, as instituições científicas evoluíram na direção de

modelos mais próximos da indústria. Elas se mercantilizaram, tendendo a se

submeterem aos interesses comerciais e a se inscreverem em uma lógica de oferta

econômica substituindo ou se associando, dependendo do caso, a uma lógica de

oferta científica (Shinn & Lamy, 2006a, p. 23).

Deste modo, graças a dependência financeira do campo científico para manter suas

atividades, as necessidades imediatistas e utilitárias do setor produtivo industrial passam a

interferir em diversas características do campo – como a definição de problemas relevantes,

os critérios de seleção e avaliação de projetos, o prestígio e o reconhecimento dos

pesquisadores, o direcionamento das atividades de P&D, as políticas de fomento à CT&I, etc.

Com a crescente mercantilização das atividades de pesquisa, os agentes e princípios

especificamente científicos passam a concorrer com os agentes e princípios econômicos

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dentro da dinâmica de produção científico-tecnológica10. Tal perspectiva define o olhar do

paradigma neo-institucionalista sobre a questão da inovação tecnológica.

Por fim, talvez a mais importante especificidade a ser notada na dinâmica da ciência é

a existência do capital científico, uma espécie particular de capital simbólico que constitui o

princípio de hierarquização da atividade científica e define as posições a partir das quais os

pesquisadores agem. Para Bourdieu (2001; 2004), existem dois tipos de capital científico: o

capital científico “puro” e o capital científico “institucional”. O primeiro diz respeito ao

prestígio e o reconhecimento de um agente ou instituição do campo diante dos demais

agentes/instituições. Tal reconhecimento cresce na medida em que um pesquisador ou um

laboratório tem sucesso na atividade científica, como a descoberta de novos conhecimentos ou

tecnologias, e com isso adquire o respeito dos outros pesquisadores. Já o segundo, capital

científico institucional, diz respeito a ocupação de cargos formais importantes para as

atividades do campo, em geral ligados a administração científica, ao poder de distribuição dos

recursos financeiros ou títulos de prestígio, a avaliação das atividades de P&D, etc. Em outros

termos, o capital científico institucional é um capital político – mas com o termo “político” se

referindo ao poder específico do campo científico, e não do campo político.

Por ser de natureza simbólica, o capital científico se baseia no conhecimento e no

reconhecimento do agente que o controla. Isso quer dizer que um pesquisador ou instituição

que queira impor suas práticas para os demais deve fazê-lo seguindo os princípios

reconhecidos pelos demais agentes – ou seja, pelos princípios cientificamente aceitos. A

complexidade das relações entre os agentes do campo científico reside nesse caráter ambíguo

da sua concorrência: os pesquisadores ou instituições dominantes o são porque os agentes

dominados tendem a aceitar os princípios e representações legítimas do campo, a saber, os

princípios impostos pelos dominantes.

Logo, a concorrência entre os agentes científicos é a disputa por acumulação dos

capitais específicos do campo. A luta pela legitimidade da representação acerca da boa ciência

e os seus conseqüentes padrões de conduta teórica e de avaliação nada mais é do que a luta

pela autoridade e pela competência, representado na teoria de Bourdieu (1983; 2001) pelo

conceito de capital. Nesse sentido, as estratégias empreendidas pelos cientistas na dinâmica

10 Com base no paradigma neo-institucionalista, os sociólogos Terry Shinn e Erwan Lamy têm pesquisado as mudanças recentes na atividade científica diante da mercantilização da ciência. Esses autores tomam por objeto um novo tipo de agente, chamado de pesquisador-empreendedor, constituído pelos pesquisadores que extrapolam o ambiente acadêmico para abrirem suas próprias empresas. O estudo das práticas desse agente possibilita uma discussão crítica sobre as mudanças da ciência, uma vez que ele circula constantemente entre as lógicas e estruturas do campo científico e econômico. Os autores identificam múltiplas estratégias pelas quais se opera tal circulação (cf. Shinn & Lamy, 2006a; 2006b).

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científica são tratadas pelo autor como “investimentos de capital”, tendo em vista uma maior

acumulação futura deste.

As duas diferentes formas de capital científico possuem estratégias de acumulação

distintas. O capital científico “puro” adquire-se pelas contribuições ao progresso do

conhecimento científico que são reconhecidas pelos pares; essas contribuições podem ser as

invenções teóricas ou técnicas, fruto das práticas de P&D ou das publicações. Já o capital

científico “institucional” é acumulado a partir de estratégias políticas nas instituições

científicas. Cabe lembrar que tais estratégias têm um sentido “político” específico para o

campo – como a participação em bancas de concursos, comissões, defesas, seminários,

congressos, premiações, formação acadêmica em instituições de maior prestígio, ou mesmo a

quantificação das publicações – e não devem ser confundidas com as mesmas estratégias do

campo político. Compreender essa distinção é fundamental para distinguir a forma como

Bourdieu (1983; 2004) aborda as estratégias políticas dos cientistas da forma como o

paradigma construtivista as trata.

Por essa perspectiva, o problema da concorrência científica e sua conseqüente

distribuição desigual de capital podem parecer bem distantes das abordagens construtivistas

apresentadas no item anterior, pois privilegiariam apenas os aspectos sociais da atividade

científica sem levar em conta seus aspectos cognitivos. No entanto, com base na teoria dos

campos de Bourdieu, a tentativa do paradigma neo-institucionalista é justamente analisar

como tal contexto social das pesquisas científicas se relaciona com o conteúdo cognitivo

dessas práticas.

Shinn (1988) analisa de que modo os diferentes capitais científicos, o “puro” e o

“institucional”, produzem padrões heterogêneos de atividade científica dentro de um mesmo

laboratório. Existe nesse ambiente uma marcante hierarquia social dos pesquisadores, relativa

às suas trajetórias de formação e profissionais: pesquisadores junior, seniores, professores

universitários e diretores do laboratório. Cada um desses agentes baseia suas práticas em

capitais distintos e, deste modo, ocupa um espaço bem definido dentro da dinâmica de

produção científico-tecnológica. No cotidiano do laboratório, os agentes com maior capital

institucional se dedicam às atividades mais importantes: os diretores do laboratório são

responsáveis pelas generalizações teóricas dos resultados das pesquisas, e os professores por

integrar diferentes modelos teóricos e os resultados de práticas distintas. Aos pesquisadores

formados ou em formação, restam os experimentos pontuais, os testes e a atenção às

anomalias encontradas nas pesquisas. Na análise do autor, mesmo que muitas vezes esses

agentes partam de atitudes e valores bem diferentes, é o respeito a essa espécie de divisão do

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trabalho científico que contribui para o sucesso da P&D realizada no laboratório. Deste modo,

percebe-se uma relação entre as hierarquias científicas e as práticas de pesquisa dos seus

agentes, embora não seja possível confundir esses dois aspectos.

Por sua vez, cabe lembrar que a ênfase dada pelo paradigma neo-institucionalista ao

capital especificamente científico não quer dizer que inexistem interferências políticas ou

econômicas na dinâmica do campo científico. A questão das estratégias de acumulação de

capital se relaciona com o problema da autonomização e da heteronomia do campo científico.

Por causa da dependência de recursos que passam por outros campos, algumas das estratégias

que carreguem princípios não-científicos podem se impor ao campo científico. No caso do

campo político, por exemplo, o poder de financiamento e de nomeação pode fazer com que a

ocupação de cargos burocráticos interfira concorrência científica. Além disso, o campo

científico não é visto por Bourdieu como isolado do restante do espaço social; fatores como

origem familiar, classe social e gênero também interferem nas estratégias de seus agentes.

Em suma, a abordagem de Bourdieu sobre a atividade científica envolve diversos

elementos da ciência, como a autoridade e as hierarquias dentro do campo científico, as

estratégias de concorrência e legitimação dos agentes científicos, a gestão e a avaliação os

critérios de avaliação da ciência, e a relação do campo científico com os demais campos

sociais. Na visão do autor, todos esses aspectos da atividade científica estão interligados; por

exemplo, muitas vezes os critérios de avaliação da ciência correspondem aos critérios que

interessam aos agentes mais bem posicionados no campo, e que legitimam o poder destes

diante dos demais; da mesma forma, ocorre que as diferentes posições hierárquicas dos

agentes científicos e seus subseqüentes pontos-de-vista e representações da ciência definem o

modo como as pressões externas ao campo se refletem nas atividades dos pesquisadores.

Para Bourdieu (2001; 2004), o crescente aperfeiçoamento gerencial das instituições

científicas representa um desafio a ser enfrentado à medida que gestores e administradores

científicos acumulam um capital de prestígio no interior das instituições de pesquisa. Segundo

o autor, em alguns casos esses agentes são responsáveis pelo engessamento e pela

padronização das atividades de técnicos e pesquisadores, visto que esses últimos não detêm o

mesmo capital de prestígio no plano institucional e, dessa maneira, não são capazes de resistir

às determinações institucionais que afetam suas atividades. Nas palavras do sociólogo:

[...] alguns pesquisadores, às vezes convertidos em administradores científicos (mais

ou menos diretamente associados à pesquisa), podem, por intermédio do controle

dos recursos que lhe assegura o capital social, exercer sobre a pesquisa um poder

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que se pode chamar de tirânico [...], uma vez que não encontra seu princípio na

lógica específica do campo (Bourdieu, 2004, p. 41).

O estudo de caso realizado pelo autor uma IPP francesa, o INRA (Instituto Nacional

de Pesquisa Agrícola, similar à Embrapa), exemplifica alguns aspectos de sua abordagem

sobre a atividade científica (Bourdieu, 2004). O autor afirma que, para se compreender a

dinâmica da atividade científica no INRA, é necessário analisar: i) as principais disputas,

representações e pontos-de-vista que norteiam as concorrências dos cientistas dentro da

instituição, e que terminam por definir a distribuição desigual de capital científico entre esses

agentes; ii) a relação entre o INRA e os agentes de outros campos, como o econômico e o

político; e iii) a posição dessa instituição no campo científico como um todo, isto é, diante das

outros agentes científicos que compõem o campo.

O INRA traz uma dualidade de funções em seus arranjos institucionais que está

presente na maioria das IPPs: a convivência por vezes problemática da lógica empresarial e da

lógica científica. Isso se reflete nas duas lógicas da atividade científica da instituição que,

segundo Bourdieu (2004), se encontram por demais afastadas e desintegradas no caso

particular do INRA: a pesquisa aplicada – aliada da lógica empresarial, voltada para a

aplicabilidade sócio-econômica dos resultados científicos – e a pesquisa básica – ligada à

lógica “puramente” científica, voltada para a criação de novos conhecimentos independente

de suas finalidades. Essas duas lógicas de pesquisa nada mais são do que formas diferenciadas

de atuação no campo científico, dois pontos-de-vista acerca da atividade de pesquisa que

implicam em diferentes estratégias de atuação, ou melhor, diferentes padrões de prática

científica.

Ora, na abordagem bourdieusiana, todos esses aspectos se vinculam diretamente a

questão das diferentes posições hierárquicas dos cientistas no campo. Segundo Bourdieu

(2004), o incremento da lógica administrativa e gerencial da instituição tem prejudicado o

exercício do diálogo entre os pesquisadores. Para ele, o que ocorre no INRA é que os

administradores científicos estão de tal modo preocupados em tentar integrar as lógicas de

pesquisa básica e aplicada que acabam por indiferenciá-las por demais: na visão dos gerentes,

todo pesquisador deve se preocupar com pesquisas ao mesmo tempo puramente científicas e

produtivamente aplicáveis. Uma vez que os administradores científicos possuem um poder

excessivo para a atribuição de cargos no instituto, para as políticas de P&D, para a

distribuição de recursos e, enfim, para a definição dos critérios de avaliação das pesquisas, a

verticalização das posições no caso do INRA estaria contribuindo para a ausência de papéis

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bem definidos para cada agente, o que, segundo Bourdieu (2004), é um fenômeno prejudicial

para a produção de conhecimento.

Do mesmo modo, criam-se critérios de avaliação pouco eficazes, não condizentes com

os dois tipos de prática de pesquisa. Como já foi apresentado, se um campo é um espaço de

concorrência onde os agentes disputam os pontos-de-vista e representações legítimas de suas

práticas, os critérios de avaliação dessas práticas também estão em disputa. Isso significa que

nem sempre os mesmos princípios de avaliação podem ser aplicados a todos os agentes, pois

possuem representações distintas de suas práticas que implicariam em outros princípios de

conduta. Mas Bourdieu é cético quanto a capacidade e boa vontade dos administradores

científicos em incorporar critérios e mecanismos de avaliação diferentes dos seus:

Se penso que medidas administrativas visando melhorar a avaliação da pesquisa e

colocar em prática um sistema de sanções [...] próprias para favorecer as melhores

pesquisas e os melhores pesquisadores seriam as mais ineficazes e teriam como

efeito, mais provavelmente, favorecer e reforçar as distinções que aparentemente

deveriam ser reduzidas, é porque tenho sérias dúvidas e seriamente fundadas sobre a

capacidade das instâncias administrativas para produzirem avaliações realmente

objetivas e inspiradas. E isso, fundamentalmente porque o fim real de suas

operações de avaliação não é a da própria avaliação, mas o poder que ela permite

exercer e acumular controlando a reprodução do corpo (especialmente mediante a

composição de bancas examinadoras) (Bourdieu, 2004, p. 62-63).

Logo, Bourdieu (2001; 2004) argumenta que a real função das avaliações é a

manutenção dos princípios de hierarquia do campo, que visam o acúmulo de capital

institucional e a conseqüente definição das "regras do jogo" tal qual se apresentam no campo.

O resultado da análise de Bourdieu é uma possibilidade de crítica ao que tem ocorrido

no INRA ao longo dos últimos anos. O que Bourdieu (2004) faz é, identificados os

pressupostos e articulações dos agentes dentro de uma estrutura objetiva, estimular a reflexão

sobre aqueles procedimentos e seus efeitos na dinâmica dos campos. A proposta do autor para

o caso do INRA caminha nesse sentido.

Uma política que visa desenvolver as vantagens competitivas potenciais da

instituição ou, o que vem a dar na mesma, sua justificação social [...] deveria

trabalhar ao mesmo tempo, e sem contradição, para acentuar a diferenciação das

funções e das estruturas que, supostamente, as servem [...] e para a integração dos

diferentes agentes e instituições num projeto coletivo comum, mediante uma

organização sistemática da circulação da informação. [...] É evidente que para ser

um verdadeiro fator de integração numa definição clara e claramente aceita por

todos, portanto cientificamente eficaz e politicamente democrática da divisão do

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trabalho científico, o reforço consciente da diferenciação das funções [...] supõe uma

profunda desierarquização dessas funções que deve ser operada por todos por todos

os meios e de início, nos cérebros (Bourdieu, 2004: 60).

Nesse sentido, as “inovações organizacionais” propostas por Bourdieu defendem a

horizontalização da prática de pesquisa, que permitiria um diálogo mais direto entre

pesquisadores. A distinção entre as competências de invenção e de inovação não deve ser o

centro do debate institucional, mas sim melhores formas de organização que permitam

potencializar essa distinção de forma a privilegiar essa situação ímpar, qual seja, a

oportunidade de conter as duas lógicas ao mesmo tempo em seu interior. Mais além, Bourdieu

argumenta que uma instituição científica que estimule o diálogo entre seus agentes seria capaz

de responder melhor as pressões externas e desenvolver padrões mais autônomos de trabalho

(Bourdieu, 2004).

O modo como se avalia ou se mensura as pesquisas também se alteraria a partir da

proposta reflexiva do autor. Segundo Bourdieu, avaliações cientométricas ou bibliométricas

são formas tecnocráticas de avaliação que não servem para avaliar a ciência em si, mas

acumulam o exercício de poder nas mãos dos administradores institucionais. É preciso que o

próprio campo tenha capacidade de julgar quem é legítimo para avaliar a pesquisa, pois, só

assim critérios de avaliação autônomos e reflexivos seriam capazes de julgar a prática

científica ao mesmo tempo em que respeitam as especificidades democráticas do campo. Essa

proposta passa por uma reformulação do agente administrador: este deve também se submeter

às avaliações sobre o caráter da inovação organizacional (Bourdieu, 2004).

Em suma, percebeu-se que a perspectiva de Bourdieu pode contribuir de três modos

para os objetivos dessa revisão: estabelecer um contraponto crítico a perspectiva

administrativa que submetam ciência e tecnologia aos imperativos econômicos, criticando os

efeitos na lógica científica; possibilitar outros aspectos do estudo sociológico sobre a CT&I,

que mesmo não incorrendo no erro de enxergar coesão e universalidade entre os agentes

científicos, não se afasta de discutir os condicionantes e implicações da CT&I e seu

relacionamento com a sociedade de forma mais crítica – como vem a ocorrer no caso da teoria

ator-rede; possibilitar uma perspectiva mais ampla e crítica sobre o aperfeiçoamento gerencial

em uma instituição de pesquisa.

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48

Em todos esses tópicos, indentificam-se as distinções do paradigma neo-

institucionalista quanto ao construtivista. Na conferência diante dos pesquisadores do INRA,

Bourdieu faz uma crítica direta ao construtivismo e a teoria ator-rede11:

[...] contrariamente ao que leva a crer num construtivismo idealista, os agentes

fazem os fatos científicos e até mesmo fazem, em parte, o campo científico, mas a

partir de uma posição nesse campo – posição essa que não fizeram – e que contribui

para definir suas possibilidades e suas impossibilidades. Contra a ilusão

maquiavélica à qual alguns sociólogos da ciência sucumbem, talvez porque tomem

emprestado aos eruditos sua própria visão “estratégica”, para não dizer cínica, do

mundo científico, é preciso, primeiramente, lembrar que nada é mais difícil e até

mesmo é impossível de ‘manipular’ do que um campo. É preciso dizer, por outro

lado, que, por muito versado que possa ser na ‘gestão das redes’ (com que tanto se

preocupam aqueles que julgam servir-se de sua ‘ciência’ da ciência para promover

suas teorias da ciência e afirmar seu poder de especialistas no mundo da ciência), as

oportunidades que um agente singular tem de submeter às forças do campo aos seus

desejos são proporcionais à sua força sobre o campo, isto é, ao seu capital de crédito

científico ou, mais precisamente, à sua posição na estrutura da distribuição do

capital (Bourdieu, 2004: 25).

Evidencia-se que, enquanto a teoria ator-rede não leva em conta formas mais duráveis

de dominação (quando levam, essas relações são efêmeras, pontuadas na especificidade de

uma associação), o paradigma neo-institucionalista identifica formas de hierarquização (e

consequentemente, de desigualdade de condições) dentro do campo científico. Essas relações,

para Bourdieu (1983; 2004), são muito mais presentes e perpetuáveis do que a abordagem

construtivista permite perceber.

11 Levando em conta que, tempos antes, Latour havia se apresentado diante da mesma platéia de pesquisadores, defendendo perspectivas da Teoria Ator-Rede na análise do INRA.

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49

4 Gestão e avaliação na Embrapa (1985-2007)

4.1 A reorganização institucional da Embrapa: do modelo ofertista ao dinâmico

A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) foi criada em 1973,

substituindo uma instituição anterior, o Departamento Nacional de Pesquisa e Experimentação

Agropecuária (DNPEA). Desde sua fundação a empresa se tornou uma referência no setor

agropecuário enquanto instituto público de pesquisa, destinada a sintonizar as novas

tendências de modernização agrícola aos padrões internacionais (Aguiar, 1986).

De 1973 a 1985, a Embrapa possuía a função de estabelecer a pesquisa agropecuária

como uma atividade bem estruturada e institucionalizada, em busca da superação de

problemas como a falta de sintonia nacional quanto à pesquisa agropecuária, escassez de

recursos, falta de políticas públicas para a C&T no campo, etc. A criação da Embrapa,

portanto, buscava promover a institucionalização da pesquisa agropecuária no Brasil,

objetivando a modernização da agricultura nacional e o “repasse” de tecnologias produzidas

em países desenvolvidos para serem aproveitadas no país.

Segundo Salles Filho et al., após esses problemas serem solucionados na década de

1980, a Embrapa enfrentará novos desafios, iniciando uma nova fase para a instituição que,

...a partir de 1985, caracteriza-se pelo ajustamento do modelo institucional, por meio

da reorganização as atividades-fim e da busca de maior vinculação dessas às

demandas externas (Salles Filho et al., 2000, p. 104-105).

A empresa tende a reconfigurar o aparato burocrático-administrativo que norteia as

suas atividades, buscando tanto inserir critérios de gerência que interfiram nas metas de

pesquisa quanto deixando-a mais aberta às demandas externas.

Analisando o trabalho de pesquisa desenvolvido na empresa na década de 80, Sousa

(1993) detecta uma situação em que os técnicos da Embrapa escolhiam seus projetos de

pesquisa de forma a privilegiar contatos pessoais e interesses próprios. Segundo ele, a política

científica e tecnológica tinha impacto muito restrito na escolha dos projetos de pesquisa por

parte dos técnicos da empresa. Os contatos com colegas da mesma instituição e com

produtores rurais tinham um poder de influência muito grande sobre os pesquisadores na

escolha de seus objetos de pesquisa.

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50

Segundo avaliação de Sousa (1993), esse panorama exigia uma transformação

profunda por parte da empresa, para se adequar aos novos modelos de gestão tecnológica.

Nos anos 90 é impossível a manutenção de tal comportamento institucional.

Primeiro, os dirigentes das instituições de C&T agropecuária devem ter consciência

desta realidade insustentável. Segundo, todos os que ocupam função gerencial

nessas instituições devem internalizar a “intenção estratégica” de reverter tal

realidade. Terceiro, a alta administração dessas instituições pode optar por introduzir

um processo de planejamento estratégico para apoiar sua decisão política de mudar a

gravidade de tal realidade... (Sousa, 1993, p. 191).

É a partir de 1985 que se realiza, no caso da Embrapa, a passagem do Modelo

Ofertista para o Modelo de Pesquisa por Demanda, no qual a Empresa privilegia a imposição

vertical de projetos a cientistas e técnicos, de acordo com as demandas externas ao instituto

público (Salles Filho et al., 2000).

4.2 Novos formatos da gestão e da avaliação institucional na Embrapa

Entre o final da década de 1980 e o início da de 1990, foram criados novos setores

internos responsáveis por garantir o atendimento dessas demandas, a sustentabilidade da

Instituição e o alcance de metas previamente definidas. O primeiro passo nesse sentido é a

criação dos Planos Diretores da Embrapa (PDEs) que visam propor os princípios que

norteiam as atividades desenvolvidas pela Embrapa em determinados períodos de tempo. O I

PDE (1988-92) foi o primeiro documento com este intuito. Ele propunha uma ampla

reconfiguração institucional que, nessa época, representará uma profunda mudança nas rotinas

de P&D da Empresa.

Na seqüência, e após a elaboração do PDE, o segundo passo foi a reformulação do

modelo de pesquisa, o que, de acordo com a visão e a abordagem proposta pela

Instituição, permitiria criar condições para um salto qualitativo nas atividades-fim. A

criação do Sistema Embrapa de Planejamento (SEP), em 1992, representou uma

iniciativa voltada para a operacionalização de um modelo de programação de

P&D conectando o estratégico ao operacional. O estabelecimento de “o que

pesquisar e para quem” deveria estar subordinado ao Modelo de Pesquisa por

Demanda, sendo esse último o orientador do SEP. A reorganização da P&D contou

ainda com a ênfase na integração de conceitos norteadores das formas de execução

dos projetos, dentre os quais destacam-se a multidisciplinaridade e a parceria (Salles

Filho et al., 2000, p. 111-112).

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51

O II PDE (1994-98) redefine a missão e os objetivos da Empresa, além de determinar

as diretrizes e as ações estratégicas que a Empresa deveria adotar. (Salles Filho et al., 2000).

Para os fins deste texto, o II PDE é importante por ser o primeiro a mencionar a necessidade

de controle das atividades e de avaliação do desempenho da Instituição.

Na passagem para o próximo PDE, apesar de nenhuma mudança estrutural profunda

ou de instrumentos de atuação, o refinamento do aparato institucional responsável pelo

gerenciamento das pesquisas atingiu seu auge. O III PDE (1999-2003), segundo Salles Filho

et al., renova o modelo de gestão:

De uma maneira geral, dando prosseguimento ao processo de atualização do modelo

de gestão, as ações institucionais têm sido concentradas em quatro aspectos. O

primeiro diz respeito ao estabelecimento de mecanismos internos de controle das

atividades e de avaliação dos resultados. O segundo aspecto refere-se à

instrumentalização da estratégia de aproximação com o ambiente externo (opinião

pública e agronegócio) por meio da Política de Comunicação Empresarial e da

Política de Negócios Tecnológicos. O terceiro concerne à elaboração de uma

Política de P&D. O quarto aspecto, ligado à revisão da vinculação da Empresa com

o Estado, diz respeito à definição do seu estatuto jurídico (Salles Filho et al., 2000,

p. 115).

Além disso, o III PDE merece especial atenção por inserir a questão ambiental do

desenvolvimento sustentável como uma das principais preocupações da Embrapa. A

preocupação ambiental deveria estar presente na prática institucional, sendo objeto de

gerenciamento da alta administração e objeto de estudo por parte dos pesquisadores. Não por

acaso, essa questão também será incorporada pelos mecanismos de avaliação de impactos

posteriores.

Ao mesmo tempo, a experiência acumulada na década de 90 permitiu que, no início do

novo milênio, a Embrapa refinasse seus mecanismos de gerenciamento e planejamento.

Segundo Bin (2004), em 2002 ocorre a passagem do Sistema Embrapa de Planejamento (SEP)

para o Sistema Embrapa de Gestão (SEG). Com isso foram introduzidos instrumentos para

operacionalizar a indução de projetos e a formação de redes e arranjos cooperativos

inovadores (por meio de editais), visando incrementar a priorização de atividades de pesquisa.

O quadro abaixo apresenta as principais diferenças entre os sistemas.

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52

Quadro 1. Comparação entre o Sistema Embrapa de Planejamento (SEP) e o Sistema Embrapa de Gestão (SEG)

SEP SEG

19 Programas Nacionais (16 de P&D e 3 de Desenvolvimento

Institucional)

5 Macroprogramas (3 de P&D, 1 de Transferência de Tecnologia e Comunicação Empresarial e 1 de Desenvolvimento Institucional)

Demanda espontânea de projetos Indução de projetos via editais

Programas de P&D representando temas e linhas de pesquisa

Macroprogramas representando caráter científico e tecnológico e

forma de arranjo da pesquisa

Instrumentos de operacionalização da programação

de pesquisa

Demandas prioritárias estabelecidas anualmente

Demandas prioritárias estabelecidas continuamente

Fonte: Bin, 2004, p. 96.

Nesse momento, a necessidade de critérios objetivos para a tomada de decisões

incentiva a adoção de mecanismos de avaliação de impactos. Diversas subdivisões

institucionais serão concebidas com a intenção explícita de avaliar a prática científica e

tecnológica da Empresa.

Destaca-se no SAPRE [Sistema de Avaliação e Premiação por Resultados] o

componente de avaliação de desempenho das unidades centrais e descentralizadas, a

partir do Sistema de Avaliação das Unidades (SAU). Esse último adota como

referência metas negociadas previamente com a Diretoria Executiva. Para a

avaliação das Unidades Descentralizadas são considerados o cumprimento de metas

(com base na comparação entre o realizado e o programado), a geração de receita

própria, a relação entre a produção e os gastos incorridos para realizá-la, o impacto

socioeconômico e a qualidade técnica dos resultados obtidos e, enfim, a imagem da

Unidade junto ao público externo. [...] A ponderação dos diversos critérios de

avaliação resulta em um Índice de Desempenho Institucional (IDI) (Salles Filho et

al., 2000, p. 115-116).

Esse momento é importante para a presente análise, pois é a partir de então que se

acentua o choque entre critérios administrativos de desempenho empresarial e os critérios

científicos de avaliação, do mesmo modo que Bourdieu (2004) havia identificado no INRA.

Por essa perspectiva, índices como o SAU e o IDI contribuem para a hierarquização da

Embrapa, pois estabelecem a concorrência entre pesquisadores e Unidades na luta por

recursos e prestígio institucional. Ademais, a quantificação das avaliações tem como objetivo

a adequação da IPP aos critérios de efetividade institucional, o que significa o atendimento às

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metas colocadas pelas instâncias administrativas centrais – metas estas legitimadas pelo

discurso da “demanda social”. Isso ocorre porque o modo como se avaliam os resultados das

Unidades adquire um caráter mais gerencial do que científico. Um exemplo é a construção do

IDI, que privilegia muito mais o respeito às metas institucionais, a eficiência organizacional e

autonomia financeira do que os resultados da P&D em si, como mostra a tabela abaixo.

Quadro 2. Os critérios de avaliação da Embrapa e seus pesos na construção do Índice de Desempenho Institucional (IDI)

Critério avaliado Peso

Eficiência Relativa 20 Metas Institucionais 39

Ações de Parceria 20

Não-conformidade da Auditoria 04

Melhoria Processos 04

Ações de Cidadania e Responsabilidade Social 02

Cumprimento de Prazos 02

Qualidade Relatório de Gestão 04

Construção e/ou Atualização da Árvore do Conhecimento 03

Receita Própria 15 Metas Técnicas (base: projeto PDU) 10 Satisfação do Cliente 03 Avaliação de Impacto Econômico, Social e Ambiental 05 Crescimento de Produtividade 08 TOTAL 100

Fonte: Avila, Rodrigues & Vedovoto, 2006.

Ao analisar toda a engenharia de programação da Embrapa, Salles Filho et al.

caracterizam a hierarquia burocrática na concepção de projetos de pesquisa:

Os principais critérios a orientar a programação são, em ordem decrescente de

importância: as recomendações do Conselho Assessor Nacional, as demandas de

parceiros/clientes/usuários, as demandas governamentais, as orientações da Diretoria

Executiva, as propostas das chefias das UDs, as demandas de equipes de pesquisa

internas e as decisões individuais de pesquisadores. Há um baixo grau de

flexibilidade para efetuar alterações na programação da P&D. No entanto, mudanças

podem ocorrer em decorrência das demandas emergenciais (Salles Filho et al., 2000,

p. 158).

A partir desse momento, a Embrapa verticaliza cada vez mais as suas atividades de

pesquisa. Comitês técnicos, gestores e consultores ad hoc são solicitados a avaliarem a

elaboração e os impactos possíveis dos projetos enviados. O Comitê Gestor da Programação é

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a instância que decide ao final pela contratação dos projetos e aloca os recursos, a partir da

avaliação do chamado mérito estratégico dos projetos (Bin, 2004).

4.3 A construção dos instrumentos de avaliação de impactos tecnológicos

Com o avanço da reorganização institucional, a avaliação de impactos será utilizada

como mais um instrumento da gestão. Nesse contexto, uma parceria da Empresa com outros

institutos internacionais (como o IFPRI – International Food Policy Research Institute) desde

1999 inseria tentativas de avaliação de impactos específicas em cada Unidade Descentralizada

(as Unidades da Embrapa responsáveis por algum tipo de produto ou pesquisa). No período,

as avaliações de impactos econômicos foram as que mais se consolidaram.

A preocupação com o refinamento da gestão na Embrapa é confirmada com a criação,

em 2001, do primeiro documento que trata da questão da avaliação dos impactos tecnológicos

de maneira sistematizada e integrada (Avila, 2001). Com o documento coordenado por Avila,

os atores responsáveis pela avaliação ganham um referencial mais conciso e uniforme para

desenvolver esse tipo de atividade na Embrapa. Com ao passar do tempo, a questão da

avaliação dos impactos das tecnologias geradas pela Embrapa ganha destaque dentro da

proposta de gerenciamento e planejamento da pesquisa. A partir do ano 2000, surgem

diversos documentos e boletins informativos internos e externos resultantes de avaliações de

impactos. A questão do impacto é uma dimensão importante presente a partir do IV PDE,

devido à necessidade da avaliação dos resultados de pesquisa e à justificativa do repasse de

recursos públicos e privados para as atividades da Instituição (Borges Filho, 2005). O IV PDE

(2004-2007), vigente atualmente, demonstra a preocupação em ampliar e fortalecer as bases

científicas, promover a inovação tecnológica e os arranjos institucionais adequados para

vários níveis de seus objetivos estratégicos (Embrapa, 2004).

Uma das áreas que mais investiu na construção de métodos sofisticados de avaliação

de projetos foi a de meio ambiente. Na unidade sediada em Jaguariúna (SP), a Embrapa Meio

Ambiente, foi desenvolvido o Ambiente-agro, uma ferramenta de Avaliação de Impactos

Ambientais de projetos elaborados por técnicos da empresa e aplicados em propriedades

rurais. Através dela os gestores são capazes de avaliar e monitorar os impactos ambientais

das inovações tecnológicas oferecidas pela Empresa, estabelecendo indicadores e coeficientes.

Essas avaliações devem servir para apresentar os resultados da pesquisa agropecuária; e para

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conscientizar pesquisadores e administradores sobre a relevância das avaliações de impactos

como instrumentos para a adequação tecnológica (Monteiro & Rodrigues, 2006).

Em 2006, surge uma nova metodologia de referência para a avaliação de impactos

tecnológicos na Empresa. O documento produzido por Avila, Rodrigues & Vedovoto (2006)

trata de quatro dimensões de impactos: econômicos, ambientais, sociais e político-

institucionais. O avaliador deve selecionar três inovações representativas da prática

tecnológica de sua Unidade Descentralizada, e com base na metodologia proposta, avaliar as

quatro dimensões no nível da cadeia produtiva.

A avaliação de impactos econômicos tem como objetivo avaliar os incrementos de

renda nos vários segmentos de uma cadeia produtiva, para comprovar a rentabilidade advinda

de uma inovação tecnológica. O principal método utilizado é o cálculo de excedente

econômico gerado pela inovação tecnológica, tendo em vista ter acesso a Taxa Interna de

Retorno (T.I.R.) ou a Relação Benefício/Custo (B/C) (Avila, Rodrigues & Vedovoto, 2006, p.

8-23). Já a avaliação de impactos sociais procura revelar como a inserção de uma inovação

tecnológica em uma cadeia produtiva promove transformações sociais, isto é, interfere no

cotidiano dos trabalhadores de uma unidade, de uma propriedade ou empresa, ou de seu

entorno. No caso, é empregada a metodologia Ambitec-Social. Uma série de variáveis

relativas aos aspectos Emprego, Renda, Saúde, Gestão e Administração são lançadas na

planilha do programa, com base nos dados fornecidos pelo proprietário do local de

implantação da inovação (Avila, Rodrigues & Vedovoto, 2006, p. 24-47). A metodologia

Ambitec também é empregada no caso dos impactos ambientais. O objetivo é avaliar os

impactos ambientais de inovações tecnológicas geradas/transferidas através da pesquisa da

Embrapa, identificando impactos positivos e negativos, municiando ações que visem o

desenvolvimento sustentável e a não-agressão do ambiente. O Ambitec-Agro se subdivide em

três tipos de localidades: Ambitec-Agricultura, Ambitec-ProduçãoAnimal e Ambitec-

Agroindústria. Os principais aspectos avaliados são o alcance da tecnologia, a eficiência

tecnológica e a conservação ambiental, além de variáveis específicas de cada um dos três

instrumentos (Avila, Rodrigues & Vedovoto, 2006, p. 48-59).

A novidade presente no documento de 2006, não contida na metodologia de 2001, é a

avaliação dos impactos sobre o Conhecimento/Político-institucionais. Essa ferramenta procura

avaliar as inovações organizacionais da Empresa. No caso, avaliam-se os impactos da P&D

em capacitação, através da criação de conhecimentos tácitos – nas dimensões relacional,

organizacional e científico-tecnológica – e codificados – no caso da concepção de produtos e

subprodutos da P&D; em suma, avaliam-se os ganhos institucionais obtidos através de uma

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ou diversas pesquisas. A metodologia utilizada – “ESAC” – foi desenvolvida pelo

GEOPI/UNICAMP, referente aos chamados impactos sobre Capacitação (o “C” do método

ESAC). Através dela são quantificados diversos aspectos da Capacitação: Relacional

(formação de redes de P&D e transferência tecnológica); Organizacional; Científico-

Tecnológica; Produtos e Subprodutos da P&D (Avila, Rodrigues & Vedovoto, 2006, p. 60-

83).

Essas ferramentas têm sido utilizadas para os relatórios anuais da Embrapa de forma a

subsidiar as instâncias administrativas a alocarem recursos e priorizarem áreas e formas de

intervenção tidas como estratégicas pela empresa. A empresa elabora seus relatórios de gestão

(Balanço Social) tendo como base também as avaliações de impacto que são realizadas pelas

equipes de trabalho, atuando conjuntamente com os produtores rurais adotantes das

tecnologias.

4.4 Efeitos dos novos instrumentos de avaliação nas práticas de pesquisa da

Embrapa

Foram entrevistados diversos agentes da Embrapa, nas Unidades Embrapa Pecuária

Sudeste, Embrapa Instrumentação Agropecuária e Embrapa Meio Ambiente. Os principais

entrevistados foram os pesquisadores-avaliadores, isto é, pesquisadores da Embrapa que a

partir das mudanças organizacionais do último PDE, receberam o encargo de aplicar o novo

sistema de avaliação da Empresa e enviar seus resultados à Sede.

Foi possível perceber que ocorreu uma certa resistência no período inicial de

estabelecimento dessas ferramentas de avaliação, pois os profissionais encarregados de

calcular a Taxa Interna de Retorno viam o estabelecimento dessas rotinas como um fardo.

Segundo um dos pesquisadores da empresa,

É lógico que esse tipo de movimento engendre um determinado nível de resistência

nas equipes. No início a resistência foi razoavelmente grande porque acontece o

seguinte: a Embrapa tem uma experiência de muito longa data, inclusive uma certa

liderança na literatura de avaliação de impacto econômico, taxa interna de retorno,

tem toda uma equipe bem consolidada e uma visibilidade na literatura internacional

nessa parte de avaliação de impacto, em termos de taxa interna de retorno, parte

econômica. A parte social e ambiental é bem mais recente. E como já havia a prática

de avaliações dessa parte econômica, era natural que os pesquisadores que são

denominados como aqueles de sócio-economia das unidades fossem a linha de

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57

frente dessas avaliações, isso caiu sobre eles como uma responsabilidade a mais,

tinha uma linha de pensamento, uma temática de pesquisa ambiental especialmente,

social nem tanto, que não era da especialidade deles, e já chegando com uma

mecânica de avaliação que aparecia vindo da sede como a imposição de uma nova

função... então gerou mesmo uma certa resistência no começo (de um pesquisador-

avaliador da Embrapa).

Mas à medida que os resultados práticos foram aparecendo, o instrumento de

avaliação se mostrou eficaz e simples, e a preocupação ambiental entrou fortemente na

agenda da empresa as resistências tenderam a diminuir, e deu-se uma rotinização dessas

práticas de avaliação e o crescimento de sua importância no Sistema de Avaliação das

Unidades. Mesmo assim, pode-se identificar nos depoimentos dos pesquisadores boa parte

das tendências e dilemas dos novos critérios de avaliação da pesquisa científico-tecnológica,

além do conflito entre a especificidade científica e a quantificação dos impactos técnicos e as

implicações dos usos político-administrativos da avaliação.

Naquilo que se convencionou chamar de "ciência mertoniana" ou "Modo 1" de

produção do conhecimento (Gibbons et al., 1994), os próprios cientistas eram os responsáveis

pela avaliação de suas práticas, e o principal critério a ser utilizado na avaliação era o respaldo

do método científico e as normas institucionais. Entretanto, parece claro que surge um novo

tipo de agente na dinâmica do campo científico, responsável pela aplicação dos

procedimentos avaliativos. Ademais, os critérios e mecanismos de avaliação se

complexificam e se transformam de tal forma que é preciso ter um conhecimento específico

para se empreender a avaliação da ciência, não mais vinculado meramente ao método

científico. Muitas vezes, esse conhecimento específico diz respeito ao de caráter quantitativo

das avaliações e os métodos econométricos. Segundo alguns pesquisadores da Embrapa:

[...] eu não tenho formação em economia, sou agrônoma... dificulta trabalhar com

avaliação por não ser economista! (de uma pesquisadora-avaliadora da Embrapa).

Eu pretendo fazer doutorado agora. No edital da Embrapa tem os temas permitidos

pra gente poder sair pra fazer o doutorado. Eu queria fazer algo na área de

Economia... queria mexer com essa parte mais quantitativa da Economia, me

capacitar mais nisso, até porque é algo que é necessário pela questão da avaliação e

das outras atividades desse tipo (de um pesquisador-avaliador da Embrapa).

Tampouco o usuário – no caso, os agentes do mundo agrícola – são capazes de

compreender e aplicar os complexos mecanismos de avaliação. Identifica-se, desta forma, a

legitimação de um tipo específico de pesquisdor-avaliador no campo científico:

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[...] você não pode simplesmente pegar essa ferramenta assim e colocar para o

produtor rural aplicar, ele não conseguiria fazer isso, teria que alguém venha traduzir

esses indicadores da avaliação em linguagem mais simples... (de um pesquisador-

avaliador da Embrapa).

Mas os novos critérios avaliativos desses agentes passam ser questionados A

principal preocupação, no caso das ferramentas de avaliação de impactos tecnológicos, é

como lidar com a especificidade técnico-científica de diferentes inovações. Os critérios

quantitativos de mensuração muitas vezes são criticados por não apresentarem uma

maleabilidade que faça com que, por menos que ela possa ser considerada específica pra

analisar qualquer caso, seja suficientemente ampla para analisar todos os casos. E mediante o

ajuste de pesos de indicadores ou pesos de critérios para melhorar a especificidade de

determinada variação, ganha-se em especificidade mas há perda em comparabilidade.

Todavia, os pesquisadores defendem que haja a mesma mecânica, a mesma métrica e o

mesmo contexto para avaliar centenas de tecnologias por ano; a Empresa não pode estar presa

a avaliar determinadas intervenções, ela precisa de um instrumento que seja generalista e

permita uma visão de conjunto em termos de inovação tecnológica.

Ocorre que a especificidade de cada processo inovativo não pode ser levada em conta

em suas avaliações de impacto: os indicadores selecionados já estão preestabelecidos. Na

visão de alguns pesquisadores, isso significa que as avaliações muitas vezes subdimensionam

os impactos da tecnologia, restringem os objetos à sua funcionalidade restrita e

convencionada.

Essa tecnologia [microondas] é multiusuário, então você pode aplicar ela tanto com

o produtor no campo quanto no laboratório de controle de qualidade da área de

nutrição animal. E na entrada dos dados [...] não tem espaço pra inserir no Sistema

[de avaliação] esse benefício pra multiusuário, pelo menos com essa parte

quantitativa, né, que vê qual foi o benefício econômico, social, etc. Isso não tem

espaço dentro desse Sistema, então a gente faz de forma descritiva no texto; e isso a

gente passou pra quem é coordenador lá na Sede por e-mail, como sugestão (de uma

pesquisadora-avaliadora da Embrapa).

Mas a questão do impacto, ela depende muito da tecnologia que eu estou fazendo;

por exemplo, uma tecnologia aqui vai transformar calor em trabalho, agora qual é a

dimensão do impacto disso? È extremamente complicado ver isso aí. Se você ver só

o lado agrícola é evidente as implicações. Mas uma tecnologia que transforma calor

em trabalho teria desdobramentos em outros setores da economia brasileira, e eu não

consigo dimensionar isso. Você fica preso à questão agrícola, mas por exemplo, esse

caso do motor multicombustível, ele serviria para camping, gerar eletricidade em

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outras situações, pessoal que vai pescar etc... será que serve para ter back up de

energia elétrica em sua casa? Ela partiria do ambiente agrícola mas pode se

expandir, e os tentáculos podem atingir toda a sociedade... A dimensão da tecnologia

é muito ampla, ela pode ser empregada vários ambientes e finalidades. Com a

avaliação ex ante, muitas vezes você corre o risco de subdimensionar os impactos da

tecnologia (de um pesquisador da Embrapa).

Outra questão presente da fala dos cientistas da Embrapa diz respeito aos critérios

"funcionalidade" e "relevância sócio-econômica" das pesquisas. Como alguns deles enxergam

os novos critérios de avaliação dos resultados de suas práticas? E quais os usos desses novos

critérios na gestão da P&D?

Em alguns depoimentos, sobressaiu a importância dos critérios econômicos de

desempenho das tecnologias. Isso significa que o retorno econômico e produtivo de uma

tecnologia passa a ser importante na validação de um novo produto ou processo, e não mais

apenas seu rendimento técnico. Alguns chegam a explicitar a hegemonia dos critérios

econômicos diante dos demais:

Os dados econômicos são importantes. São o centro disso tudo, pois é o que

interessa para quem quer adotar aquela tecnologia e ver os resultados acontecerem.

Os impactos sociais, ambientais, são todos importantes, mas não são o foco de

interesse do produtor, não são eles que levam alguém a se interessar ou não por uma

tecnologia (de um pesquisador-avaliador da Embrapa).

Os resultados quantitativos das avaliações também são vistos como forma de se fazer

propaganda dos produtos oferecidos pela Embrapa, isto é, servem pra legitimar os resultados

da tecnologia diante do produtor rural. Nesse caso, o levantamento dos retornos econômicos

da pesquisa científico-tecnológica também é citado como fundamental:

Na parte de transferência, [...] a partir do momento que eu tenho resultados que eu

coloco ali os benefícios, você pode ta levando isso pro produtor. Então isso pode

facilitar, ajudar nessa comunicação, facilitar nesse caminho de transferência (de uma

pesquisadora-avaliadora da Embrapa).

Esse tipo de avaliação ajuda na hora de vender a tecnologia pro produtor.

Principalmente a ex ante, pois prevê a economia e os lucros que o produtor vai ter ao

adotar aquela tecnologia; a ex post também serve, nem tanto, mas ajuda porque os

resultados dessa tecnologia em outros contextos podem incentivar a adoção. Esses

métodos fornecem dados para a transferência, para o extensionista, que trabalha

direto com o produtor. Na verdade, é isso que interessa, né. É exatamente isso que o

usuário quer saber: quanto vou ganhar ao adotar isso, qual vai ser o meu retorno

econômico se eu implementar essa tecnologia. E a pecuária leiteira é uma

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oportunidade que tem se mostrado lucrativa, mesmo pra quem não mexia com isso

antes (de um pesquisador-avaliador da Embrapa).

Os pesquisadores já estão se adaptando às transformações dos critérios avaliativos e

incoporando as dimensões extra-científicas aos resultados esperados de suas pesquisas, o que

demonstra, conforme a visão de Knorr-Cetina (2005), a capacidade desses agentes de ajustar

suas práticas aos critérios pelos quais serão avaliados, ou ainda, conforme apontado por

Bourdieu (2001), a adequação dos agentes as "regras dos jogo" colocadas pela nova ortodoxia

do campo. Deste modo, os novos padrões de avaliação da Embrapa implicam em novas

expectativas quanto aos resultados da P&D:

Agora a Embrapa quer que seja feito um diagnóstico prévio dos prováveis impactos

ex ante, não só os impactos potenciais mas as dificuldades que possam surgir, riscos

e dificuldades; assim a gente faz uma previsão dos impactos potenciais que essa

tecnologia vai ter. Isso não era exigido antes... (de um pesquisador da Embrapa).

Ora, mas o principal aspecto dos usos gerenciais dos novos mecanismos de avaliação

da Embrapa diz respeito a tomada de decisões institucionais e a verticalização das Unidades.

A Embrapa vista sob o ângulo bourdieusiano, isto é, enquanto uma instituição vista como um

"subcampo" particular, englobado pelo campo científico, possui suas próprias hierarquias,

seus próprios princípios de ranqueamento e distribuição de capital. Nesse sentido, os novos

padrões e critérios de avaliação implicam em novos princípios de hierarquização interna, que

concorrem com os antigos. No caso da Embrapa, a avaliação de impactos tecnológicos possui

uma importância crescente:

Existe um ranqueamento entre as unidades da Embrapa, e nesse ranqueamento

existem vários critérios de avaliação, vários itens, e um deles é a avaliação de

impactos de tecnologias; é dada uma nota em cima desse relatório que a gente

encaminha pra Sede, e isso aí entra na avaliação da Unidade também (de um

pesquisador-avaliador da Embrapa).

No entanto, é interessante notar que a avaliação é realizada tendo por base o formato

do relatório, e não no processo de inovação tecnológica em si. Mais especificamente, as notas

de desempenho de P&D das Unidades estão vinculadas à qualidade do relatório, e não

necessariamente à qualidade da tecnologia.

[...] se a tecnologia teve um impacto de -10 e uma outra de +10, a nota que é dada

[no IDI da Unidade] não é em cima disso, da tecnologia, mas é dada é em cima do

relatório que a gente encaminhou. É feita uma avaliação em cima do relatório.

Então, eu recebo aqui um feedback da Sede sobre a minha avaliação de impactos do

ano passado, e lá eles colocam “olha, na parte de indicativo de impactos sobre a

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cadeia produtiva você poderia melhorar, precisa dar uma estimativa melhor em cima

de número de empregos diretos gerados ou não”... então eu acho que é em cima do

relatório e não se a tecnologia é “boa” ou “ruim” (de um pesquisador-avaliador da

Embrapa).

Isso significa que a geração de índices quantitativos sobre os impactos tecnológicos

poucas vezes representa uma possibilidade de redirecionamento das práticas inovativas

específicas, pois não são os resultados tecnológicos que fazem parte do princípio de

ranqueamento das UDs da Embrapa, mas a qualidade do relatório. Quanta a esse ponto, cabe

lembrar o argumento de Pierre Bourdieu acerca do papel das avaliações para as instâncias

administrativas: “o fim real de suas operações de avaliação não é a da própria avaliação, mas

o poder que ela permite exercer e acumular controlando a reprodução do corpo...” (Bourdieu,

2004, p. 63).

Esse fato pode reforça a tese de que os mecanismos de avaliação muitas vezes

subdimensionam a especificidade de cada processo inovativo, de cada artefato tecnológico,

tendo em vista a generalização que facilite a tomada de decisões e a homogeneidade dos

critérios. Os usos gerencias da avaliação muitas vezes privilegiam os critérios de desempenho

institucional e respeito às metas econômicas e administrativas da Empresa, sem dar atenção

aos casos particulares. Como lembra Andrade (2007), tal fenômeno implica no engessamento

das práticas de pesquisa nos ambientes de produção tecnológica.

Contudo, existem reflexos indiretos da aplicação dos mecanismos avaliativos que tem

se revelado importantes na visão dos pesquisadores e avaliadores: o crescimento do contato

direto entre o cientista e o usuário, isto é, entre o pesquisador e o produtor. A necessidade de

se aplicar o questionário em campo tem levado os pesquisadores a empreenderem um diálogo

profícuo com aqueles que se utilizam dos resultados de suas atividades, e esse diálogo muitas

vezes se reflete em transformações positivas das práticas desses agentes.

Mas essa proximidade ainda precisa ser aprofundada para o sucesso do diálogo entre

pesquisadores e produtores, além do sucesso da própria dinâmica de avaliação das pesquisas.

A falta de proximidade entre a Embrapa e o mundo rural muitas vezes apontada como causa

do insucesso de alguns empreendimentos avaliativos (Primavesi et al., 2006); o interesse da

instituição em monitorar os resultados de suas pesquisas é bem recentemente, o que dificulta a

identificação das tecnologias já adotadas.

Quanto aos pontos que poderiam melhorar, tem um ponto que pode melhorar – e eu

não sei te falar como porque é uma dificuldade não só da Embrapa, mas de qualquer

um que trabalha com avaliação tecnológica hoje em dia – que é o momento de você

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identificar o número de adotantes da tecnologia. Existia uma metodologia que foi

descrita pela Embrapa, mas exigia coisas como informantes no campo, e uma série

de coisas que eu não sei por que não foi implementada. Por exemplo, quando a

tecnologia é laboratorial e a transferência é pra dentro de laboratórios, é fácil você

controlar, você sabe dizer “olha, são 50 laboratórios no Brasil que estão usando”,

então você tem uma idéia do que representa no todo. Agora, a tecnologia que é pro

produtor, que nem a casinha tropical, é uma dificuldade que a gente resolve em cima

da experiência, a gente acaba conversando com os pesquisadores, com os

extensionistas, pra ter uma idéia de quem adotou e quantos adotaram. Mas isso é

uma coisa que a gente não noção... (de uma pesquisadora-avaliadora da Embrapa).

[...] como você vai saber por exemplo de uma tecnologia que a pessoa viu na

internet, viu as fotos e resolveu copiar aquilo lá no interior do Mato Grosso? Você

não tem idéia, você não tem o controle de onde vai chegar essa informação. Se ela

foi adotada, se não foi... esse ponto aí eu acho complicado, porque fica muito

encima disso: uma conversa com quem desenvolveu a tecnologia, com quem tá na

ponta, com os extensionistas... mas é só uma estimativa. Então esse é um ponto que

deveria melhorar (de um pesquisador da Embrapa).

Logo, até que ponto os resultados das atividades científicas podem ser controlados?

Levando em conta a “incerteza” e “indeterminação” da construção de fatos e técnicas (Latour,

2000), como é possível monitorar as implicações das práticas de P&D com precisão?

Estas constatações guardam um outro aspecto da avaliação de inovações técnicas:

segundo pesquisadores e avaliadores, muitas vezes a experiência adquirida a partir do contato

com os produtores rurais que aplicam tais técnicas é muito mais rico do que a averiguação dos

critérios e indicadores das ferramentas avaliativas. Dito de outro modo, o resultado

quantitativo das avaliações de impacto não dizem muita coisa sobre o contexto de uma

inovação tecnológica, mas o simples contato com o usuário – o “adotante”, nos termos dos

pesquisadores da Embrapa – é uma experiência cientificamente mais rica que a quantificação

dos impactos, pois representa uma possibilidade de se identificar problemas e questões que

podem redirecionar as suas atividades de P&D.

[...] quando você vai a campo pra verificar a adoção, você acaba tendo um feedback:

quais pontos podem melhorar, o que as vezes não ta dando certo, o que que pode ser

feito? (de uma pesquisadora-avaliadora da Embrapa)

Por fim, outro tema surgido nos depoimentos foi o conflito entre as velhas e novas

concepções de atividade científica, e o reflexo desse conflito nos novos mecanismos

avaliativos. Neste caso, foram ouvidos os pesquisadores-avaliadores, que apresentam um

ponto de vista bem definido quanto a essa questão: defendem que os pesquisadores não

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alinhados ao novo contexto da atividade científica devem se enquadrar aos novos padrões de

atividade científica defendidos por ele, o que significa acompanhar todos os impactos de suas

práticas de pesquisa. Um entrevistado da Área de Comunicação e Negócios (ACN) da

Embrapa, organismo responsável pela ligação entre a P&D da instituição e o ambiente

externo, resume sua concepção sobre as mudanças necessárias na atividade científica

tradicional:

A primeira resistência que tem é a seguinte: eu sou pesquisador, não tenho que ir

para o campo. Ele realiza um projeto e passa para alguém executar no campo. Muita

gente nem vai ao campo acompanhar o experimento, pega os dados e escreve

alguma coisa... A concepção da Empresa sempre foi essa: o importante é gerar

resultado de pesquisa e não gerar inovação. Esse tipo de discussão dentro da

Embrapa de 5 anos para cá começou a ser feita. Passou a existir um discurso da

Diretoria Executiva que o que falta à Embrapa é fazer inovação. É levar o resultado

da pesquisa até o final e monitorar o impacto dessa pesquisa no setor produtivo. A

inovação precisa dessa aplicação, desse desenvolvimento no campo, precisa ser

transferida, ser monitorada, e isso acaba parando na fase da pesquisa (de um agente

da Área de Comunicação e Negócios).

Ora, com o desenrolar das transformações da atividade científica e, mais precisamente,

a crescente importância do tema da inovação tecnológica para as práticas do campo científico,

os critérios de avaliação passam a levar em conta a contabilização e mensuração das práticas

inovativas. Boa parte dos teóricos da Ciência Econômica considera que o principal

mecanismo pelo qual se pode mensurar a inovação tecnológica é o número de patentes de uma

empresa, uma universidade, uma região ou um país. Cada vez mais, a própria Embrapa tem se

preocupado com o aumento da geração de patentes que significaria, em tese, uma maior

capacidade inovativa da instituição.

Contudo, os pesquisadores, gestores e os próprios avaliadores reconhecem a

ambigüidade do novo cenário; no atual contexto da atividade científica, os novos mecanismos

de avaliação da P&D não suplantam os velhos, mas antes convivem com estes. A

preocupação com os índices inovativos é cada vez maior, mas a publicação de periódicos

continua a ser vista pelos cientistas como um meio fundamental de avaliação. Mais uma vez,

os relatórios de avaliação são utilizados como base para se produzir artigos científicos e, desta

forma, elevar o número de publicações dos pesquisadores:

[...] nós pesquisadores somos avaliados por isso daí, né? Publicação, currículo... até

pra poder conseguir aprovar projetos junto a Fapesp, CNPq, qualquer uma das

instituições de fomento, e a própria Embrapa, é claro. O que conta? Currículo. E o

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currículo chega onde? Na publicação. O trabalho de chegar no campo depois não

entra. Então não é só a Embrapa, é o meio, né. Então por exemplo, o que a Fapesp

prioriza e valoriza na hora de você encaminhar um projeto? O que o CNPq valoriza?

Então o que acontece é que os resultados disso [das avaliações] eu acabei

publicando, então pra mim isso gerou publicação; foi um estímulo, porque trabalho

na área de pesquisa e preciso disso (de uma pesquisadora-avaliadora da Embrapa).

[...] mas isso [relatório de avaliação] acaba contando muito pouco, né? Conta mais

uma publicação só. Pesa mais artigo em revista, periódico com um “Qualis” bom...

(de uma pesquisadora-avaliadora da Embrapa).

Mas não há cobrança por parte das instâncias administrativas quanto a publicação dos

resultados das avaliações. São os próprios pesquisadores que, conscientes dos padrões de

avaliação tradicionais, tomam a iniciativa de transformar os relatórios técnicos internos em

publicações de periódicos. Segundo um dos entrevistados:

Não, não tem cobrança [da Embrapa para publicar os resultados das avaliações]. Foi

por iniciativa nossa, a gente resolveu encaminhar para certos lugares, mas não que a

instituição tenha exigido. O que a gente tem que cumprir é mandar a avaliação para

a Sede fazer aquele Balanço Social (de um pesquisador-avaliador da Embrapa).

Mas este cenário começa a sentir os efeitos das transformações da atividade científica.

Cada vez mais as instituições científicas, o que inclui as IPPs, incorporam a necessidade de

produzir inovações tecnológicas, o que significa registrar um bom número de patentes. Altos

índices de retorno econômico e de registro de patentes significam maior legitimidade da

instituição para desenvolver suas atividades, o que pode implicar em uma propaganda positiva

da IPP diante dos órgãos de financiamento público e dos parceiros privados. Os

pesquisadores, por sua vez, sentem os reflexos desse novo contexto e percebem que as

instâncias administrativas da instituição passam a exigir retornos desse tipo. Fala-se

constantemente em “pressão” por inovação tecnológica como algo que os administradores da

Embrapa exigem das suas UDs. Deste modo, como Bourdieu (2004) havia identificado no

INRA, a administração científica implanta critérios de avaliação e direcionamento da P&D

não consensuais entre os pesquisadores. Nas palavras de uma das pesquisadoras:

Isso é um dilema importante, porque passa a existir mesmo uma verdadeira pressão

por inovação tecnológica, por patente. É uma coisa da ciência de hoje em dia

mesmo. Veio um pessoal de Campinas aqui uma vez, do Grupo Inova; eles vieram

checar o que estávamos desenvolvendo aqui, pra ver o que poderia virar patente.

Uma espécie de instrução pra isso mesmo. E patente significa segredo, que impede a

publicação em periódico. Mas como eu falei, é difícil, a gente que trabalha mais com

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relatórios, com recomendações pro produtor; como é que vai patentear isso? Quando

você tem um produto, aí sim é possível. Mas com recomendações... E tem também

envolvida a questão de gerar receita própria pra Embrapa, que é algo importante.

Então eu acho que “pressão” é uma palavra que sintetiza bem isso, é um ambiente de

verdadeira pressão pra buscar a inovação (de uma pesquisadora da Embrapa).

Você é pressionado para publicar mas ao mesmo tempo não pode publicar para

patentear, então tem esses problemas (de uma pesquisadora da Embrapa).

Através desta fala, percebe-se que há ainda um outro dilema referente aos novos

critérios de avaliação: a tentativa de produzir certa homogeneidade e generalização das

variáveis e índices avaliativos ignora as especificidades de diferentes práticas de pesquisa.

Diversos pesquisadores afirmam que enquanto técnicas e componentes químicos podem se

transformar em novos produtos e processos, textos de relatórios e recomendações aos

produtores rurais, que constituem boa parte da produção bibliográfica da Embrapa,

dificilmente podem se traduzir em patentes.

As diferentes áreas do conhecimento também não são contempladas pela

homogeneidade dos novos critérios avaliativos. Os próprios agentes que aplicam mecanismos

de avaliação de impactos tecnológicos reclamam deste ponto, pois muitos, oriundos das

ciências humanas, econômicas e sociais, não estão aptos a “concorrer” nas avaliações – e

conseqüentes ranqueamentos e premiações – com os colegas das ciências naturais e

biológicas. Segundo uma avaliadora:

Mas na nossa área, de economia, sociologia, etc., a idéia de inovação, de patente, é

mais complicada. A Embrapa tenta fazer cada vez mais seus pesquisadores gerarem

patente, inovação... mas como a gente, das ciências humanas, pode ser avaliado por

esses critérios? É complicado, porque acabamos sempre “ficando pra trás” nas

avaliações e premiações internas... (de uma pesquisadora-avaliadora da Embrapa).

Partindo da perspectiva neo-institucionalista da sociologia da ciência e da tecnologia,

pode-se constatar que a homogeneidade de alguns critérios de avaliação, como a contagem de

patentes, perpetuam hierarquias dentro do próprio campo científico (Bourdieu, 2001).

Enfim, cabe lembrar que os efeitos negativos dos mecanismos de avaliação para a

dinâmica do campo científico – como a perpetuação das hierarquias do campo e os princípios

pouco adequados a complexidade das práticas dos agentes – convivem com efeitos positivos,

principalmente quanto ao maior interesse dos cientistas no acompanhamento dos resultados

sociais, econômicos e ambientais de suas práticas e um maior diálogo com os agentes extra-

científicos – seja este um diálogo para o bem (como o redirecionamento da P&D que leve em

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conta os reflexos sociais das inovações tecnológicas) ou para o mal (como os efeitos da

crescente interferência de demandas econômicas na atividade científica).

Isso [avaliação de impactos tecnológicos] é uma ferramenta que pode motivar o

pesquisador a dar um passo adiante, e não somente uma publicação científica. [...]

Esse sistema de avaliação de impactos ajuda sem dúvida; [...] pelo menos tem uma

motivação de fazer a pesquisa deles fora da unidade, poder ter mais contato com o

setor produtivo, pensar em outras coisas e não ficar fechado naquele trabalho dele,

poder sair pra fora da caixa (de um agente da Área de Comunicação e Negócios).

Esta parece ser uma tendência do campo científico e de suas transformações recentes.

Segundo um dos agentes da Embrapa:

Nos próximos 4, 5 anos quase 70% dos pesquisadores vão se aposentar, é um

processo de renovação muito grande. A gente percebe que as pessoas que estão

entrando nos concursos, muito mais alinhados, muito mais fáceis de conversar e

convencer dessa idéia de inovação e transferência de tecnologia. Eu percebo uma

boa vontade maior do que o pessoal que está em final de carreira (de um agente da

Área de Comunicação e Negócios).

Este último depoimento confirma que o contexto da atividade científica passa por uma

importante transformação. De acordo com Bourdieu (2001), a aceitação de um agente em um

campo depende da aceitação deste último quanto as “regras do jogo”, isto é, os princípios de

concorrência específicos do campo. Nesse sentido, com o atual contexto da ciência e o

surgimento de possíveis novos princípios de concorrência, reconhecimento e avaliação, os

agentes recém-chegados ao campo – como pesquisadores recém-contratados e universitários –

parecem estar mais dispostos – no sentido bourdieusiano de “disposição” – a se enquadrarem

nas novas regras do campo científico.

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5 Conclusões

O tema que constituiu o pano de fundo desta monografia foi o contexto de

transformações da atividade científica. Assiste-se atualmente a emergência de novos padrões

institucionais da atividade científica e tecnológica. Isso ocorre através de novas concepções

sobre a ciência e a tecnologia, novos atores relevantes na produção do conhecimento e

inovações, novos formatos de política científica e tecnológica, e novos meios de se gerenciar

e avaliar as práticas de pesquisa. Como apontaram os teóricos ligados a uma visão econômica

e gerencial sobre a inovação tecnológica (Dosi, 1988; Gibbons et al., 1994; Nelson & Winter,

2005, entre outros), as atividades de P&D são mais bem articuladas às demandas produtivas

das empresas. O processo de desresponsabilização do Estado também é fundamental, pois

incentivou as instituições científicas a procurarem novos parceiros que financiem a

manutenção de suas atividades. Além disso, as críticas a uma visão neutra e autônoma de

ciência levaram os pesquisadores a se preocuparem cada vez mais com os reflexos

econômicos, sociais e ambientais de suas atividades, o que repercutiu na internalização dessas

preocupações nos mecanismos de gestão e avaliação da pesquisa científica.

Neste trabalho, o enfoque foi dado ao problema dos mecanismos de gestão e avaliação

da CT&I. Autores como Salles Filho et al. (2000) identificam a importância dos mecanismos

institucionais de controle e acompanhamento das atividades de P&D no cotidiano de

cientistas e técnicos. As mudanças nas concepções acerca da atividade científica implicam em

mudanças nos critérios de avaliação de suas práticas. Essas mudanças nos critérios

avaliativos, por sua vez, apresentam alguns efeitos normativos para a atividade de cientistas e

técnicos que merecem maior atenção para que se compreenda as tendências das

transformações da CT&I. Alguns desses efeitos foram pesquisados neste trabalho, a partir do

estudo de caso da Embrapa. A Embrapa vivencia desde 1985 um contínuo processo de

reorganização institucional, tendo em vista sintonizar seu aparato de gestão e avaliação ao

contexto internacional da atividade científica. A queda do financiamento estatal representou

um momento de perigo para a instituição, no qual ela precisou se relacionar com diferentes

atores sociais. Este relacionamento possui reflexos diretos nas práticas de P&D da Empresa.

Por um lado, a pesquisa científico-tecnológica passa a incorporar cada vez mais as

dimensões extra-científicas à sua dinâmica, como as demandas econômicas e sociais, além da

atenção aos impactos ambientais. Os novos critérios e mecanismos de avaliação da CT&I são

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parte fundamental desse processo, pois graças a eles, os cientistas deixam se basear apenas na

mensuração de seus produtos internos (artigos e relatórios) para avaliar também os seus

produtos externos. A democratização das práticas de produção do conhecimento científico,

conforme apontado por Bijker (2008), é uma realidade em boa parte das instituições

científicas internacionais, o que inclui as IPPs. O “ethos científico” nos moldes mertonianos

(Merton, 1970) parece dar lugar a um “ethos” renovado de compromisso público dos

cientistas para com a sociedade e com a lógica do mercado.

Por outro lado, uma perspectiva como a proposta pelo paradigma neo-institucionalista

permite perceber que existem problemas e dilemas importantes no momento em que o campo

científico se relaciona com outros campos sociais. O enrijecimento das relações hierárquicas

das instituições científicas como a Embrapa, e a entrada de novos critérios gerenciais de

rendimento e eficiência para se avaliar a pesquisa científico-tecnológica, representam aquilo

que Bourdieu (2001; 2004) considerou como “heteronomia”. Nesse sentido, a dificuldade de

se lidar com a especificidade das diferentes tecnologias e sua funcionalidade e a imposição de

padrões de rendimento externos à prática inovativa estabelecem uma agenda de atividades aos

pesquisadores que interfere fortemente em sua formulação de projetos e encaminhamento de

pesquisas e transferência tecnológica. A Embrapa considerada enquanto campo apresenta uma

tendência de aperfeiçoamento e afunilamento da gestão que impacta decisivamente o

cotidiano de seus agentes.

Os indicadores gerados pelos novos critérios de avaliação também possuem alguns

aspectos negativos para a pesquisa científica, uma vez que o monitoramento meramente

quantitativo da ciência não identifica as particularidades de processos inovativos, dinâmicas

de distintas áreas do conhecimento, etc. A questão dos mecanismos de avaliação da CT&I que

se baseiam em elementos quantitativos estava presente desde o chamado “modelo linear”, e

parece não ter sido superada no “modelo dinâmico” de produção científico-tecnológica.

Parece evidente que, a partir do momento em que a avaliação possui um papel de

instrumentalização das decisões gerenciais, os métodos e dados gerados pela avaliação devem

ser universais e generalizáveis o suficiente para permitir a tomada de decisões. No entanto,

percebe-se que a quantificação dos impactos científicos e tecnológicos é mais complexa e

menos consensual do que aparece na literatura gerencial e econômica sobre o assunto.

Não é o caso de diagnosticarmos uma total incapacidade de técnicos em levarem

adiante autonomamente suas intervenções tecnológicas; mas é necessário que se realize uma

reflexão mais aprofundada sobre os diversos impactos dessa cultura institucional sobre o

cotidiano das inovações técnicas. Segundo Bourdieu (2004), a Sociologia da Ciência teria

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papel de destaque no estímulo a refletividade do campo científico e no auxílio dos rumos dos

processos de reorganização institucional que este campo tem realizado. Percebe-se, portanto,

que a Sociologia da Ciência pode contribuir para essa discussão, na medida em que possibilita

uma compreensão mais aprofundada dos aspectos institucionais e sociais que fazem parte da

criação de conhecimentos científicos e objetos técnicos.

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Anexos

Anexo 1: Modelo de entrevistas

A) Identificação do entrevistado

� Nome � Cargo na Embrapa � Tempo no atual cargo (em anos) � Descrição das atribuições do cargo

B) Trajetória de formação e profissional

� Título(s) � Instituição(ões) em que estudou � Instituição(ões) em que trabalhou � Tempo na Embrapa (em anos)

C) Os pressupostos da avaliação

� Na sua visão, para que se avaliam as atividades de P&D e as inovações tecnológicas? � Como os resultados das avaliações de impactos tecnológicos atualmente aplicadas pela

Embrapa podem ser utilizados? Isso inclui o Balanço Social? E o SAU? E o SAPRE? � Qual o peso das avaliações de impacto na avaliação institucional (ou no IDI) das

Unidades? � O que se considera como uma boa ou uma má avaliação? Que decisões decorrem de uma

má avaliação? � Quem (isto é, quais agentes) define os indicadores e variáveis presentes nos mecanismos

de avaliação? Os pesquisadores participam dessa definição? � Como (isto é, por quais critérios) se definem os indicadores e variáveis presentes nos

mecanismos de avaliação? � Qual o peso dos diferentes indicadores e variáveis no resultado final da avaliação? � Qual é o público alvo da divulgação dos resultados das avaliações?

D) Os efeitos da avaliação na dinâmica de produção científico-tecnológica

� O que mudou na produção de conhecimentos e tecnologias da Embrapa após a implantação das novas metodologias avaliativas?

� Qual dimensão da pesquisa é privilegiada pelos instrumentos avaliativos: os produtos finais da P&D ou os próprios processos de P&D?

� Os resultados da avaliação geram publicações em periódicos científicos? Com que freqüência?

� Em que medida os resultados da avaliação de impactos retornam para os pesquisadores? � Os resultados da avaliação são técnica ou cientificamente relevantes para os

pesquisadores? Como os pesquisadores fazem uso desses resultados em suas atividades cotidianas?

� O que mudou no relacionamento da Embrapa com outros agentes (econômicos, políticos e sociais) graças aos resultados das avaliações?

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Anexo 2: Organograma da Embrapa