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Emperismo x Teoria

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teoria da relatividade restrita

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  • Os resultados negativos dos experimentos de Michelson-Morleyrefutaram a teoria do ter? A teoria da relatividade restrita se

    originou dos experimentos de Michelson-Morley?

    Fernando Lang da Silveira Instituto de Fsica UFRGS

    Resumo. Os experimentos de Michelson-Morley em 1881 e 1887, mesmo notendo detectado o movimento da Terra em relao ao ter, foram interpretados pordiversos cientistas sem descartar a teoria do ter. Portanto inverdico do pontode vista histrico que tenham sido cruciais para a fsica clssica. O seu principalidealizador A. A. Michelson aferrou-se teoria do ter at o final de sua vida. Taisexperimentos tambm foram secundrios para a gnese da teoria da relatividaderestrita de Einstein. A verso empirista sobre a relao dos experimentos quevisavam detectar o movimento da Terra em relao ter com a teoria darelatividade restrita distorce e empobrece a histria do conhecimento cientfico.

    I. IntroduoAristteles (384 322 a.C.) j propugnara que "no h nada no intelecto que no estivesse antes

    nos rgos dos sentidos" (Losee, 1993, p. 108). Esta afirmao consistente com o empirismo:"concepo que fundamenta nosso conhecimento, ou o material com o qual ele construdo, naexperincia atravs dos cinco sentidos" (Honderich, 1995, p. 226).

    O empirismo, como concepo epistemolgica, isto , concepo sobre o conhecimentocientfico, afirma que os cientistas obtm as teorias cientficas (leis, princpios, etc.) a partir daobservao, da experimentao, de medidas. Ao relatar um episdio de descoberta cientfica, ahistria da cincia empirista apresenta os dados, os resultados observacionais/experimentais a partirdos quais o cientista, aplicando as regras do mtodo cientfico, produziu indutivamente o conhecimentocientfico.

    Os relatos histricos encontrados nos livros-texto de fsica, de um modo geral, so consistentescom a epistemologia empirista. O objetivo deste trabalho o de criticar a interpretao empirista dosresultados negativos das tentativas de deteco do movimento da Terra em relao ao ter,especialmente os experimentos de Michelson-Morley. Consistentemente com a epistemologiaempirista os experimentos so tidos como cruciais para a fsica clssica, constituindo-se tambm nabase emprica da qual Einstein ascende indutivamente teoria da relatividade restrita. Apresentareiinicialmente um relato empirista e depois uma outra histria.

    II. Os experimentos de Michelson-Morley e a teoria da relatividade restrita: a histriaempirista

    Na segunda metade do sculo XIX os cientistas (Fresnel, Maxwell, Hertz, Kelvin, ...)acreditavam na existncia de um meio de propagao para luz: o ter.

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  • Este meio sutil preenchia inclusive o espao interplanetrio e intersideral1. Em relao a estemeio que a luz (e as ondas eletromagnticas em geral) possua a velocidade prevista pelas equaesde Maxwell e determinada experimentalmente (cerca de 300.000 km/s).

    Para muitos cientistas o ter representava, inclusive, a possibilidade concreta do referencialabsoluto em relao ao qual vigiam as leis da mecnica newtoniana.

    Em 1881 o cientista alemo Albert Abraham Michelson (1852 1931) realizou experimentos emBerlim e Postdam para detectar o vento de ter. Ou seja, como a Terra se movimenta atravs do ter,previa-se teoricamente que a velocidade de propagao da luz em relao Terra fosse diferente emdiferentes direes.

    Estes primeiros experimentos apresentaram resultados negativos. Em 1887, Michelson e o norte-americano Edward Williams Morley (1838 1923) refizeram os experimentos em Cleveland, com umequipamento muito mais sensvel que o anterior, no conseguindo mais uma vez observar o vento deter.

    Segundo a histria empirista, estes experimentos mostraram que a hiptese da existncia do terera falsa e que, portanto no existia um sistema de referncia absoluto . Os experimentos de Michelson-Morley derrubaram a fsica clssica que pressupunha um sistema de referncia absoluto (o espao absoluto de Newton ) e o tempo absoluto .

    O postulado da constncia da velocidade da luz, um dos postulados da teoria da relatividaderestrita, tm sua origem essencialmente numa generalizao da experincia de Michelson (Millikanapud Thuillier, 1994; p. 237).

    Einstein nos lanou ento um apelo: Aceitemos isso como um fatoexperimental estabelecido, e a partir da tratemos de extrair dele as inevitveisconseqncias ... . Assim nasceu a teoria da relatividade restrita. (Millikanapud Thuillier, 1994; p. 238)

    III. Os experimentos de Michelson-Morley e a teoria da relatividade restrita: outra histriaAt hoje os historiadores discutem se Einstein, em 1905, data do clebre trabalho que deu origem

    teoria da relatividade restrita, conhecia ou no os experimentos de Michelson-Morley. Mesmo queEinstein os conhecesse, no h qualquer referncia a eles no conhecido artigo Sobre a eletrodinmicados corpos em movimento. Na primeira frase daquele trabalho encontra-se o seguinte: Como sabido, a eletrodinmica de Maxwell tal como atualmente se concebe conduz, na sua aplicao acorpos em movimento, assimetrias que no parecem inerentes aos fenmenos (Einstein, 1983; p. 47).Abraham Pais, bigrafo de Einstein, embora acreditando que os experimentos de Michelson-Morleyfossem do conhecimento de cientista, considera-os como secundrios para a gnese da teoria; a fraseinicial explica motivao para o artigo de 1905: Einstein foi levado teoria da relatividade restritaprincipalmente por motivos estticos, isto , por argumentos de simplicidade (Pais, 1993; p. 160).

    Segundo o prprio Einstein em suas Notas Autobiogficas (Einstein, 1982), a gnese da teoriada relatividade restrita encontra-se em duas vertentes diferentes:

    1 O ter devia ser um meio sutil, atravs do qual os planetas e os demais astros podiam se mover livrementee, de forma paradoxal, apresentar tambm caractersticas de um slido elstico, para propagar ondas luminosastransversais.

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  • 1 Einstein percebera ainda quando estudante que se aplicarmos aos fenmenoseletromagnticos as transformaes de Galileu , surgem contradies . O experimento mental daperseguio do raio de luz um exemplo disto: imaginemo-nos viajando junto com uma ondaeletromagntica. Veremos ento um campo eltrico e um campo magntico que variam no espaosenoidalmente, mas que so constantes no tempo. Entretanto, segundo as equaes de Maxwell (lei deFaraday e lei de Ampre-Maxwell para o vcuo) no podem existir tais campos. A teoria darelatividade restrita se originou das equaes do campo eletromagntico de Maxwell (Einstein,1982; p. 63).

    2 Einstein aceitou as crticas que o fsico, historiador e filsofo da cincia Ernst Mach (1838 1916) havia feito mecnica clssica, em especial s idias do espao e do tempo absolutos. Ou seja,Einstein acreditava que a mecnica clssica estava com problemas insanveis . Segundo suas prpriaspalavras estava firmemente convencido da no-existncia do movimento absoluto; meu problemaresidia em como conciliar isso com nosso conhecimento de eletrodinmica. Talvez assim sejaposssvel entender porque razo, na minha luta pessoal, no desempenhou qualquer papel, ou pelomenos um papel decisivo, a experincia de Michelson (Einstein apud Pais, 1995; p. 200-201).

    O projeto de Einstein, iniciado com a teoria da relatividade restrita (1905) e completado com ateoria da relatividade geral (1916), foi o de criar uma nova mecnica teoricamente consistente com oeletromagnetismo.

    verdade que a teoria da relatividade restrita teve como conseqncia no-intencionada aexplicao dos resultados negativos dos experimentos que visavam detectar efeitos do movimento dosistema de referncia sobre a velocidade de propagao da luz, como por exemplo, os resultadosnegativos dos experimentos de Michelson-Morley. Entretanto, historicamente inverdico que osexperimentos de Michelson-Morley, ou anteriormente as medidas de aberrao estelar2, tenham sidocruciais para a velha fsica. Diversos cientistas explicaram os resultados negativos em detectar o ventode ter sem descartar a fsica clssica.

    Por exemplo, H. A. Lorentz (1853 1928), em 1904, no artigo intitulado Fenmenoseletromagnticos num sistema que se move com qualquer velocidade inferior da luz (Lorentz, 1983),supondo a existncia do ter, explicava no somente os resultados negativos dos experimentos deMichelson-Morley em detectar o movimento da Terra em relao ao ter, como os resultados negativosulteriores de Rayleigh-Brice (em 1902 sobre a dupla refrao) e de Trouton-Noble (em 1904 sobretorque em um capacitor).

    Quando em 1907, Michelson recebeu o Prmio Nobel no houve referncia alguma aos seusfamosos experimentos, nem por parte da comisso que lhe concedeu o prmio, nem por ele mesmo(Pais, 1995). A justificativa da comisso que outorgou o Prmio Nobel a Michelson foi a seguinte:Pelos instrumentos pticos de preciso e pelas investigaes espectroscpicas e metrolgicasrealizadas com a sua interveno.

    Michelson, que se aferrou ao ter at o amargo fim (Lakatos, 1989; p. 103), nunca crendo queseus experimentos o refutavam; em 1925 (Michelson morreu em 1931) acreditou ter detectadoexperimentalmente o vento de ter.

    Desta forma, a teoria da relatividade restrita foi motivada por um problema terico: resolveruma inconsistncia entre a mecnica e o eletromagnetismo. Os resultados negativos dos experimentosde Michelson-Morley, apesar de justificados teoricamente pela teoria de Einstein, no foram cruciais2 As medidas anmalas para a aberrao estelar haviam sido explicadas primeiramente por G. G. Stokes(1819 1903), supondo o arrasto do ter pela Terra.

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  • para a fsica clssica e, particularmente para Michelson (bem como para outros cientistas), no seconstituram em uma refutao da hiptese do ter.

    IV. ConclusoNo h dvida que experimentos, observaes, resultados de medidas so importantes para o

    conhecimento cientfico. Entretanto a relao da empiria com a teoria muito mais complexa do que ahistria empirista julga.

    Em relao gnese da teoria da relatividade restrita vimos que os resultadosobservacionais/experimentais desempenharam um papel diferente daquele propugnado pelosempiristas, no se constituindo na base indutiva da qual Einstein ascendeu teoria. A produo dateoria da relatividade no pode ser entendida atravs da epistemologia empirista (apesar dos livros-texto e muitos cientistas assim acreditarem3) e distorce o trabalho cientfico de Einstein.

    Sabemos agora que a cincia no pode se desenvolver apenas a partir doempirismo; nas construes da cincia, precisamos da inveno livre, que s aposteriori pode ser confrontada com a experincia para se conhecer a suautilidade. Este fato pode ter escapado s geraes anteriores, para as quais acriao terica parecia desenvolver-se indutivamente a partir do empirismo, sem acriativa influncia de uma livre construo de conceitos. Quanto mais primitivo foro estado da cincia, mais rapidamente pode o cientista viver na iluso de que umempirista puro. No sculo XIX, muitos ainda julgavam que a regra fundamental deNewton hypotheses non fingo devia constituir a base de toda a cincia naturalsaudvel. (Einstein apud Pais, 1995; p. 14-15)

    O relato empirista no apenas empobrece a histria da cincia. Ele induz a vises distorcidas danatureza da cincia e do empreendimento cientfico. A epistemologia sem contato com a cincia setorna um esquema vazio. A cincia sem epistemologia at o ponto em que se pode pensar em talpossibilidade primitiva e paralisada (Einstein apud Holton, 1978; p. 36). Do ponto de vistadidtico, a epistemologia contempornea oferece alternativas mais realistas sobre a produo eavaliao do conhecimento cientfico do que a epistemologia empirista, reconhecendo que os cientistasespeculam, inventam, constroem as teorias, sofrendo influncias de toda a ordem, pois como quaisqueroutros seres humanos, esto imersos em um contexto scio-histrico e se valem das capacidadeshumanas de imaginao e criao.

    Bibliografia

    BUNGE, M. Filosofia da Fsica. Lisboa: Edies 70, 1973.

    EINSTEIN, A. Notas autobiogrficas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.

    3 De acordo com a tese favorita de Lakatos A maioria dos cientistas tende a saber um pouco mais sobre acincia do que os peixes sobre a hidrodinmica (Lakatos, 1989; p.84). O fsico e filsofo da cincia MarioBunge refere-se a esta epistemologia como o Credo do Fsico Inocente, fazendo parte dele, entre outrosdogmas os seguintes: a observao a fonte e a funo do conhecimento fsico (...) hipteses e teoriasfsicas no passam de experincia condensada, i. e., snteses indutivas de itens experimentais (...) as teoriasfsicas podem ser descobertas em conjuntos de dados empricos. A especulao e inveno dificilmentedesempenham qualquer papel na fsica (Bunge, 1973; p. 12).

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  • _____ Sobre a eletrodinmica dos corpos em movimento. In: LORENTZ, H. A., EINSTEIN, A. EMINKOWSKI, H. O princpio da relatividade. Lisboa: Calouste Gulbekian, 1983.

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