ENADE 2008 COMENTADO

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2008

LetrasMaria Eunice Moreira Marisa Magnus Smith Jocelyne da Cunha Bocchese(organizadoras)

ENADE COMENTADO 2008 Letras

Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul Chanceler: Dom Dadeus Grings Reitor: Joaquim Clotet Vice-Reitor: Evilzio Teixeira Conselho Editorial: Antnio Carlos Hohlfeldt Elaine Turk Faria Gilberto Keller de Andrade Helenita Rosa Franco Jaderson Costa da Costa Jane Rita Caetano da Silveira Jernimo Carlos Santos Braga Jorge Campos da Costa Jorge Luis Nicolas Audy (Presidente) Jos Antnio Poli de Figueiredo Jussara Maria Rosa Mendes Lauro Kopper Filho Maria Eunice Moreira Maria Lcia Tiellet Nunes Marlia Costa Morosini Ney Laert Vilar Calazans Ren Ernaini Gertz Ricardo Timm de Souza Ruth Maria Chitt Gauer

EDIPUCRS: Jernimo Carlos Santos Braga Diretor Jorge Campos da Costa Editor-chefe

Maria Eunice Moreira Marisa Magnus Smith Jocelyne da Cunha Bocchese (Organizadoras)

ENADE COMENTADO 2008 Letras

Porto Alegre 2009

EDIPUCRS, 2009 Capa: Vincius de Almeida Xavier Preparao de originais: Marisa Magnus Smith Diagramao: Stephanie Schmidt Skuratowski Reviso lingustica: dos autores

Questes retiradas da prova do ENADE 2008 da rea de LetrasDados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

E56

ENADE comentado 2008 [recurso eletrnico] : letras / Maria Eunice Moreira, Marisa Magnus Smith, Jocelyne da Cunha Bocchese (Organizadoras). Dados eletrnicos. Porto Alegre : EDIPUCRS, 2009.105 p. Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader Modo de Acesso: World Wide Web: ISBN 978-85-7430-913-2 (on-line)

1. Ensino Superior Brasil Avaliao. 2. Exame Nacional de Cursos (Educao). 3. Letras Ensino Superior. I. Moreira, Maria Eunice. II. Smith, Marisa Magnus. III. Bocchese, Jocelyne da Cunha.CDD 378.81 Ficha Catalogrfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informao da BC-PUCRS

Av. Ipiranga, 6681 - Prdio 33 Caixa Postal 1429 90619-900 Porto Alegre, RS - BRASIL Fone/Fax: (51) 3320-3711 E-mail: [email protected] http://www.edipucrs.com.br

SUMRIO APRESENTAO ..................................................................................................... 7 COMPONENTE ESPECFICO - QUESTES OBJETIVAS QUESTO 11 ........................................................................................................... 12 Regina Lamprecht QUESTO 12 ........................................................................................................... 15 Marisa Magnus Smith QUESTO 13 ........................................................................................................... 19 Vera Wannmacher Pereira QUESTO 14 ........................................................................................................... 22 Ana Maria Lisboa de Mello QUESTO 15 ........................................................................................................... 24 Gilberto Scarton e Marisa Magnus Smith QUESTO 16 ........................................................................................................... 26 Claudia Brescancini QUESTO 17 ........................................................................................................... 27 Jocelyne da Cunha Bocchese QUESTO 18 ........................................................................................................... 30 Sissa Jacoby QUESTO 19 ........................................................................................................... 33 Ana Maria Tramunt Ibaos e Jane Rita Caetano da Silveira QUESTO 20 ........................................................................................................... 36 Ana Maria Tramunt Ibans e Jane Rita Caetano da Silveira QUESTO 21 ........................................................................................................... 39 Helosa Koch QUESTO 22 ........................................................................................................... 44 Gilberto Scarton QUESTO 23 ........................................................................................................... 47 Gilberto Scarton QUESTO 24 ........................................................................................................... 49 Jocelyne da Cunha Bocchese

QUESTO 25 ........................................................................................................... 53 Ana Maria Tramunt Ibans e Jane Rita Caetano da Silveira QUESTO 26 ........................................................................................................... 56 Luiz Antonio de Assis Brasil QUESTO 27 ........................................................................................................... 59 Alice Therezinha Campos Moreira QUESTO 28 ........................................................................................................... 64 Marisa Magnus Smith QUESTO 29 ........................................................................................................... 67 Maria Eunice Moreira QUESTO 30 ........................................................................................................... 72 Alice Therezinha Campos Moreira QUESTO 31 ........................................................................................................... 77 Valria Pinheiro Raymundo QUESTO 32 ........................................................................................................... 80 Ricardo Barberena QUESTO 33 ........................................................................................................... 84 Bruno Jorge Bergamin QUESTO 34 ........................................................................................................... 87 Maria Tereza Amodeo QUESTO 35 ........................................................................................................... 89 Maria Tereza Amodeo QUESTO 36 ........................................................................................................... 92 Marisa Magnus Smith QUESTO 37 ........................................................................................................... 96 Luiz Antonio de Assis Brasil COMPONENTE ESPECFICO - QUESTES DISCURSIVAS QUESTO 38 ......................................................................................................... 100 QUESTO 39 ......................................................................................................... 101 QUESTO 40 ......................................................................................................... 103 LISTA DE CONTRIBUINTES ................................................................................. 105

APRESENTAO

Com a implantao, em 2004, do SINAES Sistema Nacional de Avaliao da Educao Superior , o processo de avaliao dos cursos de graduao, no Brasil, sofreu alteraes, visando a alcanar, com o novo dispositivo legal, patamar de qualidade mais ajustado realidade de um pas complexo e multifacetado como o Brasil. O sistema de avaliao decorrente da lei do SINAES passou a envolver procedimentos de natureza variada que, objetivamente, expressam-se em trs dimenses: a) a avaliao interna e externa das instituies de ensino superior; b) a avaliao de desempenho dos alunos, atravs do ENADE Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes; c) a avaliao de cursos. O ENADE integra, portanto, o sistema de avaliao dos cursos de graduao no Brasil, constituindo componente curricular obrigatrio. Como se no bastasse sua importncia como elemento para avaliao superior, decorrente de preceito legal, o ENADE condiciona a colao de grau do aluno comprovao de participao nesse Exame. significativo, portanto, destacar o ENADE como o mecanismo eficiente para avaliar o desempenho dos estudantes com relao aos contedos programticos previstos nas diretrizes curriculares dos cursos de graduao e o desenvolvimento de competncias e habilidades necessrias ao aprofundamento da formao geral e profissional, bem como aferir o nvel de atualizao dos estudantes com relao realidade brasileira e mundial. Compem o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes quatro instrumentos: uma prova, um questionrio de impresses sobre a prova, um questionrio socioeconmico todos a serem respondidos pelos estudantes e um questionrio destinado ao coordenador do(a) curso/habilitao. Entende-se que todos esses instrumentos cumprem importante papel no contexto no SINAES; entretanto, natural que, por sua especificidade e abrangncia, a prova assuma destaque particular como meio de avaliar competncias, habilidades e conhecimentos. Para atingir seus fins, o instrumento aplicado rea de Letras articula-se em 40 questes, das quais 30 se referem a contedo especfico de Lngua Portuguesa, Literatura Brasileira, Lingustica,

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Teoria da Literatura e demais disciplinas que compem o currculo e 10 relativas a temas de formao geral, comuns a todos os alunos dos diferentes cursos. Provas so instrumentos que merecem discusso, e as opinies a respeito variam grandemente de aluno para aluno, de professor para aluno e de professor para professor. Provas e exames suscitam comentrios, opinies, manifestaes, discusses enfim, toda avaliao objeto de profunda reflexo. Afinal, s se avalia o que posto em questo. Seguindo essa trajetria, o ENADE Letras tem sido objeto de estudo e reflexo de alunos e professores, em especial a prova realizada em novembro de 2008. Nesse contexto, surgiu a ideia de aprofundar esse estudo, com o convite a docentes e pesquisadores da Faculdade de Letras da PUCRS que atuam nas diversas reas contempladas na prova para sistematizar essa anlise em comentrio sobre o tipo de questo, o contedo, as competncias e habilidades envolvidas, avaliando cada questo de modo abrangente. A opo pelo formato eletrnico pareceu apropriada pela possibilidade de acesso universal e gil informao para todos os que tm interesse por temas relacionados avaliao, seja na rea de Letras, seja em mbito mais abrangente, o da avaliao institucional. Espera-se, igualmente, que a anlise minuciosa de cada questo constitua subsdio para qualificar ainda mais as provas do ENADE e, por extenso, o prprio SINAES. Este e-book apresenta, ento, as questes objetivas da rea de Letras, que compuseram a prova do ENADE 2008, acompanhadas de comentrios redigidos por professores da FALE. As questes so apresentadas em ordem numrica, e vm assinadas pelo(s) autor(es) do comentrio, segundo sua perspectiva crtica e terica, e seu foco particular de anlise. A coordenao do trabalho ficou sob a responsabilidade das professoras Marisa Magnus Smith e Jocelyne da Cunha Bocchese, que acompanharam esse desafio, no qual cada professor foi convidado a colocar-se primeiramente no lugar do estudante em situao de exame, e a partir da exercer seu papel de especialista, procedendo anlise minuciosa de cada item, em termos de contedo e de formulao.

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Maria Eunice Moreira, Marisa Magnus Smith e Jocelyne da Cunha Bocchese (Orgs.)

Esta publicao eletrnica ENADE Comentado 2008: Letras insere-se na coleo da EDIPUCRS que tem o objetivo de analisar as questes das provas desse exame, qualificando-o como ferramenta pedaggica. Com essa proposta, possibilitase que esses contedos cheguem no apenas a todos aqueles que se preparam para exercer a funo de professores, mas tambm aos que, em sua prtica diria, buscam recursos inovadores para o ensino de Letras, nas instituies de ensino brasileiras. Maria Eunice Moreira Diretora da Faculdade de Letras/PUCRS

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COMPONENTE ESPECFICO QUESTES OBJETIVAS

Texto para as questes 11 e 12

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Shirley Paes Leme tem no desenho a alma de sua obra. Os galhos retorcidos e enegrecidos pela fumaa so seus traos a lpis, que ela articula ora em feixes escultricos, ora em instalaes. Produz tambm delicados desenhos com a sinuosidade da fumaa. Para fazer a pea em homenagem companhia de dana goiana Quasar, Shirley conta ter se inspirado na grande concentrao de energia no espao necessria para que um espetculo de dana se realize. A idia da coreografia s consegue ser concretizada com movimento porque todos ficam antenados para um trabalho conjunto, diz. A obra de Shirley tem linhasgalhos que se movem em tempos diferentes, impulsionadas por motores ocultos.Territrio Expandido. Catlogo da Exposio em homenagem aos indicados ao Prmio Estado, 1999, p. 12-3 (com adaptaes).

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QUESTO 11 A partir da interpretao do texto acima, assinale a opo correta a respeito dos processos de aquisio de lngua materna. (A) A interpretao dos cdigos visuais ocorre por especulao, ao passo que a aquisio das regras gramaticais que permitem o domnio do cdigo lingstico se d pela sistematizao que se ensina criana. Os erros e desvios da norma na aquisio da lngua materna retardam o domnio completo do cdigo; mas, para o domnio dos cdigos visuais, os erros constituem o processo de amadurecimento da leitura.

(B)

(C) A apreenso de significados na lngua materna se d, j nas primeiras palavras, pela relao no-ambgua entre significado e significante, ao passo que a indeterminao semntica inerente aos textos visuais. (D) Tanto o domnio da lngua materna quanto o de cdigos visuais decorrem da insero do sujeito da linguagem em mundos simblicos, em uma interao em que a fala do outro imprime significados prpria fala. (E) O domnio da lngua materna distingue-se do domnio da leitura de textos visuais, entre outros fatores, porque a aprendizagem de signos visuais se d espacialmente e a interpretao dos signos lingsticos se d linearmente.

Gabarito: D Tipo de questo: Escolha simples, com indicao da alternativa correta. Contedo avaliado: Aquisio da lngua materna. Autora: Regina Lamprecht Comentrio: A resposta correta a D: (...) o domnio da lngua materna (...) decorre da insero do sujeito na linguagem... em uma interao em que a fala do outro imprime significados prpria fala. Dentre as teorias de aquisio da linguagem reconhecidas atualmente temos a abordagem sociointeracionista ou simplesmente interacionista (nome mais conhecido no Brasil: Cludia de Lemos). Nessa viso, a linguagem emerge no ambiente. A criana insere-se na linguagem pela interao social; as regras gramaticais podem se desenvolver a partir de associaes, de especularidade dentro do contexto social. A fala dirigida criana pelos adultos me, pai, cuidadores - importante, visa facilitar o desenvolvimento da linguagem; talvez seja at mesmo necessria, exigida, para esse desenvolvimento. O ambiente lingustico12 Maria Eunice Moreira, Marisa Magnus Smith e Jocelyne da Cunha Bocchese (Orgs.)

restringido por fatores que favorecem a aquisio da linguagem, para fornecer s crianas as experincias lingusticas necessrias. enfatizado o papel do ambiente na produo da estrutura da linguagem. As demais alternativas esto incorretas pelas razes a seguir: A) A afirmao (...) a aquisio das regras gramaticais (...) se d pela sistematizao que se ensina criana incorreta porque ningum nem os pais, nem quaisquer outras pessoas do ambiente do beb/criana pequena ensina-lhe a lngua materna. Conforme a teoria inatista (nome mais conhecido: Chomsky), a linguagem uma caracterstica inata da espcie humana. Tem forte base gentica, e o ambiente tem um papel menor na maturao da linguagem. A aquisio d-se espontaneamente, sem instruo. A viso errnea encontrada na alternativa A faz parte do behaviorismo (nome mais conhecido: B. F. Skinner), abordagem que explica a aquisio da linguagem por estmulo, reforo, condicionamento, treino cuidadoso pelos pais e imitao. B) A afirmao (...) os erros e os desvios da norma (...) retardam o domnio completo do cdigo incorreta porque o beb/criana pequena no adquire a norma de uma lngua, e sim o sistema, a gramtica da lngua. Usa-se o termo gramtica, aqui, no no sentido de gramtica normativa, mas como referncia ao ncleo da linguagem: fonologia, morfologia, sintaxe, semntica. A criana abstrai a gramtica da sua lngua materna a partir dos dados lingusticos a que est exposta no grupo social em que se insere. Os erros na fala da criana muitas vezes so evidncias de conhecimento e no de desconhecimento, como, por exemplo, na produo eu sabo em lugar de eu sei, ou eu fazi no lugar de eu fiz. Nesses dois casos, a criana demonstra conhecimento da morfologia do Portugus ao aplicar a verbos irregulares o que sabe sobre a conjugao regular de verbos. C) A afirmao A apreenso de significados se d, j nas primeiras palavras, pela relao no ambgua entre significado e significante incorreta porque essa relao pode ser ambgua ou no ambgua, a depender da palavra. Isso se refere no s fase da aquisio da linguagem, mas igualmente lngua na sua completude. E) A afirmao a interpretao dos signos lingusticos se d linearmente incorreta porque, em situao de comunicao, a interpretao se d de maneira

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simultnea mediante o processamento em paralelo das informaes. Somente na leitura a compreenso e interpretao dos signos/palavras se d numa relao de um-aps-o-outro. Referncias SANTOS, Raquel Santana. A aquisio da linguagem. In: FIORIN, J.L. (org.) Introduo lingustica. I. Objetos Tericos. So Paulo: Contexto, 2002. SCARPA, Ester Mirian. Aquisio da linguagem. In: MUSSALIM, F. & BENTES, A. C. Introduo lingustica. Domnios e fronteiras. So Paulo, Cortez, vol. 2, 2001.

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QUESTO 12 Qual a opo incorreta a respeito das relaes semnticas do texto verbal? (A) Mudando-se o foco da nfase, que est na autora,Shirley Paes Leme (l.1), para a nfase na obra, desenho (l.1), a alterao da primeira orao do texto ficaria adequada da seguinte forma: Est no desenho a alma da obra de Shirley Paes Leme. (B) Na linha 5, a preposio com tem a funo semntica introduzir uma caracterstica para delicados desenhos. (C) Depreende-se do emprego do conector ora (...) ora em ora em feixes escultricos, ora em instalaes (l.3-4), que feixes escultricos se transformam em instalaes e instalaes se transformam em feixes escultricos. (D) A noo de reflexividade, ou seja, a de que agente e paciente de um verbo reportam-se ao mesmo referente, est presente tanto em Shirley conta ter se inspirado (l.7) como em linhas-galhos que se movem (l.12-13). (E) O desenvolvimento do texto permite depreender o significado da palavra linhas-galhos (l.12-13) a partir dos significados de galho e de linha. Gabarito: C Tipo de questo: Escolha simples, com indicao da resposta INCORRETA. Contedos avaliados: Equivalncia entre estruturas; papel do sintagma

preposicionado; noo de reflexividade; compreenso de texto; relao entre oraes no perodo. Autora: Marisa Magnus Smith Comentrio: A resoluo desta questo, pelo fato de ser solicitada a resposta incorreta, requer ateno redobrada. interessante iniciar pela identificao das afirmativas corretas, eliminando-as at chegar incorreta. A) A ordem direta das frases em lngua portuguesa sujeito verbo complemento circunstncias. Na ordem direta, portanto, estando presente o sujeito oracional, o tpico frasal (o item sobre o qual recai maior nfase), o sujeito oracional. No caso em questo, Shirley Paes Leme tem a alma de sua obra no desenho, o tpico frasal o elemento negritado. As estruturas oracionais da lngua

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portuguesa, entretanto, tm como caracterstica a grande mobilidade de seus termos, de modo que a mesma ideia poderia assumir as formas seguintes: (1) A alma da obra de Shirley Paes Leme est no desenho. (2) No desenho est a alma da obra de Shirley Paes Leme. (3) Est no desenho a alma da obra de Shirley Paes Leme. A opo por uma construo alternativa ordem direta geralmente no gratuita, j que a nfase se desloca de acordo com a topicalizao operada, inconsciente ou deliberadamente, pelo autor do proferimento. Interessante, igualmente, observar o papel do verbo ter, que substitui o estar na proposta da alternativa A. Embora ele seja tradicionalmente considerado verbo transitivo direto, e na frase em questo venha acompanhado de complemento, a alma de sua obra, o verbo ter no se caracteriza como verbo de ao, o que explica poder ser comutado por um verbo de situao, no caso, estar. Por outro lado, no desenho, a par de sua conotao localizadora, apresenta importante trao predicativo em relao a a alma da sua obra, reforando a relao entre o papel do ter e do estar nas frases em pauta. B) As preposies, ainda que no constituam lexemas, isto , que no sejam portadoras de sentido pleno e no derivem outros vocbulos, carregam importantes traos de significao, e os sintagmas preposicionados que introduzem podem desempenhar variados papis. A esse propsito, Cunha e Cintra (2001, p. 77) afirmam que no se deve confundir o conceito de significao lingustica interna, aplicvel aos morfemas gramaticais, com a ideia de morfema vazio, desprovido de contedo, infelizmente muito vulgarizada, e trazem como exemplo os efeitos de sentido produzidos pela oposio entre preposies em versos de Ceclia Meireles (Obra potica. Rio de Janeiro: Aguilar, 1953): Hoje eu queria andar l em cima, nas nuvens, com as nuvens, pelas nuvens, para as nuvens. (grifo nosso)

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Vejamos alguns exemplos de sintagmas iniciados pela preposio com, e as ideias a eles subjacentes: O jovem comia o sanduche com vontade modo como o jovem comia. O pescador pegou o peixe com um arpo instrumento com que o pescador pegou o peixe. O estudante revisou o contedo com seu colega companhia com quem o estudante revisou o contedo. Com fome, fica difcil raciocinar condio para a / razo da dificuldade para raciocinar. Vimos um cachorrinho com camiseta de jogador de futebol caracterstica da veste do cachorrinho. No caso da frase Produz tambm delicados desenhos com a sinuosidade da fumaa, no lgico imaginar que a sinuosidade da fumaa seja o instrumento com que o desenho teria sido produzido, porque ela o prprio desenho. O lgico entender o sintagma preposicionado como o qualificador de desenhos, algo que equivalente s estruturas explicativas os quais tm a sinuosidade da fumaa ou que se assemelham sinuosidade da fumaa. C) A sequncia ora em feixes escultricos, ora em instalaes remete ideia de alternncia entre duas possibilidades, mas no tem vida independente do ponto de vista semntico: preciso verificar, no contexto, a qual ideia se ligam. Recuperando o perodo em que se encontra a sequncia, temos: Os galhos retorcidos e enegrecidos pela fumaa so seus traos a lpis, que ela articula ora em feixes escultricos, ora em instalaes. Desdobrando as oraes do perodo, temos duas ideias bsicas: Os galhos retorcidos so os traos a lpis de Shirley Paes Leme. Shirley Paes Leme articula seus traos a lpis ora em (ou como) feixes escultricos, ora em (ou como) instalaes. Pelos recursos de coeso disponveis, o nome da artista ficou subentendido no possessivo seus e o relativo que substituiu a expresso seus traos a lpis, aos quais se refere dupla possibilidade de articulao da artista: ora em feixes, ora em instalaes. No h, portanto, transformao de uma forma em outra. Sendo a resposta incorreta, a que deve ser indicada.

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D) A partcula se pode desempenhar variados papis. No que diz respeito a funes pronominais, o se pode ser: (a) pronome apassivador, como em Procurou-se uma soluo conciliadora (Uma soluo conciliadora foi procurada.); (b) indicador de reciprocidade, como em Beijaram-se longamente (A beijou B e B beijou A) ou de reflexividade, como em Maria machucou-se com uma faca (Maria machucou Maria) e nos exemplos apontados na alternativa (D). Em geral, a distino entre essas funes se d a partir da transitividade verbal e do contexto. No caso das frases da alternativa D, no se pode entender como voz passiva nem como ao recproca, estando, pois, correta a interpretao de agente e paciente reportando-se ao mesmo referente. E) A noo de linhas-galhos decorre da combinao sinttico-semntica de linhas que representam galhos. De ordem sinttica, porque se trata de uma composio por justaposio, em que o segundo elemento especifica o primeiro; de ordem semntica, porque se trata de uma unidade lexical, cujos constituintes que apresentam aderncia semntica passam a denotar um s referente, alis, neolgico. No se trata mais, apenas, de linhas para representar galhos, mas de unidades: linhas-galhos, tal a simbiose entre o processo e o produto. Contribuem fortemente para a consolidao dessa noo os vocbulos utilizados no desenvolvimento do pargrafo, tais como galhos, retorcidos, enegrecidos, fumaa, traos, lpis, feixes, desenhos, sinuosidade, fumaa, que remetem,

simultaneamente, s noes de risco como linha e de linha como galho. Referncias CUNHA, Celso; CINTRA, Lindley. Nova gramtica do portugus contemporneo. 3. ed. rev. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. GARCIA. Othon. Comunicao em prosa moderna. Rio de Janeiro: Jos Olympio.

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QUESTO 13 Todo ponto de vista a vista de um ponto. Para entender como algum l, necessrio saber como so seus olhos e qual sua viso de mundo.Leonardo Boff. A guia e a galinha: uma metfora da condio humana. Petrpolis, RJ: Vozes, 1997, p. 9.

Considerando o fragmento de texto acima apresentado, analise o seguinte enunciado. Na leitura, fazemos mais do que decodificar as palavras porque a imagem impressa envolve atribuio de sentidos a partir do ponto de vista de quem l. Assinale a opo correta a respeito desse enunciado. (A) As duas asseres so proposies verdadeiras, e a segunda uma justificativa correta da primeira. (B) As duas asseres so proposies verdadeiras, e a segunda no justificativa correta da primeira. (C) A primeira assero uma proposio verdadeira, e a segunda uma proposio falsa. (D) A primeira assero uma proposio falsa, e a segunda uma proposio verdadeira. (E) Tanto a primeira assero quanto a segunda so proposies falsas. Gabarito: A Tipo de questo: Assero e razo; escolha simples, indicao da resposta correta. Contedos avaliados: Linguagem e cognio, processo de compreenso leitora, concepes de leitura. Autora: Vera Wannmacher Pereira Comentrio: A escolha da opo correta tem incio na leitura de um pequeno trecho inicial, de Leonardo Boff. J a pode ser encontrado o caminho, na medida em que esse fragmento indica que a leitura envolve olhos e viso de mundo. Metaforicamente,

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esto a as duas proposies da questo decodificao e sentidos decorrentes do ponto de vista do leitor. Na continuidade da questo, o leitor encontra a instruo, que faz referncia ao fragmento inicial, o que confirma sua importncia para o encontro da opo correta. O enunciado que segue constitudo de duas asseres ligadas pela conjuno porque, indicando a existncia de uma relao causal ou explicativa. Procedendo-se anlise de cada assero em separado, conclui-se que ambas so verdadeiras. Primeiramente, ler no se resume a decodificar. Se assim fosse, teramos boas chances de chegar sempre a um nico entendimento. Em segundo lugar, a leitura envolve no s componentes da lngua, mas tambm do leitor (processos que utiliza, tendncia de caminhos cognitivos, conhecimentos prvios, objetivos), do material de leitura (formato, gnero tipo) e do autor (percurso realizado na escrita, objetivo, viso de mundo). As cinco opes de resposta que seguem solicitam no apenas que se avalie cada assero em separado, mas a possvel relao causal entre elas. Considerando que as duas proposies do enunciado so verdadeiras, eliminam-se C, D, E, restando como possveis A e B. H que ver, ento, se a segunda proposio justifica ou no corretamente a primeira. bastante evidente que as proposies esto associadas, embora seja difcil concordar plenamente com a ideia de justificativa. Desse modo, B eliminada e A, embora com restries, tomada como a opo correta. O contedo da questo 13 importante. No entanto, h que rever o uso de assero e proposio referindo-se ao mesmo segmento do enunciado, o que possibilita ao leitor raciocnios no convergentes. H que rever tambm o uso da expresso justificativa correta, pois no parece plenamente adequado para o enunciado apresentado.

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Texto para as questes de 14 a 16

Cano

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Nunca eu tivera querido Dizer palavra to louca: bateu-me o vento na boca,

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e depois no teu ouvido.

Levou somente a palavra,6

Deixou ficar o sentido.

O sentido est guardado

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no rosto com que te miro, neste perdido suspiro que te segue alucinado,

11

no meu sorriso suspenso como um beijo malogrado.

13

Nunca ningum viu ningum que o amor pusesse to triste. Essa tristeza no viste,

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e eu sei que ela se v bem... S se aquele mesmo vento fechou teus olhos, tambm.Ceclia Meireles. Poesias completas. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1993, p. 118.

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QUESTO 14 Com base no poema acima, assinale a opo correta no que diz respeito especificidade da linguagem literria. (A) Embora o texto seja um poema, sua linguagem no revela transfigurao artstica nem opacidade. (B) Da linguagem denotativa do texto depreende-se que o poema uma declarao de amor pessoa amada. (C) A palavra, de acordo com o poema, no revela toda a fora do sentimento que habita o eu lrico. (D) Sem os versos de sete slabas e as rimas, a literariedade estaria ausente do poema. (E) Versos como neste perdido suspiro que te segue alucinado revelam a dimenso literal das palavras no contexto do poema. Gabarito: C Tipo de questo: Escolha simples, com indicao da resposta correta. Contedos avaliados: Linguagem potica; conceitos de literariedade, eu-lrico, denotao e conotao; interpretao do poema Cano, de Ceclia Meireles, do livro Viagem (1939). Autora: Ana Maria Lisboa de Mello Comentrio: A) Alternativa incorreta O poema transfigura as palavras, construindo imagens que sugerem os sentimentos que o eu-lrico quer expressar. A linguagem conotativa, ou seja, remete a ideias e associaes que se acrescentam ao sentido literal das palavras ou expresses, a fim de completar ou precisar a sua aplicao ao sentido proposto no poema. B) Alternativa incorreta No poema, predomina a linguagem conotativa, e no se pode depreender do poema que seja uma declarao amorosa remetida ao ser amado. O poema expressa sentimentos de amor e de tristeza, mas o eu-lrico duvida que possam ser compreendidos. O tu-intratextual no receptor do texto, mas aquele que

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representa o sujeito a respeito do qual o eu-lrico reflete e projeta seus sentimentos, em uma espcie de monlogo ntimo. C) Alternativa correta A linguagem do poema cifrada e, por isso, no revela completamente o sentimento do eu-lrico. O significado que o sujeito potico quer transmitir a respeito de seus sentimentos nem completamente explicitvel, porque as palavras no conseguem traduzir o ntimo, apenas sugeri-lo, nem decifrvel pelo tu-intratextual a quem o eu-lrico se dirige. D) Alternativa incorreta Embora o poema seja composto por versos de sete slabas (redondilha maior) e haja rimas, no apenas esse aspecto que garante a literariedade do poema. O poema poderia ser composto por versos livres (de metro irregular) e versos brancos (sem rimas) e expressar a sua literariedade. Essa advm, sobretudo, do uso conotativo da linguagem, atravs da qual as palavras se afastam do seu significado literal, como, por exemplo, o vocbulo vento no poema Cano, que deslocado de sua referencialidade cotidiana, para carregar-se de novos sentidos e expressar as impresses do eu-lrico. Esses deslocamentos provocam a plurissignifio textual, permitindo afirmar que, desse modo, o texto atinge a sua funo potica. E) Alternativa incorreta No h, no poema, pelas razes j expostas, uma nfase no sentido literal das palavras. Trata-se de um texto que trabalha com a funo potica da linguagem, que se caracteriza pelo deslocamento dos sentidos usuais das palavras e de sua lgica, para estabelecer novas relaes, capazes de expressar sentimentos e impresses difceis de verbalizar. Referncias CARA, Salete. A poesia lrica. So Paulo: tica, 1998. (Princpios) PROENA FILHO, Domcio. A linguagem literria. So Paulo: tica, 2008. REIS, Carlos. A linguagem literria. In: REIS, C. O conhecimento da literatura: introduo aos estudos literrios. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003.

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QUESTO 15 De acordo com abordagens da anlise do discurso, a significao no se restringe apenas ao cdigo lingstico. Que versos evidenciam essa noo? (A) (B) Nunca eu tivera querido Dizer palavra to louca (v.1-2) bateu-me o vento na boca, e depois no teu ouvido (v.3-4)

(C) Levou somente a palavra, deixou ficar o sentido (v.5-6) (D) Nunca ningum viu ningum que o amor pusesse to triste (v.13-14) (E) S se aquele mesmo vento fechou teus olhos, tambm (v.17-18)

Gabarito: C Tipo de questo: Escolha simples, com indicao da resposta correta. Contedos avaliados: Compreenso de texto. Autores: Gilberto Scarton e Marisa Magnus Smith Comentrio: Teorias relacionadas produo e recepo de textos tm demonstrado que os sentidos do que ouvimos, lemos, falamos e escrevemos se constroem a partir de fatores que ultrapassam em muito o componente lingustico presente nas interaes verbais, dentre eles competncias e habilidades de ordem referencial, textual, pragmtica e discursiva. O sentido no est, pois, nas palavras ou no texto, to somente. Tampouco existe correspondncia estrita entre significante e significado: se verdade que os processos de compreenso tm como estmulo e fio condutor os sinais sonoros e/ou grficos, no menos verdade que o sentido ser definido, em ltima instncia, por quem recebe esses estmulos e pelas circunstncias em que se realiza a enunciao. No caso do texto escrito, do qual se ocupa a questo, o leitor que, mobilizando uma srie de estratgias e de saberes, (re)constri o sentido. Tais saberes incluem, entre outros: a) o conhecimento de mundo: soma dos conhecimentos internalizados, advindas de nossas leituras e de nossas experincias; b) o conhecimento referencial: domnio mais ou menos preciso da temtica desenvolvida no texto;

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c) o conhecimento lingustico: saberes relacionados ao cdigo lingustico, ao significado das palavras, morfologia e sintaxe; d) o conhecimento textual: noes de tipologia, gnero, fatores responsveis pela textualizao; e) o conhecimento pragmtico: condicionamentos que encaminham as leituras possveis, a partir de dados do contexto socioexistencial. f) o contexto de produo e de enunciao: conhecimento das

circunstncias em que o texto foi criado, tais como autoria, poca, veculo e objetivo de edio. na dicotomia palavra-sentido, como se viu, que se fundamentam os versos de Ceclia Meireles: Levou somente a palavra deixou ficar o sentido. A dissociao entre forma (palavra) e contedo semntico (sentido) est a to evidente, que a resoluo da questo dispensa qualquer abordagem da anlise do discurso mesmo porque as demais possibilidades (alternativas B, C, D e E) no se relacionam com o problema apresentado. Para alm da contingncia da prova, o leitor proficiente poderia ler, no contexto da enunciao, a expresso facial, os gestos, a linguagem corporal, metaforizados em versos como: O sentido est guardado No rosto com que te miro, Neste perdido suspiro (...) No meu sorriso suspenso. (...) Essa tristeza no viste, E eu sei que ela se v bem... Fcil entender, pois, que s constri o sentido de certas mensagens quem tem olhos para ver; quando esses no veem, o vento leva aos ouvidos somente as palavras, perdendo-se o sentido.

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QUESTO 16 Em qual das opes a seguir as duas palavras do texto esto sujeitas reduo do ditongo, fenmeno frequente no portugus falado no Brasil? (A) eu e bateu-me (B) guardado e viu (C) louca e beijo (D) depois e sei (E) ningum e bem Gabarito: C Tipo de questo: Escolha simples, com indicao da alternativa correta. Contedo avaliado: Variao fonolgica. Autora: Claudia Brescancini Comentrio: Pede-se ao examinando que demonstre conhecimento sobre a diferena entre ditongos verdadeiros, aqueles que no variam com monotongos sem que haja perda do significado da palavra, e ditongos falsos, os que variam com monotongos sem prejuzo ao significado. So exemplos do primeiro caso os dados das alternativas A, B, D e E, pois eu, bateu-me, viu, sei no podem ter seus ditongos reduzidos a simples vogais, resultando em e, bate-me, vi e se, sem que tenham alterados seus significados. Nos casos de guardado, depois, ningum e bem, a reduo do ditongo resultaria em itens estranhos ao sistema do portugus brasileiro, como gardado, depos, ningue e be. Desse modo, a nica alternativa que contm dois casos de ditongos falsos a C, pois tanto louca quanto beijo so variavelmente produzidos por brasileiros como loca e bejo, sem que o significado das palavras se altere e sem que o resultado seja agramatical.

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QUESTO 17 Ao lermos, se estamos descobrindo a expresso de outrem, estamos tambm nos revelando, seja para ns mesmos, seja abertamente. Da por que a troca de idias nos acrescenta, permite dimensionarmo-nos melhor, esclarecendonos para ns mesmos, lendo nossos interlocutores. Tanto sabia disso Scrates como o sabe o artista de rua: conversando tambm conheo o que que eu digo.Recepo e interao na leitura. In: Pensar a leitura: complexidade. Eliana Yunes (Org). Rio de Janeiro: PUC- Rio; So Paulo: Loyola, 2002, p. 105 (com adaptaes).

A partir das reflexes do texto apresentado, assinale a opo correta a respeito da interao texto-leitor. (A) A aproximao, no texto, entre o que sabia Scrates e o que sabe o artista de rua, incoerente porque os respectivos horizontes de expectativa so diferentes. (B) A perspectiva apontada no texto favorece a vivncia da leitura como autoconhecimento, em detrimento da leitura como identificao da expresso do outro. (C) A leitura como descobrimento pressupe uma postura pedaggica que refora a tradio de leitura como confirmao da fala de uma autoridade. (D) A interao texto-leitor deve ser evitada, por fugir ao controle do autor e favorecer uma espcie de vale-tudo interpretativo. (E) Para a leitura como descobrimento ser efetiva, necessria a troca de idias sobre a leitura; ler com o outro para nos conhecermos. Gabarito: E Tipo de questo: Escolha simples, com indicao da resposta correta. Contedos avaliados: Concepes de leitura; interao texto-leitor no processo de compreenso leitora. Autora: Jocelyne da Cunha Bocchese Comentrio: Nesta questo solicitada e escolha da alternativa que melhor se relacione com as ideias contidas num fragmento do texto Recepo e interao na leitura, de Maria Helena Martins, retirado da obra Pensar a leitura: complexidade, organizada por Eliane Yunes. Envolve, portanto, mais do que o conhecimento do contedo sobre o papel do leitor no processo de compreenso leitora, a capacidade de ler e entender o texto citado.ENADE Comentado 2008: Letras 27

Vejamos, pois, o que diz o texto. De incio, a autora parte da concepo de leitura como processo interativo no qual ocorre o encontro com o outro, com a expresso de outrem. A proposta de interlocuo reforada pelas expresses troca de ideias, lendo nossos interlocutores e conversando. Segue-se da que o leitor se modifica no decorrer desse processo, pois a troca de ideias nos acrescenta, permite dimensionarmo-nos melhor, esclarecendo-nos para ns mesmos. Tal afirmao apresentada como uma verdade atemporal, j que sustentada pela aproximao que a autora promove entre o que dizia Scrates, na Antiguidade, e o que diz hoje o artista de rua: conversando tambm conheo o que que eu digo. Ora, a alternativa que melhor se relaciona com as reflexes do texto apresentado , indiscutivelmente, a E. Nela se afirma que, para a compreenso ser efetiva, necessrio haver descobrimento de sentidos, o que se d pela troca de ideias sobre a leitura. A descoberta de sentidos no se esgota, entretanto, no desvelamento da expresso de outrem, repercutindo tambm na prpria constituio do leitor: ler como o outro para nos conhecermos. O conceito de leitura como processo no qual ocorre o encontro do locutor com o interlocutor atravs do texto e a determinao de ambos pelo contexto (lingustico, textual, pragmtico-discursivo) decorre, de acordo com Kleiman (2006), de uma concepo mais ampla de linguagem como interao entre sujeitos em sociedade, tambm denominada sociointeracionista. Como forma de interao entre um eu e um tu, mediados pelo texto, num tempo e num espao sociais, a

leitura/compreenso produo de sentidos que implica uma resposta do leitor ao que l (JURADO e ROJO, 2006). Alinhados a essa concepo, os Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio (1999) definem leitura como um ato interlocutivo, dialgico, a partir do qual vo sendo produzidos os sentidos, vistos ento como efeitos decorrentes do trabalho conjunto entre produtores e receptores em situaes de uso da linguagem. Tal concepo de leitura como atividade interlocutiva contrape-se a outra segundo a qual a compreenso leitora vista como decodificao do material escrito, pois todo sentido estaria dado pelo texto, cabendo ao leitor dominar os mecanismos lingusticos e cognitivos para process-lo adequadamente. Por esse

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motivo, est incorreta a alternativa D, quando desaconselha o incentivo interao leitor-texto, ao alegar que ela favorece uma espcie de vale-tudo interpretativo. A atividade interpretativa do leitor tambm negada pela alternativa C, segundo a qual o sentido do texto j estaria fixado pela tradio (pelo livro didtico, por leitores mais experientes, pela histria das leituras j realizadas, enfim, por outros que no o leitor), cabendo ao professor desvel-lo aos alunos. Nesse caso, compreender um texto seria como confirmar a fala de uma autoridade, desautorizando-se as novas leituras, diferentes ou divergentes das j determinadas. Num outro extremo, temos a situao apresentada pela alternativa B, segundo a qual o leitor compreenderia o texto investido apenas em sua subjetividade, desconsiderando o dizer do outro, o dado objetivo que se lhe apresenta compreenso. A alternativa contradiz claramente o texto de Maria Helena Martins, ao afirmar que a leitura como autoconhecimento se faz em detrimento da leitura como identificao do outro. Finalmente, a alternativa A tambm est incorreta por tangenciar a ideia central do texto de Maria Helena Martins, limitando-se a criticar o recurso retrico de que a autora se vale, sob a alegao de que so diferentes os horizontes de expectativa de Scrates e do artista de rua, no cabendo, portanto, a aproximao entre os pontos de vista dos dois no que se refere ao autoconhecimento promovido pelo encontro com o outro, mediante a leitura. Trata-se de uma crtica ao modo como a autora fundamentou o seu ponto de vista no texto, no levando em considerao o que solicitado na raiz da questo. Com base nessas consideraes, pode-se concluir que, apesar de abordar diferentes concepes de leitura e o papel do leitor nesse processo, a questo 17 de fcil resoluo, pois poderia ser resolvida por um leitor proficiente, mesmo que este pouco ou nada soubesse sobre o contedo terico focalizado. Referncias JURADO, S., ROJO, R. A leitura no ensino mdio: o que dizem os documentos oficiais e o que se faz. In: BUNZEN, C., MENDONA, M. (orgs.). Portugus no ensino mdio e formao do professor. So Paulo: Parbola Editorial, 2006. KLEIMAN, ngela. Leitura e prtica social no desenvolvimento de competncias no ensino mdio. In: BUNZEN, C., MENDONA, M. (orgs.). Portugus no ensino mdio e formao do professor. So Paulo: Parbola Editorial, 2006.

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QUESTO 18 Em casa, os amigos do jantar no se metiam a dissuadi-lo. Tambm no confirmavam nada, por vergonha uns dos outros; sorriam e desconversavam. (...) Rubio via-os fardados; ordenava um reconhecimento, um ataque, e no era necessrio que eles sassem a obedecer; o crebro do anfitrio cumpria tudo. Quando Rubio deixava o campo de batalha para tornar mesa, esta era outra. J sem prataria, quase sem porcelanas nem cristais, ainda assim aparecia aos olhos de Rubio regiamente esplndida. Pobres galinhas magras eram graduadas em faises, assados de m morte traziam o sabor das mais finas iguarias da Terra. (...) Toda a mais casa, gasta, pelo tempo e pela incria, tapetes desbotados, moblias truncadas e descompostas, cortinas enxovalhadas, nada tinha o seu atual aspecto, mas outro, lustroso e magnfico.Machado de Assis. Quincas Borba. So Paulo: W. M. Jackson Editores, 1955, p. 317- 9 (fragmento).

A uns, a ironia no tratamento da cor local e de tudo que seja imediato pareceu uma desconsiderao. Faltaria a Machado o amor de nossas coisas. Outros saudaram nele o nosso primeiro escritor com preocupaes universais. Uma contra, outra a favor, as duas convices registram a posio diminuda que acompanha a notao local no romance de Machado, e concluem da para a pouca importncia dela. Uma terceira corrente v Machado sob o signo da dialtica do local e do universal. Em Quincas Borba, o leitor a todo o momento encontra, lado a lado e bem distintos, o local e o universal. A Machado no interessava a sua sntese, mas a sua disparidade, a qual lhe parecia caracterstica.Roberto Schwarz. Que horas so? So Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 167-70. (com adaptaes).

De acordo com o texto de Roberto Schwarz, acerca da recepo crtica da obra de Machado de Assis, assinale a opo que interpreta corretamente o trecho de Quincas Borba, referente ao delrio do protagonista Rubio. (A) O aspecto lustroso e magnfico que Rubio dava s cortinas enxovalhadas acentua a disparidade crtica da obra machadiana, que, pela tenso entre local e universal, descortina a vida nacional.

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(B) A diviso da crtica quanto recepo da obra de Machado de Assis um falso problema, pois, como se v em Quincas Borba, o pitoresco e o exotismo romnticos continuam presentes no texto machadiano. (C) Rubio, incapaz de enxergar a realidade como ela de fato era, confirma, com seu delrio, a tendncia crtica que v, na obra de Machado de Assis, uma atitude de desconsiderao para com a realidade nacional. (D) A identificao de Rubio com o imperador francs corresponde da obra de Machado de Assis com os modelos literrios universais, o que reafirma a recepo crtica que saudava a universalidade da obra do escritor. (E) A ironia machadiana presente na obra Quincas Borba, evidenciada na imagem de as galinhas magras se transformarem em faises, confirma as opinies crticas que concebem a obra de Machado como negao do aspecto nacional e valorizao do universal. Gabarito: A Tipo de questo: Escolha simples, com indicao da resposta correta. Contedos avaliados: Leitura da obra Quincas Borba, de Machado de Assis; conhecimento sobre as principais caractersticas da sua esttica, da viso de mundo e do autor e de sua fortuna crtica, tanto no que se refere s leituras equivocadas da obra machadiana, que chegaram at nossos dias, quanto quelas mais profcuas, da segunda metade do sculo XX; capacidade de interpretar textos e de estabelecer relaes. Autora: Sissa Jacoby Comentrio: A) Alternativa correta Localiza no delrio de Rubio a aludida tenso entre o local e o universal, simbolizada na alucinao de poder da personagem: a realidade desejada (lustroso e magnfico) em contraposio realidade vivida (cortinas enxovalhadas). Paralelamente trajetria de Rubio professor interiorano que se torna capitalista por acaso e, despreparado, busca tambm a projeo poltica e social, indo viver na corte e sendo vtima de arrivistas que o levam runa , Machado descreve a sociedade brasileira, representada no Rio de Janeiro do II Imprio, expondo seus mecanismos de funcionamento: o parasitismo social, a mentira, a trapaa, o desejo de ganho fcil e o olhar voltado para as grandes naes europeias.

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B) Alternativa incorreta Afirma a existncia do pitoresco e do exotismo romnticos no trecho destacado de Quincas Borba, o que no ocorre. Segundo Schwarz, Machado foi mais longe que outros na descrio do dado social, bem como no aproveitamento crtico da literatura brasileira anterior [romntica], o que paradoxalmente o levava a dispensar os apoios do pitoresco e do exotismo, e lhe permitia integrar sem servilismo os numerosos modelos estrangeiros de que se valia. Alm disso, essa afirmao da resposta B usada como prova que refutaria o problema levantado pela crtica e comentado no excerto de Que horas so?, o que tambm no se reduz indicao da ausncia desses aspectos na obra machadiana. C) Alternativa incorreta Aponta o delrio de Rubio como afirmao da tendncia crtica que v na obra de Machado de Assis uma desconsiderao para com a realidade nacional. Ao contrrio, o recurso utilizado pelo escritor est a servio de uma viso crtica dessa realidade, retratada, entre outros elementos da obra, pela trajetria de Rubio. D) Alternativa incorreta A correspondncia apresentada nesta alternativa, entre a identificao de Rubio com a figura de Napoleo III e a identificao da obra de Machado de Assis com modelos literrios universais, no se sustenta, pois o conceito de universalidade, atribudo por uma tendncia da crtica, no pode ser reduzido a esse aspecto da obra. E) Alternativa incorreta Apresenta a ironia na passagem da transformao das galinhas magras em faises como confirmao das opinies crticas que veem na obra de Machado de Assis a negao do aspecto nacional e a valorizao do universal. Nesse sentido, assemelha-se alternativa C, pois confunde a disparidade crtica que coloca lado a lado o local e o universal com sua negao ou valorizao por parte do escritor. Referncias SCHWARTZ, Roberto. Que horas so? So Paulo: Companhia das Letras, 1987. SCHWARTZ, Roberto. Ao vencedor as batatas. So Paulo: Duas Cidades, 1977. GARBUGLIO, Jos Carlos. A composio e a decomposio. In: ASSIS, Machado de. Quincas Borba. So Paulo: tica, 1992.

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QUESTO 19 Para a interpretao do conjunto de informaes do folheto de divulgao ao lado, que utiliza tecnologias diversificadas ao explorar texto visual e verbal, necessrio considerar que

Folheto de divulgao do 7. Festival Internacional de Bonecos de Braslia de 2008.

(A) o uso de dois cdigos ilustra uma representao fiel de mundo que constitui o significado dos signos verbais e visuais. (B) o interlocutor que no domine o cdigo lingustico no recebe informaes suficientes para compreender as informaes visuais. (C) a comunicao plena nesse gnero textual depende da estruturao prvia de significados no ambguos em diferentes cdigos. (D) o uso adequado de signos verbais e visuais permite que se elimine um dos cdigos porque as informaes so fornecidas pelo outro. (E) a coerncia do texto se constri na integrao das informaes constitudas em linguagem verbal e em linguagem visual.

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Gabarito: E Tipo de questo: Escolha simples, com indicao da resposta correta. Contedos avaliados: Combinao da linguagem verbal e da linguagem visual para construir a coerncia 1 e, consequentemente, a compreenso do texto o 7. Festival Internacional de Bonecos de Braslia. Autoras: Ana Maria Tramunt Ibaos e Jane Rita Caetano da Silveira Comentrio: Por se tratar de uma questo ilustrada, de pouca complexidade no contedo e na forma, e por ser a resposta certa a nica coerente, considerando-se o enunciado das demais, o nvel de dificuldade do candidato razoavelmente pequeno, requerendo-se dele apenas o conhecimento da noo de coerncia (que no supe, necessariamente, o domnio da fundamentao terica) e a habilidade de um raciocnio adequado na interpretao das alternativas. Atravs dos termos coerncia, integrao das informaes, linguagem verbal e linguagem visual, a alternativa E leva compreenso e escolha a ser feita, uma vez que coerncia remete a sentido do texto, integrao das informaes pressupe que tais informaes se combinam, e as duas linguagens, visual e verbal, constituem as referidas informaes. Na verdade, a prpria instruo da questo 19, indicando como texto o folheto de divulgao, parafraseada na alternativa certa, isto , a seleo de E pode ser feita seguindo os mesmos pressupostos da questo: a informao verbal (os enunciados da questo 19 e as palavras do folheto ) + a informao visual (as imagens usadas para a divulgao do festival) determinam a coerncia do texto e a interpretao pretendida (concluso acertada). Ressalta-se, alm disso, que as imagens dos bonecos nos folhetos so apenas ilustrativas, usadas como reforo

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Para retomar e desenvolver o estudo das noes tericas de coerncia, texto, textualidade e de imagem/ cdigo visual, sugerimos as seguintes referncias bibliogrficas: KOCH, Ingedore G.Villaa. & TRAVAGLIA, Luiz Carlos. A coerncia textual. So Paulo: Contexto, 1995. ______. Texto e coerncia. 7. ed. So Paulo: Cortez, 2000. JOLY, Martine. Introduo anlise da imagem. 6. ed. Campinas: Papirus, 1996. NTH, Winfried; Santaella, Lucia. Imagem: cognio, semitica, mdia. So Paulo: Iluminuras, 1998. SILVEIRA, Jane Rita Caetano da. Leitura: informao e comunicao. Letras de Hoje, v. 40, n. 1. Porto Alegre: EDIPUCRS, maro/2005.

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para chamar a ateno do receptor, pois o cdigo verbal, neste exemplo especfico, seria suficiente para a divulgao do evento referido. Analisando-se as demais alternativas, observa-se que a primeira, A, pode ser descartada pela expresso representao fiel de mundo, pois nem a imagem nem o cdigo verbal satisfazem essa condio. Ou seja: a imagem, do ponto de vista da semitica peirceana, 2 uma representao dela prpria (os bonecos), e o cdigo verbal constitui uma representao convencional (os signos lingusticos) para expressar um contedo que se pretende comunicar. A alternativa B impe uma condio inexistente o domnio do cdigo lingustico para a compreenso de signos visuais, os quais constituem uma representao por semelhana, independendo de cdigo verbal. A alternativa C apresenta algo ilgico ao propor a condio de estruturao prvia de significados no ambguos em diferentes cdigos, uma vez que o significado vinculado ao contexto da comunicao e construdo durante o ato interpretativo, e no a priori, a partir das informaes verbais e visuais. J a alternativa D, ao propor a possibilidade de se eliminar um dos cdigos, justificando que as informaes deste so fornecidas pelo outro, contradiz o enunciado da questo 19, no qual se afirma que a explorao do cdigo verbal e do cdigo visual o que vai permitir a compreenso do folheto de divulgao. Em sntese, no h necessidade de conhecimentos lingustico-tericos prvios para a escolha da alternativa adequada: basta que o leitor raciocine sobre a proposta da questo (que inclui a leitura do texto com cdigo verbal e visual) e o contedo das alternativas. Destaca-se, entretanto, que os contedos envolvidos nessa questo relacionam-se diretamente ao contexto acadmico-profissional do formando de Letras, tendo em vista o amplo uso da linguagem verbal associada linguagem visual nas pesquisas atuais, nos materiais didtico-instrucionais, na mdia e na realidade cotidiana de aprendizes e educadores.

Para os conceitos relacionados representao dos signos, recomenda-se a leitura de: PEIRCE, Charles S. Collected papers. Harvard University Press: Cambridge, Mass.1931-58. SANTAELLA, Lcia. O que semitica. So Paulo: Brasiliense, 1993. ______. A teoria geral dos signos: como as linguagens significam as coisas. 2. ed. So Paulo: Pioneira, 2000.

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QUESTO 20 A respeito do processo de elaborao que resultou no folheto apresentado na questo anterior, julgue os itens que se seguem.

I

A combinao entre o tema, o estilo das ilustraes e a escolha do traado das letras revela crianas, ou pblico de baixa escolaridade, como o destinatrio pretendido para esse texto. Apesar das poucas marcas de coeso, esse texto respeita as caractersticas do gnero textual que representa e atinge o objetivo pretendido: convidar para o festival. Coerentemente com o texto visual, que representa bonecos caractersticos da arte popular, a linguagem do texto verbal reproduz a linguagem popular, no uso de termos como entrada franca.

II

III

Est certo o que se afirma apenas em (A) (B) I. II.

(C) I e II. (D) I e III. (E) II e III.

Gabarito: B Tipo de questo: Escolha combinada. Contedos avaliados: Identificao de elementos coesivos, gramaticais e lexicais, 3 pertinentes ao gnero textual em questo, ou seja, um texto de divulgao constitudo de linguagem verbal e visual, e ao conhecimento de variedades lingusticas, 4 mais especificamente a linguagem popular, considerando-se sua adequao ao processo interpretativo do leitor. Autoras: Ana Maria Tramunt Ibans e Jane Rita Caetano da Silveira

Sugerem-se, para mais informaes sobre elementos coesivos, as seguintes obras: COSTA VAL, M. G. Redao e textualidade. So Paulo: Martins Fontes, 1991. KOCH, Ingedore G. Villaa. A coeso textual. So Paulo: Contexto, 1989. 4 Contedos explanatrios de variao lingustica podem ser retomados em: CAGLIARI, L.C. Alfabetizao e lingustica. 8. ed. So Paulo: Scipione, 1995. FIORIN, Jos Luiz. Introduo lingustica. vol.1. So Paulo: Contexto, 2002.

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Comentrio: O contedo avaliado mescla noes de coeso e coerncia textuais com adequao comunicativa da linguagem utilizada, tendo em vista a forma da mensagem (estilo de imagem, traado das letras e variedade lingustica) e o pblicoalvo ou destinatrio pretendido. A alternativa B, considerada a correta, remete afirmao II, a qual inicia com uma orao concessiva para ressaltar que as poucas marcas coesivas do texto em anlise no impedem que ele contemple o gnero textual em que se insere, alcanando o propsito comunicativo de convidar para o festival de bonecos. As referidas marcas coesivas tornam-se dispensveis, tendo em vista o contexto de informaes contidas no folheto indicado. Pode-se observar, em II, que as oraes e atinge o objetivo pretendido: convidar para o festival so potencialmente decisivas para a escolha dessa alternativa, pois senso comum que a divulgao de um evento, atravs de um folheto (ou de outro meio similar) com informaes sobre tema, data, local, modo de acesso e a frase Venha assistir... no deixa nenhuma dvida sobre o seu objetivo. Isso pode realmente ter sido um elemento facilitador da questo. A afirmativa I, por outro lado, apresenta impropriedade em seu contedo ao colocar no mesmo nvel crianas e pblico de baixa escolaridade, uma vez que se trata de destinatrios totalmente distintos. O desenvolvimento cognitivo de crianas no pode ser comparado baixa escolaridade, e nem os interesses desses dois destinatrios coincidem. Entretanto, imagens de bonecos, embora representem vrias culturas diferentes, permitem atrair qualquer pblico, independente de idade e de escolaridade. Alm disso, o estilo das ilustraes e a escolha do traado das letras no implica semelhanas com um destinatrio infantil nem com indivduos de baixa escolaridade. Percebe-se, desse modo, que a afirmativa contm vrias razes para no ser selecionada como certa. O item III dessa questo, que associa, diferentemente do que foi afirmado em I, a arte popular linguagem popular, tambm se apresenta inadequado, tanto em termos culturais quanto lingusticos. Isso ocorre porque apreciar a arte popular no est condicionado a falantes que se utilizam da linguagem popular, e nem a expresso entrada franca caracteriza esse tipo de linguagem.

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A

questo

20

apresenta

baixo

grau

de

complexidade

e

explora

superficialmente as noes de coeso e coerncia, apesar de abordar os fenmenos da variao lingustica e da adequao comunicativa, fundamentais na formao acadmica do formando de Letras, por serem inerentes sua prtica profissional.

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QUESTO 21 Antes de compreender o que significam as inovaes tecnolgicas, temos de refletir sobre o que so velhas e novas tecnologias. O atributo do velho ou do novo no est no produto, no artefato em si mesmo, ou na cronologia das invenes, mas depende da significao do humano, do uso que fazemos dele.Juliane Corra. Novas tecnologias da informao e da comunicao; novas estratgias de ensino/aprendizagem. In: Carla VianaCoscarelli (Org.). Novas tecnologias, novos textos, novas formas de pensar. Belo Horizonte: Autntica, 2003, p. 44 (com adaptaes).

Relacionando as idias do fragmento de texto acima formao e ao do professor em sala de aula, conclui-se que (A) a chegada das inovaes tecnolgicas escola torna obsoletos os saberes acumulados pelo professor. (B) as inovaes tecnolgicas no campo do ensino-aprendizagem no garantem inovaes pedaggicas. (C) a incluso digital assegurada quando as escolas so equipadas com computadores e acesso Internet. (D) os novos modos de ler e escrever no computador devem ser transpostos para a modalidade escrita da lngua no espao escolar. (E) o acervo impresso das bibliotecas escolares deve ser substitudo por acervos digitais, de maior circulao e funcionalidade. Gabarito: B Tipo de questo: Escolha simples, com indicao da alternativa correta. Contedos avaliados: Incluso digital; uso de novas tecnologias na educao; linguagem da internet e aprendizado da leitura e escrita na escola. Autora: Helosa Koch Comentrio: O fragmento de texto que antecede as alternativas da questo 21 apresenta uma breve reflexo sobre o uso das novas e velhas inovaes tecnolgicas na educao, remetendo necessidade de questionar os recursos tecnolgicos no como simples meios que veiculam contedos pedaggicos, mas como novos processos de aprendizagem que oferecem possibilidades de renovar a concepo do modelo tradicional da educao, instaurando outra prxis educacional.

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Vale salientar, portanto, que as novas tecnologias podem contribuir para ampliar os padres tradicionais da produo do conhecimento porque oferecem acesso a mltiplas formas de interao, mediao e expresso de sentidos, propiciados tanto pelos fluxos de informao e diversidade de recursos disponveis (textuais, sonoros e visuais) como pela flexibilidade de explorao. O computador, nesse contexto, configura-se como potencializador para extrapolar as limitaes clssicas do modelo preconizado pela Teoria da Informao, baseada na trade linear emissor/mensagem/receptor. As novas tecnologias, no entanto, propiciam o dilogo entre os dois polos da comunicao (emissor/receptor), possibilitando que ambos interfiram na mensagem. Essa transformao tem implicaes diretas na educao, pois a partir dela que novas re-configuraes surgem para a comunicao humana e para o dilogo: flexibilidade, autonomia e criatividade. Relacionando as ideias contidas na breve introduo acima, pode-se dizer que a alternativa A est incorreta, pois as inovaes tecnolgicas no possuem o poder de substituir o professor, mas de auxili-lo em suas tarefas de ensino cotidianas. Um professor pode tornar-se obsoleto, no entanto, quando no reconhece a tecnologia como sua aliada e torna-se resistente a ela, gerando um abismo entre sua cultura e a de seus alunos e mais dificuldades para estabelecer um dilogo educativo. A alternativa B est correta porque as inovaes pedaggicas no esto diretamente relacionadas s inovaes tecnolgicas: aquelas podem ocorrer sem que haja a presena da tecnologia e esta no tem como impor novos processos de ensino-aprendizagem se o professor no o quiser. Se os saberes que ele construiu em sua docncia no contribuem para que o pensamento crtico ocupe um lugar primordial em sua sala de aula e se no h espao para a autonomia e para o amadurecimento de todos os envolvidos nesse processo, no h como afirmar que o paradigma educacional que o professor possui ser influenciado pelas inovaes tecnolgicas. A alternativa C est incorreta, pois a incluso digital no acontece apenas quando as escolas possuem boa infraestrutura tecnolgica; h a necessidade de capacitar docentes para utilizar os recursos de que dispem as escolas. No Brasil, segundo dados do Ministrio da Educao, at 2006 apenas 17 mil instituies de

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Ensino Fundamental contavam com laboratrios de informtica, nmero pouco significativo comparado ao total de 147 mil instituies de ensino. Alm disso, por mais que cresa nas Faculdades de Educao a preocupao em formar profissionais preparados para lidar teoricamente com a linguagem das novas mdias e seu significado nas salas de aula, existe ainda certa resistncia cultural quando se fala em novas tecnologias na sala de aula. A alternativa D tambm no est correta, pois a modalidade escrita da lngua no ambiente escolar possui caractersticas diferentes da escrita utilizada na Web. As crianas de hoje, nativos digitais, nascem imersas no mundo da internet. Elas so craques em lidar com o hipertexto, que conta com infinitas possibilidades de navegao. Atravs dos links, o aluno navega na rede, descortinando um mundo de coisas novas. A linguagem no linear da internet , hoje, infinitamente mais sedutora para os estudantes, pois nesse contexto que eles tm habilidade para escrever e interagir, numa velocidade indita. A autoria na web d mais motivao aos alunos porque traz maior visibilidade e cria uma competio saudvel entre eles. Em algumas escolas, os professores utilizam o bom e velho livro como ponto de partida para a produo de poemas. Na web, a escrita se aproxima da linguagem falada, porm ela s faz sentido naquele ambiente. Cabe escola, sim, reforar as diferenas entre as duas modalidades de escrita e as situaes em que cada uma delas deve ser utilizada. A alternativa E est incorreta porque, do ponto de vista financeiro, o acesso s novas tecnologias limitado, tanto para quem as implementa como para quem as utiliza. Nem todas as bibliotecas brasileiras priorizam a digitalizao dos acervos. De acordo com o presidente do Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB), Raimundo Martins de Lima, encontra-se pouco material digital na maior parte delas. A digitalizao universaliza o acesso ao livro, mas um dos problemas atuais obter verba para adquirir acervo em papel. Alm disso, mesmo nas bibliotecas em que a digitalizao est mais avanada, nem todas as obras podem passar pelo processo, devido lei de direitos autorais, de 1998. S ocorre a digitalizao de obras que o pblico no poderia consultar devido ao risco de deteriorao, como os peridicos e as obras raras, alm daquelas que j esto em domnio pblico (70 anos aps a

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morte do autor). Caso contrrio se estaria ferindo a lei de direitos autorais. Seria complicado e oneroso solicitar permisso para todos os autores. Referncias MORAES, R.; Dias, A.; FIORENTINI, L. As tecnologias da informao e comunicao na educao: as perspectivas de Freire e Bakhtin. UNIRevista, vol. 1, n. 3, Univ. de Braslia, 2006. DIDON, D. Falta Cultura Digital na Sala de Aula. Revista Nova Escola. Disponvel em: www.novaescola.org.br. Acesso em: maro de 2008.

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Texto para as questes 22 e 23 Em relao aos estigmas lingusticos, vrios estudiosos contemporneos julgam que a forma como olhamos o erro traz implicaes para o ensino de lngua. A esse respeito leia a seguinte passagem, adaptada da fala de uma alfabetizadora de adultos, da zona rural, publicada no texto L com L, Cr com Cr, da obra O Professor Escreve sua Histria, de Maria Cristina de Campos. Apresentei-lhes a famlia do ti. Ta, te, ti, to, tu. De posse desses fragmentos, pedi-lhes que formassem palavras,

combinando-os de forma a encontrar nomes de pessoas ou objetos com significao conhecida. L vieram Tot, Tito, tatu e, claro, em meio grande alegria de pela primeira vez escrever algo, uma das mulheres me exibiu triunfante a palavra teto. Emocionei-me e aplaudi sua conquista e convidei-a a ler para todos. Sem nenhum constrangimento, vitoriosa, anunciou em alto e bom som: teto aquela doena ruim que d quando a gente tem um machucado e no cuida direito.

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QUESTO 22 Considerando o contexto do ensino de lngua descrito no texto acima, analise o seguinte enunciado. O uso de teto em lugar de ttano no deve ser considerado desconhecimento da lngua porque esse uso revela a gramtica interna da aluna. Assinale a opo correta a respeito desse enunciado. (A) As duas asseres so proposies verdadeiras, e a segunda uma justificativa correta da primeira. (B) As duas asseres so proposies verdadeiras, mas a segunda no justificativa correta a primeira. (C) A primeira assero uma proposio verdadeira, e a segunda uma proposio falsa. (D) A primeira assero uma proposio falsa, e a segunda uma proposio verdadeira. (E) Tanto a primeira assero como a segunda so proposies falsas. Gabarito: A Tipo de questo: Assero e razo; escolha simples, com indicao da resposta correta. Contedos avaliados: Concepo de gramtica (natural), erro lingustico, conhecimento de uma lngua ou modalidade lingustica. Autor: Gilberto Scarton Comentrio: Trata-se de um tipo de questo com duas proposies ligadas pelo nexo porque, motivo pelo qual se denomina de assero razo ou de anlise de relaes. A resoluo desse tipo de teste exige que se examine a veracidade de cada afirmao e a existncia de relao de causa entre elas. No caso em pauta, ambas as asseres da alternativa A so verdadeiras, e a segunda constitui uma justificativa para a primeira, conforme se comenta a seguir.

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Em termos de contedo, a questo centra-se no conceito do que conhecer uma lngua, ou de gramtica termo polissmico. A propsito, segundo Travaglia (2006: 24-37), o termo tem trs sentidos bsicos: gramtica como manual de bom uso da lngua; gramtica como descrio da estrutura e funcionamento da lngua; gramtica como um saber inconsciente da lngua. O que importa considerar para o comentrio da questo 22 o terceiro sentido de gramtica, que o referido autor assim define:A terceira concepo de gramtica aquela que, considerando a lngua como conjunto de variedades utilizadas por uma sociedade de acordo com o que exigido pela situao de interao comunicativa em que o usurio da lngua est engajado, percebe a gramtica como o conjunto de regras que o falante aprendeu e das quais lana mo ao falar [grifo nosso].

Em seguida, o autor cita Franchi (1991: 54):Gramtica corresponde ao saber lingustico que o falante de uma lngua desenvolve dentro de certos limites impostos pela sua prpria dotao gentica humana, em condies apropriadas de natureza social e antropolgica.

E conclui afirmando que, nesse caso,saber gramtica no depende, pois, em princpio, de escolarizao, ou de quaisquer processos de aprendizado sistemtico, mas da ativao e amadurecimento progressivo (ou de construo progressiva), na prpria atividade lingustica, de hiptese sobre o que seja a linguagem e de seus princpios e regras. (...)

Atente-se, pois, que, nesse sentido, gramtica um conhecimento intuitivo, implcito, no reflexivo, no verbalizvel, internalizado, inconsciente; um saber a lngua automatizado, no formalizado ou adquirido mediante livros, gramticas escolares, teorias, estudos, ensinamentos. De acordo com essa mesma perspectiva de gramtica (natural), acrescentese que no h (propriamente) erro linguistico, pois todo falante constri frases e textos corretamente, isto , de acordo com os mecanismos internalizados que regem sua modalidade de lngua. Acredita-se que o contedo referido at aqui e todo o contexto em que se insere so bastante conhecidos por nossos estudantes, uma vez que divulgados por muitas publicaes que procuram levar, inclusive para o pblico no especializado, conceitos fundamentais das cincias da linguagem. (Veja(m)-se, a propsito, asENADE Comentado 2008: Letras 45

referncias indicadas no fim deste comentrio). So igualmente bastante mencionados em sala de aula. oportuno sublinhar, finalmente, a relevncia da questo: toca num aspecto que deve ser considerado como fundamento para o combate a falcias, a ideias distorcidas sobre o fenmeno da linguagem, que levam a preconceitos e a discriminaes. Nunca demais insistir que a lngua nossa! (Luft, 1986:74); que o falante de uma lngua sabe muito mais do que aprendeu, conforme disse Chomsky (apud Luft, 1986); que a norma socialmente prestigiada no a nica norma linguisticamente vlida (Antunes, 2007: 85); que todas as lnguas e modalidades lingusticas so sistemas perfeitos de expresso; que uma lngua no apenas o apangio da espcie humana, um procedimento argumentativo, um fazer acontecer as coisas, a identidade de um povo, mas tambm a identidade de um indivduo, um bem cultural, um patrimnio adquirido no seio materno; e que o combate ao preconceito e discriminao devem fazer parta da educao de todos o que envolve uma verdadeira educao (scio) lingustica -, para vivermos todos em harmonia neste pluriverso (de diferenas). Referncias ANTUNES. Irand. Muito alm da gramtica: por um ensino de lnguas sem pedras no caminho. So Paulo: Parbola, 2007. BAGNO, Marcos. A norma oculta. So Paulo: Parbola, 2003. ______. Nada na lngua por acaso: por uma pedagogia da variao lingustica. So Paulo: Parbola, 2007. ______. Preconceito lingustico: o que e como se faz. So Paulo: Loyola, 2006. ______. A lngua de Eullia: novela sociolingustica. So Paulo: Contexto, 2004. FARACO, Carlos Alberto. Norma culta brasileira: desatando alguns ns. So Paulo: Parbola, 2008. LUFT, Celso Pedro. Lngua e liberdade: por uma nova concepo da lngua materna. Porto Alegre: L&PM, 1985. PERINI, Mrio A. Sofrendo a gramtica. So Paulo: tica, 2005. POSSENTI, Srio. A cor da lngua e outras croniquinhas de linguista. Campinas: Mercado de Letras, 2006. ______. Por que (no) ensinar gramtica na escola. Campinas: Mercado de Letras, 1998. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramtica e interao: uma proposta para o ensino da gramtica. So Paulo: Cortez Editora, 2006.

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QUESTO 23 O fenmeno sociolingustico constitudo pela passagem da proparoxtona ttano para a paroxtona teto, na variedade apresentada, observado tambm no emprego de (A) figo em lugar de fgado, e arvre em vez de rvore. (B) paia em lugar de palha, e fio em lugar de filho. (C) mortandela em lugar de mortadela, e cunzinha em vez de cozinha. (D) bandeija em lugar de bandeja, e naiscer em lugar de nascer. (E) vend em lugar de vender, e cant em vez de cantar. Gabarito: A Tipo de questo: Escolha simples, com indicao da alternativa correta. Contedos avaliados: Mudana e variao lingustica; metaplasmos. Autor: Gilberto Scarton Comentrio: A questo 23 pode ser resolvida simplesmente pelo raciocnio, sem se considerar, portanto, as expresses metalingusticas fenmeno sociolingustico, proparoxtona, paroxtona ou mesmo o contedo programtico a que se refere: bastaria observar que tanto em teto quanto em figo h a supresso de sons/letras no interior dos referidos vocbulos. Assim: tet(an)o = fig(ad)o. Tal fato no acontece com as demais palavras oferecidas como resposta, com exceo do vocbulo fio/filho. Ao se levarem em conta, no entanto, contedos programticos, deve-se dizer que a questo versa sobre a transformao (metaplasmo) de palavras

proparoxtonas em paroxtonas, por perda (sncope) de segmento(s) fontico(s). Tal fato ocorre em inmeros outros casos: rvore (arvi), ccega (cosca), abbora (abobra), bbado (bebo), culos (oclos). O fenmeno em apreo ocorreu na passagem do latim para o portugus, conforme comprovam os seguintes exemplos: lepore-lebre; opera-obra; manicamanga; etc. (Coutinho, 1966, p.148). Nesse sentido, pode-se dizer que o passado explica o presente. Dito de outro modo, no existe razo para se supor que a

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mudana fontica tenha ocorrido, no passado, de maneira diferente daquela de hoje. Pode-se lembrar ainda que as lnguas tm uma deriva (Sapir, 1971), isto , seguem um percurso prprio. Aprofundando o comentrio, h que se acrescentar o que segue: 1. A passagem de proparoxtonas a paroxtonas caracterstica da linguagem popular (no apenas do meio rural), mencionada em estudos sobre essa modalidade e sobre dialetos regionais do Brasil, conforme Nascentes (1953, p.22); Melo (1971, p.90); Head (1986, p.38); entre outros. 2. Saliente-se, em ateno ao que foi dito no item anterior, que a ocorrncia das variantes proparoxtonas/ paroxtonas no obedece a condicionamento geogrfico (Head,1986, p. 47). 3. A tendncia de transformar proparoxtonas em paroxtonas tanto mais acentuada quanto menor o grau de escolaridade (Aguilera, 1995, p. 816). 4. A anlise do problema requer ainda uma abordagem que leve tambm em considerao o condicionamento fonolgico. Referncias AGUILERA, Vanderci. As proparoxtonas na linguagem popular e rural paranaense. ENCONTRO NACIONAL DA ANPOLL. IX. Anais.Lingustica, vol.2. Jpoo Pessoa: ANPOLL, 1995. COUTINHO, Ismael de Lima. Gramtica histrica. Rio de Janeiro: Acadmica, 1969 HEAD, Brian F. O destino das palavras proparoxtonas na linguagem popular. In: ENCONTRO DE VARIAO LINGUSTICAS E BILINGUISMO NA REGIO SUL 4, Porto Alegre, 1985. Anais.Porto Alegre:UFRGS, 1986. MELO, Gladstone Chaves de. A lngua do Brasil. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1971. NASCENTES, Antenor. O linguajar carioca. Rio de Janeiro: Organizaes Simes, 1953. SAPIR, Edward. A linguagem. Introduo ao estudo da fala. Rio de Janeiro: Acadmica, 1971

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QUESTO 24 Se todo ser humano, ao praticar alguma ao, pensa sobre ela, que dizer dos professores que, comprometidos com o sucesso de todos os alunos e alunas, procuram solues e assumem uma postura investigativa? Praticar o ensinopesquisa-que-procura significa superar tanto o ensino feito sem pesquisa quanto uma pesquisa feita sem ensino.Maria Teresa Esteban e Edwiges Zaccur (Orgs.). Professora-pesquisadora: uma prtica em construo. Rio de Janeiro: DP&A, 2002 (com adaptaes).

Esse fragmento expressa uma reorientao na relao pesquisa-ensino que (A) torna mais econmico o trabalho docente ao separar teoria e prtica, pensar e fazer. (B) prioriza, na atividade docente, o saber terico decorrente da pesquisa sobre o saber prtico. (C) postula que, na formao do professor, as disciplinasdo-saber devem preceder as disciplinas-do-fazer. (D) permite tomar a prtica como fonte de informao para a construo do conhecimento, e este como sistematizador da prtica. (E) sustenta a dicotomia entre o fazer e o pensar, a qual legitima a diviso do trabalho e os processos de hierarquizao do saber. Gabarito: D Tipo de questo: Escolha simples, com indicao da resposta correta. Contedos avaliados: Concepes de docncia; conhecimento profissional dos professores; professor-pesquisador; relao pesquisa-ensino. Autora: Jocelyne da Cunha Bocchese Comentrio: No obstante os avanos das cincias da educao, em consonncia com as exigncias e a complexidade das sociedades contemporneas, ainda persiste, em algumas universidades e escolas, a dissociao entre pesquisa e ensino, fundamentada, entre outros fatores, numa concepo de docncia segundo a qual o professor limita-se a transmitir conhecimentos produzidos por outros autores. Nessa perspectiva, a preocupao dos educadores est direcionada variedade e

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quantidade de contedos a serem adquiridos e escolha dos modelos a serem imitados pelos aprendizes. Os contedos de cada disciplina so sistematizados oralmente pelo professor e apresentados de forma acabada, cabendo ao aluno a memorizao do contedo verbalizado. A formao parece, pois, prescindir do pensamento reflexivo. Apesar de os reflexos dessa concepo ainda serem visveis na maior parte das escolas, como decorrncia de uma formao docente que enfatiza um saber fazer / dar aulas pouco preocupado com o saber aprender / produzir conhecimento, muitos autores tm questionado esse ensino reprodutivo, pouco condizente com o exerccio do magistrio. De acordo com Ldke (2001), os professores como intelectuais transformadores, devem exercer ativamente a responsabilidade de propor questes srias a respeito do que eles prprios ensinam, sobre a forma como devem ensin-lo e sobre os objetivos que perseguem. O fragmento de Maria Tereza Esteban e Edwiges Zaccur, sobre o qual se constri a questo em anlise, enquadra-se nessa segunda concepo de docncia, que ressalta a importncia da pesquisa para o trabalho do professor, como componente indispensvel em qualquer nvel de ensino. As autoras, no texto focalizado, enfatizam a necessria vinculao entre a postura investigativa do professor e seu comprometimento com a aprendizagem dos alunos. Trata-se, portanto, de uma prtica em que a dimenso terica emerge da reflexo sistemtica do professor sobre as questes que mobilizam o seu saber fazer / fazer aprender conforme prope Erickson (1986), citado por Moreira (1991, p. 94):O professor, como pesquisador de sala de aula, pode aprender a formular suas prprias questes, a encarar a experincia diria como dados que conduzem a respostas a essas questes, a procurar evidncias no confirmadoras, a considerar casos discrepantes, a explorar interpretaes alternativas. Isso, pode-se argumentar, o que o verdadeiro professor deveria fazer sempre. A capacidade de refletir criticamente sobre sua prpria prtica e de articular essa reflexo para si prprio e para os outros pode ser pensada como uma habilidade essencial que todo professor bem preparado deveria ter.

A estreita relao entre ensino e pesquisa expressa na citao acima tambm pode ser verificada, ainda que de forma mais sinttica, na alternativa D, resposta

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correta questo 24. Nela ressaltado o dinamismo e o equilbrio que devem permear essa relao, j que a prtica do professor, tomada como ponto de partida para a pesquisa da sala de aula, dela se alimenta para renovar-se e aprimorar-se constantemente, ensejando novos questionamentos, num processo permanente de reconstruo do conhecimento profissional. As demais alternativas apresentadas anlise esto incorretas justamente por negarem a necessidade dessa relao dinmica e equilibrada entre ensino e pesquisa para o exerccio bem sucedido da docncia. Na alternativa A, proposta a separao entre teoria e prtica, entre fazer e pensar, sob a alegao de que isso tornaria mais econmico o trabalho docente. Na alternativa B, o saber terico apresentado como prioritrio e, portanto, mais valorizado, em comparao com o saber que emerge da prtica do professor. Nessa mesma linha, apresenta-se a afirmao da alternativa C, que defende a primazia das disciplinas tericas em relao s disciplinas prticas nos cursos de formao, bem de acordo com o modelo de docncia centrado na reproduo e na transmisso de conhecimentos acabados e previamente adquiridos. Finalmente, na alternativa E, defende-se a dicotomia entre o fazer e o pensar, entre o ensino e a pesquisa, de forma a legitimar a distino entre as funes do professor e do pesquisador, bem como a desvalorizao profissional decorrente do desprestgio dos saberes construdos na docncia. Trata-se, portanto, de uma questo de fcil resoluo, j que as ideias contidas na alternativa correta podem ser facilmente depreendidas do texto de Esteban e Zaccur. A discusso apresentada pertinente na medida em que deixa clara a posio do MEC em relao concepo de docncia a ser priorizada pelas instituies formadoras, concepo esta presente em obras de numerosos estudiosos da educao tais com D. Schn (1983), A, Nvoa (2001), P.Demo (1998), R.Porln (1998) e tambm j bastante evidenciada em leis e projetos governamentais. Tal direcionamento pode ser evidenciado nas Diretrizes Nacionais para a Formao de Professores da Educao Bsica (Resoluo CNE/CP, de 18 de fevereiro de 2002), as quais preveem, no Art.2, o preparo dos licenciandos para o aprimoramento em prticas investigativas, estabelecendo, no Art. 3, que a formao deve contemplar a pesquisa, com foco no processo de ensino e de

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aprendizagem, uma vez que ensinar requer, tanto dispor de conhecimentos e mobiliz-los para a ao, como compreender o processo de construo do conhecimento. Referncias BRASIL. Diretrizes Nacionais para a Formao de Professores da Educao Bsica, em Nvel Superior - Resoluo CNE/CP, de 18 de fevereiro de 2002. Braslia, MEC/CNE, 2002. DEMO, P. Educar pela pesquisa. Campinas, SP: Autores Associados, 1998. LDKE, M. et al. O Professor e a pesquisa. Papirus Editora, 2001.Disponvel em: books.google.com. Acesso em: 28 de julho de 2009. MOREIRA, M. A. O professor-pesquisador como instrumento de melhoria do ensino de cincias. Em Aberto. Braslia, ano 7. n. 40, out/dez 1988. NVOA, A. O Professor Pesquisador e Reflexivo. Entrevista concedida em 13 de setembro de 2001. Disponvel em: www.tvebrasil.com.br/salto. Acesso em: 28 de julho de 2009. PORLN, R. Construtivismo y escuela: hacia un modelo de enseanza-aprendizaje basado en la investigacin. Sevilla: Dada Editorial, 1998. SCHN, D. A. The reflective pratctitioner: how professionals think in action. New York: Basic Books INC. Publishers, 1983.

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QUESTO 25

Ao reconhecer o conjunto de sinais acima como vrias realizaes de uma mesma letra, um usurio da lngua revela estratgias psicolingusticas capazes de (A) mostrar seu conhecimento lingustico inato a respeito da escrita alfabtica. (B) interpretar um sinal lingstico como componente de sinais mais complexos. (C) identificar diferenas da oralidade que no so registradas no sistema alfabtico da escrita. (D) reconhecer a identidade de um sinal lingustico, apesar dos diferentes formatos das letras. (E) sistematizar combinaes de diferentes sinais que formam signos lingusticos. Gabarito: D Tipo de questo: Escolha simples. Contedos avaliados: Aquisio da escrita; processos de leitura; apreenso e compreenso do sistema alfabtico. Autoras: Ana Maria Tramunt Ibans e Jane Rita Caetano da Silveira Comentrio: A questo 25 apresenta alguns problemas de formulao. Embora seja reconhecido que a aquisio da escrita e os processos de leitura possam ser investigados atravs de estratgias psicolingusticas, isto , estratgias de apreenso e compreenso tanto de estruturas do sistema alfabtico quanto de significados, o reconhecimento de representaes grficas de uma nica letra, que pode ou no significar um som da lngua, no implica, de forma alguma, um estgio de reconhecimento de um signo lingustico, conforme sugerido na alternativa E. A alternativa D, considerada correta, ambgua. Se, por acaso, estivssemos falando do reconhecimento do conetivo e, poderamos, ento, dizer que se trata da

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identificao de um sinal lingustico (conforme primeiras tradues dos textos de Saussure ou de interpretaes dos textos de Jakobson). Entretanto, como o enunciado da questo fala em letras, parece pouco razovel considerar que se trata do reconhecimento de uma identidade, ou entidade, lingustica. Nesse sentido, as competncias/habilidades relacionadas identificao de diferentes realizaes da mesma letra e ao desenvolvimento de estratgias psicolingusticas pelos usurios da lngua no se apresentam de forma adequada. Ainda assim, a alternativa D a que melhor se enquadra como correta, pois possvel reconhecer que as cinco grafias significam apenas cinco formatos diferentes da mesma letra e. Alm disso, as outras afirmativas revelam problemas mais profundos ou contradies tericas em suas formulaes, o que justifica a sua excluso. Posto isso e analisando-se as demais alternativas, observa-se que a primeira, A, pode ser descartada pela expresso conhecimento lingustico inato, pois tal conceito refere-se aquisio da linguagem e no ao aprendizado de modalidades de escrita, um fato social e no biolgico. Ou seja: quando falamos em conhecimento inato, estamos na rea de teorias da aquisio relacionadas Gramtica Universal 5, um construto terico desenvolvido em relao linguagem, no a lnguas, e muito menos escrita. Ressalta-se tambm que, se a escrita alfabtica convencional e adquirida no processo de alfabetizao, como diz o prprio nome, ento ela no pode ser inata. A alternativa B pressupe uma condio inexistente o domnio do cdigo escrito para a compreenso de signos de outras naturezas, orais e visuais, como se fossem dependentes para se constituir o cdigo verbal. Outra impropriedade desse enunciado refere-se mencionada complexidade de sinais, pois o que se tem, nos desenhos da letra e, a diversidade de formas para represent-la. A alternativa C confunde a relao dos sons das lnguas, explicitados tanto em fontica quanto fonologia, com a representao arbitrria d