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ENSINO PARA O DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS E PROCESSOS DE AUTORREFLEXÃO: DESAFIOS DA DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA O presente painel propõe discutir desafios postos ao docente universitário frente o cenário de mudanças na contemporaneidade que afetam diretamente a Universidade e os processos de formação de profissionais. Discute como as estratégias de ensino impactam a formação dos profissionais e como o próprio docente se constrói na reflexão sobre seu papel como formador e sobre sua formação em um processo de autorreflexão. A discussão é feita a partir das contribuições de três pesquisas diferentes. O primeiro estudo teve o objetivo de compreender, mediante suas narrativas, como professores iniciantes constroem a docência. Evidenciando que esse processo se alicerça nos modelos e nos contramodelos trazidos das suas trajetórias acadêmicas discute como a fragilidade da formação para a docência retarda e afeta a construção docente. O segundo trabalho, apresenta os resultados de uma metapesquisa, cujo objetivo foi conhecer as percepções dos estudantes sobre a escrita do texto científico articulando os conteúdos específicos da disciplina com o desenvolvimento de estratégias para a aprendizagem da escrita. Indica que a escrita exige competências cognitivas e afetivas demandando esforço por parte dos estudantes e da docente para que os graduandos construam sua própria voz enquanto autores e solidifiquem competências que vão necessitar no exercício da docência. O último estudo tem como objetivo conhecer as necessidades formativas dos docentes de uma universidade pública, em relação às concepções e práticas voltadas ao desenvolvimento de competências cognitivas nos estudantes. Analisa os avanços, mas também as contradições que revelam a necessidade de maior ampliação dos conhecimentos teórico-metodológicos dos docentes para enfrentar os desafios atuais da docência no ensino superior. De um modo geral, os estudos demonstram avanços e desafios que impulsionam o professor universitário a avançar nos conhecimentos que fundamentam sua prática em um processo auto-formativo e emancipador. Palavras-Chave: Docência Universitária, Formação Docente, Ensino de Competências XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 1624 ISSN 2177-336X

ENSINO PARA O DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS E …ufmt.br/endipe2016/downloads/233_10260_37883.pdf · como aquilo que é percebido pelos próprios docentes como fazendo falta na

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ENSINO PARA O DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS E

PROCESSOS DE AUTORREFLEXÃO: DESAFIOS DA DOCÊNCIA

UNIVERSITÁRIA

O presente painel propõe discutir desafios postos ao docente universitário frente o

cenário de mudanças na contemporaneidade que afetam diretamente a Universidade e

os processos de formação de profissionais. Discute como as estratégias de ensino

impactam a formação dos profissionais e como o próprio docente se constrói na

reflexão sobre seu papel como formador e sobre sua formação em um processo de

autorreflexão. A discussão é feita a partir das contribuições de três pesquisas

diferentes. O primeiro estudo teve o objetivo de compreender, mediante suas

narrativas, como professores iniciantes constroem a docência. Evidenciando que esse

processo se alicerça nos modelos e nos contramodelos trazidos das suas trajetórias

acadêmicas discute como a fragilidade da formação para a docência retarda e afeta a

construção docente. O segundo trabalho, apresenta os resultados de uma

metapesquisa, cujo objetivo foi conhecer as percepções dos estudantes sobre a escrita

do texto científico articulando os conteúdos específicos da disciplina com o

desenvolvimento de estratégias para a aprendizagem da escrita. Indica que a escrita

exige competências cognitivas e afetivas demandando esforço por parte dos

estudantes e da docente para que os graduandos construam sua própria voz enquanto

autores e solidifiquem competências que vão necessitar no exercício da docência. O

último estudo tem como objetivo conhecer as necessidades formativas dos docentes

de uma universidade pública, em relação às concepções e práticas voltadas ao

desenvolvimento de competências cognitivas nos estudantes. Analisa os avanços, mas

também as contradições que revelam a necessidade de maior ampliação dos

conhecimentos teórico-metodológicos dos docentes para enfrentar os desafios atuais

da docência no ensino superior. De um modo geral, os estudos demonstram avanços e

desafios que impulsionam o professor universitário a avançar nos conhecimentos que

fundamentam sua prática em um processo auto-formativo e emancipador.

Palavras-Chave: Docência Universitária, Formação Docente, Ensino de

Competências

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1624ISSN 2177-336X

DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS COGNITIVAS NA

FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS: NECESSIDADES FORMATIVAS DOS

PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS

Édiva de Sousa Martins- UNEB, [email protected]

Marcelo Peixoto Souza- UNEB, [email protected]

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo conhecer as necessidades formativas dos

docentes de uma universidade pública, em relação às concepções e práticas voltadas

ao desenvolvimento de competências cognitivas complexas nos estudantes

universitários. Neste trabalho, a análise das necessidades formativas não visa

identificar carências determinadas a partir de exigências do sistema, mas entendidas

como aquilo que é percebido pelos próprios docentes como fazendo falta na prática

educativa, resultante do confronto entre expectativas, desejos, aspirações, e as

dificuldades e problemas sentidos no quotidiano profissional. Para coleta de dados foi

utilizado um questionário com questões fechadas e abertas. Os dados foram tratados

por meio de programa estatístico e técnica de analise do conteúdo. Os resultados

demonstram uma alta incidência de respostas positivas para as questões relacionadas

ás competências cognitivas, tanto no que se refere às concepções quanto às

concretizações na prática docente o que revela avanços, mas também contradições

quando consideradas as dificuldades apresentadas pelos estudantes para realizar

atividades que demandem pensamento complexo e das dificuldades enfrentadas no

ensino universitário na atualidade. Os resultados apontam para avanços significativos

nas concepções e práticas dos docentes como também na expressão dos docentes

sobre suas necessidades formativas no sentido do que desejam e esperam das suas

práticas, mas revelam também a necessidade de maior ampliação dos conhecimentos

teórico-metodológicos dos docentes para enfrentar os desafios atuais da docência no

ensino superior.

Palavras-chave: Necessidades Formativas; Ensino Superior; Competências

Cognitivas.

Introdução

Nos últimos tempos, a Universidade vem sendo sacudida por intensas

demandas de mudança como consequência das transformações da sociedade e do

mundo do trabalho que tem modificado profundamente as formas de acessar,

distribuir e usar a informação na vida cotidiana e profissional. Nesse contexto, a

Universidade tem sido convocada a mudar substancialmente tanto estruturalmente

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1625ISSN 2177-336X

quanto internamente, nos seus processos de ensino e de formação profissional

(MASETTO, 2012, POZO, 2009). As mudanças exigem uma proposta de formação

profissional orientada para o desenvolvimento de competências cada vez mais

complexas, demandando a capacidade de transferir conhecimentos para novas

situações, de analisar criticamente o conhecimento, de aprender a aprender e de agir

com base em valores éticos, competências que não se aprendem apenas pelo acesso a

teorias, mas pressupõem metodologias ativas, problematizadoras e reflexivas.

Segundo Zabala e Arnau (2010), o modelo de educação centrado no método de

ensino transmissivo baseado na crença de que a bagagem teórica oferecida no curso é

suficiente para formar o bom profissional está perdendo espaço frente às novas

demandas sendo que o desafio do contexto atual é reconfigurar o ensino com o intuito

de ajudar o estudante a construir saberes que lhes deem ferramentas para empregar

utilmente os dados que tem nas mãos. As novas formas de aprender requerem, assim,

promover a aprendizagem construtiva que promove conhecimentos mais duradouros e

mais transferíveis para novos contextos e situações visando a formação de

profissionais estratégicos e não apenas treinados tecnicamente (POZO, 2009).

Entretanto, uma nova cultura de aprendizagem universitária exige uma nova

cultura docente o que implica modificar concepções e práticas docentes de modo que

o ensinar e o aprender na universidade ganhe contornos mais antenados com as novas

demandas e necessidades.

Nesse sentido, investigar o ensino universitário deve necessariamente partir de

um processo auto-formativo e emancipador, no qual de um lado o docente

universitário reflete a respeito de sua prática como formador e, por outro, ele também

é provocado a pensar a respeito de sua própria formação em um processo dialético

que suscita importantes indagações, dentre elas as relacionadas aos pressupostos

epistemológico, teórico-metodológicos que têm orientado as suas práticas e como

operacionalizar essa formação dentro de um contexto institucional pouco articulado e

distante de uma proposta formativa crítica e emancipatória (POZO E MONEREO,

2009).

Neste contexto, o conhecimento das necessidades de formação na ótica dos

professores é uma das condições primordiais para o investimento no seu

desenvolvimento profissional, possibilitando a expressão das necessidades mais

comuns e evidentes, contribuindo para a reflexão das práticas e para a tomada de

consciência das dificuldades vivenciadas no contexto da prática educativa

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1626ISSN 2177-336X

(RODRIGUES, 2006). A análise das necessidades formativas, como defendemos, não

visa identificar carências determinadas a partir de exigências do sistema, cuja

satisfação, se daria mediante a intervenção de formadores com “respostas” prontas,

mas ao contrário entendidas como aquelas questões percebidas pelos próprios

docentes como fazendo falta na prática educativa, e, conforme Rodrigues (2006, p. 9),

como “resultante do confronto entre expectativas, desejos, aspirações, por um lado, e,

por outro, as dificuldades e problemas sentidos no quotidiano profissional.”

A presente pesquisa insere-se nessa preocupação, buscando conhecer as

necessidades formativas dos docentes de uma universidade pública, numa ótica de

autorreflexão, em relação às concepções e práticas voltadas para: a) a formação de

profissionais na relação entre projeto político-pedagógico e relação teoria e prática; b)

o desenvolvimento de competências cognitivas; c) à avaliação da aprendizagem e; d)

o desenvolvimento de competências sociais e valores.

Utilizamos como instrumento de coleta de dados, um questionário, com

questões abertas e fechadas. Responderam ao questionário, 275 professores, que

correspondem a mais de 10% dos docentes da instituição. Os dados quantitativos

foram tratados por meio do programa estatístico SPSS (Statistical Package for Social

Sciences) e as questões abertas tratadas mediante a técnica análise de conteúdo de

Bardin (1977).

Neste artigo, analisaremos os aspectos da pesquisa concernentes às

necessidades formativas dos docentes universitários relacionadas ao desenvolvimento

de competências cognitivas dos estudantes. Tal aspecto foi explorado na primeira

parte do questionário que constava de 29 questões fechadas e uma aberta. Nas

questões fechadas o docente deveria, numa primeira coluna, expressar com um “X”

seu “grau de concordância” com o enunciado, tendo em conta a seguinte escala: 1 (

nada importante); 2 (pouco importante); 3 (importante); 4(muito importante) o que

expressava suas concepções relacionadas á tal questão. Em outra coluna o participante

deveria marcar o “grau de concretização” do conteúdo do enunciado na sua prática

docente cotidiana, tendo em conta a seguinte escala: 1 (totalmente ausente); 2

(raramente presente); 3(frequentemente presente) e 4 (sempre presente). Em uma

questão aberta, os professores poderiam explicitar as razões para possíveis

discrepâncias entre o grau de importância e de concretização dos enunciados

propostos.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1627ISSN 2177-336X

Condições para o desenvolvimento de competências cognitivas

A educação centrada na competência contempla as aprendizagens necessárias

para que os estudantes atuem de maneira ativa, crítica e criativa na construção do seu

projeto de vida. Nesse contexto, a competência representa uma combinação de

capacidades, conhecimentos, atitudes e condutas dirigidas à execução concreta de

uma tarefa em um contexto definido ou como uma forma de atuar em que as pessoas

utilizam o seu potencial para resolver problemas ou fazer algo em uma situação

concreta (SANS DE ACEDO LIZARRAGA, 2010).

Sintetizando, podemos classificar as competências cognitivas conforme Acedo

Lizarraga (2010) em cinco grupos: a) competência compreensiva, que envolve

capacidades como comparar, classificar, analisar, sintetizar, sequenciar e averiguar

razões e extrair conclusões; b) competência crítica que compreende a capacidade para

avaliar a informação e quantas ideias e juízos se elaborem; c) competência criativa

que envolve a capacidade para ampliar ou gerar nova informação; d) competência

para tomar decisões relevantes e, e) competência para solucionar problemas abertos,

considerar várias soluções, predizer seus efeitos, eleger a melhor solução, verificá-la e

avaliá-la.

Segundo Zabala e Arnau (2010), as competências, por sua própria definição,

implica uma intervenção diferenciada do modelo de ensino herdado, na qual os

estudantes ficam cheios de conhecimentos adquiridos por pura e simples repetição,

mas se mostram incapazes de aplicar esses conhecimentos na interpretação de

situações reais ou em múltiplos contextos complexos e situações diversas. A

aprendizagem das competências está, assim, diretamente relacionada ás condições que

devem ocorrer para que as aprendizagens sejam significativas e eficazes. Uma

abordagem por competências pressupõe que o sujeito é o construtor dos seus próprios

saberes, numa interação afetiva que possibilita o aprender a aprender.

Nesse sentido, a aprendizagem compreensiva é mais exigente tanto do ponto

de vista do estudante quanto pelas condições de ensino do que aprender repetindo que

implica unicamente apresentar adequadamente a informação e cobrar a repetição por

parte dos discentes. Isso implica considerar que o conhecimento se faz de maneira

ativa a partir da atividade mental e do conflito cognitivo por parte do aprendente e

requer dos estudantes uma atividade cognitiva mais complexa dentre elas, não só

relacionar o novo ao já conhecido e traduzir isso em suas próprias palavras como

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1628ISSN 2177-336X

buscar a relação entre as partes que compõem uma informação e aplicá-las em outros

contextos.

Para tanto, uma condição essencial para favorecer a aprendizagem

significativa é considerar os esquemas de conhecimento e conhecimentos prévios dos

aprendentes, promovendo uma vinculação profunda entre os novos conhecimentos e

os conhecimentos anteriores, ajustando a intervenção pedagógica para o avanço da

aprendizagem (ZABALA E ARNAU, 2010). A tarefa dos docentes consiste em

planejar atividades que ajudem os estudantes a ativarem seus esquemas prévios o que

permite que organizem as suas ideias, retenham novos conhecimentos mais tempo na

memória e os recordem de forma interpretativa e não apenas memorística. Uma

estratégia de ensino será mais eficaz quanto mais conseguir assegurar que os

estudantes disponham de conhecimentos que possam relacionar com novas

informações ou conceitos estudados e possibilitar atividades que tornem explícitas as

relações entre os temas estudados, as matérias ou áreas diversas. (POZO, 2009).

Além disso, compreende situações educativas que favoreçam a construção de

uma disposição para a aprendizagem e motivação para tanto, atribuindo sentido ao

que se aprende, a construção de uma boa autoestima e autoconceito que tem como

consequência uma alta expectativa de aprendizagem e por fim, desenvolver a

capacidade de tomar consciência do seu próprio processo de aprendizagem regulando

a própria aprendizagem. Também demanda dos professores a utilização de outros

enfoques didáticos e metodológicos que favoreçam a construção da autonomia e

ajudem os estudantes a adotarem novas estratégias em sua aprendizagem mais

dirigidas á compreensão e à solução de problemas.

Assim considerando, analisaremos como os professores concebem o ensino de

competências cognitivas, tanto na importância atribuídas a elas quanto às

possibilidades de desenvolvê-las na prática.

Discussão dos resultados

As respostas às questões fechadas possibilitou a categorização dos dados em

duas dimensões: a primeira, voltada para as condições de aprendizagem das

competências e uma segunda voltada para os resultados, isto é, para o tipo de

competências que se pretende favorecer. Na análise da resposta aberta, discutimos

como os docentes justificavam possíveis discrepâncias entre concepção e

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concretização do ensino de competências. Esses resultados dados serão apresentados a

seguir.

I- Dimensão centrada no processo – condições para a aprendizagem

de competências

a) Papel ativo e protagonista do estudante

A análise dos dados que se referem ao estímulo á explicitação de dúvidas,

discordâncias e outras contribuições, por parte dos estudantes ao longo da aula,

demonstra que 97,9% consideram essa questão como bastante relevante para sua

atuação como professor universitário. Com respeito à concretização na prática de uma

postura de acolhimento às participações dos estudantes, 96,7% dos professores dizem

que a buscam realizar. A discrepância entre concepção e atuação também é baixa,

1,2% o que demonstra que essa é uma postura recorrente da maioria dos professores

e, de todas as questões, a que apresentou menor discrepância entre concepção e

prática o que releva que a relevância atribuída à questão é acompanhada de uma

prática que busca estimular aos estudantes uma participação ativa no decorrer do

curso.

Percebemos, portanto, que a maioria dos professores parecem ter construído

uma concepção de aprendizagem na qual valoriza o papel ativo do estudante,

deslocando o foco do professor para o estudante, agora protagonista de sua

aprendizagem. Tal compreensão do processo de aprendizagem demonstra um avanço

na prática pedagógica universitária.

b) Disposição para a aprendizagem e atribuição de sentido ao que se aprende

Em relação ás situações didáticas para buscar o envolvimento efetivo do

estudante os resultados demonstram que, 97,5% dos participantes consideram bastante

relevante buscar maneiras de envolver os estudantes na aula e nas atividades

desenvolvidas na disciplinas/componentes curriculares. Com respeito á possibilidade

de concretização, 94,6% dos professores afirma realizar tais situações. A discrepância

entre os que consideram relevante a busca do envolvimento dos estudantes e os que

procuram concretamente, na sua prática, buscar esse envolvimento foi de 2,9%.

Os dados demonstram, portanto, que os professores dedicam especial atenção

à busca da participação dos estudantes em suas disciplinas e que têm procurado

formas as mais diversas para que seus alunos possam ser atuantes na sala de aula, no

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entanto não sabemos até que ponto essas práticas tem sido efetivas para a mudança de

atitude dos estudantes, o que pode demonstrar uma discrepância entre o que propõe o

professor e as construções e aprendizagens realizadas pelos estudantes.

c) Metodologia ativa e diversificada

Em relação à adoção de metodologias variadas ao longo da disciplina

considerando a diversidade de formas de aprender dos estudantes, 96% dos

professores consideram um aspecto relevante da atuação docente. Desses, 90,5%,

buscam realizá-las na prática. Desse modo, a discrepância entre importância relevante

e prática frequente é de 5,6%. Apesar disso, observamos que 07 (sete) docentes

atribuem importância pouca ou nenhuma à questão e 20 raramente ou nunca a

colocam em prática.

É possível concluir, portanto, que os professores, em sua maioria, consideram

a importância da diversificação das metodologias e leva em conta que os sujeitos

aprendem de formas diferentes, o que demonstra mudanças significativas em relação

ao modelo tradicional que baseia a prática pedagógica na aula expositiva. Entretanto,

não sabemos até que ponto tais situações são eficazes, de fato, para o ensino de

competências. Percebemos, ainda, que alguns professores parecem ainda manter

como suporte de sua prática uma única forma de ensinar, o que contraria os princípios

de desenvolvimento de competências que requer uma multiplicidade de

procedimentos de natureza ativa e que envolva pesquisa e criatividade.

d) Esquemas de conhecimento e conhecimentos prévios

Foi observado que, dos 275 participantes da pesquisa, 90,9% dos professores

investigados que entendem que partir dos conhecimentos prévios dos estudantes para

ensinar novos assuntos é uma questão relevante para o processo de ensino, sendo que

86,5% deles dizem assim o fazer. A discrepância entre os que consideram relevante

tal questão e os que dizem concretizar, na sua prática, sempre ou frequentemente foi

de 4,4%. Foi possível observar que 17 (6,2%) docentes consideram pouco ou nada

importante levar em consideração os conhecimentos prévios e 36 (13%) deles nunca

ou raramente consideram os conhecimentos prévios para introduzir conteúdos novos.

Observa-se, portanto, que a grande maioria dos professores considera

relevante partir do que os alunos já sabem antes de introduzir um assunto novo e

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também dizem conseguir aplicar tal principio em sua prática educativa. Apesar da

frequência alta, é a que tem a menos pontuação no nível de importância dada.

Além disso, percebe-se que, uma parte dos professores investigados não

considera tal questão importante nem buscam efetivar essa condição no seu ensino o

que nos leva a acreditar que ainda apresentam uma prática respaldada numa

concepção na qual o sujeito apenas recebe as informações transmitidas pelos

docentes, em que o conhecimento dos alunos não é importante para o processo de

ensino-aprendizagem. Considerando a importância de tal aspecto para a aprendizagem

significativa é possível detectar um nível de resistência às ações educativas que

interferem diretamente no desenvolvimento das competências e de uma aprendizagem

significativa.

II. Dimensão centrada nos resultados – desenvolvimento de

competências cognitivas

a) Desenvolvimento das competências críticas – pensamento crítico

Quanto ao incentivo e orientação para que o estudante desenvolva atitude

investigativa e crítica, 97,1% dos professores a consideram relevante, sendo que 92%

dizem que a realizam com periodicidade constante. A discrepância entre a

importância dada como relevante e a concretização constante é de 5,1%.

Desse modo, podemos perceber a importância dada aos professores

investigados á abordagem crítica, apesar de alguns afirmarem que tal questão não faz

parte de sua prática docente. De qualquer modo, também podemos perceber uma

pequena discrepância entre concepção e prática.

b) Desenvolvimento das competências compreensivas – pensamento

compreensivo

Os dados demonstram que 97,4% dos docentes investigados consideram muito

relevante a implementação de situações didáticas que possibilitem aos estudantes

comparar, analisar, sintetizar, sequenciar e indagar o conhecimento. Desses, 90,1%

docentes avaliam que promovem, em suas aulas, o pensamento compreensivo. A

discrepância entre a importância dada como relevante e a concretização frequente é de

7,3%. Os resultados parecem indicar que a maioria dos professores tanto acham

importante como afirmam colocar em prática situações didáticas para que essas

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competências sejam desenvolvidas, apesar de certo nível de discrepância entre

concepção e concretização.

Esse resultado torna-se um tanto contraditório com as dificuldades

apresentadas pelos estudantes para realizar tais tarefas, tanto quanto na leitura e

escrita de textos quanto á análise de situações complexas do campo de atuação

profissional ou carecem de uma estratégia quando se lhe propõe que analisem algum

dado científico (MONEREO E POZO; SANS DE ACEDO LIZARRAGA, 2010).

c) Desenvolvimento das competências para tomar decisões e solucionar

problemas – pensamento complexo

Com respeito ao desenvolvimento da competência de tomar decisões, os dados

demonstram que 96,4% dos professores consideram o desenvolvimento de

metodologias que suscitem, dos estudantes a tomada de decisões, justificando suas

escolhas, como uma questão muito importante. Desses, 84,7% professores a

concretizam sempre ou frequentemente. A discrepância entre a importância dada

como relevante e a concretização com frequência é de 11,7%.

Esses resultados mostram que um número bastante significativo dos docentes

pesquisados parece reconhecer a fragilidade do ensino sem desafios cognitivos para o

estudante. A maior parte deles acredita provocar nos estudantes o desenvolvimento de

competências para o pensamento complexo contrariando desta maneira a tendência

frequente do ensino universitário em privilegiar as aulas expositivas para simples

transferência do conteúdo.

No entanto, é possível que a pouca intimidade com a nova realidade que se

insurge no ensino superior e a falta de um conhecimento mais direcionado às

possibilidades didático-pedagógicas para ensinar tais capacidades, seja a causa de

professores que, mesmo acreditando ser importante o desenvolvimento de tais

competências, não realizarem procedimentos que ajudem os estudantes a obtê-las.

d) Desenvolvimento das competências para estabelecer relações e gerir

informações de fontes diversas – pensamento globalizador

Em relação a capacidade de estabelecer relações e gerenciar informações

variadas, foi possível observar que, 99% dos professores investigados consideram a

proposição de desafios que estimulem os estudantes a buscarem conhecimentos de

áreas diversas como uma questão muito relevante. Entretanto, com relação à

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possibilidade de concretização na prática, a frequência cai para 79,5%. A discrepância

entre importância dada e concretização é maior do que nas questões anteriores ficando

em 18,6%. Dos professores, apenas 05 (cinco) (2,9) dão pouca ou nenhuma relevância

à questão enquanto 55 (20%) pouco ou nunca a realizam.

Portanto, muitos professores parecem ainda não considerar que é possível

trabalhar os conteúdos de maneira mais globalizante, seja por questões estruturais

mais amplas ou por perceberem os conteúdos de modo mais fechado e segmentado.

Essa perspectiva dificulta uma formação profissional mais abrangente tendo em vista

que no contexto atual de produção e disseminação acelerada de informações os

conteúdos devem ser apropriados de modo a tornarem-se instrumentos de reflexão

sobre a realidade e sobre os problemas com os quais os estudantes se deparam na sua

formação e na atuação futura.

III – Justificativas das discrepâncias entre concepção e prática

A análise das justificativas dos participantes sobre possíveis discrepâncias

entre graus de valorização e de concretização, apareceu em 3 dimensões: a) Na

dimensão institucional, os docentes levantam como fatores que dificultam a

concretização a estrutura organizacional e curricular fechada destacando o currículo

engessado e as condições de trabalho, dentre elas a gestão do tempo e as

multiplicidade de tarefas, b) Na dimensão relacional, levantam a dificuldade de

trabalho coletivo com os pares e a falta de discussão sobre processo de ensino

aprendizagem nos espaços de trabalho e levantam também uma percepção sobre o

estudante das dificuldades que comprometem os processos de ensino e aprendizagem

como imaturidade, poucas competências a priori e a valorização do ensino

transmissivo; c) Na dimensão pessoal, levantam lacunas na formação pelo

desconhecimento das técnicas e instrumentos das formas de ensino e falta de preparo.

Percebem carência na formação e relatam a ausência de formação específica.

Diante das respostas abertas podemos perceber que os docentes universitários

entendem que a sua prática está, em certa medida, dependente das condições

contextuais em que é exercida, o que revela que “as necessidades de formação são as

que o professor... se atribui na interacção que estabelece consigo, com o seu contexto

de trabalho...desenvolvendo um papel de participante e de colaborador”

(RODRIGUES,2006, P. 108). Entretanto, também levantam como condições que

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dificultam o trabalho docente questões relacionais tanto no que se refere às situações

de interação entre seus pares quanto relacionados ás interações com os estudantes.

Nesse caso, parecem apresentar mais as faltas dos estudantes do que uma análise mais

reflexiva de como melhorar tais interações para um melhor desenvolvimento do

trabalho educativo. Porém, demonstram perceber lacunas na sua formação o que

remete a avanços na reflexão dos professores sobre seu papel como docente,

considerando que a percepção da falta já indica um caminho para a mudança

(RODRIGUES, 2006).

Considerações finais

Analisando os resultados é possível perceber a alta incidência de respostas

positivas para as questões relacionadas ás competências cognitivas, tanto no que se

refere às concepções (importância dada) quanto às concretizações dos aspectos

investigados na sua prática docente. Assim, a maioria dos professores afirma achar

importante como também colocar em prática, situações didáticas para que essas

competências sejam desenvolvidas.

Esse resultado, por um lado, demonstra um avanço nas concepções de

aprendizagem apresentada e pode ser explicado, em parte, pelo fato de que grande

parte dos participantes da pesquisa serem professores que já demonstram, pela própria

disponibilidade em participar da pesquisa, estar engajados nos processos de reflexão

da sua prática pedagógica. Por outro lado, torna-se um tanto contraditório, quando

consideramos as dificuldades apresentadas pelos estudantes para realizar atividades

que demandem pensamento complexo e das queixas constantes, da maioria dos

professores, das dificuldades enfrentadas.

Os professores demonstram dar importância à construção das competências

cognitivas por parte dos estudantes, mas podem não compreender de forma

abrangente como o desenvolvimento de competências afeta a formação do

profissional ou tem limitações para propor situações didáticas adequadas para a

construção dessas competências. Na questão aberta, vários professores apontam para

essa lacuna na própria formação, declarando: “falta mais conhecimento, falta

estruturar com mais embasamento teórico essa prática”; “as maiores fragilidades são

encontradas no desenvolvimento e aplicação de metodologias, considerando as

lacunas na formação”; “há falta de maior preparo e formação nos aspectos

pedagógicos sobre o qual não tenho formação específica”.

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1635ISSN 2177-336X

Os dados demonstram, ainda, que os professores percebem o papel do aluno

como protagonista no processo de ensino-aprendizagem e preocupam-se em

incentivar a participação e mudar a postura dos estudantes, como argumentam: “ás

vezes, o próprio aluno está tão acostumado com uma educação bancária, que leva-se

um tempo para que ele mesmo compreenda o seu papel ativo no processo de ensino-

aprendizagem, tendo em vista ser mais autônomo, investigativo, questionador”. Desse

modo, os resultados demonstram avanços nas concepções e práticas, mas também

revelam que os professores de ensino superior precisam ampliar seus conhecimentos

teórico-metodológicos para enfrentar os desafios atuais do ensino universitário.

Zabalza (2004) alerta que o desafio atual do docente universitário é conseguir

estabelecer-se como mediador das aprendizagens dos estudantes. A atitude

mediadora, precisa ser compreendida e desenvolvida como um trabalho intelectual em

que se articulam teoria e prática numa perspectiva transformadora tanto dos sujeitos

quanto da sociedade, aprendendo a conviver mais intensamente com os interesses e

pensamentos dos estudantes, cada vez mais diversificados. Com argumentado por

Pozo (2009), essas práticas já existem na universidade, mas como exceção e não

como um projeto geral. O desafio é torná-las uma cultura educativa.

Referências

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Augusto Pinheiro, Lisboa: Edições 70, 1977.

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RODRIGUES, Ma Ângela P. Análise de práticas e de necessidades de

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SANZ DE ACEDO LIZARRAGA, Maria Luisa. Competencias cognitivas en

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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1636ISSN 2177-336X

ZABALA, Antoni; ARNAU, Laia. Como aprender e ensinar competências.

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ZABALZA, Miguel A. O ensino universitário: seu cenário e seus

protagonistas. Tradução Ernani Rosa. Porto Alegre: ARTMED, 2004.

PROFESSORES INICIANTES EM PROCESSO DE CONSTRUÇÃO NA

DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA: A FORMAÇÃO EM CONTEXTO

Vera Lúcia Reis da Silva

Universidade Federal do Amazonas - UFAM

Resumo

Este trabalho é um recorte do resultado de pesquisa de doutorado que teve como foco

principal professores iniciantes na docência universitária. O objetivo maior foi

compreender o processo de construção docente de professores iniciantes que foram

inseridos no contexto da expansão e interiorização de uma universidade pública no

Sul do Amazonas. Através de narrativas, quatro professores de diferentes áreas do

conhecimento foram ouvidos como sujeitos da pesquisa. Na perspectiva para essa

compreensão, este texto baseou-se em algumas questões norteadoras advindas dos

objetivos específicos do estudo, em especial as relacionadas aos percursos de

formação; estímulos para a escolha profissional; influências da condição de

estudantes a partir das aprendizagens com ex-professores; o impacto da formação

acadêmica para a docência, bem como, o valor atribuído à didática e a autoanálise de

suas práticas. A pesquisa trilhou caminhos da abordagem qualitativa e os dados

analisados à luz da análise de conteúdo, foram distribuídos em dois dos três eixos

basilares: Trajetória pré-docência e exercício da docência. O dinamismo, a reflexão

sobre as práticas e o compromisso com a própria formação estiveram presentes nas

narrativas dos docentes, evidenciando que seu processo de construção se alicerça,

principalmente, nos modelos e nos contramodelos trazidos das suas trajetórias

acadêmicas. Trata-se de um saber cultural que parece responder aos desafios que

enfrentam, mas sem uma base teórica que fortaleça a necessária profissionalidade. A

fragilidade da formação para a docência, a insipiência de acompanhamento

institucional nos aspectos didático-pedagógicos no ambiente acadêmico retarda e

afeta a construção docente, que se situa mais numa responsabilidade individual, do

que como parte das políticas públicas que sustentam a educação superior pública no

país.

Palavras-chave: Formação. Práticas de professores iniciantes. Didática universitária.

Introdução

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Professores iniciantes, objeto central desta pesquisa, são assim considerados

por serem profissionais em início de carreira, que fazem parte do corpo docente de

uma instituição de Ensino Superior sem ter experiências na docência universitária.

Sendo assim, um olhar mais aproximado fez-se necessário para situar os professores

iniciantes em contextos específicos no exercício da profissão.

A pesquisa assumiu uma abordagem qualitativa, uma vez que buscou respeitar

os aspectos subjetivos concernentes ao objeto de estudo. Nesta abordagem, os

procedimentos de coleta de dados revelam uma postura teórica, valores e visão de

mundo do pesquisador. Incluem o reconhecimento, por parte deste, das marcas da

subjetividade na pesquisa. A coleta qualitativa de dados não é neutra e nem considera

os fatos rígidos, ou imutáveis, portanto não podem ser medidos, conhecidos e

analisados na forma de generalizações. (ANDRÉ, 2008).

A busca de dados, a partir da realidade empírica, visando encontrar possíveis

respostas aos questionamentos feitos, trilhou caminhos da entrevista de cunho

narrativo. Procurou-se dar voz e ouvir com mais intensidade o que tem emergido dos

movimentos e das experiências em relação à formação e práticas de professores no

percurso até então realizado pelos sujeitos da pesquisa que, pelo critério de

eliminação, somaram-se em quatro professores de áreas distintas do conhecimento.

Esse número viabilizou o uso da narrativa para a coleta dos dados.

A narrativa possibilita movimentos em que o autor do relato faz uma imersão

em si, olha para si e, nessa dinâmica, produz conhecimentos sobre si. E, como

menciona Josso (2010, p. 189), “esse olhar retrospectivo e prospectivo estimula a

reflexão sobre a responsabilidade do sujeito sobre seu vir a ser e sobre as

significações que ele cria”.

Os dados foram analisados à luz do referencial teórico que apoiou a pesquisa,

e interpretados mediante a Análise de Conteúdo, pois, no âmbito de uma abordagem

metodológica que reconhece o papel ativo do sujeito na produção do conhecimento,

este procedimento se assenta nos pressupostos de uma concepção crítica e dinâmica

da linguagem. “[...] através da análise de conteúdo, podemos caminhar na descoberta

do que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está

sendo comunicado”. (GOMES, 2009, p. 84).

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Professores Iniciantes e a Docência Universitária

A literatura brasileira, na área da Educação, tem trazido importantes

contribuições sobre a docência em seus vários aspectos, sobretudo, nos níveis da

Educação Básica. Contudo, as pesquisas sobre a iniciação à docência, especificamente

no Ensino Superior, são recentes, haja vista que, com a inserção de novos professores

no contexto da expansão das universidades públicas, somente nos últimos anos é que

pesquisadores e estudiosos trouxeram a temática como objeto de seus estudos.

A condição dos novos professores que se inserem nesse contexto da

democratização de acesso ao Ensino Superior é passível de investimentos em questões

como, por exemplo, a formação pedagógica que emerge da necessidade básica do

ensinar e do aprender.

Diante desta realidade, em que se presencia, na docência universitária,

acentuada entrada de jovens recém-saídos de cursos de pós-graduação, é que a

inserção profissional, muitas vezes, é marcada por um movimento de transição onde

eles passam em curto espaço de tempo da condição de discentes a docentes.

As questões que envolvem a inserção à docência instigam a análise do fenômeno

da Educação Superior na contemporaneidade, principalmente quando se analisa o caso

dos jovens que acorrem à carreira docente na expectativa de encontrar um espaço de

profissionalização. (CUNHA, 2013).

Pesquisas já confirmam que um novo perfil de professores está se inserindo

nas universidades públicas. Diante das evidências, não se pode ignorar a presença de

jovens professores no exercício da docência universitária. Pode-se dizer que esses

professores trazem consigo apenas a experiência de estudante universitário ou como

estudante de Mestrado ou Doutorado e, nessa condição, se inserem na docência.

Cunha (2012, p. 205) ajuda nessa compreensão, afirmando:

Quando se incorporam à Educação Superior, nesses tempos de

interiorização e massificação, descobrem que deles se exige que tenham

uma gama maior de saberes, em especial para o exercício da docência para

o qual, na maioria das vezes, eles não têm a menor qualificação. [...] terão

que dominar o conhecimento disciplinar nas suas relações horizontais, em

diálogos com outros campos que se articulam curricularmente. Precisarão

ler o contexto cultural de seus estudantes, muitos deles com lacunas na

preparação cientifica desejada [...].

Isto significa que há necessidade de mobilização no espaço de trabalho e

articulação com seus pares no sentido de apoio para a superação, num primeiro

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momento, de dificuldades e desafios que se lhes apresentam no início da docência.

Para Day (2001, p. 102), "os seus 'inícios' serão fáceis ou difíceis, em função de sua

capacidade de lidar com a organização e com os problemas de gestão da sala de aula,

com o conhecimento pedagógico e do currículo”.

Neste sentido, o professor iniciante está vulnerável a agir por um insight,

diante de uma situação que emerge no cotidiano da docência. A formação específica,

por si só, não dá condições de reverter na prática questões mais complexas

relacionadas ao ensinar e ao aprender, para as quais, muitas vezes, se apela para a

improvisação de ações não refletidas.

Diante dessas evidências, a inserção de um iniciante na docência nem sempre é

marcada por uma trajetória inicial de segurança naquilo que se faz em relação à prática

docente. Embora os anos vivenciados como estudantes tenham produzido experiências

acadêmicas, o ser professor exige conhecimentos e saberes para dar conta das demandas

da docência universitária.

Mesmo que a LDB 9.394/96 enfatize que uma das incumbências dos docentes

é a participação em atividades de desenvolvimento profissional, cabe à instituição,

imbuída de sua responsabilidade social, contribuir para o desenvolvimento de seus

docentes, transformando, como no dizer de Cunha (2010), seus espaços em lugares de

formação.

A incompletude do professor como pessoa e profissional requer contínua

aprendizagem da docência, direcionando-a para a melhoria de qualidade que se espera

do ensino neste contexto de mudanças e transformações que estamos vivenciando.

Além disso, nesta fase inicial de carreira, o professor passa pelo processo de

mudanças de ambiente e de contexto sociocultural, o que implica na

significação/ressignificação de práticas do novo profissional.

Práticas de professores

A prática docente e a prática pedagógica merecem ser pontuadas como

constitutivas da docência. Este estudo defende, apesar do caráter intrínseco, a

diferença entre prática docente e prática pedagógica, por compreender a primeira

como o eu profissional, ou seja, as ações, as relações, o agir, o fazer do professor na

sua profissionalidade. É a docência em movimento, é um processo contínuo de ser e

estar na profissão. A segunda, por estar relacionada com o processo mais específico

do ensinar e do aprender e, por isto, constitui-se como um espaço dinâmico entre

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teoria e prática. Por sua dimensão social, seu caráter de intencionalidade, é mais

ampla, mais complexa. É uma construção contínua, marcada de subjetividades e

singularidades do professor. A prática pedagógica é a concretização da prática

docente.

A prática docente como o eu profissional, para Portal (2012, p. 110),

[...] compreende as relações do professor consigo mesmo e com os outros

significativos do campo profissional. Constrói-se na dinâmica relação entre

os professores com o indivíduo e com o grupo, num complexo subjetivo

(mundo interior, individual e coletivo, consciente e inconsciente) com

necessidades vivas e organizadoras.

A autora, ao se referir sobre a prática pedagógica, menciona sua dimensão

pessoal em que cada professor confere sua atividade docente “[...] o que inclui sua

história de vida – familiar, escolar, profissional – sua visão de mundo e de homem,

seus valores, seus saberes e, principalmente, o que significa para ele Ser professor”.

(PORTAL, 2012, p. 110 grifo da autora).

A prática por si só não conduz a um caminho necessariamente promissor,

principalmente, quando usada na dimensão prático-utilitarista, na tentativa de resolver

questões ou necessidades imediatas. Sendo assim, a prática no sentido de agir,

realizar, fazer, toma outra direção no cotidiano da docência, exigindo uma maneira

consciente, onde haja compromisso com as mudanças e com a transformação social.

A prática pedagógica, para Veiga (1992, p. 16), “[...] é uma prática social

orientada por objetivos, finalidades, conhecimentos, e inserida no contexto da prática

social”. Então, como prática social, dinamizada por intencionalidades, ela trilha na

contramão da fragmentação e da reprodução do conhecimento.

Neste sentido, na docência universitária não se pode perder de vista o cenário

das mudanças sociais e culturais que se apresentam como questões que priorizam a

participação ativa dos estudantes no processo de ensinar e aprender. Nesta

dinamicidade, professores e estudantes são sujeitos construtores e produtores de

conhecimentos.

Diante do cenário de mudanças na contemporaneidade, em que o

conhecimento tem alcançado significativo valor, sempre em constante transformação,

as incertezas, o inesperado, o ilusório da verdade absoluta são características do nosso

tempo e apontam para múltiplas direções para a educação. E, neste contexto, cabe ao

professor buscar possibilidades de significar/ressignificar suas práticas.

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A maneira como fomos ensinados parece não responder mais as expectativas

que se esperam de uma aula, pois os resquícios de um ensino repetitivo, fragmentado

decorrentes de um processo histórico não muito distante de nossos dias, ainda,

persistem e acompanham a trajetória docente.

No contexto atual, o professor não mais representa o tradicional transmissor de

informações e conhecimentos, ação quase impensável, mas assume uma nova

profissionalidade, sendo ponte entre o conhecimento sistematizado, os saberes da

prática social e a cultura dos estudantes. Entretanto, é preciso compreender que, em

que pese a urgência da configuração da prática pedagógica com o evidente

esgotamento da alternativa tradicional, as necessárias rupturas são processos

complexos que necessitam de compromisso e de reorganização de saberes e

conhecimentos do professor. (CUNHA, 2007).

A prática consciente e reflexiva pode identificar caminhos superadores das

limitações cotidianas e na dinamicidade da docência, onde a articulação entre teoria e

prática é estruturante para a superação da visão instrumentalista e ingênua da prática

docente. Carvalho (2006, p. 14), reforça a ideia de que,

Como uma dimensão da prática social mais ampla, a prática pedagógica

reflexiva caracteriza-se sobremaneira, pelo trabalho coletivo entre sujeitos

curiosos, inquietos e insatisfeitos com os resultados do seu próprio

trabalho [...]. A prática pedagógica reflexiva caracteriza-se, enfim, pelo seu

caráter emancipatório e como fonte geradora de novos conhecimentos e/ou

novas teorias.

Com seu caráter de intencionalidade e grau de consciência, o processo de

rompimento com práticas repetitivas, que fragmentam e que isolam o conhecimento, é

necessário. E na perspectiva, da prática pedagógica encontrar espaço para reflexão, o

professor tem possibilidade de internalizar a responsabilidade social como parte de

sua prática. Por certo, caminhos se abrem para outras maneiras de se fazer e de ser

professor.

Reforça-se que teoria e prática não se concretizam uma sem a outra. Tanto a

teoria quanto a prática, na forma de indissolúvel unidade, asseguram ao professor

capacidade de enfrentamento diante das incertezas na construção do novo. E no

contexto da docência universitária, põe-se em relevo a importância da criatividade na

solução de novas situações vivenciadas. “É por essa exigência de criação na resolução

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das questões da prática que uma lógica de previsibilidade positivista não é suficiente

na ação docente”. (PIMENTA; ANASTASIOU, 2010, p. 114).

Essa condição assegura afirmar a importância da valorização da formação

contínua do professor para a construção de novos conhecimentos e novos saberes que

qualifiquem a didática na docência universitária.

Os dados no entrelaçamento das narrativas

Os dados baseados nas questões norteadoras advindas dos objetivos

específicos da pesquisa foram organizados em três eixos que abarcaram dimensões de

análises. Porém, este trabalho centrou-se em dois deles e em algumas de suas

dimensões. Eixo 1: Trajetória pré-docência universitária. Dimensões: a) percurso de

formação; b) estímulo para a docência; c) aprendizagem para a docência com ex-

professores. Eixo 2: Exercício da docência. Dimensões: a) análise pessoal das práticas

pedagógicas; b) o valor da didática para as práticas dos professores.

Levando em consideração a formação acadêmica dos sujeitos que

protagonizaram a pesquisa, os mesmos foram nomeados de Arquimedes, Euclides,

Lavoisier e Montessori, personalidades que se imortalizaram por suas importantes

contribuições para a humanidade através de suas descobertas científicas.

O estudo em si, não teve a pretensão de fazer comparações entre os

professores, mas não se pôde fugir de algumas semelhanças como, por exemplo, o

percurso de formação de Arquimedes e Euclides, em que os dois enfatizaram a

facilidade em lidar com números na área da Matemática e, desde muito cedo, na

condição de estudantes do Ensino Médio, já eram procurados para tirar dúvidas e dar

aulas particulares para pessoas conhecidas e vizinhos.

A experiência vivenciada por Lavoisier está relacionada com os Estágios

Curriculares realizados na Licenciatura e no Bacharelado. O estágio na indústria foi

exemplo negativo em funções de atividades repetitivas e cansativas, diferenciando-se

do estágio na escola, em que a dinamicidade da docência fez diferença para Lavoisier

optar ser professor.

“Eu tive, na época do bacharelado, um estágio na indústria como

químico e me interessei muito pouco pelo trabalho, que é extremamente,

repetitivo, faz o dia todo, a mesma coisa. É cansativo, porque você vive

pra trabalhar em vez de trabalhar pra viver. E tive uma experiência muito

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boa no estágio na licenciatura, que foi num colégio onde a supervisora

era uma professora super simpática e me ajudava nas minhas aulas.

Então, tive uma boa base para ser professor e isso me incentivou pra

continuar na docência. O tanto que hoje eu acho que o estágio é a parte

mais importante na graduação do licenciado, porque ele tem condições

de saber o que é dar aula, de saber o que é docência.” (Professor

Lavoisier)

Ficou evidenciado que o percurso formativo para a docência de Montessori

teve seu início na infância, tempo em que acompanhava a mãe-professora para a

escola. Nesta fase de vida, foi despertado o desejo de seguir a sua profissão. Apesar

de sua formação híbrida e de ter transitado por vários espaços profissionais, hoje não

se vê fazendo outra coisa senão a docência.

Cada um desses professores em tempo específico de vida vivenciaram

experiências em que o ato de ensinar ou de aprender em espaços diferenciados os

direcionaram para a docência, para ser professor. Isto denota que a trajetória de uma

pessoa é demarcada de significados que ao longo da caminhada podem ser

ressignificados influenciando em algo que para muitos é um dilema, a escolha da

carreira profissional.

Das aprendizagens com os ex-professores foram mencionados modelos e

contramodelos. Arquimedes evidenciou a paixão com que um de seus professores

exercia a profissão. Atitude cativante evidenciada como característica de um bom

profissional. Com este professor, aprendeu que o profissional é quem faz a profissão.

“É um professor que a gente vê que faz o trabalho com paixão e muito

bem feito. Praticamente todas as turmas escolhiam ele e o homenageavam

na formatura, porque ele passa pra gente essa paixão por desenvolver um

trabalho bem feito, bem organizado. Aprendi com ele que a gente pode

estar em qualquer emprego, ganhando muito ou ganhando pouco, mas se

você não faz aquilo com paixão, você se torna um péssimo profissional e

eu percebi, como professor, que eu posso ser um bom profissional.”

(professor Arquimedes)

Euclides reconheceu que fez uma salada de seus professores. Procurou extrair

o melhor de cada um. O domínio dos conteúdos; o comportamento profissional; a

maneira de explicar; ou até como sair de uma situação embaraçosa em sala de aula

foram importantes aprendizagens. Mas, não omitiu que trouxe na bagagem a vingança

herdada da atitude de alguns deles. Agia, assim, se os alunos não comparecessem em

sua aula. Atitude que ficou para trás ao reconhecer uma prática não proveitosa.

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“Logo que eu cheguei aqui, se o aluno não viesse pra minha aula, a minha

postura era: Ah! Vocês não querem vir pra minha aula, vocês vão se ferrar

porque eu vou fazer uma prova. Eu tinha um pouco de ser vingativo, como

professor, quando eu cheguei aqui. Hoje em dia, já não tenho essa postura. Eu

procuro fazer o meu papel [...]. Então, independente se o aluno vai aprender ou

não, eu procuro tentar fazer com que ele construa o conhecimento e tento

trabalhar sempre fazendo o meu papel; se ele não está fazendo o dele, aí já é

outra história. Às vezes eu vou para uma turma que não quer nada com nada e a

gente sai triste, eu chego a reclamar, dou orientação pra esse pessoal, mas não

me vingo. Isso pra mim já não existe mais. Eu via muito isso de meus

professores na graduação, coisas desse tipo, que eu deixei pra trás que eu via

que não era proveitoso.” (Professor Euclides)

Lavoisier volta o olhar para a prática pedagógica, para suas metodologias.

Coloca-se na posição de seus alunos ao lembrar-se de suas dificuldades na Graduação,

procurando não repetir os erros observados em alguns de seus ex-professores.

Montessori lembra um professor que não limitava sua prática pedagógica por falta de

recursos didáticos tecnológicos na época de Graduação. Com ele aprendeu que na

docência não existem somente saberes técnicos. Aprendeu com a prática pedagógica

desse professor que os seminários não são as únicas formas de avaliar na

universidade.

Ficou evidenciado que a prática pedagógica de um professor fala por si. Os

professores se constroem, também, baseando-se na prática de seus ex-professores, não

só com os modelos, mas com contramodelos. Das práticas destes emergem

aprendizagens, quer sejam positivas ou negativas. Mas, os protagonistas tendem a

abandonar os contramodelos à medida que ganham maturidade profissional.

A forma como os temas da Psicologia da Educação eram trabalhados

despertou, principalmente, em Euclides, o interesse de conhecer mais sobre o aluno

como ser humano. Contudo, evidenciou a não contribuição da Didática Geral para sua

formação. A forma como os temas eram tratados, a ausência de ética profissional, o

despreparo teórico e prático do professor sufocaram suas expectativas em relação a

este componente curricular. Por sua vez, Lavoisier evidenciou temer em cair nos

mesmos erros de seus ex-professores: ensinar sem os alunos aprenderem. Evidenciou

que a experiência docente vivenciada no Ensino Médio deu suporte para a docência

universitária.

O conteúdo e a forma desenvolvidos na aula universitária e visualizados em

vários ângulos pelos então estudantes na graduação, deixou marcas e imprimiu

significado na vida acadêmica. A maneira de ensinar revelou maneiras de ser de seus

professores. Por certo, nossos protagonistas se encontram em situação semelhante. A

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maneira de ensinar revela aos seus alunos a maneira de ser de cada um deles, ou os

identifica como pessoa e como profissional.

O pré-conceito e o ceticismo em relação à Didática foram superados por

Arquimedes, ao reconhecer sua importância para a prática pedagógica de professores

universitários. Este vê, na Didática, caminhos para a aprendizagem dos estudantes.

Por sua vez, Euclides relaciona a Didática ao saber fazer o saber de sua área de

formação e evidenciou o saber ser em referência ao professor pessoa/profissional

cidadão. Lavoisier relaciona a Didática com a forma do ensinar e do aprender. Teve

como parâmetro inicial de sua didática a avaliação realizada pelos estudantes sobre

sua prática pedagógica desenvolvida nas aulas semestrais. Montessori faz relação da

Didática com a formação dos estudantes, com a forma diferenciada dos professores

desenvolverem suas práticas pedagógicas e com o nível de desenvolvimento dos

estudantes.

Ficou explícito o valor atribuído à Didática e o reconhecimento para a prática

do ensinar e do aprender, mas explícita, também, a falta de acompanhamento

formativo que qualifiquem os processos didático-pedagógicos nas práticas dos

professores.

“Eu penso que ainda falta muito [...]. A Universidade peca muito neste sentido,

falta de formação. Nós, professores dos cursos de licenciatura, falamos muito da

formação continuada, mas a Instituição não oferece curso de formação para os

professores. Então, acho que a gente está discursando muito e praticando

pouco. Quando se trata de formação de professores precisa se investir mais na

formação continuada [...].” (professora Montessori)

Na análise das práticas pedagógicas, Arquimedes evidenciou esforços para

melhorar a comunicação e o relacionamento com os estudantes. O como no

tratamento dos conteúdos emergiu como preocupação no sentido de incentivar o

aprendizado. Evidenciou iniciativas para fugir de práticas pedagógicas que estimulam

a repetição ou a memorização. Na análise de Euclides, a reflexão é o peso aferidor de

seu próprio desempenho profissional. Com base em sua autoavaliação, no final de

cada período acadêmico, planeja o período posterior. Evidenciou preocupação,

também, com o como, no tratamento dos conteúdos, trazendo para a realidade do

cotidiano local e global as atividades avaliativas, na tentativa de fugir de práticas

pedagógicas recorrentes na área da Matemática. Lavoisier também evidenciou

preocupação com a melhoria de sua prática pedagógica. Reconheceu a necessidade de

se movimentar, buscando em pesquisas e estudos a ampliação do conhecimento

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pedagógico (saberes) para não repetir em sua docência a prática pedagógica

vivenciada por ele na Graduação. Montessori reconheceu desenvolver sua prática

pedagógica com mais segurança profissional e equilíbrio emocional. A busca por

conhecimentos, por saberes docentes nas leituras, na interrelação com colegas de

outras áreas contribuiu para a melhoria de sua prática.

“Quando cheguei, eu vi que não sabia quase nada e disse: Meu Deus!

Acho que não vou dar conta! Fiquei desesperada. Tanto é que falei para

os alunos que no início, quando estava na sala de aula, eu tremia, eu

suava [...]. O que a gente precisa é estudar. Para dar aula, para

ministrar aula isto é fundamental (a leitura). A gente não pode ir para a

sala de aula sem estudar. E hoje eu vejo que todo esse processo de

estudo, de leitura é fundamental para minha atuação em sala de aula

[...]. Eu, como professora, me vejo melhor do que cheguei, mas ainda

longe de onde pretendo chegar. Como diz Paulo Freire, nós somos seres

inacabados. Nós precisamos dessa formação permanente e se a

universidade não me dá essa formação eu tenho que correr atrás [...].”

(professora Montessori)

Não se pode fugir da importância da Didática na docência universitária.

Mesmo silenciada na prática de uns e evidenciada na de outros, acreditamos na

possibilidade de uma sala de aula universitária protagonizar mudanças a favor de

novas racionalidades exigidas no nosso tempo. Neste sentido, considerando a Didática

como teoria da docência, ela sinaliza que a relação entre teoria e prática, conteúdo e

forma são indissociáveis no processo do ensinar e do aprender.

Sendo assim, cabe ao professor como principal articulador de sua construção

profissional, prezar também por formação pedagógica na docência universitária.

Algumas considerações

Com base nos achados da pesquisa que estruturaram este texto, o percurso pré-

formação inicial através da convivência profissional na família ou pela facilidade em

uma área específica do conhecimento e; o percurso da própria formação inicial,

através do Estagio Curricular Obrigatório, foram aspectos decisivos para a escolha da

carreira profissional.

O estágio foi colocado na posição de destaque na formação inicial como

diferenciador na escolha pela docência. Este componente curricular, muitas vezes, não

recebe o devido valor por parte de estudantes, que não veem o significado nem o

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verdadeiro sentido que o mesmo representa para a formação profissional. O estágio e

a prática de ensino são espaços experienciais do desenvolvimento da docência. Neste,

o futuro professor vivencia práticas da profissão na dinâmica complexa da sala de

aula.

A longa trajetória acadêmica foi acompanhada de modelos e contramodelos

que marcaram a vida pessoal e a carreira profissional dos protagonistas da pesquisa

que tendem descartar de suas práticas o que não consideram ser viável a um efetivo

aprendizado. Os ex-professores, de uma forma ou de outra, validaram e contribuíram

na formação de cada um deles. Neste sentido, a formação inicial é um espaço de

importante contribuição para a construção profissional docente. Então, é

responsabilidade social dos professores a formação de novos profissionais.

A prática pedagógica identifica o professor e imprime nos estudantes uma

referência. E a didática põe em marcha essa prática que, não está unicamente na

transmissão do conhecimento em si. Sendo assim, ficou evidenciado o

reconhecimento do valor da didática para as práticas, como proporcionadora de

condições não só para o saber fazer, mas o saber ser como pessoa/profissional

cidadão.

As experiências iniciais na docência universitária e a complexidade da sala de

aula suscitou a autorreflexão, a auto avalição em relação ao ensinar e aprender na

universidade, bem como a compreensão da necessidade de olhar para si e perceber

mudanças positivas em suas práticas e a dedicação com a docência.

Contudo, a fragilidade da formação para a docência universitária e a ausência

de formação no exercício desta docência é passível de um olhar mais apurado

institucionalmente. É nítido que os professores buscam por si mesmos o direito de

formar-se, pois a validação de políticas públicas para a sustentação deste contexto,

ainda, não são visualizadas com nitidez no processo formativo desses professores,

retardando e afetando a construção docente.

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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

1649ISSN 2177-336X

A CONSTRUÇÃO DO TEXTO CIENTÍFICO NA GRADUAÇÃO:

PERCEPÇÕES DE ESTUDANTES DE LICENCIATURA EM LETRAS

Marinalva Lopes Ribeiro

Resumo

Muitas vezes, o ensino da escrita de textos acadêmicos fica restrita ao contexto da

língua e da literatura, fazendo com que os estudantes não tenham oportunidade de

desenvolver atividades cognitivas mais complexas, como as exigidas pela escrita do

artigo científico em outros componentes curriculares da graduação. Baseados numa

pedagogia ativa, que toma a pesquisa como centro da prática educativa e exige dos

estudantes o exercício do questionamento da realidade, a busca de soluções para os

problemas da prática docente da escola básica, mediante a investigação dessa

realidade e a escrita de artigo científico para comunicar os achados, apresentamos

neste trabalho, os resultados de uma metapesquisa, realizada no componente

curricular Didática. O objetivo foi conhecer as percepções dos 22 estudantes

matriculados, sobre a escrita do texto científico nesse processo, onde articulamos os

conteúdos específicos da Didática com o desenvolvimento de estratégias para a

aprendizagem da escrita desse tipo de texto acadêmico. Como instrumento de

produção de dados, utilizamos os depoimentos escritos dos graduandos, que dialogam

neste texto com os autores Castelló, Lizárraga, Ribeiro, Santos e Souza, sendo

identificados com os seus próprios nomes. Os resultados apontam que a escrita do

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artigo científico exige competências cognitivas e afetivas da parte dos escritores,

envolvendo diálogo com uma comunidade discursiva. Portanto, seu processo de

escrita é lento e complexo, demandando paciência por parte dos estudantes da

graduação e da professora, tendo em vista a necessidade de orientação e de reescrita

de trechos, para que os graduandos construam sua própria voz enquanto autores e

solidifiquem muitas das competências que vão necessitar no exercício da docência.

Palavras-chave: O ensino de competências. A escrita do texto científico. O ensino

com pesquisa.

Introdução

Frequentemente, escutamos que os estudantes universitários não sabem

escrever textos científicos. Ora, se esta afirmativa é verdadeira, nos questionamos se

os professores desenvolvem as competências que favorecem a escrita na sala de aula.

Será que essas competências são objeto de ensino, como acontece com os

conhecimentos específicos previstos nos programas das diferentes disciplinas da

graduação? Com efeito, segundo Castelló (2009), para certos estudantes, escrever

corresponde à atividade do escriba, ou seja, transcrevem trechos de artigos, de

documentos e de livros escritos por diversos autores. E esse tem sido um problema

que aflige muitos professores, ao reconhecerem que grande parte dos textos

produzidos pelos acadêmicos foram “copiados” de algum artigo da Internet de forma

integral ou em parte, sem terem sido acompanhados de qualquer atividade de análise,

síntese ou criatividade por parte do discente.

Pensando em estimular, dentre outras, as competências: pensamento

compreensivo, pensamento crítico e o pensamento criativo, na disciplina Didática,

oferecida ao 6º semestre do Curso de Licenciatura em Letras de uma universidade

pública baiana, realizamos a proposta da pesquisa como princípio educativo, a partir

da qual os estudantes desenvolveriam muitas dessas competências, tendo como ápice

a construção de um artigo científico.

Pelo fato de requerer uma atividade cognitiva complexa por parte dos

estudantes, capaz de produzir uma aprendizagem mais duradoura e que seja

transferível a outras situações, o ensino com pesquisa, fundado na pedagogia ativa,

possibilita a formação de sujeitos autônomos, no caso dos futuros professores,

desenvolvendo a capacidade de pesquisar e de resolver questões da própria prática de

sala de aula (RIBEIRO; SANTOS; SOUZA, 2015).

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Tratando-se dos graduandos em Letras, que foram os colaboradores desta

pesquisa, o ensino com pesquisa, desenvolvido no componente curricular Didática,

teve o seguinte desenho metodológico:

Após uma discussão teórica sobre o conceito de artigo científico e da

apresentação de cada uma das partes que o constituem, sempre considerando os

conhecimentos prévios dos estudantes, eles se organizaram em equipes e discutiram

as possibilidades de visitarem uma escola da rede pública de ensino, de educação

fundamental. A consigna1 foi observar o seu entorno, o edifício, todas as suas

dependências e os alunos dentro e fora da sala de aula, com vistas a buscarem algo

que suscitasse questionamentos relacionados à prática educativa, em sala de aula.

Na volta dessa observação, os estudantes selecionaram, dentre os

questionamentos, uma questão de pesquisa. Com a nossa orientação, desenvolveram

uma intensa atividade cognitiva que envolveu, dentre outras: o exame, a leitura e a

síntese de artigos científicos relacionados ao tema escolhido pela equipe; o

planejamento de todo o processo investigativo, inclusive da estruturação do quadro

referencial, a partir do que foi considerado mais relevante; a construção dos

instrumentos de coleta e produção de dados em função dos objetivos; a aplicação dos

instrumentos; o tratamento dos dados; a organização dos achados em categorias de

análise; a síntese dos achados; a escrita de artigos; a sua revisão com base nas

modificações sugeridas pela docente; e, finalmente, a comunicação oral dos

resultados ao restante da turma. Vejamos um depoimento sobre esse processo: “Antes

de produzir o artigo, tivemos que preparar e realizar a pesquisa de campo.

Preparamos questionários para alunos e professores, porém, quando chegamos na

escola e nos deparamos com outra realidade, tivemos que mudar os objetivos do

trabalho” (Vanessa). Conforme ficou explícito no depoimento de Vanessa, essa

atividade dinâmica e complexa implicou mudanças no planejamento inicial e

sucessivas revisões.

Neste painel, vamos apresentar a percepção dos estudantes dessa turma sobre

o processo de escrita de tais artigos científicos, em diálogo com alguns autores que

embasam teoricamente o estudo. Os 22 estudantes expressam, de forma consciente, os

próprios processos cognitivos, os pontos fortes e fracos dessa produção e analisam,

além das suas condutas, a dos demais colegas de grupo, em relação às exigências da

1 No Espanhol, significa ordem que recebe uma pessoa ou grupo que vai intervir em uma ação

determinada.

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tarefa solicitada pela professora. Os seus depoimentos vão aparecendo ao longo deste

texto, em interlocução conosco e com outros autores que também se debruçam sobre

o tema.

O artigo científico: a incorporação de vozes que emitem opiniões

O artigo científico é um estudo com autoria declarada, que trata de uma

questão científica e é o meio privilegiado para a comunicação de uma pesquisa de

campo, documental ou bibliográfica. Nesse sentido, requer, primeiramente, que o

escritor tenha usado uma escrita exploratória e demonstre a compreensão das

informações mediante a elaboração de sínteses progressivas das mesmas, conforme

indica Castelló (2009).

Além disso, o artigo científico se constitui a parte principal das revistas

especializadas em determinados temas, pois é nelas que o pesquisador comunica, com

concisão, o essencial dos seus trabalhos, cuidando da sua originalidade. Com efeito,

“A escrita do texto científico é de estrema importância na graduação, pois nos

possibilita amadurecer a escrita e melhorar o nível de leitura. O processo de escrita

do artigo científico exige muita pesquisa, leitura, correção e alterações, isto

possibilita o enriquecimento do texto” (Ilana).

Castelló (2009) deixa claro que, tendo em vista que implica o

desenvolvimento de diferentes competências, as atividades de escrita também devem

ser objeto de ensino nas aulas universitárias, mesmo porque escrever de forma pessoal

não é tarefa fácil, não se adquire de maneira espontânea e pode impactar os

estudantes: “Não vou mentir que me senti um pouco insegura diante da tarefa, pois

foi o primeiro artigo que produzi em equipe” (Ana Caroline); “No começo do

semestre, confesso que fiquei surpresa de ter que produzir um artigo científico, que

geralmente é uma avaliação feita no fim do semestre. Agora, percebi que foi uma

ótima proposta”(Cidália Barbosa).

No depoimento de Cidália, fica explícito que o artigo, na universidade, tem

sido solicitado como instrumento de avaliação, cujo destinatário é unicamente o

professor, e não como o concebe Castelló (2009), como uma ferramenta epistêmica,

cuja função é construir conhecimento.

Lizárraga(2010), analisando a natureza das principais competências genéricas,

as organiza em quatro grupos: cognitivas, sócio/afetivas, tecnológicas e

metacognitivas. Enquanto as competências cognitivas se relacionam principalmente

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com o sistema intelectual do ser humano, as competências sócio/afetivas se

relacionam com a convivência entre as pessoas. A competência tecnológica, por sua

vez, relaciona-se com a busca e o manejo de informação através das tecnologias da

informação e da comunicação. Por fim, a competência metacognitiva se relaciona

com os próprios processos cognitivos, a regulação da conduta, o aprender a aprender,

a aprendizagem autônoma e a aplicação das aprendizagens.

Neste trabalho, vamos tratar algumas dessas competências de maneira

concisa, pois não é nosso propósito teorizar sobre elas, mas apresentar as concepções

dos estudantes sobre a construção de artigos científicos, momento em que

aproveitamos para dialogar com determinados autores sobre algumas competências

que estariam envolvidas nesse processo.

No trabalho de pesquisa empreendido pelos estudantes, evidentemente eles

lançaram mão da competência cognitiva, no momento em que necessitaram

compreender diferentes artigos e capítulos de livros que leram, interpretando as

informações, os conceitos e os fatos, a fim de gerar novas informações e tomar

decisões acerca da teoria que daria conta para solucionar as suas questões de pesquisa.

Nesse sentido, eles tiveram que demonstrar as habilidades de comparar, classificar,

analisar, sintetizar, sequenciar e averiguar razões e extrair conclusões. Como destaca

uma graduanda, “O processo de escrever foi lento e pediu muita leitura. Não gosto

muito da escrita científica, embora tenha consciência de que é fundamental treinar

essa escrita para um futuro mestrado. Aliar a teoria com a prática é um pouco

complicado, porém necessário” (Cidália).

Se tomarmos como exemplo a competência para compreender as informações,

a qual depende do desenvolvimento do pensamento compreensivo, como defende

Lizárraga(2010), assinalamos que as competências compreensivas são ferramentas

básicas do pensamento efetivo que, ao por em jogo recursos cognitivos, conteúdos e

motivações, contribuem na melhora do pensamento dos estudantes em relação aos

conteúdos que aprendem, facilitam a recuperação dos conhecimentos prévios e o

poder de suas próprias mentes para criar outros novos. Nesse sentido, os estudantes

tiveram que desenvolver as habilidades de comparar, classificar, analisar, sintetizar e

extrair conclusões. Na opinião de Jessica, “Percebi algumas dificuldades para

escrever o artigo, uma vez que este é um texto científico que requer bastante

pesquisa, análise de textos, síntese”.

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Hoje, estamos constantemente expostos a uma enxurrada de informações

midiáticas fragmentadas e superficiais que exigem dos estudantes em formação, o

pensamento crítico. Diz Lizárraga(2010) que o fato de compreender as informações

não é suficiente, torna-se imperioso examinar o seu conteúdo, claridade, veracidade,

precisão, relevância, profundidade, amplitude e lógica, o que depende do

desenvolvimento dessa competência, para que o estudante vá, aos poucos,

questionando as fontes, e buscando os argumentos que fundamentam os fatos

expostos. Evidentemente, é um processo longo, mas que implica uma formação

específica, como ressalta uma estudante: “Achei louvável a atitude da professora em

mandar os grupos refazerem o artigo. Isso não é punição, como alguns pensam,

muito pelo contrário, é um cuidado do professor para com o aluno e um ganho para a

formação deste” (Pâmella).

Além do pensamento compreensivo, necessário à compreensão das

informações, e do pensamento crítico, importante na avaliação de tais informações, a

que nos referimos anteriormente, na construção dos artigos científicos, os estudantes

tiveram que lançar mão do pensamento criativo, através do qual eles podem

desenvolver entre outras qualidades, a originalidade, a flexibilidade, a iniciativa, a

confiança, a persistência, a responsabilidade e a abertura mental, como indica

Lizárraga(2010). No depoimento de certos estudantes, algumas dessas qualidades são

verdadeiros desafios quando se trata de trabalho em grupo: “As ideias nunca são as

mesmas para se chegar à conclusão ou tomar alguma decisão, é mais difícil ainda. E

como sempre há alguém que fica esperando pelas outras pessoas...” Letícia).

Todo esse processo formativo é longo, demanda tempo e muita transpiração:

“A forma pela qual o trabalho foi conduzido nos permitiu, a partir das correções e

como consequência dos erros encontrados, que nós continuássemos buscando o

aprofundamento das análises feitas anteriormente” (Jaqueline). “O pior foi quando

recebemos a versão para correção. Foi horrível para mim, uma sensação que não

fizemos nada, que foi tudo em vão” (Gardênia). “Quando entregamos a primeira

versão, voltou cheia de observações. [...] Quando fui reler o texto, percebi que havia

um vácuo em certos trechos do texto e também ajudou muito na melhoria do

vocabulário, dos termos que utilizamos” (Letícia).

Apesar da crise em que muitos estudantes entraram ao receber o texto com

observações para revisão, todos concordaram que os resultados foram bons; afinal

eles compreenderam o que mostra Castelló (2009), que para se ter êxito nesse tipo de

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tarefa é necessário sucessivas aproximações: “A experiência de ter mais de uma

versão foi muito boa, pois podemos perceber erros que cometemos, mas não

percebemos. Acho isso muito positivo e importante para alunos da graduação”

(Kate). Então, a representação de que o escritor produz um texto acadêmico complexo

de uma só vez, é irreal.

Diante os textos concluídos, os estudantes revelaram sentimentos negativos e

positivos que experimentaram no processo: “Ao escrever o artigo científico, em

grupo, o meu sentimento foi de alegria, satisfação e honra” (Ketiniely); “Devo

confessar que, embora tenha grande prazer em escrever, poucas vezes escrevi com

tanto prazer um artigo” (Maria Rosane); “Foram vários sentimentos: angústia,

desespero, aflição, medo, felicidade ao concluir o artigo, raiva em relação a outros

companheiros” (Gardênia). Vale destacar que esses mesmos sentimentos são

recorrentes em outros escritores, inclusive nos mais experientes, tendo em vista que

“aprender a escrever textos acadêmicos é como aprender uma nova linguagem”

(IVANIC Y ROACH, 1990 citado por CASTELLÓ, 2009, p. 127).

Escrever um artigo científico “é um trabalho complexo e grande”, na opinião

de Gardênia, uma das nossas interlocutoras da turma de Licenciatura em Letras. O

depoimento da discente vai ao encontro de Castelló (2009), ao afirmar que muitas

vezes, escrever exige apenas demonstrar o aprendido, mas em outras situações é

necessário um esforço no planejamento para atingir os objetivos do texto, o

conhecimento das próprias habilidades como escritor, e saber o tipo de demanda a

depender da situação comunicativa.

Convém destacar, que por se tratar de estudantes que se preparam para a

profissão de professor, a escrita do artigo deu sequência à observação realizada em

escolas da educação fundamental, onde, provavelmente eles vão atuar. Nessas visitas

eles foram tocados pela realidade sobre a qual levantaram questionamentos, com o

fim de buscar respostas.

Percebemos que havia uma demanda emocional ao pisar o chão da escola e ser

tocado por alguma das questões que envolvem a prática docente, que é interesse da

Didática: “O processo de escrita sobre as dificuldades na leitura nas primeiras séries

possibilitou ao grupo um conhecimento mais amplo sobre as barreiras que o

professor encontra na sala de aula” (Silvandira); “A construção do artigo científico

foi um trabalho muito gratificante sobre a relação entre a construção do

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planejamento de ensino e a realidade dos alunos. Possibilitou uma maior

compreensão sobre a importância do planejamento de ensino” (Laiana).

Além das competências cognitivas a que nos referimos anteriormente, os

estudantes tiveram oportunidade de desenvolver competências sócio/afetivas, tendo

em vista que a proposta de ensino com pesquisa e produção de artigos científicos foi

realizada em pequenos grupos.

Assim, exigiu de cada sujeito flexibilidade, capacidade de diálogo, respeito às

ideias dos outros, saber ouvir e se fazer ouvir, renúncia a suas ideias em favor da

coletividade, tolerância, compromisso, criatividade, enfim, a capacidade de tomar

decisões e de compartilhar as “habilidades do pensamento criativo”, como propõe

Lizárraga(2010). Todavia, “A divisão de responsabilidades nem sempre é uma tarefa

fácil, mas de suma importância para evitar a sobrecarga e também para oportunizar

a participação de todos” (Maria Rosane).

A esse respeito, os estudantes apresentam outras opiniões relacionadas às

competências sócio/afetivas: “Trabalhar em grupo nos possibilitou maior

organização e agilidade na elaboração do artigo [...] A troca de conhecimentos nos

possibilitou maior aprendizagem, que foi gradual. Ao passo que o artigo ia ficando

pronto, íamos aprendendo mais através das trocas de experiência” (Ana Caroline);

“O fato de ser um trabalho em grupo exigiu dos participantes interação. No grupo do

qual eu fiz parte, a falta de compromisso de um aluno em relação à atividade que foi

proposta, quase foi um impedimento para o andamento do trabalho, mas

conseguimos reverter a situação” (Jaqueline Moreira); “O trabalho em grupos em si é

uma forma de aprendera respeitar a opinião do outro, é uma oportunidade de

construir coletivamente o conhecimento, ou seja, é um momento de troca” (Tatiele);

“Independente do resultado alcançado, o trabalho em grupo nos ensina a sermos

mais tolerantes, favorece o diálogo, provoca discussão, desenvolve o sentimento de

coesão. Enfim, possibilita a consideração das diferenças” (Joilma).

O último aspecto que destacamos, ao tomarmos a pesquisa e a produção de

artigo como centro de nossas atividades no componente curricular Didática, foi o

desenvolvimento da reflexão dos estudantes sobre seu próprio processo cognitivo.

Trata-se do que alguns autores, como Lizárraga(2010), chamam de metacongnição.

Para Brown, citado pela autora, o indivíduo com experiência metacognitiva é

consciente das próprias capacidades cognitivas e afetivas, analisa suas ideias e

condutas e a dos demais, toma consciência dos próprios processos mentais, das

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crenças e motivações e regula a mente e a conduta para ajustar-se às atividades que

envolvem uma determinada tarefa.

Nesse sentido, os estudantes revelam: “A construção do artigo, para mim,

particularmente, foi um pouco conturbada” (Carise); “Gostei muito do trabalho, foi

uma experiência ótima e obtive mais conhecimento através desse” (Manuelle). “A

realização do trabalho foi muito importante para que eu pudesse compreender

melhor como fazer um artigo e o passo a passo para a produção, como por exemplo o

que ele traz e o objetivo do mesmo” (Roseane); “Esse artigo científico do modo como

foi trabalhado, com orientação e desenvolvimento em sala, muito contribuiu para o

meu crescimento enquanto aluna” (Maria Rosane); “Estou muito triste com o

processo de escrita do texto científico, porque tenho muita dificuldade em escrever e

expressar a minha opinião e também tenho pouca leitura. Isso acaba dificultando,

mas tenho me esforçado para superar esta dificuldade” (Letícia).

Nos depoimentos das estudantes, percebemos como avaliam sua competência

em escrita e os ganhos nesse processo. No caso de Letícia, particularmente, a

graduanda identifica uma possível causa da dificuldade em escrever, pontuando que

tem envidado esforços para a mudança de tal situação que lhe deixa com sentimento

de tristeza. Posto isso, é provável que ao refletirem sobre seu processo de crescimento

profissional, reconhecendo seus avanços e dificuldades, os graduandos progridem na

aprendizagem profissional para que possam fazer frente aos inúmeros problemas que

assolam a escola pública nos dias atuais.

Considerações finais

O desenvolvimento de um ensino centrado na pesquisa sobre a prática

educativa de professores da escola básica, e na escrita de um artigo científico para

comunicar os achados da investigação empírica, constitui-se um dos objetivos do

componente Didática oferecido a uma turma composta por 22 estudantes do Curso de

Licenciatura em Letras de uma universidade pública da Bahia. A escuta das

percepções dos estudantes envolvidos nesse processo, mediante a produção de um

texto reflexivo para a avaliação da proposta, nos deu condições de concluir que a

escrita do texto científico requer exigências, tanto cognitivas, quanto afetivas e

implica um diálogo com uma comunidade discursiva.

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Mostrou, também, que esse processo de escrita, em grupos e sendo em grande

medida realizado na sala de aula, com a orientação da professora, foi paulatinamente

ajudando os estudantes na construção da própria voz como autores.

Destacamos, ainda, o envolvimento dos graduandos em todas as fases da

pesquisa, momento em que se consolidaram as relações entre os colegas dos grupos e

a professora de Didática, que foi recebendo o material produzido a cada dia e

retroalimentando, através de observações escritas nos textos e do acompanhamento

das produções dos grupos durante as aulas, sugerindo o exame de outros autores e a

reescrita de trechos, sempre voltada para o aperfeiçoamento do pensamento

compreensivo, crítico e criativo, de modo a ajudar os futuros professores a

construírem e solidificarem muitas das competências que vão necessitar no exercício

da docência.

Enfatizamos que o ensino com pesquisa e voltado para o desenvolvimento da

escrita constitui-se ferramenta fundamental para pensar, conviver e desenvolver-se

pessoal e profissionalmente.

Registramos, por fim, que o desafio a ser vencido na docência universitária é

desenvolver estratégias para que os textos sejam escritos colaborativamente, de modo

que todos os elementos das equipes participem de todo o processo, evitando que o

texto seja uma colcha de retalhos, onde cada participante colabore com um pedacinho,

evidentemente, perdendo a visão de todo o processo.

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