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ENSINO PARA O DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS E
PROCESSOS DE AUTORREFLEXÃO: DESAFIOS DA DOCÊNCIA
UNIVERSITÁRIA
O presente painel propõe discutir desafios postos ao docente universitário frente o
cenário de mudanças na contemporaneidade que afetam diretamente a Universidade e
os processos de formação de profissionais. Discute como as estratégias de ensino
impactam a formação dos profissionais e como o próprio docente se constrói na
reflexão sobre seu papel como formador e sobre sua formação em um processo de
autorreflexão. A discussão é feita a partir das contribuições de três pesquisas
diferentes. O primeiro estudo teve o objetivo de compreender, mediante suas
narrativas, como professores iniciantes constroem a docência. Evidenciando que esse
processo se alicerça nos modelos e nos contramodelos trazidos das suas trajetórias
acadêmicas discute como a fragilidade da formação para a docência retarda e afeta a
construção docente. O segundo trabalho, apresenta os resultados de uma
metapesquisa, cujo objetivo foi conhecer as percepções dos estudantes sobre a escrita
do texto científico articulando os conteúdos específicos da disciplina com o
desenvolvimento de estratégias para a aprendizagem da escrita. Indica que a escrita
exige competências cognitivas e afetivas demandando esforço por parte dos
estudantes e da docente para que os graduandos construam sua própria voz enquanto
autores e solidifiquem competências que vão necessitar no exercício da docência. O
último estudo tem como objetivo conhecer as necessidades formativas dos docentes
de uma universidade pública, em relação às concepções e práticas voltadas ao
desenvolvimento de competências cognitivas nos estudantes. Analisa os avanços, mas
também as contradições que revelam a necessidade de maior ampliação dos
conhecimentos teórico-metodológicos dos docentes para enfrentar os desafios atuais
da docência no ensino superior. De um modo geral, os estudos demonstram avanços e
desafios que impulsionam o professor universitário a avançar nos conhecimentos que
fundamentam sua prática em um processo auto-formativo e emancipador.
Palavras-Chave: Docência Universitária, Formação Docente, Ensino de
Competências
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
1624ISSN 2177-336X
DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIAS COGNITIVAS NA
FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS: NECESSIDADES FORMATIVAS DOS
PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS
Édiva de Sousa Martins- UNEB, [email protected]
Marcelo Peixoto Souza- UNEB, [email protected]
Resumo
O presente trabalho tem como objetivo conhecer as necessidades formativas dos
docentes de uma universidade pública, em relação às concepções e práticas voltadas
ao desenvolvimento de competências cognitivas complexas nos estudantes
universitários. Neste trabalho, a análise das necessidades formativas não visa
identificar carências determinadas a partir de exigências do sistema, mas entendidas
como aquilo que é percebido pelos próprios docentes como fazendo falta na prática
educativa, resultante do confronto entre expectativas, desejos, aspirações, e as
dificuldades e problemas sentidos no quotidiano profissional. Para coleta de dados foi
utilizado um questionário com questões fechadas e abertas. Os dados foram tratados
por meio de programa estatístico e técnica de analise do conteúdo. Os resultados
demonstram uma alta incidência de respostas positivas para as questões relacionadas
ás competências cognitivas, tanto no que se refere às concepções quanto às
concretizações na prática docente o que revela avanços, mas também contradições
quando consideradas as dificuldades apresentadas pelos estudantes para realizar
atividades que demandem pensamento complexo e das dificuldades enfrentadas no
ensino universitário na atualidade. Os resultados apontam para avanços significativos
nas concepções e práticas dos docentes como também na expressão dos docentes
sobre suas necessidades formativas no sentido do que desejam e esperam das suas
práticas, mas revelam também a necessidade de maior ampliação dos conhecimentos
teórico-metodológicos dos docentes para enfrentar os desafios atuais da docência no
ensino superior.
Palavras-chave: Necessidades Formativas; Ensino Superior; Competências
Cognitivas.
Introdução
Nos últimos tempos, a Universidade vem sendo sacudida por intensas
demandas de mudança como consequência das transformações da sociedade e do
mundo do trabalho que tem modificado profundamente as formas de acessar,
distribuir e usar a informação na vida cotidiana e profissional. Nesse contexto, a
Universidade tem sido convocada a mudar substancialmente tanto estruturalmente
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quanto internamente, nos seus processos de ensino e de formação profissional
(MASETTO, 2012, POZO, 2009). As mudanças exigem uma proposta de formação
profissional orientada para o desenvolvimento de competências cada vez mais
complexas, demandando a capacidade de transferir conhecimentos para novas
situações, de analisar criticamente o conhecimento, de aprender a aprender e de agir
com base em valores éticos, competências que não se aprendem apenas pelo acesso a
teorias, mas pressupõem metodologias ativas, problematizadoras e reflexivas.
Segundo Zabala e Arnau (2010), o modelo de educação centrado no método de
ensino transmissivo baseado na crença de que a bagagem teórica oferecida no curso é
suficiente para formar o bom profissional está perdendo espaço frente às novas
demandas sendo que o desafio do contexto atual é reconfigurar o ensino com o intuito
de ajudar o estudante a construir saberes que lhes deem ferramentas para empregar
utilmente os dados que tem nas mãos. As novas formas de aprender requerem, assim,
promover a aprendizagem construtiva que promove conhecimentos mais duradouros e
mais transferíveis para novos contextos e situações visando a formação de
profissionais estratégicos e não apenas treinados tecnicamente (POZO, 2009).
Entretanto, uma nova cultura de aprendizagem universitária exige uma nova
cultura docente o que implica modificar concepções e práticas docentes de modo que
o ensinar e o aprender na universidade ganhe contornos mais antenados com as novas
demandas e necessidades.
Nesse sentido, investigar o ensino universitário deve necessariamente partir de
um processo auto-formativo e emancipador, no qual de um lado o docente
universitário reflete a respeito de sua prática como formador e, por outro, ele também
é provocado a pensar a respeito de sua própria formação em um processo dialético
que suscita importantes indagações, dentre elas as relacionadas aos pressupostos
epistemológico, teórico-metodológicos que têm orientado as suas práticas e como
operacionalizar essa formação dentro de um contexto institucional pouco articulado e
distante de uma proposta formativa crítica e emancipatória (POZO E MONEREO,
2009).
Neste contexto, o conhecimento das necessidades de formação na ótica dos
professores é uma das condições primordiais para o investimento no seu
desenvolvimento profissional, possibilitando a expressão das necessidades mais
comuns e evidentes, contribuindo para a reflexão das práticas e para a tomada de
consciência das dificuldades vivenciadas no contexto da prática educativa
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(RODRIGUES, 2006). A análise das necessidades formativas, como defendemos, não
visa identificar carências determinadas a partir de exigências do sistema, cuja
satisfação, se daria mediante a intervenção de formadores com “respostas” prontas,
mas ao contrário entendidas como aquelas questões percebidas pelos próprios
docentes como fazendo falta na prática educativa, e, conforme Rodrigues (2006, p. 9),
como “resultante do confronto entre expectativas, desejos, aspirações, por um lado, e,
por outro, as dificuldades e problemas sentidos no quotidiano profissional.”
A presente pesquisa insere-se nessa preocupação, buscando conhecer as
necessidades formativas dos docentes de uma universidade pública, numa ótica de
autorreflexão, em relação às concepções e práticas voltadas para: a) a formação de
profissionais na relação entre projeto político-pedagógico e relação teoria e prática; b)
o desenvolvimento de competências cognitivas; c) à avaliação da aprendizagem e; d)
o desenvolvimento de competências sociais e valores.
Utilizamos como instrumento de coleta de dados, um questionário, com
questões abertas e fechadas. Responderam ao questionário, 275 professores, que
correspondem a mais de 10% dos docentes da instituição. Os dados quantitativos
foram tratados por meio do programa estatístico SPSS (Statistical Package for Social
Sciences) e as questões abertas tratadas mediante a técnica análise de conteúdo de
Bardin (1977).
Neste artigo, analisaremos os aspectos da pesquisa concernentes às
necessidades formativas dos docentes universitários relacionadas ao desenvolvimento
de competências cognitivas dos estudantes. Tal aspecto foi explorado na primeira
parte do questionário que constava de 29 questões fechadas e uma aberta. Nas
questões fechadas o docente deveria, numa primeira coluna, expressar com um “X”
seu “grau de concordância” com o enunciado, tendo em conta a seguinte escala: 1 (
nada importante); 2 (pouco importante); 3 (importante); 4(muito importante) o que
expressava suas concepções relacionadas á tal questão. Em outra coluna o participante
deveria marcar o “grau de concretização” do conteúdo do enunciado na sua prática
docente cotidiana, tendo em conta a seguinte escala: 1 (totalmente ausente); 2
(raramente presente); 3(frequentemente presente) e 4 (sempre presente). Em uma
questão aberta, os professores poderiam explicitar as razões para possíveis
discrepâncias entre o grau de importância e de concretização dos enunciados
propostos.
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Condições para o desenvolvimento de competências cognitivas
A educação centrada na competência contempla as aprendizagens necessárias
para que os estudantes atuem de maneira ativa, crítica e criativa na construção do seu
projeto de vida. Nesse contexto, a competência representa uma combinação de
capacidades, conhecimentos, atitudes e condutas dirigidas à execução concreta de
uma tarefa em um contexto definido ou como uma forma de atuar em que as pessoas
utilizam o seu potencial para resolver problemas ou fazer algo em uma situação
concreta (SANS DE ACEDO LIZARRAGA, 2010).
Sintetizando, podemos classificar as competências cognitivas conforme Acedo
Lizarraga (2010) em cinco grupos: a) competência compreensiva, que envolve
capacidades como comparar, classificar, analisar, sintetizar, sequenciar e averiguar
razões e extrair conclusões; b) competência crítica que compreende a capacidade para
avaliar a informação e quantas ideias e juízos se elaborem; c) competência criativa
que envolve a capacidade para ampliar ou gerar nova informação; d) competência
para tomar decisões relevantes e, e) competência para solucionar problemas abertos,
considerar várias soluções, predizer seus efeitos, eleger a melhor solução, verificá-la e
avaliá-la.
Segundo Zabala e Arnau (2010), as competências, por sua própria definição,
implica uma intervenção diferenciada do modelo de ensino herdado, na qual os
estudantes ficam cheios de conhecimentos adquiridos por pura e simples repetição,
mas se mostram incapazes de aplicar esses conhecimentos na interpretação de
situações reais ou em múltiplos contextos complexos e situações diversas. A
aprendizagem das competências está, assim, diretamente relacionada ás condições que
devem ocorrer para que as aprendizagens sejam significativas e eficazes. Uma
abordagem por competências pressupõe que o sujeito é o construtor dos seus próprios
saberes, numa interação afetiva que possibilita o aprender a aprender.
Nesse sentido, a aprendizagem compreensiva é mais exigente tanto do ponto
de vista do estudante quanto pelas condições de ensino do que aprender repetindo que
implica unicamente apresentar adequadamente a informação e cobrar a repetição por
parte dos discentes. Isso implica considerar que o conhecimento se faz de maneira
ativa a partir da atividade mental e do conflito cognitivo por parte do aprendente e
requer dos estudantes uma atividade cognitiva mais complexa dentre elas, não só
relacionar o novo ao já conhecido e traduzir isso em suas próprias palavras como
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buscar a relação entre as partes que compõem uma informação e aplicá-las em outros
contextos.
Para tanto, uma condição essencial para favorecer a aprendizagem
significativa é considerar os esquemas de conhecimento e conhecimentos prévios dos
aprendentes, promovendo uma vinculação profunda entre os novos conhecimentos e
os conhecimentos anteriores, ajustando a intervenção pedagógica para o avanço da
aprendizagem (ZABALA E ARNAU, 2010). A tarefa dos docentes consiste em
planejar atividades que ajudem os estudantes a ativarem seus esquemas prévios o que
permite que organizem as suas ideias, retenham novos conhecimentos mais tempo na
memória e os recordem de forma interpretativa e não apenas memorística. Uma
estratégia de ensino será mais eficaz quanto mais conseguir assegurar que os
estudantes disponham de conhecimentos que possam relacionar com novas
informações ou conceitos estudados e possibilitar atividades que tornem explícitas as
relações entre os temas estudados, as matérias ou áreas diversas. (POZO, 2009).
Além disso, compreende situações educativas que favoreçam a construção de
uma disposição para a aprendizagem e motivação para tanto, atribuindo sentido ao
que se aprende, a construção de uma boa autoestima e autoconceito que tem como
consequência uma alta expectativa de aprendizagem e por fim, desenvolver a
capacidade de tomar consciência do seu próprio processo de aprendizagem regulando
a própria aprendizagem. Também demanda dos professores a utilização de outros
enfoques didáticos e metodológicos que favoreçam a construção da autonomia e
ajudem os estudantes a adotarem novas estratégias em sua aprendizagem mais
dirigidas á compreensão e à solução de problemas.
Assim considerando, analisaremos como os professores concebem o ensino de
competências cognitivas, tanto na importância atribuídas a elas quanto às
possibilidades de desenvolvê-las na prática.
Discussão dos resultados
As respostas às questões fechadas possibilitou a categorização dos dados em
duas dimensões: a primeira, voltada para as condições de aprendizagem das
competências e uma segunda voltada para os resultados, isto é, para o tipo de
competências que se pretende favorecer. Na análise da resposta aberta, discutimos
como os docentes justificavam possíveis discrepâncias entre concepção e
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concretização do ensino de competências. Esses resultados dados serão apresentados a
seguir.
I- Dimensão centrada no processo – condições para a aprendizagem
de competências
a) Papel ativo e protagonista do estudante
A análise dos dados que se referem ao estímulo á explicitação de dúvidas,
discordâncias e outras contribuições, por parte dos estudantes ao longo da aula,
demonstra que 97,9% consideram essa questão como bastante relevante para sua
atuação como professor universitário. Com respeito à concretização na prática de uma
postura de acolhimento às participações dos estudantes, 96,7% dos professores dizem
que a buscam realizar. A discrepância entre concepção e atuação também é baixa,
1,2% o que demonstra que essa é uma postura recorrente da maioria dos professores
e, de todas as questões, a que apresentou menor discrepância entre concepção e
prática o que releva que a relevância atribuída à questão é acompanhada de uma
prática que busca estimular aos estudantes uma participação ativa no decorrer do
curso.
Percebemos, portanto, que a maioria dos professores parecem ter construído
uma concepção de aprendizagem na qual valoriza o papel ativo do estudante,
deslocando o foco do professor para o estudante, agora protagonista de sua
aprendizagem. Tal compreensão do processo de aprendizagem demonstra um avanço
na prática pedagógica universitária.
b) Disposição para a aprendizagem e atribuição de sentido ao que se aprende
Em relação ás situações didáticas para buscar o envolvimento efetivo do
estudante os resultados demonstram que, 97,5% dos participantes consideram bastante
relevante buscar maneiras de envolver os estudantes na aula e nas atividades
desenvolvidas na disciplinas/componentes curriculares. Com respeito á possibilidade
de concretização, 94,6% dos professores afirma realizar tais situações. A discrepância
entre os que consideram relevante a busca do envolvimento dos estudantes e os que
procuram concretamente, na sua prática, buscar esse envolvimento foi de 2,9%.
Os dados demonstram, portanto, que os professores dedicam especial atenção
à busca da participação dos estudantes em suas disciplinas e que têm procurado
formas as mais diversas para que seus alunos possam ser atuantes na sala de aula, no
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entanto não sabemos até que ponto essas práticas tem sido efetivas para a mudança de
atitude dos estudantes, o que pode demonstrar uma discrepância entre o que propõe o
professor e as construções e aprendizagens realizadas pelos estudantes.
c) Metodologia ativa e diversificada
Em relação à adoção de metodologias variadas ao longo da disciplina
considerando a diversidade de formas de aprender dos estudantes, 96% dos
professores consideram um aspecto relevante da atuação docente. Desses, 90,5%,
buscam realizá-las na prática. Desse modo, a discrepância entre importância relevante
e prática frequente é de 5,6%. Apesar disso, observamos que 07 (sete) docentes
atribuem importância pouca ou nenhuma à questão e 20 raramente ou nunca a
colocam em prática.
É possível concluir, portanto, que os professores, em sua maioria, consideram
a importância da diversificação das metodologias e leva em conta que os sujeitos
aprendem de formas diferentes, o que demonstra mudanças significativas em relação
ao modelo tradicional que baseia a prática pedagógica na aula expositiva. Entretanto,
não sabemos até que ponto tais situações são eficazes, de fato, para o ensino de
competências. Percebemos, ainda, que alguns professores parecem ainda manter
como suporte de sua prática uma única forma de ensinar, o que contraria os princípios
de desenvolvimento de competências que requer uma multiplicidade de
procedimentos de natureza ativa e que envolva pesquisa e criatividade.
d) Esquemas de conhecimento e conhecimentos prévios
Foi observado que, dos 275 participantes da pesquisa, 90,9% dos professores
investigados que entendem que partir dos conhecimentos prévios dos estudantes para
ensinar novos assuntos é uma questão relevante para o processo de ensino, sendo que
86,5% deles dizem assim o fazer. A discrepância entre os que consideram relevante
tal questão e os que dizem concretizar, na sua prática, sempre ou frequentemente foi
de 4,4%. Foi possível observar que 17 (6,2%) docentes consideram pouco ou nada
importante levar em consideração os conhecimentos prévios e 36 (13%) deles nunca
ou raramente consideram os conhecimentos prévios para introduzir conteúdos novos.
Observa-se, portanto, que a grande maioria dos professores considera
relevante partir do que os alunos já sabem antes de introduzir um assunto novo e
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também dizem conseguir aplicar tal principio em sua prática educativa. Apesar da
frequência alta, é a que tem a menos pontuação no nível de importância dada.
Além disso, percebe-se que, uma parte dos professores investigados não
considera tal questão importante nem buscam efetivar essa condição no seu ensino o
que nos leva a acreditar que ainda apresentam uma prática respaldada numa
concepção na qual o sujeito apenas recebe as informações transmitidas pelos
docentes, em que o conhecimento dos alunos não é importante para o processo de
ensino-aprendizagem. Considerando a importância de tal aspecto para a aprendizagem
significativa é possível detectar um nível de resistência às ações educativas que
interferem diretamente no desenvolvimento das competências e de uma aprendizagem
significativa.
II. Dimensão centrada nos resultados – desenvolvimento de
competências cognitivas
a) Desenvolvimento das competências críticas – pensamento crítico
Quanto ao incentivo e orientação para que o estudante desenvolva atitude
investigativa e crítica, 97,1% dos professores a consideram relevante, sendo que 92%
dizem que a realizam com periodicidade constante. A discrepância entre a
importância dada como relevante e a concretização constante é de 5,1%.
Desse modo, podemos perceber a importância dada aos professores
investigados á abordagem crítica, apesar de alguns afirmarem que tal questão não faz
parte de sua prática docente. De qualquer modo, também podemos perceber uma
pequena discrepância entre concepção e prática.
b) Desenvolvimento das competências compreensivas – pensamento
compreensivo
Os dados demonstram que 97,4% dos docentes investigados consideram muito
relevante a implementação de situações didáticas que possibilitem aos estudantes
comparar, analisar, sintetizar, sequenciar e indagar o conhecimento. Desses, 90,1%
docentes avaliam que promovem, em suas aulas, o pensamento compreensivo. A
discrepância entre a importância dada como relevante e a concretização frequente é de
7,3%. Os resultados parecem indicar que a maioria dos professores tanto acham
importante como afirmam colocar em prática situações didáticas para que essas
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competências sejam desenvolvidas, apesar de certo nível de discrepância entre
concepção e concretização.
Esse resultado torna-se um tanto contraditório com as dificuldades
apresentadas pelos estudantes para realizar tais tarefas, tanto quanto na leitura e
escrita de textos quanto á análise de situações complexas do campo de atuação
profissional ou carecem de uma estratégia quando se lhe propõe que analisem algum
dado científico (MONEREO E POZO; SANS DE ACEDO LIZARRAGA, 2010).
c) Desenvolvimento das competências para tomar decisões e solucionar
problemas – pensamento complexo
Com respeito ao desenvolvimento da competência de tomar decisões, os dados
demonstram que 96,4% dos professores consideram o desenvolvimento de
metodologias que suscitem, dos estudantes a tomada de decisões, justificando suas
escolhas, como uma questão muito importante. Desses, 84,7% professores a
concretizam sempre ou frequentemente. A discrepância entre a importância dada
como relevante e a concretização com frequência é de 11,7%.
Esses resultados mostram que um número bastante significativo dos docentes
pesquisados parece reconhecer a fragilidade do ensino sem desafios cognitivos para o
estudante. A maior parte deles acredita provocar nos estudantes o desenvolvimento de
competências para o pensamento complexo contrariando desta maneira a tendência
frequente do ensino universitário em privilegiar as aulas expositivas para simples
transferência do conteúdo.
No entanto, é possível que a pouca intimidade com a nova realidade que se
insurge no ensino superior e a falta de um conhecimento mais direcionado às
possibilidades didático-pedagógicas para ensinar tais capacidades, seja a causa de
professores que, mesmo acreditando ser importante o desenvolvimento de tais
competências, não realizarem procedimentos que ajudem os estudantes a obtê-las.
d) Desenvolvimento das competências para estabelecer relações e gerir
informações de fontes diversas – pensamento globalizador
Em relação a capacidade de estabelecer relações e gerenciar informações
variadas, foi possível observar que, 99% dos professores investigados consideram a
proposição de desafios que estimulem os estudantes a buscarem conhecimentos de
áreas diversas como uma questão muito relevante. Entretanto, com relação à
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1633ISSN 2177-336X
possibilidade de concretização na prática, a frequência cai para 79,5%. A discrepância
entre importância dada e concretização é maior do que nas questões anteriores ficando
em 18,6%. Dos professores, apenas 05 (cinco) (2,9) dão pouca ou nenhuma relevância
à questão enquanto 55 (20%) pouco ou nunca a realizam.
Portanto, muitos professores parecem ainda não considerar que é possível
trabalhar os conteúdos de maneira mais globalizante, seja por questões estruturais
mais amplas ou por perceberem os conteúdos de modo mais fechado e segmentado.
Essa perspectiva dificulta uma formação profissional mais abrangente tendo em vista
que no contexto atual de produção e disseminação acelerada de informações os
conteúdos devem ser apropriados de modo a tornarem-se instrumentos de reflexão
sobre a realidade e sobre os problemas com os quais os estudantes se deparam na sua
formação e na atuação futura.
III – Justificativas das discrepâncias entre concepção e prática
A análise das justificativas dos participantes sobre possíveis discrepâncias
entre graus de valorização e de concretização, apareceu em 3 dimensões: a) Na
dimensão institucional, os docentes levantam como fatores que dificultam a
concretização a estrutura organizacional e curricular fechada destacando o currículo
engessado e as condições de trabalho, dentre elas a gestão do tempo e as
multiplicidade de tarefas, b) Na dimensão relacional, levantam a dificuldade de
trabalho coletivo com os pares e a falta de discussão sobre processo de ensino
aprendizagem nos espaços de trabalho e levantam também uma percepção sobre o
estudante das dificuldades que comprometem os processos de ensino e aprendizagem
como imaturidade, poucas competências a priori e a valorização do ensino
transmissivo; c) Na dimensão pessoal, levantam lacunas na formação pelo
desconhecimento das técnicas e instrumentos das formas de ensino e falta de preparo.
Percebem carência na formação e relatam a ausência de formação específica.
Diante das respostas abertas podemos perceber que os docentes universitários
entendem que a sua prática está, em certa medida, dependente das condições
contextuais em que é exercida, o que revela que “as necessidades de formação são as
que o professor... se atribui na interacção que estabelece consigo, com o seu contexto
de trabalho...desenvolvendo um papel de participante e de colaborador”
(RODRIGUES,2006, P. 108). Entretanto, também levantam como condições que
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dificultam o trabalho docente questões relacionais tanto no que se refere às situações
de interação entre seus pares quanto relacionados ás interações com os estudantes.
Nesse caso, parecem apresentar mais as faltas dos estudantes do que uma análise mais
reflexiva de como melhorar tais interações para um melhor desenvolvimento do
trabalho educativo. Porém, demonstram perceber lacunas na sua formação o que
remete a avanços na reflexão dos professores sobre seu papel como docente,
considerando que a percepção da falta já indica um caminho para a mudança
(RODRIGUES, 2006).
Considerações finais
Analisando os resultados é possível perceber a alta incidência de respostas
positivas para as questões relacionadas ás competências cognitivas, tanto no que se
refere às concepções (importância dada) quanto às concretizações dos aspectos
investigados na sua prática docente. Assim, a maioria dos professores afirma achar
importante como também colocar em prática, situações didáticas para que essas
competências sejam desenvolvidas.
Esse resultado, por um lado, demonstra um avanço nas concepções de
aprendizagem apresentada e pode ser explicado, em parte, pelo fato de que grande
parte dos participantes da pesquisa serem professores que já demonstram, pela própria
disponibilidade em participar da pesquisa, estar engajados nos processos de reflexão
da sua prática pedagógica. Por outro lado, torna-se um tanto contraditório, quando
consideramos as dificuldades apresentadas pelos estudantes para realizar atividades
que demandem pensamento complexo e das queixas constantes, da maioria dos
professores, das dificuldades enfrentadas.
Os professores demonstram dar importância à construção das competências
cognitivas por parte dos estudantes, mas podem não compreender de forma
abrangente como o desenvolvimento de competências afeta a formação do
profissional ou tem limitações para propor situações didáticas adequadas para a
construção dessas competências. Na questão aberta, vários professores apontam para
essa lacuna na própria formação, declarando: “falta mais conhecimento, falta
estruturar com mais embasamento teórico essa prática”; “as maiores fragilidades são
encontradas no desenvolvimento e aplicação de metodologias, considerando as
lacunas na formação”; “há falta de maior preparo e formação nos aspectos
pedagógicos sobre o qual não tenho formação específica”.
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Os dados demonstram, ainda, que os professores percebem o papel do aluno
como protagonista no processo de ensino-aprendizagem e preocupam-se em
incentivar a participação e mudar a postura dos estudantes, como argumentam: “ás
vezes, o próprio aluno está tão acostumado com uma educação bancária, que leva-se
um tempo para que ele mesmo compreenda o seu papel ativo no processo de ensino-
aprendizagem, tendo em vista ser mais autônomo, investigativo, questionador”. Desse
modo, os resultados demonstram avanços nas concepções e práticas, mas também
revelam que os professores de ensino superior precisam ampliar seus conhecimentos
teórico-metodológicos para enfrentar os desafios atuais do ensino universitário.
Zabalza (2004) alerta que o desafio atual do docente universitário é conseguir
estabelecer-se como mediador das aprendizagens dos estudantes. A atitude
mediadora, precisa ser compreendida e desenvolvida como um trabalho intelectual em
que se articulam teoria e prática numa perspectiva transformadora tanto dos sujeitos
quanto da sociedade, aprendendo a conviver mais intensamente com os interesses e
pensamentos dos estudantes, cada vez mais diversificados. Com argumentado por
Pozo (2009), essas práticas já existem na universidade, mas como exceção e não
como um projeto geral. O desafio é torná-las uma cultura educativa.
Referências
BARDIN, L. Análise de conteúdo. Traduzido por Luís Antero Reto e
Augusto Pinheiro, Lisboa: Edições 70, 1977.
MASETTO, M. T. Competência Pedagógica do Professor Universitário -
2a. edição. São Paulo: Summus Editorial, 2012.
MONEREO, Carles; POZO, Juan Ignacio. La universidad ante La nueva
cultura educativa. Enseñar y aprender para La autonomia. Madrid: Editorial Sintesis,
S.A., 2009.
POZO, Juan Ignácio. Psicología del aprendizaje universitário: la formación
en competencias. Madrid: Morata, 2009.
RODRIGUES, Ma Ângela P. Análise de práticas e de necessidades de
formação. Lisboa: DIRECÇÃO-GERAL DE INOVAÇÃO E DE
DESENVOLVIMENTO CURRICULAR, 2006.
SANZ DE ACEDO LIZARRAGA, Maria Luisa. Competencias cognitivas en
Educación Superior. Madrid: Narcea, S.A., 2010.
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
1636ISSN 2177-336X
ZABALA, Antoni; ARNAU, Laia. Como aprender e ensinar competências.
Porto Alegre: Artmed, 2010.
ZABALZA, Miguel A. O ensino universitário: seu cenário e seus
protagonistas. Tradução Ernani Rosa. Porto Alegre: ARTMED, 2004.
PROFESSORES INICIANTES EM PROCESSO DE CONSTRUÇÃO NA
DOCÊNCIA UNIVERSITÁRIA: A FORMAÇÃO EM CONTEXTO
Vera Lúcia Reis da Silva
Universidade Federal do Amazonas - UFAM
Resumo
Este trabalho é um recorte do resultado de pesquisa de doutorado que teve como foco
principal professores iniciantes na docência universitária. O objetivo maior foi
compreender o processo de construção docente de professores iniciantes que foram
inseridos no contexto da expansão e interiorização de uma universidade pública no
Sul do Amazonas. Através de narrativas, quatro professores de diferentes áreas do
conhecimento foram ouvidos como sujeitos da pesquisa. Na perspectiva para essa
compreensão, este texto baseou-se em algumas questões norteadoras advindas dos
objetivos específicos do estudo, em especial as relacionadas aos percursos de
formação; estímulos para a escolha profissional; influências da condição de
estudantes a partir das aprendizagens com ex-professores; o impacto da formação
acadêmica para a docência, bem como, o valor atribuído à didática e a autoanálise de
suas práticas. A pesquisa trilhou caminhos da abordagem qualitativa e os dados
analisados à luz da análise de conteúdo, foram distribuídos em dois dos três eixos
basilares: Trajetória pré-docência e exercício da docência. O dinamismo, a reflexão
sobre as práticas e o compromisso com a própria formação estiveram presentes nas
narrativas dos docentes, evidenciando que seu processo de construção se alicerça,
principalmente, nos modelos e nos contramodelos trazidos das suas trajetórias
acadêmicas. Trata-se de um saber cultural que parece responder aos desafios que
enfrentam, mas sem uma base teórica que fortaleça a necessária profissionalidade. A
fragilidade da formação para a docência, a insipiência de acompanhamento
institucional nos aspectos didático-pedagógicos no ambiente acadêmico retarda e
afeta a construção docente, que se situa mais numa responsabilidade individual, do
que como parte das políticas públicas que sustentam a educação superior pública no
país.
Palavras-chave: Formação. Práticas de professores iniciantes. Didática universitária.
Introdução
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
1637ISSN 2177-336X
Professores iniciantes, objeto central desta pesquisa, são assim considerados
por serem profissionais em início de carreira, que fazem parte do corpo docente de
uma instituição de Ensino Superior sem ter experiências na docência universitária.
Sendo assim, um olhar mais aproximado fez-se necessário para situar os professores
iniciantes em contextos específicos no exercício da profissão.
A pesquisa assumiu uma abordagem qualitativa, uma vez que buscou respeitar
os aspectos subjetivos concernentes ao objeto de estudo. Nesta abordagem, os
procedimentos de coleta de dados revelam uma postura teórica, valores e visão de
mundo do pesquisador. Incluem o reconhecimento, por parte deste, das marcas da
subjetividade na pesquisa. A coleta qualitativa de dados não é neutra e nem considera
os fatos rígidos, ou imutáveis, portanto não podem ser medidos, conhecidos e
analisados na forma de generalizações. (ANDRÉ, 2008).
A busca de dados, a partir da realidade empírica, visando encontrar possíveis
respostas aos questionamentos feitos, trilhou caminhos da entrevista de cunho
narrativo. Procurou-se dar voz e ouvir com mais intensidade o que tem emergido dos
movimentos e das experiências em relação à formação e práticas de professores no
percurso até então realizado pelos sujeitos da pesquisa que, pelo critério de
eliminação, somaram-se em quatro professores de áreas distintas do conhecimento.
Esse número viabilizou o uso da narrativa para a coleta dos dados.
A narrativa possibilita movimentos em que o autor do relato faz uma imersão
em si, olha para si e, nessa dinâmica, produz conhecimentos sobre si. E, como
menciona Josso (2010, p. 189), “esse olhar retrospectivo e prospectivo estimula a
reflexão sobre a responsabilidade do sujeito sobre seu vir a ser e sobre as
significações que ele cria”.
Os dados foram analisados à luz do referencial teórico que apoiou a pesquisa,
e interpretados mediante a Análise de Conteúdo, pois, no âmbito de uma abordagem
metodológica que reconhece o papel ativo do sujeito na produção do conhecimento,
este procedimento se assenta nos pressupostos de uma concepção crítica e dinâmica
da linguagem. “[...] através da análise de conteúdo, podemos caminhar na descoberta
do que está por trás dos conteúdos manifestos, indo além das aparências do que está
sendo comunicado”. (GOMES, 2009, p. 84).
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
1638ISSN 2177-336X
Professores Iniciantes e a Docência Universitária
A literatura brasileira, na área da Educação, tem trazido importantes
contribuições sobre a docência em seus vários aspectos, sobretudo, nos níveis da
Educação Básica. Contudo, as pesquisas sobre a iniciação à docência, especificamente
no Ensino Superior, são recentes, haja vista que, com a inserção de novos professores
no contexto da expansão das universidades públicas, somente nos últimos anos é que
pesquisadores e estudiosos trouxeram a temática como objeto de seus estudos.
A condição dos novos professores que se inserem nesse contexto da
democratização de acesso ao Ensino Superior é passível de investimentos em questões
como, por exemplo, a formação pedagógica que emerge da necessidade básica do
ensinar e do aprender.
Diante desta realidade, em que se presencia, na docência universitária,
acentuada entrada de jovens recém-saídos de cursos de pós-graduação, é que a
inserção profissional, muitas vezes, é marcada por um movimento de transição onde
eles passam em curto espaço de tempo da condição de discentes a docentes.
As questões que envolvem a inserção à docência instigam a análise do fenômeno
da Educação Superior na contemporaneidade, principalmente quando se analisa o caso
dos jovens que acorrem à carreira docente na expectativa de encontrar um espaço de
profissionalização. (CUNHA, 2013).
Pesquisas já confirmam que um novo perfil de professores está se inserindo
nas universidades públicas. Diante das evidências, não se pode ignorar a presença de
jovens professores no exercício da docência universitária. Pode-se dizer que esses
professores trazem consigo apenas a experiência de estudante universitário ou como
estudante de Mestrado ou Doutorado e, nessa condição, se inserem na docência.
Cunha (2012, p. 205) ajuda nessa compreensão, afirmando:
Quando se incorporam à Educação Superior, nesses tempos de
interiorização e massificação, descobrem que deles se exige que tenham
uma gama maior de saberes, em especial para o exercício da docência para
o qual, na maioria das vezes, eles não têm a menor qualificação. [...] terão
que dominar o conhecimento disciplinar nas suas relações horizontais, em
diálogos com outros campos que se articulam curricularmente. Precisarão
ler o contexto cultural de seus estudantes, muitos deles com lacunas na
preparação cientifica desejada [...].
Isto significa que há necessidade de mobilização no espaço de trabalho e
articulação com seus pares no sentido de apoio para a superação, num primeiro
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1639ISSN 2177-336X
momento, de dificuldades e desafios que se lhes apresentam no início da docência.
Para Day (2001, p. 102), "os seus 'inícios' serão fáceis ou difíceis, em função de sua
capacidade de lidar com a organização e com os problemas de gestão da sala de aula,
com o conhecimento pedagógico e do currículo”.
Neste sentido, o professor iniciante está vulnerável a agir por um insight,
diante de uma situação que emerge no cotidiano da docência. A formação específica,
por si só, não dá condições de reverter na prática questões mais complexas
relacionadas ao ensinar e ao aprender, para as quais, muitas vezes, se apela para a
improvisação de ações não refletidas.
Diante dessas evidências, a inserção de um iniciante na docência nem sempre é
marcada por uma trajetória inicial de segurança naquilo que se faz em relação à prática
docente. Embora os anos vivenciados como estudantes tenham produzido experiências
acadêmicas, o ser professor exige conhecimentos e saberes para dar conta das demandas
da docência universitária.
Mesmo que a LDB 9.394/96 enfatize que uma das incumbências dos docentes
é a participação em atividades de desenvolvimento profissional, cabe à instituição,
imbuída de sua responsabilidade social, contribuir para o desenvolvimento de seus
docentes, transformando, como no dizer de Cunha (2010), seus espaços em lugares de
formação.
A incompletude do professor como pessoa e profissional requer contínua
aprendizagem da docência, direcionando-a para a melhoria de qualidade que se espera
do ensino neste contexto de mudanças e transformações que estamos vivenciando.
Além disso, nesta fase inicial de carreira, o professor passa pelo processo de
mudanças de ambiente e de contexto sociocultural, o que implica na
significação/ressignificação de práticas do novo profissional.
Práticas de professores
A prática docente e a prática pedagógica merecem ser pontuadas como
constitutivas da docência. Este estudo defende, apesar do caráter intrínseco, a
diferença entre prática docente e prática pedagógica, por compreender a primeira
como o eu profissional, ou seja, as ações, as relações, o agir, o fazer do professor na
sua profissionalidade. É a docência em movimento, é um processo contínuo de ser e
estar na profissão. A segunda, por estar relacionada com o processo mais específico
do ensinar e do aprender e, por isto, constitui-se como um espaço dinâmico entre
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1640ISSN 2177-336X
teoria e prática. Por sua dimensão social, seu caráter de intencionalidade, é mais
ampla, mais complexa. É uma construção contínua, marcada de subjetividades e
singularidades do professor. A prática pedagógica é a concretização da prática
docente.
A prática docente como o eu profissional, para Portal (2012, p. 110),
[...] compreende as relações do professor consigo mesmo e com os outros
significativos do campo profissional. Constrói-se na dinâmica relação entre
os professores com o indivíduo e com o grupo, num complexo subjetivo
(mundo interior, individual e coletivo, consciente e inconsciente) com
necessidades vivas e organizadoras.
A autora, ao se referir sobre a prática pedagógica, menciona sua dimensão
pessoal em que cada professor confere sua atividade docente “[...] o que inclui sua
história de vida – familiar, escolar, profissional – sua visão de mundo e de homem,
seus valores, seus saberes e, principalmente, o que significa para ele Ser professor”.
(PORTAL, 2012, p. 110 grifo da autora).
A prática por si só não conduz a um caminho necessariamente promissor,
principalmente, quando usada na dimensão prático-utilitarista, na tentativa de resolver
questões ou necessidades imediatas. Sendo assim, a prática no sentido de agir,
realizar, fazer, toma outra direção no cotidiano da docência, exigindo uma maneira
consciente, onde haja compromisso com as mudanças e com a transformação social.
A prática pedagógica, para Veiga (1992, p. 16), “[...] é uma prática social
orientada por objetivos, finalidades, conhecimentos, e inserida no contexto da prática
social”. Então, como prática social, dinamizada por intencionalidades, ela trilha na
contramão da fragmentação e da reprodução do conhecimento.
Neste sentido, na docência universitária não se pode perder de vista o cenário
das mudanças sociais e culturais que se apresentam como questões que priorizam a
participação ativa dos estudantes no processo de ensinar e aprender. Nesta
dinamicidade, professores e estudantes são sujeitos construtores e produtores de
conhecimentos.
Diante do cenário de mudanças na contemporaneidade, em que o
conhecimento tem alcançado significativo valor, sempre em constante transformação,
as incertezas, o inesperado, o ilusório da verdade absoluta são características do nosso
tempo e apontam para múltiplas direções para a educação. E, neste contexto, cabe ao
professor buscar possibilidades de significar/ressignificar suas práticas.
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1641ISSN 2177-336X
A maneira como fomos ensinados parece não responder mais as expectativas
que se esperam de uma aula, pois os resquícios de um ensino repetitivo, fragmentado
decorrentes de um processo histórico não muito distante de nossos dias, ainda,
persistem e acompanham a trajetória docente.
No contexto atual, o professor não mais representa o tradicional transmissor de
informações e conhecimentos, ação quase impensável, mas assume uma nova
profissionalidade, sendo ponte entre o conhecimento sistematizado, os saberes da
prática social e a cultura dos estudantes. Entretanto, é preciso compreender que, em
que pese a urgência da configuração da prática pedagógica com o evidente
esgotamento da alternativa tradicional, as necessárias rupturas são processos
complexos que necessitam de compromisso e de reorganização de saberes e
conhecimentos do professor. (CUNHA, 2007).
A prática consciente e reflexiva pode identificar caminhos superadores das
limitações cotidianas e na dinamicidade da docência, onde a articulação entre teoria e
prática é estruturante para a superação da visão instrumentalista e ingênua da prática
docente. Carvalho (2006, p. 14), reforça a ideia de que,
Como uma dimensão da prática social mais ampla, a prática pedagógica
reflexiva caracteriza-se sobremaneira, pelo trabalho coletivo entre sujeitos
curiosos, inquietos e insatisfeitos com os resultados do seu próprio
trabalho [...]. A prática pedagógica reflexiva caracteriza-se, enfim, pelo seu
caráter emancipatório e como fonte geradora de novos conhecimentos e/ou
novas teorias.
Com seu caráter de intencionalidade e grau de consciência, o processo de
rompimento com práticas repetitivas, que fragmentam e que isolam o conhecimento, é
necessário. E na perspectiva, da prática pedagógica encontrar espaço para reflexão, o
professor tem possibilidade de internalizar a responsabilidade social como parte de
sua prática. Por certo, caminhos se abrem para outras maneiras de se fazer e de ser
professor.
Reforça-se que teoria e prática não se concretizam uma sem a outra. Tanto a
teoria quanto a prática, na forma de indissolúvel unidade, asseguram ao professor
capacidade de enfrentamento diante das incertezas na construção do novo. E no
contexto da docência universitária, põe-se em relevo a importância da criatividade na
solução de novas situações vivenciadas. “É por essa exigência de criação na resolução
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1642ISSN 2177-336X
das questões da prática que uma lógica de previsibilidade positivista não é suficiente
na ação docente”. (PIMENTA; ANASTASIOU, 2010, p. 114).
Essa condição assegura afirmar a importância da valorização da formação
contínua do professor para a construção de novos conhecimentos e novos saberes que
qualifiquem a didática na docência universitária.
Os dados no entrelaçamento das narrativas
Os dados baseados nas questões norteadoras advindas dos objetivos
específicos da pesquisa foram organizados em três eixos que abarcaram dimensões de
análises. Porém, este trabalho centrou-se em dois deles e em algumas de suas
dimensões. Eixo 1: Trajetória pré-docência universitária. Dimensões: a) percurso de
formação; b) estímulo para a docência; c) aprendizagem para a docência com ex-
professores. Eixo 2: Exercício da docência. Dimensões: a) análise pessoal das práticas
pedagógicas; b) o valor da didática para as práticas dos professores.
Levando em consideração a formação acadêmica dos sujeitos que
protagonizaram a pesquisa, os mesmos foram nomeados de Arquimedes, Euclides,
Lavoisier e Montessori, personalidades que se imortalizaram por suas importantes
contribuições para a humanidade através de suas descobertas científicas.
O estudo em si, não teve a pretensão de fazer comparações entre os
professores, mas não se pôde fugir de algumas semelhanças como, por exemplo, o
percurso de formação de Arquimedes e Euclides, em que os dois enfatizaram a
facilidade em lidar com números na área da Matemática e, desde muito cedo, na
condição de estudantes do Ensino Médio, já eram procurados para tirar dúvidas e dar
aulas particulares para pessoas conhecidas e vizinhos.
A experiência vivenciada por Lavoisier está relacionada com os Estágios
Curriculares realizados na Licenciatura e no Bacharelado. O estágio na indústria foi
exemplo negativo em funções de atividades repetitivas e cansativas, diferenciando-se
do estágio na escola, em que a dinamicidade da docência fez diferença para Lavoisier
optar ser professor.
“Eu tive, na época do bacharelado, um estágio na indústria como
químico e me interessei muito pouco pelo trabalho, que é extremamente,
repetitivo, faz o dia todo, a mesma coisa. É cansativo, porque você vive
pra trabalhar em vez de trabalhar pra viver. E tive uma experiência muito
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1643ISSN 2177-336X
boa no estágio na licenciatura, que foi num colégio onde a supervisora
era uma professora super simpática e me ajudava nas minhas aulas.
Então, tive uma boa base para ser professor e isso me incentivou pra
continuar na docência. O tanto que hoje eu acho que o estágio é a parte
mais importante na graduação do licenciado, porque ele tem condições
de saber o que é dar aula, de saber o que é docência.” (Professor
Lavoisier)
Ficou evidenciado que o percurso formativo para a docência de Montessori
teve seu início na infância, tempo em que acompanhava a mãe-professora para a
escola. Nesta fase de vida, foi despertado o desejo de seguir a sua profissão. Apesar
de sua formação híbrida e de ter transitado por vários espaços profissionais, hoje não
se vê fazendo outra coisa senão a docência.
Cada um desses professores em tempo específico de vida vivenciaram
experiências em que o ato de ensinar ou de aprender em espaços diferenciados os
direcionaram para a docência, para ser professor. Isto denota que a trajetória de uma
pessoa é demarcada de significados que ao longo da caminhada podem ser
ressignificados influenciando em algo que para muitos é um dilema, a escolha da
carreira profissional.
Das aprendizagens com os ex-professores foram mencionados modelos e
contramodelos. Arquimedes evidenciou a paixão com que um de seus professores
exercia a profissão. Atitude cativante evidenciada como característica de um bom
profissional. Com este professor, aprendeu que o profissional é quem faz a profissão.
“É um professor que a gente vê que faz o trabalho com paixão e muito
bem feito. Praticamente todas as turmas escolhiam ele e o homenageavam
na formatura, porque ele passa pra gente essa paixão por desenvolver um
trabalho bem feito, bem organizado. Aprendi com ele que a gente pode
estar em qualquer emprego, ganhando muito ou ganhando pouco, mas se
você não faz aquilo com paixão, você se torna um péssimo profissional e
eu percebi, como professor, que eu posso ser um bom profissional.”
(professor Arquimedes)
Euclides reconheceu que fez uma salada de seus professores. Procurou extrair
o melhor de cada um. O domínio dos conteúdos; o comportamento profissional; a
maneira de explicar; ou até como sair de uma situação embaraçosa em sala de aula
foram importantes aprendizagens. Mas, não omitiu que trouxe na bagagem a vingança
herdada da atitude de alguns deles. Agia, assim, se os alunos não comparecessem em
sua aula. Atitude que ficou para trás ao reconhecer uma prática não proveitosa.
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1644ISSN 2177-336X
“Logo que eu cheguei aqui, se o aluno não viesse pra minha aula, a minha
postura era: Ah! Vocês não querem vir pra minha aula, vocês vão se ferrar
porque eu vou fazer uma prova. Eu tinha um pouco de ser vingativo, como
professor, quando eu cheguei aqui. Hoje em dia, já não tenho essa postura. Eu
procuro fazer o meu papel [...]. Então, independente se o aluno vai aprender ou
não, eu procuro tentar fazer com que ele construa o conhecimento e tento
trabalhar sempre fazendo o meu papel; se ele não está fazendo o dele, aí já é
outra história. Às vezes eu vou para uma turma que não quer nada com nada e a
gente sai triste, eu chego a reclamar, dou orientação pra esse pessoal, mas não
me vingo. Isso pra mim já não existe mais. Eu via muito isso de meus
professores na graduação, coisas desse tipo, que eu deixei pra trás que eu via
que não era proveitoso.” (Professor Euclides)
Lavoisier volta o olhar para a prática pedagógica, para suas metodologias.
Coloca-se na posição de seus alunos ao lembrar-se de suas dificuldades na Graduação,
procurando não repetir os erros observados em alguns de seus ex-professores.
Montessori lembra um professor que não limitava sua prática pedagógica por falta de
recursos didáticos tecnológicos na época de Graduação. Com ele aprendeu que na
docência não existem somente saberes técnicos. Aprendeu com a prática pedagógica
desse professor que os seminários não são as únicas formas de avaliar na
universidade.
Ficou evidenciado que a prática pedagógica de um professor fala por si. Os
professores se constroem, também, baseando-se na prática de seus ex-professores, não
só com os modelos, mas com contramodelos. Das práticas destes emergem
aprendizagens, quer sejam positivas ou negativas. Mas, os protagonistas tendem a
abandonar os contramodelos à medida que ganham maturidade profissional.
A forma como os temas da Psicologia da Educação eram trabalhados
despertou, principalmente, em Euclides, o interesse de conhecer mais sobre o aluno
como ser humano. Contudo, evidenciou a não contribuição da Didática Geral para sua
formação. A forma como os temas eram tratados, a ausência de ética profissional, o
despreparo teórico e prático do professor sufocaram suas expectativas em relação a
este componente curricular. Por sua vez, Lavoisier evidenciou temer em cair nos
mesmos erros de seus ex-professores: ensinar sem os alunos aprenderem. Evidenciou
que a experiência docente vivenciada no Ensino Médio deu suporte para a docência
universitária.
O conteúdo e a forma desenvolvidos na aula universitária e visualizados em
vários ângulos pelos então estudantes na graduação, deixou marcas e imprimiu
significado na vida acadêmica. A maneira de ensinar revelou maneiras de ser de seus
professores. Por certo, nossos protagonistas se encontram em situação semelhante. A
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1645ISSN 2177-336X
maneira de ensinar revela aos seus alunos a maneira de ser de cada um deles, ou os
identifica como pessoa e como profissional.
O pré-conceito e o ceticismo em relação à Didática foram superados por
Arquimedes, ao reconhecer sua importância para a prática pedagógica de professores
universitários. Este vê, na Didática, caminhos para a aprendizagem dos estudantes.
Por sua vez, Euclides relaciona a Didática ao saber fazer o saber de sua área de
formação e evidenciou o saber ser em referência ao professor pessoa/profissional
cidadão. Lavoisier relaciona a Didática com a forma do ensinar e do aprender. Teve
como parâmetro inicial de sua didática a avaliação realizada pelos estudantes sobre
sua prática pedagógica desenvolvida nas aulas semestrais. Montessori faz relação da
Didática com a formação dos estudantes, com a forma diferenciada dos professores
desenvolverem suas práticas pedagógicas e com o nível de desenvolvimento dos
estudantes.
Ficou explícito o valor atribuído à Didática e o reconhecimento para a prática
do ensinar e do aprender, mas explícita, também, a falta de acompanhamento
formativo que qualifiquem os processos didático-pedagógicos nas práticas dos
professores.
“Eu penso que ainda falta muito [...]. A Universidade peca muito neste sentido,
falta de formação. Nós, professores dos cursos de licenciatura, falamos muito da
formação continuada, mas a Instituição não oferece curso de formação para os
professores. Então, acho que a gente está discursando muito e praticando
pouco. Quando se trata de formação de professores precisa se investir mais na
formação continuada [...].” (professora Montessori)
Na análise das práticas pedagógicas, Arquimedes evidenciou esforços para
melhorar a comunicação e o relacionamento com os estudantes. O como no
tratamento dos conteúdos emergiu como preocupação no sentido de incentivar o
aprendizado. Evidenciou iniciativas para fugir de práticas pedagógicas que estimulam
a repetição ou a memorização. Na análise de Euclides, a reflexão é o peso aferidor de
seu próprio desempenho profissional. Com base em sua autoavaliação, no final de
cada período acadêmico, planeja o período posterior. Evidenciou preocupação,
também, com o como, no tratamento dos conteúdos, trazendo para a realidade do
cotidiano local e global as atividades avaliativas, na tentativa de fugir de práticas
pedagógicas recorrentes na área da Matemática. Lavoisier também evidenciou
preocupação com a melhoria de sua prática pedagógica. Reconheceu a necessidade de
se movimentar, buscando em pesquisas e estudos a ampliação do conhecimento
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1646ISSN 2177-336X
pedagógico (saberes) para não repetir em sua docência a prática pedagógica
vivenciada por ele na Graduação. Montessori reconheceu desenvolver sua prática
pedagógica com mais segurança profissional e equilíbrio emocional. A busca por
conhecimentos, por saberes docentes nas leituras, na interrelação com colegas de
outras áreas contribuiu para a melhoria de sua prática.
“Quando cheguei, eu vi que não sabia quase nada e disse: Meu Deus!
Acho que não vou dar conta! Fiquei desesperada. Tanto é que falei para
os alunos que no início, quando estava na sala de aula, eu tremia, eu
suava [...]. O que a gente precisa é estudar. Para dar aula, para
ministrar aula isto é fundamental (a leitura). A gente não pode ir para a
sala de aula sem estudar. E hoje eu vejo que todo esse processo de
estudo, de leitura é fundamental para minha atuação em sala de aula
[...]. Eu, como professora, me vejo melhor do que cheguei, mas ainda
longe de onde pretendo chegar. Como diz Paulo Freire, nós somos seres
inacabados. Nós precisamos dessa formação permanente e se a
universidade não me dá essa formação eu tenho que correr atrás [...].”
(professora Montessori)
Não se pode fugir da importância da Didática na docência universitária.
Mesmo silenciada na prática de uns e evidenciada na de outros, acreditamos na
possibilidade de uma sala de aula universitária protagonizar mudanças a favor de
novas racionalidades exigidas no nosso tempo. Neste sentido, considerando a Didática
como teoria da docência, ela sinaliza que a relação entre teoria e prática, conteúdo e
forma são indissociáveis no processo do ensinar e do aprender.
Sendo assim, cabe ao professor como principal articulador de sua construção
profissional, prezar também por formação pedagógica na docência universitária.
Algumas considerações
Com base nos achados da pesquisa que estruturaram este texto, o percurso pré-
formação inicial através da convivência profissional na família ou pela facilidade em
uma área específica do conhecimento e; o percurso da própria formação inicial,
através do Estagio Curricular Obrigatório, foram aspectos decisivos para a escolha da
carreira profissional.
O estágio foi colocado na posição de destaque na formação inicial como
diferenciador na escolha pela docência. Este componente curricular, muitas vezes, não
recebe o devido valor por parte de estudantes, que não veem o significado nem o
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1647ISSN 2177-336X
verdadeiro sentido que o mesmo representa para a formação profissional. O estágio e
a prática de ensino são espaços experienciais do desenvolvimento da docência. Neste,
o futuro professor vivencia práticas da profissão na dinâmica complexa da sala de
aula.
A longa trajetória acadêmica foi acompanhada de modelos e contramodelos
que marcaram a vida pessoal e a carreira profissional dos protagonistas da pesquisa
que tendem descartar de suas práticas o que não consideram ser viável a um efetivo
aprendizado. Os ex-professores, de uma forma ou de outra, validaram e contribuíram
na formação de cada um deles. Neste sentido, a formação inicial é um espaço de
importante contribuição para a construção profissional docente. Então, é
responsabilidade social dos professores a formação de novos profissionais.
A prática pedagógica identifica o professor e imprime nos estudantes uma
referência. E a didática põe em marcha essa prática que, não está unicamente na
transmissão do conhecimento em si. Sendo assim, ficou evidenciado o
reconhecimento do valor da didática para as práticas, como proporcionadora de
condições não só para o saber fazer, mas o saber ser como pessoa/profissional
cidadão.
As experiências iniciais na docência universitária e a complexidade da sala de
aula suscitou a autorreflexão, a auto avalição em relação ao ensinar e aprender na
universidade, bem como a compreensão da necessidade de olhar para si e perceber
mudanças positivas em suas práticas e a dedicação com a docência.
Contudo, a fragilidade da formação para a docência universitária e a ausência
de formação no exercício desta docência é passível de um olhar mais apurado
institucionalmente. É nítido que os professores buscam por si mesmos o direito de
formar-se, pois a validação de políticas públicas para a sustentação deste contexto,
ainda, não são visualizadas com nitidez no processo formativo desses professores,
retardando e afetando a construção docente.
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1649ISSN 2177-336X
A CONSTRUÇÃO DO TEXTO CIENTÍFICO NA GRADUAÇÃO:
PERCEPÇÕES DE ESTUDANTES DE LICENCIATURA EM LETRAS
Marinalva Lopes Ribeiro
Resumo
Muitas vezes, o ensino da escrita de textos acadêmicos fica restrita ao contexto da
língua e da literatura, fazendo com que os estudantes não tenham oportunidade de
desenvolver atividades cognitivas mais complexas, como as exigidas pela escrita do
artigo científico em outros componentes curriculares da graduação. Baseados numa
pedagogia ativa, que toma a pesquisa como centro da prática educativa e exige dos
estudantes o exercício do questionamento da realidade, a busca de soluções para os
problemas da prática docente da escola básica, mediante a investigação dessa
realidade e a escrita de artigo científico para comunicar os achados, apresentamos
neste trabalho, os resultados de uma metapesquisa, realizada no componente
curricular Didática. O objetivo foi conhecer as percepções dos 22 estudantes
matriculados, sobre a escrita do texto científico nesse processo, onde articulamos os
conteúdos específicos da Didática com o desenvolvimento de estratégias para a
aprendizagem da escrita desse tipo de texto acadêmico. Como instrumento de
produção de dados, utilizamos os depoimentos escritos dos graduandos, que dialogam
neste texto com os autores Castelló, Lizárraga, Ribeiro, Santos e Souza, sendo
identificados com os seus próprios nomes. Os resultados apontam que a escrita do
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artigo científico exige competências cognitivas e afetivas da parte dos escritores,
envolvendo diálogo com uma comunidade discursiva. Portanto, seu processo de
escrita é lento e complexo, demandando paciência por parte dos estudantes da
graduação e da professora, tendo em vista a necessidade de orientação e de reescrita
de trechos, para que os graduandos construam sua própria voz enquanto autores e
solidifiquem muitas das competências que vão necessitar no exercício da docência.
Palavras-chave: O ensino de competências. A escrita do texto científico. O ensino
com pesquisa.
Introdução
Frequentemente, escutamos que os estudantes universitários não sabem
escrever textos científicos. Ora, se esta afirmativa é verdadeira, nos questionamos se
os professores desenvolvem as competências que favorecem a escrita na sala de aula.
Será que essas competências são objeto de ensino, como acontece com os
conhecimentos específicos previstos nos programas das diferentes disciplinas da
graduação? Com efeito, segundo Castelló (2009), para certos estudantes, escrever
corresponde à atividade do escriba, ou seja, transcrevem trechos de artigos, de
documentos e de livros escritos por diversos autores. E esse tem sido um problema
que aflige muitos professores, ao reconhecerem que grande parte dos textos
produzidos pelos acadêmicos foram “copiados” de algum artigo da Internet de forma
integral ou em parte, sem terem sido acompanhados de qualquer atividade de análise,
síntese ou criatividade por parte do discente.
Pensando em estimular, dentre outras, as competências: pensamento
compreensivo, pensamento crítico e o pensamento criativo, na disciplina Didática,
oferecida ao 6º semestre do Curso de Licenciatura em Letras de uma universidade
pública baiana, realizamos a proposta da pesquisa como princípio educativo, a partir
da qual os estudantes desenvolveriam muitas dessas competências, tendo como ápice
a construção de um artigo científico.
Pelo fato de requerer uma atividade cognitiva complexa por parte dos
estudantes, capaz de produzir uma aprendizagem mais duradoura e que seja
transferível a outras situações, o ensino com pesquisa, fundado na pedagogia ativa,
possibilita a formação de sujeitos autônomos, no caso dos futuros professores,
desenvolvendo a capacidade de pesquisar e de resolver questões da própria prática de
sala de aula (RIBEIRO; SANTOS; SOUZA, 2015).
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Tratando-se dos graduandos em Letras, que foram os colaboradores desta
pesquisa, o ensino com pesquisa, desenvolvido no componente curricular Didática,
teve o seguinte desenho metodológico:
Após uma discussão teórica sobre o conceito de artigo científico e da
apresentação de cada uma das partes que o constituem, sempre considerando os
conhecimentos prévios dos estudantes, eles se organizaram em equipes e discutiram
as possibilidades de visitarem uma escola da rede pública de ensino, de educação
fundamental. A consigna1 foi observar o seu entorno, o edifício, todas as suas
dependências e os alunos dentro e fora da sala de aula, com vistas a buscarem algo
que suscitasse questionamentos relacionados à prática educativa, em sala de aula.
Na volta dessa observação, os estudantes selecionaram, dentre os
questionamentos, uma questão de pesquisa. Com a nossa orientação, desenvolveram
uma intensa atividade cognitiva que envolveu, dentre outras: o exame, a leitura e a
síntese de artigos científicos relacionados ao tema escolhido pela equipe; o
planejamento de todo o processo investigativo, inclusive da estruturação do quadro
referencial, a partir do que foi considerado mais relevante; a construção dos
instrumentos de coleta e produção de dados em função dos objetivos; a aplicação dos
instrumentos; o tratamento dos dados; a organização dos achados em categorias de
análise; a síntese dos achados; a escrita de artigos; a sua revisão com base nas
modificações sugeridas pela docente; e, finalmente, a comunicação oral dos
resultados ao restante da turma. Vejamos um depoimento sobre esse processo: “Antes
de produzir o artigo, tivemos que preparar e realizar a pesquisa de campo.
Preparamos questionários para alunos e professores, porém, quando chegamos na
escola e nos deparamos com outra realidade, tivemos que mudar os objetivos do
trabalho” (Vanessa). Conforme ficou explícito no depoimento de Vanessa, essa
atividade dinâmica e complexa implicou mudanças no planejamento inicial e
sucessivas revisões.
Neste painel, vamos apresentar a percepção dos estudantes dessa turma sobre
o processo de escrita de tais artigos científicos, em diálogo com alguns autores que
embasam teoricamente o estudo. Os 22 estudantes expressam, de forma consciente, os
próprios processos cognitivos, os pontos fortes e fracos dessa produção e analisam,
além das suas condutas, a dos demais colegas de grupo, em relação às exigências da
1 No Espanhol, significa ordem que recebe uma pessoa ou grupo que vai intervir em uma ação
determinada.
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tarefa solicitada pela professora. Os seus depoimentos vão aparecendo ao longo deste
texto, em interlocução conosco e com outros autores que também se debruçam sobre
o tema.
O artigo científico: a incorporação de vozes que emitem opiniões
O artigo científico é um estudo com autoria declarada, que trata de uma
questão científica e é o meio privilegiado para a comunicação de uma pesquisa de
campo, documental ou bibliográfica. Nesse sentido, requer, primeiramente, que o
escritor tenha usado uma escrita exploratória e demonstre a compreensão das
informações mediante a elaboração de sínteses progressivas das mesmas, conforme
indica Castelló (2009).
Além disso, o artigo científico se constitui a parte principal das revistas
especializadas em determinados temas, pois é nelas que o pesquisador comunica, com
concisão, o essencial dos seus trabalhos, cuidando da sua originalidade. Com efeito,
“A escrita do texto científico é de estrema importância na graduação, pois nos
possibilita amadurecer a escrita e melhorar o nível de leitura. O processo de escrita
do artigo científico exige muita pesquisa, leitura, correção e alterações, isto
possibilita o enriquecimento do texto” (Ilana).
Castelló (2009) deixa claro que, tendo em vista que implica o
desenvolvimento de diferentes competências, as atividades de escrita também devem
ser objeto de ensino nas aulas universitárias, mesmo porque escrever de forma pessoal
não é tarefa fácil, não se adquire de maneira espontânea e pode impactar os
estudantes: “Não vou mentir que me senti um pouco insegura diante da tarefa, pois
foi o primeiro artigo que produzi em equipe” (Ana Caroline); “No começo do
semestre, confesso que fiquei surpresa de ter que produzir um artigo científico, que
geralmente é uma avaliação feita no fim do semestre. Agora, percebi que foi uma
ótima proposta”(Cidália Barbosa).
No depoimento de Cidália, fica explícito que o artigo, na universidade, tem
sido solicitado como instrumento de avaliação, cujo destinatário é unicamente o
professor, e não como o concebe Castelló (2009), como uma ferramenta epistêmica,
cuja função é construir conhecimento.
Lizárraga(2010), analisando a natureza das principais competências genéricas,
as organiza em quatro grupos: cognitivas, sócio/afetivas, tecnológicas e
metacognitivas. Enquanto as competências cognitivas se relacionam principalmente
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com o sistema intelectual do ser humano, as competências sócio/afetivas se
relacionam com a convivência entre as pessoas. A competência tecnológica, por sua
vez, relaciona-se com a busca e o manejo de informação através das tecnologias da
informação e da comunicação. Por fim, a competência metacognitiva se relaciona
com os próprios processos cognitivos, a regulação da conduta, o aprender a aprender,
a aprendizagem autônoma e a aplicação das aprendizagens.
Neste trabalho, vamos tratar algumas dessas competências de maneira
concisa, pois não é nosso propósito teorizar sobre elas, mas apresentar as concepções
dos estudantes sobre a construção de artigos científicos, momento em que
aproveitamos para dialogar com determinados autores sobre algumas competências
que estariam envolvidas nesse processo.
No trabalho de pesquisa empreendido pelos estudantes, evidentemente eles
lançaram mão da competência cognitiva, no momento em que necessitaram
compreender diferentes artigos e capítulos de livros que leram, interpretando as
informações, os conceitos e os fatos, a fim de gerar novas informações e tomar
decisões acerca da teoria que daria conta para solucionar as suas questões de pesquisa.
Nesse sentido, eles tiveram que demonstrar as habilidades de comparar, classificar,
analisar, sintetizar, sequenciar e averiguar razões e extrair conclusões. Como destaca
uma graduanda, “O processo de escrever foi lento e pediu muita leitura. Não gosto
muito da escrita científica, embora tenha consciência de que é fundamental treinar
essa escrita para um futuro mestrado. Aliar a teoria com a prática é um pouco
complicado, porém necessário” (Cidália).
Se tomarmos como exemplo a competência para compreender as informações,
a qual depende do desenvolvimento do pensamento compreensivo, como defende
Lizárraga(2010), assinalamos que as competências compreensivas são ferramentas
básicas do pensamento efetivo que, ao por em jogo recursos cognitivos, conteúdos e
motivações, contribuem na melhora do pensamento dos estudantes em relação aos
conteúdos que aprendem, facilitam a recuperação dos conhecimentos prévios e o
poder de suas próprias mentes para criar outros novos. Nesse sentido, os estudantes
tiveram que desenvolver as habilidades de comparar, classificar, analisar, sintetizar e
extrair conclusões. Na opinião de Jessica, “Percebi algumas dificuldades para
escrever o artigo, uma vez que este é um texto científico que requer bastante
pesquisa, análise de textos, síntese”.
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Hoje, estamos constantemente expostos a uma enxurrada de informações
midiáticas fragmentadas e superficiais que exigem dos estudantes em formação, o
pensamento crítico. Diz Lizárraga(2010) que o fato de compreender as informações
não é suficiente, torna-se imperioso examinar o seu conteúdo, claridade, veracidade,
precisão, relevância, profundidade, amplitude e lógica, o que depende do
desenvolvimento dessa competência, para que o estudante vá, aos poucos,
questionando as fontes, e buscando os argumentos que fundamentam os fatos
expostos. Evidentemente, é um processo longo, mas que implica uma formação
específica, como ressalta uma estudante: “Achei louvável a atitude da professora em
mandar os grupos refazerem o artigo. Isso não é punição, como alguns pensam,
muito pelo contrário, é um cuidado do professor para com o aluno e um ganho para a
formação deste” (Pâmella).
Além do pensamento compreensivo, necessário à compreensão das
informações, e do pensamento crítico, importante na avaliação de tais informações, a
que nos referimos anteriormente, na construção dos artigos científicos, os estudantes
tiveram que lançar mão do pensamento criativo, através do qual eles podem
desenvolver entre outras qualidades, a originalidade, a flexibilidade, a iniciativa, a
confiança, a persistência, a responsabilidade e a abertura mental, como indica
Lizárraga(2010). No depoimento de certos estudantes, algumas dessas qualidades são
verdadeiros desafios quando se trata de trabalho em grupo: “As ideias nunca são as
mesmas para se chegar à conclusão ou tomar alguma decisão, é mais difícil ainda. E
como sempre há alguém que fica esperando pelas outras pessoas...” Letícia).
Todo esse processo formativo é longo, demanda tempo e muita transpiração:
“A forma pela qual o trabalho foi conduzido nos permitiu, a partir das correções e
como consequência dos erros encontrados, que nós continuássemos buscando o
aprofundamento das análises feitas anteriormente” (Jaqueline). “O pior foi quando
recebemos a versão para correção. Foi horrível para mim, uma sensação que não
fizemos nada, que foi tudo em vão” (Gardênia). “Quando entregamos a primeira
versão, voltou cheia de observações. [...] Quando fui reler o texto, percebi que havia
um vácuo em certos trechos do texto e também ajudou muito na melhoria do
vocabulário, dos termos que utilizamos” (Letícia).
Apesar da crise em que muitos estudantes entraram ao receber o texto com
observações para revisão, todos concordaram que os resultados foram bons; afinal
eles compreenderam o que mostra Castelló (2009), que para se ter êxito nesse tipo de
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tarefa é necessário sucessivas aproximações: “A experiência de ter mais de uma
versão foi muito boa, pois podemos perceber erros que cometemos, mas não
percebemos. Acho isso muito positivo e importante para alunos da graduação”
(Kate). Então, a representação de que o escritor produz um texto acadêmico complexo
de uma só vez, é irreal.
Diante os textos concluídos, os estudantes revelaram sentimentos negativos e
positivos que experimentaram no processo: “Ao escrever o artigo científico, em
grupo, o meu sentimento foi de alegria, satisfação e honra” (Ketiniely); “Devo
confessar que, embora tenha grande prazer em escrever, poucas vezes escrevi com
tanto prazer um artigo” (Maria Rosane); “Foram vários sentimentos: angústia,
desespero, aflição, medo, felicidade ao concluir o artigo, raiva em relação a outros
companheiros” (Gardênia). Vale destacar que esses mesmos sentimentos são
recorrentes em outros escritores, inclusive nos mais experientes, tendo em vista que
“aprender a escrever textos acadêmicos é como aprender uma nova linguagem”
(IVANIC Y ROACH, 1990 citado por CASTELLÓ, 2009, p. 127).
Escrever um artigo científico “é um trabalho complexo e grande”, na opinião
de Gardênia, uma das nossas interlocutoras da turma de Licenciatura em Letras. O
depoimento da discente vai ao encontro de Castelló (2009), ao afirmar que muitas
vezes, escrever exige apenas demonstrar o aprendido, mas em outras situações é
necessário um esforço no planejamento para atingir os objetivos do texto, o
conhecimento das próprias habilidades como escritor, e saber o tipo de demanda a
depender da situação comunicativa.
Convém destacar, que por se tratar de estudantes que se preparam para a
profissão de professor, a escrita do artigo deu sequência à observação realizada em
escolas da educação fundamental, onde, provavelmente eles vão atuar. Nessas visitas
eles foram tocados pela realidade sobre a qual levantaram questionamentos, com o
fim de buscar respostas.
Percebemos que havia uma demanda emocional ao pisar o chão da escola e ser
tocado por alguma das questões que envolvem a prática docente, que é interesse da
Didática: “O processo de escrita sobre as dificuldades na leitura nas primeiras séries
possibilitou ao grupo um conhecimento mais amplo sobre as barreiras que o
professor encontra na sala de aula” (Silvandira); “A construção do artigo científico
foi um trabalho muito gratificante sobre a relação entre a construção do
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planejamento de ensino e a realidade dos alunos. Possibilitou uma maior
compreensão sobre a importância do planejamento de ensino” (Laiana).
Além das competências cognitivas a que nos referimos anteriormente, os
estudantes tiveram oportunidade de desenvolver competências sócio/afetivas, tendo
em vista que a proposta de ensino com pesquisa e produção de artigos científicos foi
realizada em pequenos grupos.
Assim, exigiu de cada sujeito flexibilidade, capacidade de diálogo, respeito às
ideias dos outros, saber ouvir e se fazer ouvir, renúncia a suas ideias em favor da
coletividade, tolerância, compromisso, criatividade, enfim, a capacidade de tomar
decisões e de compartilhar as “habilidades do pensamento criativo”, como propõe
Lizárraga(2010). Todavia, “A divisão de responsabilidades nem sempre é uma tarefa
fácil, mas de suma importância para evitar a sobrecarga e também para oportunizar
a participação de todos” (Maria Rosane).
A esse respeito, os estudantes apresentam outras opiniões relacionadas às
competências sócio/afetivas: “Trabalhar em grupo nos possibilitou maior
organização e agilidade na elaboração do artigo [...] A troca de conhecimentos nos
possibilitou maior aprendizagem, que foi gradual. Ao passo que o artigo ia ficando
pronto, íamos aprendendo mais através das trocas de experiência” (Ana Caroline);
“O fato de ser um trabalho em grupo exigiu dos participantes interação. No grupo do
qual eu fiz parte, a falta de compromisso de um aluno em relação à atividade que foi
proposta, quase foi um impedimento para o andamento do trabalho, mas
conseguimos reverter a situação” (Jaqueline Moreira); “O trabalho em grupos em si é
uma forma de aprendera respeitar a opinião do outro, é uma oportunidade de
construir coletivamente o conhecimento, ou seja, é um momento de troca” (Tatiele);
“Independente do resultado alcançado, o trabalho em grupo nos ensina a sermos
mais tolerantes, favorece o diálogo, provoca discussão, desenvolve o sentimento de
coesão. Enfim, possibilita a consideração das diferenças” (Joilma).
O último aspecto que destacamos, ao tomarmos a pesquisa e a produção de
artigo como centro de nossas atividades no componente curricular Didática, foi o
desenvolvimento da reflexão dos estudantes sobre seu próprio processo cognitivo.
Trata-se do que alguns autores, como Lizárraga(2010), chamam de metacongnição.
Para Brown, citado pela autora, o indivíduo com experiência metacognitiva é
consciente das próprias capacidades cognitivas e afetivas, analisa suas ideias e
condutas e a dos demais, toma consciência dos próprios processos mentais, das
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crenças e motivações e regula a mente e a conduta para ajustar-se às atividades que
envolvem uma determinada tarefa.
Nesse sentido, os estudantes revelam: “A construção do artigo, para mim,
particularmente, foi um pouco conturbada” (Carise); “Gostei muito do trabalho, foi
uma experiência ótima e obtive mais conhecimento através desse” (Manuelle). “A
realização do trabalho foi muito importante para que eu pudesse compreender
melhor como fazer um artigo e o passo a passo para a produção, como por exemplo o
que ele traz e o objetivo do mesmo” (Roseane); “Esse artigo científico do modo como
foi trabalhado, com orientação e desenvolvimento em sala, muito contribuiu para o
meu crescimento enquanto aluna” (Maria Rosane); “Estou muito triste com o
processo de escrita do texto científico, porque tenho muita dificuldade em escrever e
expressar a minha opinião e também tenho pouca leitura. Isso acaba dificultando,
mas tenho me esforçado para superar esta dificuldade” (Letícia).
Nos depoimentos das estudantes, percebemos como avaliam sua competência
em escrita e os ganhos nesse processo. No caso de Letícia, particularmente, a
graduanda identifica uma possível causa da dificuldade em escrever, pontuando que
tem envidado esforços para a mudança de tal situação que lhe deixa com sentimento
de tristeza. Posto isso, é provável que ao refletirem sobre seu processo de crescimento
profissional, reconhecendo seus avanços e dificuldades, os graduandos progridem na
aprendizagem profissional para que possam fazer frente aos inúmeros problemas que
assolam a escola pública nos dias atuais.
Considerações finais
O desenvolvimento de um ensino centrado na pesquisa sobre a prática
educativa de professores da escola básica, e na escrita de um artigo científico para
comunicar os achados da investigação empírica, constitui-se um dos objetivos do
componente Didática oferecido a uma turma composta por 22 estudantes do Curso de
Licenciatura em Letras de uma universidade pública da Bahia. A escuta das
percepções dos estudantes envolvidos nesse processo, mediante a produção de um
texto reflexivo para a avaliação da proposta, nos deu condições de concluir que a
escrita do texto científico requer exigências, tanto cognitivas, quanto afetivas e
implica um diálogo com uma comunidade discursiva.
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Mostrou, também, que esse processo de escrita, em grupos e sendo em grande
medida realizado na sala de aula, com a orientação da professora, foi paulatinamente
ajudando os estudantes na construção da própria voz como autores.
Destacamos, ainda, o envolvimento dos graduandos em todas as fases da
pesquisa, momento em que se consolidaram as relações entre os colegas dos grupos e
a professora de Didática, que foi recebendo o material produzido a cada dia e
retroalimentando, através de observações escritas nos textos e do acompanhamento
das produções dos grupos durante as aulas, sugerindo o exame de outros autores e a
reescrita de trechos, sempre voltada para o aperfeiçoamento do pensamento
compreensivo, crítico e criativo, de modo a ajudar os futuros professores a
construírem e solidificarem muitas das competências que vão necessitar no exercício
da docência.
Enfatizamos que o ensino com pesquisa e voltado para o desenvolvimento da
escrita constitui-se ferramenta fundamental para pensar, conviver e desenvolver-se
pessoal e profissionalmente.
Registramos, por fim, que o desafio a ser vencido na docência universitária é
desenvolver estratégias para que os textos sejam escritos colaborativamente, de modo
que todos os elementos das equipes participem de todo o processo, evitando que o
texto seja uma colcha de retalhos, onde cada participante colabore com um pedacinho,
evidentemente, perdendo a visão de todo o processo.
Referências
CASTELLÓ, Montserrat. Aprender a escribir textos académicos: ?Copistas, escritas,
compiladores o escritores? In: POZO, Juan Ignacio y ECHEVERRÍA, M. Del Puy
Pérez. Psicología del aprendizaje universitário: La formación en competências.
Madrid: Morata, 2009.
LIZÁRRAGA, M. Luisa. Competencias cognitivas en Educación Superior.
Madrid: Narcea, 2010.
RIBEIRO, M. L.; SANTOS, N.; SOUZA, C. Ensino com pesquisa: uma experiência
em estágio de docência. In: Anais do IV Colóquio Práticas Pedagógicas
Inovadoras na Universidade. Salvador: Uneb, 2015.
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