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O novo agregador do marketing. 10 Outubro de 2010 www.briefing.pt Entrevista É o homem de grandes marcas. Esteve ligado a nomes como as cervejas Sagres e Super Bock, as tintas Barbot, a Mundial Confiança, a Kidzania, a Optimus Home e a SIC. Criativo há quase três décadas, Manuel Pereira, 58 anos, diz que a criatividade é a única esperança do País Ramon de Melo Criativos são como os cientistas Manuel Pereira, chief creative officer da Santa Fé Associates Fátima Sousa jornalista fs@briefing.pt publicidade, mas de comunicação e tecnologia. E a verdade é que foi um sucesso, muito porque criámos um conceito novo, um pacto de respon- sabilidade com o cliente que tentava um pouco tirar partido da má ima- gem de uma certa publicidade muito província da comunicação e nem sequer a mais importante. Fiz essa avaliação e decidi que queria mu- dar de profissão. Não era a primeira vez. Aliás, a mudança já tinha sido iniciada quando, em 1997, criei a STRAT, que não era uma agência de Briefing | Quando, em 2003, avan- çou com a Santa Fé propôs-se criar uma empresa diferente. Em que medida? Manuel Pereira | No fim da déca- da de 90, era muito claro para mim que a publicidade era apenas uma

Entrevista a Manuel Pereira, chief creative officer da Santa Fé Associates

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Entrevista a Manuel Pereira, chief creative officer da Santa Fé Associates

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O novo agregador do marketing.10 Outubro de 2010

www.briefing.ptEntrevista

É o homem de grandes marcas. Esteve ligado a nomes como as cervejas Sagres e Super Bock, as tintas Barbot, a Mundial Confiança, a Kidzania, a Optimus Home e a SIC. Criativo há quase três décadas, Manuel Pereira,58 anos, diz que a criatividade é a única esperança do País

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Criativos são como os cientistasManuel Pereira, chief creative officer da Santa Fé Associates

Fátima Sousajornalista

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publicidade, mas de comunicação e tecnologia. E a verdade é que foi um sucesso, muito porque criámos um conceito novo, um pacto de respon-sabilidade com o cliente que tentava um pouco tirar partido da má ima-gem de uma certa publicidade muito

província da comunicação e nem sequer a mais importante. Fiz essa avaliação e decidi que queria mu-dar de profissão. Não era a primeira vez. Aliás, a mudança já tinha sido iniciada quando, em 1997, criei a STRAT, que não era uma agência de

Briefing | Quando, em 2003, avan-çou com a Santa Fé propôs-se criar uma empresa diferente. Em que medida?Manuel Pereira | No fim da déca-da de 90, era muito claro para mim que a publicidade era apenas uma

O novo agregador do marketing.

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Criativos são como os cientistas

infantil e muito infantilizadora dos in-teresses do cliente. Correu muito bem, mas a certa al-tura senti que estava no momento de capitalizar o que tinha investido e dar um novo passo. E decidi criar a Santa Fé com a Cecília Santos, uma dupla que há muito me apetecia fa-zer. A Cecília é uma criativa gestora, eu sou um criativo que também se interessa por gestão. Neste negócio, as duplas são importantes e valeu a pena, como já se provou.O conceito era outro: já não era nem agência de publicidade nem de co-municação e tecnologia, mas de branding consulting – uma empresa multidisciplinar centrada no design e nos designers e não na publicidade e nos publicitários.

Briefing | E porquê o branding?MP | Porque olha para a comuni-cação como um todo. A marca é o eixo, mas o branding tem uma visão holística: é preciso perceber o ne-gócio e a expressão desse negócio numa marca. Para isso, é preciso uma grande sensibilidade de gestão e um grande conhecimento das vá-rias disciplinas da comunicação. Há que ter aptidão multidisciplinar.

Briefing | Sendo a marca o eixo, como é que a Santa Fé trata as marcas que a consultam?MP | Quem nos conhece sabe que pugnamos por uma grande serieda-de, por um enorme rigor e exigência, por muitos problemas que isso nos traga – e traz: quantas vezes não podemos ser condescendentes e simpáticos porque é preciso sermos rigorosos e exigentes? Não é fácil nem um objectivo simples de atingir, mas temos uma criatividade séria. Somos uma Creative Brand Consul-tant porque a criatividade é o nosso negócio, em termos estratégicos mas também formais, de expres-são. Separar estas duas áreas é uma utopia, tem de se ter aptidões em ambas. Quando se aborda um problema, tem de se olhar para o mercado em todo o seu contexto e saber onde estão as ideias falhadas e as de sucesso, tem de se saber onde estão os cadáveres e aque-les que ainda não perceberam que o são. Isso é estratégico. Depois é

preciso ter bons criativos, que pos-sam fazer a diferença em termos de expressão.

Briefing | A Santa Fé apresenta-se com a missão de gerar ideias com força de crença. O que está sub-jacente a esta quase incursão na religião?MP | As marcas são, de certo modo, substitutas de algumas fontes de sentido que as pessoas tinham e que, com a sociedade pós-indus-trial, foram perdendo. As pessoas já acreditaram mais nas empresas, na família, no Estado. Hoje são cada vez mais cépticas, mas também pro-curam âncoras: e, muitas vezes, na sociedade de consumo, as marcas são essas âncoras. Nós somos seres de crenças e as sociedades evoluíram a acreditar em muitos fenómenos, em muitos deuses e heróis. Sempre descentra-lizámos mais as nossas crenças do que as religiões monoteístas querem fazer crer. E as marcas não passam disso mesmo, de um regresso a essa descentralização das crenças. Porque uma marca é um suporte de valores – de liberdade, de indepen-dência, de prazer, de segurança…

Briefing | O que uma marca preci-sa de ter para as pessoas acredi-tarem nela?MP | Quando tudo era baseado na publicidade, pensava-se que basta-va gritar mais alto ou exagerar mais um bocado, criar uma hipérbole engrandecedora e transformá-la na mensagem. Hoje sabemos que não chega. As marcas sabem que não pertencem apenas à empresa que as criou, que só são verdadeiras quando pertencem aos consumido-res. E isso traz uma nova responsa-bilidade: a de não fazer promessas que não podem cumprir. Têm de ser sérias, sem deixar de ser divertidas se tiverem de ser divertidas, de ape-lar ao prazer se tiverem de apelar ao prazer…

Briefing | Isso significa que a pu-blicidade pura e simples já não é suficiente? MP | Implica outra função para a pu-blicidade, que é ser capaz de criar mensagens que ajudem a construir

“A Santa Fé está no mercado português a olhar para fora. Trata-

-se de falar bem a língua local mas pensar

global. é uma das nossas características e a nossa experiência

multinacional foi decisiva para esta

atitude em relação ao mercado”

“O design thinking é um processo criativo riquíssimo, em que

começamos por tentar identificar o problema

da maneira mais rigorosa possível. No fundo, não estamos a

fazer nada de diferente do que fazem os

cientistas”

“Nós somos seres de crenças e as sociedades evoluíram a acreditar em

muitos fenómenos, em muitos deuses e heróis. Sempre descentralizámos mais as nossas crenças do que as religiões

monoteístas querem fazer crer”

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O novo agregador do marketing.12 Outubro de 2010

www.briefing.ptEntrevista

o valor da marca. E é ser capaz de respeitar o consumidor, a sua sensi-bilidade. Não se pode falar para as pessoas com o mesmo grau de ligei-reza, de gratuitidade. Eu também o fiz e fiz mal. Mas também fiz bem, ajudei a criar marcas com a publici-dade. A publicidade tem a sua função, mas não sozinha, seja em que mercado for. Na Santa Fé também fazemos publicidade. Aliás, de 2009 para 2010 provavelmente ajudámos a criar uma das marcas mais visíveis do país, a Kidzania, que ganhamos num concurso publicitário. Só que não nos limitámos a pensar numa campanha publicitária, criámos um conceito que nos permitiu agregar outras valências. Foi o conceito de branding que comandou os acon-tecimentos, o desenvolvimento da comunicação.

Briefing | A Santa Fé diferencia-se por via do design. Que importân-cia tem, de facto, o design na co-municação?MP | É a base criativa. Basta pen-sarmos no Steve Jobs e no iPod, no iPhone ou no iPad para vermos como o design está na base de pra-ticamente todos os negócios cria-tivos, só que nem sempre é bem avaliado. Mas nós tínhamos essa percepção. O design thinking é um processo criativo riquíssimo, em que começa-mos por tentar identificar o problema da maneira mais rigorosa possí-vel. No fundo, não estamos a fazer nada de diferente do que fazem os cientistas. Os cientistas começam por tentar identificar um problema rigorosa e criativamente, como nin-guém o identificou. Nós, os criati-vos, fazemos o mesmo, procuramos identificar o problema de uma forma diferenciada, ou seja, de um modo diferente e melhor e ainda adequa-do ao objectivo do cliente. Temos é de ser capazes de olhar para as pro-fissões ligadas à comunicação com o mesmo grau de exigência com que os cientistas olham para a sua profissão.

Briefing | E a ideia?MP | É a fase seguinte do processo, mas antes há que fazer pesquisa,

sobressair. E pensámo-la com um conceito de packaging, em que de-cidimos tudo, do layout ao ferro for-jado do balcão. O design thinking é isso, é a capacidade de ver porme-nores que, muitas vezes, são des-prezados. Outro exemplo bem sucedido é a Hakisushi, a primeira tentativa em Portugal de criar uma marca de sushi para um centro comercial e a primeira tentativa de criar um restau-rante com o famoso balcão rolante. Tínhamos de resolver vários proble-mas, a começar pelo pouco espaço, pela criação de um logótipo que fi-zesse apelo às origens mas que não fosse um cliché. Conseguimos, atra-vés do design, corresponder a todas as exigências.

Briefing | Qual é o maior desafio que uma marca pode colocar?MP | O desafio é sempre grande, sobretudo em mercados muito competitivos, em que as marcas têm necessidade de criar diferen-ciação imediata. E pode começar pelo nome. Aqui o nosso primei-ro desafio foi o Optimus Home. A Optimus queria lançar um telefone fixo, sem assinatura, num contex-to em que a maior parte das ten-tativas tinha sido um fiasco: era a parábola das panelas de barro que se espatifavam contra a panela de ferro que era a PT. E iam-se es-

A Santa Fé Associates veio permitir a Manuel Pereira reencontrar- -se como criativo de base. Nas experiências profissionais anteriores, as responsabilidades de gestão deixavam-lhe pouco tempo para se dedicar à criatividade – era, como assume, um criativo clandestino, a tentar passar ideias como se não fossem suas, ideias a que se dedicava apenas nas horas vagas. A grande diferença é o tempo que agora tem para dedicar deliberadamente às ideias. Não que o tempo lhe sobre, pelo menos para tudo o que o interessa: diz-se “caótico nos interesses” porque tem interesses a mais e tempo a menos, o que é “terrivelmente exigente”. Entre eles viajar – aprovei-ta todas as oportunidades. Cinema, conversar. Ler também, poesia cada vez mais. As barreiras entre o lado profissional e o lado pessoal são esbatidas. A criatividade é, porém, o denominador comum que, quem sabe, o levará a outra etapa na sua vida: dedicar-se à escrita a tempo inteiro. O hábito de escrever já existe, o resto está em aberto.

O criativo consigo mesmoPERFIL

“Como português, só posso ter esperança na criatividade portuguesa como solução para os problemas do país. A criatividade é demasiado importante para ser deixada apenas aqueles que têm o rótulo de criativos”

>>>perceber o contexto. É um processo de rigor, não acredito muito na ins-piração espontânea. Há muitas vias para procurar ideias, mais ou menos disciplinadas: dá muito trabalho. De-pois há que maquetizar e submeter as maquetas ao processo criativo, fazer estudos de mercado, testá-las e só então partir para a concretiza-ção, para o produto. Mas não acaba aqui: é preciso implementar e extrair a moral da história.

Briefing | Que problemas é que as marcas lhe trazem?MP | Posso dar-lhe alguns exemplos de problemas muito bem identifi-cados e processos bem sucedi-dos. Um deles envolve a Red Oak. O cliente tinha uma ambição de internalização, mas muitos outros têm: afinal, a moda é uma das áre-as mais povoadas, mais competiti-vas. Mas, antes, havia que pensar a marca, a começar pelo nome, pelo logótipo, pela identidade. Ficámos com o nome que o cliente já havia registado e, a partir da avaliação do mercado, optámos por uma identi-dade retro futuro, ou seja, que pisca o olho ao passado e ao futuro. Não estava escrito em lado nenhum que ia funcionar, mas resultou. E, com o nosso ponto de vista, contribuímos para condicionar o próprio estilismo da marca. Outra questão importante prendia-se com a loja, como fazê-la