Entrevista Com Antonio Arantes

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  • 8/14/2019 Entrevista Com Antonio Arantes

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    Esta entrevista com Antonio A. Arantes, professor de antropologia brasileiro e reconhecidoespecialista em propriedade intelectual e conhecimentos tradicionais, aborda o pedido de registroda ayahuasca como patrimnio cultural imaterial brasileiro, de iniciativa de gruposayahuasqueiros. Na primeira parte da entrevista, Arantes reflete sobre as mudanas trazidas pelasnovas concepes que orientam o programa nacional do patrimnio imaterial no Brasil. Elediscute vrios exemplos de bens culturais reconhecidos pelo estado brasileiro, tais como ocandombl e o samba, e analisa as questes controversas envolvendo autenticidade e tradio

    com base nesses e em outros casos semelhantes. Na segunda parte, Arantes reflete sobre o casoespecfico da ayahuasca referindo-se a questes jurdicas relativas ao encaminhamento deste

    pedido de registro e aos desafios que se colocam definio exata dos aspectos desta realidade aserem reconhecidos como patrimnio.

    Em abril de 2008, alguns dos principais centros ayahuasqueiros brasileiros, com apoio deautoridades do Acre, inclusive de seu governador, Binho Marques, encaminharam ao entoMinistro da Cultura, Gilberto Gil, um pedido para que o Instituto de Patrimnio Histrico eArtstico Nacional (IPHAN) reconhecesse o uso da ayahuasca em rituais religiosos como

    patrimnio cultural imaterial brasileiro. A movimentao foi articulada pela Deputada FederalPerptua Almeida, do PCdoB, e ainda aguarda uma resposta por parte do IPHAN.

    Os grupos ayahuasqueiros parecem apostar que o registro reforar sua legitimidade

    social, hoje frgil. Caso venha a ocorrer, representar uma grande conquista para esses grupos,cujas prticas, marginalizadas e descriminadas, talvez se tornem mais um cone da cultura

    brasileira. Mas, ao mesmo tempo, o registro provavelmente implique em questes espinhosas,porque preservar um bem pode significar cristaliz-lo, como se houvesse uma forma maisautntica e atemporal que as demais, quando, na realidade, as prticas religiosas e teraputicasque lanam mo da ayahuasca so dinmicas, sincrticas e s vezes at contraditrias. Como osantroplogos Antonio A. Arantes e Gilberto Velho tm argumentado, a definio de quais itensdo patrimnio cultural devem ser protegidos engendra sempre tenses, negociaes e conflitosde interesse. Nas palavras de Velho estamos lidando, ao examinarmos as polticas pblicas de

    atrimnio, com complexas questes que envolvem emoes, afetos, interesses os mais variados,

    referncias, gostos e projetos heterogneos e contraditrios. (...) A heterogeneidade da

    sociedade complexa moderno-contempornea (...) aponta para as dificuldades e as limitaes de

    uma ao pblica responsvel pela defesa e pela proteo de um patrimnio cuja escolha e

    definio implicam necessariamente arbtrio e, em algum nvel, exerccio do poder . (Velho,2006, pp. 244-246; Arantes, 1987).

    A ayahuasca uma bebida psicoativa utilizada por diversas populaes indgenas daAmaznia (Labate, Rose e Santos, 2009; Labate e MacRae, 2006). Seu principal ingrediente

    psicoativo o DMT, substncia proscrita pela Conveno de Viena da ONU, de 1971, da qual oBrasil signatrio. Mesmo assim, o governo brasileiro reconhece o direito ao uso religioso da

    planta, pelo fato de ela ser utilizada como um sacramento nas religies do Santo Daime (em suasvertentes Alto Santo e Cefluris), da Barquinha e da Unio do Vegetal (UDV). Embora a

    Barquinha e o Alto Santo tenham permanecido restritos regio de Rio Branco, onde foramfundados nas dcadas de 1930 e 1940, respectivamente, o Cefluris e a UDV se espalharam peloBrasil e pelo mundo. O Cefluris est presente em boa parte das capitais brasileiras e em mais devinte e cinco pases, e a UDV se encontra em quase todos os estados do pas, na Espanha e nosEstados Unidos onde, diga-se de passagem, enfrentou um processo histrico que chegou Suprema Corte e saiu vitorioso. O fato de alguns atores da Rede Globo terem aderido ao SantoDaime, na dcada de 1980, certamente contribuiu para trazer visibilidade a estas prticas deorigem amaznica, que tm sido vistas a um s tempo com fascnio e repugnncia pela sociedadenacional. A bebida utilizada tambm por grupos indgenas fora do territrio brasileiro. Emborao se acredite que o uso da ayahuasca milenar, de acordo com a literatura cientfica, sabemosque ele ocorre, com certeza, h cerca de 300 anos (cf. Gow, 1996) e que seu uso entre os grupos

    indgenas da Amaznia , provavelmente, um fenmeno mais recente, que vem ocorrendo hmais ou menos um sculo (cf. Shepard, 1998).Em 24 de junho de 2008, o Instituto Nacional de Cultura do Peru declarou os

    conhecimentos e usos tradicionais da ayahuasca das comunidades nativas amaznicas como

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    patrimnio cultural peruano. O documento associa a bebida medicina tradicional dos povosindgenas e identidade cultural Amaznica, e destaca ainda suas virtudes teraputicas. Amedida visaria a impedir o desaparecimento ou enfraquecimento da medicina tradicional peruanae de seus curandeiros, assim como evitar a associao da ayahuasca com usos ocidentaisdescontextualizados, consumistas e com propsitos comerciais (Instituto Nacional de Cultura,2008).

    Em setembro de 2006, instalaes do Centro de Iluminao Crist Luz Universal Alto

    Santo, a igreja daimista mais antiga - da dcada de 1940 - localizada na rea de ProteoAmbiental Raimundo Irineu Serra, j havia sido protegida por um decreto do governador JorgeViana e do prefeito Raimundo Angelim, como patrimnio histrico e cultural do Acre. Oreconhecimento foi produto de uma luta dos centros daimistas de Rio Branco, em conjuno comuma situao poltica favorvel, na qual membros e simpatizantes das religies ayahuasqueirasfaziam parte do governo petista acreano. Naquela ocasio, no entanto, o tombamento se referiuestritamente ao patrimnio material e se deu em mbitos municipal e estadual (at onde

    pudemos investigar, houve tambm um pedido para o IPHAN, para o qual ainda se aguardaresposta).[ii]Agora, o que se pede unicamente ao rgo federal o registro como patrimniocultural imaterial.

    Aparentemente, a iniciativa peruana nada teve a ver com aquela desencadeada pouco

    antes do outro lado da fronteira, mais especificamente em Rio Branco. O interessante, no casobrasileiro, que os grupos ayahuasqueiros, embora mais recentes e de origem urbana,conseguiram estabelecer legitimidade enquanto guardies de tradies religiosas e culturais amaznicas, ocupando, por assim dizer, o lugar do nativo e do tradicional em nosso imaginrio,fato que provavelmente colaborou para o seu reconhecimento legal pelo governo, em 1986 (verLabate, 2004; MacRae, 1992). A novidade do processo deflagrado em 2008 que agora, paraalm de uma identidade amaznica genrica, surge uma identidade particular, a acreana (apesarde a Unio do Vegetal, o maior grupo ayahuasqueiro do pas, ter a sua origem em Porto Velho,no estado vizinho de Rondnia).

    Vale fazer um breve retrospecto da institucionalizao do tombamento do patrimniocultural no Brasil. Em novembro de 1937, sob inspirao de um documento redigido por Mriode Andrade, foi publicado o decreto-lei n 25, instituindo o Servio de Patrimnio Histrico eArtstico Nacional (SPHAN). De acordo com ele, o patrimnio seria "o conjunto dos bensmveis e imveis existentes no pas e cuja conservao seja de interesse pblico, quer por sua

    vinculao a fatos memorveis da histria do Brasil, quer por seu excepcional valor

    arqueolgico ou etnogrfico, bibliogrfico ou artstico" (Canani, 2005, p.170). Inicialmente,esse decreto acarretou predominantemente o tombamento de conjuntos arquitetnicos coloniais

    barrocos, como Ouro Preto, em Minas Gerais, e o Pelourinho, em Salvador, Bahia.Atualmente, o IPHAN mantm no mbito de sua misso a identificao, tombamento e

    preservao do patrimnio histrico, artstico e cultural, em parceria com os Estados eMunicpios, e a participao crescente da sociedade civil. Entretanto, a Constituio da

    Repblica Federativa do Brasil de 1988 sofisticou a legislao relativa ao patrimnio cultural,incluindo bens tangveis e intangveis, e abriu caminho para a implementao de uma concepomais pluralista da cultura nacional e do interesse pblico.[iii]

    O Registro do Patrimnio Cultural Imaterial e o Programa Nacional para a Salvaguardado Patrimnio Cultural Imaterial foram criados em 2000, pelo Decreto federal 3551, com vistas amelhor contemplar a diversidade e a dinmica culturais. O carter inovador dessas medidasdecorre de proporem a identificao sistemtica e abrangente de bens culturais de natureza

    processual e dinmica, abrindo caminho para a superao dicotomia material/imaterial. Quanto aesse segundo ponto, Antonio Arantes argumenta que produto e processo cultural soindissociveis: as coisas feitas testemunham o modo de fazer e o saber fazer. Elas abrigamtambm os sentimentos, lembranas e sentidos que se formam nas relaes sociais envolvidas na

    roduo e, assim, o trabalho realimenta a vida e as relaes humanas. O cabedal produzidoelo trabalho de geraes de praticantes de determinada arte ou ofcio algo mais geral do que

    cada pea produzida ou executada, do que cada celebrao realizada. (...) Mas, em

    contrapartida, encontra-se em cada obra ou na lembrana que se tem dela o testemunho do que

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    algum capaz de fazer (Arantes, 2004, p.13).O IPHAN mantinha, inicialmente, quatro livros de tombo: Livro de Tombo

    Arqueolgico, Etnogrfico e Paisagstico; Livro de Tombo Histrico; Livro de Tombo das BelasArtes, e Livro de Tombo das Artes Aplicadas. Para a salvaguarda do patrimnio imaterial,criaram-se mais quatro livros de registro: Livro de Registro de Saberes, onde so inscritosconhecimentos e modos de fazer enraizados no cotidiano das comunidades; Livro de Registrodas Celebraes, no qual so inscritos rituais e festas que marcam a vivncia coletiva do

    trabalho, da religiosidade, do entretenimento e de outras prticas da vida social; Livro deRegistro de Formas de Expresso, que abrange manifestaes literrias, musicais, plsticas,cnicas e ldicas; Livro de Registro dos Lugares, onde so inscritos mercados, feiras, santurios,

    praas e demais espaos em que se concentram e reproduzem prticas culturais coletivas.Entre os bens culturais imateriais protegidos, no Brasil, esto, por exemplo, a Arte

    Kusiwa - tcnica de pintura e arte grfica dos ndios Wajpi, do Amap, inscrita no Livro deRegistro das Formas de Expresso; a festa do Crio de Nossa Senhora de Nazar celebraoreligiosa de Belm do Par, inscrita no Livro das Celebraes; o Jongo canto, dana e

    percusso, herana cultural dos africanos de lngua banto, registrado no Livro de Registro dasFormas de Expresso; o samba-de-roda do Recncavo Baiano, inscrito no Livro de Registro dasFormas de Expresso; e as Cachoeiras dos Iauaret, stios sagrados de povos indgenas da

    Amaznia, no Livro de Registro de Lugares.Uma questo relevante, portanto, se a ayahuasca pode fazer parte da lista de bensculturais protegidos. Bia Cayubi Labate (a seguir BCL) e Ilana Goldstein (a seguir IG)entrevistaram o antroplogo Antonio A. Arantes, reconhecido especialista em assuntos de

    propriedade intelectual e conhecimentos tradicionais, sobre a possibilidade de o uso religioso daayuhuasca ser salvaguardado atravs do processo de registro. Arantes um dos fundadores e

    professor-titular do Departamento de Antropologia Social da Unicamp, formado nasuniversidades de So Paulo e de Cambridge. Foi presidente da Associao Brasileira deAntropologia - ABA e do Conselho de Defesa do Patrimnio Histrico, Artstico, Arqueolgicoe Turstico do Estado de So Paulo CONDEPHAAT, alm de ter presidido o Instituto doPatrimnio Histrico e Artstico Nacional - IPHAN. Possui vrios livros e artigos publicados noBrasil e no exterior, entre eles Produzindo o passado (Arantes, 1984), Paisagens paulistanas(Arantes, 2000a) e O espao da diferena (Arantes, 2000b). . Seus artigos incluem Diversity,heritage and cultural politics (Arantes, 2007) e Heritage as culture (Arantes, 2009).

    Antes de conversar sobre o pedido de registro do uso da Ayahuasca, pedimos que Arantesexplicasse a diferena entre patrimnio material e imaterial e os principais dilemas envolvidos no

    processo de registro e tombamento de bens culturais no Brasil. A seguir, transcrevemos esse ricodilogo:BCL/IG: Voc poderia comear fazendo uma pequena apresentao de sua trajetria e decomo a temtica do patrimnio cultural cruzou seu caminho?ANTONIO ARANTES: Sou antroplogo, trabalhei a vida inteira nessa rea de conhecimento e,

    por uma razo ou por outra, tenho sido levado para as questes de patrimnio. Sobretudo desde1982, quando presidi o CONDEPHAAT, em So Paulo. A partir da, tenho reencontrado opatrimnio de vrias maneiras. Em 1988, por exemplo, participei de audincias pblicas relativas mudana da Constituio e um dos artigos sobre os quais eu mais me interessei e para o qual

    procurei contribuir at por ser, naquela poca, presidente da Associao Brasileira deAntropologia, foi o Artigo 216, que define patrimnio cultural brasileiro. Esse conceito vinhasendo utilizado no Brasil desde 1937, com a criao do IPHAN, porm pautado numa concepode patrimnio que se referia a valores estticos e histricos de uma cultura, digamos,hegemnica no pas, uma cultura de elite. Havia dificuldade em absorver o fato de que a cultura

    brasileira foi construda a partir da contribuio de diferentes grupos sociais, em diferentesmomentos e contextos histricos. Tinha-se aquela viso do patrimnio branco, catlico,

    portugus, bem representado pelas edificaes do perodo colonial.BCL/IG: Quais seriam os cones mximos dentro dessa concepo de patrimnio?ANTONIO ARANTES: A cidade de Ouro Preto um bom exemplo. Seu conjunto arquitetnicofoi um dos primeiros bens do patrimnio cultural brasileiro a serem tombados, e por diversos

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    motivos: personificava o Barroco brasileiro; representava uma expresso da alta cultura; permitiademarcar a posio do Brasil em relao cultura mundial; e possua altssima qualidadeartstica. A sociedade brasileira, evidentemente, uma realidade muito mais diversificada do queessa noo de patrimnio permitia contemplar. Porm, foi s na dcada de 1980, com a eclosode movimentos sociais e suas crescentes presses na esfera pblica, que os diferentesagrupamentos e segmentos da sociedade brasileira passaram a ter voz, expresso e lugar mais

    plenos na legislao brasileira relativa aos direitos culturais.

    BCL/IG: At esse momento, ento, a legislao brasileira falava apenas em patrimniomaterial e em bens produzidos ou avalizados pelas elites?ANTONIO ARANTES: Referia-se a bens de natureza material, artefatos de valor histrico,artstico, etnolgico e paisagstico. Sempre pensando em termos de bens cujo valor patrimonialera atribudo a partir do espao acadmico, quer dizer, a pesquisa acadmica era a principalustificava tcnica e legal para a proteo desses bens pelo Estado.

    BCL/IG: Qual foi a nova discusso que emergiu na dcada de 1980?ANTONIO ARANTES: Na verdade, trs temas estavam em debate. Em primeiro lugar, o fato deque as manifestaes das prticas culturais no se restringem aos artefatos de natureza material.H atividades importantes e reconhecidas pela populao, como festas, prticas religiosas oufazeres artesanais, que exprimem os valores e as concepes culturais de um grupo social.

    Portanto, o patrimnio cultural no pode se restringir a objetos e construes. Em segundo lugar,discutia-se a idia de hegemonia. Em um pas democrtico no faz sentido restringir a proteodo Estado apenas queles bens culturais associados a grupos dominantes; a construo do

    patrimnio nacional deve contemplar a diversidade tnica e social, traduzir a estratificao e apluralidade que constituem o pas como nao. E, finalmente, o que uma conseqnciaimportante das questes anteriores, os valores atribudos a bens e prticas patrimoniais nodeveriam ser restritos ao que era reconhecido pelo conhecimento acadmico (arquitetura,etnologia, histria, arqueologia etc) mas tambm incluir artefatos e prticas reconhecidos porgrupos sociais concretos como referncias a suas identidades, memrias e prticas distintivas(i.e., oseu prprio patrimnio)BCL/IG: Como o IPHAN e os demais rgos pblicos incorporaram essas discusses?ANTONIO ARANTES: Em 1988, foi aprovado um novo texto constitucional contendo umaconcepo plural de nao e uma viso de patrimnio de natureza material e tambm imaterial.Mas s em 2000 foi criado um instrumento jurdico permitindo o desenvolvimento de polticas eaes visando salvaguarda do patrimnio imaterial, no Brasil. Trata-se do decreto-lei 3551,elaborado pelo IPHAN, o Ministrio da Cultura e vrios especialistas, entre os quais eu meencontrava. Foram muitas as discusses tcnicas, conceituais e polticas que levaram aprovao desse decreto.BCL/IG: O que o decreto 3551/2000 trouxe na prtica?ANTONIO ARANTES: Acima de tudo, ele diferenciou os instrumentos de proteo a seremutilizados para a salvaguarda do patrimnio imaterial daqueles que so utilizados para o

    patrimnio material. No caso do patrimnio material, fala-se em tombamento, um institutourdico que implica na manuteno ou conservao fsica de determinado bem, segundo oscritrios de valor a ele atribudos no momento em que se transformou em bem patrimonial.Evidentemente, os bens culturais no so gerados culturalmente como patrimnio: a posteriori que podem ser reconhecidos, no processo de construo da nao, como possuindo valordiferenciadoo valor patrimonial. Uma obra de arte tombada deve ser conservada, na medida do

    possvel, tal qual o seu criador a concebeu. No se admite, a no ser em casos excepcionais,qualquer interveno que a altere. J uma edificao, construda para a apropriao cotidiana da

    populao, objeto de instrumentos de preservao um pouco mais flexveis, a fim de permitiras mudanas de uso que ocorrem ao longo de dcadas ou sculos. Ainda que tombado, umedifcio pode admitir intervenes de requalificao, por exemplo. Mas nada disso serve ao

    patrimnio de natureza imaterial, que vivo e dinmico. No faz sentido o Estado identificaruma prtica emblemtica de um segmento do povo brasileiro, em determinado momento, e exigirque seja mantida exatamente da mesma maneira pelos seus praticantes. Em relao salvaguardado patrimnio imaterial utiliza-se aqui o termo salvaguarda, e no tombamento , uma das

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    melhores definies que conheo foi dada por K. Vatsyayan, numa reunio em Nova Dli. Elaafirmava que o patrimnio intangvel deve ser nutrido, no conservado. Ou seja, o papel doEstado, ao identificar uma atividade como sendo de interesse diferenciado, contribuir para queela tenha vida longa, para que as condies de sua realizao sejam garantidas enquanto os seus

    praticantes considerarem relevante mant-la, permitindo inclusive transformaes com o passardo tempo.BCL/IG: Voc j trabalhava no IPHAN durante a elaborao do decreto? Como foi a sua

    participao nesse processo?ANTONIO ARANTES: Nessa poca, eu e uma equipe do meu escritrio trabalhvamos comoconsultores e desenvolvemos, a pedido do IPHAN, a metodologia utilizada no inventrio do

    patrimnio cultural imaterial do Brasil, que at hoje orienta os processos de registro. Essametodologia considera, acima de tudo, que a identificao das prticas culturais significativasdeve partir dos valores atribudos pelos grupos sociais envolvidos. claro que a construo do

    patrimnio uma atividade que demanda colaborao entre o Estado e a sociedade civil. Mas aindicao das prticas relevantes para a expresso e re-elaborao da identidade de um gruposocial deve ser feita pelo prprio grupo, com base nos princpios de auto-identificao e de auto-determinao. O papel dos diversos segmentos da sociedade, associaes, entidades culturais etc.enquanto protagonistas absolutamente fundamental nesse processo.

    BCL/IG: uma abordagem bem inovadora...ANTONIO ARANTES: Foi totalmente inovadora, porque, at ento, a indicao era feita a

    partir da pesquisa acadmica da histria da arquitetura ou da histria das artes plsticas, dahistria da msica, da arqueologia... E no fomos ns que concebemos as coisas desse modo; onovo texto constitucional que articula os bens que constituem o patrimnio cultural da nao sreferncias importantes das identidades dos grupos sociais que a formam. Agora, o problemaquase insolvel enfrentado pelo gestor identificar os grupos sociais que formam a nao...BCL/IG: Voc mencionou a auto-indicao e o protagonismo dos diversos grupos sociais nadefinio do patrimnio cultural brasileiro. Qual o limite disso? Eu posso indicar o meuclube, a minha vizinhana e voc indicar os seus, por exemplo?ANTONIO ARANTES: Essa uma questo sria, que exige decises bastante complexas. Nosomente decises de natureza tcnica, mas basicamente decises de natureza poltica. Claro queest implicado a um dilogo entre o Estado e a sociedade. Os grupos propem as indicaes;mas preciso verificar se ecoam, se fazem sentido para a sociedade mais ampla e em termos dalegislao vigente.BCL/IG: Quer dizer, a definio do patrimnio resulta de uma negociao, que pode serconflituosa, e depende da obteno de reconhecimento por parte do Estado.ANTONIO ARANTES: Exatamente. Se um segmento da sociedade atribui valor diferenciado determinada prtica, ela ainda tem que ser reconhecida pelo rgo pblico legalmenteresponsvel por esse reconhecimento e por tudo que dele decorre. Ao reconhecer um bem comode interesse patrimonial, o Estado se torna co-responsvel pela sua conservao, manuteno ou

    nutrio. O Estado passa a ser mais um ator do processo cultural. preciso lembrar que todaao nesse sentido, desenvolvida no Brasil, faz parte de um conjunto de aes adotadasmundialmente. Em 2003, foi aprovada na UNESCO a Conveno para a Salvaguarda doPatrimnio Imaterial[iv], da qual o Brasil signatrio. Essa Conveno estabelece certos

    parmetros: no momento em que se d o reconhecimento, criam-se responsabilidades entre aspartes. Enfim, tanto a sociedade tem que querer a parceria do Estado, quanto o Estado,representando o interesse pblico, precisa analisar a legitimidade da demanda apresentada.BCL/IG: Como o passo-a-passo do processo de inventrio e registro de um bem cultural,no Brasil?ANTONIO ARANTES: Para dar um exemplo concreto, imagine que um determinado grupoconsidere que certa atividade seja referncia fundamental na construo de sua identidade, que

    ela consolide suas redes sociais e realimente os valores e smbolos que constituem a comunidade.Os interessados pelo reconhecimento pblico dessa atividade se dirigem ao rgo responsvel,no caso da Unio o IPHAN, para que seja aberto um processo de estudo de salvaguarda. Osdocumentos e exigncias necessrios para entrar com o pedido de registro encontram-se listados

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    no site do IPHAN. Uma vez estando adequadamente informado o pedido de registro do bem, oConselho Consultivo do IPHAN, composto por aproximadamente 25 pessoas ligadas a diferentesesferas e instituies, decidiro, em reunio, se a proposta realmente consistente, se deve seracolhida ou no. Ao trabalho preliminar de instruo e informao, feito pela pessoa ou pelaassociao que fez o pedido, soma-se um trabalho complementar que realizado pelo IPHAN,de modo a formar o dossi que ser apresentado ao Conselho.BCL/IG: Quanto tempo, em mdia, leva o processo?

    ANTONIO ARANTES: Varia bastante. Mas o importante lembrar que o Brasil, em termosmundiais, foi muito rpido na consolidao dessas aes. Primeiro, porque havia um passivoenorme a ser saudado pelo Estado, na medida em que grande parte do patrimnio cultural danao no se reduz a artefatos e bens de natureza esttica e histrica, definidosconvencionalmente. A partir do momento em que a lei entrou em vigor, ou seja, em 2000,inmeros segmentos da populao brasileira encontraram finalmente brecha para demandasnessa rea. Houve uma resposta bastante imediata por parte da sociedade. Comearam a pipocar

    pedidos externos, alm das demandas reprimidas acumuladas dentro na prpria instituio, quevinha fazendo estudos e levantamentos h bastante tempo, mas at ento no tinha comotransformar tais estudos em aes prticas.BCL/IG: Foi nesse momento efervescente, logo aps a publicao do decreto 3551,

    referente ao patrimnio cultural imaterial, que voc se tornou presidente do IPHAN.ANTONIO ARANTES: Fui convidado a presidir o IPHAN em 2003, ano em que, de fato,aconteceram duas coisas importantes. Uma foi a criao do Departamento do PatrimnioImaterial, reunindo especialistas, no s das tradicionais reas de arquitetura, histria earqueologia, mas tambm antroplogos, gegrafos, muselogos e pessoas com outras formaes,detentores de sensibilidade e de conhecimento tcnico especficos para esse outro tipo de bem

    patrimonial. Outra foi a implementao do Programa Nacional do Patrimnio Imaterial, comverbas prprias. Se antes no se podia atuar na rea porque no havia instrumento jurdico, nohavia procedimentos administrativos e tcnicos, nem pessoal qualificado, tampouco recursosoramentrios, em 2003 isso comeou a mudar.BCL/IG: Quais foram os primeiros pedidos de registro de patrimnio cultural imaterialque chegaram ao IPHAN?ANTONIO ARANTES: Antes de 2003, j haviam chegado dois pedidos importantes, que foramos primeiros a serem acolhidos: a arte Kusiwa, dos ndios Wajpi, no Amap, e a produo de

    panelas de cermica de Goiabeiras, no Estado do Esprito Santo. A Arte Kusiwa umalinguagem de pintura corporal que se expressa atravs da combinao de uma srie de smbolosassociados cosmologia desse povo indgena, que se expressa atravs da combinao de umasrie de smbolos que no so fixos. Felizmente, h uma bibliografia etnogrfica de altaqualidade produzida na Brasil, ento muito do trabalho necessrio identificao desse e deoutros bens culturais imateriais se vale do conhecimento etnolgico disponvel. De qualquerforma, aps o reconhecimento da arte Kusiwa, em 2000, tornou-se obrigatria a criao de um

    programa de salvaguarda para essa prtica, que inclui, por exemplo, a construo de um centrode documentao na terra indgena Wajpi. Eu estive l em dezembro de 2008 e o prdio estavasendo terminado.BCL/IG: Ento, de certa forma, no caso Wajpi o registro do patrimnio imaterialresultou num patrimnio material...ANTONIO ARANTES: Veja, todo patrimnio imaterial, para ser conhecido de alguma forma,depende de registros materiais, sejam eles textuais, fotogrficos, sonoros, ou a prpria execuodo canto, da dana, da ornamentao.BCL/IG: E quanto s ceramistas de Goiabeiras?ANTONIO ARANTES: As paneleiras de Goiabeiras confeccionam aqueles pratos usados naculinria capixaba. Nesse caso, foi registrada a tcnica de feitura da cermica e isso foi muito

    importante porque as ceramistas estavam enfrentando um problema serssimo, que era ainstalao de um aterro sanitrio ao lado do barreiro onde elas recolhiam argila para fazer aspanelas. O fato de as tcnicas de confeco das panelas terem sido reconhecidas comopatrimnio nacional fez com que o Estado tivesse que tomar medidas perante o processo de

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    degradao dos recursos naturais necessrios produo desse bem.BCL/IG: Ento, o reconhecimento pode servir como atalho para uma reivindicao polticaque o grupo j fez em outras esferas, sem sucesso? No caso indgena, por exemplo, se umaetnia tem uma prtica reconhecida como patrimnio, isso pode facilitar a demarcao desuas terras?ANTONIO ARANTES: Eu acho que poderia fortalecer uma demanda em outra rea, sim, j quecertas prticas e valores so especialmente ancorados no espao. Estou pensando no

    reconhecimento de lugares sagrados, por exemplo, que aconteceu com os ndios Tariano, do AltoRio Negro. Foi muito importante o reconhecimento da apropriao cultural que eles fazem danatureza naquela regio, onde cachoeiras, rochas e corredeiras so lugares que cristalizamreferncias cosmolgicas. O conceito de lugar pressupe o de espao, mas no se confunde comele, j que lugar se refere aos modos de apropriao de estruturas edificadas ou naturais. Porexemplo, um templo: considere-se primeiro a edificao. Se ela for usada continuamente para asatividades religiosas para as quais aquele espao foi concebido, o lugar religioso se realiza e serenova constantemente. Em outras palavras, o lugar religioso se concretiza no espao edificadoda igreja ou do terreiro. Mas tambm pode-se considerar um templo que se transformou emcentro cultural, ou em museu. O espao da edificao est l, mas o sentido do lugar, a formasocial de apropriao daquele espao j outra, no tem a ver com o sentido original. De

    qualquer forma, voltando pergunta, salvaguardar um lugar socialmente construdo implicatambm em proteger o espao, o territrio no qual as prticas e crenas se desenvolvem.BCL/IG: Quais foram os outros pedidos reconhecidos pelo IPHAN, aps a arte Kusiwa e aconfeco de panelas em Goiabeiras?ANTONIO ARANTES: Ah, foram inmeros. Eu no me lembraria de tudo agora. Mas vale a

    pena citar o samba, prtica emblemtica da nacionalidade, sobretudo no cenrio internacional.Na poca, um dos problemas que ns enfrentamos no IPHAN foi: Que samba? Porque osamba vai dos desfiles na Avenida Marqus de Sapuca aos produtos da indstria fonogrfica,

    passando pelo trabalho dos compositores e intrpretes desconhecidos do grande pblico, pelosamba-de-roda, pela batucada no bar... A mesma prtica cultural, a mesma linguagem melhordizendo, se realiza de vrias maneiras no territrio nacional. O samba tudo isso. Hoje em dia,dificilmente se pode imaginar que um dos nveis dessa realidade exista sem referncia oueedbackdo outro. Tudo se inter-relaciona. E a, quando se colocou a questo de considerar o

    samba como patrimnio cultural do Brasil e prop-lo UNESCO, dentro do programa das obras-primas do patrimnio oral e imaterial da humanidade, decidiu-se pelo samba-de-roda doRecncavo Baiano. Por que? Porque o samba de roda do Recncavo Baiano diz respeito a umacomunidade especfica de praticantes, ou a vrias comunidades numa mesma regio; ele se referea um modo particular de execuo, com tipos de instrumento, harmonia, repertrio, indumentriae coreografia que lhe so prprios. Ele pode ser interpretado como uma expressocontempornea daquela matriz que, de certa maneira, gerou vrias outras expresses do samba.

    No se pode esquecer, por exemplo, que nos terreiros das tias que foram da Bahia para o Rio

    de Janeiro o samba-de-roda e o samba de fundo de quintal se transformaram no samba dosmorros cariocas, no incio do sculo XX, antes mesmo do carnaval ir para a Marqus de Sapuca.BCL/IG: Houve muitos conflitos at se chegar ao consenso de que o samba-de-roda doRecncavo seria o escolhido?ANTONIO ARANTES: No chegou a haver propriamente conflitos, mas houve muita discusso.Tomou-se a deciso de trabalhar com o samba-de-roda da Bahia como ponto de partida para oestudo de um conjunto de variantes do samba. Seria o mesmo problema para o caso do Bumba-meu-boi. Pelo menos enquanto estive no IPHAN, sempre defendi a idia de que o Bumba-meu-

    boi, se protegido, deveria abranger todas as variantes dessa prtica. Porque no existe umavariante que seja mais verdadeira e autntica que as outras. Nada mais original, no sentido deser idntico ao que se fazia 70 anos ou 200 anos atrs. Tudo dialoga com tudo, hoje em dia

    difcil falar em manifestao original ou autntica. No mximo, podem-se encontrar variantespraticadas por comunidades mais conservadoras.BCL/IG: Voc falou em variantes mais essencialistas. Na antropologia, a questo daessencializao da culturapor parte dos pesquisadores e tambm dos praticantes , vem

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    sendo bastante problematizada. a esse tipo de essencializao que voc acaba de sereferir?ANTONIO ARANTES: Em uma perspectiva essencialista, as identidades e as prticas culturaisso vistas como objetos num ba. Entende-se que os grupos sociais estejam ou devessem estar

    permanentemente presos ao mesmo estoque de emblemas culturais distintivos. Destaperspectiva, a idade de ouro das culturas e da diversidade cultural encontra-se sempre enecessariamente no passado, e as mudanas so interpretadas como perda de autenticidade.

    Contudo, esta viso segue na contramo da histria; ela rejeita o dinamismo da cultura e anatureza mutvel das identidades sociais.BCL/IG: Geralmente essa a viso nativa, quer dizer, o discurso dos praticantes sempre

    afirma que sua prtica original, se conserva, segue determinada tradio.ANTONIO ARANTES: No, eu acho que nem sempre assim. H muitos casos em que ainovao valorizada. Alis, um problema srio em relao preservao dos bens materiais. difcil conservar, por exemplo, conjuntos arquitetnicos, porque os proprietrios ou moradoresdos imveis querem mudar a fachada, querem pr uma janela mais moderna, querem instalar ar-condicionado... Enfim, querem tirar partido daqueles bens integrando-os aos modos de vida dehoje. Por outro lado, possvel observar em vrios grupos sociais uma retomada de prticas evalores que se consideram tradicionais. So movimentos no sentido de se recuperarem peas

    que foram retiradas das aldeias e levadas para museus, de reaver gravaes de cantos ou registrosfotogrficos de certa poca, de reconstruir um idioma. A reinveno de atividades que no somais praticadas, a partir da valorizao de prticas antigas ou anteriores eu no vou dizertradicionais est acontecendo no mundo todo, no s no Brasil.BCL/IG: Voltando ao processo de reconhecimento do patrimnio cultural, quando o poderpblico faz uma seleo das variantes que sero preservadas, no acaba traandofronteiras entre o que ou no tradicional, ou considerando certas prticas maislegtimas que as demais?ANTONIO ARANTES: Tanto tecnicamente, como teoricamente questionam-se, cada vez mais,as formas de salvaguarda do patrimnio imaterial que congelam as prticas culturais. Como jdisse, a funo da preservao como poltica pblica nutrir, arejar, dar elementos para que as

    prticas culturais continuem florescendo, apesar da asfixia do mercado. No obstante, em muitoscasos preciso escolher. Quando estvamos falando do programa da UNESCO, faltou explicarque uma das razes para termos priorizado o samba-de-roda da Bahia foi o fato de esta ser umadas variantes em situao mais precria, por vrias razes, que no cabe detalhar aqui. Da anecessidade da salvaguarda. Ao mesmo tempo, o samba urbano carioca, que est por trs dascomposies reproduzidas pela indstria cultural, no poderia ser deixado de lado, de modo quetambm foi registrado como bem do patrimnio nacional. O interessante que a identificaodos elementos da matriz carioca do samba, que estivessem presentes, de uma maneira ou deoutra, na maioria das manifestaes conhecidas, foi um trabalho feito em conjunto com asescolas de samba.

    BCL/IG: Poderia o reconhecimento do patrimnio cultural gerar resultados inesperados eat negativos para a prpria prtica, como a folclorizao?ANTONIO ARANTES: A experincia com a salvaguarda do patrimnio imaterial no tem aindahistria suficiente para permitir avaliao profunda. Veja que isso comeou no Brasil em 2003;ns estamos em 2008, so apenas cinco anos. Mas acho que sim, que pode gerar folclorizao.Por exemplo, se ocorresse a transformao do samba-de-roda em espetculo exclusivamente parao palco. Quando se decidiu salvaguardar o samba-de-roda, era porque uma comunidade o

    praticava em seu prprio meio, expressava-se por meio dele, e era reconhecida por aquelamsica e dana cuja prtica realimentava suas relaes sociais. No momento em que a danafosse levada para o palco e s para o palco, fosse executada por danarinos profissionais e

    pautada em contratos com empresrios do show business, provavelmente o sentido da

    preservao original estaria perdido, porque os vnculos da prtica com a comunidade tambm seteriam perdido. Quer dizer, no exatamente a msica e a dana, mas um determinado gruposocial executando a msica e danando que precisa de proteo.BCL/IG: O reconhecimento de uma variante cultural atrelada a uma comunidade

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    especfica no restringe o alcance da salvaguarda?ANTONIO ARANTES: O caso da viola de cocho traz uma questo interessante, nesse sentido.A viola de cocho foi estudada e identificada como patrimnio no Mato Grosso do Sul, entretantoa construo dessa viola e seu uso so anteriores diviso entre Mato Grosso e Mato Grosso doSul. A vinculao da viola com o Estado do Mato Grosso do Sul gerou um protesto enorme.Diziam: ela mato-grossense, nem do norte, nem do sul. Bem, na verdade havia sidodeclarada como patrimnio nacional. Mas o fato que o prestgio dos fabricantes da viola, os

    luthiers, e o interesse pelos tocadores cresceram com o reconhecimento do instrumento comoalgo de valor para a nao. Esse um ponto importante. Todo bem do patrimnio imaterial dizrespeito a comunidades especficas de praticantes, na origem, mas o reconhecimento dessa

    prtica, desse saber, como integrante do patrimnio oficial lhe atribui um valor e umasignificao muito mais amplos do que os locais.BCL/IG: Passemos agora ao caso da ayahuasca. Houve um pedido de reconhecimento douso da Ayahuasca como parte do patrimnio cultural imaterial do Brasil, em 2008. Vocconhece pedidos similares em outros pases?ANTONIO ARANTES: A Ayahuasca, pelo que entendo, envolve todo um processo de preparodo ch, de cultivo e de manejo das plantas, alm de se relacionar a certas prticas religiosas,vises de mundo e formas de sociabilidade. preciso saber de que aspectos se est falando.

    BCL/IG: Essa uma boa pergunta. No parece que se tenha clareza do que exatamentedeve ser salvaguardadose os rituais religiosos, as religies, a bebida... Os prprios gruposque entraram com o pedido, atravs de uma articulao da Fundao Garibaldi Brasil(Fundao Municipal de Cultura de Rio Branco) tiveram que realizar uma srie dereunies pra tentar definir o que seria reconhecido. Soubemos por Marcos Vincius Neves,que o presidente da Fundao Garibaldi Brasil, que se est procurando mudar o foco dosrituais e da religio para a idia de uma cultura ayahuasqueira. O que acha disso? ANTONIO ARANTES: Eu no me lembro de um caso de registro bem-sucedido nesse sentido.

    Na verdade, existem alguns casos, que eu preferiria no especificar, de propostas de salvaguardade culturas religiosas que no deram muito certo, porque o instrumento de salvaguarda maiseficaz, mais eficiente e mais til, quanto mais especfico ele for. Tudo pode ser consideradocultural. Se no se tiver limites, quando se for pensar em aes de salvaguarda, no se vaisaber o que fazer. Para que haja a salvaguarda de um bem ou prtica cultural, no basta pura esimplesmente que haja o seu reconhecimento pblico, uma espcie de diplomao. precisoque se desenvolva um conjunto de aes concretas de salvaguarda. Ento, se o que se pretende salvaguardar o conhecimento do preparo do ch e do cultivo da planta, haver instrumentostcnicos e jurdicos apropriados para isso, sero levados em conta os aspectos e tcnicas quedevam e possam ser tornados pblicos ou no, j que o registro como patrimnio cultural confereuma publicidade enorme s prticas e conhecimentos envolvidos. No caso de se pretendersalvaguardar os rituais, tambm necessrio precisar quais aspectos sero salvaguardados etornados pblicos, e garantir que estejam presentes as condies para a sua reproduo e

    vitalidade, questes que so da alada da comunidade praticante.BCL/IG: Falar em comunidade, nesse caso, talvez no faa sentido. Seria melhor falar emvrias comunidades de Rio Branco?ANTONIO ARANTES: Realmente, comunidade ayahuasqueira eu acho vago. como se vocfalasse, por analogia, os sambistas do Brasil. Categorias vagas e inclusivas demais no so

    prprias elaborao de planos de salvaguarda.BCL/IG: No sabemos exatamente qual ser o objeto do eventual reconhecimento, mas,supondo que ele venha a ocorrer, a proteo aos saberes associados ayahuasca serestendido a todos os praticantes, ou ficar restrita aos grupos que entraram com o pedido?ANTONIO ARANTES: Depende do tipo de ao que se planeja. H aes mais voltadas a

    praticantes especficos e outras que atingem os praticantes em seu conjunto. Digamos que exista

    um grupo de praticantes que detenha o saber do cultivo e da preparao da bebida, de uma formaexemplar, completa e diferenciada. Algumas aes poderiam ser desenvolvidas com esse grupoem particular, visando proteo e valorizao de sua atividade. Mas possvel pensartambm em um plano de ao que preveja a reunio da documentao disponvel sobre as

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    transformaes que a prtica vem sofrendo ao longo das dcadas ou sculos, sistematizandovariantes locais, a fim de criar um centro nacional de referncia sobre a ayahuasca. Esse centroseria uma ao de salvaguarda que diria respeito a toda comunidade no s de praticantes,como tambm de pesquisadores.BCL/IG: Pelo que acompanhamos at agora, a Barquinha, a igreja do Ciclu-Alto Santo e aUnio do Vegetal foram as autoras do pedido junto ao IPHAN e a idia que sejamsalvaguardados os conhecimentos a elas associados. Porm, o que se observa uma

    tremenda variedade e uma grande expanso do uso da ayahuasca: alguns grupos sesubdividiram e afirmam seguir uma determinada linhagem; outros se dizem sucessoreslegtimos de outro mestre e assim por diante. Como o reconhecimento estatal lidaria com apluralidade existente?ANTONIO ARANTES: Uma possibilidade de abordagem seria tipificar as vrias ocorrncias e,dentro de cada tipo, escolher casos exemplares. Isso aconteceu com os terreiros de candombl naBahia. Foi realizada uma pesquisa antropolgica sobre centenas de terreiros existentes,

    patrocinada pelo IPHAN e pelo Instituto do Patrimnio Cultural da Bahia. O que eles fizeram?Mapearam os templos existentes em Salvador, identificaram tipos nos quais se encaixavam, e

    para cada tipo, indicaram os exemplares mais significativos. Essa classificao antropolgica uma construo que diz respeito e isso importante configurao da prtica naquele

    momento. Evidentemente, se tivesse sido feita dcadas antes ou dcadas depois, o resultado seriadiferente.BCL/IG: A classificao que os antroplogos e o Estado fizeram do candombl incorporoualguns princpios do campo, ou seja, os discursos tradicionalistas que reconhecem algunsterreiros como mais autnticos e tradicionais do que outros?ANTONIO ARANTES: No teve essa atribuio de valor. Ns estamos falando a respeito dediferenciao. Dizer que A diferente de B no dizer que A superior ou inferior a B. Agora,

    pode ser que colocar A e B como equivalentes, no mesmo sistema de classificao, incomodetanto A, como B, que prefeririam no ser identificados como farinha do mesmo saco. Do pontode vista da preservao da prtica, o que interessa o principio da formao dos vrios terreirose linhagens, a dinmica de fragmentao e fuso. O estudo antropolgico deve focalizar esse

    princpio dinmico, que ajuda a explicar os casos anteriores e posteriores tipificao. Se a idia salvaguardar a prtica, ento so necessrias garantias para que continue ocorrendo a adequadaexpresso da diversidade que se considere constitutiva do candombl. No faz sentido quererhigienizar, enaltecer os aspectos considerados mais puros: seria como querer preservar avida vegetal fazendo uma coleo de folhas secas.BCL/IG: Voc tem algum palpite de qual poderia ser a importncia ou o impacto doreconhecimento dos saberes relacionados ayahuasca?ANTONIO ARANTES: Eu acho que seria um fato social significativo, quer dizer, existe umnmero enorme de praticantes, tanto no contexto de povos indgenas, quanto de populaescaboclas e mesmo urbanas, nacionais e estrangeiras. Que aspecto deve ser objeto de salvaguarda

    uma pergunta que s um estudo aprofundado poder responder, no qual ser fundamental odilogo com esses praticantes. totalmente inadequado imaginar que o Estado possa tomardecises de salvaguarda que no partam do interesse dos praticantes; isso equivaleria aconstrang-los a executar algo a que eles no atribuem valor, ou a que atribuem valor negativo.BCL/IG: A ayahuasca contm DMT, substncia psicoativa proscrita pelas convenes daONU e perseguida em vrios pases. Houve, assim, uma polmica no Brasil que antecedeu ado registro do patrimnio, dizendo respeito ao prprio estatuto legal da Ayahuasca, querdizer, se sua utilizao poderia ou no ser legal ou no, se ela ou no uma droga perigosaetc. Hoje, o governo brasileiro no tem exatamente uma lei, mas acumula pareceres eresolues reconhecendo o direito ao uso ritual e religioso da ayahuasca. Voc acha que oreconhecimento como patrimnio cultural poderia amenizar ou mesmo erradicar a

    perseguio e a marginalizao dessa prtica?ANTNIO ARANTES: Sim e no. Depende muito de como as coisas forem encaminhadas. Se oEstado reconhecer como sendo de interesse pblico a proteo de uma prtica que inclui autilizao de uma substncia proscrita, ter que criar condies jurdicas para que a prtica possa

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    reconhecida como uma das expresses da religiosidade no Brasil. difcil falar em religiosidadebrasileira, por estarmos nos referindo a populaes to diversas entre si, com suas respectivasexperincias histricas e culturas.BCL/IG: Parece estar surgindo tambm uma tendncia, no Acre, de se associar o uso daayahuasca a certo orgulho de ser acreano, ou a uma identidade amaznica...ANTONIO ARANTES: O valor regional um dos valores que a ayahuasca assume. Localmente,no estado do Acre, ela est sendo acionada para construir uma identidade. Pode ser que na

    Grande So Paulo no tenha esse valor: os valores atribudos prtica so situacionais.BCL/IG: Quanto ao papel dos ndios, como explicar que, ao mesmo tempo em que eles sobastante citados nos trmites do pedido de reconhecimento, os grupos ayahuasqueirosguardem distncia em relao s prticas indgenas?ANTONIO ARANTES: No sei, talvez porque a prpria histria que se conta a respeito daayahuasca a vincule simbolicamente a populaes indgenas. Trata-se provavelmente de umaapropriao de prticas indgenas, da construo de novos sentidos. De qualquer modo, cabe aquem pilotar o processo de salvaguarda consultar os povos indgenas eventualmente envolvidos.Porque a delimitao resulta de uma deciso poltica. At porque o que se fizer com relao ayahuasca no pas ir repercutir sobre o seu uso por diversos grupos, os que foram includos no

    processo de registro e os que no foram. Por isso eu repito que a incluso de um grupo social no

    processo de registro uma deciso poltica e intelectual muito sria.BCL/IG: Uma religio pode ser reconhecida como patrimnio cultural imaterial?ANTONIO ARANTES: Uma religio inteira no. Mas a prtica divinatria do jogo de bzios,

    por exemplo, foi apresentada pela Nigria, no programa de proclamao do patrimnio culturalimaterial da humanidade, como um conhecimento tradicional e foi proclamado como tal.BCL/IG: Quais so as chances que voc v de esse processo ir adiante e culminar noreconhecimento pelo IPHAN?ANTONIO ARANTES: Acho que a instituio tem de tomar partido em relao s restrieslegais e s interdies sociais existentes em relao ao consumo da ayahuasca. Enquanto nohouver clareza quanto a esse aspecto, penso que o processo ser lento e tortuoso. Menos

    polmico seria reunir e conservar a documentao existente sobre essa prtica no pas. Mas issoatenderia o que buscam as comunidades ayahuasqueiras?BCL/IG: Como fica a questo do segredo religioso, diante do pedido de reconhecimento douso da ayahuasca?ANTONIO: Esta outra questo importante, para a qual preciso estar atento. Porque, semdvida, podem-se revelar aspectos que no sejam considerados prprios de serem tornados

    pblicos que sejam da intimidade cultural do grupo envolvido. A discusso envolve,portanto, pensar: que aspectos destas prticas sero revelados. Alguns deles talvez devampermanecer acessveis somente aos iniciados, aos que tm compromisso moral com acontinuidade da prtica. Mas a linha de corte deve ser definida pelos praticantes.BCL/IG: Para concluir, uma pergunta sobre propriedade intelectual, tema ao qual

    sabemos que voc vem se dedicando. A Unio do Vegetal, que uma das vertentesayahuasqueiras, desde meados da dcada de 1980 tem registrado, no Instituto dePropriedade Industrial, nomes de elementos e de entidades de seu panteo, como Caupuri,Lupunamanta, Chacrona, Mariri, Hoasca, Tiauco e Rei Inca. No entanto, alguns dostermos so comuns a todo o universo do xamanismo ayahuasqueiro amaznico. Do pontode vista jurdico, outros grupos religiosos esto impedidos de usar em seus rituais nomes deentidades registrados no cartrio pela Unio do Vegetal?ANTONIO ARANTES: permitido que usem esses termos nos rituais, mas no contextocomercial, ficam provavelmente proibidos. Quando se registra uma marca, registra-se adenominao do produto no mercado. E no pode haver dois produtos no mercado com a mesmadenominao. Por outro lado, desconfio de que nomes prprios e denominaes geogrficas no

    possam ser utilizados como marcas nesse sentido. Seria preciso fazer uma consulta jurdica. Ofato que, quando se trata desse tipo de registro, quem tiver provas do uso pblico mais antigodo nome ou da substncia ter precedncia sobre os demais.BCL/IG: H algo mais que voc considere relevante acrescentar, para fechar nossa

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    conversa?ANTONIO: Eu acho que o essencial dessa longa conversa que as pessoas no se esqueam deque o patrimnio cultural tangvel e intangvel uma construo social que resulta da negociaoentre a sociedade e o Estado, visando ao desenvolvimento de aes em relao s quais tanto oEstado, quanto a sociedade passam a ter responsabilidade. Ento, no se trata simplesmente deuma proclamao, em que se anuncia a importncia de algo; muito mais que isso, j que,quando o Estado ilumina uma prtica e se compromete com sua salvaguarda, cria-se um fato

    novo no universo cultural, no horizonte do qual aquele bem ou prtica faz parte, produzindoconseqncias. Nunca demais chamar a ateno para a responsabilidade social dos rgos quedesenvolvem os programas e atividades de preservao do patrimnio e tambm dos grupos queso os detentores dessas prticas ou bens.

    BibliografiaArantes, A. A. (Ed.). (1984).Produzindo o passado. So Paulo, SP, Brasil: Brasiliense.Arantes, A. A. (1987). La preservacin de bienes culturales y del folklore como prctica social en Brasil.Folklore Americano, 44, 63-71.Arantes, A. A. (2000a).Paisagens paulistanas. Campinas, SP, Brasil: Editora da Unicamp.Arantes, A. A. (Ed.). (2000b). O espao da diferena. Campinas, SP, Brasil: Papirus.

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    Velho, G. (2006). Patrimnio, negociao e conflito.Mana, 12(1), 237-248.

    Sobre as autoras(*) Beatriz Caiuby Labate Pesquisadora Associada do Instituto de Psicologia Mdica daUniversidade de Heidelberg e membro do Grupo Especial de Pesquisa (SFB 619) Dinmicas doritual Processos socioculturais sob uma perspectiva comparativa histrica e cultural(http://www.ritualdynamik.de;http://bialabate.net;[email protected])

    (**) Ilana Seltzer Goldstein mestre em Cincias Sociais pela USP e doutoranda emAntropologia Social na UNICAMP, alm de fazer parte do comit editorial da Proa - Revista de

    rte e Antropologia (http: www.ifch.unicamp.br/proa, [email protected]). autora de OBrasil best-seller de Jorge Amado: literatura e identidade nacional(Ed. SENAC, 2003).

    [i]Traduzido pelos autores de: Labate, Beatriz C. & Goldstein, Ilana (2009). "Ayahuasca - From Dangerous Drug to NationalHeritage: An Interview with Antonio A. Arantes".International Journal of Transpersonal Studies, 28, 53-64.[ii]Pedido de tombamento - relativo ao patrimnio material - foi encaminhado pelo Alto Santo simultaneamente ao Iphan, sautoridades municipais e estaduais. O ofcio data de 14 de julho de 2006, mas ainda no obteve resposta.[iii]Conforme dispe o art. 216 da Constituio Federal de 1988, constituem patrimnio cultural brasileiro os bens de naturezamaterial e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria dos

    diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. So consideradas formas de expresso: os modos de criar, fazer e viver;as criaes cientficas, artsticas e tecnolgicas; as obras, objetos, documentos, edificaes e demais espaos destinados s

    manifestaes artstico-culturais; os conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico, arqueolgico,paleontolgico, ecolgico e cientfico.[iv]Documento disponvel na ntegra em:http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001325/132540por.pdf.

    http://www.ritualdynamik.de/http://www.ritualdynamik.de/http://www.ritualdynamik.de/http://bialabate.net/http://bialabate.net/http://bialabate.net/mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]://br.mc505.mail.yahoo.com/mc/welcome?.gx=1&.tm=1265135906&.rand=chcvjo3ga5oi7#_ednref1http://br.mc505.mail.yahoo.com/mc/welcome?.gx=1&.tm=1265135906&.rand=chcvjo3ga5oi7#_ednref1http://br.mc505.mail.yahoo.com/mc/welcome?.gx=1&.tm=1265135906&.rand=chcvjo3ga5oi7#_ednref2http://br.mc505.mail.yahoo.com/mc/welcome?.gx=1&.tm=1265135906&.rand=chcvjo3ga5oi7#_ednref2http://br.mc505.mail.yahoo.com/mc/welcome?.gx=1&.tm=1265135906&.rand=chcvjo3ga5oi7#_ednref3http://br.mc505.mail.yahoo.com/mc/welcome?.gx=1&.tm=1265135906&.rand=chcvjo3ga5oi7#_ednref3http://br.mc505.mail.yahoo.com/mc/welcome?.gx=1&.tm=1265135906&.rand=chcvjo3ga5oi7#_ednref4http://br.mc505.mail.yahoo.com/mc/welcome?.gx=1&.tm=1265135906&.rand=chcvjo3ga5oi7#_ednref4http://unesdoc.unesco.org/images/0013/001325/132540por.pdfhttp://unesdoc.unesco.org/images/0013/001325/132540por.pdfhttp://unesdoc.unesco.org/images/0013/001325/132540por.pdfhttp://br.mc505.mail.yahoo.com/mc/welcome?.gx=1&.tm=1265135906&.rand=chcvjo3ga5oi7#_ednref4http://br.mc505.mail.yahoo.com/mc/welcome?.gx=1&.tm=1265135906&.rand=chcvjo3ga5oi7#_ednref3http://br.mc505.mail.yahoo.com/mc/welcome?.gx=1&.tm=1265135906&.rand=chcvjo3ga5oi7#_ednref2http://br.mc505.mail.yahoo.com/mc/welcome?.gx=1&.tm=1265135906&.rand=chcvjo3ga5oi7#_ednref1mailto:[email protected]:[email protected]://bialabate.net/http://www.ritualdynamik.de/