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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Wagner Marcelo Pommer EQUAÇÕES DIOFANTINAS LINEARES: Um Desafio Motivador para Alunos do Ensino Médio MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA SÃO PAULO 2008

EQUAÇÕES DIOFANTINAS LINEARES: Um Desafio Motivador … · sobre as Equações Diofantinas Lineares em alunos do Ensino Médio. Também, neste capítulo foi realizada a análise

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  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC/SP

    Wagner Marcelo Pommer

    EQUAES DIOFANTINAS LINEARES:

    Um Desafio Motivador para Alunos do Ensino Mdio

    MESTRADO EM EDUCAO MATEMTICA

    SO PAULO 2008

  • PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC/SP

    Wagner Marcelo Pommer

    EQUAES DIOFANTINAS LINEARES: Um Desafio Motivador para Alunos do Ensino Mdio

    MESTRADO EM EDUCAO MATEMTICA

    Dissertao apresentada Banca Examinadora da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, como exigncia parcial para a obteno do ttulo de MESTRE EM EDUCAO MATEMTICA, sob a orientao da Prof Dr Silvia Dias Alcntara Machado.

    SO PAULO 2008

  • Banca Examinadora

    _________________________________

    _________________________________

    _________________________________

  • Autorizo, exclusivamente para fins acadmicos e cientficos, a reproduo total ou

    parcial desta Dissertao por processos de fotocopiadoras ou eletrnicos.

    Assinatura: _______________________________________ Local e Data: ______________

  • Dedico este trabalho a meus pais (in memoriam)

    e, especialmente, a minha esposa.

  • MEUS AGRADECIMENTOS

    Desejo expressar meus agradecimentos a todos que contriburam para que este

    trabalho se realizasse.

    A Deus, nosso pai, guia que viabiliza nossas opes de vida, ilumina nossos

    caminhos e nos d foras para prosseguir nossa existncia.

    Aos meus pais, que nesta vida sempre observavam a importncia e me

    incentivaram a prosseguir nos estudos.

    A minha esposa Clarice, pela compreenso e pacincia nesta etapa, assim como

    pelas leituras e reflexes que permeiam este trabalho.

    minha orientadora, Prof Dr Silvia Dias de Alcntara Machado, pelo constante

    incentivo, dedicao, pacincia, conhecimentos e competncia nos esclarecimentos

    nos passos que me guiaram nesta jornada.

    Ao Prof Dr Nilson Jos Machado e a Prof Dr Cristiana Abud da Silva Fusco,

    pelos comentrios e orientaes presentes no Exame de Qualificao, que

    possibilitaram a correo dos caminhos trilhados, assim como permitiram focar,

    esclarecer e delimitar os contornos deste trabalho.

    Aos professores do Programa de Mestrado em Educao Matemtica da

    PUC/SP, pelos conhecimentos to necessrios minha formao.

    Aos colegas de Mestrado, pela troca de experincias e discusses

    enriquecedoras. Em particular, ao Prof Paulo Csar Queiroz, pela disponibilidade e

    prontido na colaborao da aplicao desta pesquisa.

    Aos alunos que participaram desta pesquisa, instrumento e motivo pelo qual a

    pesquisa em Educao Matemtica se faz necessria.

    A CAPES, pela bolsa de estudos que me permitiu seguir adiante no Programa de

    Ps-Graduao da PUC/SP.

    A todos vocs, muito obrigado.

  • RESUMO

    Neste trabalho apresento um estudo qualitativo orientado pela questo possvel a

    alunos do Ensino Mdio explicitar conhecimentos sobre equaes diofantinas

    lineares?, cuja relevncia se justifica a partir de pesquisas como a de Lopes Junior

    (2005), revelando que alunos de Ensino Mdio no distinguem e no compreendem

    quando a varivel assume valor discreto ou contnuo, assim como pelo fato da

    Matemtica Discreta ser uma rea relativamente esquecida no Ensino Bsico,

    conforme relatam Brolezzi (1996) e Jurkiewicz (2004). Este estudo particulariza como

    recorte a Teoria Elementar dos Nmeros no Ensino Mdio, onde pesquisadores como

    Campbell e Zazkis (2002), Ferrari (2002) e Resende (2007) ressaltam que atividades

    de resoluo de problemas, num enfoque de re-utilizao de conceitos como divisores

    e mltiplos, so propcias para o desenvolvimento de heursticas, numa abordagem

    complementar e inter-relacionada com a lgebra, em conformidade com Maranho,

    Machado e Coelho (2005). Como referencial metodolgico foi utilizada a Engenharia

    Didtica, descrita em Artigue (1996), para elaborar, aplicar e analisar uma seqncia

    didtica. As manifestaes escritas e orais indicaram que os alunos do Ensino Mdio

    desenvolveram estratgias, operacionalizando os conceitos de mltiplos e divisores,

    assim como utilizaram a escrita algbrica para a busca de solues inteiras nas

    situaes-problema propostas, explicitando assim conhecimentos envolvendo

    equaes diofantinas lineares.

    Palavras-Chave: Matemtica Discreta, Teoria Elementar dos Nmeros, Equaes Diofantinas Lineares, Engenharia Didtica, Educao Algbrica.

  • ABSTRACT

    This work presents a qualitative study guided by the question Is it possible High

    School students to make explicit knowledge on linear diofantine equations?', whose

    relevance is justified from researches as met in Lopes Junior (2005), revealing that

    High School students do not distinguish and they do not understand when the variable

    assumes discrete or continuous value, as well as for the fact that Discrete

    Mathematics are a relatively forgotten area on Pre-Universitary School, according to

    Brolezzi (1996) and Jurkiewicz (2004). This study particularizes Elementar Number

    Theory on High School, where researchers as Campbell and Zazkis (2002), Ferrari

    (2002) and Resende (2007) emphasizes that problem resolution activities, in an

    approach of concepts re-use as divisors and multiples, are propitious for heuristical

    development, in a complementary and interrelated approach to Algebra, in compliance

    with Maranho, Machado e Coelho (2005). As methodological reference it was used

    Didactical Engineering, described in Artigue (1996), to elaborate, to apply and to

    analyze a didactical sequence. The written and oral manifestations indicated that

    High School students had developed strategies, operacionalizing the concepts of

    multiples and divisors, as well as had used the algebraic equation to search the whole

    solutions on the proposed problem situations, thus making explicit knowledge involving

    linear diofantine equations.

    Keywords: Discrete Matemhatics, Elementar Number Theory, Linear Diofantine Equation, Didactical Engineering, Algebric Education.

  • SUMRIO

    APRESENTAO .................................................................................................... 12

    CAPTULO I - JUSTIFICATIVA E OBJETIVO

    Justificativa e Objetivo .................................................................................... 14

    CAPTULO II - FUNDAMENTOS TERICOS: LEITURAS E ESCOLHAS

    Desenvolvimento Histrico das Equaes Diofantinas Lineares .................... 24

    Consideraes Matemticas Envolvendo as Equaes Diofantinas Lineares

    em Z ................................................................................................................ 26

    Fundamentos Didticos: Leituras e Escolhas ................................................. 33

    CAPTULO III METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS

    A Metodologia da Engenharia Didtica ........................................................... 38

    Alguns Recursos Didticos Empregados na Elaborao das Atividades ....... 42

    A importncia dos Jogos ................................................................................. 42

    A Resoluo de Situaes-problema e a Importncia do Contexto ............... 44

    Os Contextos Discretos da Microeconomia ................................................... 47

    Procedimentos Metodolgicos da Engenharia Didtica ................................. 50

    CAPTULO IV A EXPERIMENTAO

    Critrios e Procedimentos para a Etapa da Coleta de Dados ........................ 52

    Concepo da Seqncia Didtica ................................................................ 55

  • Da Anlise a Priori, Experimentao e Anlise a Posteriori das Sesses ..... 57

    1 Sesso ....................................................................................................... 59

    Anlise a Priori ............................................................................................... 59

    Descrio e Anlise a Posteriori Local ........................................................... 64

    Anlise a Posteriori da 1 sesso ................................................................... 76

    2 Sesso ....................................................................................................... 78

    Institucionalizao .......................................................................................... 80

    Anlise a Priori ............................................................................................... 81

    Descrio e Anlise a Posteriori Local ........................................................... 90

    Anlise a Posteriori da 2 sesso .................................................................. 100

    3 Sesso ....................................................................................................... 102

    Institucionalizao .......................................................................................... 102

    Anlise a Priori ............................................................................................... 108

    Descrio e Anlise a Posteriori Local ........................................................... 112

    Anlise a Posteriori da 3 sesso ................................................................... 117

    Institucionalizao Final ................................................................................. 118

    CAPTULO V CONSIDERAES FINAIS .......................................................... 121

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ......................................................................

    ANEXO A ...............................................................................................................

    ANEXO B ...............................................................................................................

    125

    130

    147

  • LISTA DE ANEXOS

    Anexo A Instrumento de Pesquisa

    Sesso Atividade Descrio

    1 1 parte A Jogo do Sorvete - Regras

    1 parte B Jogo do Sorvete - Resultados da dupla

    1 parte C Jogo do Sorvete - Verificao dos Resultados da dupla

    2 Situao-problema Quantos pacotes de caf?

    3 Situao-problema Qual sua escolha: CD ou DVD?

    2 Jogo do Stop - Regras

    4 JOGO DAS COMPRAS NA QUITANDA

    5 JOGO DOS SAQUES NO CAIXA ELETRNICO item a

    6 JOGO DOS SAQUES NO CAIXA ELETRNICO item b

    7 JOGO DOS SAQUES NO CAIXA ELETRNICO item c

    8 JOGO DOS SAQUES NO CAIXA ELETRNICO item d

    9 DINARLNDIA item a

    10 DINARLNDIA item b

    3 11 Situao-problema Quantos pacotes de caf?

    12 Situao-problema Saques no banco

    13 Situao-problema CDs ou DVDs?

    14 Sntese

    Anexo B Documentos da Pesquisa

    Breve caracterizao dos alunos

    Autorizao

    Carta convite

    Termo de compromisso

    Relao de alunos por agrupamento nas trs sesses

  • 12

    APRESENTAO

    Este trabalho se insere na linha de pesquisa A Matemtica na Estrutura Curricular

    e Formao de Professores do Programa de Estudos Ps-Graduados em Educao

    Matemtica da PUC-SP e dentro da problemtica do Grupo de Pesquisa Educao

    Algbrica (GPEA), que articula pesquisas em questes do projeto O que se entende por

    lgebra?.

    Dentre as vrias ramificaes desenvolvidas por este projeto, me interessei por

    pesquisas j em andamento envolvendo o sub-projeto A Teoria dos Nmeros no Ensino

    Bsico e na Licenciatura.

    A relevncia deste tema se justifica em pesquisas em Educao Matemtica que

    apontam para a importncia do re-investimento de conceitos da Teoria dos Nmeros

    como divisores e mltiplos no Ensino Mdio, assim como pela pertinncia e necessidade

    de estudos envolvendo as grandezas discretas neste nvel de ensino, que articuladas

    com a lgebra permitem ampliar a abrangncia do desenvolvimento do pensamento

    matemtico.

    Deste modo, direcionei esta pesquisa a alunos do Ensino Mdio, objetivando

    verificar se, como e em que medida os alunos do Ensino Mdio explicitam conhecimentos

    envolvendo as equaes diofantinas lineares.

    Apresento a seguir a organizao do presente texto em cinco captulos.

    No Captulo I, esto discriminadas sinteticamente as argumentaes que justificam a

    proposta deste estudo, que visou investigar as equaes diofantinas lineares com alunos

    do Ensino Mdio. Delineei assim, os motivos que levaram a escolha deste tema,

    pertencente a Teoria Elementar dos Nmeros, possibilitada pela importncia e pertinncia

    de estudos da Matemtica Discreta, dentro do Ensino Bsico, numa proposta de

    complementaridade com a lgebra. Deste modo, a justificativa apresentou a relevncia, o

    problema, as hipteses e o objetivo desse estudo.

    No Captulo II, apresentei as consideraes didticas e matemticas baseadas em

    pesquisas que permitiram situar, embasar e encaminhar este trabalho. Assim, delineei o

    desenvolvimento histrico das equaes diofantinas lineares, assim como os resultados

    mais importantes advindos de autores da epistemologia deste objeto matemtico. Inclui,

    ainda, os trabalhos de pesquisadores em Educao Matemtica ligados a Teoria dos

    Nmeros e, mais particularmente, as Equaes Diofantinas Lineares, dentro de uma

    perspectiva da importncia e pertinncia de estudos da Matemtica Discreta, que

    permitiram uma melhor compreenso da temtica abordada nesta pesquisa.

  • 13

    No Captulo III, descrevi os fundamentos metodolgicos, justificando as razes para

    a utilizao da Engenharia Didtica, descrita em Artigue (1996), como procedimento

    metodolgico para a elaborao, aplicao e anlise de uma seqncia didtica, em

    conformidade com a Teoria das Situaes Didticas de Brousseau (1996a). Destaquei,

    ainda, as consideraes envolvendo os recursos didticos empregados neste trabalho,

    caracterizando a importncia da utilizao dos jogos associados a resoluo de

    situaes-problema contextualizadas, assim como os motivos para a escolha de

    contextos baseados em aproximaes de temas da Microeconomia, que possibilitaram

    condies para a ambientao de uma situao a-didtica, conforme Brousseau (1996a).

    Finalizei o captulo descrevendo os procedimentos que me permitiram configurar os

    elementos da pesquisa.

    No Captulo IV, apresentei a etapa da Experimentao, onde foram expostos os

    preparativos e os critrios para a concepo da seqncia didtica, utilizada como

    procedimento metodolgico, a fim de investigar o desenvolvimento de conhecimentos

    sobre as Equaes Diofantinas Lineares em alunos do Ensino Mdio. Tambm, neste

    captulo foi realizada a anlise a priori e a descrio dos dados obtidos na fase da

    experimentao, que permitiram a realizao da anlise a posteriori local, representada

    pela avaliao horizontal relativa s respostas de cada grupo de alunos em cada

    atividade da Engenharia Didtica, assim como a anlise a posteriori de cada sesso,

    representada pela avaliao vertical das manifestaes/aes dos alunos frente ao

    conjunto de atividades propostas, em relao s caractersticas delineadas na anlise a

    priori.

    Por ltimo, apresentei no Captulo V as consideraes e concluses deste trabalho,

    baseadas nas deliberaes anteriores, que permitiram responder as questes levantadas,

    assim como as indicaes e reflexes para pesquisas nesta rea de estudo.

  • 14

    CAPTULO I

    JUSTIFICATIVA E OBJETIVO

    Meu interesse em lecionar teve incio durante as atividades de monitoria exercidas

    na minha primeira graduao em Engenharia Mecnica. Tendo concludo este curso em

    1983, decidi me dedicar ao exerccio da atividade docente, nas disciplinas de Matemtica

    e Fsica no Ensino Bsico, atuando tanto na rede particular como na pblica, da cidade

    de So Paulo.

    Nas reunies pedaggicas destas escolas, as discusses de textos envolvendo

    educadores que propunham um repensar sobre o ensino encontraram eco em mim e em

    alguns colegas. Tendo realizado meus estudos de escolaridade bsica nos moldes da

    Matemtica Moderna, decidi freqentar algumas palestras, cursos e oficinas para melhor

    compreenso das questes cuja tnica principal se centrava num ensino onde o aluno

    assumiria um papel mais ativo e com nfase em situaes-problema contextualizadas,

    com o intuito de propiciar uma aprendizagem significativa.

    Da minha mobilizao inicial pela rea educacional, senti a necessidade de estudos

    freqentes, a fim de melhor compreender a mudana de paradigmas defendidos por

    diferentes educadores. Ento, por volta de 1985, decidi ingressar na Licenciatura em

    Matemtica, a fim de complementar a minha formao tcnica e conhecer as

    especificidades da Educao em Matemtica. As discusses promovidas por esses

    estudos acadmicos, concomitantemente ao exerccio profissional no magistrio,

    permitiram iniciar uma nova compreenso do processo de ensino e de aprendizagem em

    Matemtica. Deste modo, analisei diferentes abordagens de ensino atravs da leitura de

    livros e textos, as quais me nortearam e incentivaram na elaborao e aplicao em sala-

    de-aula de atividades baseadas na explorao de situaes-problema contextualizadas.

    Em 1990, comecei a lecionar em uma instituio particular do Ensino Superior, em

    disciplinas bsicas da Licenciatura em Matemtica. Para melhor compreender a formao

    dos licenciandos em relao ao ensino de Matemtica, decidi ento aprofundar meus

    estudos, ingressando em 1993 num curso de Ps-Graduao ao nvel de especializao

    em Educao Matemtica. Este curso, alm de oficializar a permisso necessria para a

    atuao profissional no Ensino Superior, ampliou meus conhecimentos em Matemtica,

    assim como desenvolveu reflexes para o aprimoramento das relaes destes com o

    ensino. Para finalizar o curso, escrevi meu primeiro trabalho acadmico na rea da

    Educao, desenvolvendo consideraes sobre um tema da lgebra as Progresses

    Aritmticas.

  • 15

    Observo que, em virtude de lecionar concomitantemente Matemtica e Fsica no

    Ensino Bsico e Superior e, pelo fato de haver, at ento, privilegiado os estudos em

    Matemtica, em 1995 ingressei no Curso de Bacharelado em Fsica. Esta deciso em

    aprimorar os conhecimentos desta rea para lecionar teve motivao, em grande parte, a

    partir das dificuldades que percebia nos alunos quanto ao entendimento dos tpicos

    desta disciplina no meu ofcio de professor. Neste curso, pude constatar a utilizao da

    ferramenta algbrica como essencial para a descrio e compreenso dos vrios

    fenmenos fsicos, tanto no domnio das grandezas discretas, quanto nas contnuas.

    Aps vinte anos no magistrio do Ensino Bsico e alguns anos no Ensino Superior,

    atuando majoritariamente no ensino de Matemtica e, tendo percebido limitaes das

    sugestes dos livros didticos do Ensino Fundamental e Mdio, assim como das

    vivncias de cursos de aprimoramento de professores e de minha formao acadmica,

    decidi continuar os estudos a fim de melhor entender a problemtica do ensino e da

    aprendizagem, na especificidade da rea de Matemtica. Deste modo, ingressei no

    Programa de Estudos de Ps-Graduao do Mestrado Acadmico em Educao

    Matemtica, da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo, no 2 semestre de 2005.

    Aps tomar contato com as linhas de pesquisa desenvolvidas no Programa de

    Mestrado da PUC/SP e aliando minha formao acadmica, minhas experincias

    profissionais e meus interesses, decidi desenvolver meus estudos na rea da lgebra.

    Assim, comecei a freqentar as reunies do Grupo de Pesquisa em Educao Algbrica

    (GPEA), a fim de conhecer os trabalhos desenvolvidos neste grupo.

    O GPEA articula pesquisas em questes do Projeto O que se entende por

    lgebra?, descrito no texto de Maranho, Machado e Coelho (2005). Este projeto

    desenvolve estudos de cunho documental, diagnstico e interventivo, analisando as

    interaes entre os professores, os estudantes e os programas curriculares.

    Nas primeiras reunies que freqentei do GPEA, dentre as investigaes em

    andamento, me interessei particularmente por duas pesquisas de mestrado, envolvendo o

    objeto equao diofantina linear, um tpico de estudo da Teoria dos Nmeros.

    Este grupo concebe a Teoria Elementar dos Nmeros como parte integrante da lgebra do Ensino Bsico, conforme resultado de seus estudos. O objetivo das pesquisas desse projeto investigar o estatuto que esse assunto tem no campo institucional (PCN1, Programas, etc), no campo docente (professores do Ensino Superior, mdio, fundamental e

    1 Os Parmetros Curriculares Nacionais, Brasil (1997a), foram desenvolvidos pelo Ministrio de Educao e Desporto para servir de referncia curricular no obrigatria para o Ensino Bsico, tendo como objetivo garantir a todas as crianas e jovens brasileiros o direito de usufruir o conjunto de conhecimentos reconhecidos como necessrios para o exerccio da cidadania.

  • 16

    infantil) e no campo discente (alunos de todos os segmentos). Os resultados dessas pesquisas visam contribuir para a sensibilizao sobre a contribuio dos estudos sobre o tema no desenvolvimento do fazer matemtico como demonstrar, conjecturar e diversificar estratgias para resoluo de problemas que envolvam nmeros inteiros (MARANHO; MACHADO; COELHO, 2007).

    Assim, me dispus a realizar estudos envolvendo as equaes diofantinas lineares no

    mesmo subprojeto das duas dissertaes de mestrado j referidas, denominado A Teoria

    dos Nmeros no Ensino Bsico e na Licenciatura. A motivao para esta escolha surgiu

    a partir das discusses por mim vivenciadas no GPEA, as quais relacionei a algumas

    prticas do meu percurso profissional. Numa destas ocasies, por volta do ano de 2003,

    tive a oportunidade de lecionar no Ensino Fundamental numa instituio que elabora o

    prprio material didtico. No livro da 7 srie, dentro do caderno de lgebra, havia um

    captulo intitulado Duas incgnitas e muitas solues, contendo uma srie de situaes-

    problema envolvendo contextos acessveis a alunos do Ensino Fundamental e

    apresentando variado nmero de solues inteiras, que implicitamente representavam

    equaes diofantinas lineares do tipo c,byax =+ com Zcb,a, e solues inteiras.

    Isso me chamou a ateno por no ser comum esse tipo de abordagem no Ensino

    Bsico.

    Mais recentemente, um outro aspecto contribuiu para meu interesse pelo enfoque

    neste subprojeto do GPEA. Lecionando Fundamentos de Matemtica junto a calouros do

    curso de graduao da rea de Cincias Sociais, uma das recomendaes didticas aos

    professores era a utilizao de contextos e aplicaes dos temas curriculares envolvidos

    nos respectivos cursos, associando-os aos contedos de Matemtica. Ocasionalmente,

    pude perceber que, ao abordar as relaes entre alguns temas elementares da

    Matemtica e assuntos especficos da rea de Cincias Sociais, houve uma maior

    motivao por parte dos alunos, evidncia manifestada na fala de alguns alunos quando

    citavam algo prximo expresso agora eu entendo para que serve a Matemtica. Em

    um desses cursos, dentro da proposta da integrao dos conceitos matemticos com os

    temas especficos, necessitei aprofundar meus estudos em Economia, tendo encontrado

    por meio de diversos livros e textos vrias situaes bsicas desta rea em interface com

    a Matemtica.

    Assim, relacionando os resultados dessa investigao s discusses no GPEA,

    observei a existncia de uma forte relao envolvendo os conceitos bsicos presentes em

    alguns temas da rea de Economia com grandezas discretas, mais particularmente, em

    situaes que envolviam solues inteiras, as quais esto associadas ao objeto

    matemtico equao diofantina linear.

  • 17

    Ao recuperar essas memrias, contribuies das instituies em que trabalhei como

    professor, onde havia incentivo e oportunidade para desenvolver propostas com foco na

    autonomia e tomada de decises do aluno, aliadas s discusses proporcionadas pelo

    meu ingresso no Programa de Ps-graduao em Educao Matemtica, e em particular,

    no GPEA, pude ento questionar se, como e em que medida os alunos do Ensino Mdio

    poderiam se beneficiar de conhecimentos envolvendo as equaes diofantinas lineares.

    Os pesquisadores do GPEA ressaltam a importncia de ser trabalhada a Teoria dos

    Nmeros e a lgebra de modo articulado e complementar, pois so campos que se

    entrelaam permitindo que se formulem questes cuja soluo completa requer manejo

    de conceitos de forma integrada (MARANHO; MACHADO; COELHO, 2005, p. 11).

    Com relao pertinncia de estudos, a lgebra um ramo do conhecimento

    matemtico presente e predominante no Ensino Bsico, conforme observei no programa

    oficial. Os pesquisadores do grupo GPEA consideram que esta rea imprescindvel

    para o desenvolvimento de idias matematicamente significativas, sendo necessria a

    articulao com a prpria Matemtica e com outros campos da atividade humana.

    Alm disso, o projeto que direciona as pesquisas do grupo GPEA levanta algumas

    questes importantes que provocam uma demanda por investigao: - A lgebra verdadeiramente til para a maioria? - Quais mudanas no montante e na natureza do que ensinado em lgebra so adequadas para torn-la acessvel a mais estudantes? (MARANHO; MACHADO; COELHO, 2005, p. 11).

    Esse texto pondera que, apesar da valorizao da lgebra pelo tratamento

    axiomtico da dcada de 60, iniciado pela reforma conhecida como Matemtica

    Moderna2, tal modelo de ensino contribuiu para as dificuldades de aprendizagem

    algbrica apresentadas pelos alunos. Isto gerou graves conseqncias, pois: (...) o ensino da lgebra vem apresentando tantos fracassos que passou a ser tambm um elemento de excluso social, uma vez que, os que no conseguem aprend-la, vem formar-se diante de si barreiras intransponveis para a ascenso do conhecimento (CASTRO, 2005, p. 2).

    Em consonncia com as preocupaes expostas, Fiorentini, Miorim e Miguel (1993)

    propem um repensar na Educao Algbrica, pois o pensamento algbrico pode ser

    expresso, dentre suas vrias formas, atravs de linguagem natural, linguagem aritmtica

    e linguagem algbrica. Deste modo, o pensamento algbrico se potencializa a medida

    que, gradativamente, o estudante desenvolve uma linguagem mais apropriada a ele

    (FIORENTINI; MIORIM; MIGUEL, 1993, p. 89).

    2 Segundo os PCN, Brasil (1997a), este movimento organizou o conhecimento matemtico de modo axiomtico, utilizando elementos da Teoria dos Conjuntos, da Lgica Clssica, das Estruturas Algbricas e da Topologia, pretendendo aproximar a Matemtica escolar do modo como era vista pelos matemticos.

  • 18

    Ainda, no desenvolvimento progressivo do aluno ao longo da sua Educao

    Algbrica, o papel desempenhado pela linguagem simblica determina: (...) um papel fundamental na constituio do pensamento algbrico abstrato, uma vez que ela fornece um simbolismo conciso por meio do qual possvel abreviar o plano de resoluo de uma situao-problema, o que possibilita dar conta da totalidade e da estrutura da organizao (FIORENTINI; MIORIM; MIGUEL, 1993, p. 89).

    Posto desta forma, os autores Fiorentini, Miorim e Miguel (1993) acreditam que uma

    primeira etapa do trabalho desenvolvido em Educao Algbrica deve se sustentar em

    situaes-problema, de modo a garantir o funcionamento dos elementos

    caracterizadores do pensamento algbrico, uma habilidade imprescindvel aos

    estudantes do Ensino Bsico.

    Passo agora a delinear contribuies do pesquisador Nlson Jos Machado, na

    ocasio do Exame de Qualificao, quando chama a ateno para um desequilbrio

    existente no programa da escola bsica entre a Matemtica Discreta e a Matemtica do

    Contnuo. Este autor ressalta que existem questes interessantes e simples envolvendo

    nmeros inteiros, mas no abordadas na Escola Bsica, pois geralmente so resolvidas

    no conjunto dos nmeros reais e ajusta(m)-se a(s) soluo(es) particular(es) para os

    nmeros inteiros. Deste modo, a pertinncia de problemas envolvendo equaes

    diofantinas lineares no ensino de Matemtica do ciclo bsico fica vinculada valorizao

    e importncia de questes envolvendo nmeros inteiros.

    De modo geral, pode-se considerar que a parte quantitativa3 do conhecimento

    matemtico pode ser subdividida em duas correntes: a Matemtica Discreta e a

    Matemtica do Contnuo. Brolezzi (1996), em sua tese de doutorado, aponta que o par

    discreto/contnuo se refere, respectivamente, a duas aes fundamentais da Matemtica,

    quais sejam: contar e medir. Assim, para introduzir a caracterizao do par

    discreto/contnuo, fao meno ao estudo etimolgico presente no trabalho desse autor. De modo geral, discreto aquilo que exprime objetos distintos, que se revela por sinais separados, que se pe parte. Vem do latim discretus, particpio passado do verbo discernere (discernir), que significa discriminar, separar, distinguir, ver claro. (...) J contnuo vem de com-tenere (ter junto, manter unido, segurar). Contnuo o que est imediatamente unido outra coisa (BROLEZZI, 1996, p. 1).

    Numa linguagem formal, uma grandeza discreta quando ela for contvel, ou seja,

    possvel estabelecer uma relao biunvoca entre os elementos de um dado conjunto e

    o conjunto dos nmeros naturais. Em oposio a uma grandeza discreta, Brolezzi (1996)

    nos diz que uma grandeza contnua quando for passvel de ser medida. 3 Alm da parte quantitativa do conhecimento matemtico, Brolezzi (1996) argumenta que na Matemtica existe uma parte qualitativa que se manifesta, por exemplo, no estudo das leis da lgica e na topologia.

  • 19

    Apesar desta caracterizao proposta em Brolezzi (1996), distinguir a Matemtica

    Discreta e a Matemtica do Contnuo no implica em uma diviso em duas partes

    disjuntas. Este autor defende que entre essas duas correntes h uma importante

    interao, a ser explorada no ensino da Matemtica Elementar.

    Quanto aos PCN, Brasil (1997a), constatei uma breve recomendao para a

    explorao do par discreto/contnuo. Este documento considera que a Matemtica se

    desenvolve: (...) mediante um processo conflitivo entre muitos elementos contrastantes: o concreto e o abstrato, o particular e o geral, o formal e o informal, o finito e o infinito, o discreto e o contnuo. Curioso notar que tais conflitos encontram-se tambm no mbito do ensino dessa disciplina (BRASIL, 1997a, p. 20, grifo meu).

    Assim, a Matemtica Discreta envolve apenas estruturas matemticas discretas ou

    finitas. Haetinger (2007) aponta que ela ferramenta utilizada em reas cientficas, como,

    por exemplo, nas Cincias da Computao e em Economia, assim como na prpria

    Matemtica, em particular com relao aos estudos de temas da Teoria dos Nmeros,

    permitindo desenvolver habilidades de contagem, estimao e previsibilidade. Atualmente,

    uma grande nfase da Matemtica Discreta se encontra no estudo dos algoritmos

    aritmticos: mximo divisor comum, teste de nmeros primos, modularidade e

    criptografia4.

    Veloso et. al. (2005), ao relatar que a Matemtica Discreta uma rea pouco

    valorizada no Ensino Bsico, sugere que se desenvolvam estratgias de clculo e de

    resoluo de problemas no contexto da Teoria dos Nmeros, permitindo estabelecer ponte

    com a lgebra.

    Ainda com relao a pouca nfase na Matemtica Discreta, Jurkiewicz (2004)

    esclarece que o processo de apropriao de temas para o Ensino Bsico tem sido

    acarretado mais por fatores scio-econmicos do que acadmicos, culminando no

    estabelecimento do currculo de Matemtica de forma seqencial e cumulativo5. Um

    aspecto crucial para entender o atual desequilbrio em favor do contnuo no currculo atual

    de Matemtica da escola bsica, se deve ao papel histrico desencadeado pelo

    surgimento do clculo diferencial e integral.

    4 Alm dos temas citados, a Matemtica Discreta contribui com estudos na Teoria dos Conjuntos, Teoria dos Grafos, Anlise Combinatria, Probabilidade Discreta, lgebra Linear, lgebra Booleana, Estruturas Algbricas, na modelagem matemtica e nos mtodos de provas e demonstraes. 5 Por seqencial e cumulativo, o autor credita o currculo montado de modo que o aluno da Escola Bsica percorra passo a passo o desenvolvimento das idias matemticas desenvolvidas ao longo da linha do tempo, que aumenta medida que a sociedade acumula mais conhecimentos.

  • 20

    A seqncia nmeros naturais; nmeros inteiros; nmeros racionais; nmeros reais (...) aponta de forma decisiva para uma matemtica do contnuo. (...) A geometria analtica e o estudo de conjuntos e funes preparam o esprito dos estudantes para as ferramentas da continuidade. O programa claro, explcito e bem sucedido. Nunca demais reforar que esse sucesso merecido. A quantidade e a qualidade dos resultados de matemtica do contnuo possibilitou ao mundo ser o que hoje. Essa matemtica soube responder, com louvor, aos desafios pela cincia dos sculos XIX, XX e ainda vai nos oferecer muito mais (JURKIEWICZ, 2004, p. 2-3).

    Contrapondo esta tendncia, Jurkiewicz (2004) aponta a era ps-industrial do sculo

    XX como um momento de retomada da Matemtica Discreta, essencial para o

    desenvolvimento das cincias da computao, assim como na modelagem6, permitindo a

    resoluo de problemas logsticos imprescindveis para a administrao de recursos e

    servios da sociedade como um todo. Neste sentido, o autor prope a incluso de alguns

    de seus tpicos na sala de aula, citando-a como ferramenta pedaggica poderosa por

    proporcionar problemas de compreenso acessvel, complementando os de concepo

    mais clssica, abordados pela Matemtica do Contnuo.

    Observando a indissocivel relao entre o currculo de Matemtica e o material

    utilizado no ensino vigente, a dissertao de Moura (2005) reafirma as concluses

    delineadas acima, ao analisar livros didticos no Ensino Bsico, apontando que a partir

    do 2 ciclo do Ensino Fundamental e at o Ensino Mdio, prevalece a Matemtica do

    Contnuo. A autora conclui que o livro didtico poderia encaminhar propostas que

    possibilitassem um maior aproveitamento tanto da via do discreto quanto da via do

    contnuo, de modo a propiciar uma melhor apresentao e discusso dos conceitos

    matemticos.

    Ainda com relao ao par discreto/contnuo, encontrei meno na dissertao de

    mestrado de Lopes Jnior (2005), que investigou a compreenso do conceito de funo

    de 1 grau. Ao aplicar e analisar uma seqncia didtica, o autor constatou que os alunos

    de Ensino Mdio pesquisados no distinguem e no compreendem quando a varivel

    assume valor discreto ou contnuo, em questes envolvendo a soluo com nmeros

    inteiros.

    Assim, com base nas ponderaes apresentadas que realam a pertinncia e

    necessidade de propostas envolvendo nmeros inteiros no currculo do Ensino Bsico,

    me propus a desenvolver uma pesquisa que contribua para o entendimento das questes

    da Matemtica Discreta junto a alunos do Ensino Mdio.

    6 Segundo DAmbrosio (2006), a modelagem se caracteriza pela natureza dos parmetros envolvidos, sendo estes quantificveis e sujeitos a um tratamento matemtico.

  • 21

    Neste ponto, posicionando o lugar das equaes diofantinas lineares na Matemtica

    Discreta, referencio a tese de doutorado de Resende (2007), do GPEA, que desenvolveu

    sua pesquisa orientada pela questo: Qual a Teoria dos Nmeros ou poderia ser

    concebida como um saber a ensinar na licenciatura em Matemtica, visando a prtica

    docente na escola bsica?. O objetivo da pesquisa foi compreender a Teoria dos

    Nmeros enquanto saber a ensinar e buscar elementos para re-signific-la na licenciatura

    em Matemtica. A autora desenvolveu a anlise epistemolgica e histrica, a anlise de

    livros didticos no Ensino Superior e fez entrevistas com educadores matemticos e

    matemticos especialistas.

    Deste modo, Resende (2007) delimitou os assuntos bsicos a serem tratados num

    curso inicial de Teoria Elementar dos Nmeros:

    Nmeros Inteiros: evoluo histrica e epistemolgica do conceito de nmeros naturais e inteiros; representaes dos nmeros naturais, operaes, algoritmos e propriedades; definio por recorrncia (potncias em N, seqncias, progresses aritmticas e geomtricas), princpio da boa ordem e princpio da induo finita. Divisibilidade: algoritmo da diviso, mximo divisor comum, mnimo mltiplo comum, algoritmo de Euclides, nmeros primos, critrios de divisibilidade, o Teorema Fundamental da Aritmtica. Introduo congruncia mdulo m: definio, propriedades, algumas aplicaes. Equaes Diofantinas Lineares (RESENDE, 2007, p. 228).

    Assim, com base em Resende (2007), considero pertinente ressaltar nesta pesquisa

    as equaes diofantinas lineares como pertencente ao recorte designado como Teoria

    Elementar dos Nmeros, que aborda temas exclusivamente voltados aos nmeros

    inteiros, inseridos no contexto mais amplo da Matemtica Discreta.

    A descrio de Resende (2007) est de acordo com Campbell e Zazkis (2002), que

    caracterizam a Teoria dos Nmeros como o estudo dos temas usuais - nmeros inteiros,

    mltiplos e divisores, decomposio em fatores primos, estudo da divisibilidade, mximo

    divisor comum e mnimo mltiplo comum - assuntos pertencentes ao currculo de

    Matemtica do Ensino Bsico.

    Os autores Campbell e Zazkis (2002) questionam os motivos da falta do estudo da

    Teoria dos Nmeros dentro da Matemtica, ressaltando a necessidade de mais

    pesquisas. Estas ponderaes esto em conformidade com os PCNEM7, Brasil (1998),

    que enfatizam a necessidade de contemplar estudos matemticos envolvendo os

    nmeros, suas operaes e propriedades, tanto na Aritmtica, como na lgebra.

    7 Os Parmetros Curriculares Nacionais do Ensino Mdio, Brasil (1998), foram elaborados tendo como objetivo propiciar ao sistema de ensino subsdios para a re-elaborao do currculo nesta faixa de ensino, em face a construo da cidadania do aluno e do projeto pedaggico.

  • 22

    Ainda, Ferrari (2002) refora que o trabalho com tpicos da Teoria dos Nmeros

    necessita de conceitos bsicos simples. O autor aponta que a atividade de resoluo de

    problemas de Teoria dos Nmeros no envolve, necessariamente, a aplicao direta de

    algoritmos, mas necessita do desenvolvimento de habilidades como interpretar e

    conjecturar, assim como incentiva a busca de heursticas8.

    Dessa forma, os membros do GPEA acreditam que pesquisas envolvendo Teoria

    dos Nmeros podero revelar caminhos promissores para a Educao Algbrica. Dentre as investigaes de Educao Matemtica mundiais, aquelas sobre o ensino e aprendizagem da lgebra e da Teoria Elementar dos Nmeros em nveis de ensino superiores e entre professores do Ensino Bsico tm tido uma ateno crescente por parte dos pesquisadores. A importncia desses estudos repousa no fato de que a lgebra e a Teoria dos Nmeros so subjacentes a quase todos os domnios da Matemtica, e at mesmo de outras reas (...) (MARANHO; MACHADO; COELHO, 2005, p. 11).

    Dentre os trabalhos recentemente desenvolvidos envolvendo equaes diofantinas

    lineares relacionadas ao Ensino Bsico, dois deles foram recentemente apresentados por

    integrantes do grupo GPEA do Programa de Educao Matemtica da PUC/SP,

    nomeadamente as pesquisas desenvolvidas por Oliveira (2006) e por Costa (2007),

    inseridas no subprojeto A Teoria dos Nmeros no Ensino Bsico e na Licenciatura.

    A pesquisa de Oliveira (2006) almejou verificar se o objeto matemtico equao

    diofantina linear se encontra presente em documentos oficiais e no livro didtico do

    Ensino Mdio. O autor observou no haver referncia explcita e poucas situaes

    implcitas nas duas colees de livros didticos analisadas. Considerando-se a pesquisa

    com docentes realizada por Costa (2007), este constatou que embora os professores

    afirmem trabalhar com seus alunos situaes-problema que recaem em equaes do tipo

    das diofantinas lineares, ainda utilizam o mtodo de tentativa e erro como ferramenta de

    resoluo, aliada a uma concepo da escrita algbrica como mera formalizao, sem

    explorao de sua capacidade resolutiva.

    Estas constataes de Oliveira (2006) e de Costa (2007) revelam que o objeto

    equao diofantina linear tratado esporadicamente de forma implcita, nunca

    explicitamente, no Ensino Mdio. Tais concluses configuraram uma motivao para o

    levantamento de situaes-problema que possibilitassem a alunos do Ensino Mdio

    encontrar estratgias eficientes para a busca de solues em questes envolvendo

    equaes diofantinas lineares.

    8 Segundo Pozo (1998), procedimentos heursticos ou estratgias so os planos e metas desenvolvidos pelos alunos que os guiam, de forma global, busca de soluo de problemas. Em oposio, os procedimentos algortmicos so baseados em regras e operaes pr-determinadas, que viabilizam a soluo de forma direta e especfica.

  • 23

    Aliada a essa motivao e atento s experincias de meu percurso profissional,

    observei que alguns conceitos bsicos abordados em livros de Economia apresentam

    questes de contexto prximo realidade do cidado comum, permitindo uma

    modelagem utilizando grandezas discretas, e em particular, as equaes diofantinas

    lineares. Entre essas situaes econmicas, destaco quelas direcionadas ao

    comportamento econmico individual de consumidores e relacionadas s escolhas e s

    possibilidades de aquisio de bens ou servios ligados ao convvio dirio, situaes

    estas naturalmente envolvendo grandezas discretas.

    No ensino, a discriminao de todas possibilidades de aquisio de produtos ou

    servios, alm de favorecer reflexes relativas s questes referentes cidadania,

    envolvendo alunos do Ensino Mdio, uma operao de pensamento importante, pois

    proporciona oportunidade de vnculo com um tema matemtico relativo a valores

    monetrios associados realidade cotidiana. Nesse sentido, as equaes diofantinas

    lineares possibilitam o desenvolvimento deste tipo de competncia, no campo dos

    nmeros inteiros, atravs da busca de todas as solues inteiras.

    As ponderaes feitas at o presente momento me nortearam a tecer as seguintes

    questes:

    - Os alunos do Ensino Mdio podem desenvolver conhecimentos sobre equaes

    diofantinas lineares?

    - Como os alunos do Ensino Mdio explicitam as solues de problemas envolvendo

    equaes diofantinas lineares a partir de uma situao a-didtica9 proposta, utilizando

    suas prprias estratgias?

    Tendo como base as consideraes delineadas, estabeleci como objetivo deste

    trabalho verificar se, como e em que medida os alunos do Ensino Mdio explicitam

    conhecimentos envolvendo as equaes diofantinas lineares.

    9 De acordo com Brousseau (1996a), a situao a-didtica aquela que permite provocar no aluno uma interao o mais independente e fecunda possvel, atravs da adaptao do aluno a um meio com intenes didticas, que lhe impe dificuldades, contradies e desequilbrios. Dessa forma, permite provocar o aparecimento de novas respostas, que representam a maneira como o aluno aprende o conhecimento almejado. Para provocar estas adaptaes, Brousseau (1996a) prope que seja realizada uma escolha judiciosa de problemas ou jogos, cujas resolues sejam permitidas pela prpria lgica interna da situao, de modo que o aluno os aceite, levem-no a agir, a refletir e a evoluir por si prprio, sem qualquer transmisso explcita de conhecimentos.

  • 24

    CAPTULO II

    FUNDAMENTOS TERICOS: LEITURAS E ESCOLHAS

    Neste captulo apresento os fundamentos tericos, tanto as consideraes

    matemticas como os argumentos didticos, que embasaram esta pesquisa. Inicialmente,

    delineio um breve percurso histrico para evidenciar a origem e desenvolvimento das

    equaes diofantinas lineares, descrevendo assim os conceitos matemticos envolvidos

    neste estudo.

    Saliento tambm que a proposta desta pesquisa, envolvendo situaes-problema

    que representam equaes diofantinas lineares, pode causar estranheza ao leitor, pelo

    fato de tal tema matemtico no constar do Programa Oficial do Ensino Mdio. Dessa

    forma, foram tecidas consideraes didticas acerca da necessidade e pertinncia de tal

    assunto no ciclo bsico, embasadas em estudos envolvendo a Matemtica Discreta e,

    mais especificamente, a Teoria Elementar dos Nmeros.

    Desenvolvimento Histrico das Equaes Diofantinas Lineares

    Para a compreenso das equaes diofantinas lineares quanto ao seu significado,

    surgimento e desenvolvimento histrico, inicialmente fao referncia a Diofante10,

    matemtico grego que tem seu nome ligado a este objeto, possibilitando assim,

    esclarecer seu papel e importncia dentro de tal tema.

    Encontramos meno em Rocque e Pitombeira (1991) que as obras de Diofante de

    Alexandria no seguem a tradio clssica grega para os textos matemticos, no se

    assemelhando e nem formando a base da lgebra elementar dos nossos dias.

    Sua obra aproximava-se mais da lgebra babilnica no que se refere a determinar

    as solues numricas de uma equao. Porm, enquanto que: (...) os matemticos babilnicos se ocupavam principalmente com solues aproximadas de equaes determinadas (...), [a obra de]11 Diofante de Alexandria quase toda dedicada resoluo exata de equaes, tanto determinadas como indeterminadas (BOYER, 1974, p. 132).

    Conforme Zerhusen, Rakes e Meece (2005), o trabalho mais conhecido de Diofante,

    Arithmetica, um tratado que originalmente continha 13 livros, dos quais somente seis se

    preservaram. Estes pesquisadores no consideram tal coletnea um texto algbrico, mas

    sim uma coleo de problemas resolvidos de aplicao da lgebra. 10 Supe-se que Diofante tenha vivido e nascido em Alexandria, no Egito, por volta de 250 a.C. 11 Nesta citao, assim como nas demais, a insero colocada entre colchetes visa articular o recorte.

  • 25

    Ainda com relao a Arithmetica, Lins e Gimenez (2005) apontam que Diofante

    solucionava os problemas expostos utilizando aplicaes numricas especficas,

    introduzindo diversas tcnicas de resoluo, porm sem recorrer teorizao. Estes

    problemas envolviam equaes representando expresses na forma polinomial,

    subdivididas em dois grupos: as equaes determinadas e as equaes indeterminadas.

    Porm, ocorre que no feita uma distino clara entre problemas determinados e

    indeterminados, e mesmo para os ltimos, para os quais o nmero de solues

    geralmente infinito, uma s resposta dada (ROCQUE; PITOMBEIRA, 1991, p. 46).

    Para compreendermos o papel da obra de Diofante e situ-la dentro das fases

    evolutivas da linguagem algbrica, relato trs momentos no desenvolvimento da lgebra:

    - a primeira, conhecida como lgebra pr-diofantina, constituda da fase retrica ou

    verbal, onde no se fazia uso de smbolo nem de abreviaes para expressar o

    pensamento matemtico (FIORENTINI; MIORIM; MIGUEL, 1993, p. 79);

    - a segunda etapa, denominada fase sincopada, iniciou-se com a obra Arithmetica,

    de Diofante, que fez uso de um smbolo para a incgnita - a letra sigma do alfabeto

    grego - e utilizou uma forma mais abreviada e concisa para expressar suas equaes

    (ibidem, p. 80). Posteriormente, os hindus utilizaram esta forma sincopada;

    - a terceira, denominada fase simblica, corresponde ao momento em que as idias

    algbricas passam a ser expressas somente atravs de smbolos, sem recorrer ao uso de

    palavras (FIORENTINI; MIORIM; MIGUEL, 1993, p. 80). Assim, Vite (1540-1603)

    introduziu novos smbolos na lgebra e Descartes (1596-1650) consolida esta fase

    introduzindo as ltimas letras do alfabeto z,...) y,(x, como as quantidades desconhecidas

    (incgnitas), sendo as letras iniciais do alfabeto c...) b, (a, utilizadas para as quantidades

    conhecidas (parmetros).

    Apesar do grande mrito de Diofante pela introduo do estilo sincopado, muitos

    historiadores, de acordo com Zerhusen, Rakes e Meece (2005), atribuem a este estilo o

    fato de Diofante nunca ter desenvolvido um mtodo geral de soluo para os problemas

    envolvendo equaes indeterminadas.

    Porm, estes autores fazem reflexo sobre este tema, mencionando o livro

    Diophantus and Diophantine Equations, de Isabella Bashmakova (s/d), afirmando que: (...) muitas das tcnicas eram mais gerais do que os crticos pensam, mas no so reconhecidas como tais devido a limitaes em sua notao. Por exemplo, Diofante no introduz variveis adicionais num problema, mas prefere introduzir um inteiro arbitrrio. (...) [Num] problema encontrado no Livro Arithmetica, tomo 2, pode ser visto que ele [Diofante] est ciente que qualquer inteiro servir (ZERHUSEN; RAKES; MEECE, 2005, p. 3).

  • 26

    Milies e Coelho (2003) apontam que na Arithmetica, Diofante buscava encontrar as

    solues inteiras ou racionais no negativas de equaes indeterminadas12, que

    atualmente so conhecidas como equaes diofantinas. Ainda, segundo Milies e Coelho

    (2003), foi Fermat o primeiro a tratar questes envolvendo as equaes indeterminadas

    estritamente no mbito do conjunto dos nmeros inteiros.

    Apesar de muitos problemas tratados no livro Arithmetica estarem relacionados s

    equaes diofantinas, Zerhusen, Rakes e Meece (2005) afirmam que a obra no contm

    problemas envolvendo as equaes indeterminadas de primeiro grau, pois Diofante no

    lhes atribua qualquer importncia.

    Deste modo, Hefez (2005) aponta que Diofante teve seu nome atribudo s

    equaes diofantinas lineares como uma homenagem pstuma, dada por sua importncia

    dentro do desenvolvimento da Matemtica.

    Vale observar que problemas envolvendo aplicaes de equaes diofantinas

    lineares a duas variveis, do tipo cbyax =+ , assim como as de segundo grau a trs

    variveis, do tipo 222 zyx =+ , j tinham sido abordados num perodo anterior a Diofante,

    pelos babilnios, conforme citam Zerhusen, Rakes e Meece (2005).

    Historicamente, porm, foi Brahmagupta, um matemtico hindu que viveu em

    d.C. 628 , na ndia central, o primeiro a explicitamente:

    (...) dar uma soluo geral da equao linear diofantina [do tipo] ax + by = c, onde a, b e c so inteiros. Para que essa equao tenha solues inteiras, o mximo divisor comum de a e b deve dividir c; e Brahmagupta sabia que se a e b so primos entre si, todas as solues da equao so dadas por x = p + mb; y = q ma, onde m um nmero inteiro arbitrrio [sendo p e q uma soluo inteira particular]. (...) Brahmagupta merece muito louvor por ter dado todas as solues inteiras da equao linear diofantina, enquanto que Diofante de Alexandria tinha se contentado em dar uma soluo particular de uma equao indeterminada (BOYER, 1974, p. 161).

    Consideraes Matemticas Envolvendo as Equaes Diofantinas Lineares em Z

    O estudo a seguir, abordando o objeto matemtico equao diofantina linear,

    pautado nas leituras e discusses proporcionadas pelo grupo GPEA e desenvolvido nas

    pesquisas de Oliveira (2006) e de Costa (2007), assim como nos resultados presentes em

    Rocque e Pitombeira (1991), Milies e Coelho (2003), Universidade de Minho (2003) e

    Hefez (2005).

    12 O mtodo utilizado na Arithmetica para a resoluo dos problemas indeterminados tornou-se mais tarde conhecido como Anlise Diofantina.

  • 27

    Como introduo, destaco a equao diofantina definida como: (...) uma equao algbrica com uma ou mais incgnitas e coeficientes inteiros, para a qual so buscadas solues inteiras. Uma equao deste tipo pode no ter soluo, ou ter um nmero finito ou infinito de solues (COURANT; ROBBINS, p.59, 2000).

    Esta investigao assumiu um recorte ao considerar somente problemas

    envolvendo a busca de solues inteiras da forma ax + by = c, com a, b e c inteiros, conhecida como equao diofantina linear a duas incgnitas.

    Observando a definio de equao diofantina e a delimitao do objeto de estudo

    escolhido, emergem algumas questes: possvel antever se problemas envolvendo

    uma dada equao diofantina linear tm ou no soluo? E, caso possua um nmero

    finito, quantas e quais so estas solues inteiras? Ainda, caso existam infinitas

    solues, como possvel express-las?

    As respostas a estas questes foram solucionadas ao longo do desenvolvimento

    histrico da Matemtica, sendo apresentadas pela Teoria Elementar dos Nmeros,

    embasadas em resultados advindos do tpico divisibilidade.

    A seguir, apresento trs exemplos que ilustram situaes que recaem em equaes

    diofantinas lineares, cujas resolues possibilitam introduzir e situar os critrios de

    existncia de soluo, o processo para a busca de soluo e a representao algbrica,

    que permite expressar, de modo genrico, as respostas aos questionamentos pontuados.

    Situao 1: O problema das quadras Quantas quadras de basquete e quantas de vlei so necessrias para que 80 alunos joguem simultaneamente? E se forem 77 alunos? (ROCQUE; PITOMBEIRA, 1991, p. 39).

    Para que 80 alunos joguem simultaneamente, a situao pode ser descrita pela

    equao diofantina linear 10x + 12y = 80, pois atuam em cada time de basquete cinco

    jogadores e em cada time de vlei seis atletas. Esta situao apresenta duas solues,

    que correspondem aos pares ordenados (2;5) ou (8;0), onde a coordenada x representa

    a quantidade de quadras de basquete e y representa a quantidade de quadras de vlei.

    A variao da situao para um nmero mpar de alunos, representada pela equao

    10x + 12y = 77, no apresenta soluo.

    Situao 2: O Problema do laboratrio Um laboratrio dispe de 2 mquinas para examinar amostras de sangue. Uma delas examina 15 amostras de cada vez, enquanto [que] a outra examina 25. Quantas vezes essas mquinas devem ser acionadas para examinar exatamente 2 mil amostras? (ROCQUE; PITOMBEIRA, 1991, p. 39).

  • 28

    A situao 2, que pode ser descrita pela equao ,20002515 =+ yx ou pela

    equivalente ,40053 =+ yx apresenta vinte e sete solues naturais, onde x e y

    representam a quantidade de vezes que cada uma das mquinas acionada.

    Situao 3: O Problema das moedas

    Suponhamos que s existam moedas de 15 e 7 escudos e que eu queira pagar uma certa quantia em escudos. Ser que sempre possvel? E se existirem moedas de 12 e 30 escudos? (UNIVERSIDADE DE MINHO, 2003, p.1).

    A situao 3 deixa em aberto a quantia total disponvel a ser paga. Isto requer a

    interpretao que qualquer quantidade expressa por um nmero inteiro pode ser paga,

    desde que seja possvel pagar 1 escudo, bastando repetir o pagamento at a quantia

    necessria. Assim sendo, a equao diofantina linear que representa este problema

    ,1715 =+ yx sendo x e y respectivamente as quantidades de moedas de 15 e 7 escudos

    utilizadas. Deste modo, existem infinitas solues inteiras, pois na troca de moedas, o ato

    de pagar pode se associar operao de adio e o ato de receber a operao de

    subtrao. E para o caso das moedas de 12 e 30 escudos, com equao descrita por

    ,3012 cyx =+ existem tambm infinitas solues, desde que c seja mltiplo de 6.

    Ressalto que situaes-problema como as apresentadas acima, com nmero

    diverso de solues inteiras e at mesmo com soluo vazia, permitem aflorar variadas

    estratgias de resoluo, como a da tentativa e erro, a utilizao dos mltiplos ou

    divisores, assim como a utilizao da escrita algbrica.

    Cada uma destas estratgias tem uma certa abrangncia para resolver parcialmente

    ou na totalidade as situaes delineadas acima. Este fato permite entender a

    necessidade de critrios matemticos que possibilitam prever e determinar todas as

    solues inteiras, caso existam, envolvendo as equaes diofantinas lineares a duas

    incgnitas.

    Apresento a seguir um critrio que permite verificar a existncia de soluo de uma

    equao diofantina linear a duas incgnitas, assim como um algoritmo que possibilita

    determinar todas as solues inteiras e uma expresso algbrica representando, de

    forma concisa, todas as solues a partir de uma soluo particular.

    Condio de existncia de uma equao diofantina linear

    Existe um critrio que estabelece se uma equao diofantina linear tem ou no

    solues inteiras, utilizando conceitos bsicos presentes no currculo do Ensino Bsico.

  • 29

    Inicialmente, abordo o caso das solues triviais, que ocorre quando a=0 ou b=0. Se a=0 e b0, ento existe soluo se b divide c. Nesse caso, a soluo geral dada

    por x qualquer e .bc

    y = Analogamente, se a0 e b=0, ento existe soluo se a divide c e

    a soluo ser obtida por ac

    x = e y qualquer.

    Para os casos no-triviais, isto , quando os coeficientes so inteiros no nulos,

    necessrio recorrer a algumas propriedades da divisibilidade de nmeros inteiros. Sejam

    a, b e d nmeros inteiros. Propriedade 1- Se d divide a, ento dividir a.m, para qualquer inteiro m. Propriedade 2- Se d divide a e d divide b, ento d divide a + b. Propriedade 3 (Teorema de Bzout)- Seja d = m.d.c. (a,b). Ento, existem inteiros r

    e s tais que . sbrad +=

    A partir das propriedades 1 e 2, a condio necessria para existir soluo inteira da

    equao ax + by = c, com a, b e c inteiros expressa por: se a equao dada tiver uma soluo representada pelo par de inteiros x0 e y0, e se d for um divisor comum de a e b, ento d dividir c. Ainda, se d for o mximo divisor comum de a e b, ento d deve dividir c.

    Utilizando a propriedade 3, possvel verificar a condio como suficiente, pois se d for o mximo divisor comum de a e b e d dividir c, ento c = d.m. Assim, existem inteiros r e s tais que ar + bs = d. Ao se multiplicar por m os membros desta ltima igualdade, resulta a(rm) + b(sm) = c, onde surge que x = rm e y = sm a soluo procurada.

    Ento, vale o seguinte teorema:

    Teorema 1: Sejam a, b e c inteiros (com a e b no nulos) e d = m.d.c. (a,b). A equao diofantina ax + by = c tem solues inteiras se e somente se d/c.

    Como ilustrao deste teorema, retomei o problema das quadras apresentado

    anteriormente. No caso inicial de 80 alunos jogarem simultaneamente, a equao dada

    por .08y2110x =+ Assim, o m.d.c.(10,12) = 2, que divide 80, garante a existncia de

    soluo. No caso da situao relativa a 77 alunos, representada pela equao

    ,77y2110x =+ a inexistncia de soluo ocorre pelo fato do m.d.c.(10,12) = 2 no dividir

    77. Neste caso, possvel verificar a inexistncia de soluo, considerando-se que o 1

    membro da ltima equao sempre par, diferindo em paridade13 com o 2 membro.

    13 Dois nmeros inteiros tm mesma paridade, quando so ambos pares ou ambos mpares.

  • 30

    Algoritmo para encontrar as solues de uma equao diofantina linear

    Neste segmento, sintetizo as consideraes sobre o algoritmo para a resoluo de

    uma equao diofantina linear ax + by = c, ampliando os resultados do Teorema 1. Isto possvel, pois se existir soluo e o mximo divisor comum entre os coeficientes a e b for d 1, ento basta dividir os membros da equao por d, de modo a obter novos coeficientes relativamente primos, com um segundo membro ainda inteiro.

    Assim, o Corolrio do Teorema 1 expresso por: Se mdc (a,b)= 1, ento a equao ax + by = c, com a, b, c inteiros sempre tem solues inteiras, para qualquer c.

    Com base no Corolrio do Teorema 1, resolver uma equao diofantina linear do tipo ax + by = c, com a, b, c e solues inteiras, onde m.d.c. (a,b) = 1, equivale a encontrar inteiros r e s tais que ar + bs = 1. Um dos modos de se obter estes inteiros r e s atravs do algoritmo de Euclides ou algoritmo das divises sucessivas.

    Sejam a e b inteiros, com b > 0. Pelo algoritmo da diviso, existem inteiros q e r,

    com ,0 br

  • 31

    Exemplifico a busca de uma soluo particular atravs da equao diofantina linear

    7, 932x =+ y presente no artigo de Rocque e Pitombeira (1991). Sendo, a = 32; b = 9 e

    c = 7, o algoritmo de Euclides para o clculo do mdc (32,9) dado por:

    3 3 1 3 1 1 4

    32 9

    (.) 32 9 5 32 9 5 4 1

    3.9=27 27 1.5=5 27 5 4 4 (-)

    32-27=5

    5 9-5=4

    (.)

    5 4 1 0

    Este algoritmo resume as seguintes divises:

    32 = (3.9) + 5 (A) 9 = (1.5) + 4 (B) 5 = (1.4) + 1 (C) Verifica-se que o mdc (32,9) = mdc (9,5) = mdc (5,4) = mdc (4,1) = 1. Portanto,

    existe soluo, garantida pela aplicao do Corolrio do Teorema 1.

    A prxima etapa consiste em escrever as equaes (A), (B) e (C) em funo do

    resto das divises euclidianas. Assim:

    5 = 32 - (3.9) (A) 4 = 9 - (1.5) (B) 1 = 5 - (1.4) (C)

    Combinando-se as equaes, substitui-se (B) em (C):

    )9.1()5.2(1)5.1()9.1(51)]5.1(9.[151)4.1(51 =+=== (D).

    Substituindo a equao (A) em (D), obtm-se:

    )()9).(7()32.(21)9.7()32.2(1)9.1()9.6()32.2(1)9.1()]9.3(32.[21)9.1()5.2(1

    E+=====

    A partir de (E), os valores de r e s so 2 e -7, verificados abaixo por simples

    inspeo:

    ) 163-64 9.(-7) 32.(2) (1)9y (32x ==+=+

    Agora, para se obter os valores de x0 e y0, basta multiplicar a expresso (E) pelo coeficiente c, que, neste caso, vale 7. Ento:

    7).9.(-49)2(14)3(7.1) 7.9.(-7) 32.(2).7() 1 9.(-7) (32.(2) =+=+=+

    Assim, a soluo particular almejada dada pelo par (x0; y0) = (14; -49). Para a obteno do algoritmo que exprima todas as possveis solues de uma

    equao diofantina linear ax + by = c, com a, b, c inteiros, a partir da soluo particular

    (x0, yo), a idia consiste em adicionar e subtrair o nmero a.b.k, onde Zk .

  • 32

    Deste modo:

    ].ca.k)-y().[a(xc) a.b.k-a.b.kby ax(c) by (ax 000000 =++=++=+ bkb

    Assim, o par (x0 + bk , y0 - ak) soluo da equao diofantina linear. Para provar a

    unicidade desta soluo, deve-se supor a existncia de outra soluo, representada por

    (x1;y1). Deste modo, existiriam duas solues dadas por c, by axec by ax 1100 =+=+ que

    igualadas resultariam em:

    ).y-b(y) xa(x by ax by ax 10011100 =+=+

    No 1 caso, considerando a = 1 e denominando k = y0 - y1, tem-se:

    b.k.xxb.kxxb.k)x(x1)y-b(y)xa(x 0101011001 +====

    Tambm, k,-yyky-y 0110 == com a =1.

    Logo, (x1;y1) da forma (x0 + bk , y0 - ak).

    No 2 caso, considerando-se 1a e sendo a e b relativamente primos, ento a

    divide y0- y1, ou seja, y0 - y1= a.k, sendo k um nmero inteiro. Ento:

    b.k.xx0apoisb.k,xxb.a.k)x(x)y-b(y)xa(x 0101011001 +==== a

    Provada a soluo e sua unicidade, o Teorema 2, enunciado abaixo, garante o algoritmo para a busca de soluo de uma equao diofantina linear:

    Teorema 2: Se (x0;y0) for uma soluo da equao diofantina linear ax + by = c, com m.d.c.(a;b)=1, ento (x;y) ser soluo se, e somente se, existir um inteiro k tal que

    b.kxx 0 += e .a.kyy 0 = .

    Por ltimo, para a equao c,byax =+ caso 1,b)(a,m.d.cd = as solues gerais

    so dadas por: k.dbxx 0 += e k,.d

    ayy 0 = onde .Zk

    Para efeito de ilustrao, retomarei a equao 32x + 9y = 7, descrita anteriormente.

    A partir da soluo particular dada pelo par (14; - 49), a soluo geral expressa por:

    kkbxx 914.0 +=+= e .,3249.0 Zkcomkkayy ==

    Desta forma, observo que pesquisas poderiam ser encaminhadas envolvendo a

    resoluo de equaes diofantinas lineares, a fim de permitir ao aluno construir o

    algoritmo expresso no Teorema 2, atravs da observao e generalizao de padres,

    apesar do algoritmo de Euclides no ser o mtodo utilizado usualmente no ensino do

    m.d.c. no ciclo bsico, conforme descrito em Rama (2005).

  • 33

    Fundamentos Didticos: Leituras e Escolhas

    Aponto, a seguir, estudos envolvendo a Matemtica Discreta e a Teoria dos

    Nmeros, enfocando, em particular, as equaes diofantinas lineares, que contriburam

    para o desenvolvimento do presente trabalho.

    Inicialmente, considero relevante estudos voltados para as equaes diofantinas

    lineares no Ensino Mdio, pelo fato de sua resoluo envolver conhecimentos usuais do

    programa oficial de Ensino Bsico, como o conceito de mltiplo, divisor e o mximo

    divisor comum entre dois nmeros inteiros. Ainda, a busca das solues inteiras de

    situaes-problema contextualizadas que representam equaes diofantinas lineares

    possibilita uma oportunidade de explorao de um tpico da Matemtica Discreta.

    Esta posio est de acordo com Jurkiewicz (2004) e Moura (2005), ao verificarem

    que no Ensino Bsico atual ocorre a predominncia da Matemtica do Contnuo e

    defendem a incluso de tpicos da Matemtica Discreta neste nvel de escolaridade.

    Ainda, Veloso et. al. (2005), em documento apresentado pela Associao de Professores

    de Matemtica (APM) e Sociedade Portuguesa de Matemtica (SPM), reforam a posio

    dos autores citados anteriormente, ao traar consideraes sobre pressupostos bsicos

    envolvendo o ensino da Matemtica Discreta em todos os nveis da escolaridade bsica

    portuguesa. Este documento particulariza, dentre os tpicos de Matemtica Discreta, a

    necessria explorao de temticas envolvendo a Teoria dos Nmeros.

    A escolha de situaes que representam equaes diofantinas lineares teve suporte

    em um estudo recente de Lopes Junior (2005), quando ao analisar a seqncia didtica

    aplicada a um grupo de alunos do Ensino Mdio, concluiu que os alunos no percebem a

    especificidade de problemas algbricos que envolvem somente a soluo com nmeros

    inteiros.

    O autor, ao investigar a compreenso da funo de 1 grau pelos alunos, realizou o

    levantamento de aspectos epistemolgicos e anlise de alguns livros didticos do ciclo

    bsico referente ao tema, concluindo que os materiais analisados no contribuem para o

    esclarecimento da questo da varivel discreta e contnua.

    Como pudemos contemplar em nossa anlise de materiais didticos, a noo de varivel discreta e contnua no vem sendo explorada no Ensino Fundamental, e, assim, acreditamos que muitos alunos tratem a varivel x como grandeza discreta ou que pensem que a letra da expresso algbrica serve apenas para indicar um valor desconhecido (uma incgnita) (LOPES JUNIOR, 2005, p. 81).

  • 34

    Nesta perspectiva, a pesquisa de Lopes Junior (2005) fornece subsdios importantes

    para enriquecer o estudo deste tema e reala a validade de pesquisas que contribuam

    para discusso destes problemas. Assim, acredito que a proposio de atividades

    envolvendo equaes diofantinas lineares possibilita aos alunos a percepo e distino

    da varivel quando assume um valor discreto na busca das solues inteiras.

    Como integrante do grupo de pesquisa do subprojeto denominado A Teoria dos

    Nmeros no Ensino Bsico e na Licenciatura, os resultados dos estudos e discusses

    com os colegas desse mesmo projeto foram importantes para o encaminhamento deste

    trabalho. Passo ento a tecer consideraes sobre as contribuies destas pesquisas.

    Inicialmente, me remeto tese de doutorado de Resende (2007) do GPEA, cuja

    questo central foi pesquisar Qual a Teoria dos Nmeros ou poderia ser concebida

    como um saber a ensinar na Licenciatura em Matemtica, visando a prtica docente na

    sala de aula? Assim, a autora objetivou verificar quais so as concepes de Teoria dos

    Nmeros, enquanto saber a ensinar, voltado para a formao do professor da escola

    bsica e a buscar elementos que possam re-signific-la, neste contexto (RESENDE,

    2007, p. 16).

    A autora ressalta que, o fato da Teoria dos Nmeros ter elementos de interseo

    com a lgebra e a Aritmtica tem trazido algumas interpretaes indevidas e com

    implicaes no ensino e na aprendizagem. Segundo Resende (2007), tal ocorrncia

    devido concepo vigente em tratar os inteiros simplesmente como subconjuntos dos

    nmeros reais, podendo conduzir a simplificaes que desprezam aspectos

    fundamentais dos nmeros inteiros.

    Resende (2007) ainda destaca que a interface com a lgebra tm justificado a

    pouca nfase dada Teoria dos Nmeros nos currculos dos diferentes nveis de ensino.

    Em particular, na escola bsica, alguns temas de Teoria Elementar dos Nmeros, por

    uma falta de compreenso mais ampla, vo sendo esvaziados nos currculos, por no ter

    uma aplicao imediata (RESENDE, 2007, p. 73).

    Desse modo, a tese de Resende (2007) aponta potencialidades para explorar este

    tpico na Educao Bsica, dentre as quais destaco a possibilidade de desenvolvimento

    de situaes-problema envolvendo o uso dos mltiplos, divisores e o mximo divisor

    comum de nmeros inteiros, permitindo que se formulem questes de fcil compreenso

    aos estudantes do Ensino Bsico e passveis de desenvolver habilidades tais como

    observar, conjecturar e generalizar.

  • 35

    Em decorrncia, Resende (2007) delimita como Teoria Elementar dos Nmeros a

    rea que utiliza os mtodos elementares da aritmtica no conjunto dos nmeros inteiros,

    incluindo neste nterim temas algbricos como as equaes diofantinas lineares. Ao

    delimitar os tpicos a serem desenvolvidos num curso de Teoria Elementar dos

    Nmeros, a autora possibilita situar as equaes diofantinas lineares como objeto de

    estudo dentro desta rea, numa perspectiva de interface com a lgebra.

    Ainda, Oliveira (2006) e Costa (2007), do grupo GPEA, desenvolveram estudos

    envolvendo a Teoria Elementar dos Nmeros, mais particularmente sobre as equaes

    diofantinas lineares.

    Oliveira (2006) inicialmente direcionou sua pesquisa para a anlise de documentos

    oficiais da Educao Bsica, especificamente no PCNEM e PCN+14, buscando meno

    sobre o tema equaes diofantinas lineares. No encontrando registro, explcito ou

    implcito, e a partir dessa constatao, o autor decidiu buscar em livros didticos a

    meno desejada e analisou duas colees dedicadas ao Ensino Mdio, escolhidas a

    partir de uma lista fornecida pela Secretaria de Educao Profissional e Tecnolgica

    (Setec/MEC), em 2004, ao Programa Nacional do Livro Didtico do Ensino Mdio.

    Nessas duas colees, o autor encontrou somente quatro problemas envolvendo

    implicitamente o tema. Nas resolues dos problemas, os autores no mencionavam o

    fato de se tratar de equaes diofantinas lineares, sugerindo, ento, abordagens que

    envolviam: a) o emprego de busca por tentativas organizadas numa tabela em ordem

    crescente de valores de x, de modo a obter somente valores naturais para y;

    b) a resoluo mista de conceitos aritmticos, conceitos algbricos e o mtodo da

    tentativa e erro. Dessa forma, as colees no atentaram para o fato de haver outras

    formas de resolver tais questes.

    Ainda, Oliveira (2006) questionou a pouca nfase no desenvolvimento de tpicos de

    Teoria dos Nmeros na Educao Bsica.

    Quem seriam os responsveis: Os professores? Os livros didticos? Os programas? A falta de situaes-problema que necessitam desses conhecimentos para sua resoluo e que sejam acessveis aos alunos? (OLIVEIRA, 2006, p. 15).

    A pesquisa de Oliveira (2006) oportunizou elementos para minha reflexo sobre se

    existiriam situaes-problema, em alguma rea do conhecimento, que fossem acessveis

    aos alunos do Ensino Mdio e que necessitariam da aplicao de conhecimentos

    envolvendo as equaes diofantinas lineares para sua resoluo.

    14 PCN+: Parmetros Curriculares Nacionais em Ao.

  • 36

    Uma importante constatao para a elaborao desta pesquisa foi o fato de Oliveira

    (2006) no ter encontrado meno do uso do m.d.c. como condio de existncia de

    soluo das equaes diofantinas lineares. Isso abriu espao para um dos aspectos

    desta proposta de re-investimento de conceitos da Teoria dos Nmeros, como os

    mltiplos, divisores e o mximo divisor comum de nmeros inteiros, no Ensino Mdio.

    Farei agora consideraes a respeito da pesquisa de mestrado realizada por Costa

    (2007), que objetivou estudar a concepo de professores do Ensino Mdio acerca do

    objeto matemtico equao diofantina linear. O autor, atravs de entrevistas semi-

    estruturadas, concluiu que alguns deles trabalham em suas aulas problemas que recaem

    em equaes diofantinas lineares, porm no demonstram ter conscincia desse fato.

    Ao propor problemas que envolvem a resoluo de equaes diofantinas lineares

    com vrias solues e nenhuma soluo, Costa (2007) verificou que os professores

    entrevistados: a) escrevem explicitamente a equao, porm no a utilizam como

    ferramenta para a resoluo dos problemas propostos, o que levou o autor a concluir que

    os professores no concebem a sua utilidade na resoluo de problemas; b) em sua

    maioria, crem que a estratgia mais adequada para a resoluo de problemas

    envolvendo as equaes diofantinas lineares a do ensaio e erro.

    Ressalto que, tanto Costa (2007) como Oliveira (2006) observaram a utilizao do

    mtodo da tentativa e erro como estratgia dominante na resoluo de problemas que

    envolvem, em sua resoluo, as equaes diofantinas lineares.

    Outra contribuio a este trabalho foi o artigo apresentado pelos pesquisadores

    Gilda de La Rocque e Joo Bosco Pitombeira, na Revista do Professor de Matemtica de

    1991, que discute alguns problemas envolvendo equaes diofantinas lineares aplicadas

    em algumas situaes contextualizadas, luz da Didtica da Matemtica.

    A exposio apresenta trs problemas contextualizados em situaes diversificadas,

    onde os pesquisadores identificam as variveis didticas15 que permitem a escolha de

    diferentes quantidades de solues inteiras. Ressaltam que, na proposio de problemas

    envolvendo equaes diofantinas lineares do tipo ,cbyax =+

    (...) a escolha dos coeficientes a, b, c importa, no s para maior ou menor dificuldade nos clculos, como tambm para a existncia de uma, vrias ou nenhuma soluo (desde que sejam inteiras ou inteiras positivas) (ROCQUE; PITOMBEIRA, 1991, p. 40).

    15 Nas situaes do referido texto, as variveis didticas correspondem aos valores numricos intrnsecos aos problemas. De acordo com Glvez (1996), a escolha adequada dos intervalos destas variveis deve estimular nos alunos, de forma controlada, a necessidade de busca por novas estratgias para a resoluo dos jogos ou problemas, fomentando condies para surgir o conhecimento almejado.

  • 37

    Ao ressaltar estas diferentes possibilidades de resultados, os autores desenvolvem o

    critrio matemtico para prever se uma equao diofantina linear tem solues e, em

    caso afirmativo, o processo para determin-las.

    O artigo de Rocque e Pitombeira (1991) foi importante para este trabalho ao

    evidenciar como realizar escolhas de situaes-problema em conexo com variveis

    didticas, o que muito me auxiliou nas decises para a composio da seqncia didtica

    desta pesquisa.

    Observei em Schin (2005), a utilizao de diversos procedimentos de resoluo num

    problema-desafio proposto num frum junto a seus alunos de licenciatura em Matemtica

    da UFMG. Destaco a utilizao do mtodo da tentativa e erro na resoluo da situao,

    evidenciando sua importncia ligada prtica dos alunos, inclusive neste nvel de

    escolaridade.

    Em outro artigo, problema semelhante ao apresentado por Schin (2005) foi

    encontrado em Pereira e Watanabe (2005), na Revista do Professor de Matemtica, onde

    notria a preocupao dos autores em apresentar a soluo utilizando conceitos da

    Teoria Elementar dos Nmeros - nmeros primos, divisor, mltiplo - associado ao mtodo

    da tentativa e erro.

    As atividades presentes no frum promovido por Schin (2005), assim como no artigo

    de Pereira e Watanabe (2005), contriburam para a minha pesquisa na medida em que

    apresentaram uma diversidade de abordagens envolvendo as equaes diofantinas

    lineares, seja atravs do mtodo da tentativa e erro, seja pela utilizao de conceitos da

    Teoria dos Nmeros como paridade, divisibilidade e algoritmo de Euclides, que

    configuram a riqueza possibilitada pela explorao de estratgias diversificadas, em

    conjuno com situaes-problema contextualizadas.

    Finalizando este captulo, as leituras sintetizadas permitiram uma sustentao

    terica ao situar os recentes avanos em relao ao objeto matemtico equao

    diofantina linear e as dificuldades apontadas por alunos em compreender e distinguir

    grandezas discretas.

    No prximo captulo sero encaminhados os fundamentos metodolgicos que

    embasaram a concepo, a aplicao e a anlise de uma seqncia didtica, a fim de

    observar e caracterizar as manifestaes orais e escritas dos alunos, permitindo verificar

    o objetivo deste estudo.

  • 38

    CAPTULO III

    METODOLOGIA E PROCEDIMENTOS

    A Metodologia da Engenharia Didtica

    Para atingir o objetivo desta pesquisa qualitativa16, que se prope a verificar se,

    como e em que medida os alunos do Ensino Mdio explicitam conhecimentos envolvendo

    equaes diofantinas lineares, elaborei e apliquei uma seqncia didtica embasada na

    Engenharia Didtica, metodologia descrita em Artigue (1996).

    Segundo esta autora, a Engenharia Didtica surgiu no bojo das questes levantadas

    pela Didtica da Matemtica Francesa17, em meados da dcada de 80, com a inteno

    de facilitar os estudos sobre as relaes entre a investigao e a ao no sistema de

    ensino. Essa metodologia foi criada por inspirao do trabalho didtico comparvel

    realizao de um projeto pelo engenheiro, que se apia e aceita o controle cientfico, mas

    tambm est ciente da maior complexidade dos problemas didticos.

    A Engenharia Didtica possui uma dupla funo, a qual pode ser compreendida

    tanto como um produto resultante de uma anlise, caso da metodologia de pesquisa,

    quanto como uma produo para o ensino (Machado, S., 2002, p. 198).

    Na concepo da Engenharia Didtica como metodologia de pesquisa, utilizei para a

    elaborao da seqncia de atividades alguns elementos das quatro fases descritas por

    Artigue (1996): a 1 fase, das anlises preliminares, a 2 fase, da concepo e da anlise

    a priori, a 3 fase, da experimentao e a 4 e ltima fase, da anlise a posteriori e

    validao.

    importante salientar que as quatro fases no ocorrem, geralmente, de forma linear

    e estanque. A elaborao da Engenharia Didtica necessita, em alguns momentos, da

    articulao, da antecipao e at da superposio dos elementos caracterizadores destas

    quatro fases.

    16 Ldke; Andr (1986), referenciam Bogdan e Biklen (1982), que concebem a pesquisa qualitativa como tendo as seguintes caractersticas: coleta de dados descritivos, obtidos diretamente na fonte (ambiente), atravs no contato do pesquisador com a situao pesquisada, preocupando-se mais com o processo do que com o produto, de modo a retratar as perspectivas dos participantes. 17 De acordo com Glvez (1996), a proposta da Didtica da Matemtica se originou a partir da dcada de 60 na Frana, ambientada em reformas educativas levadas a cabo pelo IREM (Institutos de Investigao acerca do Ensino das Matemticas). Um dos idealizadores e pesquisador do IREM Guy Brousseau, que ressalta na Didtica da Matemtica a preocupao em desenvolver estudos relativos a comportamentos cognitivos dos alunos, atravs de situaes propcias para lhes ensinar.

  • 39

    Segundo Artigue (1996), as anlises preliminares levam em considerao o quadro terico didtico geral e os conhecimentos didticos j adquiridos envolvendo o campo de

    domnio a ser estudado, assim como: a- a anlise epistemolgica dos contedos visados pelo ensino; b- a anlise do ensino habitual e dos seus efeitos; c- a anlise das concepes dos alunos, das dificuldades e obstculos que marcam a sua evoluo; d- a anlise do campo de constrangimentos no qual vir a situar-se a realizao didtica efetiva (ARTIGUE, 1996, p. 198).

    Machado, S. (2002), acrescenta que as anlises preliminares permitem embasar a

    concepo da Engenharia Didtica, podendo ser retomadas e aprofundadas no percurso

    do trabalho, de acordo com os objetivos da investigao.

    Na segunda fase, denominada concepo e anlise a priori, de acordo com Artigue (1996), o investigador identifica e toma a deciso sobre um determinado nmero

    de variveis didticas pertinentes ao sistema.

    Segundo Glvez (1996), as variveis didticas so aquelas para as quais as

    escolhas de valores provocam modificaes nas estratgias de resoluo de problemas.

    Essa autora ressalta a importncia da determinao dessas variveis e de seus intervalos

    para fundamentar a construo das seqncias didticas, que permitiro o surgimento do

    conhecimento almejado.

    Dentre as variveis didticas, Machado, S. (2002) indica que a pesquisa deve

    delimitar as variveis de comando, que so as variveis consideradas pelo pesquisador

    de modo a fazer evoluir o desempenho dos alunos, sendo descritas e delimitadas nas

    vrias sesses ou fases da Engenharia Didtica. A anlise desta considera dois tipos de

    variveis de comando: - as variveis macro-didticas ou globais, que dizem respeito organizao global da engenharia; - e as variveis micro-didticas ou locais, que dizem respeito organizao local da engenharia, isto , organizao de uma sesso ou de uma fase, podendo umas e outras ser, por sua vez, variveis de ordem geral ou variveis dependentes do contedo didtico cujo ensino visado (ARTIGUE, 1996, p. 202).

    Artigue (1996) afirma que um dos pontos essenciais desta segunda fase reside no

    fato que a Engenharia Didtica concebida para provocar, de forma controlada, a

    evoluo das concepes dos alunos.

    Para isso, a anlise a priori dever prever: (...) os comportamentos possveis e mostrar no que a anlise efetuada permitir controlar o sentido desses comportamentos; alm disso, deve-se assegurar que, se tais comportamentos ocorrerem, resultaro no desenvolvimento do conhecimento visado pela aprendizagem (Machado, S., 2002, p. 207).

  • 40

    Deste modo, Artigue (1996) ressalta que a anlise a priori deve comportar um

    carter descritivo e preditivo, sendo a anlise vinculada s caractersticas da seqncia

    didtica a ser desenvolvida e aplicada aos alunos.

    Em vista destas caractersticas, a autora salienta que a anlise a priori dever

    ponderar qual o grau de investimento que esta situao ter para o aluno em decorrncia

    de suas opes de escolhas, de ao e de deciso que surgem na experimentao.

    Neste ponto, saliento que tais consideraes esto de acordo com a situao de

    ao descrita em Brousseau (1996a,b), onde o aluno reflete e simula tentativas, elegendo

    um procedimento de resoluo, dentro de um esquema de adaptao, atravs da

    interao com o milieu18, tomando as decises que faltam para organizar a resoluo do

    problema. J nas situaes de formulao, conforme Brousseau (1996a,b), ocorre troca

    de informao entre o aluno e o milieu, atravs da utilizao de uma linguagem mais

    adequada, sem a obrigatoriedade do uso explcito de linguagem matemtica formal,

    podendo ocorrer ambigidade, redundncia, uso de metforas, criao de termos

    semiolgicos novos, falta de pertinncia e de eficcia na mensagem, dentro de retro-

    aes contnuas. Assim, nas situaes de formulao, os alunos procuram modificar a

    linguagem que utilizam habitualmente, adequando-a as informaes que devem

    comunicar.

    Inserida na metodologia de Engenharia Didtica e vista como paradigma

    metodolgico bem definido, a Teoria das Situaes Didticas de Brousseau (1996a),

    contribui para esta pesquisa na medida em que permite prever quais condies devem

    ocorrer para a efetivao da aprendizagem pelo aluno. Assim sendo, para fazer funcionar

    um conhecimento, numa situao de aprendizagem: (...) necessrio que a resposta inicial que o aluno pensa frente pergunta formulada no seja a que desejamos ensinar-lhe; se fosse necessrio possuir o conhecimento a ser ensinado para poder responder, no se trataria de uma situao de aprendizagem. A resposta inicial s deve permitir ao aluno utilizar uma estratgia de base com a ajuda de seus conhecimentos anteriores; porm, muito rapidamente, esta estratgia deveria se mostrar suficientemente ineficaz para que o aluno se veja obrigado a realizar acomodaes quer dizer, modificaes de seu sistema de conhecimentos para responder situao proposta (BROUSSEAU, 1996b, p. 49).

    18 O termo milieu, oriundo da Didtica da Matemtica, indica o meio que pode abranger, dentre outros, situaes-problema, jogos, os conhecimentos prvios do aluno e os do(s) colega(s). Brousseau (1996a) coloca que o milieu deve ter como caracterstica uma inteno didtica no-explcita do professor, que possibilita a interao autnoma do aluno em relao s situaes que interage e em relao ao professor. Para este autor, o milieu deve ser organizado para a aprendizagem numa interao feita de assimilaes e acomodaes, permitindo ao aluno a reflexo sobre suas aes e retroaes, impondo restries atravs de regras que devem ser respeitadas. Assim, o aluno aprende adaptando-se a um meio que um fator de contradies, de dificuldades, de desequilbrios (...) Este saber, fruto da adaptao do aluno, manifesta-se atravs de respostas novas, que so a prova da aprendizagem (BROUSSEAU, 1996a, p. 49).

  • 41

    A terceira fase da Engenharia Didtica corresponde experimentao e, de acordo com Machado, S. (2002), consiste basicamente no desenvolvimento da aplicao da

    Engenharia Didtica, concebida a um grupo de alunos, objetivando verificar as

    ponderaes levantadas na anlise a priori. Assim, a experimentao pressupe: - a explicitao dos objetivos e condies de realizao da pesquisa a populao de alunos que participar da experimentao; - o estabelecimento do contrato didtico19; - a aplicao do instrumento de pesquisa; - o registro das observaes feitas durante a experimentao (MACHADO, S., 2002, p. 206).

    Segundo Brousseau (1996a), no contrato didtico essencial a conscincia da no-

    interferncia explcita de conhecimentos, evitando-se explicaes ou dicas que facilitem

    as resolues dos alunos, propiciando assim condies que permitam a mobilizao do

    aluno em enfrentar o problema e em resolv-lo, pelo menos em parte, atravs da lgica

    interna e dos conhecimentos anteriores. Assim, o entendimento mtuo dos papis - da

    no-interveno do pesquisador e da ao independente do aluno - e o respeito a estas

    condies, garantem condies para se caracterizar o contrato didtico nesta pesquisa.

    Complementando, importante