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Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
A Relativização da Coisa Julgada
Leonardo Lima de Santos Souza
Rio de Janeiro 2012
LEONARDO LIMA DE SANTOS SOUZA
A Relativização da Coisa Julgada Artigo Científico apresentado como exigência de conclusão de Curso de Pós-Graduação Lato
Sensu da Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Professores Orientadores: Mônica Areal Néli Luiza C. Fetzner Nelson C. Tavares Junior
Rio de Janeiro 2012
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A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA
Leonardo Lima de Santos Souza
Graduado pela Universidade Estácio de Sá. Advogado.
Resumo: A coisa julgada é considerada algo insuperável, refletindo desta forma a segurança jurídica que deve pautar o ordenamento jurídico. No entanto, o presente estudo tem por objeto demonstrar que tal instituto vem sendo relativizado. A relativização da coisa julgada busca alterar uma decisão transitada em julgado quando esta não consegue alcançar a finalidade do processo, qual seja, o de fazer justiça. Desta forma, o cerne do artigo é a discussão acerca da relativização da coisa julgada, tendo como fundamento dois princípios constitucionais, vale dizer, o da justiça e o da segurança jurídica. Palavras-chave: Direito Constitucional. Processual Civil. Relativização da Coisa Julgada. Segurança Jurídica. Sumário: Introdução. 1. Coisa Julgada 2. Ação Rescisória 3. Querela Nullitatis 4. Relativização da Coisa Julgada. Conclusão. Referências. INTRODUÇÃO
O presente trabalho aborda o tema da relativização da coisa julgada, ou seja, a
desconstituição de uma sentença já transitada em julgado.
A coisa julgada está prevista na Constituição da República Federativa do Brasil, em
seu art. 5º, inciso XXXVI, na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (art. 6º, §3º)
e no Código de Processo Civil, nos artigos 467 a 475.
Para o Código de Processo Civil, denomina-se “coisa julgada material” a eficácia que
torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário nem
extraordinário.
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Proferida uma sentença, a parte vencida em uma relação jurídica processual poderá,
não se conformando com a decisão prolatada pelo julgador, se valer da interposição dos
diversos recursos previstos nos Códigos Pátrios e requerer que outro órgão hierarquicamente
superior, em regra, reexamine o julgado, atingindo assim o duplo grau de jurisdição, tal qual
previsto na CRFB/88.
Diante disso, apesar de a coisa julgada ser considerada um verdadeiro dogma
jurídico, o presente artigo tem como escopo discutir a possibilidade de sua relativização.
A relativização da coisa julgada tem lugar quando se contrapõem os princípios
constitucionais da justiça e segurança jurídica, vale dizer, mais vale uma sentença que
transmita segurança jurídica ou uma sentença “justa”? Assim, resta saber quando é possível a
relativização da coisa julgada.
A escolha do presente tema justifica-se pela intensa discussão que se criou acerca do
tema, notadamente no seio da doutrina e jurisprudência pátria. Com a elaboração do presente
artigo, visa-se chamar atenção para o assunto que cada vez mais suscita discussões,
apresentando as teses e entendimentos jurisprudenciais.
Dessa forma, mister conceituar o aludido instituto, elencar seus efeitos e apresentar
meios e instrumentos processuais aptos para tal procedimento.
O presente estudo tem como base a metodologia bibliográfica e jurisprudencial.
1. A COISA JULGADA
A coisa julgada nada mais é do que a imutabilidade da decisão ou sentença e do
conteúdo decisório que deles constem, depois de se tornarem irrecorríveis.
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Visto isso, é de se afirmar que a coisa julgada confere segurança às relações jurídicas
atingidas pelos efeitos da sentença, concedendo estabilidade, de forma que tal princípio veio a
ser consagrado implicitamente na Carta Magna.
Deste princípio, decorre que o conteúdo da sentença não pode, após o trânsito em
julgado, ser novamente apreciado em outro processo, sob pena de ofensa ao fenômeno da
coisa julgada e ao princípio da segurança jurídica.
Caso se ajuíze outra ação, idêntica àquela que se obteve coisa julgada, deve a mesma
ser extinta sem resolução do mérito, a teor do artigo 267, inciso V, do Código de Processo
Civil.
Note-se que o exemplo descrito acima não configura hipótese de litispendência e
sim, coisa julgada, visto que a ação anteriormente ajuizada já teve trânsito em julgado, ao
passo que somente se falaria em litispendência caso a primeira ação ainda estivesse em curso.
Após essa breve explicação, passa-se à análise das espécies de coisa julgada.
1.1 COISA JULGADA FORMAL E MATERIAL
Não há como falar em coisa julgada sem que antes se faça uma distinção entre as
duas espécies de coisa julgada. São elas: coisa julgada formal e coisa julgada material.
A coisa julgada forma, conhecida como “preclusão máxima”, é a imutabilidade do
conteúdo da decisão dentro do mesmo processo, o que só ocorre em razão do esgotamento das
vias recursais ou simplesmente por conta do transcurso do prazo recursal sem que o
respectivo recurso tenha sido interposto. Ou seja, trata-se de fenômeno endoprocessual. Como
exemplo de coisa julgada formal, temos a sentença terminativa (aquela que não resolve o
meritum causae), prevista no art. 267, incisos I a XI, do Código de Processo Civil (CPC).
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Por outro lado, tem-se a figura da coisa julgada material. Essa corresponde à
imutabilidade do conteúdo da decisão fora do processo em que se está discutindo a causa –
fenômeno extraprocessual. Como exemplo, a contrario sensu, temos a sentença definitiva,
que é aquela que resolve o mérito da causa, prevista nos incisos do art. 269 do CPC.
Feita essa consideração, imprescindível verificar os limites da coisa julgada.
1.2 LIMITES DA COISA JULGADA
De acordo com o artigo 468 do Código de Processo Civil, a sentença que julgar total
ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas. Ou seja,
somente o que foi apreciado pela sentença, em sua parte dispositiva, é alcançado pelo instituto
da coisa julgada. A fundamentação da sentença não torna imutável as questões nela
apreciadas, salvo no que tange ao controle de constitucionalidade, mormente pela Teoria da
Transcendência dos Motivos Determinantes, capitaneada por Gilmar Ferreira Mendes.1
Ressalvada a supracitada Teoria, a regra é que qualquer incidente processual que não
seja decidido no dispositivo da sentença não “faz coisa julgada”, ainda que o julgador tenha
de conhecer o incidente como pressuposto para prolatar a sentença. De bom alvitre realçar que
em sede de Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) pode haver coisa julgada pela
fundamentação do julgado (ratio decidendi), a fim de evitar que o Supremo Tribunal Federal
conheça de inúmeras ações onde o objeto de inconstitucionalidade seja o mesmo. Tal
entendimento tem como pressuposto desafogar o trabalho da Corte Suprema.
Os limites da coisa julgada também comportam divisão, a saber: objetivos e
subjetivos. A seguir, irá se demonstrar brevemente o conceito e diferença entre tais limites.
1 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p.1398.
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1.2.1 LIMITES OBJETIVOS
Os limites objetivos da coisa julgada dizem respeito à matéria tratada no processo,
vale dizer, somente o que está sendo discutido no processo pode gerar coisa julgada. Vale
trazer à baila aquele velho brocardo: “o que não está nos autos não está no mundo”.
1.2.2 LIMITES SUBJETIVOS
Os limites subjetivos da coisa julgada tem relação com as pessoas que são atingidas
pela coisa julgada, de forma a se determinar quem sofrerá os efeitos da sentença. De acordo
com o art. 472 do CPC, a sentença faz coisa julgada inter partes, qual seja, só é válida em
relação às partes do processo, aquelas que estão em litígio, não beneficiando nem
prejudicando terceiros.
Não raro são vistos casos em que terceiros sofrem os efeitos da sentença2, com ou
sem o trânsito em julgado. Nesses casos, impõe-se afirmar que, salvo melhor juízo, a parte
beneficiada ou prejudicada deveria integrar a lide, sob pena de ofensa ao devido processo
legal, ensejando a utilização da ação rescisória, com fulcro no artigo 485, inciso V, do CPC.
Dessa forma, reafirma-se que a autoridade da coisa julgada alcança apenas as partes
daquela relação jurídica processual, fazendo com que a imutabilidade e indiscutibilidade não
possam atingir terceiros que sejam estranhos àquele processo onde se deu o fenômeno da
coisa julgada, podendo estes vir a discutir em sede de ação rescisória ou em outro processo a
mesma matéria, pois tal prerrogativa lhes é dada pela Constituição da República.
1.3 EFEITOS DA COISA JULGADA
2 Tem-se como exemplo a ação de usucapião, onde os confinantes deverão ser necessariamente citados para a causa, conforme disposto no art. 942, CPC.
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A coisa julgada é um fenômeno que ocorre no processo judicial, cujo principal
objetivo é afastar a incerteza e insegurança jurídica das relações, fazendo com que a solução
imposta se torne obrigatória. Ademais, a coisa julgada impede a propositura de nova ação cuja
matéria seja a mesma.
Desta forma, o efeito positivo, por sua vez, consiste na obediência que as partes terão
em relação ao que foi decidido na sentença, observando a norma como algo indiscutível e que
deve ser respeitada, sob pena de ofensa à própria Constituição. Somente certas figuras
jurídicas são aptas a desconstituir a coisa julgada, conforme se verá abaixo.
2. AÇÃO RESCISÓRIA
A ação rescisória está prevista no art. 485 e incisos do CPC. Dispõe o referido artigo
que a sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida desde que presente
algumas das hipóteses dos incisos previstos no retrocitado artigo.
O objetivo da ação rescisória, portanto, é desconstituir a coisa julgada em sentenças
que estejam eivadas de algum vício que a lei reputou como parcialmente sanáveis. Isso
porque, conforme veremos a seguir, os vícios insanáveis são passíveis de impugnação pela via
da querela nullitatis, já que não se convalescem pelo decurso de tempo, vale dizer, para os
vícios insanáveis não se opera a preclusão.
Dito isso, cumpre esclarecer que o rol do art. 485 é taxativo, ou seja, não é possível à
parte/terceiro invocar qualquer hipótese que não esteja elencada no aludido rol com o fim de
propor ação rescisória. Tal entendimento deriva da mesma lógica do princípio da taxatividade
dos recursos, que nada mais quer dizer que os recursos previstos em lei são aqueles que o
jurisdicionado deve utilizar, não podendo o mesmo lançar mão de qualquer outro não previsto
em lei.
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E assim o é pelo fato desse “sistema” causar maior estabilidade/segurança jurídica
não só às partes envolvidas no processo, bem como a toda sociedade em geral, de forma que
evita a proliferação de conflitos.
No entanto, além das hipóteses cabíveis, para se propor ação rescisória devem ser
observados dois requisitos básicos: a legitimidade ativa e o prazo decadencial de 02 (dois)
anos. Falemos primeiro da legitimidade.
Dispõe o art. 487 e incisos do CPC que são legitimados para propor ação rescisória:
1) quem foi parte no processo ou seu sucessor a título universal ou singular; 2) o terceiro
juridicamente interessado; 3) o Ministério Público, quando não for ouvido em processo que
era obrigatória a sua presença e quando a sentença é efeito de colusão das partes, a fim de
fraudar a lei.
A lei restringiu os legitimados a propor ação rescisória aos três acima citados, tal
qual o fez na legitimidade para interposição de recursos. Pensar diferente seria admitir que
qualquer um poderia, caso inconformado com a sentença, propor ação rescisória e, conforme
dito acima, causar insegurança jurídica, o que certamente não é/era o objetivo do legislador
pátrio.
Contudo, os legitimados têm de observar o prazo decadencial para ajuizar a demanda
rescisória, sob pena de verem operar a coisa soberanamente julgada.
O prazo acima citado é de 02 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da
decisão, a teor do que dispõe o art. 495 do CPC. A par da péssima redação do artigo dada pelo
legislador, firmou-se entendimento que onde se lê decisão, há de ser lido sentença.
Isso porque as decisões admitem que se operem sobre elas a preclusão temporal.
Assim, pensou o legislador que não seria possível e tampouco legítimo à parte impugnar
decisões as quais teve oportunidade de se insurgir no tempo e modo corretos.
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Sobre o prazo de 02 (dois) anos para a propositura da ação rescisória não há
discussão na doutrina ou jurisprudência. Trata-se efetivamente de um prazo decadencial e,
caso não observado pela parte, não há nenhuma previsão legal de outro meio processual apto
a desconstituir a coisa julgada, motivo pelo qual se opera, conforme acima dito, o fenômeno
da coisa soberanamente julgada.
Porém, há uma questão tormentosa que povoa as discussões doutrinárias e
jurisprudenciais.
Tem-se como aquela que diz respeito à coisa julgada inconstitucional. A discussão
gira em torno de saber se é possível desconstituir uma decisão com trânsito em julgado
fundada em lei que a posteriori veio a ser declarada inconstitucional, quando não mais cabível
o manejo da ação rescisória. Para o ilustre constitucionalista Luis Roberto Barroso3 a coisa
julgada inconstitucional é nula de pleno direito e, portanto, não se subordina a prazos
decadenciais e prescricionais. Logo, para o referido autor, cabível a propositura da ação
rescisória, mesmo após 02 (dois) anos decorridos da sentença que deu ensejo à coisa julgada.
Assim, a coisa julgada inconstitucional se submete ao mesmo regime dos atos
legislativos inconstitucionais, que se sabe não haver prazo para declaração de
inconstitucionalidade. Ou seja, é possível a qualquer tempo e grau de jurisdição alegar a
inconstitucionalidade da coisa julgada, nos mesmos moldes da Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) proposta perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse
último, frisa-se que estando em vigor a lei, presume-se constitucional até que sobrevenha
declaração de inconstitucionalidade pelo órgão jurisdicional competente para tal mister, sem
que haja prazo, seja ela prescricional ou decadencial, para tal declaração.
De outro turno, se observa que tais pensamentos não são unânimes. Outro pensar
sobre o tema poderia levar a cogitar a possibilidade de que há prazo para desconstituir a coisa
3 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 184.
10
julgada inconstitucional. Porém, o prazo a quo para propositura da referida ação só seria
considerado da data da declaração da inconstitucionalidade.
Por fim, não há que se confundir a coisa julgada inconstitucional com a hipótese do
inciso V do art. 485 do CPC, uma vez que para haver coisa julgada inconstitucional é
pressuposto haver prévia declaração pelo Poder Judiciário4, ao passo que a violação literal de
lei pode ser aferida no caso concreto.
3. QUERELA NULLITATIS
A querela nullitatis é um tipo de ação declaratória. O art. 4º, caput e parágrafo único
do CPC dispõem que o interesse do autor pode se limitar à mera declaração. No caso da
querela nullitatis o objetivo de quem a propõe é a declaração de nulidade absoluta de
determinado ato processual ou como mais comumente usada, da sentença com trânsito em
julgado.
Importante esclarecer que a querela nullitatis não se confunde com a ação rescisória.
Enquanto esta se restringe às hipóteses de vícios sanáveis e arguidas dentro do prazo de 02
(dois) anos, aquela é cabível quando se tem vícios insanáveis e não se subordina a qualquer
prazo prescricional e decadencial, podendo ainda ser alegada a qualquer tempo e grau de
jurisdição, posto que como matéria de ordem pública que é, não pode deixar de ser apreciada
pelo magistrado.
Assim, qualquer nulidade absoluta pode ser declarada pela via da querela nullitatis.
No entanto, mister serem observados alguns requisitos para propositura da ação retrocitada. A
primeira e quiçá mais importante é de que a aplicação de tal instituto só é cabível quando
restar comprovada a impossibilidade do manejo da ação rescisória. Tal fato ocorre porque a
4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Súmula n. 343. Não cabe ação rescisória por ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais. Imprensa Nacional 1964. p. 150.
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nulidade, que seria alegada pela via da querela, impediria o trânsito em julgado da sentença,
de forma que não haveria de ser falar em ação rescisória, por lhe faltar justamente o
pressuposto essencial, vale dizer, o trânsito em julgado.
Dessa forma, verifica-se que a querela nullitatis é subsidiária à ação rescisória, sendo
considerada atualmente uma dos meios mais eficazes de se desconstituir a coisa julgada,
desde que presentes vícios insanáveis.
Feita breve apresentação sobre o instituto, necessário se falar acerca dos requisitos da
petição inicial da querela nullitatis e o órgão competente para conhecer do pedido.
No que tange aos requisitos da petição inicial, alguns comentários são
imprescindíveis. Diz-se, corretamente, que a querela nullitatis é nada mais que uma mera
ação de conhecimento, se diferenciando das demais pela causa de pedir e o pedido, que visam
desconstituir coisa julgada e não induzem ao magistrado conhecer de matéria inédita.
Nesse diapasão, tem-se que a petição inicial deve observar os requisitos previstos nos
art. 282 e 283, CPC, sob pena de indeferimento. De igual forma, caso o magistrado verifique
que é possível o suprimento de eventuais irregularidades, deve o mesmo fornecer à parte o
prazo necessário para que emende ou complete a inicial, mercê de flagrante cerceamento de
defesa.
Questão ainda não muito debatida diz respeito ao procedimento em que correrá a
ação. Sabe-se que o procedimento sumário é utilizado por exclusão, qual seja, ele abarca de
um lado qualquer hipótese em que o valor da causa não suplante o teto de 60 (sessenta)
salários mínimos e de outro lado as hipóteses taxativamente descritas no rol do inciso II do
art. 275, do CPC.
Já o procedimento ordinário é usado para todas as outras hipóteses. Ao ver do que
será futuramente debatido, o uso do procedimento ordinário é o que melhor cabe na hipótese
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em apreço, não somente pelo fato de permitir à parte maior plenitude de defesa, quanto pelo
fato de ser o que a lei manda aplicar, a teor do disposto no art. 272, parágrafo único, CPC.
Por fim, no que diz respeito ao órgão competente, primeiramente há que se verificar
qual o Juízo prolator da sentença que transitou em julgado e que está eivada de vício
insanável. Em regra, este Juízo é integrante da 1ª instância dos Tribunais, razão pela qual,
qualquer outro Juízo com a mesma competência territorial é competente para apreciar o
pedido formulado na querela nullitatis, uma vez que esta tem natureza jurídica
eminentemente declaratória. Já nos casos em que a competência é firmada ab initio no 2º
grau, caberá ao Regimento Interno dos Tribunais de Justiça decidir o órgão competente para
tal. Vale dizer que tal entendimento também é adotado nos Tribunais Superiores, mormente
no Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça.
4. A RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA
O surgimento de questão tormentosa se dá quando algum dos vícios previstos no
artigo 485 do Código de Processo Civil é descoberto após o lapso temporal decadencial de
dois anos para a propositura da ação rescisória, quando já formada a coisa soberanamente
julgada. Ou então quando se verifica alguma das hipóteses em que é cabível o manejo da já
citada querela nullitatis.
A mesma indagação nasce quando se depara com questões de grande relevo jurídico
que necessitam a desconstituição dessa coisa soberanamente julgada, mas cujas hipóteses não
estão previstas no rol numerus clausus do artigo 485 do CPC e que serão tratadas nos
capítulos abaixo.
Há quem aceite a relativização da coisa julgada, como Humberto Theodoro Júnior,
José Augusto Delgado, Cândido Rangel Dinamarco, e dos autores que não a aceitam, como é
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o caso de José Carlos Barbosa Moreira, Caio Mário, Leonardo Grecco e Luiz Guilherme
Marinoni.
O fundamento dos que não comungam da teoria da revisão é variado, mas centrado
na afirmação de que a coisa julgada jamais poderá ser relativizada, salvo nos casos em que a
própria lei o permite, ou seja, nas hipóteses de cabimento da ação rescisória e na do parágrafo
único do artigo 741 do CPC, em decorrência da previsão expressa do instituto da coisa
julgada na Constituição da República, que a consolida como uma garantia da segurança
jurídica, e também pela impossibilidade jurídica, diante das regras impeditivas do artigo 471 e
474 do CPC, de o juiz analisar uma questão já abrangida e protegida pelo manto da coisa
julgada. Alexandre Câmara5 entende que a coisa julgada material só poderá ser relativizada
quando houver fundamento constitucional para tanto, vale dizer, quando incidir sobre
sentença inconstitucional. Diz o renomado processualista: “não parece razoável admitir-se que
ao transitar em julgado a sentença inconstitucional estaria ela a salvo de qualquer controle de
constitucionalidade.”.
No mesmo sentido, encontra-se o entendimento de De Plácido e Silva6: "A
autoridade res iudicata não admite, em virtude da sentença dada, que venha a mesma questão
a ser ventilada, tentando destruir a soberania da sentença, proferida anteriormente, e
considerada irretratável".
Por outro lado, o principal argumento dos autores que defendem a possibilidade da
relativização da coisa julgada é o de que ela não deve prevalecer diante de “graves injustiças”.
A coisa julgada, que constitui verdadeira garantia constitucional, entra em conflito com outros
princípios, também constitucionais, como os da moralidade e da legalidade, e principalmente
o da justiça social, despertando assim a reflexão e a busca de solução jurídica possível e justa,
5 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, v. 1. 14.ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2006 6 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 13.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. p. 305.
14
e remete para o reexame do seu alcance e definitividade, a fim de que se consiga ponderar e
harmonizar a garantia oferecida pela coisa julgada, na perspectiva da incidência de outros
princípios constitucionais.
Há igualmente o entendimento adotado por José Augusto Delgado7, ex-ministro do
Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao destacar que a injustiça, a imoralidade e a
transformação da realidade das coisas quando presentes na sentença viciam a vontade
jurisdicional vis absoluta, razão pela qual jamais ela transita em julgado. Ensina o insigne
magistrado: "Os valores absolutos da legalidade, moralidade e justiça estão acima do valor da
segurança jurídica".
Convém mencionar, ainda, que outro renomado processualista defende o
entendimento acima sufragado. Sustenta Cândido Rangel Dinamarco8 que o valor da
segurança das relações jurídicas não é absoluto no sistema jurídico, nem o é portanto a
garantia da coisa julgada, porque ambos devem conviver com outro valor de mais importante
grandeza, que é o da justiça das decisões judiciárias, constitucionalmente prometido mediante
a garantia do acesso a justiça.
Assim, restam as seguintes perguntas: Os princípios jurídicos da legalidade, da
moralidade e da justiça se sobrepõem ao princípio da segurança jurídica? E se esses princípios
forem violados por sentença já coberta pelo manto da coisa julgada, poderá esta ser revisada,
por estar eivada de vício grave, a fim de evitarem-se consequências mais graves à soberania e
às garantias individuais?
Logicamente, a relativização da coisa julgada traz consigo certos riscos como a
insegurança jurídica. Contudo, não se objetiva com isso desvalorizar a autoridade da coisa
7 DELGADO, José Augusto. Efeitos da Coisa Julgada e os Princípios Constitucionais. In Revista Virtual do Centro de Estudos Victor Nunes Leal da AGU. p. 2. 8 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada. In: Juris Síntese n. 33, p.123, Jan/Fev. 2002.
15
julgada e sim permitir que certas situações não fiquem submetidas a injustiças em razão do
valor absoluto consagrado pela mesma.
Assim, a grande questão é como saber em quais situações tal mitigação será possível.
O caso concreto deverá ser examinado no contexto dos princípios da razoabilidade e
da proporcionalidade, consideradas as circunstâncias de adequação, necessidade,
proporcionalidade em sentido estrito, e sua solução judicial deverá compatibilizar valores
constitucionais. Elencam-se possibilidades de relativização da coisa julgada: ofensa à
moralidade administrativa, ofensa à regra do justo valor em desapropriação, violação da
dignidade da pessoa humana, fraude e erro grosseiro, violação ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado e violação ao princípio de acesso à ordem jurídica justa.
Já o mestre Pontes de Miranda9 indica três hipóteses em que a sentença será
considerada nula e, portanto, passível de relativização, caso já transitada em julgado: a da
impossibilidade cognoscitiva, a da impossibilidade lógica e a da impossibilidade jurídica.
O já citado José Augusto Delgado10 indica as possibilidades em que poderá ser
desconstituído o julgado, que para ele não terá força de coisa julgada: a declaratória de
existência de preclusão quando esse fenômeno processual inexiste por terem sido falsas as
provas; a ofensiva à soberania nacional; o desrespeito aos princípios da dignidade humana; a
autorização da prática da tortura, tratamento desumano ou degradante; a violação do princípio
da legalidade, da moralidade, da eficiência, da impessoalidade e da publicidade nas relações
de direito administrativo.
Exemplo maior da relativização da coisa julgada e prova de que tal fenômeno é
possível é o caso de investigação de paternidade, tema deveras presente e controvertido na
jurisprudência e nas decisões recentes dos Tribunais de Justiça e do Superior Tribunal de
Justiça. Em passado não muito distante os citados órgãos jurisdicionais consolidaram o tema
9 MIRANDA, Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 85. 10 DELGADO, op. cit., p. 4
16
como sendo de coisa julgada definitiva, entendendo ser incabível o ajuizamento de nova ação
investigatória de paternidade sob a justificativa do advento de nova técnica de apuração, ou
seja, o exame de DNA11.
Ocorre que de acordo com os princípios da razoabilidade, proporcionalidade, justiça
social, hodiernamente tais ações vêm sendo mitigadas, prestigiando assim a relativização da
coisa julgada, porque dezenas de milhares delas tramitaram perante o Judiciário antes da
existência do atual exame de DNA, considerado decisivo. Imagine-se hipótese em que a
sentença declarou ser A pai de B, antes da existência do exame de DNA. As partes
interessadas não têm o direito de realizar o exame para saber ou confirmar quem é o
verdadeiro pai?
Os Tribunais divergem, mas há decisões favoráveis à mitigação da coisa julgada
nessas ações, pois se trata de direito da personalidade inerente à dignidade da pessoa humana,
além da relevância da busca pela verdade real em questão, atinente ao estado da pessoa,
admitindo-se a propositura de nova ação com a utilização do exame de DNA. O Tribunal de
Justiça do Estado do Rio de Janeiro já decidiu nesse sentido, em caso concreto em que houve
ponderação de princípios, com a prevalência do direito à identidade12.
Por fim, para expurgar de vez o conflito que gira em torno do tema, basta verificar-se
que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro editou a súmula n. 275 com os
seguintes dizeres: “É cabível a relativização da coisa julgada em ação de investigação de
paternidade, anteriormente proposta quando ainda não era tecnicamente possível o exame de
DNA, desde que a improcedência do pedido tenha se dado por ausência de provas”.
11 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 960.805/RS. Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior. <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=960805&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=4> Acesso em 19/09/2012 12 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Agravo de Instrumento n. 2009.002.30528. Rel. Des. Helena Cândida Lisboa. Disponível em < http://webserver2.tjrj.jus.br/ejud/ColsultaProcesso.apsx?N=20 0900230528> Acesso em 11/10/2012
17
O argumento para edição da súmula é de que a questão deve ser dirimida na
ponderação de interesses constitucionais, prevalecendo o princípio da dignidade da pessoa
humana sobre o da existência da coisa julgada.
A coisa julgada, enquanto fenômeno decorrente de princípio ligado ao Estado
Democrático de Direito, deve ser considerada no contexto jurídico de outros princípios
fundamentais relevantes, sob pena de a decisão não ficar acobertada pela coisa julgada, ou
embora suscetível de ser atingida pela coisa julgada, a decisão poderá, ainda assim, ser revista
pelo próprio Estado, desde que presentes motivos preestabelecidos na norma jurídica,
adequadamente interpretada.
Outro exemplo passível de se relativizar a coisa julgada é quando esta for
inconstitucional.
Não se desconhece que na doutrina há diversos autores a favor da revisão da coisa
julgada quando viciada por flagrante inconstitucionalidade. Podemos citar diversos adeptos
dessa corrente, tais como: Alexandre Freitas Câmara13, Teresa Arruda Alvim Wambier e José
Miguel Garcia Medina14.
Por outro lado, Nelson Nery Júnior15 entende que a sentença prolatada com
inobservância de constitucionalidade de lei é meramente rescindível no prazo de 02 (dois)
anos, por meio da ação rescisória, não se qualificando como nula ou ineficaz.
Controvérsias à parte, quando se alude à coisa julgada inconstitucional, diz-se de
uma inconstitucionalidade que reside na sentença e não na sua imutabilidade. A rigor,
conforme diz Eduardo Talamini16, existiria uma “sentença inconstitucional” revestida de coisa
julgada.
13 CÂMARA. op. cit., p.466-467. 14 WAMBIER e MEDINA. op. cit., p.547. 15 NERY JR., Nelson. Coisa Julgada e estado democrático de direito, in Revista Forense. v. 375. Rio de Janeiro: Forense. Set-Out. 2004. p. 150. 16 TALAMINI, E. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: RT - Revista dos Tribunais, 2005. v. 1. p. 407.
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A dúvida em relação à coisa julgada inconstitucional seria saber em que medidas esta
garantia constitucional, vale dizer, a coisa julgada, deve prevalecer em face da estabilidade de
um pronunciamento incompatível com outros valores e normas constitucionais.
Nesse ponto, há que se destacar que se a sentença dita inconstitucional comportar o
manejo de ação rescisória, não há que se falar em relativização. Isso porque sendo previsto no
ordenamento jurídico recurso cabível para “desconstituir” a coisa julgada, não há falar-se em
formação do instituto retrocitado.
Conforme dito acima, a previsão de relativização da coisa julgada é subsidiária, ou
seja, quando há possibilidade de manejo de meio próprio para reformar/desconstituir sentença
transitada em julgado, pode e deve o jurisdicionado se valer do meio próprio.
A grande polêmica reside justamente na hipótese em que não é mais possível a
utilização de nenhum dos meios legalmente previstos para afastar a coisa julgada
inconstitucional ou desconstituí-la, seja porque ultrapassado o prazo da ação rescisória, seja
porque não houve pronunciamento do STF declarando a inconstitucionalidade da norma na
qual se fundamentou a sentença.
Em hipóteses como esta, em que não haja declaração da inconstitucionalidade da
norma pelo STF em controle concentrado ou em controle difuso, deverão ser buscados outros
meios de desconstituição da coisa julgada inconstitucional. Nas palavras de Humberto
Theodoro Júnior17
[...] Terá a parte, portanto, de recorrer ao processo que lhe for acessível, fora dos embargos, ou seja, a ação rescisória, se ainda tempestiva, ou às vias ordinárias da querela nullitatis, já que não pode o Judiciário furtar-se a garantir a supremacia da Constituição em nenhum caso de ofensa comprovada a seus princípios e normas. Pouco importa haja ou não prévia declaração do STF. O que não se tolera é que, a pretexto de se proteger a coisa julgada, deixe-se desprotegida a própria Constituição. [...]
17 THEODORO JR. op. cit., p.51.
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Trata-se de posicionamento adotado pelo eminente doutrinador, que entende ser
cabível a desconstituição da coisa julgada inconstitucional mesmo fora das hipóteses
legalmente previstas, o que será analisado a partir de agora.
A solução apresentada pelo processualista para a hipótese de, não havendo
precedente do Supremo Tribunal Federal declarando a inconstitucionalidade da lei e depois de
expirado o prazo decadencial para o manejo da ação rescisória, surge a possibilidade de se
adotar duas vertentes, quais sejam: (i) ou se admite o manejo da rescisória,
independentemente do limite temporal comum; (ii) ou se toma conhecimento da
inconstitucionalidade em qualquer ação em que se discutam os efeitos da sentença
pronunciada contra a Constituição.
Assim, de acordo com o entendimento de Humberto Theodoro Júnior o que não pode
ser admitido é que em um dito Estado Democrático de Direito uma sentença reconhecida
como flagrantemente inconstitucional subsista e se convalide, subvertendo ordem e normas da
própria Constituição, ignorando, assim a soberania e hierarquia da Lei Maior.
Sustentando também a possibilidade ampla de relativização da coisa julgada
inconstitucional, inclusive por entendê-la como juridicamente inexistente, conforme já dito,
Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina18, citando Pontes de Miranda,
apresentam uma série de meios cabíveis para sanar o vício da coisa julgada inconstitucional,
elencando, a escolha do interessado, a possibilidade de ajuizamento de uma nova demanda
com o mesmo objeto, devendo o magistrado que apreciar a petição inicial não se deixar levar
por eventual arguição preliminar de coisa julgada por parte do réu em sede de contestação,
visto que essa é inconstitucional e além do que é justamente esse o mérito da causa.
Admite-se ainda a relativização da coisa julgada quando a sentença houver sido
fundamentada em lei inconstitucional. Nesse ponto, a solução mais adequada é a 18 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim e MEDINA, José Miguel Garcia. Relativização da coisa julgada, in Estudos de Direito Processual Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2005. p. 163.
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desconsideração da sentença inconstitucional transitada em julgado, devendo ser julgada a
nova demanda, cujo objeto é o mesmo, como se não houvesse a decisão anterior.
Portanto, entende-se dispensável a propositura de qualquer ação específica para a
desconstituição da coisa julgada inconstitucional, bastando a propositura da ação que se
pretenda ver julgada com a alegação de que a coisa julgada anteriormente existente se fundou
em norma inconstitucional, devendo por isso ser desconsiderada.
Por fim, há que se informar a posição de Cândido Rangel Dinamarco19 que sustenta
uma corrente dita “moderada”. Para Dinamarco, a mera inconstitucionalidade da sentença não
permite a sua relativização, uma vez formada a coisa julgada, esta prevaleceria mesmo
quando a sentença padecesse de vício de inconstitucionalidade, pois a segurança jurídica
também é uma garantia constitucional que deve ser preservada.
Portanto, para ele, a coisa julgada inconstitucional somente mereceria ser
relativizada, em casos excepcionais, quando também houver sido violado algum outro valor
constitucionalmente protegido.
Ainda sustentando a supracitada corrente moderada, pode-se observar que é
impossível uma solução absoluta a respeito da relativização da coisa julgada (aquela em que a
relativização seria cabível sempre ou nunca), afirmando que deverá ser aplicado o princípio
da proporcionalidade, casuisticamente, mas, sempre que cabível a relativização, a mesma
deverá ser feita nos moldes de uma ação rescisória não sujeita a prazo, a mercê de violação da
segurança jurídica e da operacionalidade do sistema.
Assim, ponderando-se os princípios da proporcionalidade, razoabilidade, moralidade,
e principalmente o da constitucionalidade, em detrimento do princípio da segurança jurídica, é
de se admitir que cabível a relativização da coisa julgada inconstitucional, conforme
exaustivamente dito acima.
19 DINAMARCO, Cândido Rangel. Relativizar a coisa julgada. In: Juris Síntese n. 33, Jan./Fev. 2002. p. 26
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CONCLUSÃO
Com o estudo utilizado neste trabalho, pode-se chegar a algumas conclusões
decisivas, de modo a melhor entender o problema da relativização e mitigação da coisa
julgada e oferecer soluções práticas ao seu exercício.
Inicialmente, viu-se que a coisa julgada, considerada por muitos como um dogma do
direito, está sendo nos últimos tempos alvo de diversas objeções.
A coisa julgada objetiva proporcionar segurança às relações jurídicas, de modo que a
sentença que estiver acobertada pelo seu manto não possa ser novamente rediscutida. No
entanto, em alguns casos, a coisa julgada traz como consequência resultados injustos e, diante
destas circunstâncias, surge o conflito entre princípios constitucionais.
O conflito ocorre entre os princípios da segurança jurídica, insculpido no artigo 5º,
XXXVI da Constituição da República Federativa do Brasil, e o princípio da Justiça, presente
no artigo 5º, XXXV do mesmo diploma legal.
Diante da presente situação é que surge a possibilidade de se relativizar a coisa
julgada, retirando do aludido instituto o caráter de verdade absoluta, de forma a proporcionar
às partes do processo a obtenção de um resultado justo, que lhes proporciona o que buscaram
durante todo o trâmite da ação judicial.
A questão tormentosa e que suscita as maiores dúvidas se refere à possibilidade de se
desconstituir uma sentença transitada em julgado quando já se expirou o prazo decadencial de
02 (dois) anos da ação rescisória, ou seja, quando já se formou a dita “coisa soberanamente
julgada”.
E pela exposição realizada conclui-se que existem aqueles que entendem que mesmo
após o prazo decadencial bienal a ação rescisória poderia ser utilizada, uma vez que a coisa
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julgada que fere dispositivo constitucional seria, na realidade, nula e, desse modo, não se
sujeitaria a prazos decadenciais e nem prescricionais.
De igual turno, a Querela Nullitatis é igualmente vista como uma possibilidade de se
relativizar a coisa julgada. A sua aplicação ocorreria nas hipóteses em que não se mostraria
possível a desconstituição dela por meio de ação rescisória, já que dotada de subsidiariedade.
A justificativa utilizada consiste no fato da nulidade impedir a formação da coisa julgada e,
diante disso, não havendo coisa julgada, não poderíamos falar ação rescisória.
Diante de todo o exposto nos itens acima, pode-se dizer que o tema em estudo ainda
não se mostra pacífico na doutrina e nem nos Tribunais. Trata- se de um assunto deveras
delicado que deve observar o caso concreto em discussão.
É neste contexto que o presente trabalho foi elaborado. Objetivou-se trazer para
discussão a possibilidade de se flexibilizar uma decisão não mais sujeita a recurso quando esta
não alcança o objetivo final do processo, qual seja, de proporcionar um resultado justo para as
partes, através da aplicação irrestrita do Direito e da Justiça.
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