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ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA
INSTITUTO ECUMÊNICO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA
ENRIQUE DUSSEL: O PROFESSOR À LUZ DO CONCEITO DE MESTRE EM UMA PRÁXIS PEDAGÓGICA LIBERTADORA
CARMEN HICKERT
MESTRADO EM TEOLOGIA
Área de Concentração: Religião e Educação
Santa Rosa, março de 2005
ENRIQUE DUSSEL: O PROFESSOR À LUZ DO CONCEITO DE MESTRE EM UMA PRÁXIS PEDAGÓGICA LIBERTADORA
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
por
CARMEN HICKERT
em cumprimento parcial das exigências
do Instituto Ecumênico de Pós-Graduação em Teologia
para obtenção do grau de
Mestre em Teologia
Orientador: Prof. Dr. Alceu Ravanello Ferraro
Escola Superior de Teologia
São Leopoldo – RS, Brasil
Março de 2005
BANCA EXAMINADORA
1 Examinador
______________________________________ Prof. Orientador Dr. Alceu Ravanello Ferraro (EST) 2 Examinador: ______________________________________ Prof@. Dr@. Sandra Vidal Nogueira (UNILASALLE) 3 Examinador: ______________________________________ Prof.Dr.Balduino Antonio Andreola (EST)
HICKERT, Carmen. Enrique Dussel : O Professor à luz do conceito de mestre em uma práxis pedagógica liberta dora. São Leopoldo: Escola Superior de Teologia, 2005.
SINOPSE
Esta pesquisa propôs-se como objetivo estudar, com base nos pressupostos pedagógicos de Enrique Dussel, o conce ito de mestre numa práxis pedagógica libertadora. Inicio d ando a conhecer o autor, seus pressupostos teológicos, fil osóficos e pedagógicos, na tentativa de desvelar as origens da opressão do homem latino-americano. Num segundo momento, adu zo os conceitos da ética pedagógica da libertação. Prossi go fazendo uma análise da pedagógica da dominação e da necessi dade de de-struição dessa prática pedagógica da dominação. Delineio, então, os conceitos da pedagógica da libertação e e sclareço o entendimento de Dussel sobre o que é ser mestre e s obre quais são os pressupostos para o professor se tornar um m estre, dentro de uma práxis analética. Por fim, apresento a tarefa do mestre libertador que vai além da totalidade, em uma prática histórica e comprometida com a libertação.
HICKERT, Carmen. Enrique Dussel: O Professor à luz do conceito de mestre em uma práxis pedagógica liberta dora . São Leopoldo: Escola Superior de Teologia, 2005.
ABSTRACT
This research will focus on the study of Enrique Du ssel
pedagogy, a mastering conception into a free pedago gic practice. First will have the biography of the auth or, his theological, philosophical and pedagogical concepti ons in order to reveal the reasons of the latin-american m an opression on the second moment, the conception of a free pedagogic ethic will be anylised as well as the dom ination and the need of destruction for this pedagogic prac tice domination. Therefore, the conception of a free ped agogic will be anylised ant it will understood, according to Dussel, what a master is and the teachers role to become a real master into an analetic practice. So, this study wi ll show the teachers’ task to be a liberate one into a hist oric liberated practice.
AGRADECIMENTOS
Ao Dário, esposo, amigo e companheiro, sem o qual não
teria tido a serenidade para concluir esse trabalho .
Ao Luciano e à Lílian, filhos queridos e amados, c ujo
nascimento foi presente e benção divina, fonte de a legria em
tantos momentos de preocupação ao longo da pesquisa .
Ao meu orientador, Professor Dr. Alceu Ravanello
Ferraro, pela confiança depositada em mim, pelas or ientações
marcadas, pela “solidariedade nas minhas fraquezas” e amizade
durante os estudos.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................
CAPÍTULO 1 – ENRIQUE DUSSEL: UM NOVO PENSAR PARA A LIBERTAÇÃO DOS POVOS LATINO-AMERICANOS 1.1 A filosofia da libertação em Enrique Dussel.... ....... 1.2 O conceito de práxis de libertação em Enrique D ussel.. 1.3 O ponto de partida do processo de libertação... .......
CAPÍTULO 2 – A ÉTICA PEDAGÓGICA DA LIBERTAÇÃO 2.1 Proximidade.................................... ....... 2.2 Totalidade..................................... ....... 2.3 Mediações...................................... ....... 2.4 Exterioridade.................................. ....... 2.5 Alienação...................................... .......
CAPITULO 3 - A PEDAGÓGICA DA DOMINAÇÃO 3.1 O projeto pedagógico da dominação 3.2 A de-struição da pedagógica da dominação CAPÍTULO 4 - ENRIQUE DUSSEL: O PROFESSOR À LUZ DO C ONCEITO DE MESTRE EM UMA PRÁXIS PEDAGÓGICA LIBERTADORA 4.1 O mestre libertador na pedagógica de Enrique Du ssel... 4.2 O professor em uma práxis ana-lética........... ....... 4.3 A tarefa do mestre como pro-jeto da libertação. .......
CONCLUSÃO.................................................
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................
08 18
18 26 30 35 38 41 42 44 48 57 64 64 69 81 96 102
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa, desenvolvida para a obtenção d o
grau de Mestre em Teologia, na Área de Concentração Religião
e Educação, teve como objeto o conceito de mestre em Enrique
Dussel, na perspectiva de uma práxis pedagógica lib ertadora.
Na obra do autor, o ser humano é considerado não
abstratamente, mas sim de forma concreta, enquanto situado
numa situação de opressão, como ocorre na realidade latino-
americana.
O meu interesse pelo autor tem uma história. No cur so de
graduação em Filosofia, quando lia os textos de fil osofia da
libertação, chamava-me a atenção o fato de termos, na América
Latina, alguém que denunciava a exploração dos povo s latino-
americanos. Esse alguém era Enrique Dussel. Ao mesm o tempo me
sentia analfabeta no assunto, pois desconhecia o au tor e sua
teoria. O que sabia era que, neste espaço do contin ente,
tínhamos ótimos jogadores de futebol, uma boa músic a, mas
poucos filósofos. No decorrer do curso tive acesso aos mais
diversos pensadores, europeus e brasileiros. Nenhum deles,
porém, chamou tanto a minha atenção quanto Enrique Dussel.
Coordenando uma escola de educação básica e de ensi no
profissionalizante 1, constatei inúmeras contradições naquilo
que podemos chamar de o “ser” e o “fazer” docentes. Pude
tomar consciência de quanto a categoria docente, no decorrer
da história, foi desqualificada como profissional e reduzida
à condição de mera fazedora de tarefas, desfigurand o-se,
dessa forma, o papel do mestre.
1 Colégio Cenecista Sepé Tiaraju, Santo Ângelo – RS. Escola que tem como mantenedora a Campanha Nacional das Escolas da Comu nidade.
Ao cursar as disciplinas do mestrado no Instituto
Ecumênico de Pós-Graduação em Teologia – IEPG, na E scola
Superior de Teologia, novamente tive acesso à Teolo gia da
Libertação, à Filosofia da Libertação e à Pedagogia da
Libertação. Inclusive, na disciplina Panorama da Te ologia na
América Latina, apresentei uma monografia intitulad a
Pressupostos para a Teologia e a Filosofia de Dusse l.
Ainda no mesmo curso desenvolvi outros dois trabalh os:
na disciplina A Formação da Prática Docente, elabor ei um
trabalho sobre a questão do “ser” e do “fazer” do
profissional da educação, e na disciplina Igrejas, Movimentos
Sociais e Educação na América Latina, fiz uma pesqu isa sobre
a Pedagogia da Libertação em Paulo Freire. Tais est udos sobre
o professor e sua prática docente constituíram, par a mim, um
atrativo desde os tempos da graduação e na prática docente no
meu dia-a-dia.
No decorrer do curso tive acesso a dois livros que
chamaram minha atenção e reforçaram o desejo de faz er essa
dissertação de mestrado. O primeiro é Pedagogia Latino-
Americana: Freire e Dussel , de José Pedro Boufleuer; o
segundo, Novos Paradigmas Pedagógicos , de Joaquim Parron
Maria. Nestes dois livros o que mais chamou minha a tenção foi
o fato dos autores abordarem uma outra maneira de t rabalhar a
educação. Percebi que Boufleuer revela que o verdad eiro
mestre assume a sua tarefa desde a exterioridade e engaja-se
numa práxis libertadora do Outro como outro e que P arron
Maria introduz o desafio da compreensão analética n a
educação, ou seja, de assentar a educação numa práx is
educativa mais humanizadora.
A imagem do professor, principalmente nas últimas
décadas, sofreu grande desgaste. O professor deixou de ter o
status de “mestre”, para ficar reduzido a um “fazedor” de
tarefas, a um tarefeiro. Perdeu-se o referencial qu e garantia
ao ofício um significado ético-pedagógico e que lhe dava pelo
menos um certo prestígio social. Com a perda desse
referencial, o ofício ficou não só reduzido a algum as
competências técnico-pedagógicas, mas também privad o da
imprescindível autonomia da profissão, com subordin ação
crescente da mesma a interesses políticos e econômi cos.
Foi por esses motivos que decidi elaborar esta
dissertação de mestrado sobre o conceito de mestre em Enrique
Dussel, buscando aprofundar, na vasta obra do autor , os seus
escritos mais ligados à educação, em particular ao que ele
denomina pedagógica .
No cotidiano de uma escola, deparo-me com a falta d e
compreensão crítica da realidade por parte dos envo lvidos no
processo educacional. Nela impera a dominação. Segu ndo
Enrique Dussel, na maioria das vezes, o professor e xerce a
dominação pedagógica sem nenhuma consciência de cul pa. A
ingenuidade, a acriticidade, a consciência ideológi ca fazem
com que ele aja com a melhor das intenções 2. Pergunto-me como
chegamos a esta construção, como estes sujeitos for am
construídos e se é possível uma (re)construção dess es
sujeitos. A imagem do professor foi construída no i maginário
social, sem o reconhecimento do mestre .
2 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana – Erótica
e Pedagógica, p. 223
Na trajetória da pesquisa, recorri a diversos autor es 3,
sempre buscando investigar como essas imagens do pr ofessor
foram sendo construídas historicamente e como o pró prio
professor foi se construindo como pessoa e profissi onal e se
apropriando de imagens que o foram, cada vez mais, afastando
do ofício de mestre.
Em face deste conhecimento, pergunto: quais os elem entos
constitutivos da figura de mestre, presentes na Ped agógica de
Dussel, que podem constituir-se em subsídios para a
(re)construção e o resgate da imagem do professor c omo
profissional e do seu ofício, numa perspectiva de l ibertação,
em oposição à prática pedagógica da dominação?
A hipótese básica desta dissertação foi que encontr aria,
na pedagogia de Dussel, elementos fundamentais para a
(re)construção do papel e o resgate da imagem do pr ofessor e
do seu ofício, capazes de fazer dele um autêntico mestre .
Na pesquisa, utilizo o método 4 fenomenológico. Ele se
presta para a compreensão dos múltiplos mundos, par a a
interpretação 5 (tarefa da Hermenêutica) dos textos, das
3 Antônio NÓVOA, O desenvolvimento pessoal e profissional do profess or ;
Helena Costa Lopes de FREITAS, Certificação docente e formação do educador: regulação e desprofissionalização; Itacy Salgado BA SSO, Significado e sentido do trabalho docente ; Miguel ARROYO, Ofício de Mestre: imagens e auto-imagens; Paulo FREIRE, Educação como prática da liberdade.
4 O termo método é tomado do grego - meta-odos: meta significando após, além, e odos significando caminho. Poderia ser traduzido para a lém do caminho, ou continuar o caminho. Cf. Ivani FAZENDA, Metodologia da Pesquisa Educacional , p. 62.
5 Interpretação entendida como “trabalho do pensamen to que consiste em
idéias, dos estudos de Dussel, construídos de acord o com as
formas de perceber das pessoas, afastando-nos da vi são de uma
realidade única e independente do homem. A pesquisa
fenomenológica provoca a ruptura de um conceito de
cientificidade fundamentado no positivismo, levando a uma
nova concepção de ciência 6.
A Fenomenologia de Husserl é o estudo dos fenômenos tais
como se apresentam à consciência. Ela valoriza a
subjetividade em sua procura de atingir a essência dos
fenômenos. Tanto como movimento filosófico, quanto como
método de investigação, caracteriza-se como um esfo rço de
retorno à experiência original, à vida, ao mundo da
experiência, ao mundo irrefletido, como base de con strução do
conhecimento. Esta experiência é sempre total. Por isso a
Fenomenologia caracteriza-se por sua oposição à ato mização 7.
A Fenomenologia não procura explicar. Busca a
compreensão, mergulhando cada vez mais fundo na(s)
essência(s) do fenômeno, desvelando aos poucos o qu e está
encoberto, em camadas sucessivas, em um movimento c ircular 8.
A investigação fenomenológica é um caminho que
construímos sem saber claramente para onde nos leva . Isto
exige do pesquisador abertura e coragem: abertura, para
decifrar o sentido aparente, em desdobrar os sinais de significação implicados na significação literal: há interpretaçã o onde houver sentido múltiplo e é na interpretação que a plurali dade de sentidos torna-se manifesta”. Ivani FAZENDA, Metodologia da Pesquisa Educacional , p. 63.
6 Ana Maria METZLER, Fenomenologia como Filosofia e como Método de Investigação em Pesquisas Educacionais, p. 75.
7 Cláudio de Moura CASTRO, A Prática da Pesquisa , p. 30. 8 Roque MORAES, Fenomenologia: Uma introdução, p. 15-24.
reconhecer e evitar preconceitos; coragem, para ass umir os
riscos de uma pesquisa que se transforma ao longo d a sua
realização 9.
Cada homem é um ser no mundo e no seu mundo. Cada u m é
único, mas em relação necessária, dialética, infind a. Os
fenômenos a ele relacionados situam sua existência dentro do
tempo e são inerentes a sua vida.
Segundo Merleau-Ponty, é na própria vida que
encontraremos a unidade e o sentido da fenomenologi a:
A Fenomenologia é o estudo das essências e, segundo ela, todos os problemas se resolvem na definição das ess ências (...), mas a Fenomenologia é também uma filosofia q ue re-situa as essências dentro da existência e não acred ita que se possa compreender o homem e o mundo a não ser a par tir de sua facticidade 10.
Utilizo a hermenêutica 11 que é, originariamente, uma
disciplina filológica, isto é, uma técnica de leitu ra,
orientada para a compreensão das obras da Antiguida de
Clássica e dos textos religiosos. Enquanto visão fi losófica
tem a preocupação com a compreensão do sentido, da
interpretação, do entendimento do ser. É a ciência que
estabelece os princípios, leis e métodos de interpr etação. Em
9 Ana Maria METZLER, Fenomenologia como Filosofia e como Método de
Investigação em Pesquisas Educacionais, p. 75. 10 Ana Maria METZLER, Fenomenologia como Filosofia e como Método de
Investigação em Pesquisas Educacionais, p. 79. 11 A palavra hermenêutica é derivada do termo grego h ermeneutike, e o
primeiro homem a empregá-la como termo técnico foi o filósofo Platão (séc. IV a.C). Cf. Ibidem , p. 66.
sua abrangência trata da teoria da interpretação de sinais,
símbolos de uma cultura e leis.
A hermenêutica é um método utilizado nos estudos qu e
abordam cada livro como uma unidade inteira e procu ram o seu
sentido como um todo, de forma global. Neste caso d eterminam-
se as ênfases principais do livro, ou seja, as pala vras
repetidas em todo texto, mesmo em sinônimo e com is to a
palavra-chave desenvolve o tema estudado. Outra man eira de
determinar a ênfase ou característica de um livro é observar
o espaço dedicado a certo assunto.
Tanto a fenomenologia como a hermenêutica deram-me
subsídios para o estudo das obras de Dussel: um sub strato
importante para a compreensão de suas idéias; uma p rovável
compreensão, visto que as obras de Dussel não são d e
interpretação fácil.
Mas as “pesquisas de enfoque fenomenológico constit uem-
se como etapas de compreensão e interpretação do fe nômeno,
que poderá ser retomado e visto sob nova interpreta ção” 12. É
nesta perspectiva que se situa o meu estudo sobre D ussel,
sempre aberto ao surgimento de novas interpretações . Assim
como este estudo, a Fenomenologia é inacabada. Está sempre
recomeçando. É um risco, um desafio, um problema cu ja
resposta jamais será definitiva.
12 Ivani FAZENDA, op. cit., p. 66.
No primeiro capítulo, apresento o filósofo Enrique
Dussel, seu pensamento de libertação sobre os povos latino-
americanos, suas principais opções e categorias de análise de
pensamento, ou seja, a sua Filosofia da Libertação. Inicio
pelo conceito de práxis de libertação, o ponto de p artida do
processo de libertação.
Ao buscar os pressupostos teológicos e filosóficos de
Enrique Dussel, pretendo conhecer sua capacidade cr ítica
frente às “certezas indiscutíveis” da filosofia e d a cultura
européias; entender que a Filosofia da Libertação é um
horizonte e pressuposto indispensável para compreen der a
própria América Latina e tentar desvendar as origen s
filosóficas e históricas de opressão do homem latin o-
americano, que justificam a exploração dos povos ch amados
periféricos - além dos latino-americanos, também os asiáticos
e africanos. Busco subsídios também em Michel Fouca ult, Marx,
Lévinas e Paulo Freire, para a superação de um proc esso de
exclusão, que é conseqüência direta das relações hi stóricas
entre Norte e Sul.
No segundo capitulo apresento a ética pedagógica da
libertação. Destaco a ética pedagógica, filosófica e
teológica, onde Dussel vai além do mundo da ontolog ia, do ser
e do seu horizonte, e se aproxima da fenomenologia; onde o
que aparece e como aparece, a partir dos horizontes do mundo,
do sistema, do ser, ganha nitidez. Aparece também a epifania,
que é a revelação do oprimido, do pobre, do outro, que não é
pura aparência nem somente fenômeno, mas exteriorid ade e
existência. Faço referências às principais opções e
categorias de seu pensamento, entre elas: a proximi dade, a
totalidade, as mediações, a exterioridade e a alien ação.
No terceiro capítulo, faço uma análise da pedagogia da
dominação e de suas implicações na construção das i magens e
auto-imagens do professor. Teço também consideraçõe s sobre as
concepções que marcaram os processos de democratiza ção da
escola e de formação dos educadores, sobre a situaç ão a que
estes foram reduzidos e a necessidade de de-struiçã o13 dessa
pedagogia.
No quarto capítulo, aduzo conceitos da Pedagogia da
Libertação de Enrique Dussel e do seu entendimento sobre o
que é ser mestre. Por fim, delineio o professor num a práxis
ana-lética 14, na tentativa de construir outra imagem, um outro
saber, um outro paradigma. Apresento a tarefa do me stre
libertador na pedagógica de Dussel como projeto de
libertação, que vai além da totalidade, que age, tr abalha,
serve, cria, optando por uma prática histórica para ser um
mestre comprometido com a libertação.
13 O sentido do termo de-struição é retirado das palavras de Martin
Heidegger, citadas por Luiz MEIRELLES, De-struição da história da ética : sentido e método, p. 1.: “De-struição não signifi ca aniquilar, mas desarticular, separar e pôr de lado... De-struição quer dizer: abrir nosso ouvido, libertá-lo para aquilo que na t radição se nos coloca como ser do ente.”
14 Dussel denomina ana-lética o método que vai além da dialética, pois parte do Outro como fundamento. Portanto, a analéti ca aqui é destacada como práxis que não leva em consideração somente um rosto sensível do Outro, mas exige colocar-se faticamente a “serviço” do Outro. Cf. Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana , v.II - Eticidade e moralidade, p. 201.
CAPÍTULO 1. ENRIQUE DUSSEL: UM NOVO PENSAR PARA A LIBERTAÇÃO
DOS POVOS LATINO-AMERICANOS
“O ser que se expressa se impõe, precisamente, chamando-me a partir
de sua miséria e nudez sem que possa fechar meus ouvidos a seu chamado...”
Lévinas
O objetivo deste capítulo é apresentar Enrique Duss el e
sua filosofia da libertação, oferecendo uma visão p anorâmica
do seu pensamento – um pensamento tipicamente latin o-
americano.
1.1 A filosofia da libertação em Enrique Dussel
Enrique Domingo Dussel nasceu em 1934, na Argentina .
Licenciou-se em filosofia na faculdade de Mendonza em 1957,
fazendo seu doutorado em Madrid em 1959. Estudou Te ologia em
Paris, onde se doutorou também em história pela Sor bonne
(Paris). Foi titulado Doutor honoris causa pelas
universidades de Friburgo (Suiça) e de San Andrés d e La Paz
(Bolívia). Exilado no México desde 1976, divide seu tempo
entre as aulas na Universidade Autônoma Metropolita na
Iztapalapa (UNAM – México), dedicando-se especialme nte à
cátedra de Ética, e em diversas atividades filosófi cas e
militantes na América Latina e no mundo, explicitan do a
originalidade de uma filosofia a partir da ótica do s
oprimidos que buscam a sua libertação. É uma das pr incipais
expressões da chamada filosofia da libertação na Am érica
Latina. Sua preocupação fundamental tem sido a de d esvendar
as origens filosóficas e históricas da opressão do homem
latino-americano. Trabalhando com categorias de pen samento
específicas, Dussel identifica o caráter da dominaç ão e
avança no sentido da proposição de uma perspectiva de
libertação.
Desde muito cedo, este filósofo deparou-se com a
inquietante busca das verdades que transcendiam a s imples
redução gnosiológica da tradição ocidental. Estudou
profundamente a evolução histórica do pensamento la tino-
americano, sempre buscando a possibilidade hermenêu tica de
aproximar as sínteses possíveis à realidade de dest ruição da
cultura latino-americana pela lógica da conquista o cidental.
Uma preocupação de Dussel é a explicitação de uma t eoria
filosófica que possa expressar e justificar os anse ios e
lutas de libertação dos povos oprimidos. O filósofo da
libertação, falando a partir da América Latina, que r também
ser o porta-voz dos gritos por libertação de todos os povos
oprimidos, incluindo, especialmente, os africanos e
asiáticos.
Como teólogo, além de outros livros ligados à Teolo gia,
Dussel publicou a História da Igreja na América Latina pela
CEHILA (Comissão de História Eclesiástica para a Am érica
Latina), instituição que era dirigida por ele. O au tor foi
integrante do grupo de teólogos 15 que defendiam a Teologia da
Libertação. Para estes, a Teologia da Libertação er a a
libertação da própria Teologia 16.
Como teólogo da libertação, Dussel sustenta que a i greja
deve fazer sua opção pelo pobre. Ele se aproxima do
pensamento de Marx, com um conceito próprio da teol ogia, que
seria a reflexão crítica sobre a práxis: “o pensame nto da
15 Gustavo Gutierrez, Hugo Assmann, Carlos Mesters, Le onardo e Clodovis
Boff, Jon Sobrino, Ignacio Ellacuria, entre outros. 16 Teologia vem da conjugação de Téos e Lógos, dois t ermos gregos. Poder-
se-ia dizer que teologia é todo discurso acerca de Deus. Aristóteles, em seu livro Filosofia Primeira , que hoje conhecemos com o nome de Metafísica. Para Aristóteles o Téos seria objeto de pesquisa da maior de todas as ciências: a ciência do ser enquanto ser – esta que hoje denominamos de metafísica. A metafísica, a filosofi a primeira, é sinônimo de teologia. Cf. Alexandre Marques CABRAL, A Teologia da Libertação : O cristianismo a favor dos excluídos, p. 1.
crítica religiosa é este: o homem faz a religião, n ão é a
religião que faz o homem”. A teologia da libertação , para
Dussel, oferece às comunidades eclesiais de base es te poder
criador de religião e de igreja 15.
Além de filósofo e teólogo, Dussel é também histori ador.
E é a partir de um novo referencial teórico que ele começa a
sua filosofia, ou melhor, que ele extrai as categor ias
básicas do seu pensamento. Sua grande preocupação é encontrar
as razões que possam explicar a situação de opressã o do povo
latino-americano. Para isso vai ao encontro das ori gens
históricas e culturais da própria civilização ocide ntal.
A produção filosófica de Dussel, em sua originalida de
teórica e em sua ousadia profética, presta uma sign ificativa
contribuição para outras elaborações hermenêuticas, seja no
âmbito da antropologia, seja no âmbito da história, seja
ainda no âmbito da teologia e da pedagogia latino-
americanas 16.
Para Dussel, a filosofia nasceu nos espaços perifér icos
em tempos criativos, mas, aos poucos, foi para o ce ntro em
suas épocas clássicas, nas grandes ontologias, até degradar-
se na má consciência das idades morais, melhor dize ndo,
moralistas. Segundo o autor, o centro é; a periferi a não é. O
pensamento crítico que surge na periferia termina s empre por
15 Alexandre Marques CABRAL, A Teologia da Libertação : O cristianismo a
favor dos excluídos, p. 2 16 Nesse caminho encontramos José Pedro BOUFLEUER, Pedagogia Latino-
Americana : Freire e Dussel; José Luiz AMES, Liberdade e Libertação na Ética de Dussel ; Urbano ZILLES, Edmund Husserl e o Movimento Fenomenológico ; Alipio Marcio Dias CASALI, A Pedagogia de Dussel: elementos para um estudo crítico; além de outros.
dirigir-se ao centro. É sua morte. O pensamento que se
refugia no centro termina por ser pensado como a ún ica
realidade. Fora de seus sentidos está o não-ser, o nada, a
barbárie, o sem sentido. O ser é o próprio fundamen to do
sistema ou a totalidade de sentido da cultura e do mundo dos
homens do centro 17. Para Dussel, a ontologia 18, o pensamento
que exprime o ser, do sistema vigente e central, é a
ideologia das ideologias, é o fundamento das ideolo gias do
império, do centro 19.
Para Dussel, filósofos como Aristóteles, Tomás de
Aquino, Hegel criaram sistemas filosóficos que, exp rimindo o
ser (ontologia) dos sistemas vigentes e centrais, s e
transformaram em ideologias: ”A filosofia clássica de todos
os tempos é o acabamento e a realização teórica da opressão
prática das periferias” 20.
A proposição de uma filosofia da libertação pressup õe a
existência de uma filosofia de dominação. Por isso, a
filosofia, como centro ideológico das classes domin antes,
quando é filosofia da dominação, desempenha um pape l
essencial na história européia. Daí a obra de Dusse l
comportar duas grandes tarefas. A primeira, a contr ibuição de
sua crítica da filosofia clássica (greco-européia) através do
desvendamento de sua tendência à dominação. A segun da tarefa
17 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 10. 18 O termo ontologia, usado neste trabalho, tem sua o rigem na filosofia do
século XVII, designando o estudo do “ser enquanto s er”, ou seja, do ser estudado independentemente de suas especificações p articulares e naquilo que constitui sua inteligibilidade própria. É a teoria do ser, tomando-o nos seus aspectos reais. Cf. Enrique DUSS EL, Para uma ética da libertação latino-americana – Eticidade e Moralidade, p. 10-20.
19 Ibidem , p. 10-11. 20 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 11.
é a da construção de um pensar filosófico capaz de se
articular com o processo de libertação dos oprimido s21.
A filosofia da libertação pretende formular uma
metafísica: contra a ontologia clássica do centro, Dussel
levanta uma filosofia da libertação da periferia, d os
oprimidos, da sombra que a luz do ser não pode ilum inar, do
não-ser, do nada, do Outro 22, da exterioridade, do mistério do
sem-sentido 23.
Para Dussel, a teologia da libertação, assim como a
filosofia da libertação, parte dos oprimidos, de um a práxis
onde o encontro do homem com Deus – chamado pela te ologia de
graça - passou a ser pensado como realidade históri ca: Deus
se manifesta ao homem situando-se histórica e cultu ralmente,
ou seja, o encontro de Deus com o homem diferencia- se tanto
na história, em suas diversas épocas, como na plura lidade
cultural que se dá no seio da humanidade 24.
Teologicamente, a relação com o Outro acontece no f ace-
a-face, ou seja, sempre que se encare o Outro como outro na
respeitabilidade desta relação. O outro somente é p essoa a
21 Ibidem , p.16, 17, 20 e 21. 22 O termo “Outro” aparece com destaque em vários esc ritos de Dussel,
embora não em todos. O termo não designa apenas o “ outro” como pessoa, mas também como grupo, classe social, povo, cultura popular, enfim tudo se opõe a uma totalidade dada. O “Outro” é sempre a ntes de tudo o oprimido, o explorado, o pobre. Cf. Joaquim Parron MARIA, Novos Paradigmas Pedagógicos: para uma filosofia da educação, p. 42-48.
23 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 21. 24 Alexandre Marques CABRAL, A Teologia da Libertação : O cristianismo a
favor dos excluídos, p. 2.
partir deste encontro, onde o eu também se torna di stinto. O
rosto significa o todo da pessoa 25.
A filosofia e a teologia da libertação pensam a pes soa
humana a partir do seu contexto, da sua história e da sua
exigência de liberdade. A filosofia assume a catego ria
“exterioridade”, de Emmanuel Levinas 26, como a mais importante
na definição do próprio Dussel, pois a partir daí a abordagem
não se situa na totalidade fechada do “mesmo”, mas no
“outro”, naquele que está fora do sistema. 27
O pensador Emmanuel Lévinas coloca a idéia da
exterioridade como guia na procura da verdade, o qu e só é
possível como idéia do infinito. Essa idéia de infi nito não
parte de mim, nem de uma necessidade do eu. O infin ito não é
objeto de conhecimento; é o desejável, o que suscit a o
desejo, isto é, o que é abordável por um pensamento que a
todo o instante vai além do que penso 28. Para o autor:
O infinito não é por isso um objeto imenso, que ult rapassa os horizontes do olhar. É o Desejo que mede a infinida de do infinito, porque ele constitui a medida pela própri a
25 Enrique DUSSEL, Ética comunitária , p. 19. 26 Emmanuel Lévinas é filósofo lituano. Nasceu em 190 6 e emigrou para a
França, realizando aí seus estudos filosóficos. Apr ofundou-se no estudo da fenomenologia, com Husserl e Heidegger. Ocupou a cátedra de Filosofia nas Universidades de Poitiers, Pris-Nante rre e na Sorbone. A centração nos problemas essenciais da sociedade faz do pensamento de Lévinas algo novo e original, que o torna um autor profético e decisivo no campo da filosofia contemporânea. Lévinas manife sta em sua Filosofia uma forte influência do pensamento semita, sendo el e judeu devoto e frequentador da Sinagoga, todos os sábados. Enrique Dussel, por sua vez, tem em seu pensamento uma influência decisiva de Lévinas, na sua produção filosófica. Cf. Joaquim Parron MARIA , Novos Paradigmas Pedagógicos: para uma filosofia da educação, p. 17.
27 Joaquim Parron MARIA, Novos Paradigmas Pedagógicos: para uma filosofia da educação, p. 43-49.
28 Emmanuel LEVINAS, Totalidade e Infinito, p. 48-49.
impossibilidade da medida. A desmedida medida pelo Desejo é rosto. Mas desse modo encontramos também a distinçã o entre Desejo e necessidade. O Desejo é uma aspiração anim ada pelo Desejável; nasce a partir do seu objeto, é revelaçã o. Em contrapartida, a necessidade é um vazio da Alma, pa rte do sujeito 29.
Dussel e Levinas abordam o excluído do sistema
definindo-o como o judeu perseguido pelo nazismo e por outras
expressões do racismo. Levinas não chega a pensar q ue no
exterior do sistema vigente estão também o índio, o negro, a
mulher, o aluno. Dussel dá um novo desdobramento ao termo
exterioridade, pensando no índio dominado, no mesti ço
oprimido, no povo latino-americano excluído da gran de
totalidade mundial 30. Segundo Ludwig:
Na filosofia de libertação, Dussel trabalha a dialé tica “capital trabalho” desde Karl Marx, afirmando o tra balho como exterioridade no mundo do capital. O trabalhador en quanto pessoa, na lógica da totalidade do capital, é o não -ser, não tem valor enquanto força de trabalho não objetivado . O seu trabalho objetivado possui valor, mas determinado e condicionado desde a lógica do lucro do detentor do capital 31.
Para Dussel as noções de totalidade, mediação e
alienação não são propriamente marxistas. Ele ensai a várias
tentativas de articular o método dialético com a ca tegoria de
exterioridade. Um conceito fundamental no pensament o de
Dussel, que constitui um momento importante na sua dialética,
é o conceito de libertação. Para ele, falar em libe rtação
significa compreender que tipo de opressão se exerc e na
América Latina, isto é, compreender que há um poder que
29 Ibidem , p. 49 30 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação , p. 70. 31 Celso Luiz LUDWIG, A alternativa jurídica na perspectiva da libertação :
uma leitura a partir da libertação de Enrique Dusse l , p.100.
oprime na injustiça e que, a partir daí, todo um pr ocesso se
inicia 32. Diz o autor:
Trata-se da libertação neocolonial do último e mais avançado grau de imperialismo. O imperialismo norte-american o. O imperialismo que pesa sobre parte da Ásia, sobre qu ase toda a África e América Latina 33.
A Filosofia da Libertação proposta por Dussel não é
ontologia, mas uma metafísica, a qual é exigida pel a práxis
revolucionária e pela póiesis 34 tecnológica, a partir da
formação social periférica 35. É por isso que, para Dussel:
... é necessário distinguir o ser de sua pretensa fundamentalidade eterna e divina; negar a religião fetichista; mostrar a ontologia como a ideologia da s ideologias; desmascarar os funcionalismos, sejam estruturalistas, lógico-cientificistas ou matematiz antes, que ao pretender que a razão não pode criticar dialetic amente o todo, afirma-o por mais analiticamente que critique m ou operativizem suas partes 36.
Para Dussel, somente a descrição do sentido da práx is de
libertação, a partir da práxis dos atuais povos opr imidos da
periferia, da mulher violada pela ideologia machist a e do
filho domesticado, podem na realidade revelar-nos t oda sua
fenomenologia, já que a mesma é apenas parcialmente
32 Ibidem , p.102. 33 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p.20. 34 Póieses no sentido de fabricar, fazer, produzir co m ou em algo,
trabalhar a natureza, relação pessoa-natureza, form ar ou “moldar a mente humana”, conforme Francis IMBERT, A Questão da Ética no Campo Educativo , p. 26-27.
35 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p.21. 36 Ibidem , p.21.
vislumbrada pelos críticos pós-hegelianos de esquer da
europeus 37.
1.2 O conceito de práxis de libertação em Enrique Dusse l
Neste processo de libertação, Dussel se aproxima de
Paulo Freire, no sentido de formação da consciência a partir
dos oprimidos, que se efetua na práxis libertadora, onde o
próprio educando se educa. Dussel coloca que o povo sozinho
não pode libertar-se. A libertação é realizada pelo oprimido,
mas por mediação da consciência crítica do mestre, do
condutor, do intelectual orgânico com o povo e no p ovo. Os
dois salientam a necessidade de um educador. É Duss el quem
reconhece isto:
Freire então reconhece que é a vítima quem toma con sciência crítica. O educador lhe possibilita o descobrimento da sua condição de vítima. Isto é a “consciência” que não chega a vítima “de fora”, mas surge “de dentro” da sua próp ria consciência despertada pelo educador 38.
Na práxis libertadora, os homens assumem o papel de
sujeitos construtores e reconstrutores do mundo e, a partir
daí, criam a sua existência com o material que a vi da lhes
vai oferecendo. E aqui Dussel se refere novamente a Freire:
“A ‘práxis de libertação’, para Freire, não é um at o final,
mas o ato constante que relaciona os sujeitos entre si em
37 Ibidem , p.21. 38 Enrique DUSSEL, Ética da Libertação – Na idade da globalização e da
Exclusão,p. 439.
comunidade transformadora da realidade que produz o s
oprimidos” 39.
Dussel, ao falar de libertação, busca subsídios em
Michel Foucault, na análise dentro do horizonte de
factibilidade crítico-prática de subsistemas ou de
“instituições” históricas 40:
Aparece, pois, a possibilidade da exploração e da d ominação. Abarcar e concentrar os meios materiais de vida é d estruir as possibilidades de vida do outro, já que o que se co ncentra e se tira não são simples riquezas, mas meios de vida (...). A dominação torna possível a exploração e esta dá mat erialidade à dominação (...). Nenhuma dominação pode ser defin itiva sem o manejo da distribuição dos meios materiais da vid a41.
Para Dussel a libertação dá-se na ação transformado ra,
ou na auto-emancipação do proletariado, como dizia Marx,
tendo claro que a libertação dos operários será fru to da
auto-libertação dos próprios operários. Será um lon go caminho
para ir definindo na própria caminhada, uma estraté gia que
não se perca no emaranhado de posições ambíguas 42.
A práxis é reduzir distância. É um agir para com o outro
como o próprio outro procederia, é uma ação que se dirige à
proximidade. A proxemia é um dirigir-se às coisas. É um
compreender no ser, e abraçar no amor a realidade d esejante
de alguém 43.
39 Essa relação entre Dussel-Freire é explorada, entr e outros autores, por
José Pedro BOUFLEUER, Pedagogia Latino-Americana : Freire e Dussel. 40 Enrique DUSSEL, Ética da Libertação, p. 504. 41 Enrique DUSSEL, Ética da Libertação, p. 505. 42 Enrique DUSSEL, Ética da Libertação, p. 510. 43 Enrique DUSSEL , Filosofia da Libertação, p. 23.
Como já se disse antes, a libertação do oprimido é
realizada pelo oprimido, mas por mediação da consci ência
crítica do mestre. Sem uma ação coordenada e compar tilhada, o
povo não pode libertar-se, porque o sistema já intr ojetou
nele a cultura de massa. Dussel coloca aqui a ajuda do mestre
que, junto com grupos críticos, das comunidades ou partidos
críticos, ajudará a fazer a libertação 44. No entanto, o autor
deixa claro que o projeto de libertação não é do me stre:
O projeto pedagógico de libertação não é formulado pelos mestres; já está na consciência do povo; é o a prio ri metafísico do processo e ao qual se tende a partir de uma longa luta popular, o próprio projeto da “excelente cultura antiga popular”, diria Mão Tse Tung 45.
O ser humano, antes de ser sujeito, já está aberto ao
mundo, é um ser mundano que pode, como um dos seus modos de
ser, tomar atitude de sujeito diante de um objeto 46. Isso
significa primazia da práxis sobre a reflexão, pois , antes de
pensar, o ser humano já está no mundo. Em segundo l ugar, este
estar nunca é totalizado, ou seja, fechado, pois se mpre há
novas possibilidades: o ser humano “vai-se-sendo”, o ser do
ser humano vai tornando-se à medida que vai vivendo . O ser
humano é o único ente que compreende o ser 47. Mas não é pura
teoria; é posição existencial, que o autor define a ssim:.
(...) Posição existencial é um descobrir possibilid ades próprias do homem: constituir o ser dos entes equiv ale
44 Ibidem , p. 100. 45 Enrique DUSSEL , Filosofia da Libertação, p. 101. 46 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana I : acesso
ao ponto de partida da ética, p. 40. 47 Ibidem , p. 40-41.
compreender estes entes em função das possibilidade s (mundanas) de existência do homem mesmo. Compreende -se o ser das coisas quando estas são integradas e projetadas no interior das nossas próprias possibilidades 48.
O sujeito não produz o ser do sujeito; ao contrário , o
ser se impõe ao sujeito, o ser do sujeito é o a pri ori com o
qual o sujeito deve contar quando se dá conta de qu e já o tem
“a cargo”. O sujeito poderá ser mais do que aquilo que, ao
nascer, recebeu como seu ser, por mediação da práxi s; mas
nunca poderá deixar de ser o que já é, como também não poderá
ser radicalmente outro. Tem seu próprio ser sob a s ua
compreensão, sob sua responsabilidade 49.
O ser sempre está no mundo, agora e aqui. A maneir a
cotidiana como o ser está no mundo foi chamada desd e os
gregos com o nome de práxis. A práxis não é um modo , mas o
modo de estar no mundo. Não de estar primeiramente no mundo
em situação teórica ou contemplativa e depois prati cando ou
chegando à prática. O modo primeiro de estar no mun do é a
práxis e somente a partir dela o homem alcança a at itude
teórica 50. Para Dussel:
(...) Práxis é um “ato” que uma pessoa, um sujeito humano realiza, mas que se dirige diretamente a outra pess oa (um aperto de mão, um beijo, um diálogo, um golpe) ou indiretamente (por intermédio de algo: por exemplo, repartir um pedaço de pão; o pão não é pessoa, mas se repart e para a outra pessoa). (...). A práxis é a maneira atual de estar em nosso mundo frente ao outro; é a presença real de u ma pessoa ante outra (...). A práxis, então, na atualização d a proximidade, da experiência de ser próximo para o p róximo, de
48 Ibidem , p. 46. 49 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana I : Acesso
ao ponto de partida da ética, p. 46-47. 50 Ibidem , p. 42.
construir o outro como pessoa, como fim de minha aç ão e não como meio: respeito infinito 51.
O trabalhador, segundo Dussel, deve ser o trabalhad or
revolucionário da cultura, homem do povo, sem deixa r o povo,
mas com consciência crítica, que vai conduzir o pró prio povo
à sua afirmação cultural 52.
1.3 O ponto de partida do processo de libertação
A dinâmica da libertação privilegia como ponto de
partida o negado pelo sistema, o oprimido, “o outro enquanto
outro”. O Outro que fica para além do ser. A filoso fia da
libertação consiste na explicitação desse além-ser (meta-
físico) que nos vem como o grito do Outro (alterida de). Por
isso será uma “metafísica da alteridade” 53.
Dussel usa o termo “alteridade” para dizer que o “o utro”
tem uma constituição e um estatuto metafísico própr io.
O rosto do homem se revela como outro quando se apr esenta em nosso sistema de instrumentos como exterior, como a lguém, como uma liberdade que interpela, que provoca, que aparece como aquele que resiste à totalização instrumental. Não é algo; é alguém 54.
51 Enrique DUSSEL, Ética comunitária, p. 18-19. 52 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 101. 53 Para Dussel, o termo “metafísica” indica “exterior idade” antropológica
em relação à totalidade. 54 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 47.
Em Dussel a categoria mais importante da filosofia da
libertação deve começar com um discurso filosófico a partir
da periferia, a partir dos oprimidos. Este seria um novo
discurso na história da filosofia mundial. Isso só acontece
quando nos voltamos para a realidade, como exterior idade,
pelo simples fato de ser uma realidade histórica no va. A
filosofia que dela se desprende, é autêntica, por i sso é
nova 55. A lógica da exterioridade ou da alteridade estabe lece
seu discurso a partir do abismo da liberdade do out ro. É
histórica e não meramente cósmica ou físico-vigente . O outro
é alteridade. Além disso: 56
O outro é exterioridade de toda totalidade porque é livre. Liberdade aqui não é somente uma certa possibilidad e de escolher entre diversas mediações que dependem do p rojeto cotidiano. Liberdade agora é a incondicionalidade d o outro com relação ao mundo no qual sempre sou centro. O o utro como outro, isto é, como de seu próprio mundo (embora se ja um dominado ou oprimido), pode dizer o impossível, o i nesperado, o inédito em meu mundo, no sistema 57.
O processo de libertação, para Dussel, tem o seu po nto
de partida no escutar a voz do outro, esse outro qu e exige
respeito e responsabilidade. Este outro que está al ém do
sistema. A práxis da libertação será sempre uma prá xis
poiética, pois implica num trabalho em favor do Out ro, não
somente na relação homem-homem (práxis), mas necess ariamente
inclui a relação homem-natureza (poiesis) 58.
Na filosofia dusseliana da libertação, consciência ética
é a capacidade que se tem de escutar a voz do outro , de estar
55 Ibidem , p. 45. 56 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 48. 57 Ibidem , p. 50-51. 58 Francis IMBERT, A Questão da Ética no Campo Educativo , p. 31-32.
a favor do outro. Somente quem tem consciência étic a pode
escutar o questionamento a partir do critério absol uto: o
outro como outro na justiça. A ética não é um simpl es ramo da
filosofia. É instância primeira para pensar os proj etos e tem
a existência da pessoa humana como referência prime ira 59.
Na teologia de Dussel, a revelação de Deus se manif esta
historicamente na voz do pobre. Quando este nos int erpela
dizendo: “Eu tenho direitos que não são os teus”, é o próprio
Deus que pro-voca a história, é Deus quem a chama-p ara-diante
(voca-pro). O processo de libertação se dá ao escut ar a voz
do povo pobre latino-americano, do oprimido; libert ar é ouvir
hoje e aqui a voz de Deus. O trabalho libertador pa rte da
palavra do pobre. A ação evangelizadora parte de um ouvir a
voz do outro, do pobre 60.
O outro do face-a-face é amado enquanto distinto,
segundo Dussel. O outro é a mediação de Cristo e o bjeto de
amor para que se realize enquanto pessoa 61. Este amor é
prático nos fatos, não somente nas palavras. É amor
eucarístico que se dá no partir do pão, ou seja, no
compartilhar os bens: econômico 62. A relação face-a-face prima
pela necessidade do outro, para que esta possa ser
satisfeita. É aqui que acontece a respeitabilidade do
encontro e também o critério absoluto do juízo fina l: tive
fome (Mt. 25.35ss) 63.
59 Joaquim Parron MARIA, Novos Paradigmas Pedagógicos, p. 24-25. 60 Enrique DUSSEL, Caminhos de libertação latino-americana , p. 74 e 87. 61 Enrique DUSSEL, Ética comunitária , p. 20. 62 Ibidem, p. 22,58. 63 Ibidem, p. 23.
O pensamento pedagógico de Enrique Dussel se insere no
conjunto de sua filosofia ética da libertação latin o-
americana. Não há como compreender a sua proposta d e educação
sem uma referência às principais opções e categoria s de seu
pensamento, entre elas: a proximidade, a totalidade , as
mediações, a alienação, a exterioridade.
Feita essa introdução geral ao pensamento de Enriqu e
Dussel, especialmente enquanto um novo pensar para a
libertação dos povos da América Latina, pode-se pas sar à
análise, no capítulo seguinte, da ética pedagógica da
libertação, que envolve as dimensões que se acaba d e indicar.
CAPÍTULO 2. A ÉTICA PEDAGÓGICA DA LIBERTAÇÃO
A ética pedagógica dusseliana da libertação desenvo lve
um discurso além do mundo da ontologia, do ser, ant erior ao
mundo e a seu horizonte. Há uma aproximação da feno menologia,
que se ocupará do que aparece e como aparece, a par tir do
horizonte do mundo, do sistema, do ser. No decorrer do
discurso também aparece a epifania, que é a revelaç ão do
oprimido, do pobre, do outro, que nunca é pura apar ência, nem
mero fenômeno, conservando sempre uma exterioridade
metafísica. A epifania, para Dussel, é o começo da libertação
real 64.
Uma das categorias trabalhadas por Dussel é a de
proximidade, que ele define como proximia , enquanto ato de
aproximar-se das pessoas na fraternidade, encurtand o a
distância do mesmo para o outro .
2.1 Proximidade
64 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 22.
Num projeto filosófico, antropológico e teológico
libertador, que privilegie o ser, a realidade, as
experiências, as percepções, as relações, as lutas e a
distinção do ser humano latino-americano, a categor ia
proximidade reveste-se de importância fundamental p ara uma
reflexão pedagógica da libertação.
Proximidade é o termo que designa a essência na rel ação
humana. Aproximar-se é surgir além da origem do mun do. É ser
anterior ao significante e ao significado. É ir em busca da
origem do significado-significante, da própria orig em da
significação. É avançar; é um apresentar-se, anteri or a toda
presença; é um significar, significando-se; é avanç ar, como a
origem da semiótica. Aproximar-se é avançar para a origem
originária, para a própria arqueologia do discurso
metafísico, filosófico, mas ainda histórico, políti co 65. Diz o
autor:
O homem não nasce na natureza. Não nasce a partir d os elementos hostis, nem dos astros ou vegetais. Nasce do útero materno e é recebido nos braços da cultura. O homem , por ser um mamífero, nasce em outro e é recebido em seus br aços 66.
A proximidade é uma condição que todo ser humano vi ve
desde o nascimento, pois se nasce não das coisas, m as do
útero da mãe. O mamar é a proximidade primeira, um aproximar
que alimenta e dá carinho, é o começo pessoal, sing ular, de
cada um. Face-a-face o filho-mãe no mamar; sexo-a-s exo o
homem-mulher no amor; ombro-a-ombro os irmãos na as sembléia,
65 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 23. 66 Ibidem , p. 24.
onde se decide o destino da pátria; palavra-ouvido do mestre-
discípulo na aprendizagem do viver 67.
Proximidade é a palavra que exprime a essência do h omem, sua plenitude primeira (arqueológica) e última (escatol ógica), experiência cuja memória mobiliza o homem em suas m ais profundas entranhas e seus projetos mais amplos, ma gnânimos 68.
Na ética pedagógica a proximidade é uma categoria
fundamental, pois é a raiz da práxis e o ponto de p artida de
toda responsabilidade pelo outro. Somente aquele qu e viveu a
proximidade na justiça e na alegria assume sua
responsabilidade pelo pobre, a quem deseja na proxi midade dos
iguais. Na visão de Dussel proximidade é festa dos iguais,
dos livres, dos justos, é a proximidade como segura nça, é o
esquecimento das angústias e o degustar a realidade
merecida 69.
No cotidiano, o relacionar-se humano manifesta-se d e
forma multifacetada e criativa, tanto quando se dir ige às
pessoas (proximidade) como quando se dirige aos out ros
(proexemia). O fundamental é que a práxis sempre se rá um ato
aberto diretamente ao outro ou a serviço do outro; será uma
ação libertadora, expressão, atualidade, afirmação e
manifestação do verdadeiro ser no exercício de sua
alteridade.
Outra categoria de vital importância, para Dussel, é a
totalidade, a qual veremos a seguir. 67 Ibidem , p. 25. 68 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 25. 69 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 25 e 26.
2.2 Totalidade
A categoria totalidade representa a soma das partes do
cotidiano, o mundo em que se vive, seja a família, a escola,
a sociedade. Dussel é enfático a esse respeito:
Mundo é então uma totalidade instrumental, de senti do. Não é uma pura soma exterior de entes, mas é a totalidade dos entes com sentido. Não se trata do cosmos como totalidade de coisas reais; mas é a totalidade de entes com sentido. O m undo, poderíamos dizer, se vai desdobrando lentamente des de o momento de nossa concepção. Não é princípio, como p ensa a ontologia. A proximidade é o primeiro, anterioridad e anterior a todo mundo 70.
Assim, para o autor, todo mundo indica uma totalida de,
um limite de limites. A totalidade corresponde à ra zão
dialética e não ao entendimento ôntico ou à razão a nalítica.
Quando falamos em totalidade, falamos do mundo. O m undo é o
sistema de todos os sistemas que têm o homem como s eu
fundamento. Dizer mundo é enunciar um projeto tempo ralmente
futuro; é igualmente enunciar um passado dentro de uma
espacialidade que, por ser humana, significa ser ce ntro do
mundo, mas tal mundo pode ser periférico de outros mundos71.
A filosofia dusseliana da libertação fixará sua ate nção
no passado do mundo e na espacialidade, para detect ar a
70 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 28. 71 Ibidem , p. 30.
origem, a arqueologia de nossa dependência, debilid ade,
sofrimento, aparente incapacidade, atraso 72. E ainda:
O homem compreende e abarca o mundo como totalidade . Tal totalidade está presente em todo ato humano concret o. Descobrir que esta coisa-sentido é uma mesa, é poss ível porque aquele que descobre pode relacionar ‘isso’ c om todo o resto e interpretar ‘isso’ como mesa. Sem o todo a priori é impossível construir o sentido de algo 73.
O fato de o sujeito ter que se deparar com a realid ade é
compreensão. Compreensão, para Dussel, é o ato pelo qual o
homem não prende algo como todo, mas compreende ou prende
algo com outros até abarcar e constituir o todo do mundo.
Compreender é abarcar e propor ao mundo o horizonte vigente
da interpretação. O ato compreensor é pré-conceitua l, pois é
o fundamento da conceitualização. Também não é ato alógico,
afetivo ou o quer que seja. Compreender é abarcar e propor ao
mundo o horizonte vigente de interpretação 74.
A compreensão é a luz que ilumina e por isso não se pode
ver; é o fim a partir do qual tudo se elege e por i sso não
pode ser eleito; é o fundamento de toda a palavra. Não se
deve guardar silêncio, embora o mesmo só se consiga por
rodeios, indiretamente, formalmente, mas só se pode falar de
uma compreensão passada, aquela que se tornou ente; a dos
gregos, medievais, e não a nossa, a atual 75.
72 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 30-31. 73 Ibidem , p. 33. 74 Ibidem , p. 33. 75 Ibidem , p. 33-34.
A interpretação constitui o sentido. Entre a compre ensão
do mundo como totalidade e a interpretação do senti do, devo
descrever ainda uma compreensão derivada ou interpr etação
fundante:
Conhecer que o material da mesa é madeira não é o m esmo que interpretar a mesa como mesa. A descoberta da reali dade da coisa como momento do mundo é compreensão derivada ou interpretação fundante, primeiro momento do conceit o, mas ainda não interpretação plena 76.
Portanto, a constituição real da coisa não é a sua
manifestação mundana; a coisa é apreendida pela com preensão
derivada ou interpretação fundante. O mundo é compr eendido
constantemente por um processo dialético. A totalid ade do
mundo nunca se fixa, mas se desloca histórica ou
espacialmente. Isso acontece porque o homem incorpo ra
diariamente entes a seu mundo; o horizonte do seu m undo se
desloca para compreendê-los, para abarcá-los. Ao co ntrário
dos animais, o homem passa da infância à velhice, p assa de um
momento ao outro, de uma experiência à outra, de um a
fronteira à outra, pois o seu limite não é colocado pelos
instintos 77.
Por ser distinto dos animais, o homem se constitui nas
relações, necessitando, por isso, de mediações, cat egoria
dusseliana a ser examinada a seguir.
76 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 34. 77 Ibidem , p. 34-35.
2.3 Mediações
A totalidade do mundo como horizonte dentro do qual
vivemos, o sistema, se compõe, põe um junto aos out ros, os
entes, os objetos, as coisas que nos cercam. Tudo i sso são as
possibilidades de nossa existência, são os meios pa ra ir ao
fim que o fundamento do mundo constitui. As mediaçõ es são
aquilo que empunhamos para alcançar o objetivo fina l da ação.
A proximidade é a imediatez do face-a-face com o ou tro;
a totalidade é o conjunto dos entes enquanto tais, enquanto
sistema; as mediações possibilitam aproximar-se da imediatez
e permanecer nela; constituem, em suas partes funci onais, a
totalidade 78.
As relações exigem determinadas mediações. O homem é um
ser em constante de-vir; constrói-se todo um univer so
simbólico que o faz dar sentindo à vida. O homem é livre e ao
mesmo tempo historicamente determinado. A condição não é
absoluta; é relativa, parcial 79. Segundo Dussel:
A mediação é possibilidade para uma liberdade. A co isa é ente porque sendo interpretado em seu sentido e estimado em seu valor é por último eleito e postergado em vista de um projeto. Sem liberdade não há homem, nem ente, nem sentido, porque simplesmente não haveria mundo; somente cosm os, coisas, estímulos, animais 80.
78 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 35. 79 Ibidem , p. 45. 80 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 45.
A liberdade é, assim, possível, porque nenhuma medi ação
realiza totalmente o projeto humano. O sujeito se r ealiza por
determinações eletivas. Por determinação após deter minação, o
sujeito vai construindo sua própria biografia, sua história.
2.4 Exterioridade
Como vimos anteriormente no ponto 1.1, a categoria
exterioridade encontrada em Dussel é assumida de Em manuel
Levinas. Na filosofia da educação que busca uma prá xis
pedagógica da libertação, a exterioridade torna-se uma
categoria de extrema importância, pois é um liberta r
propriamente dito, é um novo paradigma, que passa d a
interioridade do sistema, da totalidade fechada, pa ra a
marginalidade do mesmo, afirmando neste processo o que está
exterior à ordem estabelecida. Nas palavras de Levi nas:
O ser é exterioridade. Esta fórmula não equivale ap enas a denunciar as ilusões do subjetivo e a pretender que só as formas objetivas, opostas às areias em que se enter ra e se perde o pensamento arbitrário, merecem o nome de se r. Uma tal concepção demoliria no fim de contas a exterioridad e, dado que a própria subjetividade se diluiria na exterior idade, revelando-se como um momento de um jogo panorâmico. Exterioridade já nada significaria então, pois engl obaria a própria interioridade que justifica essa denominaçã o81.
A prática a partir da exterioridade, como uma const rução
metafísica, leva em consideração o outro, não se fe cha em si
mesmo. Desdobra-se solidariamente em um processo al ternativo,
construindo o respeito pela alteridade. Alteridade ou
exterioridade converter-se-ia em mesmo; e para além da
81 Emmanuel LEVINAS, Totalidade e infinito, p. 270.
relação entre o interior e o exterior, haveria luga r para a
percepção dessa relação em um aspecto lateral que a brangeria
e compreenderia verdadeiramente o seu ser, a totali dade do
outro 82.
Em Dussel, o ser que está fora da totalidade, o não -ser,
o bárbaro, o descartável, porta em si toda a dignid ade, um
mistério. Enquanto outro incondicionado, exterior, o outro
como outro consiste em um não-ser 83. O autor inspira-se, aqui,
na afirmação de Levinas, para quem a verdadeira ess ência do
homem apresenta-se no seu rosto 84. Diz Dussel:
O rosto do homem se revela como outro quando se apr esenta em nosso sistema de instrumentos como exterior, como a lguém, como uma liberdade que interpela, que provoca, que aparece como aquele que resiste à totalização instrumental. Não é algo; é alguém 85.
Nesta práxis, o rosto revela a dimensão inesgotável do
ser, e este assume contornos importantes na constru ção de uma
ética, desenvolvendo um movimento dialético para a epifania
de uma nova organização social e pedagógica. É o sa ber pensar
o mundo desde a exterioridade do ente que dá lugar à novidade
ôntica, ao remontar à origem do mundo, ao fundament o do ser,
não permitindo que o ser seja reduzido a objeto, ma s levando-
o a ser sujeito de uma nova história 86.
82 Emmanuel LEVINAS, Totalidade e infinito, p. 270. 83 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 51. 84 Emmanuel LEVINAS, Totalidade e infinito, p. 270. 85 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 47. 86 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 47.
2.5 Alienação 87
O discurso da filosofia da libertação aborda um nov o
ponto de vista para a educação, em uma práxis de li bertação:
o outro, a alteridade metafísica, o aluno, marginal izado pelo
processo educacional excludente, repetente, que exi ge em
nível ético uma nova postura, uma nova maneira na p rática
pedagógica.
A totalidade fechada em si mesma, ou a filosofia da
dominação, tende a totalizar-se, a autocentrar-se, a
pretender uma ontologia onde o dominador aliena o o utro,
exercendo uma dominação que o aniquila, que o consi dera como
o não-ser. A alienação não aceita a articulação com o
distinto, impondo que o distinto seja o mesmo, aniq uilando o
outro que se revela como sempre outro 88. O outro é distinto, e
não apenas diferente. Como a distinção é alteridade que nega
a unidimensionalidade do sistema, seu bem está, seg undo
Dussel, na incorporação do ser um entre os outros:
Aquele que se opõe ao achatamento é diferente; é o outro. Como outro que não o sistema, está além do ser; com o o ser é e o não-ser não é, o tal não é. Fala-se, provoca-se , irrompe-se, é a irrupção ou a palavra expressão do não-ser. Dizer o não-ser é o falso. Antes que o outro continue sua t arefa de
87 “Alienação deriva do latim alienus (o que é do out ro; estrangeiro;
afastado; remoto, fora de; inimigo, contrário). Nes te sentido o termo compreende de alguma forma o duplo termo alemão Enf remdung (de Fremde: estrangeiro; e significaria ‘estrangeirização’) e a usserung (de ausser: fora de, exceto; e seria então ‘exteriorização’, ‘p or fora de si’, mais estritamente desapropriação, renúncia, venda).” Cf. Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana - Eticidade e Moralidade, p. 49.
88 Ibidem , p. 48.
falsificação, de desmoralização do sistema, o herói se lança sobre o inimigo, o outro, e o aniquila, o mata, o a ssassina 89.
Por meio da propaganda pelos meios de comunicação, pelo
cinema, pela mídia em geral, o projeto do sistema i mpõe-se a
todos, univocadamente. Quem resiste a esta dominaçã o é
encarcerado, morto, torturado, expulso, etc. Assim, permanece
a dialética do senhor e do escravo.
A conquista da América Latina, a escravidão da Áfri ca e sua colonização da mesma forma que a da Ásia, é a expan são dialética-dominadora do ‘mesmo’, que assassina ‘o o utro’ e o totaliza no ‘mesmo’. Esse processo dialético-ontoló gico tão enorme na história humana simplesmente passou desap ercebido à ideologia das ideologias (mais ainda quando pretend e ser a crítica das ideologias): a filosofia moderna e cont emporânea européia 90.
Os povos latino-americanos foram considerados não-s er:
não têm história, não têm cultura, sua exterioridad e não foi
respeitada, não se lhes permitiu serem outros. Fora m
incorporados ao estranho, à totalidade alheia. Tota lizar a
exterioridade, sistematizar a alteridade, negar o o utro como
outro é a alienação 91. Sobre isso Dussel destaca:
Alienar é vender alguém ou algo; é fazê-lo passar a outro possuidor ou proprietário. A alienação de um povo o u indivíduo singular é fazer-lhe perder seu ser ao in corporá-lo como momento, aspecto ou instrumento do ser de outr o92.
89 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 57. 90 Ibidem , p. 58. 91 Ibidem , p. 58. 92 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 58.
Os mecanismos ideológicos da pedagogia imperial são
altamente operativos porque se confundem com a “nat ureza” das
coisas. A mensagem desta cultura é tautológica. O o uvinte é
bombardeado pelo texto, pela imagem, por um mesmo s entido de
todos os entes; se torna óbvio que o serviço da coi sa é
assim. A não-criticidade do sujeito se impõe como o modo
cotidiano de estar no mundo 93.
Ser distinto é tornar-se alvo de perseguição, porqu anto
se é visto como perigo para o sistema social. Os có digos
sociais devem ser os mesmos, desde o emissor ao rec eptor. A
totalidade lingüístico-ideológica “funciona” como i nstrumento
da pedagogia que se exerce sobre o povo pela cultur a
imperante para constituí-lo em massa manejável e po rtador da
cultura de massa 94. As normas culturais são introjetadas pela
educação, o que, para Dussel, é uma forma de aliena ção:
Chamar-se-á “cultura” ou educação (e para isso se e stabelece essencialmente o “sistema de escolaridade”) a aptid ão para poder receber e manejar adequadamente os canais (te levisão, rádio, jornais, etc.) e os códigos (alfabeto, lingu agem, gestos, etc), através dos quais e em estruturas fix as (tais como o “esquema” de uma história para crianças) se lhe introjetará uma informação dominadora, alienante 95.
Este conceito de alienação está intimamente ligado ao
conceito, também dusseliano, de pedagogia da domina ção.
93 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-america - Erótica e
Pedagógica, p. 220. 94 Ibidem , p. 220. 95 Ibidem , p. 220-221.
3.1 O projeto pedagógico da dominação.
Na pedagogia da dominação, a educação do povo será para
transformá-lo em massa, transformá-lo em “coisa”, f ácil de
ser manejada. É a afirmação prática da totalidade e de seu
projeto; é a realização ôntica do ser, sua realizaç ão
alienante. O senhor exerce seu poder atual sobre o servo, por
meio do agir opressor. O tradicionalismo é mera rep etição do
“Mesmo”, é morte em vida 96.
Segundo Dussel, o projeto pedagógico da dominação n ão
pode ser nem conceitualizado, pensado, nem dito, po rque é
pré-conceitual. Novamente o autor aproxima-se do pe nsamento
de Paulo Freire, do seu conceito de “educação bancá ria” 97, não
crítica. Para Dussel, a ciência tecnológica dos paí ses
dominados não pode ser senão dependente do centro. Na
perspectiva do centro, o espírito crítico é essenci almente
caótico, subversivo e imoral, eliminando-se, por is so, as
ciências humanas e dando-se todo o incremento às ci ências
exatas, naturais e tecnológicas, mas não se esquece ndo do
espírito “cientificista” ingênuo e acrítico 98.
Essa dominação, segundo Dussel, está implícita em
projetos pedagógicos que mascaram o aspecto ideológ ico. O
autor exemplifica:
96 Ibidem , p. 222. Ver também Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação , p.
60. 97“O educador faz depósitos de conteúdos que devem se r arquivados pelos
educandos”. Cf. Enrique DUSSEL, Ética da Libertação - Na idade da globalização e da exclusão, p. 439.
98 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana - Erótica e Pedagógica, p. 223.
Na América Latina enunciam-se projetos pedagógicos nas leis educativas ou nos planos de escolaridade. Estes pro jetos político-pedagógicos indicam as opções globais que os Estados se comprometem a realizar. Por sua parte, esses pro jetos são implementados como modelos que nunca podem deixar de ser ideológicos, isto é, que esclarecendo uma certa tot alidade interpretativa ocultam a futura, aquela que abrirá caminho depois 99.
Neste tipo de projeto, a nação neocolonial não pode
senão imitar, introjetar-se e viver de pés juntos a cultura
imperial como cultura de massas alienadas, sob o co ntrole da
cultura gerencial. Na América Latina observa-se uma acelerada
“americanização“ da vida diária. Esta presença coti diana da
cultura imperial significará o aniquilamento do lat ino-
americano como expressão cultural, a não ser que se crie um
novo projeto pedagógico, o de libertação 100 .
O trabalho do professor será alienado quando seu se ntido
não corresponder ao significado dado pelo conteúdo efetivo,
isto é, quando o sentido pessoal do trabalho se sep arar de
sua significação. Se o sentido do trabalho docente atribuído
pelo professor que o realiza for apenas o de garant ir sua
sobrevivência, trabalhando só pelo salário e sem te r
consciência de sua participação na produção das obj etivações
na perspectiva da genericidade, haverá a cisão com o
significado fixado socialmente. Esse significado é entendido
como função mediadora entre o aluno e os instrument os
culturais que serão apropriados, visando ampliar e
sistematizar a compreensão da realidade e possibili tar
objetivações em esferas não cotidianas. Quando isso acontece,
99 Ibidem , p. 223. 100 Ibidem , p. 223-224.
o trabalho alienado do docente pode descaracterizar a prática
educativa escolar 101 .
Para Dussel, no âmbito da pedagogia é preciso uma
releitura dos fundamentos e condicionamentos da fil osofia
educativa e das práticas pedagógicas que, ao longo da
história, muitas vezes legitimaram a dominação cult ural
imposta aos povos latino-americanos 102 .
Na perspectiva dusseliana, o método e a argumentaçã o
dialética partem da cotidianidade do mundo históric o e
concreto e da experiência real vivenciada pelo ser humano.
Esta compreensão da realidade quotidiana feita atra vés da
dialética acontece de forma crítico-interrogativa, abrindo,
assim, caminho para descobrir o oculto e negar o af irmado com
pretensão de totalidade 103 .
Passo a guiar-me, aqui, pela crítica ético-filosófi ca de
Dussel dirigida ao processo de dominação pedagógica
experimentada pelos latino-americanos através de mo delos
importados do pensar e praticar educação, modelos e stes que
vêm desde os condicionamentos pedagógicos da filoso fia grega
até os condicionamentos contemporâneos da pedagogia moderna.
Na seqüência apresento a crítica dusseliana e de al guns
outros autores a esta pedagogia da dominação, com o objetivo
101 Itacy Salgado BASSO, Significado e sentido do trabalho docente, p. 27. 102 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana –
Erótica e Pedagógica, p. 220-221. 103 Ibidem , p. 224-225.
de entender como o professor foi relegado a – e ele mesmo foi
se conformando com - um papel secundário na socieda de.
Na ética da totalidade, segundo Dussel, o filho não é
nenhuma novidade, mas simplesmente repetição ou pro longamento
de “o mesmo”, pois os pais geram o mesmo que eles s ão. O
filho é educado para perpetuar a espécie, a cultura , os
costumes, os padrões morais, a ideologia, a religiã o, enfim,
assimilando e reproduzindo o que já foi desde sempr e104 .
A aplicação deste paradigma no âmbito da formação d e
disciplina é, por excelência, reprodutora da ética pedagógica
dos filósofos gregos, conhecida como “maiêutica”, e m
Sócrates 105 , ou como “reminiscência”, em Platão 106 . Cada um
destes filósofos, desenvolveu com características p róprias um
método de aprendizagem, no qual, através de uma sér ie de
perguntas, induzia-se o discípulo a recordar e repe tir os
conceitos e idéias divinizadas pela cultura grega n a retórica
de seus grandes filósofos.
A escola filosófica “maiêutica” considerava como um
jovem sábio, bom e virtuoso, aquele que melhor repr oduzisse
as idéias do que já fora desde sempre. Na atitude d a
submissão aos pais, ao mestre, às autoridades const ituídas e
à cultura grega, evidenciava-se a possibilidade do jovem ou
discípulo chegar a ser e a saber de fato.
104 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana –
Erótica e Pedagógica, p. 230-234. 105 Os Pensadores – Sócrates. Cf. também Nicola ABBAGNAMO. História da
Filosofia, p. 102. 106 Os Pensadores – Platão. Cf. também Nicola ABBAGNAMO. História da
Filosofia, p. 147.
Comparando com a construção da imagem e identidade do
professor, construída e reforçada pelo sistema, per cebo o
quanto o método Socrático foi significativo na cons trução
dessa pedagogia. Arroyo destaca bem como este siste ma
pedagógico foi fundado e legitimado:
O oficio de mestre faz parte de um imaginário onde se cruzam traços sociais afetivos, religiosos, culturais, ain da que secularizados. A identidade de trabalhadores e de profissionais não consegue apagar esses traços de u ma imagem social, construída historicamente. Onde todos esses fios se entrecruzam. Tudo isso sou. Resultei de tudo 107 .
Na América Latina, ao longo de sua formação históri co-
social, predominam os projetos pedagógicos de domin ação e
manipulação cultural, os quais subjugam sistemas pe dagógicos
fundamentais e estratégicos. Para Dussel, o esqueci mento do
Outro faz parte desse projeto 108 .
Na medida que conhecermos a história, seus sistemas
pedagógicos, a cultura do povo, suas tradições, seu s
condicionamentos, estaremos compreendendo a realida de e
percebendo que, no decorrer das experiências cotidi anas, os
seres humanos vão criando e fixando modos de agir, pensar,
falar, escrever e sentir, que se modificam com o
desenvolvimento das suas relações 109 .
107 Miguel ARROYO, Ofício de Mestre , p. 33. 108 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana –
Erótica e Pedagógica, p. 223. 109 Enrique DUSSEL, Ética da Libertação, p. 441.
Ao ingressar na docência, os professores geralmente
conhecem a realidade e o significado do seu trabalh o - do que
seja ser professor. Isso decorre das suas experiênc ias
culturais, que possibilitam a construção do imaginá rio sobre
as coisas do mundo. A análise do trabalho docente p ressupõe o
exame das condições subjetivas do professor, de sua formação,
bem como das condições efetivas de seu trabalho, qu e englobam
desde a organização da prática, a participação no
planejamento escolar, a preparação de aulas etc., a té a sua
remuneração 110 .
As condições subjetivas são próprias do trabalho hu mano.
O ser humano, ao planificar sua ação, age conscient emente,
mantendo uma autonomia maior ou menor, dependendo d o grau de
objetivação do processo de trabalho em que está env olvido. O
processo do trabalho fabril é altamente objetivado, não
havendo nele espaço para a autonomia na execução de tarefas.
Na docência, ao contrário, o processo de trabalho n ão se
objetiva na mesma proporção, sempre existindo uma m argem de
autonomia, pois a presença de professor e alunos pe rmite uma
avaliação e um planejamento em constante mudança. E m relação
a essa objetivação, Basso enfatiza que diversos aut ores 111 , ao
discutirem a tese da “proletarização” do trabalho d o
professor, baseiam sua argumentação na transferênci a direta
do processo de trabalho fabril para o processo de t rabalho
escolar 112 .
110 Itacy S. BASSO, Significado e sentido do trabalho docente , p. 21. 111 ENGUITA (1991); APPLE (1987); PUCCI, OLIVEIRA, SQU ISSARDI (1991). Cf.
Itacy S. BASSO, ibidem , p. 21. 112 Ibidem , p. 21.
Segundo Basso, tais autores concordam que há difere nças
entre, por exemplo, o processo de desqualificação d o operário
e o do professor e que esse processo pode não ocorr er na
mesma intensidade, mas não chegam a aprofundar as q uestões da
lógica da racionalização do capital, da criação do valor, da
geração da mais valia, que é a base do processo de trabalho
fabril. Para o autor, quem descreve muito bem este processo é
Marx, quando diz que, no trabalho fabril, há uma ob jetivação
cada vez maior do processo de trabalho, deixando, e m
contrapartida, menor margem de autonomia ao trabalh ador,
garantindo com isso a produção de mais valor ou de produtos
que geram maior lucro 113.
É possível que não esteja tão saliente esta
“racionalização” no ensino, até porque este não tem como
finalidade direta a criação do valor. Não podemos, no
entanto, ser ingênuos a ponto de achar que não houv e essa
interferência na autonomia do docente. Chamo a aten ção,
também, para o processo de pauperização a que
progressivamente foi submetido o professorado,
principalmente, nas últimas décadas.
Paiva, após uma minunciosa pesquisa, traz dados
alarmantes. Constatou que as perdas que afetaram o
professorado foram brutais e que desistimularam a p ermanência
na carreira. A autora ressalta também que o salário do
docente foi atingido pelas medidas que o pauperizar am:
Os professores se tornam, por muitas vezes, alvo da ironia dos alunos – para os quais a utilização da merenda escolar
113 Itacy S. BASSO, Significado e sentido do trabalho docente , p. 21-22.
tornou-se realmente um ponto de diferenciação entre quem é e quem não é realmente pobre – ao afirmarem que os pr ofessores “são viciados naquela comida”. Nos deparamos também não apenas com uma profunda corrosão dos padrões discip linares, mas com um clima de grande infelicidade entre os do centes, muitos dos quais afirmam ter de tomar tranqüilizant es para enfrentar o dia-a-dia da profissão e ter forças e l utar para não serem completamente expelidos das camadas média s114 .
A autora vê com certa ironia e desalento a
descontinuidade pedagógica, que se manifesta no fat o de cada
governo querer fazer sua reforma, seja por motivos políticos
ou técnico-políticos ligados a convicções teóricas dos novos
dirigentes. Não há uma política séria em educação, ficando os
projetos pedagógicos à mercê dos governantes de pla ntão. A
progressiva perda da autoridade do professor, a des ordem
administrativa, a deteriorização das condições físi cas das
escolas por falta de verbas, tudo isto foi gerando forte
mudança na disposição e no ethos do professor 115 .
Nesta perspectiva, os significados atribuídos ao
professor não são fixos, naturais, nem lógicos. Con stituem-
se, antes, em categorias inventadas no interior de uma “ordem
do discurso” que se estabeleceu arbitrariamente seg undo um
regime ligado ao sistema de poder, a certo tipo de
racionalidade 116 . É o que destaca Maldaner:
É da formação cultural das pessoas a idéia do que s eja um professor, sua forma de agir e de relacionar-se num processo intencional de ensinar algo a alguém. Dizemos, entã o, que o conceito ou idéia de professor, do profissional pro fessor,
114 Edil PAIVA, Prioridade ao Ensino Básico e Pauperização Docente , p.
116. 115 Edil PAIVA, Prioridade ao Ensino Básico e Pauperização Docente, p.
117-118. 116 Edil PAIVA, Pesquisando a formação de professores: mapeando algum modo
de ser , p. 17.
está profundamente enraizada na vivência cultural d e cada pessoa, mas ao mesmo tempo dizemos que esse é um co nceito do cotidiano, portanto, um conceito que está distante do que se espera de um profissional encarregado da inserção c ultural de cada indivíduo na sociedade contemporânea. Na forma ção específica para o magistério este conceito não está conseguindo alcançar novos níveis 117 .
Constata-se que, nesta ordem dos discursos dos
professores e da sociedade, há todo um legado da pr áxis da
dominação, porque há uma imposição do grupo dominan te através
da imposição de modelos pedagógicos, de determinada s leis e
planos de escolaridade, que são, por sua vez, revel adores
precisos da opção política global do Estado. Isto p orque a
cultura imperial, a ilustrada, e a de massa são mom entos
internos da totalidade pedagógica dominante 118 .
Por isso, para a superação de uma pedagógica de
dominação, é de extrema importância a criação de um a
pedagógica de libertação. Um resgate cultura que pr omova a
libertação e que leve em consideração a dignidade d e um povo
e permita a afirmação de identidade como Outro.
No caso latino-americano, de cultura dominada,
“periférica”, Dussel sustenta que se deve levar em conta que
tudo isso acontece dentro da padronização da cultur a imperial
imposta como medida de valor para toda e qualquer p rodução
cultural. É a alienação política e econômica 119 . Feito o
117 Otávio A. MALDANER, A formação inicial e continuada de professores de
química: professor/pesquisador , p. 43. 118 “Na América Latina os diversos projetos políticos formulam igualmente
modelos pedagógicos adequados aos seus fins”. Cf. E nrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana – Erótica e Pedagógica, p. 229.
119 Ibidem , p. 221.
resgate cultural, é imprescindível apontar caminhos para a
de-struição e a superação desta pedagógica, o que t ento
delinear no ponto seguinte.
3.2 A de-struição da pedagógica da dominação
Segundo Dussel, a de-struição por si só não basta; é
necessário construir um novo sistema - a pedagógica da
libertação. Este projeto desenvolve as forças criat ivas da
criança, da juventude, do povo. Neste projeto o pro fessor é
um libertador. Pois ele é um criador. Por isso é me stre. Esta
criatividade aparece na sua arte, música, linguagem ,
tradições de acontecimentos, símbolos religiosos e políticos.
A práxis de libertação pedagógica funda-se no postu lado
dusseliano de que nunca posso eu mesmo pronunciar a palavra
reveladora do outro. Ela deve partir dele 120 .
As qualidades que o educando deve desenvolver, numa
pedagógica da libertação vão ser de autonomia. O ed ucando
será não mais objeto, mas sujeito da história.
Dussel chama atenção para o fato de a cultura neo-
colonial dominada ter entre os seus membros muitos que
aplaudem os mecanismos pedagógicos do império, que hoje não
ensina só nas escolas, mas está onipresente, em tod os os
meios de comunicação 121 .
120 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana –
Erótica e Pedagógica, p. 236. 121 Ibidem , p. 234.
Na pedagogia da dominação o saber está no professor , em
um professor ideologizado, que não ajuda o educando a pensar
e decidir por si de acordo com uma tábua de valores
humanizantes. Por isso ele fica desprovido de meios de
compreensão e de análise para avaliar os mecanismos das
estruturas e das ideologias dominantes 122 .
Infelizmente, constata-se um profissional
desqualificado, esmagado, diminuído e acomodado, co nvertido
em espectador, dirigido pelo poder dos mitos que fo rças
sociais poderosas criam para ele. Um profissional q ue apenas
se dá conta que os tempos mudam, mas que não perceb e a
significação da mudança. Um sujeito alienado.
A busca do profissionalismo, o compromisso com o
conhecimento historicamente acumulado e com a escol arização
das camadas excluídas, a imprescindível reflexão e
questionamento das práticas pedagógicas, são passos
necessários para este novo “ser” e este novo “fazer ”
pedagógicos. É o repensar (a si e seu trabalho), o repensar
em processo, o repensar em contexto.
A pedagógica libertadora de Dussel tem consciência de
que as relações do homem com o mundo estão impregna das de um
sentido conseqüente. Este sentido provém da consciê ncia da
historicidade e consiste na possibilidade de uma aç ão
interferidora no mundo. O homem, diferentemente do animal,
não permanece diante da realidade como um ser passi vo. Ele a
modifica. Nesta perspectiva, Dussel se aproxima de Freire,
122 Ibidem , p. 217-220.
contextualizando o professor em sua trajetória, poi s o mesmo
vai construindo e reconstruindo seu modo de ser pro fessor e
de se perceber como tal 123 . Tal constituição está em aberto,
inacabada, e se faz envolvendo processos desiguais
realizados pelos professores em seus respectivos
espaços/tempos 124 .
Nas relações com o mundo, o homem se integra no seu
contexto. A realidade condiciona e desafia o homem. Este
responde criativamente, transformando-a. Por causa dessa
dialética entre os condicionamentos e sua criativid ade, o
homem, em suas relações com o mundo, se manifesta c omo ser
de História e de Cultura.
No sentido foucaultiano, poderíamos dizer que a
formação é um processo de construção de si, no qual linhas
de forças diversas se entrecruzam e no qual os disc ursos
científico-educacionais, produzidos e veiculados no meio
acadêmico, têm importância. No entanto, outros, mui tas vezes
desqualificados no meio científico, também oferecem
referências implicadas no processo de constituição da
identidade profissional do professor, de sua
professoralidade 125 . Paiva salienta as colocações de Foucault
quando diz:
123 Paulo FREIRE, Educação como prática da liberdade, p. 41. Ver também
Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana – Erótica e Pedagógica, p. 246.
124 Edil PAIVA, Pesquisando a formação de professores : mapeando alguns modos de ser , p. 40-42.
125 Edil PAIVA, Pesquisando a formação de professores: mapeando alguns modos de ser, p. 42.
A vida de cada um depende da ação criadora que se e mpreende sobre si mesmo, assim, não basta afirmar que o suje ito professor é constituído num sistema simbólico, pois ele também se constitui em práticas verdadeiras, prátic as historicamente analisáveis, entre as quais as práti cas educacionais cotidianas 126 .
Constituído de história, com conotações de pluralid ade,
de transcendência, de criticidade, de conseqüência e de
temporalidade, este homem é um ser de relações (pes soais,
impessoais, corpóreas e incorpóreas), e não só de c ontatos;
um ser que não apenas está no mundo, mas com o mund o. Para o
homem, o mundo é uma realidade objetiva, independen te dele,
possível de ser conhecida. Estar com o mundo result a de sua
abertura à realidade, que faz o homem ser o ente de relações
que é 127 . E o autor esclarece:
Há uma pluralidade nas relações do homem com o mund o, na medida em que responde à ampla variedade dos seus d esafios. Em que não se esgota num tipo padronizado de respos ta. A sua pluralidade não é só em face dos diferentes desafio s que partem do seu contexto, mas em face de um mesmo des afio. No jogo constante de suas respostas, altera-se no próp rio ato de responder. Organiza-se. Escolhe a melhor resposta. Trata-se. Age. Faz tudo isso com a certeza de quem usa uma fe rramenta, com a consciência de quem está diante de algo que o desafia 128 .
Contata-se que não há como pensarmos uma identidade
individual que se situe fora de uma relação social/ cultural,
pois o atribuir ou assumir identidade dá-se sempre no
confronto com outros indivíduos, em relação aos qua is
mantemos diferenças. Alfredo Veiga-Neto prefere fal ar em
processos identitários, e não simplesmente em ident idade:
126 Ibidem , p. 42-43. 127 Paulo FREIRE, Educação como prática da liberdade, p. 39. 128 Ibidem , p.40.
Em primeiro lugar, evita-se de dar a entender que s e está tratando de uma suposta “identidade em si”, ou seja , evita-se cair na substituição e reificação da identidade. Em segundo lugar, a expressão processo identitário marca um de slocamento no sentido de entender que aquilo que mais interess a são os processos que operam nas marcações e demarcações (s empre transientes) das identidades que são atribuídas a n ós, ou que nos atravessam, ou que nós assumimos, ou nas quais nós nos colocamos etc 129 .
Visto que o homem é naturalmente feito para a socie dade
política, como disse Aristóteles 130 , herdando a experiência
acumulada, criando e recriando, integrando-se às co ndições de
seu contexto, respondendo a seus desafios, discerni ndo,
transcendendo, ele se lança a um novo fazer e pensa r, busca
novos caminhos e novos desafios.
A mudança do cenário global exige uma mudança de
estratégia. Tem-se consciência de que a libertação é mais
profunda do que só a mudança do modelo econômico ou das
estruturas de opressão e exclusão. Trata-se de desp ertar as
pessoas para assumirem seu papel de cidadãs:
Negando o introjetado, de-struindo-o assuntivamente , é que o sujeito con-strutor realiza sua tarefa criadora. As sim começa a revolução cultural num momento privilegiado que é o da cultura revolucionária . É um momento de euforia, de profunda alegria expressiva 131 .
129 Neto Alfredo VEIGA-NETO, De Geometrias, Currículo e Diferenças, p.
178. 130 Aristóteles, Tratado da Política , p. 8. 131 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana –
Erótica e Pedagógica, p. 247.
Analisando os conceitos, as construções, os fazeres dos
professores expostos nos pontos acima, percebo uma certa
marginalização ou até uma prostituição deste profis sional.
Penso que os conceitos de Dussel podem iluminar e g uiar o
trabalho de (re)construir um paradigma de (re)desco berta e
(re)elaboração de uma proposta pedagógica que leve o educando
a encontrar-se e a traçar o seu próprio projeto de vida, em
consonância com sua natureza de ser humano, que é p essoa, que
é Outro, que é alteridade, que é próximo, que é irm ão
tornando-se um mestre.
A proposta pedagógica libertadora dusseliana tem co mo
ponto de partida o compromisso ético e pedagógico d e ouvir a
voz do Outro; de buscar a construção de novos mestr es, de
novos serviços para o homem oprimido, desmistifican do a
pedagógica da dominação e indicando um caminho libe rtador,
enfim uma de-struição 132 , para que o educador assuma sua
identidade, seja porta-voz da coletividade, assuma seu
compromisso comunitário do estar face-a-face com o Outro,
resgate sua responsabilidade pessoal e comunitária. É o que
veremos no próximo capítulo.
132 A de-struição da pedagógica da dominação proposta por Dussel não é
senão a atitude pela qual se reconquistam o sentido , a historicidade, o desmonte, e então fazer uma reflexão crítica sobre a pedagógica. Cf. Luiz MEIRELLES, De-struição da história da ética : sentido e método, p. 1-5.
CAPITULO 4. ENRIQUE DUSSEL: O PROFESSOR À LUZ DO
CONCEITO DE MESTRE EM UMA PRÁXIS PEDAGÓGICA LIBERTADORA
Alguém está me escutando e não o sabem, mas aqueles a quem canto e que o sabem,
continuam nascendo e encherão o mundo. (Pablo Neruda)
A partir de conceitos da Pedagogia da Libertação d e
Enrique Dussel expressamos neste capítulo o seu ent endimento
do que é ser mestre, numa práxis ana-lética, e a su a tarefa
como pro-jeto da libertação.
4.1 O mestre libertador na pedagógica de Enrique Du ssel
Mestre, para Dussel, é o intelectual que se põe a
serviço do povo explorado; que sabe adiantar-se com o
exterioridade interpelante, confiante em seu direit o de poder
ouvir o outro, apesar dos direitos assinalados pelo
sistema 133 ; que entende que “saber ouvir o discípulo é poder
ser mestre; é saber inclinar-se diante do novo ; é ter o
próprio tema do discurso pedagógico” 134 . O mestre autêntico
primeiro ouvirá a palavra objetante, provocante,
interpelante, e até insolente daquele que quer ser Outro.
Segundo o autor, somente o que escuta com paciência , no amor-
de-justiça, é a esperança do Outro como libertado, na fé de
sua palavra. Somente este poderá ser mestre 135 :
O mestre, desde as amautas dos incas até os tlamati nes dos aztecas na América Latina, se inclina com sagrada v eneração para o novo, o fraco. É por isso que os primeiros s ábios eram ao mesmo tempo observadores da natureza, inventores das artes e das ciências, médicos e arquitetos, advogados que eram tratados injustamente. Nas primeiras cidades neolít icas, todas as profissões eram exercidas pelo sacerdote o u pelo sábio. A pedagógica não é somente a relação mestre- discípulo como hoje a entendemos 136 .
O verdadeiro mestre ouve a voz do jovem, aparece c omo
Outro. O pai-Estado é mestre autêntico quando, como Outro da
mãe-filho, cultura popular-juventude-povo, vem prop or o novo,
o que falta.
O sistema filosófico de Dussel está embasado na rel ação
face-a-face, apoiando-se na filosofia de Levinas qu e diz:
...na relação com o rosto – na relação ética – deli neia-se a retidão de uma orientação ou sentido. A consciênci a dos filósofos é essencialmente reflexionante. Ou, pelo menos, a consciência é percebida pelos filósofos em seu inst ante de
133 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana –
Erótica e Pedagógica, p. 193. 134 Ibidem , p. 193. 135 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana -
Erótica e Pedagógica, p. 193. 136 Ibidem , p. 193.
retorno, que é tomado pelo seu próprio nascimento. Pois, já em seus movimentos espontâneos e pré-reflexivos ela olha de soslaio, segundo eles, para sua origem e mede o cam inho percorrido. É ali que residiria sua essência inicia l: crítica, controle de si, análise e decomposição de toda significação que supera o si (soi) 137 .
A Pedagógica 138 , para Dussel, é a parte da filosofia que
pensa a relação face-a-face do pai-filho, do mestre -
discípulo, do médico-psicólogo-doente, do filósofo- não-
filósofo. A pedagógica tem uma ampla significação d e todo
tipo de “disciplina” (o que se recebe de outro), em oposição
à “invenção” (o que se descobre de si mesmo). A ped agógica
tem a pecularidade de ser o ponto de convergência e de
passagem da erótica à política. De um lado, a pedag ógica
parte do filho do lar erótico para concluir sua tar efa no
adulto na sociedade política; de outro lado, parte da criança
na instituição pedagógico-política, para terminar s ua função
no varão ou mulher, formados para a vida erótica fe cunda 139 .
Diz ainda o autor:
A pedagógica é essencialmente a bipolaridade meta-f ísica do face-a-face daquele que é anterior ao Outro, mas co mo diante daquele que lhes é posterior sempre. O filho, o pro -criado pelos pais (oprius) é o que chega mais longe porque é mais jovem. Existe então uma diacronia (uma temporalidad e não coetânea ou contemporânea) que é muito diferente da sincronia da erótica ou da política, e que torna ambas possív eis 140 .
A pedagógica não deve reduzir-se à relação escola- aluno.
A pedagógica abarca os três tipos: educação, saúde e bem
137 Emmanuel LEVINAS, Humanismo do outro homem, p. 63. 138 A pedagógica não deve ser confundida com a pedagog ia. Esta última é a
ciência do ensinamento ou aprendizagem. Cf. Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana - Erótica e Pedagógica, p. 153.
139 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana - Erótica e Pedagógica, p. 152-154.
140 Ibidem , p. 187.
estar, neste último devendo-se incluir o conforto d a casa, a
segurança da velhice, o transporte 141 .
O sistema de escolaridade poderia ser chamado de “r ito
de iniciação” da sociedade secularizada. Os documen tos
emitidos pela instituição de ensino significam a ch ave para
ocupar um lugar no controle do poder do sistema. Es te sistema
foi construído para educar o homem burguês, imperia l e
ilustrado nas colônias. Segundo Dussel, ele não é s enão o
modo como se aliena o filho do povo para condicioná -lo no
ethos da sociedade que vai sendo construída pelas e mpresas
multinacionais. Na América Latina é imprescindível uma
“desescolarização” e uma avaliação total do “sistem a
educativo” 142 .
A pedagógica erótica tem relação ao pai-mãe. A
pedagógica política abre o âmbito do Estado: é a pa ssagem do
psíquico ao social, é a abertura ao espaço político 143 .
Dussel sustenta a necessidade de uma nova escola, d e
novos mestres, de novos serviços para o homem oprim ido. Para
isto, é preciso desmistificar a pedagógica imperant e, mostrar
os seus desproporcionados custos e indicar um camin ho
libertador 144 . Segundo ele:
Aquele que se liberta pedagogicamente, o oprimido ( o filho do filicídio , a juventude e o povo do plebicídio ), deve aos
141 Ibidem , p. 202. 142 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana -
Erótica e Pedagógica, p. 206. 143 Ibidem , p. 203. 144 Ibidem , p. 212.
poucos ir descobrindo as novas instituições con-str utivas da nova ordem. Essas instituições antiburocráticas dev em nascer desde baixo, desde a base, desde o povo. Descobre p or isso e de imediato, mediações eliminadas pela dominação do s “sistemas” implantados para oprimir. Entre o profes sor magistral e o intimidado aluno, entre o médico superespecializado de alto nível científico e o doe nte popular com gripe não há momentos pedagógicos inter mediários; eles foram eliminados 145 .
O pensamento de Martin Heidegger, para alguns o ma ior
filósofo do século XX, traz que o verdadeiro mestre não deixa
aprender nada mais que o “aprender”. O mestre possu i como
único privilégio com relação aos aprendizes o de te r que
aprender ainda muito mais que eles, a saber: o deix ar-
aprender. O mestre está muito menos seguro do que o s
aprendizes. O mestre deve ser capaz de ser mais dóc il que os
aprendizes. Também coloca Heidegger que a relação e ntre
mestre e aprendizes só é verdadeira, quando não ent ram em
jogo a autoridade e a influência de quem cumpre uma missão,
no caso, o mestre 146 .
Dussel, Heidegger e Freire fazem uma crítica à ont ologia
pedagógica da dominação, que tem o objetivo da repe tição, no
educando, do que já é dado no educador e no sistema . Rejeitam
o autoritarismo, o dogmatismo e o depósito de conte údos, que
tornam o educando objeto de manipulação de parte do educador.
Heidegger faz ecoar a idéia de que a aprendizagem é
hegemônica com relação ao ensino: o ser humano apre nde, esse
é o fato fundamental; pode ou não ensinar, deixar d e aprender
145 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana -
Erótica e Pedagógica, p. 248. 146 Heidegger, Martin, O que significa pensar, “trânsito da primeira lição
à segunda”, p. 20.
não poderá jamais 147 . Na pedagogia dialógica de Freire, tanto
educador como educando estão diante de um mundo a s er
conhecido e transformado, sujeitos de sua própria h istória 148 .
Dussel caracteriza a relação pedagógica como uma re lação
análoga. Há uma dependência que o discípulo guarda para com o
mestre, ao mesmo tempo em que é alguém distinto, al guém novo.
Há uma continuidade que envolve criatividade, inova dora e
revolucionária. Nenhum discípulo é puramente discíp ulo e
nenhum mestre é puramente mestre 149 .
4.2 O Professor em uma práxis ana-lética.
Dussel projeta novos passos para um processo dialét ico,
pensando no índio dominado, no mestiço oprimido, no povo
latino-americano excluído da grande totalidade mund ial. Ele
traz o pensar ana-lético. O pensar ana-lético parte da
revelação do outro e pensa sua palavra; é a filosof ia latino-
americana, única e nova, a primeira realmente pós-m oderna e
superadora da europeidade 150 .
O autor caracteriza como ana-lética o que está fora do
sistema:
Esta ana-lética não leva em consideração somente um rosto sensível do Outro (a noção hebraica de basar, “carn e” em português, indica adequadamente o unitário ser inte ligível-sensível do homem, sem dualismo de corpo e alma), d o Outro
147 Ibidem , p. 20. 148 Paulo FREIRE, Educação como prática da liberdade , p. 41. 149 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana –
Erótica e Pedagógica, p. 237. 150 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana -
Eticididade e Moralidade , p. 201.
antropológico, mas exige também que se ponha fatica mente ao “serviço” do Outro um trabalho-criador (ultrapassan do, mas assumindo, o trabalho que parte da necessidade de M arx) 151 . O método analético inclui então uma opção histórica prévia... 152 .
Dussel salienta a ana-lética não como um simples mé todo,
mas como um momento privilegiado da dialética, que aponta em
direção da libertação:
O momento analético é a afirmação da exterioridade: não é somente negação da negação do sistema desde a afirm ação da totalidade. É superação da totalidade, mas não só c omo atualidade do que está em potência no sistema. É su peração da totalidade desde a transcendentalidade interna ou d a exterioridade, o que nunca esteve dentro. Afirmar a exterioridade é realizar o impossível para o sistem a (não havia potência para isso), é realizar o novo, o imp revisível para a totalidade, o que surge a partir da liberdad e incondicionada, revolucionária, inovadora 153 .
A dialética analógica dusseliana da alteridade colo ca,
assim, em crise a dialética do mesmo e do outro a p artir do
face-a-face. No face-a-face não há razão, fantasia ou
palavra. A abertura ao outro é o desejo, pelo amor de
justiça, amor gratuito. A partir do face-a-face e d o “quem
és” encontra-se o sentido de abertura ante o mistér io e
superação do horizonte ontológico. Assim, o outro é nada no
mundo do mesmo, porque não pode estabelecer-se nenh um sentido
que o esgote a partir da totalidade. O outro, porta nto, não é
um modo de compreensão, mas de incompreensão. A com preensão
151 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana -
Eticididade e Moralidade, p. 201. 152 Ibidem , p. 202-203. 153 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 164-165.
termina em seu rosto que vemos, que o afirma como outro que
não conhecemos 154 .
O discurso da ética pedagógica da libertação tem o
intuito de superar a visão e a prática da educação dominadora
e de propor uma prática libertadora, que ajude a li bertar os
povos latino-americanos.
A ética pedagógica da libertação compreende a educa ção
em uma esfera em que se percebe muito bem o hiato e xistente
na educação latino-americana, em especial no Brasil , onde há
uma verdadeira exclusão das crianças e jovens da es cola, e se
pratica uma educação que não favorece o educando a ser livre,
muito menos se desenvolve nele a perspectiva libert adora.
Neste sentido, a ética pedagógica da libertação rem ete, em
seu discurso, a um novo horizonte, para o qual a si mples
dialética não é suficiente, precisando de novos
desdobramentos.
A alteridade metafísica é o aluno marginalizado pel o
processo educacional excludente e repetente, que ex ige em
nível ético uma nova postura e uma nova maneira na prática
pedagógica. Como ele coloca:
Enquanto outro incondicionado, exterior, o outro co mo outro consiste num não-ser. Além do horizonte do ser, o o utro é bárbaro (que não é homem para Aristóteles), ou a mu lher na sociedade machista (que é castrada para Freud), ou o órfão que nada é e deve aprender tudo (como O Emílio de R ousseau). Visto que não é, enquanto alteridade da totalidade pode-se
154 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 164-165.
também dizer que é nada. É do nada que aparecem os novos sistemas; novos em sentido metafísico, radical 155 .
Segundo Dussel, um projeto pedagógico libertador bu sca a
participação popular na educação. E esta tem, como
características, a dialogicidade, a criticidade, a
criatividade e a participação democrática.
O sujeito ativo da libertação pedagógica 156 é o filho, a
juventude, o povo oprimido das nações neocoloniais. Nessa
práxis, o mestre faz com que desabrochem as forças criadoras
do filho-juventude-povo, a fim de que possa ser ins taurada
uma relação de respeito e alteridade. No dizer de D ussel:
Nunca posso eu mesmo pronunciar a palavra revelador a do Outro: cabe-me somente, originariamente, escutar a palavra meta-física, ética. A cultura libertadora, revoluci onária e futura, pratica-se como ethos de amor-de-justiça gr atuito, como serviço, como práxis ana-lética que é a respos ta à palavra analógica 157 .
A ação educativa pode ser libertadora se houver a e scuta
da voz do outro. Para saber algo do outro como outr o, daquilo
que é como liberdade, como mistério, como distinto,
necessariamente preciso me calar. Calar para escuta r sua
palavra. Esta me revela o que o outro é, não de for ma
temática ou conceitual, mas de forma análoga, pela
semelhança, pela distinção, pela presença na ausênc ia. Por
isso o silêncio, tanto do mestre como do discípulo, é
155 Enrique DUSSEL, Filosofia da Libertação, p. 51. 156 Ibidem , p. 49. 157 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americanca -
Erótica Pedagógica, p.236.
fundamental para que a pedagógica possa ser a afirm ação do
outro e para que possa ser libertadora 158 .
Dussel acrescenta que, na maioria das vezes, o mest re
exerce a dominação pedagógica sem nenhuma consciênc ia de
culpa. A ingenuidade, a consciência ideológica, faz com que o
mestre aja com a melhor das intenções, negando a
exterioridade do discípulo. A dominação também atin ge o
próprio mestre que, para a consecução do projeto do sistema,
se impõe um sacrifício pessoal 159 .
O mestre, segundo Dussel, deve ser um partejador 160 . Essa
deve ser a sua contribuição para a sociedade. O mes tre deve
estar ao lado de todos os especialistas voltados pa ra a
melhoria dos seus padrões, propiciando uma educação crítica e
criticizadora.
O mestre deve buscar uma educação que possibilite a o
homem a discussão corajosa de sua problemática, que o advirta
dos perigos do seu tempo, e que desenvolva a consci ência de
lutar, ao invés de ser levado e arrastado. Educação que o
coloque em diálogo constante com o outro. Que o ide ntifique
com métodos e processos científicos 161 .
158 Enrique DUSSEL. Para uma ética da libertação latino-americana -
Eticidade e Moralidade, p.213. 159 Ibidem , p. 213. 160 No sentido Socrático, "escutar os homens para conh ecê-los e incitá-los
a conhecerem-se a si mesmos e a serem melhores". R. MANDOLFO. Sócrates, p. 20.
161 Paulo FREIRE, Educação como prática da liberdade, p. 86,89 e 90.
Na colocação de Dussel, a educação levou o homem a
posições quietistas, massificantes, excluíndo-o das decisões,
desenraizado-o. Ele diz, também, que o mestre deve instigar o
aluno a perguntar, investigar; deve fazê-lo conscie nte da
realidade de opressão. Daí sua identificação com fo rmas
míticas para explicar seu mundo. Seu comportamento é o do
homem que perde dolorosamente seu endereço 162 .
Dussel se aproxima de Freire quando coloca que
precisamos de uma educação que permita ao ser human o
participar, que leve o homem a uma nova postura dia nte dos
problemas de seu tempo e de seu espaço; uma educaçã o do “eu
me maravilho” e não apenas do “eu fabrico”, da vita lidade ao
invés da transmissão somente, que jogue o educando às
experiências do debate e da análise dos problemas e que lhe
propicie condições de verdadeira participação. Uma educação
que se identifique com o novo para ajudar o esforço da
democratização, intensifique a inexperiência democr ática,
alimentando-a. Educação que teria de ser, acima de tudo, uma
tentativa constante de mudança de atitude 163 .
A ética dusseliana da libertação propõe uma leitura
crítica da atitude do professor e dos modelos educa cionais
existentes, que não só reproduza o discurso do sist ema, mas
questione os conteúdos e todo o sistema sóciopolíti co e
econômico.
162 Paulo FREIRE, Educação como prática da liberdade, p. 90-91. 163 Ibidem , p. 92-93.
Diríamos que a ética da libertação é um substrato
importante para uma pedagogia libertadora, pois abr e para uma
práxis educativa transformadora. Nesta práxis acont ecem o
reconhecimento da alteridade na educação e o repens ar da
função da escola e da prática do professor no siste ma social.
O pedagogo, diante desta ética, não será um simples
burocrata ou apenas repassador de conteúdos, mas ir á
articular bem ética e competência na pedagogia, ten do como
missão edificar um caminho para que a pessoa humana seja mais
pessoa, para que todo ser humano possa viver as suas
potencialidades, em sintonia com a alteridade:
A característica do método ana-lético intrinsecamente ético e não meramente teórico, como é o discurso ôntico das ciências ou ontológico da dialética. Ou seja, a aceitação do Outro como outro já significa uma opção ética, uma escolh a e um compromisso moral: é necessário negar-se como Total idade, afirmar-se como finito, ser ateu do fundamento como Identidade. “Cada manhã desperta meu ouvido, para q ue ouça como discípulo” ( Isaías , 50,4). Neste caso, o filósofo mais do que um homem inteligente é um homem eticamente j usto; é bom; é discípulo. É necessário saber situar-se no f ace-a-face, no ethos da libertação (...), para que se deixe o outro ser Outro 164 .
Dussel afirma que todo filósofo que quer ser um mes tre
deve já ser um servidor comprometido com a libertaç ão. Nessa
percpectiva, ele concebe o professor como alguém qu e pode ser
mestre. O mestre ana-lético ou ético deve descer de sua
oligarquia cultural acadêmica universitária para sa ber-ouvir
a voz que vem do além, desde o alto(aná), desde a
exterioridade da dominação. Para Dussel, a palavra logos
164 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana –
Eticidade e Moralidade, p. 202.
significa a Totalidade: o coletar, reunir, exprimir , definir;
é o sentido grego originário que Heidegger soube de scobrir 165 .
Mas a palavra logos traduz para o grego o termo hebraico
“dabar” que significa: dizer, dialogar, revelar e, ao mesm o
tempo, coisa, algo, ente. O logos é unívoco; a dabar é ana-
lógica, é o homem como revelação, já que o homem (o Outro) é
a fonte da palavra, e sua liberdade fundamenta por último o
originário da palavra reveladora, não meramente exp ressora 166 .
Como ele refere:
Analogia verbi ou analogia fidei não deve ser confundida com a analogia nomini , já que esta última é a palavra-expressiva, ao passo que a primeira é a palavra que revela diante da Totalidade que escuta com confiança (com fé antropológica), na obediência discípular 167 .
O ser dusseliano é analógico. Portanto, já não é
diferente, mas distinto. O ser está acima de todo g ênero, não
é meramente um gênero dos gêneros, mas encontra-se em um
nível diverso, ontológico. A diversidade do ser num a ou
noutra significação originariamente distinta é deno minada
“distinção meta-física” 168 .
Para Dussel a analética será referência na reflexão
ético- pedagógica, assumindo na sua integralidade o excluído
do processo educacional, solidariamente, a partir d a
marginalidade, reconhecendo no oprimido o outro,
fundamentando uma nova perspectiva educacional. O m estre,
segundo a analética, colabora no processo do educan do, sendo
165 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana –
Eticidade e Moralidade, p. 203. 166 Ibidem , p. 203-204. 167 Ibidem , p. 204. 168 Ibidem , p. 208-210.
um mediador indispensável na aprendizagem, desmisti ficando a
ideologia e percebendo os antivalores que o sistema
introjetou nos educandos. O discípulo (re)conhecerá que sua
exterioridade não é um desvalor, mas algo que deve ser
assumido para construir uma nova práxis 169 . Segundo Dussel:
...uma pedagogia libertadora tem consciência de que o mestre é um sujeito pro-criador, fecundante do processo, d esde sua exterioridade crítica.(...) Mostrará ao discípulo s ua posição fecundante e lhe dará consciência reflexa daquilo q ue ele acrescenta ao processo do educando, permitindo-lhe assim ser crítico com relação ao mestre crítico. Todavia, a ú nica maneira de fazê-lo avançar é dando-lhe algo que lhe falta: a crítica libertadora como método; mas para que essa mesma crítica não se torne dominadora, deve adverti-lo so bre o modo como essa crítica é exercida por ele mesmo. Deve “p ôr as cartas na mesa” para que o discípulo conheça do que se trata 170 .
O mestre crítico é aquele que colabora no processo,
sempre alertando o educando sobre o que o sistema l he
introjetou. Pois esta intromissão é a negação da
exterioridade do discípulo; é também um desvalor, m as não
deve servir simplesmente para aniquilar, deve ser a ssumida: é
uma negação assuntiva. O educando conhecerá o siste ma, poderá
utilizar o que julgar conveniente, não precisará to rnar a
“inventar a pólvora”. Somente alguém que conheça mu ito bem o
sistema, pode exercer discernimento teórico-prático 171 .
Na práxis ana-lética, o discípulo converge para seu s
condiscípulos, para a exterioridade, para reconhece r seus
próprios valores. É uma prática convergente que dev e ser
169 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana –
Eticidade e Moralidade, p. 208-210. 170 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana –
Erótica e Pedagógica, p. 246. 171 Ibidem , p. 247.
mobilizante. Todos os esforços são direcionados na busca de
somar, vão assumindo seu próprio destino, e assim v ai
surgindo o sujeito ativo, criador, construtor de um a nova
ordem. O educando, a partir da realidade, poderá ap render a
construir seu novo mundo. Deve, por isso, organizar -se,
estruturar sua práxis, compartilhar responsabilidad es, fazer
de sua teoria um momento esclarecedor daquilo que v ive em
grupo 172 . Como bem salienta Freire:
O que importa, realmente, ao ajudar-se o homem é aj udá-lo a ajudar-se. (E aos povos também). É fazê-lo agente d e sua própria recuperação. É, repitamos, pô-lo numa postu ra conscientemente crítica diante de seus problemas 173 .
A responsabilidade, tanto para Dussel como para Fre ire,
é um dado existencial. Por isso, ela não pode ser i ncorporada
ao homem intelectualmente; só o pode vivencialmente . Devolve-
se ao povo a criação e (re)construção de sua própri a cultura.
Porém, o que é mais importante é devolver-se-lhe o controle
de sua própria história 174 .
Dussel se aproxima de Freire 175 quando expressa que é
preciso levar muito a sério a categoria povo, que n ão é
simplesmente o oprimido, como também não é a totali dade do
sistema, mas a essência do povo. O povo num certo n ível está
fora do sistema, e o estar fora do sistema é estar no futuro;
ao estar no futuro já é um homem novo. O homem novo aspira
pelo novo sistema. Neste sentido, a ética pedagógic a em sua
172 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana –
Erótica e Pedagógica, p. 247. 173 Paulo FREIRE, Educação como prática da liberdade, p. 58. 174 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana -
Erótica e Pedagógica, p. 248. 175 Paulo FREIRE, Educação como prática da liberdade, p. 60.
práxis deve ser uma constante atenção para que a cr iticidade
leve o povo a enxergar as distorções 176 . Segundo Dussel:
A cultura popular, longe de ser uma cultura menor, é o centro mais incontaminado e irradiativo da resistência do oprimido contra o opressor. É preciso saber partir exatament e desse nível para poder realizar um processo criativo de l ibertação e não meramente imitativo ou expansivo-dialético do “Mesmo” que cresce com “o Mesmo”; seria simplesmente conqui sta. Para criar algo novo é preciso ter uma palavra nova, que irrompe desde a exterioridade. Esta exterioridade é o própr io povo que parece estar totalmente no sistema e que na rea lidade é estranho a ele 177 .
Uma proposta ético-política e pedagógica de interve nção
não tem sentido algum se não é pautada no resgate d a
humanidade atrofiada em milhões de pessoas. A perve rsidade e
a indiferença como são tratados os contingentes de seres
humanos, que não fazem parte dos sistemas políticos hoje
vigentes, demonstram a transgressão ética em que se encontra
o mundo.
Dussel se aproxima de Freire também quando afirma q ue a
defesa ética de nossa ação política passa pela recu sa em
aceitar as ideologias fatalistas, que reproduzem um
determinismo histórico sempre justificador das prát icas anti-
éticas. Não podemos aceitar a visão fatalista da hi stória que
nos quer imobilizar, fazendo-nos perder a esperança diante do
futuro social, político, cultural e histórico 178 .
176 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana –
Erótica e Pedagógica, p. 275-276. 177 Ibidem , p. 277. 178 Paulo FREIRE, Pedagogia da autonomia, p. 113.
A realidade é produção dos seres humanos e não um
destino trágico que estaria acima de nosso poder de alterá-
lo. As conseqüências das decisões políticas devem s er
eticamente avaliadas e não simplesmente justificada s através
de argumentos fatalistas, cientificamente falsos e
ideologicamente perversos, que atentam contra a int eligência
humana em seus diferentes modos de perceber e signi ficar o
mundo.
Há uma profunda distorção, mas que é ideologicament e
planejada, na forma de conceber a história como det erminismo
e não como possibilidade. O fatalismo ideológico, e mbutido na
ideologia neoliberal, demonstra, mais uma vez, a su a
perversidade no abandono, na exclusão e na desvalor ização dos
seres humanos em relação ao mercado.
O processo de libertação política, econômica, cultu ral e
social requer fundamentação ética do processo liber tador. A
ética da libertação é um caminho sociocultural de r einvenção
da vida em sociedade a partir dos oprimidos. É nece ssário
recriar a cultura que constitui um mundo de opressã o que, na
maior parte das circunstâncias históricas, é reprod uzida por
nós mesmos. Mas, essa exigência implica em fundamen tar o
ponto de partida ético não em teorias transcendenta is (a
exemplo da ética da modernidade), e sim a partir da realidade
de opressão, ou de toda forma de exclusão que as po pulações
do Terceiro Mundo sofrem em seu cotidiano 179 .
179 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana –
Erótica e Pedagógica, p. 196-197.
A denúncia da perversidade materializada concretame nte
nas diversas formas de exclusão dos seres humanos d eve ter
como base o compromisso ético-libertador de resgata r a
humanidade que está sendo atrofiada em milhões de p essoas, e
essa é uma exigência radicalmente prática, que se d eve
traduzir em transformações concretas no cotidiano d a vida em
sociedade 180 .
Esta é a tarefa de construção coletiva, na qual o m estre
tem um papel fundamental. Por isso a necessidade de um novo
projeto, de uma nova práxis de libertação pedagógic a, onde a
inserção dialógica, intersubjetiva e crítico-reflex iva da
consciência do mundo real concreto, comum a todos o s sujeitos
que no conjunto constroem e reconstroem, “permite a o mestre-
discípulo crescer mutuamente e tornar-se assim o ir mão-irmão
numa política fraterna” 181 . Esta seria a tarefa do mestre,
assunto do próximo item.
4.3 A tarefa do mestre como pro-jeto da libertação
Segundo Dussel, a ontologia pedagógica é de dominaç ão
quando o filho-discípulo-juventude-povo é considera do como
alguém no qual se deve somente depositar conhecimen tos,
atitudes. Ele não é Outro, é Mesmo. É necessário um a
superação da Ontologia que significa abrir um âmbit o além do
ser pedagógico imperante. Um horizonte em que o Out ro não
180 Paulo FREIRE, Pedagogia da autonomia, p. 146-147. 181 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana –
Erótica e Pedagógica, p. 250.
seja apenas diferente, mas distinto, alguém novo (e não algo,
coisa) 182 .
Diante deste outro, considerado ser, segundo Dussel , é
preciso um outro horizonte, é necessário descobrir a
exterioridade do filho, superar a ontologia vigente , a
dominação pedagógica. Os progenitores vão além de s eu ser, de
seu poder-ser, além da mais extrema possibilidade d e seu
mundo: vão até outro mundo, até a constituição real de alguém
“outro” 183 . A esse respeito assim se expressa Dussel:
Com relação ao filho os progenitores, porque não sã o meros progenitores de um animal ou um indivíduo zoológico (onde a espécie é uma totalidade insuperável), não são prop riamente a causa, nem o filho é um produto ou efeito; é filho, não é só um ente. Os progenitores são pro-criantes 184 .
A pedagógica dusseliana é a bipolaridade meta-físic a do
face-a-face daquele que é anterior ao Outro, mas lh e é
posterior sempre. O filho-pro-criado pelos pais é o que chega
mais longe porque é mais jovem. Mas o filho não é ó rfão. A
pedagogia vigente pretende poder manipulá-lo domes ticamente.
A paternidade-maternidade não pode ocultar a sua
anterioridade, sua tradição, seu Estado-cultura. O mestre não
é um preceptor asséptivo, identificado com os deuse s ou a
natureza. O mestre tem sexo, um povo e Estado, uma nação, uma
classe social, uma época da humanidade, com suas do utrinas e
182 José Luiz AMES, Liberdade e libertação na ética de Dussel, p. 103. 183 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana -
Erótica e Pedagógica, p. 185-186. 184 Ibidem , p. 186.
teorias. Por isso, diz Dussel, não pode apresentar- se diante
do discípulo como se tivesse todos os direitos 185 .
Na práxis de dominação, o sujeito ativo é o império ou a
elite “culta” nacional. O mestre desta educação é o preceptor
que, a partir de uma suposta “natureza” ou “cultura
universal”, justifica a ação conquistadora e repres siva do
sistema imperial. Nessa práxis pedagógica, o trabal ho do
educador consiste em realizar o projeto da cultura vigente
dominadora. Sua atitude em relação ao aluno será au toritária.
Um autoritarismo que é legitimado pelo próprio proj eto que,
por sua vez, é apresentado como um caminho natural. Ao aluno
cabe apenas repetir a conduta do preceptor e record ar os
conteúdos que lhe são ensinados nas aulas. A ênfase na
repetição faz dessa educação uma simples prática
domesticadora 186 .
Quando o projeto pedagógico é de dominação, o educa dor
sabe, pensa, fala, disciplina, enquanto o educando não passa
de um receptáculo passivo de conteúdos. Na práxis p edagógica
da dominação, o discípulo é considerado incapaz e s uspeito
para pensar e agir. Por isso todo o saber deve ser doado pelo
mestre. “Na visão bancária da educação, o saber, o
conhecimento, é uma doação daqueles que se julgam s ábios aos
que são julgados ignorantes. O preceptor-pai-Estado domina
sim o aluno-filho-povo” 187 .
185 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana –
Erótica e Pedagógica, p. 188. 186 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana- Erótica
e Pedagógica, p. 185-188. 187 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana –
Erótica e Pedagógica, p. 235.
No processo de desenvolvimento histórico, social e
cultural muitas vezes a tarefa pedagógica se limito u à
reprodução dos padrões vigentes, buscando domestica r o filho-
criança-juventude-povo para um pensar e um relacion ar-se
submisso à ideologia, à cultura, aos conteúdos e ao s valores
da formação social vigente.
Há uma hegemonia do sistema capitalista e nele impe ra a
pedagogia liberal, sendo priorizado o treinamento d os
indivíduos para o desempenho das funções sociais, o nde a
pessoa vale pelo que produz e só tem valor se produ z bens de
consumo. Nessa direção em que vem atuando a polític a
neoliberal não há lugar para a Ética Universal do s er humano:
há, sim, lugar para o projeto pedagógico de dominaç ão. Esse
tipo de educação visa à construção de mentalidades
comprometidas com o individualismo e à busca da fel icidade
doméstico-privada, almejando um consumismo permanen te e
insaciável como modo de viver. Visa à formação de u ma
juventude e de um povo condicionados à sustentação e promoção
da ideologia, da cultura, do sistema e dos valores vigentes
na sociedade moderna neoliberal. Justamente o contr ário da
ética pedagógica da libertação, que afirma o aluno como fonte
de valor na exterioridade de sua pessoa, no process o
pedagógico 188 .
Dussel acredita que são os que libertam que conduze m a
história para o seu futuro. São eles que constituem o momento
essencial da história. Para ele, uma filosofia só é autêntica
quando parte da autoconsciência da sua alienação, d a opressão
e vá pensando junto, “a partir de dentro” da práxis
188 Ibidem , p. 189-190.
libertadora, uma filosofia que seja realmente liber tadora.
Para Dussel e para Levinas:
A manifestação do Outro produz-se, certamente, à pr imeira vista, de acordo com o modo pelo qual toda signific ação se produz. O Outro está presente numa conjuntura cultu ral e dela percebe sua luz, como um texto do seu contexto. A manifestação do conjunto assegura sua presença. Ela aclara-se pela luz do mundo. A compreensão do Outro é, assim, uma hermenêutica, uma exegese (...) mas a epifania do O utro comporta uma significação própria, independente des ta significação recebida do mundo 189 .
A libertação pedagógica não depende essencialmente dos
métodos aplicados, mas sim do pro-jeto que um siste ma
pedagógico tem. O pro-jeto, no dizer de Dussel, é o
fundamento ontológico, o ser de uma totalidade dada (a
Totalidade vigente) ou futura (o pro-jeto de libert ação). É
importante verificar se a meta (pro-jeto) 190 da educação é de
totalidade ou de exterioridade 191 .
No processo pedagógico o aluno é outro, e em seu ro sto
delineia-se seu infinito valor, não como coisa, mas como
sujeito aberto à possibilidade pela qual é chamado a ser
radicalmente sujeito. Deixa-se de lado o mestre dom inador,
assim definido por Dussel:
Quando o mestre se constitui como aquele que sabe, pensa e educa, não resta ao discípulo outra coisa que segui r o
189 Emmanuel LEVINAS, Humanismo do outro homem, p. 58. 190 “Pro-jeto que representa estilos de vida que se man ifestam nas obras
objetivas e que transformam o âmbito físico-animal num mundo humano dado, um mundo cultural dominante”. Cf. José Luiz A MES, Liberdade e libertação na ética de Dussel , p. 103.
191 Ibidem , p. 103.
estabelecido pelo mestre, pois quem dá o saber (e o ser) ao discípulo é o mestre 192 .
Assim, na pedagógica dusseliana a postura do mestre ,
diante do outro, que considera o outro não como alg o (objeto,
coisa) que posso utilizar e manejar, mas como o Out ro, alguém
(pessoa), com o qual posso relacionar-me e projetar
conjuntamente a vida. Que este Outro seja reconheci do como
alguém com o qual entro em relação e diálogo, saben do que,
neste encontro, eu e o Outro nos construímos como p essoa. O
verdadeiro mestre é aquele que sabe ouvir o discípu lo; que
sabe inclinar-se diante do novo; que tem o próprio tema do
discurso pedagógico. O mestre não falará nem acerca dos
deuses preestabelecidos nem sobre a natureza que an tecede o
aluno 193 . Para Dussel:
O autêntico mestre primeiro ouvirá a palavra objeta nte, provocante, interpelante e até insolente daquele qu e quer ser Outro. Somente o que escuta com paciência, no amor- de-justiça, é a esperança do Outro como libertado, na fé de sua palavra. Somente ele poderá ser mestre 194 .
Para o autor, o verdadeiro mestre deve ter capacida de
para conduzir o trabalho e ser testemunho de um nov o
paradigma, pois ensinar é processo profundo e dinâm ico onde
se levam em conta a identidade cultural, a dimensão
individual e a classe dos educandos.
192 José Luiz AMES, Liberdade e libertação na ética de Dussel , p. 105. 193 Enrique DUSSEL, Para uma ética pedagógica latino-americana - Erótica e
Pedagógica, p. 193. 194 Enrique DUSSEL, Para uma ética pedagógica latino-americana - Erótica e
Pedagógica, p. 193.
Neste sentido, a ética pedagógica da libertação de
Dussel afirma que educar é como viver: exige a cons ciência do
inacabado, esperando-se do docente um comprometimen to
existencial, do qual possa nascer a autêntica solid ariedade
entre educador e educando, pois ninguém pode conten tar-se com
uma maneira neutra de estar no mundo. Nunca posso e u mesmo
pronunciar a palavra reveladora do Outro.
Portanto, ser docente é muito mais que uma profissã o; é
uma missão que exige comprovados saberes no seu pro cesso
dinâmico de promoção de autonomia do ser de todos o s
educandos. O futuro mestre ou profeta em seu início é um
membro integrado na cultura de massa, que um dia ou ve a voz
do Outro pedagógico (da criança, da juventude, do p ovo). O
poder ouvir já é toda uma conversão, uma “morte à
cotidianidade”: é estabelecer o face-a-face com o p obre
pedagógico, é ter questionado o sistema, é ter ques tionado a
si mesmo no sistema 195 . Nas palavras textuais de Dussel:
O futuro mestre libertador é conduzido pela mão, ce go e fraco nas trevas do mundo novo (que o Outro é na realidad e), por seu filho, a juventude, o povo. Somente a confiança em sua palavra o guia e lhe evita o erro, o errar fora do caminho que o leva ao Outro. O discípulo lhe indica quem é “por sinais” por sua palavra relevante, desvendadora. O que o discípulo é (o filho, juventude, povo) deve ser cri do, “pois se crê no ausente, e se vê o presente”. O Outro com o outro está além da presença do ente; é meta-físico, o imcompreensível se não se revela. No mundo está pre sente seu rosto, mas não o mistério de sua nova-história-outr a196 .
195 Enrique DUSSEL, Para uma ética pedagógica latino-americana - Erótica e
Pedagógica, p. 240-241. 196 Enrique DUSSEL, Para uma ética pedagógica latino-americana - Erótica e
Pedagógica, p. 241.
A mudança acontecerá na própria escola: o educador e o
educando passam a ser sujeitos da aprendizagem; não mais uma
educação na visão “bancária” 197 , em que o “saber” é uma doação
dos que se julgam sábios aos que julgam nada saber; doação
que se funda em uma das manifestações da ideologia da
opressão. Muda-se o paradigma onde a voz do Outro é
exigência, chamamento peremptório a um trabalhador
libertador. Para poder servir trabalhando, é necess ário antes
conviver para poder comunicar-se 198 . Dussel é enfático a esse
respeito:
A comunicação é antes de tudo assumir a opressão do oprimido, viver-com para obedecer-com. É aqui que se forma o mestre futuro. A superação da teoria aprendida e irreal e a teoria que nasce do seio do povo e da história, a teoria r eal, leva-se a cabo na militância, no compromisso concreto on de a revelação do Outro (filho, juventude, povo) leva o futuro mestre à práxis daquilo que crê mas ainda não inter preta adequadamente: arrisca-se pelo Outro como outro. As sim, aos poucos, torna-se outro; assim transpõe a linha do h orizonte de seu mundo e, libertando-se de ser uma “parte” fu ncional do sistema, emerge na exterioridade 199 .
O mestre do futuro assume, com compromisso militant e,
lugar meta-físico adequado, lugar hermenêutico por
excelência, talvez intelectual crítico, talvez revo lucionáro,
mas sempre libertador 200.
Para a pedagógica dusseliana, a veracidade não é so mente
a verdade como descobrimento. Veracidade é não só d izer a
197 Paulo FREIRE, Pedagogia do oprimido, p. 67. Ver também Enrique DUSSEL,
Para uma ética da libertação latino-americana – Erótica e Pedagógica, p. 171
198 Ibidem , p. 241-242. 199 Ibidem , p. 242. 200 Enrique DUSSEL, Para uma ética pedagógica latino-americana - Erótica e
Pedagógica, p. 242.
verdade; é também querer dizer a verdade como verda deira
diante daquele que, apreendendo-a, se liberta. Pois o mestre
é o que professa como sua profissão ser profeta ou mestre,
aquele que tem como ethos pôr às claras aquilo que o sistema
pretende encobrir, aquele que tem como projeto esta r-na-
verdade do Outro para permitir que ele seja ele mes mo - outro
que não o sistema. Será um crítico insubornável 201 . Como
destaca Dussel:
É a partir da devoção sagrada que tem por seu discí pulo, amor entranhado maior do que qualquer outro amor, que a perda da vida por fidelidade ao discípulo é mais fácil para o autêntico mestre do que a perda do sentido de viver que lhe causaria a traição dos seus, daqueles que nele conf iam 202 .
Mas, além de toda essa “devoção”, o mestre, segundo
Dussel, também não pode fazer pouco caso dos aspect os
disciplinares da educação, deixando que os discípul os
caminhem sozinhos. Com zelo sempre renovado, procur ará lutar
contra o que foi introjetado pelo sistema no discíp ulo,
contra o que a cultura dominante fez dele, o desejo de
dominar com os que dominam. O verdadeiro mestre dev e ter esse
discernimento para não cair na demagogia; deve perm anecer na
justiça, no caminho da verdadeira libertação. Ë uma tarefa
árdua, difícil, que exige critério firme e uma teor ia real e
clara 203 .
A profissionalização do ofício de mestre pode parec er ou
ser inócua se os professores recusarem a autonomia e as
201 Ibidem , p. 243-244. 202 Ibidem , p. 244. 203 Enrique DUSSEL, Para uma ética pedagógica latino-americana - Erótica e
Pedagógica, p. 244.
responsabilidades ligadas a ela. Principalmente, se o mestre
não distinguir que faz parte do sistema e que é ext erioridade
em relação a ele. Há muitos conhecimentos introjeta dos pelo
sistema, que representam verdadeira negação da exte rioridade
do Outro pedagógico.
A práxis dusseliana da libertação começa por negar a
negação que a pedagógica dominadora tem produzido. Aqueles
profissionais da educação que não aspiram à autonom ia, porque
lhes convém, acima de tudo, respeitar o programa, a grade de
horários e os procedimentos prescritos, não serão e não se
tornarão mestres. Estes são os profissionais que fa zem parte
do sistema da dominação.
A prática reflexiva não se limita à ação; tem víncu los
com suas finalidades e com seus valores subjacentes . Projeta
novos valores e tenta delinear uma libertação cultu ral. Como
destaca Dussel:
A libertação cultural é uma ação de enorme riqueza inovadora. O sujeito construtor do “novo” (na criança seu cará ter adequado à sua exterioridade; no jovem, seu ofício na sociedade justa; no povo, a realização de sua cultu ra popular nacional) é o mesmo educando. O que acontece é que para construir, é preciso antes desarmar aquilo que o si stema tinha imposto (e não “posto”) 204 .
Nas sociedades em geral, recai sobre o mestre um pa pel
importante. Cabe-lhe tornar-se organizador da liber tação
cultural. Caso isso não seja feito, ele desempenha o papel de
204 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana –
Erótica e Pedagógica, p. 245.
um autômato que inunda seus discípulos com conhecim entos e
que pode ser substituído com êxito por um manual, u m
dicionário, um mapa, uma excursão. Quando apenas re pete, sem
nada criar, não permite que o discípulo descubra su a
exterioridade, seus valores próprios, a cultura pop ular, o
que tem de distinto. É a partir da descoberta de su a
realidade que o educando vai estruturar sua práxis,
compartilhar responsabilidades, fazer de sua teoria um
momento esclarecer daquilo que se vive em grupo 205 .
Com certeza, ao assumir o papel de mestre, com a
complexidade a cada dia crescente das tarefas que s e colocam
a sua frente, o número de procedimentos exigidos to rnou-se
infinitamente diversificado e tão complicado que, s e quiser
ser um mestre verdadeiro, o professor deve ter um e mbasamento
cultural muito vasto. Antes se exigia apenas que co nhecesse o
seu objeto, um programa, e fosse capaz de gritar co m a turma
em casos difíceis. Estas atitudes são dialético-dom inadoras
porque simplesmente incluem o Outro no sistema, int rojetando-
lhe a cultura imperante. Esta era a postura do prof essor na
pedagogia dominante. Esta introjeção dominadora do “Mesmo” é
alienação do Outro, do filho, juventude, povo. É au toritária
vigência do pai, a burocracia escolarizante, a buro cracia
total 206 . Nem a educação permanente escaparia disso, como
esclarece Dussel:
A própria “educação permanente”, neste caso, não se ria senão a pretensão do sistema de prolongar o tempo da mani pulação alienante do educando, separando-o das instituições
205 Ibidem , p. 247. 206 Enrique DUSSEL, Para uma ética da libertação latino-americana -
Erótica e Pedagógica, p. 246.
educativo-populares para absorvê-lo totalmente numa escolaridade que nunca terminaria 207 .
Diante desses conceitos, o verdadeiro mestre deve v iver
na comunidade escolar como parte inalienável dela e , neste
sentido, exerce uma práxis educativa, pois no risco de sua
própria novidade exteriorizada permitirá ao mestre- discípulo
crescer mutuamente e tornar-se o irmão-irmão numa p olítica
fraterna 208 .
Na própria essência do processo educativo já está
implícita a exigência de proximidade de educador e educando.
É o que dizem tanto Dussel como Freire: o primeiro, quando
sustenta que “nenhum discípulo é puramente discípul o e que
nenhum mestre é puramente mestre” 209 ; o segundo, quando afirma
que “já não se trata de um educador e de um educand o, mas de
um educador-educando com educando-educador” 210 . O que ocorre,
na concepção de ambos, na verdade, é a superação da
contradição educador-educando.
Dussel entende que a presença do mestre é fundament al
para a construção de uma sociedade mais justa, mais humana,
mais fraterna. Este deve assumir a tarefa de forjar
criticamente as potencialidades de seus alunos. Ao mesmo
tempo, ele não se “mistura” com os alunos a ponto d e perder
sua identidade específica. Deve ter o momento de su a palavra,
de seu testemunho. Também é alteridade a ser respei tada.
207 Ibidem , p. 246. 208 Ibidem , p. 250. 209 Ibidem , p. 247 210 Ibidem , p. 247
A proposta pedagógica libertadora dusseliana tem co mo
ponto de partida o compromisso de ouvir a voz do Ou tro, como
sendo um ser humano distinto, que se revela dotado de
alteridade. Como bem salienta Dussel:
Na pedagógica, a voz do Outro significa o conteúdo que se revela, e é sempre a partir da revelação do Outro q ue se realiza a ação educativa. O discípulo se revela ao mestre, o mestre se revela ao discípulo. Se a voz da criança, da juventude e do povo não é ouvida pelo pai, o mestre e o Estado, a educação libertadora é impossível 211 .
O escutar a voz do Outro exige, pois, proximidade, exige
o estar face-a-face diante do Outro. A importância
fundamental dessa noção antropológica e desse crité rio ético
e pedagógico está em compreender e perceber o ser h umano como
um ser em relação com o próximo (contemplado como s endo o
Outro, como pessoa-liberdade distinta). O professor para se
tornar um mestre deve ter como princípio básico a
proximidade, o estar comprometido com o ser humano, neste
caso, seu aluno.
A ação educativa libertadora estabelece uma relação
dialogal e criativa entre educador e educando, comp rometendo-
os com uma permanente prática e reflexão conscienti zadora e
transformadora da realidade de opressão cultural e social.
Esta relação democrática e dialogal respeita e inte gra a
alteridade própria dos sujeitos participantes ou da s
211 Enrique DUSSEL, Por uma ética da libertação latino-americana – Erótica
e Pedagógica, p. 231.
múltiplas formas de ação e política em prol da libe rtação dos
povos oprimidos da América Latina.
Dussel enfatiza a importância pedagógica e ética do
ouvir a voz do Outro no processo de conscientização ,
humanização e libertação dos povos oprimidos. O pri ncípio
dusseliano da metafísica da alteridade, ao contempl ar o rosto
do Outro e respeitá-lo em sua exterioridade, também é
compartilhado por outros filósofos latino-americano s, como
Ernildo Stein, quando afirma que:
... o grande mal de todas as teorias de aprendizage m era considerar as pessoas como se fossem objetos no esp aço e no tempo. A nossa identidade não é a identidade de um saco de batatas ou de um balde de água num lugar determinad o. Nós estamos naquele lugar e já o transformamos, já busc amos relações, e isto desde o primeiro momento da nossa existência 212 .
Acredito que é imprescindível uma proposta pedagógi ca
libertadora, construída a partir da alteridade, do outro
enquanto outro, não do mesmo. Uma proposta que forn eça
elementos para se construir uma relação de autentic idade, de
autonomia, de respeito, de criatividade; uma analét ica entre
professor e aluno. Essa é a grande contribuição à c oncepção
dusseliana de “mestre”.
212 Ernildo STEIN, Aspectos filosóficos e sócio-antropológicos do
construtivismo pós-piagetiano-II , p. 41.
CONCLUSÃO
Enrique Dussel é pouco conhecido no Brasil. Suas
reflexões acerca da filosofia, da teologia e da ped agogia não
são muito difundidas, talvez pela complexidade do s eu
pensamento e a conseqüente dificuldade de seu enten dimento.
Dussel apresenta a fundamentação, tanto filosófica e
teológica como pedagógica, para uma redefinição do ser humano
e das suas relações com aquilo que se apresenta com o estar-
se-sendo no mundo.
O esforço do autor é o de buscar os fundamentos
ontológicos de dominação que se instituíram na Amér ica
Latina. O autor busca, nas origens históricas e cul turais da
civilização, uma amostragem da concepção de ser, qu e nós
latino-americanos temos, como a que prevaleceu no m undo
ocidental. É de extrema importância essa busca, já que, como
salienta Dussel, não há como esperar a libertação a partir
dos opressores.
Tanto como filósofo, antropólogo, teólogo e histori ador
como na sua pedagógica, Dussel parte da necessidade de
ousadia profética para a construção de um pensar ca paz de
articular a libertação dos oprimidos. A análise que Dussel
faz da pessoa humana tem como ponto de partida o co ntexto em
que está inserida e a sua história; essa análise si tua-se não
na totalidade fechada do “mesmo”, mas no “outro”. E ste
“outro” tem rosto: não é “algo”, mas sim “alguém”.
Por isso, para Dussel, por mais que ele reconheça a
necessidade do mestre para ajudar, a libertação dev e partir
da periferia, dos oprimidos. O processo de libertaç ão tem seu
ponto de partida no escutar a voz do outro, desse o utro que
exige respeito e dignidade.
Uma das categorias trabalhadas por Dussel é a
proximidade, entendida como ato de aproximar-se das pessoas
na fraternidade. Este conceito pode ser comparado c om os
pressupostos da teologia da libertação, defendida p elos
teólogos da libertação, os quais também partem da
fraternidade, do escutar o outro. Para essa corrent e
teológica, a tarefa de discursar Deus deve dar-se a partir da
realidade concreta dos excluídos. O teólogo da libe rtação
terá um olhar duplo: para Deus e para o excluído. O primeiro
é a fonte de toda libertação possível; o segundo id entifica
onde há necessidade de libertação 213 .
Estabelecer como condição de vida a proximidade, o face-
a-face, o ombro-a-ombro dos irmãos na assembléia, a palavra-
ouvido do mestre-discípulo, aproxima o texto de Dus sel das
palavras de Paulo aos Hebreus:
“Tenhamos consideração uns com os outros, para nos estimular no amor e nas boas obras. Não deixemos de freqüenta r as nossas reuniões, como alguns costumam deixar. Ao co ntrário, procuremos animar-nos sempre mais, principalmente a gora que vocês estão vendo como se aproxima o Dia do Senhor” 214 .
Outra categoria dusseliana é a totalidade, represen tando
o mundo em que se vive. O autor fixa a atenção no p assado do
mundo e na espacialidade, para buscar as origens do povo
latino-americano; a origem da nossa dependência eco nômica,
cultural, teológica. Enfim, busca no passado os elementos
para entender o futuro.
Dussel faz um comparativo das diferenças entre os s eres
humanos e os animais, destacando as mediações. O ho mem, por
ser um constante de-vir, é livre, mas ao mesmo temp o
historicamente determinado. Vai, assim, construindo sua
própria biografia, sua história.
A exterioridade é outra das categorias apresentadas por
Dussel. Esta leva em consideração o outro, o rosto do outro.
Os latino-americanos, ao longo da história, foram
considerados não-ser. Dussel critica a tradição fil osófica
213 CABRAL, Alexandre Marques. A Teologia da Libertaçã o: O cristianismo a favor dos excluídos., p.1 a 5. 213 Hebreus, 10,24-25.
ocidental, desde os gregos, passando pelos modernos ,
apoiando-se no principio da identidade que sustenta a
totalidade ontológica. É imprescindível romper a to talidade e
abrir caminhos para a exterioridade do outro enquan to
realidade primeira, que se fundamenta no princípio de
alteridade.
Segundo Dussel, para se chegar a viver uma verdadei ra
práxis da libertação, é necessário romper com certo s
paradigmas. O povo latino-americano é alienado desd e sua
conquista até hoje. Diversos mecanismos ideológicos são
usados para assegurar a continuidade dessa alienaçã o. É a
ideologia do conquistador e colonizador europeu, em seu
projeto de dominação universal, que precisa ser sub metida a
um processo de de-struição.
Buscar a caracterização e o entendimento da pedagóg ica
de Dussel constituiu-se num verdadeiro desafio. Par a o autor,
uma pedagógica libertadora começa com o descobrimen to da
exterioridade metafísica do discípulo. Este aparece no mundo
como Outro, distinto do mestre, possuidor de um pro jeto de
vida próprio. O êxito da pedagógica, como práxis de
libertação, está na escuta fiel do oprimido pedagóg ico, que
se revela desde sua exterioridade.
Na prática pedagógica tornam-se salientes os mecani smos
utilizados para a dominação. Entre estes, Dussel de staca a
afirmação da totalidade e de seu projeto no meio do agir
opressor nas práticas pedagógicas. Estas práticas a parecem,
muitas vezes, de maneira mascarada. O autor salient a que na
América Latina acontece uma “americanização” e um
aniquilamento das expressões culturais dos povos la tino-
americanos.
O professor está inserido neste contexto. Por estar
alienado, ele se descaracteriza como profissional. A sua
redução à condição de mero “fazedor de tarefas” res ulta
também na sua progressiva pauperização. O professor precisa
libertar-se do paradigma da dominação, para, enfim, a partir
de um resgate cultural, desenvolver um projeto de l ibertação,
ser mestre.
Para se tornar um mestre, o primeiro passo é consid erar
o outro como outro, com voz e vez, com um rosto, um ente de
relações, levando o educando a assumir sua identida de, a
assumir o compromisso comunitário do estar faca-a-f ace com o
outro. A prioridade deve ser o compromisso profétic o que o
leve a se engajar em uma práxis de libertação do ou tro como
outro.
Para Dussel, a dialética da relação pedagógica come ça
com o mestre escutando o discípulo que, por ser dis tinto, só
pode revelar-se através de sua própria palavra. O p rimeiro
passo é, pois, o reconhecimento da exterioridade do
discípulo. O segundo passo é aquele em que o mestre se coloca
como exterioridade crítica diante do discípulo. Est e seria o
mestre libertador, aquele que abandona a segurança do sistema
e se converte a partir da escuta da novidade altera tiva do
Outro. É com o mestre libertador que o discípulo pr ecisa se
confrontar, pois é ele que possui a experiência da história,
a criticidade e o método que ainda faltam ao discíp ulo. Mas a
recíproca fecundação prossegue em um terceiro passo , com a
objeção, a crítica e a sugestão do discípulo. É ess a a
verdadeira ana-lética, a que é capaz de produzir o novo na
história.
Neste sentido, Dussel aproxima o mestre do profeta. Para
ele, profeta é aquele que sabe acolher a palavra cr iadora que
põe em questão a totalidade, “destotalizando-a”. Du ssel dá
ênfase à figura do profeta:
A partir do exterior é agora o profeta, que pode n a vida e por sua inteligência interpretar a palavra do pobre (que antes devia crer e que agora sabe); agora, pode lan ça-la criticamente contra a totalidade (pró-femi, que em grego significa falar diante de, contra). Como a virgem d e Nazaré, o profeta deixou que a palavra se fizesse carne, qu e a pro-vocação do pobre encontrasse na totalidade con-fian ça 215 .
A palavra profética, para Dussel, é capaz de recria r o
todo. É mestre, aquele que devolve ao povo a criaçã o e
construção de sua própria cultura, e também o contr ole de sua
própria história 216. Todo povo necessita de profeta e todo
profeta necessita de um povo 217 .
Foi a preocupação com a formação de novos mest res,
de novos profetas, que conduziu ao entendimento da
necessidade de de-struição da pedagógica da dominaç ão e à
construção e proposição de um novo paradigma de ref erência,
capaz, justamente, de orientar o professor que dese ja tornar-
se um mestre no sentido dusseliano. O caminho percorrido
acabou conduzindo àquele e colocando no foco de ate nção
aquele que foi e é nosso Mestre Maior, Jesus Cristo , ele que
tudo fez para que a humanidade vivesse uma verdadei ra
fraternidade entre todos, sem exclusão, sem opressã o, sem
qualquer tipo de violação da dignidade humana. Luta r pela
libertação dos oprimidos é também valorizar a pater nidade
215 Enrique DUSSEL. Caminhos de libertação latino-americana , p. 68,69. 216 Enrique DUSSEL. Para uma ética da libertação latino-americana : Erótica
e Pedagógica, p. 248. 217 Enrique DUSSEL. Para uma ética da libertação latino-americana : Erótica
e Pedagógica, p. 55.
universal de Deus, que se manifesta nas relações ju stas e
fraternas entre todos os seres humanos.
Em Dussel, portanto, a figura do mestre acabou ilum inada
e enriquecida ao mesmo tempo por três perspectivas de
análise: a da filosofia da libertação, a da teologi a da
libertação e a da pedagógica da libertação. Todas t ipicamente
latino-americanas.
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