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Aqueles que não amam a revolução, pelo menos devem temê-la”, General Carlos Guedes, Brasil, 1964. 01/04/2014 especial O GOLPE CIVIL-MILITAR DE 64 E SEUS REFLEXOS EM CAÇADOR Um resgate da história e o despertar de doloridas emoções de pessoas comuns que foram perseguidas, torturadas, ameaçadas, tiveram suas liberdades cerceadas e que ainda tentam entender o motivo de tamanha repressão; Em 2014, o golpe que instaurou a ditadura militar no Brasil completa 50 anos. Brasil, 31 de março de 1964. Ações deflagradas na madrugada deste dia culminaram com um gol- pe de estado que encerrou o governo do presidente Minha primeira lembrança é de ter sido acordada por vários homens do exército armados com metralhadoras”, Eliane Carpes, filha de João Pedro Pereira Carpes. Nas conversas se ouvia que Jango ia implantar o comunismo no Brasil, mas as pessoas nem entendiam o que era o comunismo”, Terezinha Nunes Garcia, advogada Angela Cardoso dos Santos Especial para Jornal Extra João Goulart, também co- nhecido como Jango. Nes- te dia o Brasil mergulhou em uma ditadura que du- rou 21 anos. A partir do vasto mate- rial bibliográfico sobre o assunto e com a gradual abertura dos documentos para domínio público a maioria dos autores defen- de que o golpe foi arquite- tado por integrantes das Forças Armadas, do em- presariado, da grande im- prensa e da sociedade civil brasileira. O objetivo era frear as chamadas reformas de base anunciadas por Jan- go: mudanças nas áreas bancária, fiscal, urbana, administrativa, agrária e universitária. O medo de parcelas mais importan- tes da sociedade brasileira era que o Brasil entrasse em um regime comunista a exemplo de Cuba e da União Soviética e para evi- tar isso, o governo norte americano garantiu a sua contribuição. O Brasil viveu o mais longo período de inter- rupção. Qualificado pela história como “os anos de chumbo”, o período da di- tadura foi marcado pela cassação de direitos civis, censura à imprensa, re- pressão violenta das mani- festações populares, assas- sinatos e torturas. Reflexos do golpe chegam a Caçador E m 1964 em Caça- dor-SC, Osvaldo Olsen fabrica o primeiro trator genuinamente brasileiro, acelerando assim, o desen- volvimento na área de má- quinas. No mesmo ano são inauguradas as novas ins- talações do Colégio Marista Aurora. Em 1967 é inau- gurada a Praça Nossa Se- nhora Aparecida e no ano seguinte, o prefeito Jucy Varella inaugura o prédio próprio da Prefeitura. Na cidade, boatos sobre o golpe e as ações nas prin- cipais capitais corriam en- tre os moradores. As infor- mações chegavam através do rádio, inclusive os dis- cursos inflamados e enérgi- cos do ex-deputado gaúcho Leonel de Moura Brizola. Os reflexos do golpe de estado demoraram alguns anos, mas chegaram ao município com prisões, au- tuações e violência. Em 1969, o jornal a Im- prensa Catarinense na edição número 121 de 21 de junho de 1969 trouxe como manchete a notícia que quatro caçadorenses haviam sido julgados pelo Conselho Permanente da Auditoria da 5ª região Mi- litar em Curitiba-PR: “Ca- çadorenses foram julgados. Quatro membros do Grupo dos 11 de nossa cidade en- frentaram a Auditoria da 5ª. RM”. A notícia replicava in- formação divulgada pelo jornal O Estado do Paraná: “Auditoria julga quatro da subversão dia 20”. Consta no jornal que os moradores de Caçador: Walsin Nunes Garcia, Dirceu de Almeida Lima, João Pedro Pereira Carpes e Custódio Eleuté- rio Maciel, “foram acusa- dos de organizar entidade de caráter paramilitar em Caçador no período ime- diatamente anterior à re- volução de 31 de março de 1964”. Custódio Eleutério Ma- ciel era na época, presi- dente do Sindicato dos Mo- toristas Profissionais em Caçador. O processo número 282 instaurado, colocou os ca- çadorenses como infrato- res do artigo 24 da lei 1802 (antiga lei de segurança nacional). Segundo denún- cia da promotoria da épo- ca, os caçadorenses foram denunciados por criar os chamados “Grupo dos 11 companheiros” seguindo orientação do ex-deputado Leonel Brizola. Ainda se- gundo denúncias, os caça- dorenses promoveram reu- niões no Clube 1º de Maio, distribuíram manifestos “brizolistas” e clandestina- mente introduziram armas na cidade de Caçador. No mesmo jornal, na edição de 28 de junho de 1969, a manchete: “Quatro caçadorenses foram conde- nados”. “A corte de Justiça sob orientação (sic) do juiz auditor Darcy Ricetti, re- solveu por maioria de vo- tos, condenar todos os acu- sados a um ano de reclusão como incursos no artigo 36 do decreto lei número 314/67. O acusado Dirceu de Almeida Lima o Mani- nho, logo após a decisão do Conselho Permanente foi recolhido à prisão provisó- ria de Curitiba”. Divulgação/Jornal Extra

Especial golpe 64

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documentário sobre o Golpe de 64 e seus reflexos em Caçador-SC

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“Aqueles que não amam a revolução, pelomenos devem temê-la”,

General Carlos Guedes,Brasil, 1964.

01/04/2014especialO GOLPE CIVIL-MILITAR DE 64E SEUS REFLEXOS EM CAÇADOR

Um resgate da história e o despertar de doloridas emoções de pessoas comuns que foram perseguidas, torturadas, ameaçadas, tiveram suas liberdades cerceadas e que ainda tentam entender o motivo de tamanha repressão; Em 2014, o golpe que instaurou a ditadura militar no Brasil completa 50 anos.

Brasil, 31 de março de 1964. Ações deflagradas na madrugada deste dia culminaram com um gol-pe de estado que encerrou o governo do presidente

“Minha primeira lembrança é de ter sido acordada por vários homens do exército

armados com metralhadoras”, Eliane Carpes, filha de JoãoPedro Pereira Carpes.

“Nas conversas se ouvia que Jango ia implantar o comunismo no Brasil, mas as pessoas nem

entendiam o que era o comunismo”, Terezinha Nunes Garcia, advogada

Angela Cardosodos SantosEspecial paraJornal Extra

João Goulart, também co-nhecido como Jango. Nes-te dia o Brasil mergulhou em uma ditadura que du-rou 21 anos.

A partir do vasto mate-rial bibliográfico sobre o assunto e com a gradual abertura dos documentos para domínio público a maioria dos autores defen-

de que o golpe foi arquite-tado por integrantes das Forças Armadas, do em-presariado, da grande im-prensa e da sociedade civil brasileira.

O objetivo era frear as chamadas reformas de base anunciadas por Jan-go: mudanças nas áreas bancária, fiscal, urbana,

administrativa, agrária e universitária. O medo de parcelas mais importan-tes da sociedade brasileira era que o Brasil entrasse em um regime comunista a exemplo de Cuba e da União Soviética e para evi-tar isso, o governo norte americano garantiu a sua contribuição.

O Brasil viveu o mais longo período de inter-rupção. Qualificado pela história como “os anos de chumbo”, o período da di-tadura foi marcado pela cassação de direitos civis, censura à imprensa, re-pressão violenta das mani-festações populares, assas-sinatos e torturas.

Reflexos do golpe chegam a Caçador

Em 1964 em Caça-dor-SC, Osvaldo Olsen fabrica o primeiro trator

genuinamente brasileiro, acelerando assim, o desen-volvimento na área de má-quinas. No mesmo ano são inauguradas as novas ins-talações do Colégio Marista Aurora. Em 1967 é inau-gurada a Praça Nossa Se-nhora Aparecida e no ano seguinte, o prefeito Jucy Varella inaugura o prédio próprio da Prefeitura.

Na cidade, boatos sobre o golpe e as ações nas prin-cipais capitais corriam en-tre os moradores. As infor-mações chegavam através do rádio, inclusive os dis-cursos inflamados e enérgi-cos do ex-deputado gaúcho Leonel de Moura Brizola.

Os reflexos do golpe de estado demoraram alguns anos, mas chegaram ao município com prisões, au-tuações e violência.

Em 1969, o jornal a Im-prensa Catarinense na edição número 121 de 21 de junho de 1969 trouxe como manchete a notícia que quatro caçadorenses haviam sido julgados pelo Conselho Permanente da Auditoria da 5ª região Mi-litar em Curitiba-PR: “Ca-çadorenses foram julgados. Quatro membros do Grupo dos 11 de nossa cidade en-frentaram a Auditoria da 5ª. RM”.

A notícia replicava in-formação divulgada pelo jornal O Estado do Paraná: “Auditoria julga quatro da subversão dia 20”. Consta

no jornal que os moradores de Caçador: Walsin Nunes Garcia, Dirceu de Almeida Lima, João Pedro Pereira Carpes e Custódio Eleuté-rio Maciel, “foram acusa-dos de organizar entidade de caráter paramilitar em Caçador no período ime-diatamente anterior à re-volução de 31 de março de 1964”.

Custódio Eleutério Ma-ciel era na época, presi-dente do Sindicato dos Mo-toristas Profissionais em Caçador.

O processo número 282 instaurado, colocou os ca-çadorenses como infrato-res do artigo 24 da lei 1802 (antiga lei de segurança nacional). Segundo denún-cia da promotoria da épo-ca, os caçadorenses foram

denunciados por criar os chamados “Grupo dos 11 companheiros” seguindo orientação do ex-deputado Leonel Brizola. Ainda se-gundo denúncias, os caça-dorenses promoveram reu-niões no Clube 1º de Maio, distribuíram manifestos “brizolistas” e clandestina-mente introduziram armas na cidade de Caçador.

No mesmo jornal, na edição de 28 de junho de 1969, a manchete: “Quatro

caçadorenses foram conde-nados”. “A corte de Justiça sob orientação (sic) do juiz auditor Darcy Ricetti, re-solveu por maioria de vo-tos, condenar todos os acu-sados a um ano de reclusão como incursos no artigo 36 do decreto lei número 314/67. O acusado Dirceu de Almeida Lima o Mani-nho, logo após a decisão do Conselho Permanente foi recolhido à prisão provisó-ria de Curitiba”.

Divulgação/Jornal Extra

01/04/2014especialDocumentos secretos revelam investigaçõesdo Exército em Caçador e região

Documento loca-lizado no portal Brasil: Nunca Mais revela as

incursões do Exército em Caçador e em outras cida-des da região para analisar a situação dos chamados “subversivos” (contra o re-gime).

Em documento data-do de 09 de abril de 1964, com selo do Ministério da Guerra e da 5ª Região Mili-tar e Divisão de Infantaria, consta ofício secreto onde um oficial é destacado para informar sobre as ações do “Grupo dos 11”.

“Desde o início da pre-conização do ex-deputado Brizola, pedindo a orga-nização da formação de “Grupo dos onze” em to-

dos os municípios, tive o cuidado de, discretamente observar a atuação dos gru-pos mais chegados, a polí-tica local, residentes nesta região, ligados a elementos da política da cúpula nacio-nal”, relata o oficial no do-cumento.

“Na área do proletaria-do dos municípios de Ca-çador e Videira, notava-se maior ligação da classe com líderes da política nacional e estadual. O suplente de deputado estadual po PTB Agostinho Mignoni em suas constantes jornadas, mantinha ligação direta com dirigentes do Sindica-to dos Oficiais Marcineiros e Trabalhadores das Indús-trias de Serrarias e Móveis de Caçador...”.

Ex-vereador de Caçador foi preso e torturado

João Pedro Perei-ra Carpes, então com 45 anos, foi preso em 1969

em sua casa em Caçador. Ele foi vereador por três mandatos: 1959-1963/1963-1967/1967-1970.

A filha Eliane Carpes que hoje mora no interior de São Paulo presenciou a prisão do pai. “Minha pri-meira lembrança é de ter sido acordada por vários homens do exército arma-dos com metralhadoras que foram prendê-lo em casa. Eu me agarrava nas pernas dele pra não dei-xar que o levassem. Eles usavam capotes verde oli-va e tinham aparência de monstros pra mim mas eu os enfrentei junto com mi-nha mãe. Aí ameaçaram levar ela também”. Eliane tinha quatro anos e meio.

A esposa de João Pe-dro, Laura era funcionária pública estadual, servente na escola Dante Mosconi, onde todos os filhos estu-davam na época da prisão.

Meus irmãos mais velhos passaram a trabalhar para ajudar em casa e os corre-ligionários amigos do pai nos ajudavam com cestas básicas e também com o transporte até Curitiba para vê-lo. Mas éramos apontados na rua como fi-lhos de bandido. Ninguém sabia o que estava aconte-cendo e o motivo dele es-tar preso”, comenta.

A filha relata que João Pedro ficou preso por um ano e alguns meses. Ini-cialmente no presídio em Curitiba onde presenciou coisas horríveis e sofreu tortura psicológica, mas não física. Depois na ca-deia pública de Caçador onde foi respeitado. “Ele ficou muito abalado. Con-tava que não deixavam ele dormir ligando refletores dentro do cubículo em que ficou preso em Curitiba. E torturavam estudantes forçando ele a assistir. En-fiavam ratos vivos na geni-tália de moças estudantes. Ele sofreu com insônia e

pesadelos por muito tem-po”, conta.

João Pedro foi julgado inocente da acusação de subversivo. Mas na volta a Caçador perdeu o em-prego. “Ele teve apoio de muitos amigos e conti-nuou sua vida política, era

o que amava. Nas eleições de 78 ele não se reelegeu e sentiu-se traído, ficou deprimido e foi o que pro-vocou nossa vinda para Itapeva – SP em junho de 1980”, conta a filha. João Pedro morreu em 1989, ví-tima de câncer intestinal.

Em 2002, o Ministério da Justiça declarou João Pedro Pereira Carpes anistiado político “post mortem” e concedeu em favor da esposa Laurenti-na Maria Pereira repara-ção econômica, de caráter indenizatório.

João Pedro Pereira Carpes foi vereador por três mandatos

01/04/2014especial

INTERROGADOS

Dia 14 de maio de 1964, na sede do Tiro

de Guerra 172 em Caça-dor, o então inspetor de ensino Walsin Nunes Garcia, foi interrogado sobre a responsabilida-de de crimes pratica-dos contra o Estado e a ordem política e social. O encarregado pelo in-quérito era Ronaldo Cunha Costa, primeiro tenente.

O chamado Termo de Perguntas ao Indi-ciado foi encontrado no site da iniciativa Brasil: Nunca Mais: http://bnmdigital.mpf.mp.br/#!/pesquisar-no--acervo

No portal foram en-contrados outros diver-sos documentos onde é citada a cidade de Caça-dor e pessoas acusadas de subversão. No site,

na página de pesquisa tem o seguinte alerta: “Parcela expressiva dos depoimentos de presos políticos e das demais informações in-seridas nos processos judiciais foram obtidas com uso de tortura e outros meios ilícitos e não podem ser consi-derados como absoluta expressão da verdade”.

Os documentos com os interrogatórios de Walsin Nunes Garcia, João Pedro Pereira Carpes e assim como de outros moradores de Caçador revelam a preocupação das forças militares em identificar integrantes do “Grupo dos Onze”, tidos como apoiadores dos pensa-mentos de Brizola, co-munistas e demais cor-rentes contra o regime e contra a situação do Brasil na época.

Pessoas foram presas noestádio municipal de Caçador

O Tiro de Guerra jun-to com ofi-ciais de ou-

tras guarnições efetuou prisões em Caçador en-tre 1964 e 1969. Infor-mações de pessoas que viveram no município na época revelam que de 30 a 40 pessoas che-garam a ser detidas no estádio municipal em certa ocasião. O local foi escolhido pela falta de espaço na delegacia de polícia e mesmo no Tiro de Guerra.

Um relatório do in-quérito policial militar realizado na Guarnição do 5º Batalhão de En-genharia de Combate revela a situação de Caçador e nomes de pessoas consideradas suspeitas.

O documento de 1964 traz o nome de 14 pessoas que foram detidas para averigua-ções: João Pedro Pe-reira Carpes, José Gia-comini Filho, o Timpa (jornalista), Walsin Nu-nes Garcia e sua filha Terezinha, Hennio Tor-tato, Adalberto Nicolau Petry, Custódio Eleu-tério Maciel, Balduino Cornelli, Alceu Pereira dos Santos, Marcoli-no Moreto, Vitor Hugo Petry, Benjamin Ferrer Figueiredo, João Alves Carneiro e Albino Po-trick.

Estas pessoas foram tachadas como subver-sivas conforme infor-mações prestadas pelo delegado regional de polícia na época, Ewal-do Vilella.

Documento do Ministério da Guerra, datado de 21 de abril de 1964 e elaborado pelo TG número 172 da cidade de Caçador revela “indícios de atividades subversivas” no município.

Os fatos que constam no relatório revelam a apreen-são de livros e revistas tidas como subversivas, além da interceptação de mensagem dando a entender que al-guns elementos ligados ao então presidente Goulart cogitaram a intervenção da Prefeitura, da Agência DCT, da Rádio Caçanjurê e do TG 172.

Os suspeitos desta ação, de acordo com o documento eram: jornalista José Giaco-mini Filho, o Timpa, vere-ador João Pedro Carpes e João A. Carneiro. O relató-rio cita que os indícios sobre a ação foram obtidos a partir de “comentários populares”.

Intervenção naPrefeitura de Caçador?

01/04/2014especialO “Grupo dos Onze” em Caçador

Relatórios do Mi-nistério da Guerra produzidos a par-tir de investiga-

ções conduzidas em Caçador citam que o Grupo dos Onze chegou a ser criado no muni-cípio e que um dos “líderes intelectuais” era o então ins-petor de ensino Walsin Nunes Garcia, “pessoa vastamente relacionada em Caçador”, cita o relatório.

A advogada Terezinha Nunes Garcia, filha de Wal-sin, conta que antes de 1964 o Exército já estava se prepa-rando com informantes em vários locais. “E aí quando surgiu o golpe, quem tinha sido simpatizante ou membro do PTB e outros partidos que apoiavam o Governo de João Goulart, vice-presidente do Jânio Quadros e vários parti-dos que apoiavam eram sub-versivos”.

Ela conta que as pessoas não entendiam muito bem o que estava sendo discutido ou mesmo proposto pelo en-tão presidente Jango. “Pesso-as muito conservadoras não queriam mudanças ou evolu-ção na parte dos direitos tra-balhistas. Nas conversas se ouvia que Jango ia implantar o comunismo no Brasil, mas as pessoas nem entendiam o que era o Comunismo e pin-tavam de uma forma terrível, quando na realidade a grande

maioria não tinha nada a ver com o comunismo. Era uma resistência a favor da legali-dade”, salienta.

Ela cita ainda que Leonel Brizola montou uma resis-tência ao golpe. “Mas infeliz-mente acabou prevalecendo o golpe militar e nas cidades do interior era assim: quem era do partido do Jango eram consideradas pessoas perigo-sas e começaram a ser perse-guidas. E meu pai foi um de-les”, recorda.

Walsin Nunes Garcia se casou em São Borja e o pai de João Goulart foi seu padrinho de casamento. “Meu pai, na ocasião, passou um telegrama de apoio ao João Goulart e aí veio o pessoal e levou meu pai e outras pessoas para o cam-po de futebol. Foi instaurado inquérito policial militar e meu pai respondeu em Curi-tiba. Ele ficou detido, depois respondeu processo em liber-dade. Foi apenado inclusive, diziam que ele tinha ajudado o Jango. Tinha vínculos de partido sim, era simpatizante das ideias do partido traba-lhista e tinha ainda o vínculo familiar muito próximo. Meu avô materno era muito amigo do seu Vicente Goulart, pai do Jango. Meu pai teve que ficar foragido uma época. Ficou em Curitiba. Foram anos de chumbo mesmo”, relata Tere-zinha.

“Fui incluída como subversiva”

Em 1964 já como ad-vogada, Terezinha Nunes Garcia, estava atuando em Caçador.

Dentro do clima de tensão que viveu em função da detenção de seu pai, ainda enfrentou uma invasão em sua casa. “Veio um delegado e levou vários livros do escritório, livros e revistas fran-cesas. Anos depois veio o pedi-do de desculpas e devolveram o material. Logo fui incluída como subversiva, mas isso foi rapida-mente resolvido. Cheguei a ser fichada. Mas logo viram que não tinha nada a ver realmente, que era um idealismo, a luta por um mundo melhor, algo que a gente conserva até hoje”.

A situação na época era com-plicada de acordo com a advo-gada porque as pessoas tinham

medo de falar. “As pessoas tinha medo de falar, medo de aparecer. Foi traumático para mim, para a família. Quem nos conhecia foi muito solidário, muito leal, as outras pessoas que não nos co-nheciam, tinham medo, tinham receio. Muitas pessoas ficaram com receio, por não saber ao certo o que era o comunismo. Você não podia fazer a menor critica ao Governo, porque ai a SNI e os agentes anotavam, re-gistravam”.

Terezinha lembra que ape-sar da afronta ao estado de direito das pessoas, em Caça-dor não houve excessos como registrados em outras regiões do país. “Não houve excessos, mas foi algo que marcou sim, algo impactante. A gente esta-va até então vivendo num re-

gime democrático, mas isso foi interrompido. Jamais naquela época a gente podia conversar como hoje estamos conversan-do. A censura funcionou de forma violenta. Não chegou ao ponto de queima de livros, mas foi uma censura muito forte, à imprensa principalmente. Eu tinha livros de Direito e assina-va revistas francesas, porque eu estava estudando a língua e queria praticar o idioma fran-cês. Eu praticava o idioma e acompanhava os acontecimen-tos. Toda a semana eu recebia o Diplomatique, Le Monde e outros. Eles vieram e levaram muitos livros, revistas, jornais. Eu achei até engraçado na épo-ca. Pensava: Nossa... quanta ignorância, porque não havia nada. (risos)”.

Terezinha teve sua casa invadida e material apreendido

Um atirador que apoiava a reforma agrária

A realidade em Caçador na década de 60 era de um desenvolvimen-to a passos lentos. O

transporte de madeiras e de ou-tros produtos era feito com car-roças e estas eram emplacadas e com carroceiros devidamente habilitados para guiar. Nesta at-mosfera, o jovem Eloi Svirski, então com 16 anos saía da linha Adolfo Konder onde morava com a família para entregar leite na cidade. Com o alistamento fez parte da turma de atiradores de 1967 com o sargento Raul Silva.

A movimentação do golpe de 64 era discutida aos cochichos

pela cidade. Ele passou a atuar como cobrador e percorria a pé a cidade toda ouvindo aqui e ali, informações sobre os discursos do Brizola, o regime militar e a situação em geral do Brasil. “Eu simpatizava com os discursos do Brizola. Tinha 16 anos e concor-dava, em especial, na parte da reforma agrária. Já meus pais e avós não. Eles tinham outra vi-são já que viveram o sofrimento da guerra, o confisco de bens que aconteceu na Europa”, comenta Svirski.

“Era uma época difícil, as pessoas comuns não podiam comprar um pedaço de terra. E

os discursos do Brizola iam de encontro ao que o povo alme-java. Para mim o golpe militar aconteceu porque o capitalismo se sentiu ameaçado com os dis-cursos do Brizola. As pessoas que tinham não queriam per-der”, completa.

No Tiro de Guerra, junto com outros atiradores, Eloi realizou seu treinamento de forma nor-mal, sem interferências mesmo com o estado de exceção no qual o país vivia. “O sargento não pas-sava nada, não falava nada para nós”. Mas o clima de tensão era sentido nas ruas em Caçador. “Os chamados subversivos eram

presos, sem conversa. Você não podia emitir opiniões. A cidade era pequena e foram vários pre-sos, todos conhecidos. Chama-

vam de comunistas ou subversi-vos, mas eram pessoas comuns, que emitiam opiniões sobre a situação do Brasil”, destaca.

Elói Svirski foi atirador do TG em 1967

Jorge Tadeu