Est Recep Teoria Efeito

ESTTICA DA RECEPO E TEORIA DO EFEITO

Mrcia Hvila Mocci da Silva Costa1 INTRODUO

O conceito de texto literrio como puro fenmeno, defendido pela corrente

fenomenolgica, pressupe a presena do leitor como a figura que percebe, em sua

conscincia, a essncia da criao literria. Tal perspectiva justifica a influncia da

Fenomenologia sobre os estudos da recepo. Martin Heidegger (1889-1976), discpulo de

Husserl, ampliou as discusses de seu mestre ao propor um modelo filosfico baseado na

fenomenologia hermenutica, e, a partir do qual a teoria literria se baseie em questes de

interpretao histrica e no na conscincia transcendental. (EAGLETON, 1997, p. 90).

Segundo Eagleton (1997), a hermenutica de Heidegger recebeu nova direo por

meio dos estudos do filsofo Hans Georg Gadamer (1900-2002), o qual ampliou o espao do

leitor ao afirmar que, na interpretao de uma obra do passado, existe a possibilidade de

emergir um novo significado para o texto, dependendo da posio histrica do leitor e da sua

capacidade de dialogar com o texto: Quando a obra passa de um contexto histrico para

outro, novos significados podem ser dela extrados. (EAGLETON, 1997, p. 98). Isso se torna

possvel por meio do cruzamento dos horizontes de expectativa da obra com o do leitor, no

momento da leitura.

Sendo assim, de acordo com sua posio histrica e experincias anteriores, o leitor

vai conquistando, aos poucos, seu papel como produtor de sentidos. Vrios so os autores que

abordam a literatura sob o enfoque da recepo: Roman Ingarden, em A obra de arte

literria, (1931); Roland Barthes, em O prazer do texto (1937); Hans Robert Jauss, com A

histria da literatura como desafio teoria literria (1967); Umberto Eco, em Leitura do

texto literrio (1979); Wolfgang Iser, com O ato da leitura uma teoria do efeito esttico

(1976); Stanley Fish, com Is there a text in this class? (1980), entre outros. Neste trabalho

abordaremos os estudos desenvolvidos pelos alemes Hans Robert Jauss e Wolfgang Iser,

integrantes da vertente terica da Esttica da Recepo.

HANS ROBERT JAUSS E A RECEPO HISTRICA

1 Mestranda do Programa de Ps-graduao em Letras da Universidade Estadual de Maring UEM.

Ravena BrazilHighlight



A Esttica da Recepo surge a partir das consideraes tericas realizadas por Hans

Robert Jauss (1921 1997) em aula inaugural, em 1967, na Universidade de Constana. Na

palestra, com o ttulo de O que e com que fim se estuda a histria da literatura? Jauss faz

uma crtica maneira pela qual a teoria literria vem abordando a histria da literatura,

considerando os mtodos de ensino, at ento, tradicionais e propondo reflexes acerca dos

mesmos. A conferncia de Jauss publicada, em 1969, com o ttulo de A histria da

literatura como provocao teoria literria2, aps a ampliao de algumas idias pelo autor.

A crtica de Jauss histria da literatura baseia-se no fato de que, em sua forma

habitual, a teoria literria ordena as obras de acordo com tendncias gerais; ora abordando as

obras individualmente em seqncia cronolgica, ora seguindo a cronologia dos grandes

autores e apreciando-os conforme o esquema de vida e obra (JAUSS, 1994, p.6). A

segunda tendncia corresponde ao estudo dos autores cannicos da Antigidade Clssica e

no deixa espao de reconhecimento para os menores.

Jauss (1994) argumenta que a histria da literatura, ao seguir um cnone ou

descrever a vida e obras de alguns autores em seqncia cronolgica, deixa de contemplar a

historicidade das obras, desconsiderando, portanto, o lado esttico da criao literria, uma

vez que

a qualidade e a categoria de uma obra literria no resultam nem das condies histricas ou biogrficas de seu nascimento, nem to-somente de seu posicionamento no contexto sucessrio no desenvolvimento de um gnero, mas sim dos critrios da recepo, do efeito produzido pela obra e de sua fama junto posteridade. (JAUSS, 1994, p.8)

Na tentativa de superar o abismo entre literatura e histria, conhecimento histrico e

esttico, Jauss (1994) apropria-se das contribuies das diversas maneiras de interpretar a

literatura, presentes nas concepes tericas de ento, qual sejam, o marxismo e o

estruturalismo.

A teoria literria marxista, a partir de uma viso sociolgica, procura demonstrar a

ligao entre literatura e realidade social. Ao considerar como literria, apenas as obras que

possam refletir situaes relacionadas aos conflitos sociais de poder, a viso marxista vincula

a obra literria a uma esttica classista. O leitor, sob essa perspectiva, torna-se o sujeito que

iguala suas experincias pessoais ao interesse cientfico do materialismo histrico. (JAUSS,

1994)

2 Embora o texto original tenha sido publicado em 1969, sempre que nos referirmos obra, estaremos utilizando a edio brasileira publicada pela editora tica, em 1994.




Os formalistas surgem na Rssia e divulgam suas idias da dcada de 1920. Fazem

parte de um segmento terico que valoriza a realidade material do texto literrio em

detrimento da reflexo sobre a realidade social. Eagleton (1997) argumenta que, para os

tericos dessa vertente, a literatura torna-se um pretexto para a forma e o leitor, sob esse

enfoque, simplesmente, segue as indicaes textuais, distinguindo sua forma e adequando os

procedimentos especficos para a leitura de cada tipo de texto.

Desvinculando a literatura de qualquer condicionante histrico, os formalistas

privilegiam a essncia do texto. A obra literria, portanto, demonstra a maneira pela qual o

artista concebe a realidade, mas apenas como indivduo dotado de conscincia emprica e

transcendental, no como um ser social. Nessa perspectiva, estuda-se o texto na busca das

estratgias verbais utilizadas para conferir-lhe literariedade, caracterstica que, segundo o

formalismo, diferencia a linguagem potica da cotidiana.

As estratgias utilizadas para compor a linguagem literria, sob o vis formalista,

tm a capacidade de desautomatizar a percepo dos indivduos. Isso ocorre porque o texto

literrio proporciona um certo estranhamento ao leitor, que se depara, dentro da estrutura

da obra, com situaes do cotidiano descritas de forma singular. O estranhamento ter maior

eficcia, no processo de criao literria, quanto mais distante do padro dominante estiverem

os elementos fornecidos pelo artista contemplao.

O que determina, portanto, o valor de uma obra literria, para os formalistas, a

soma de seus componentes artsticos e a possibilidade de a mesma romper com a viso

rotineira dos fatos; por conseqncia, a recepo alia-se distino da forma. A historicidade

da literatura, inicialmente negada pelo formalismo, reaparece ao longo da construo do

mtodo formalista e obriga-o a repensar os princpios da diacronia.

Tanto a viso marxista como a formalista deixam de analisar a recepo e o efeito

das obras sobre o leitor, atribuindo-lhe um papel passivo. A escola marxista interessa-se pelo

leitor na medida em que esse caracteriza uma posio social e a formalista o v como o sujeito

da percepo, a quem compete apenas distinguir a forma e procedimentos do texto literrio.

As duas concepes, portanto, deixam de analisar o leitor como o destinatrio, a quem toda

obra literria, primeiramente, visa.

Contrapondo-se a essas concepes tericas, mas, ao mesmo tempo, apropriando-se

de suas contribuies, Jauss (1994) concebe a relao entre leitor e literatura baseando-se no

carter esttico e histrico da mesma. O valor esttico, para o autor, pode ser comprovado por

meio da comparao com outras leituras; o valor histrico, atravs da compreenso da



recepo de uma obra a partir de sua publicao, assim como pela recepo do pblico ao

longo do tempo.

Jauss (1994) apresenta os fundamentos de sua teoria sobre a recepo a partir de sete

teses; segundo Zilberman (1989), as quatro primeiras tm caractersticas de premissa e as trs

ltimas apontam para a ao.

A primeira tese formulada por Jauss (1994) diz respeito historicidade da literatura;

que no se relaciona sucesso de fatos literrios, mas ao dilogo estabelecido entre a obra e

o leitor. Sobre esse aspecto Zilberman (1989, p.33) se posiciona, afirmando que a relao

dialgica entre o leitor e o texto [...] o fato primordial da literatura, e no o rol elaborado e

depois de concludos os eventos artsticos de um perodo. A historicidade coincide, portanto,

com a atualizao da obra literria.

Na segunda tese, Jauss (1994) afirma que o saber prvio de um pblico, ou o seu

horizonte de expectativas, determina a recepo, e a disposio desse pblico est acima da

compreenso subjetiva do leitor. O novo, apresentado pela literatura, dialoga com as

experincias que o leitor possui. A nova obra suscita expectativas, desperta lembranas e

conduz o leitor a determinada postura emocional e, com tudo isso, antecipa um horizonte

geral da compreenso. (JAUSS, 1994, p. 28) Sendo assim, a recepo se torna um fato social

e histrico, pois as reaes individuais so parte de uma leitura ampla do grupo ao qual o

homem, em sua historicidade, est inserido e que torna sua leitura semelhante de outros

homens que vivem a mesma poca.

O conceito de horizonte de expectativas um dos postulados bsicos da teoria de

Jauss (1994) e engloba o limite do que visvel e est sujeito a alteraes e mudanas,

conforme as perspectivas do leitor. O horizonte de expectativas responsvel pela primeira

reao do leitor obra, pois encontra-se na conscincia individual como um saber construdo

socialmente e de acordo com o cdigo de normas estticas e ideolgicas de uma poca.

A terceira tese postula que o texto pode satisfazer o horizonte de expectativas do

leitor ou provocar o estranhamento e o rompimento desse horizonte, em maior ou menor grau,

levando-o a uma nova percepo da realidade. A distncia entre as expectativas do leitor e sua

realizao denominada por Jauss de distncia esttica e determina o carter artstico de

uma obra literria. (JAUSS, 1994, p. 31) Como o horizonte de expectativas varia no decorrer

do tempo, uma obra que surpreendeu pela novidade, pode tornar-se comum e sem grandes

atrativos para leitores posteriores; por isso, o autor entende que as grandes obras sero aquelas

que conseguirem provocar o leitor de todas as pocas, permitindo novas leituras em cada

momento histrico.


Na quarta tese, Jauss (1994) prope examinar as relaes atuais do texto com a

poca de sua publicao, averiguando qual era o horizonte de expectativas do leitor de ento e

a quais necessidades desse pblico a obra atendeu. Dessa forma, por meio da releitura e do

dilogo com a poca primeira, a histria da literatura recupera a historicidade do texto

literrio. A possibilidade de distintas interpretaes entre a recepo do passado e a

atualizao no presente, com diferentes respostas oferecidas a novas perguntas, em pocas

distintas, a marca de sua historicidade; de uma histria atuante em oposio existncia de

um esprito de poca homogeneizante. Assim, o modelo proposto por Jauss liberta a

literatura do confinamento das obras de um determinado perodo.

As trs ltimas teses apresentam uma metodologia, por meio da qual, Jauss (1994)

prev o estudo da obra literria; qual sejam, os aspectos diacrnico, sincrnico e relacionados

com a literatura e a vida. O aspecto diacrnico, exemplificado na quinta tese, diz respeito

recepo da obra literria ao longo do tempo, e deve ser analisado, no apenas no momento da

leitura, mas no dilogo com as leituras anteriores. Esse pressuposto demonstra que o valor de

uma obra literria transcende poca de sua apario e o novo no apenas uma categoria

esttica, mas histrica, porquanto conduz anlise. A contemplao diacrnica somente

alcana a dimenso verdadeiramente histrica quando no deixa de considerar a relao da

obra com o contexto literrio no qual ela, ao lado de outras obras de outros gneros, teve de se

impor.

A partir do aspecto sincrnico, abordado na sexta tese, a histria da literatura

procura um ponto de articulao entre as obras produzidas na mesma poca e que provocaram

rupturas e novos rumos na literatura. A sincronia, no entender de Jauss (1994), fator

importante para a compreenso de um aspecto especfico da historiografia da literatura, pois,

ao se comparar obras de um mesmo perodo histrico, demonstra-se a evoluo literria que

prioriza um gnero em relao a outros contemporneos.

A proposta da Esttica da Recepo o dilogo entre diacronia e sincronia no

processo de compreenso total da obra, sendo que a historicidade da literatura revela-se

justamente nos pontos de interseco entre ambas.

A experincia literria no deve ser pensada apenas por meio do aspecto diacrnico, no se devendo confrontar somente os horizontes de expectativas de um mesmo texto atravs do tempo, mas verificar as relaes que se estabelecem entre os horizontes de expectativas de diferentes obras simultneas. (AGUIAR, 1996, p. 29)

A relao entre literatura e vida, explicitada na stima tese de Jauss (1994),

pressupe uma funo social para a criao literria, pois, devido ao seu carter emancipador,

abre novos caminhos para o leitor no mbito da experincia esttica. O fato de o leitor ser

capaz, por meio da literatura, de visualizar aspectos de sua prtica cotidiana de modo

diferenciado justamente o que provoca a experincia esttica, pois a funo social somente

se manifesta na plenitude de suas possibilidades quando a experincia literria do leitor

adentra o horizonte de expectativas de sua vida prtica. (JAUSS, 1994, p. 50)

Na medida em que a literatura propicia rupturas e a veiculao de conceitos e

normas delineia-se seu aspecto social e formador. Quando, ao contrrio, promove a

perpetuao dos padres de conduta da sociedade vigente, no entender de Jauss (1994), torna-

se uma literatura de culinria, de carter reprodutor e pouca qualidade esttica. A

contribuio da literatura na vida social se d justamente quando, por meio da representao,

ela promove a queda de tabus da moral dominante e oferece ao leitor possveis solues para

os problemas de sua vida.

A experincia esttica, segundo Jauss (1979)3, torna-se emancipadora na medida em

que abarca trs atividades primordiais, que, embora distintas, relacionam-se entre si: a poesis,

a aisthesis e a katharsis. A poesis compreende o prazer do leitor ao sentir-se co-autor da obra

literria; a aisthesis, o prazer esttico advindo de uma nova percepo da realidade,

proporcionada pelo conhecimento adquirido por meio da criao literria e a katharsis, o

prazer proveniente da recepo e que ocasiona, tanto a liberao, quanto a transformao das

convices do leitor, mobilizando-o para novas maneiras de pensar e agir sobre o mundo.

O prazer esttico envolve participao e apropriao, uma vez que, diante da obra

literria, o leitor percebe sua atividade criativa de recepo da vivncia alheia. A experincia

esttica consiste em que o leitor sinta e saiba que seu horizonte individual, moldado luz da

sociedade de seu tempo, mede-se com o horizonte da obra e que, desse encontro, lhe advm

maior conhecimento do mundo e de si prprio. (AGUIAR, 1996, p. 29) A experincia

esttica, portanto, compreende prazer e conhecimento; e, por meio do dilogo entre texto e

leitor, a criao literria atua sobre um pblico oferecendo padres de comportamento e, ao

mesmo tempo, emancipando-o.

WOLFGANG ISER E A RECEPO IMPLCITA

3 O artigo intitula-se O prazer esttico e as experincias fundamentais da: Poesis, Asthesis e kartharsis e est incluso em uma coletnea de ensaios de vrios membros da escola de Constana e organizados por Luiz Costa Lima.

Enquanto Jauss centraliza seus estudos na fenomenologia da resposta pblica ao

texto, o terico alemo, Wolfgang Iser (1926 - 2007), busca respostas para suas indagaes no

ato individual da leitura. A concepo terica elaborada por Iser (1996), a Teoria do Efeito,

tem sua origem nos estudos de Roman Ingarden (1893-1970) e, como o prprio nome diz,

analisa os efeitos da obra literria provocados no leitor, por meio da leitura. Iser (1996)

previlegia a experincia da leitura de textos literrios como uma maneira de elevar a

conscincia ativamente, realando o papel da mesma na investigao de significados. A

fenomenologia de Husserl, Ingarden, Gadamer e Poulet influenciaram e contriburam para a

elaborao da proposta de Iser.

Os estudos de Ingarden, publicados em A obra de arte literria4 (1979), previam o

texto como uma estrutura potencial, com indeterminaes que deveriam ser concretizadas

corretamente pelo leitor. Tal premissa limitava a atividade do leitor, restringindo-o a um

mero preenchedor, ou seguidor de instrues. A proposta de Iser (1996), mais liberal, concede

ao leitor maior participao no texto, possibilitando-lhe concretizar a obra por meio de vrias

interpretaes. Essa generosidade, porm, condicionada por uma instruo rigorosa: o

leitor deve construir o texto de modo a torn-lo internamente coerente. (EAGLETON, 1997,

p. 111). Por no considerar a concretizao proposta por Ingarden, uma comunicao

efetiva entre o leitor e o texto, Iser (1996) prope os espaos vazios, comentados mais

adiante.

Ingarden (1979) argumenta que uma obra literria nunca apreendida totalmente,

pois as normas e valores que o leitor possui so modificados pela experincia da leitura e os

acontecimentos imprevistos que surgem, no decorrer desta, obrigam-no a reformular suas

expectativas e reinterpretar o que j leu. Dessa forma, a leitura caminha em duas direes

distintas, para frente, atravs da reformulao das expectativas e para trs reinterpretando o

que j foi lido.

Em sua obra O ato da leitura: uma teoria do efeito esttico5 (1996), Iser formula a

tese de que o texto um dispositivo a partir do qual o leitor constri suas representaes. A

qualidade esttica de uma obra literria est, portanto, na estrutura de realizao do texto e

na forma como ele se organiza, pois so as estruturas textuais que propiciam ao leitor

experincias reais de leitura. Em suas palavras: O papel do leitor representa, sobretudo, uma

4 A primeira edio, publicada na Alemanha, data de 1930. Neste artigo, utilizamos a segunda edio da traduo portuguesa, publicada em Lisboa, em 1979.5 A primeira edio alem de 1976. No Brasil, a obra foi traduzida e dividida em dois volumes, em 1996 e 1999, respectivamente.

inteno que apenas se realiza atravs dos atos estimulados no receptor. Assim entendidos, a

estrutura do texto e o papel do leitor esto intimamente ligados. (ISER, 1996, p.75)

Retomando o modelo de Ingarden, Iser (1996) caracteriza o texto literrio pela

incompletude; para ele, a literatura se realiza na leitura. Tal acepo provoca ambigidade: a

literatura tem existncia dupla, existe independentemente da leitura, nos textos e bibliotecas, e

potencial, pois concretiza-se atravs da leitura. Para o terico, o verdadeiro objeto literrio

no o texto objetivo e nem a experincia subjetiva, mas a interao entre ambos. A

comunicao entre o texto e o leitor ocorre por meio do dilogo, pois, o texto ficcional deve

ser visto principalmente como comunicao, enquanto a leitura se apresenta em primeiro

lugar como uma relao dialgica. (ISER, 1996, p. 123).

Regina Zilberman em Fim do livro, fim dos leitores? (2001) reporta-se a Ingarden ao

afirmar que os textos literrios, devido s indeterminaes, particularizam-se mais pela falta

do que pela presena. Os espaos ou lacunas existentes na obra literria necessitam da

interveno do leitor para complet-los; ao faz-lo, o leitor torna-se co-produtor do ato de

criao. E conclui: So as indeterminaes que permitem ao texto comunicar-se com o

leitor, induzindo-o a tomar parte na produo e compreenso da inteno da obra.

(ZILBERMAN, 2001, p. 51). A participao do leitor se d, portanto, atravs da imaginao e

da cooperao interpretativa.

A teoria proposta por Iser (1996) abarca algumas concepes dos formalistas, no que

diz respeito valorizao do texto enquanto estrutura textual e noo de desfamiliarizao

ou estranhamento. O estranhamento ocorre porque a literatura, ao apresentar os fatos da

vida, fora a uma conscincia e reviso de expectativas; obra literria desconfirma nossos

hbitos rotineiros de percepo e com isso nos fora a reconhec-los, pela primeira vez, como

realmente so. (EAGLETON, 1997, p. 108).

Em outras palavras, o texto literrio, ao desconstruir o que familiar, desperta o

leitor para o que lhe familiar e para as normas que estabelecem essa normalidade, fazendo

com que, a partir da observao e contraste, ele passe a ter conscincia crtica da sua

realidade. medida que o texto evidencia um aspecto deficitrio do sistema, ele oferece uma

possvel compreenso do funcionamento do sistema (ISER, 1996, p. 139). Dessa forma, a

literatura situa o leitor em seu momento histrico, pois, possibilita-lhe, por meio da leitura,

distanciar-se de sua realidade e participar das experincias de outros.

Em relao continuidade e deslocamento da obra literria em pocas distintas, Iser

(1996) se apoia em Jauss (1994) ao argumentar que os textos no se comunicam apenas com

os leitores contemporneos, mas, ao longo do tempo, dialogam com outros pblicos sem

perder seu aspecto inovador, assumindo formas diferentes conforme o repertrio desse novo

pblico.

Uma das principais premissas tericas de Iser (1996) o leitor implcito, entendido

como uma estrutura textual que oferece pistas sobre a conduo da leitura. Tal leitor s

existe na medida em que o texto determina sua existncia e as experincias processadas, no

ato da leitura, so transferncias das estruturas imanentes ao texto. A partir dessa concepo,

o leitor passa a ser percebido como uma estrutura textual (leitor implcito) e como ato

estruturado (a leitura real).

Por no possuir existncia real, o leitor implcito emerge das estruturas textuais, na

medida em que estas reivindicam sua participao. Assim, a criao literria, atravs de sua

organizao textual, antecipa os efeitos previstos sobre o leitor; porm, os princpios de

seleo que possibilitam a atualizao do texto so particulares a cada leitor. As perspectivas

do texto visam um ponto de referncia, assumindo carter instrutivo, todavia, o ponto

comum de referncias, no entanto, no dado enquanto tal e deve ser por isso imaginado.

nesse ponto que o papel do leitor, delineado na estrutura do texto, ganha seu carter efetivo.

(ISER, 1996, p.75)

Aguiar (1996), reportando-se a Iser, apresenta a presena de dois plos distintos na

obra literria: o plo artstico, que se refere obra criada pelo artista e o plo esttico, cuja

realizao levada a efeito pela atividade do leitor: O processo de leitura define-se como a

concretizao do objeto artstico (obra) em objeto esttico (texto). (AGUIAR, 1996, p. 29).

A partir do que, podemos definir o leitor como uma funo transformadora, pois, devido a sua

ao, a obra literria deixa de ser simples artefato artstico para tornar-se objeto esttico.

Ao conjunto de normas sociais, histricas e culturais trazidas pelo leitor como

bagagem leitura, Iser (1996) chama repertrio e este diz respeito ao sistema de normas

extra-literrias que constituem o pano de fundo da obra. O texto literrio tambm apela para

o repertrio, na medida em que pe em jogo um conjunto de normas. A leitura potencializa a

unio do repertrio do leitor real e o repertrio do texto (leitor implcito).

A identificao entre leitor e texto ocorre a partir da interao entre ambos e surge

como conseqncia do confronto do horizonte de expectativas do leitor e da obra. Durante a

leitura, o leitor utiliza estratgias de seleo por meio das quais confronta suas expectativas

com as do texto. As estratgias so responsveis pela organizao do repertrio, por meio das

perspectivas do narrador, das personagens e do prprio enredo.

O conceito de perspectividade, abordado por Iser (1996), fundamental para que se

compreenda a relao texto/leitor. Segundo o terico, o texto um sistema perspectivstico

em que os elementos textuais so selecionados atravs das estratgias e combinados por meio

do repertrio. O texto oferece diferentes vises do objeto, por meio dos vrios pontos de vista

apresentados, isso ocorre porque

cada perspectiva no apenas permite uma determinada viso do objeto intencionado, como tambm possibilita a viso das outras. Essa viso resulta do fato de que as perspectivas referidas no texto no so separadas entre si, muito menos se atualizam paralelamente. (ISER, 1996, p. 179)

Para Iser (1996), a perspectividade interna do texto possui uma estrutura, que ele

denomina de estrutura de tema e horizonte. Essa estrutura responsvel pela conduo do ato

da leitura, uma vez que o leitor, no sendo capaz de abarcar todas as perspectivas imanentes,

escolhe entre uma e outra. A perspectiva adotada pelo leitor, em determinado momento da

leitura, constitui o tema, sendo que o horizonte passa a ser uma perspectiva j superada, e que,

ou serve como pano de fundo para o tema atual, ou se transforma em um novo tema.

O entrecruzamento das perspectivas do leitor, durante a leitura, o que determina

suas representaes e, conforme a construo de significados que ele atribui, as perspectivas

podem emergir tanto do tema (primeiro plano), quanto do horizonte (segundo plano). Dessa

forma, o ponto de vista do leitor vai se movimentando alternadamente, o que era tema, em

determinado momento, transforma-se em horizonte e vice-versa.

Durante a leitura, a perspectiva do leitor pode divergir da perspectiva da obra, o que

ocasiona uma fuso dos horizontes de ambos, conduzindo o leitor reflexo sobre suas

concepes de vida e viso de mundo. Isso faz com que, segundo Iser (1999), a leitura se

torne uma comunicao efetiva, um dilogo a partir do qual o leitor exerce sua atividade

produtiva, pois o texto o fora a uma tomada de posio. A leitura s se torna um prazer no

momento em que nossa produtividade entra em jogo, ou seja, quando os textos nos oferecem

a possibilidade de exercer as nossas capacidades (ISER 1999, p.10).

A articulao entre produtividade e prazer faz com que o leitor, por meio da leitura,

transcenda as situaes cotidianas que o envolvem. A identificao de um elemento que, em

dado momento era percebido em segundo plano e passa para o primeiro com outro

significado, faz com que o leitor se distancie de sua condio real e reflita sobre a mesma. A

mudana de um plano a outro denominada por Iser (1999) de ponto de vista em movimento,

ou seja, uma variao das perspectivas do texto e do leitor.

A prpria estrutura dos textos ficcionais, segundo Iser (1999), provoca a

modificao constante das expectativas, num processo que revela a estrutura do ponto de vista

em movimento. O leitor, portanto, considerado um ponto de vista perspectivstico, pois

move-se no interior de seu objeto, ou seja, daquilo que deve apreender.

Inserido no texto, o leitor alterna seu ponto de vista entre a protenso (expectativa

sobre o que vir) e a reteno (perspectiva atual). Num processo dialtico, a leitura j

realizada acaba como lembrana que se dissolve num horizonte vazio e o que lembramos

projetado num novo horizonte, que ainda no existia no momento em que foi captado. Desse

modo, no processo de leitura, interagem incessantemente expectativas modificadas e

lembranas novamente transformadas (ISER, 1999, p. 17).

, portanto, o ponto de vista em movimento do leitor que abre os dois horizontes do

texto para fundi-los depois. Dessa forma, a estrutura de horizonte da leitura se mostra como

um ato de criao, um modo de compreenso produtiva. Quando a perspectiva seguinte no

tem ligao com a anterior, detm-se o curso de pensamento, havendo uma interrupo, a qual

Ingarden (1979) denomina hiato. A interrupo de uma conexo esperada, para Iser (1999

p.19), paradigmtica para os diferentes processos de focalizao que acontecem durante a

leitura de textos ficcionais.

No fluxo temporal da leitura, o passado e o futuro se encontram no momento

presente e, por meio do ponto de vista em movimento, o texto transformado na conscincia

do leitor em uma rede de relaes. Essas relaes oferecem a base para as selees durante o

processo da leitura e pela acumulao das perspectivas textuais que o leitor tem a impresso

de estar presente no mundo da leitura. As diversas interpretaes de um texto demonstram que

as selees subjetivas no so iguais, mas que variam de acordo com a compreenso

intersubjetiva.

Nos textos ficcionais, os sentidos vo alm do denotativo, pois os signos trazem

luz e desvendam muito mais do que a simples designao de algo dado. A linguagem do texto

literrio revela mais do que diz, e essa revelao o seu verdadeiro sentido. O texto literrio,

portanto, est intimamente relacionado ao ato de representao do leitor.

O leitor, a partir da leitura do texto literrio, experimenta representaes da realidade

e no a realidade em si. Essas representaes, de acordo com Iser (1999), so produzidas por

meio das imagens criadas. O texto fornece pistas de como o objeto imaginrio, ou as imagens

devem ser construdas na mente do leitor, porm o que deve ser representado no o saber

enquanto tal, mas a combinao ainda no formulada de dados oferecidos (ISER, 1999,

p.58).

As representaes se sucedem e compem o significado global do texto. Cabe ao

leitor representar a totalidade dos aspectos evidenciados pela obra literria. Na seqncia das

representaes, o objeto imaginrio vai se apresentando contra o pano de fundo de um outro

que j pertence ao passado (ISER, 1999, p. 77). De forma que os objetos se modifiquem e se

acumulem para formar o sentido do texto. O sentido do texto s ocorre por conta do momento

temporal, atualizado pela leitura. Quando os objetos de representao ganham seu aspecto

temporal, na fantasia do leitor, o sentido se forma a partir da modificao temporal das

representaes.

Partindo do conceito de lugares indeterminados formulado por Ingarden, Iser (1999)

argumenta sobre os lugares vazios e a negao. Ingarden conceitua os espaos vazios em

hiatos, lacunas deixadas propositalmente pelo autor e que devem ser preenchidas pelo leitor.

Iser revitaliza o conceito afirmando que tais espaos no precisam, necessariamente, ser

complementados, antes, necessitam de uma combinao dos esquemas textuais, uma

articulao que mobilize a formao do objeto imaginrio e as mudanas de perspectiva. Os

lugares vazios incorporam os rels do texto, porque articulam as perspectivas de

apresentao, possibilitando a conexo dos segmentos textuais (ISER 1999, p. 126).

Os espaos vazios possibilitam um novo ngulo em relao leitura, na medida em

que desafiam participao do leitor por meio da suspenso da conectabilidade dos esquemas

textuais. Por intensificar a formao das representaes, tais espaos se mostram como

condio para a comunicao efetiva entre texto e leitor. Sobre esse aspecto Aguiar (1996, p.

30) salienta: O preenchimento dos vazios no total e depende das representaes projetivas

do leitor.

Em relao aos espaos indeterminados, em branco ou vazios, Humberto Eco, em

Lector in fbula (1986), argumenta que o autor, ao deixar tais espaos, j prev o

preenchimento dos mesmos pelo leitor. Isso ocorre porque, de acordo com Eco (1986, p.37)

um texto um mecanismo preguioso (ou econmico) que vive da valorizao de sentido

que o destinatrio ali introduziu, de forma que medida que passa da funo didtica para a

esttica, o texto quer deixar ao leitor a iniciativa interpretativa. Tal afirmao reitera a

premissa de que o texto um estado potencial que precisa de um leitor para concretiz-lo.

Os espaos vazios deslocam-se pela estrutura do texto; ao faz-lo, provocam o

deslocamento do ponto de vista do leitor e estabelecem a interao entre ambos. Preencher

tais espaos torna-se, para o leitor, um desafio, pois obriga-o a reorganizar as representaes

que j construiu, reconsiderar o que j foi colocado em segundo plano e processar novamente

a organizao dos elementos. Os espaos vazios rompem as expectativas do leitor, uma vez

que o ponto de referncia torna-se o no dito. Iser (1999) salienta que, ao fazer com que o

leitor enxergue o que estava oculto, os vazios compem o repertrio do texto, conduzindo o

leitor ao e ao uso de sua capacidade criadora.

Iser (1999) relaciona os espaos vazios ao conceito de negao, que, para ele a

anulao das concepes comumente consideradas corretas, ou seja, o rompimento da trade

tradicional do verdadeiro, bom e belo, pois sua concordncia no mais capaz de orientar

nossa conduta (ISER, 1999, p.173-174). A negatividade na obra literria, sob a perspectiva

iseriana, propicia o contraste dos horizontes entre o certo e o errado, o compreendido e o no

compreendido. Nesse sentido, a negao, possui um papel comunicador, pois leva o leitor a

questionar e refletir sobre aquilo que subjaz ao texto, transcendendo sua imanncia.

CONCLUSO

As idias de Jauss (1994), por meio da Esttica da Recepo, contriburam para a

reformulao de questes literrias de carter esttico e historiogrfico, atribuindo ao leitor,

enquanto entidade coletiva, a tarefa de estabelecer os parmetros de recepo de cada poca.

A Teoria do Efeito, elaborada por Iser (1996), apresenta contribuies relevantes aos

estudos literrios, pois enxerga a leitura como um processo de comunicao, um dilogo de

vozes que se entrecruzam no ato da leitura: a do autor, do texto e do leitor. O leitor, nesse

processo, torna-se atuante, pois, ao interagir com a estrutura do texto literrio, alm de sofrer

seus efeitos, age sobre eles.

Tanto a Teoria do Efeito como a Esttica da Recepo revitalizaram os fundamentos

da teoria literria ao fazerem emergir a figura do leitor como elemento participativo. Podemos

concluir que as duas vertentes concebem a literatura como provocao, na medida em que

conduzem o leitor busca de novos sentidos, levando-o a uma viso mais ampla e crtica,

tanto da obra literria, como de sua prpria identidade.

REFERNCIAS

AGUIAR, Vera Teixeira de. O leitor competente luz da teoria literria. In: Revista Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 124:23/34, Jan. mar., 1996.

BORDINI, Maria da Glria; AGUIAR, Vera Teixeira de. Literatura a formao do leitor. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.

EAGLETON, Terry. Teoria da literatura: uma introduo. Trad. Waltensir Dutra. 3 ed. So Paulo: Martins Fontes, 1997

ECO, Umberto. Lector in fabula: a cooperao interpretativa nos textos narrativos. Traduo: Attlio Cancian. So Paulo: Perspectiva, 1986.

INGARDEN, Roman. A obra de arte literria. Traduo: Albin E. Beau, Maria C. Puga e Joo F. Barrento. 2. ed. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1979.

ISER, Wolfgang. O ato de leitura: uma teoria do efeito esttico. Traduo: Johannes Kretschmer. So Paulo: Ed. 34, 1996, v. 1.

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JAUSS, Hans Robert. A histria da literatura como provocao teoria literria. Trad. de Srgio Tellaroli. So Paulo: tica, 1994.

JAUSS, Hans Robert. O prazer esttico e as Experincias Fundamentais da Poiesis, Aesthesis e Katharsis. In: LIMA, Luis (org.). A literatura e o leitor - textos de Esttica da Recepo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.

ZILBERMAN, Regina. Esttica da recepo e histria da literatura. So Paulo: tica, 1989.

ZILBERMAN, Regina. Fim dos livros, fim dos leitores? So Paulo: Senac, 2001.

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