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Revista Fecomércio DF 9 //Por Taís Rocha Fotos: Raphael Carmona entrevista Paulo Salles, secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do DF, tem passagem pela Fundação de Apoio à Pesquisa (FAP-DF), Finatec, pelo Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Paranoá, mas foi no meio acadêmico que fez sua carreira mais duradoura. Lecionou por 42 anos, tem doutorado em ecologia pela Universidade de Edimburgo, pós-doutorado na Universidade de Amsterdam e aposentou-se como professor Associado da UnB. Nesta entrevista fala de que modo sua pasta pode impulsionar o desenvolvimento tecnológico no DF. Estímulo à tecnologia “Temos condições de dar à economia do DF uma cara mais moderna - dotar os sistemas econômicos de comércio, indústria, agricultura, serviços de modo geral, de uma base tecnológica” O senhor tem um perfil bem acadêmico. Como é participar de um governo, como secretário? Digo que eu fui, sou e serei professor. Foi como eu comecei minha vida profissional. Aposentei- me depois de 42 anos de magistério. Sou um cientista, com pós-doutorado. Representei a UnB na gestão de recursos hídricos, como presidente das bacias hidrográficas dos rios Paranoá e Paranaíba. Outra passagem que tive na área de gestão foi na Fundação de Apoio à Pesquisa (FAP), como presidente. Fui ainda diretor da Finatec, da Universidade de Brasília (UnB). Com relação à minha participação política, tenho afinidade com o governador e tenho uma visão consolidada do que essa secretaria deve fazer. Farei o que o governador nos passou como missão, que a ciência e a tecnologia sejam transversais, com interface com todas as áreas do governo e que venham se tornar um dos pilares de uma nova economia, que mudará o perfil de Brasília. Temos uma condição ímpar no País, pois em uma população relativamente pequena, a base de pessoas com formação científico-tecnológica com doutorado, mestrado, pós-graduação é grande. Temos condições de dar à economia do DF uma cara mais moderna. Claro que isso não se faz em quatro anos, mas é importante que lancemos a base dessa nova economia - dotar os sistemas econômicos de comércio, indústria, agricultura, serviços de modo geral, de uma base tecnológica. Fazer com que eles fiquem mais fortes, possam ser beneficiados das inovações que aumentarão a competitividade, a eficiência. Nesse cenário que o senhor está desenhando, existe no DF hoje um grande movimento de startups. Como o senhor vê isso? Vejo com bons olhos. Mas vamos olhar a base disso tudo. O que significa o nome da nossa secretaria – ciência, tecnologia e inovação? Ciência é a produção de novos conhecimentos, com métodos, regras definidas, apoio de uma bibliografia acumulada ao longo dos séculos, uma comunidade científica que fiscaliza o que está sendo feito e novos conhecimentos sendo gerados. Às vezes esses novos conhecimentos não têm aplicação imediata, e não podemos cobrar do cientista a aplicação imediata desses conhecimentos, porque muitas vezes, essa aplicação só ocorre em anos. Alguns são aplicados naturalmente no cotidiano das pessoas. Quando você consegue realizar essa aplicação, esse conhecimento passa a ser do campo tecnológico. Tecnologia é a aplicação da ciência. No código de barras, em que números e funções matemáticas formam códigos - isso é do século 17. Por 300 anos elas ficaram guardadas. Até que em um ambiente em que a tecnologia já tinha produzido outras coisas, foi possível que esse conhecimento tivesse outras utilidades, como o leitor de código e o computador. A tecnologia é usada na aplicação da ciência resolvendo problemas. As empresas tinham um estoque e não conseguiam controlar entrada e saída dos produtos. O código de barras foi uma forma de automatizar estoques, compras, vendas, enfim. Foi um salto que a tecnologia proporcionou ao comércio, serviços, a partir de conhecimentos científicos. E continuamos a fazer novos usos do código de barras a cada dia. O QR code já é uma evolução do código de barras. Quem conseguiu colocá-lo na praça teve um grande ganho de produtividade. São conhecimentos muito amplos, certo? Como resumir o papel da secretaria em poucas palavras? O papel da secretaria é ciência (lidamos com a geração de novos conhecimentos), tecnologia (lidamos com a aplicação de novos

Estímulo à tecnologia

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Entrevista do secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação, Paulo Salles, à revista Fecomércio. Edição de Junho

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Page 1: Estímulo à tecnologia

Revista Fecomércio DF 9

//Por Taís Rocha Fotos: Raphael Carmona

entrevista

Paulo Salles, secretário de Ciência, Tecnologia e Inovação do DF, tem

passagem pela Fundação de Apoio à Pesquisa (FAP-DF), Finatec, pelo Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Paranoá, mas foi no meio acadêmico que fez sua carreira mais duradoura. Lecionou por 42 anos, tem doutorado em ecologia pela Universidade de Edimburgo,

pós-doutorado na Universidade de Amsterdam e aposentou-se como

professor Associado da UnB. Nesta entrevista fala de que modo sua pasta pode impulsionar o desenvolvimento tecnológico no DF.

Estímulo à

tecnologia“Temos

condições de dar

à economia do

DF uma cara

mais moderna -

dotar os sistemas

econômicos

de comércio,

indústria,

agricultura,

serviços de modo

geral, de uma

base tecnológica”

O senhor tem um perfil bem acadêmico. Como é participar de um governo, como secretário?Digo que eu fui, sou e serei professor. Foi como eu comecei minha vida profissional. Aposentei-me depois de 42 anos de magistério. Sou um cientista, com pós-doutorado. Representei a UnB na gestão de recursos hídricos, como presidente das bacias hidrográficas dos rios Paranoá e Paranaíba. Outra passagem que tive na área de gestão foi na Fundação de Apoio à Pesquisa (FAP), como presidente. Fui ainda diretor da Finatec, da Universidade de Brasília (UnB). Com relação à minha participação política, tenho afinidade com o governador e tenho uma visão consolidada do que essa secretaria deve fazer. Farei o que o governador nos passou como missão, que a ciência e a tecnologia sejam transversais, com interface com todas as áreas do governo e que venham se tornar um dos pilares de uma nova economia, que mudará o perfil de Brasília. Temos uma condição ímpar no País, pois em uma população relativamente pequena, a base de pessoas com formação científico-tecnológica com doutorado, mestrado, pós-graduação é grande. Temos condições de dar à economia do DF uma cara mais moderna. Claro que isso não se faz em quatro anos, mas é importante que lancemos a base dessa nova economia - dotar os sistemas econômicos de comércio, indústria, agricultura, serviços de modo geral, de uma base tecnológica. Fazer com que eles fiquem mais fortes, possam ser beneficiados das inovações que aumentarão a competitividade, a eficiência.

Nesse cenário que o senhor está desenhando, existe no DF hoje um grande movimento de startups. Como o senhor vê isso?Vejo com bons olhos. Mas vamos olhar a base disso tudo. O que significa o nome da nossa

secretaria – ciência, tecnologia e inovação? Ciência é a produção de novos conhecimentos, com métodos, regras definidas, apoio de uma bibliografia acumulada ao longo dos séculos, uma comunidade científica que fiscaliza o que está sendo feito e novos conhecimentos sendo gerados. Às vezes esses novos conhecimentos não têm aplicação imediata, e não podemos cobrar do cientista a aplicação imediata desses conhecimentos, porque muitas vezes, essa aplicação só ocorre em anos. Alguns são aplicados naturalmente no cotidiano das pessoas. Quando você consegue realizar essa aplicação, esse conhecimento passa a ser do campo tecnológico. Tecnologia é a aplicação da ciência. No código de barras, em que números e funções matemáticas formam códigos - isso é do século 17. Por 300 anos elas ficaram guardadas. Até que em um ambiente em que a tecnologia já tinha produzido outras coisas, foi possível que esse conhecimento tivesse outras utilidades, como o leitor de código e o computador. A tecnologia é usada na aplicação da ciência resolvendo problemas. As empresas tinham um estoque e não conseguiam controlar entrada e saída dos produtos. O código de barras foi uma forma de automatizar estoques, compras, vendas, enfim. Foi um salto que a tecnologia proporcionou ao comércio, serviços, a partir de conhecimentos científicos. E continuamos a fazer novos usos do código de barras a cada dia. O QR code já é uma evolução do código de barras. Quem conseguiu colocá-lo na praça teve um grande ganho de produtividade.

São conhecimentos muito amplos, certo? Como resumir o papel da secretaria em poucas palavras?O papel da secretaria é ciência (lidamos com a geração de novos conhecimentos), tecnologia (lidamos com a aplicação de novos

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conhecimentos científicos para novos produtos e processos) e inovação (o estímulo para que essas tecnologias que já estão aí gerem novos produtos e processos que vão se tornar novos produtos para serem consumidos, que vão gerar novos produtos em escala industrial, que podem melhorar a vida das empresas e da população, que vão gerar mais empregos, impostos, enfim, mais riquezas). Nossa secretaria olha para tudo o que o governo está fazendo e pensa em ciência, o que está sendo feito em conhecimentos científicos que pode melhorar a mobilidade, saúde, educação. As startups já são, digamos, um requinte desse processo de inovação. Tenho uma boa ideia e quero criar uma empresa para pegar essa boa ideia e transformar em um produto ou um processo. Ou seja, é uma empresa nova. Falamos em empreendedorismo, novas empresas pequenas, feitas por jovens, que estão tendo ideias. Mas há outras áreas por meio das quais se faz inovação e as empresas empreendedoras não são chamadas de startups. A cadeira na qual sentamos certamente é produto de estudos que têm uma interface científica. Tem inovações na cadeira, nas roupas, na agricultura. É conhecimento científico que vai além das startups. Nosso trabalho é propiciar e disseminar novas tecnologias, criar meios para os setores produtivos adquirirem essas novidades, incorporarem à sua linha de produção, à cadeia produtiva, enquanto estamos incentivando jovens e empresas que se dedicam à inovação, incentivando universidades e institutos de pesquisas, para que continuem gerando conhecimento e ciência. Produzir conhecimento sem aplicação imediata não é um problema. Senão daqui a um tempo, onde estará o estoque de conhecimento? Nosso futuro está no conhecimento.

Como está o novo projeto do Parque Tecnológico? O que fazer para ele sair do papel de uma vez?O nosso parque nasceu com uma confusão conceitual. Na justificativa da legislação de criação há indústrias que irão construir mobiliário, relógio, instrumentos, enfim. Há muita gente que pensa que ele é um novo polo industrial de alta tecnologia. Não é um novo Pró-DF para empresas. Por definição, ele é um ambiente de inovação, com gente que faz inovação. Tem que ter ligação com as universidades, com a Embrapa, com os ministérios. Nosso primeiro investimento tem que ser em gente, daqui e de fora. Uma de nossas funções é oferecer bolsas para que possam trazer conhecimento novo, trocar experiências.

O que funciona dentro de um parque como esse?Temos usado o exemplo do parque tecnológico de São José dos Campos. Alguns anos atrás, foi criado o Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA). Depois o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), que até hoje é uma referência em Engenharia. Mais adiante, esse ambiente criou uma empresa inovadora, a Embraer, que foi capaz de entrar em um ambiente competitivo e ter sucesso nele, porque inovou e investiu em tecnologia. Esse parque tecnológico tem uma âncora, que é a Embraer. O avião não é fabricado lá. O que tem lá? Salas com pessoas trabalhando, no máximo com laboratórios de testes, outras empresas, enfim. Nesse ambiente de inovação as pessoas estão resolvendo problemas, buscando soluções. Muitas vezes a empresa nem está lá, tem somente um escritório com pessoas que fazem negócios no parque, com outro escritório que está longe. Ericsson e Boeing, por exemplo, têm escritório lá. O prédio que fabrica está em outro

país, a parte de pesquisa em outro lugar, em uma universidade talvez. Isso tudo dá muita dinâmica para o parque, para a economia, para as indústrias. Queremos aqui um parque com essas características, com um ambiente de inovação e desenvolvimento tecnológico, apoiado por indústrias também. Será que existe espaço para novos polos de desenvolvimento tecnológico, para novos distritos industriais? Às vezes, esses distritos podem ficar no Entorno e desenvolver essa região. O parque tem um valor simbólico, um valor agregado muito maior. Não é um conjunto de prédios, mas um conjunto de pessoas pensando.

A Fundação de Apoio à Pesquisa terá neste ano uma verba de R$ 23 milhões. Como serão divididos os projetos, para que áreas, como será?A FAP segue o modelo da FAPESP, que é maior e principal, com orçamento para lá de R$ 5 bilhões. Investiram em ciência e desenvolvimento tecnológico, reforçaram a USP. Colocavam dinheiro pois sabiam que iam obter resultado. Tornou-se necessário um ator que fosse capaz de pegar o dinheiro, colocá-lo nas mãos de quem faz ciência, com seriedade, com foco e com resultados. O CNPQ é outro desses agentes de financiamento e atende o Brasil inteiro. Nosso trabalho é este, o de distribuir dinheiro para quem faz ciência e desenvolvimento tecnológico e inovação. De acordo com a Lei Orgânica do DF, a FAP tem direito a 0,8% da Receita Líquida do DF. Neste ano, já recebeu R$ 23 milhões, mas ainda virá muito mais por aí.

E como será a distribuição desse montante?O dinheiro é distribuído por editais públicos para quem tem competência para fazer o que se propõe. São instituições sérias que têm como fazer pesquisa científica, com estrutura montada.

Os projetos são recebidos e para cada edital é formado um corpo de especialistas com gabarito que irão julgar os projetos apresentados. Atualmente, esses R$ 23 milhões serão distribuídos em três editais. Um deles é de Participação em Eventos Científicos. Outra é a Realização de Eventos. O terceiro edital é o Universal: é preciso que o interessado apresente bons projetos em qualquer área que apoiaremos. Para essa modalidade, é preciso de vários comitês de avaliação. Esses projetos atenderão a diversas áreas. Nesse tipo de edital, eu não induzo a demanda. Na verdade, a comunidade acadêmica traz o que considera importante dentro do que estão fazendo.

Há editais para o comércio?Temos mais que esses R$ 23 milhões, pois há vários convênios com o CNPQ, por exemplo. Já começamos a preparar editais que serão lançados em breve, em parceria com o Sebrae, que tem ideia do que é crucial no empreendedorismo. Para isso, dispomos de outro instrumento que é o edital feito por demanda induzida. Existem problemas que precisamos resolver com o governo ou com o setor econômico. Esse edital pode convocar interessados em participar de pesquisas científicas ou de desenvolvimento tecnológico. Uma pesquisa sobre avaliação de programas de políticas públicas de comércio, de incentivo fiscal, de doação de lotes, avaliação do Pró-DF, por exemplo. Com o aparecimento dos interessados, realizamos o julgamento, da mesma forma como já expliquei. A partir daí, o governo coloca dinheiro em um produto que será benéfico para o que ele está fazendo, fortalecendo os vários setores da economia local. O comércio é um exemplo emblemático

“Queremos aqui um

parque tecnológico

com um ambiente

de inovação e

desenvolvimento

tecnológico,

apoiado por

indústrias também”

disso. Faremos editais voltados para a solução de problemas tecnológicos. Precisamos identificar os problemas relevantes que possuem um desdobramento, como controlar o estoque com eficiência, refrigeração, ventilação, embalagem, conservação, controle da distribuição, atendimento rápido, comunicação, softwares, problemas que levantamos. Outra maneira relevante do ponto de vista das empresas é uma linha de financiamentos de projetos da Finep, chamado TecInova, que é para apoio a micro e pequena empresa que tenham um problema tecnológico tratado por quem entende de tecnologia. O sujeito ou empresa terá apoio de uma universidade, de um institutode pesquisa.