Estrutura Granulos Amido Relacao Com Propriedades Fisico-quimicas

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    945Estrutura dos grnulos de amido e sua relao com propriedades fsico-qumicas.

    Cincia Rural, v.39, n.3, mai-jun, 2009.

    Cincia Rural, Santa Maria, v.39, n.3, p.945-954, mai-jun, 2009

    ISSN 0103-8478

    Cristiane Casagrande DenardinI Leila Picolli da SilvaII

    RESUMO

    Devido aos escassos trabalhos brasileiros sobre a

    estrutura dos grnulos de amido, o objetivo desta reviso foi

    demonstrar os avanos atuais na elucidao da arquitetura e

    da estrutura qumica desse polmero. Muitas pesquisas sobre aavaliao da relao existente entre a estrutura molecular do

    amido e seu comportamento em algumas propriedades fsico-

    qumicas sugerem que diversas caractersticas estruturais, tais

    como teor de amilose, distribuio de comprimento das cadeias

    de amilopectina e grau de cristalinidade no grnulo, estejam

    intimamente relacionadas a eventos associados gelatinizao

    e retrogradao, como inchamento do grnulo, lixiviao de

    amilose e/ou amilopectina, perda da estrutura radial

    (birrefringncia), supra-molecular (cristalinidade) e molecular

    e recristalizao. O foco principal desta reviso foi a

    compilao de estudos a fim de obter melhor entendimento da

    estrutura e das caractersticas dos componentes do amido e

    sua relao com propriedades fsico-qumicas, principalmente

    no que diz respeito gelatinizao e retrogradao, as quais

    apresentam grande importncia nutricional e tecnolgica.

    Palavras-chave: amilose, amilopectina, gelatinizao,retrogradao.

    ABSTRACT

    Due to poor Brazi lians work on the structure of

    starch granules, the purpose of this review was to demonstrate

    the advances in current understanding of architecture and

    chemical structure of this polymer. Many studies evaluating the

    relationship between the molecular structure of starch and its

    behavior in some physicochemical properties, suggest that

    several structural features, such as amylose content, amylopectin

    chain length distribution and the degree of crystallinity in the

    granule, are closely related to the events associated with

    gelatinization and retrogradation as starch granule swelling,

    amylose and/or amylopectin leaching, loss of radial structure

    (birefringence), supra-molecular (crystallinity) and molecularorder, and recrystallization. The main focus of this review was

    to make a compiler of studies in order to gain better

    understanding of the granule structure and characteristics of

    starch components and physicochemical properties

    (gelatinization and retrogradation) that could play a significant

    role in improving the quality of different food products.

    Key words: amylose, amylopectin, gelatinization,retrogradation.

    INTRODUO

    O amido encontra-se amplamente distribudoem diversas espcies vegetais como um carboidratode reserva, sendo abundante em gros de cereais (40%a 90% do peso seco), leguminosas (30% a 50% do pesoseco), tubrculos (65% a 85% do peso seco) e frutasimaturas ou verdes (40% a 70% do peso seco) (LAJOLO& MENEZES, 2006). Ele tambm a fonte maisimportante de carboidratos na alimentao humana,representando 80% a 90% de todos os polissacardeosda dieta (WHO/FAO, 1998). Porm, sabe-se que a taxa

    - REVISO BIBLIOGRFICA -

    INcleo Integrado de Desenvolvimento em Anlises Laboratoriais (NIDAL), Departamento de Tecnologia e Cincia de Alimentos(DTCA), Centro de Cincias Rurais (CCR), Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), 97105-900, Santa Maria, RS, Brasil. E-mail: [email protected]. Autor para correspondncia.

    IIDepartamento de Zootecnia, UFSM, Santa Maria, RS, Brasil.

    Estrutura dos grnulos de amido e sua relao com propriedades fsico-qumicas

    Starch granules structure and its regards with physicochemical properties

    Recebido para publicao 18.04.08 Aprovado em 09.10.08

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    e a extenso da digesto do amido no organismohumano podem ser influenciadas por diversos fatores,incluindo a variao na proporo

    amilose:amilopectina, o processamento dos alimentose as propriedades fsico-qumicas, como gelatinizaoe retrogradao (BJRCK et al., 1994). Alm disso, oamido o principal responsvel pelas propriedadestecnolgicas que caracterizam grande parte dos

    produtos processados, uma vez que contribui paradiversas propriedades de textura em alimentos,

    possuindo aplicaes industriais como espessante,estabilizador de colides, agente gelificante e devolume, adesivo, na reteno de gua, dentre outros(SINGH et al., 2003).

    Sendo formado nos plastdeos das plantas

    superiores, o amido sintetizado nas folhas, onde servecomo carboidrato de reserva temporrio, acumulando-se nos cloroplastos durante o dia e servindo comofonte principal para a sntese de sacarose citoslicadurante a noite. Essa sacarose ento transportada

    para os rgos de armazenamento das plantas, comosementes, frutas, tubrculos e razes (VANDEPUTTE& DELCOUR, 2004; TESTER et al., 2004).

    Estruturalmente, o amido umhomopolissacardeo composto por cadeias de amilosee amilopectina. A amilose formada por unidades deglicose unidas por ligaes glicosdicas -1,4,originando uma cadeia linear. J a amilopectina

    formada por unidades de glicose unidas em -1,4 e -1,6, formando uma estrutura ramificada. As proporesem que essas estruturas aparecem diferem em relaos fontes botnicas, variedades de uma mesma espciee, mesmo numa mesma variedade, de acordo com ograu de maturao da planta (ELIASSON, 2004; TESTERet al., 2004).

    Atualmente, diversas pesquisas sobre aavaliao da relao existente entre a estruturamolecular do amido e seu comportamento em algumas

    propriedades fsico-qumicas sugerem que diversascaractersticas estruturais, como teor de amilose,

    distribuio de comprimento das cadeias deamilopectina e grau de cristalinidade no grnulo,poderiam estar intimamente relacionadas aos eventosassociados com a gelatinizao e retrogradao, taiscomo inchamento do grnulo, lixiviao de amilose e/ou amilopectina, perda da estrutura radial(birrefringncia), supra-molecular (cristalinidade) emolecular e recristalizao. Com isso, o presente artigode reviso tem por objetivo reunir tais estudos visandoum maior entendimento da estrutura e dascaractersticas dos componentes do amido e sua relaocom propriedades fsico-qumicas de grandeimportncia nutricional e tecnolgica.

    Formas molecularesAmilose

    A amilose um polmero essencialmente

    linear, formado por unidades de -D-glicopiranoseligadas em-(1,4), com poucas ligaes -(1,6) (entre0,1% e 2,2%), conforme CUR et al., 1995; Ball (1996)apud OATES, 1997; OATES, 1997; BULEN et al., 1998(Figura 1A). Essa molcula possui nmero mdio degrau de polimerizao (DP) de 500-5000 unidades deresduos de glicose (OATES, 1997), com comprimentosmdios de cadeia (CL) de 250-670 e limite de -amiloseentre 73% e 95%, o qual est relacionado s proporeslineares e ramificadas da molcula, quantidade e localizao das ramificaes, bem como aocomprimento da cadeia (ELIASSON, 1996; BULEN etal., 1998; VANDEPUTTE & DELCOUR, 2004).

    O peso molecular da ordem de 250.000Daltons (1500 unidades de glicose), mas varia muitoentre as espcies de plantas e dentro da mesma espcie,dependendo do grau de maturao. Molculas deamilose de cereais so geralmente menores do queaquelas de outras origens (ex. tubrculos eleguminosas).

    Nveis entre 15% e 25% de amilose sotpicos na maioria dos gros, contudo, alguns cereaisdenominados cerosos (waxy), como milho, arroz ecevada, so virtualmente livres de amilose, enquantomutantes com altos nveis de amilose tambm soconhecidos. Os mutantes amilose extender (ae) do

    milho apresentam contedos de amilose que variam de50% a 85%. J mutantes ae do arroz apresentamcontedos de amilose que variam de 35% a 40%(VANDEPUTTE & DELCOUR, 2004).

    A amilose pode estar presente sob a formade complexos amilose-lipdios (LAM lipid-amylosecomplexes) ou de amilose livre (FAM free amylose).Os LAM, embora detectados no amido nativo,

    possivelmente sejam formados em maior extensodurante o tratamento hidrotrmico ou a gelatinizao(ELIASSON, 1996; ELIASSON, 2004; TESTER et al.,2004; VANDEPUTTE & DELCOUR, 2004).

    Muitas propriedades da amilose podem ser

    explicadas pela sua habilidade em formar diferentesestruturas moleculares. A maioria das metodologias

    preconizadas para determinao desse tipo de amidobaseia-se no fato de que, em solues aquosas neutras,a estrutura normal de espiral possui a capacidade deinteragir com iodo, produzindo complexo de inclusohelicoidal com aproximadamente seis molculas deamilose por giro, no qual o iodo se encontra na cavidadecentral da hlice.

    Alm disso, mudanas moleculares tornampossvel a formao de complexos com molculas delipdios nas regies superficiais do grnulo, o que inibea degradao do amido por enzimas como fosforilase,

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    -amilase e -amilase. Outros complexos de inclusohelicoidal que podem ser formados com a amiloseincluem alguns lcoois e cidos orgnicos (ELIASSON,1996; ELIASSON, 2004).

    AmilopectinaA amilopectina o componente ramificado

    do amido. Ela formada por cadeias de resduos de-

    D-glicopiranose (entre 17 e 25 unidades) unidos em-(1,4), sendo fortemente ramificada, com 4% a 6% dasligaes em -(1,6) (Figura 1B). O peso molecular daamilopectina varia entre 50 e 500 x 106 Daltons(VANDEPUTTE & DELCOUR, 2004; LAJOLO &MENEZES, 2006).

    Segundo VANDEPUTTE & DELCOUR(2004), a amilopectina apresenta um DP de 4700 a 12800

    Figura 1 - A) Estrutura da amilose [polmero linear composto por D-glicoses unidas em -(1-4)]. B) Estruturada amilopectina [polmero ramificado composto por D-glicoses unidas em -(1-4) e -(1-6)].Adaptado de LAJOLO & MENEZES (2006).

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    unidades de resduos de glicose, valores de CL de 17 a24 e limite de -amilose de 55% a 60%. As cadeiasindividuais podem variar entre 10 e 100 unidades de

    glicose.Segundo BULEN et al. (1998) e LAJOLO

    & MENEZES (2006), a amilopectina digestivamentedegradada pela ao da -amilase nas unies -(1-4),

    produzindo dextrinas -limite (cadeias residuais quecontm os pontos de ramificao) e, posteriormente,

    por ao das enzimas pululanase e isoamilase que atuamnas ligaes -(1-6), produzindo maltose.

    As cadeias de amilopectina estoorganizadas de maneiras diferentes, sugerindo umaclassificao de cadeias A, B e C (Figura 2A). O tipo A composto por uma cadeia no-redutora de glicoses

    unidas por ligaes -(1,4) sem ramificaes, sendounida a uma cadeia tipo B por meio de ligaes -(1,6).As cadeias do tipo B so compostas por glicosesligadas em -(1,4) e -(1,6), contendo uma ou vriascadeias tipo A e podem conter cadeias tipo B unidas

    por meio de um grupo hidroxila primrio. A cadeia C nica em uma molcula de amilopectina, sendocomposta por ligaes -(1,4) e -(1,6), comgrupamento terminal redutor (ELIASSON, 1996;ELIASSON, 2004; VANDEPUTTE & DELCOUR, 2004;LAJOLO & MENEZES, 2006).

    Cada cadeia pode ser especificamenteclassificada de acordo com seu comprimento (CL) e,

    conseqentemente, sua disposio dentro dosgrnulos (HIZUKURI, 1985; HIZUKURI, 1986).Segundo TESTER et al. (2004) e VANDEPUTTE &DELCOUR (2004), a amilopectina tem uma distribuio

    polimodal com cadeias A (CL 12-16) e B, isto , cadeiasB

    1(CL 20-24), B

    2(CL 42-48), B

    3(CL 69-75) e B

    4(CL 104-

    140). As cadeias A e B1formam cachos simples, so

    mais externas e organizadas em duplas hlices, enquantoB

    2, B

    3e B

    4se estendem em dois, trs e mais de quatro

    cachos. As cadeias C so muito semelhantes entre asfontes botnicas com variaes de tamanhos entre 10e 130 unidades de glicose, a maioria tendo por volta de

    40 unidades.A amilopectina , estrutural efuncionalmente, a mais importante das duas fraes,

    pois sozinha suficiente para formar o grnulo, comoocorre em mutantes que so desprovidos de amilose.Quanto amilose, sua localizao exata dentro dogrnulo ainda uma tarefa difcil. Acredita-se que elaesteja localizada entre as cadeias da amilopectina ealeatoriamente entremeada entre as regies amorfas ecristalinas. As molculas de amilose maiores estoconcentradas no centro do grnulo e, provavelmente,

    participam das duplas hlices com a amilopectina,enquanto as molculas menores presentes na periferia

    podem ser lixiviadas para fora do grnulo. Apesar deseu limitado papel na formao de cristais, a amilose

    pode influenciar a organizao das duplas hlices,

    interferindo na densidade de empacotamento dascadeias de amilopectina (OATES, 1997; TESTER et al.,2004). Alm disso, estudos recentes (BAKER at al.,2001; KUAKPETOON & WANG, 2007) sugerem que

    parte da amilose pode cristalizar-se juntamente com aamilopectina, formando lamelas cristalinas. Porm, aorganizao exata desses componentes dentro dogrnulo ainda no est totalmente esclarecida.

    Material intermedirioLANSKY et al. (1949) apud ELIASSON

    (2004) propuseram a existncia de um terceirocomponente no amido de milho normal, chamado dematerial intermedirio (MI), com propriedadesdiferentes da amilose e da amilopectina. Essecomponente pode tambm apresentar papel importantena determinao das propriedades funcionais do amido.A presena de um grande nmero de cadeiasramificadas curtas nesse componente pode contribuir

    para a menor cristalinidade granular, a temperatura degelatinizao, a mudana na entalpia, a viscosidade e ograu de retrogradao e o maior grau de digestibilidade

    pelas enzimas que promovem a hidrlise enzimtica.Por outro lado, molculas ramificadas que apresentamlongos comprimentos de cadeias e menores graus de

    ramificao podem contribuir para a maior cristalinidade,a temperatura de gelatinizao, o grau de retrogradao,a viscosidade e a firmeza de gel (VANDEPUTTE et al.,2003a). Com base em estudos de afinidades por iodo,esses pesquisadores sugeriram que 5% a 7% do amidode milho normal consiste de material intermedirio entreas fraes estritamente lineares e altamente ramificadas(ELIASSON, 2004).

    No en tant o, o concei to de ma te ri alintermedirio ainda obscuro devido a dificuldadesno seu isolamento e na purificao, sendo que o

    principal critrio para classificao ainda o grau deramificao e o peso molecular (ELIASSON, 1996).

    Alguns pesquisadores consideram as amilosesramificadas, com 20 ou mais pontos de ramificao emmdia, como sendo intermedirias (WANG & WHITE,1994; ELIASSON, 1996; ELIASSON, 2004). Contudo,existem aqueles que no reconhecem essa amiloseramificada como intermedirio, uma vez que suas

    propriedades so mui to semelhantes quelas daamilose tradicional (ASAOKA et al., 1986; BULON etal., 1998). Essa controvrsia ocorre devido sdificuldades ainda enfrentadas na caracterizao

    precisa das cadeias da amilose e da amilopectina, umavez que os limites de suas propriedades ainda so muitovagos e confusos.

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    Estrutura granularTamanho, forma e superfcie

    O amido encontra-se nas plantas sob a formade grnulos. Em cereais como trigo, milho, cevada,centeio e sorgo, os grnulos podem ser classificadoscomo simples, quando cada plastdeo contm umgrnulo, ou compostos (arroz e aveia), quando muitosgrnulos esto dentro de cada amiloplasto(LINDEBOOM et al., 2004; LAJOLO & MENEZES,

    2006).Segundo VANDEPUTTE & DELCOUR

    (2004) e TESTER et al. (2004), a forma (redondo, oval,polidrico), o tamanho de partcula (2 a 100m) e adistribuio de tamanho da partcula (unimodal,

    bimodal, trimodal) dos grnulos so caractersticas daorigem botnica. Quanto distribuio de tamanho de

    partcula, a maioria dos cereais apresenta distribuiobimodal, sendo compostos por grnulos grandes (10 a35m) e lenticulares denominados grnulos A egrnulos pequenos (dimetro entre 1 e 10m) e esfricosdenominados de grnulos B (ELIASSON, 1996;ELIASSON, 2004; TESTER et al., 2004).

    Segundo OATES (1997) e BULEN et al.(1998), a superfcie dos grnulos plana e sem traosmarcantes, exceto por algumas estrias e fissuras visveisem alguns grnulos atravs de microscopia eletrnicade varredura (SEM scanning electron microscopy).A base para os modelos atuais foi proposta porLineback (1984) apud OATES (1997), descrita como umabola de bilhar peluda, em que a superfcie do grnulo

    no lisa, mas caracterizada por cadeias projetadaspara fora. Posteriormente, STARK & LYNN (1992)descreveram um grnulo cuja superfcie caracterizada

    pelos terminais das cadeias de amilose e pelasramificaes da amilopectina, que seriam responsveis

    pelo incio da prxima camada de crescimento dosgrnulos. Atualmente, a morfologia e a visualizao decomponentes secundrios da superfcie de algunsgrnulos de amido tm sido realizadas por meio demicroscopia de fora atmica (AFM atomic forcemicroscopy) (BULEN et al., 1998).

    Quanto permeabilidade, a superfcie dogrnulo relativamente impermevel a molculas

    Figura 2 - A) Classificao das cadeias da amilopectina em tipo A, B e C. B) Estrutura da amilopectina formando as regiesamorfas e cristalinas no grnulo de amido. C) Modelo da estrutura interna do grnulo de amido com avisualizao dos anis de crescimento e centro ou hilum. Adaptados de PARKER & RING (2001).

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    grandes, como amilases, devido ao compactoempacotamento das cadeias de amilopectina. SegundoFrench (1984) apud ELIASSON (2004), a porosidade

    dos grnulos de amido gua e a pequenas molculassolveis ocorre devido expanso reversvel dasregies amorfas, que penetram por todo o grnulodurante a hidratao, formando uma fase contnua degel. No entanto, a entrada de enzimas hidrolizantes eoutras molculas grandes para o interior dos grnulos restrita e somente possvel atravs de poros ou canais.Esses poros, na superfcie de alguns grnulos, soorifcios ou canais que penetram em uma direo radialao longo do grnulo. Estudos de SEM sugerem orifcioscom dimetros entre 0,1 e 0,3m, enquanto canaisinteriores teriam entre 0,07 e 0,1m (ELIASSON, 1996;

    ELIASSON, 2004). Porm, mais estudos devem serrealizados para comprovar a existncia desses poros ecanais em todas as fontes de amido, pois estudo recenterealizado com amido de trigo nativo utilizando SEMno apresentou nenhuma evidncia destes nasuperfcie dos grnulos (LAN et al., 2008). Alm disso,as tcnicas atualmente disponveis para a visualizaoda superfcie e do interior dos grnulos de menordimetro (como arroz) ainda precisam ser melhoradas.

    Estrutura interna e cristalinidadeEm soluo aquosa, o grnulo de amido

    birrefringente quando visto microscopicamente sob luz

    polarizada. A refrao pelas suas regies cristalinasresulta no modelo tpico de Cruz de Malta, o quecaracteriza a orientao radial das macromolculas. Ocentro ou hilum, encontrado no centro da cruz, considerado o ponto original de crescimento dogrnulo. Essa propriedade de birrefringncia devidaao alto grau de orientao molecular interna, no tendoqualquer relao com a forma cristalina em particular(ELIASSON, 2004; LAJOLO & MENEZES, 2006).

    Segundo OATES (1997), uma caractersticaestrutural que tem sido identificada por meio dehidrlise enzimtica controlada so os chamados anis

    de crescimento. Internamente, o material do grnuloest presente na forma de anis concntricos,conhecidos como anis de crescimento (Figura 2C).Essas estruturas so visveis sob microscpio pticoem grnulos grandes (batata e trigo), mas so raramentevistas nos pequenos (cevada e arroz). A existncia deanis de crescimento sugere que o amido sejadepositado num ritmo dirio, e que o material recm-sintetizado esteja depositado na superfcie, fazendocom que os grnulos aumentem seu tamanho. Ummodelo para esse desenvolvimento sugere que a

    primeira camada de crescimento esteja no centro (hilum),que contm grande proporo de terminais redutores

    das molculas de amido e normalmente menosorganizado que o resto do grnulo. Os terminais-noredutores da amilose e amilopectina irradiam para a

    superfcie, permitindo a adio de mais resduos deglicose para aumentar as cadeias de amilopectina(BAKER et al., 2001).

    Os anis de crescimento so organizadosem regies cristalinas e amorfas alternadas, motivo peloqual freqentemente descrito como um polmerosemicristalino ou parcialmente cristalino. A fuso dessescristais e o rompimento dessa estrutura organizadaformam a base para a gelatinizao (ELIASSON, 1996).A regio cristalina constituda pelas duplas hlicesdas cadeias paralelas A e B da amilopectina, sendomais compacta, enquanto que a regio amorfa, menosordenada, contm os pontos de ramificao dascadeias laterais da amilopectina e possivelmentealguma amilose (Figura 2B) (ELIASSON, 1996; OATES,1997; ELIASSON, 2004).

    Os grnulos de amido nativos contm entre15% e 45% de material cristalino com modelos dedifrao de raios-X, que correspondem a duas

    poliformas (A ou B) ou a uma forma intermediria (C),as quais tm sua classificao baseada em variaesno contedo de gua e na configurao deempacotamento de duplas hlices (IMBERTY et al.,1991).

    A cristalinidade tipo A ocorre na maioria dos

    cereais (milho, arroz, trigo, aveia) e descrita comouma unidade celular monocclica altamente condensadae cristalina, onde 12 resduos de glicose de duas cadeiasno sentido anti-horrio abrigam quatro molculas degua entre as hlices. A estrutura de padro tipo B(tubrculos, arroz com alto teor de amilose e amidoretrogradado) mais claramente definida, sendocomposta por uma unidade bsica de cadeias que soempacotadas em um arranjo hexagonal, onde a unidadecelular tem duas duplas hlices no sentido anti-horrio,alinhadas e arranjadas em paralelo. Essa estruturacontm 36 molculas de gua (27%) para cada 12resduos de glicose. A metade dessa gua fortemente

    ligada s duplas hlices, e a outra metade concentradaem um eixo em parafuso (OATES, 1997; ELIASSON,2004). Alm de serem considerados mais ricos emamilose, esses tipos de amido apresentam formatos etamanhos semelhantes e so resistentes a hidrlise,tanto enzimtica quanto cida (LAJOLO & MENEZES,1996). Certas razes e sementes (ervilha lisa e fava)apresentam uma estrutura intermediria entre osmodelos A e B, a qual denominada de padro C e subclassificada em Ca, Cb e Cc, de acordo com asemelhana com os padres A e B ou entre os doistipos, respectivamente (ELIASSON, 1996; ELIASSON,2004).

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    Segundo LI et al. (2004), a maiorsuscetibilidade dos amidos com cristalinidade do tipoA hidrlise ocorre devido presena de poros

    superficiais que podem ser alargados pela ao dasenzimas, facilitando sua ao no interior do grnulo.Outra possvel explicao para essa maiorsuscetibilidade a eroses qumicas e enzimticas nosgrnulos do tipo A, quando comparados aos do tipo B, a presena de cascas protetoras (chamados blocoscristalinos) incorporadas estruturalmente ao redor dosgrnulos tipo B, que so menos fortementeempacotados (OATES, 1997).

    Existem vrios fatores que afetam a estruturacristalina do amido. A formao de cristais A favorecida pelo menor comprimento mdio de cadeia

    na amilopectina, pela alta temperatura de formao, pelaalta concentrao, pela presena de sal com alto nmerona srie liotrfica (com exceo do SO

    4-2que induz o

    padro B) ou pela presena de lcoois solveis emgua, cidos graxos com maior nmero de carbonos ecidos orgnicos (ELIASSON, 1996). Alm disso, atransio entre os padres A e B, passando pelo estadoC, j foi observada em vrios estudos, sugerindo que aestrutura A a mais estvel e pode seguir a seguinteordem organizacional:

    estrutura desorganizada (gelatinizada) estrutura Bestrutura C estrutura A

    Essa ordem sugere que os cristais Bapresentam menor temperatura de derretimento (77C)quando comparado aos cristais A (90C) (ELIASSON,2004). Alm disso, o CL da amilopectina parece ser umfator determinante para a cristalinidade. Os amidos com

    padro A apresentaram comprimentos de cadeia maiscurtos (CL19,7) do que amido do tipo B (CL21,6),enquanto os amidos com CL entre 20,3 e 21,3 estiveram

    presentes em todos os tipos de amidos A, B e C. Poroutro lado, cadeias muito longas parecem no afetar o

    polimorfismo (HIZUKURI et al., 1983).

    Propriedades fsico-qumicasGelatinizao

    Quando o amido entra em contato com agua fria, os grnulos incham ligeiramente (10 a 20%)devido difuso e absoro de gua nas regiesamorfas, mas esse processo reversvel pela secagem(WHO/FAO, 1998). No entanto, quando os grnulosso aquecidos em gua, eles incham irreversivelmentenum fenmeno denominado gelatinizao, em queocorre perda da organizao estrutural (perda da

    birrefringncia), com fuso dos cristais. Sabe-se que agelatinizao tem incio no hilum e se expande

    rapidamente para a periferia, ocorrendo inicialmente nasregies amorfas devido fragilidade das ligaes dehidrognio nessas reas, ao contrrio do que ocorre

    nas regies cristalinas (SINGH et al., 2003). medidaque os grnulos continuam se expandindo, ocorre alixiviao da amilose da fase intergranular para a faseaquosa, resultando no aumento substancial das

    propriedades reolgicas do sistema. O conjunto demudanas que envolvem a ruptura da estruturagranular, o inchamento, a hidratao e a solubilizaodas molculas de amido definido como o fim dagelatinizao (THARANATHAN, 2002).

    Segundo SINGH et al. (2003), quando asmolculas de amido so aquecidas em excesso de gua,a estrutura cristalina rompida, e as molculas de gua

    formam pontes de hidrognio entre a amilose eamilopectina, expondo seus grupos hidroxil, o quecausa um aumento no inchamento e na solubilidade dogrnulo. Esse poder de inchamento e solubilidade variade acordo com a fonte do amido, fornecendo evidnciasda interao entre as cadeias de amido dentro dosdomnios amorfos e cristalinos. A extenso destasinteraes influenciada pela proporoamilose:amilopectina e pelas caractersticas dessasmolculas (distribuio e peso molecular, grau ecomprimento de ramificaes e conformao).

    A gelatinizao geralmente ocorre numaampla faixa de temperatura caracterstica para cada fonte

    de amido (ELIASSON, 1996; SINGH et al., 2003). Existemmuitos fatores que afetam essa temperatura degelatinizao, sendo o principal deles a presena degua. Isso ocorre porque a gua atua como agente

    plastificante nos cristais de amido, alm de exercer efeitona conduo de energia. Com isso, sua presenadiminuir a temperatura de transio vtrea, diminuindoconseqentemente, a temperatura de fuso(desorganizao) dos cristais (ELIASSON, 1996) eaumentando a suscetibilidade do amido digesto pelasamilases do trato gastrointestinal (BJRCK et al., 1994).

    As propriedades de inchamento e

    gelatinizao so controladas, em parte, pela estruturamolecular da amilopectina (comprimento de cadeia,extenso de ramificao, peso molecular), composiodo amido (proporo amilose:amilopectina e teor defsforo) e arquitetura granular (proporo de regiescristalinas e amorfas). Normalmente, altas temperaturasde transio tm sido associadas a altos graus decristalinidade, os quais fornecem a estabilidadeestrutural e tornam os grnulos mais resistentes gelatinizao (SINGH et al., 2003).

    Atualmente, vrias tcnicas tm sidoutilizadas para avaliar o comportamento dos grnulosfrente gelatinizao, tais como: difrao de raios X,

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    disperso de nutrons de pequeno ngulo, microscopiacom luz polarizada e, principalmente, calorimetriadiferencial de varredura (DSC Differential Scanning

    Calorimetry). Alm disso, alguns equipamentos tambmavaliam a viscosidade de pastas de amido, como oviscoamilgrafo Brabender, o visco-analisador rpido(RVA rapid visco-analyser) e os viscmetros derotao, os quais do uma idia do comportamento doamido na gelatinizao (SINGH et al., 2003; ELIASSON,2004).

    Devido maior importncia da amilopectinana cristalinidade do grnulo de amido, a presena daamilose reduz o ponto de fuso das regies cristalinase a energia necessria para o incio da gelatinizao,uma vez que mais energia necessria para iniciar a

    fuso na ausncia de regies amorfas ricas em amilose.Essa correlao indica que amidos com maior contedode amilose, por apresentarem mais regies amorfas emenos regies cristalinas, apresentam menorestemperaturas de gelatinizao.

    Entretanto, estudos realizados com amidode arroz tm encontrado resultados contraditrios comrelao influncia da amilose nas propriedades degelatinizao (VANDEPUTTE et al., 2003a;VANDEPUTTE et al., 2003b). Alm disso, as entalpiasde gelatinizao (expressas no amido ou com base naamilopectina) no esto relacionadas ou diminuem como contedo de amilose. Porm, uma correlao negativa

    entre o contedo de amilose e as temperaturas de pico(T

    p) e de concluso (T

    c) da gelatinizao observada

    no caso de amidos cerosos e no-cerosos de vriasfontes botnicas. Vrias hipteses foram sugeridas paraexplicar esses resultados conflitantes. Uma delas seriaque a amilose pode existir sob a forma de complexoscom lipdios (LAM) ou livre (FAM). A LAM maisestvel ao longo de toda a variao de temperatura degelatinizao do DSC, aumentando a T

    p, enquanto a

    FAM amorfa diminuiria a Tp(MORRISON, 1995). Esses

    resultados sugerem que a FAM pode diminuir atemperatura de gelatinizao de amidos normais. Alm

    disso, esses resultados indicam que o aumento nastemperaturas de gelatinizao no DSC com o contedode amilose, para amidos de milho ricos em amilose,

    possivelmente devido cristalizao conjunta daamilose com a amilopectina (VANDEPUTTE et al.,2003a).

    RetrogradaoQuando armazenado e resfriado, o amido

    gelatinizado pode sofrer um fenmeno denominado deretrogradao. Com o passar do tempo, as molculasdo amido vo perdendo energia e as ligaes dehidrognio tornam-se mais fortes, assim, as cadeias

    comeam a reassociar-se num estado mais ordenado.Essa reassociao culmina com a formao de simplese duplas hlices, resultando no enredamento ou na

    formao de zonas de juno entre as molculas,formando reas cristalinas. Como a rea cristalizadaaltera o ndice de refrao, o gel vai se tornando maisopaco medida que a retrogradao se processa(ELIASSON, 1996). A amilose que foi exsudada dosgrnulos inchados forma uma rede por meio daassociao com cadeias que rodeiam os grnulosgelatinizados.

    Como conseqncia, a viscosidade da pastaaumenta (viscosidade de setback), convertendo-senum sistema viscoelstico turvo ou em concentraesde amido suficientemente altas (>6% p/p) num gel

    elstico opaco (LAJOLO & MENEZES, 2006), em que,s vezes, ocorre precipitao de cristais insolveis deamido levando separao de fases. A forte interaodas cadeias entre si promove a sada da gua do sistema,sendo essa expulso chamada de sinrese.

    As caractersticas de retrogradao daamilose e amilopectina so cineticamente diferentes. Aamilose retrograda mais rapidamente, tendo fortetendncia a reassociar-se por meio da formao de

    pontes de hidrognio com outras molculas de amiloseadjacentes, formando estruturas cristalinas de duplashlices quando a soluo esfria e se mantm por longo

    perodo de tempo. A amilose apresenta endoterma de

    fuso de 140C a 180C, e a presena de cidos graxoslivres ou lipdios favorece a formao de complexos deincluso. Por outro lado, a amilopectina retrogradanuma taxa muito menor durante um longo perodo detempo, e sua endoterma de fuso menor,aproximadamente, 45C a 60C (WU & SARKO, 1978;PARKER & RING, 2001; THARANATHAN, 2002).

    A retrogradao um fenmeno complexo evaria de acordo com diversos fatores, como:temperatura e tempo de armazenamento, pH, fonte deamido, presena de outros componentes (lipdios,eletrlitos e acares) e condies de processamento.

    Sabe-se, por exemplo, que a repetio de cicloscongelamento-descongelamento acelera drasticamentea retrogradao e a sinrese. Porm, a principalinfluncia da retrogradao observada na textura, naaceitabilidade e na digestibilidade dos alimentos quecontm amido (ELIASSON, 1996; THARANATHAN,2002; ELIASSON, 2004). Com isso, pode-se destacar ainfluncia do processo de retrogradao noenvelhecimento de pes e produtos de panificao,

    bem como na perda de gua (sinrese) de algumassobremesas que utilizam o amido como espessante.Quanto digestibilidade, pode-se relacionar aretrogradao, principalmente da amilose, com menor

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    disponibilidade de nutrientes s enzimas digestivas.Esse evento torna a digesto e a absoro,especialmente do amido, menor e/ou mais lenta,

    resultando em menor resposta glicmica, situaodesejvel em diversos indivduos, como aqueles comsobrepeso ou problemas de glicemia (BJRCK et al.,1994).

    Alguns estudos tm mostrado que, comoocorre na gelatinizao, algumas populaes de cadeiasde amilopectina podem favorecer (DP 12-22) ou inibir(DP 6-9; DP>25) a retrogradao da amilopectina devido maior ou menor formao de duplas hlices durante aretrogradao (VANDEPUTTE & DELCOUR, 2004).Porm, a influncia exata da amilose na retrogradaoainda permanece obscura. possvel sugerir que a

    frao amilose apresenta um efeito sinrgico naretrogradao da amilopectina, atuando como umncleo de recristalizao no caso de baixos contedosde amilopectina (VANDEPUTTE et al., 2003c).

    CONSIDERAES FINAIS

    Vrios estudos realizados nos ltimos anostm demonstrado que a fonte de amido pode influenciarde modo determinante diversos processostecnolgicos da indstria alimentcia, como a textura ea reteno de gua de determinados alimentos, assim

    como processos metablicos vitais da nutrio humana,como a resposta glicmica ao alimento ingerido. Esseseventos esto intimamente relacionados a muitascaractersticas estruturais do amido, como teor deamilose, distribuio de comprimento das cadeias deamilopectina e cristalinidade no grnulo, sendo tambmassociados a algumas etapas dos processos degelatinizao e retrogradao, como inchamento dogrnulo, lixiviao de amilose e/ou amilopectina, perdada estrutura radial (birrefringncia), supra-molecular(cristalinidade) e molecular e recristalizao. Taiscaractersticas pontos, abordadas na presente reviso,

    demonstram que, bem mais do que um simplescomponente energtico, o amido deve ser estudadocom base nas suas diferenciaes qumicas a fim dedirigir e otimizar sua aplicao tecnolgica e nutricional.

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