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EVOLUÇÃO CLÍNICA DE GATO MAIN COON COM FRACTURA BILATERAL ESPONTÂNEA DA EPÍFISE PROXIMAL DO FÉMUR DO DIAGNÓSTICO À RECUPERAÇÃO CLÍNICA Escobar, M.1; Mendes, F.1; Delgado, L.2; Brilhante, P.2;Pereira, A.3;Cunha, P.4;Felga, H.1 1 Clínica dos Gatos, Porto, Portugal; 2 Laboratório INNO, Braga, Portugal 3 Centro Hospitalar Veterinário, Porto, Portugal; 4 Cl ínica Veterinária de Serralves, Porto, Portugal Anamnese: Gato macho com 2 anos de idade, raça Main Coon, castrado aos 6 meses, apresen- tou-se à consulta com história de fraqueza dos posteriores, relutância a andar e saltar, anorexia par- cial e perda de peso há 4 meses. Os tutores não descreveram nenhum episódio de trauma. Exame físico: Condição corporal: score 3/9; atrofia muscular generalizada dos 4 membros; clau- dicação marcada nos posteriores; alguma relutância e dor na manipulação ortopédica; sopro IV/VI bilateral, sem arritmias. Restante exame sico sem alterações. Exames complementares : Hemograma, bioquímicas, ecografia abdominal e ecocardiografia sem alterações patológicas. Foi realizada uma Tomografia Axial Computadorizada (TAC), sendo de- tectada uma fractura da epífise proximal da cabeça do fémur, bilateral, com um deslocamento da metáfise em relação à epise proximal do fémur e com sinais de reabsorção óssea do colo femoral (Figura 1,2,3,4). DISCUSSÃO e CONCLUSÃO EVOLUÇÃO CLÍNICA Esta condição, embora pouco descrita, já foi encontrada em diversas raças, sendo que há uma maior representação no Domésco de Pêlo Curto, Siamês e Main Coon. A apresentação mais comum é em animais castrados, com excesso de peso e sem história prévia de trauma. 13, 7, 8 Na maioria das descrições de SCFE, o diagnósco é feito a parr da história clínica, exame ortopédico, alterações radiográficas e histopatologia. 14,6,7,8 Neste caso optamos por efectuar uma TAC para permir um diagnósco com maior sensibilidade, face à cronicidade e gravidade do quadro clínico. É o primeiro caso descrito em que o diagnósco foi feito primeiramente através de uma TAC. A eopatogenia da SCFE ainda não se encontra totalmente esclarecida. Trata-se de uma alteração nas placas epifisárias, devido a uma displasia primária ou a um encerramento tardio das mesmas. 5-7 Alguns autores mencionam esta condição como uma displasia primária das placas de crescimento, que pode dar origem a uma fractura da epífise proximal do fémur e que a remodelação óssea será secundá- ria a esta. 6,8 Outros autores sugerem que será uma osteopaa das metáfises por si, ou que esta ocorra como um processo crónico da SCFE. 7, 9 A SCFE deve ser considerada como diagnósco diferencial importante em machos jovens, castrados, Main Coon, com fraqueza/claudicação dos posteriores, apesar da sua eologia ainda indeterminada. 3,4 No nosso caso clínico, o gato entrou com uma perda de condição corporal exuberante e relutância mar- cada à locomoção, que associamos a um quadro de dor crónica devido a esta condição. Foi evidente a recuperação do bem estar e ausência de dor após as cirurgias. BIBLIOGRAFIA Figura 1—Imagem tridimensional gerada por TAC. É possível observar a fractura da epífise proximal do fémur, bilateral, com um deslocamento do fémur em rela- ção à cabeça do mesmo, normeadamente no membro posterior esquerdo. Figura 2—Corte axial a nível das duas epífises proximais do fémur. Observam-se lesões de osteólise, remodelação e proliferação óssea no colo femoral direito, com uma fractura Salter Harris po I (1). No colo femoral esquerdo observam-se as mesmas lesões ósseas e com um deslocamento caudal da metáfise em relação à epífise (2). Figura 3—Imagem tridimensional gerada por TAC, do membro posterior esquerdo. É possível observar a fractura na epífise proximal do fémur, com um deslocamen- to do fémur em relação à cabeça do mesmo. Figura 4—Imagem tridimensional gerada por TAC, do membro posterior direito. É possível observar a fractura na epífise proximal do fémur, com um deslocamento do fémur em relação à cabeça do mesmo. O gato foi submedo a uma ressecção da cabeça e colo do fémur, nos dois membros. Os produtos das ostectomias foram remedos para análise histopatológica, após um processo de descalcificação . Histologicamente a placa epifisária apresenta-se alterada (Fig. A, B e C) demonstrando um desarranjo dos condrócitos (Fig. C, D e F) que se apresentam irregularmente distribuídos e rodeados por um estroma conjunvo abundante (→) com focos de necrose (*). O paciente foi submedo a uma primeira cirurgia ortopédica — ressecção da cabeça e colo do fémur, no membro posterior direito, que clinicamente se encontrava pior. Medicamente o pós-cirúrgico foi controlado com robenacoxib (1 mg/kg PO SID) durante 5 dias e com buprenorfina (0.02 mg/kg SL BID) durante 3 dias consecuvos. Avaliação clínica pós - cirúrgica: 3º dia: Recuperação total do apete 6º dia: Apoio do membro intervencionado no chão 13º dia: Recupera o movimento de salto, uli- zando maioritariamente o membro que foi in- tervencionado. Avaliação clínica pós - cirúrgica: 3º dia: Apoio do membro intervencionado no chão e recupera o movimento de salto com os dois membros. 5º dia: Observaram-se imediatamente sinais de bem estar tais como grooming, ronronar, mais apete e um maior tempo dispendido com os tu- tores. Destaca-se a melhoria/recuperação imediata da avidade locomotora (salto, corrida, levantar sem dificuldade) após a segunda cirurgia. Figura 6—Controlo radiográfico no final da primeira cirurgia ortopédica. Caso queira saber mais sobre esta condição clínica aceda através do QR Code.. Incluí um vídeo 3D As fracturas espontâneas da epífise proximal do fémur, ou em inglês Slipped capital Femoral Ephysis (SCFE), não são habitualmente associadas a traumas. Encontram-se pouco descritas em gatos, no entanto têm uma apresentação semelhante ao que já se encontra descrito em humanos. 1-10 Diversas eologias foram sugeridas, desde necrose avascular, osteomielite, alterações endócrinas ou genécas. 15,7,8 CASO CLÍNICO INTRODUÇÃO Figura 5 - Cortes histológicos dos produtos de ostectomias. Figuras A , B e C (50X; H&E); Figuras C, D e F (200x; Figura 7—Controlo radiográfico no final da segunda cirurgia ortopédica. A nível radiográfico são observadas alterações compaveis com uma separação e eventual deslocamento da metáfise em relação à epífise da cabeça do fémur. Existem regiões de radiolu- cência no colo femoral associadas a focos de os- teólise e reabsorção óssea no membro posteri- or esquerdo [(→)Fig. 6]. Após 6 semanas foi submedo a uma segunda cirurgia ortopédica para correcção do colo femo- ral do membro posterior esquerdo. 1. Craig, L. E. Physeal Dysplasia with Slipped Capital Femoral Epiphysis in 13 Cats. Vet. Pathol. 38, 9297 (2001). 2. McNicholas, W. T. et al. Spontaneous femoral capital physeal fractures in adult cats: 26 cases (1996-2001). J. Am. Vet. Med. Assoc. 221, 17316 (2002). 3. Borak, D., Wunderlin, N., Brückner, M., Schwarz, G. & Klang, A. Slipped capital femoral epiphysis in 17 Maine Coon cats. J. Feline Med. Surg. 19, 1320 (2017). 4. Perry, K. L., Fordham, A. & Arthurs, G. I. Effect of neutering and breed on femoral and bial physeal closure mes in male and female do- mesc cats. J. Feline Med. Surg. 16, 149156 (2014). 5. Lile, S. The Cat - Clinical Medicine and Management. The Cat (Elsevier Ltd, 2012). 6. Burke, J. Physeal dysplasia with slipped capital femoral epiphysis in a cat. Can. Vet. J. = La Rev. Vet. Can. 44, 2389 (2003). 7. Schwartz, G. Spontaneous capital femoral physeal fracture in a cat. CVJ 54, (2013). 8. Grayton, J., Allen, P. and Biller, D. Case report: Proximal Femoral Physeal Dysplasia in a Cat and a Review of the Literature. Isr. J. Vet. Med. 69, (2014). 9. Lafuente, P. Young, Male Neutered, Obese, Lame? J. Feline Med. Surg. 13, 498507 (2011). 10. Rahal, S. C. et al. Clinical outcome and gait analysis of a cat with bilateral slipped capital femoral epiphysis following bilateral ostectomy of the femoral head and neck. L L R R L R

EVOLUÇÃO CLÍNICA DE GATO MAIN COON COM FRACTURA … · Medicamente o pós-cirúrgico foi controlado com robenacoxib (1 mg/kg PO SID) durante 5 dias ... deslocamento da metáfise

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EVOLUÇÃO CLÍNICA DE GATO MAIN COON COM FRACTURA

BILATERAL ESPONTÂNEA DA EPÍFISE PROXIMAL DO FÉMUR DO DIAGNÓSTICO À RECUPERAÇÃO CLÍNICA

Escobar, M.1; Mendes, F.1; Delgado, L.2; Brilhante, P.2;Pereira, A.3;Cunha, P.4;Felga, H.1

1 Clínica dos Gatos, Porto, Portugal; 2 Laboratório INNO, Braga, Portugal 3 Centro Hospitalar Veterinário, Porto, Portugal; 4 Clínica Veterinária de Serralves, Porto, Portugal

Anamnese: Gato macho com 2 anos de idade, raça Main Coon, castrado aos 6 meses, apresen-

tou-se à consulta com história de fraqueza dos posteriores, relutância a andar e saltar, anorexia par-

cial e perda de peso há 4 meses. Os tutores não descreveram nenhum episódio de trauma.

Exame físico: Condição corporal: score 3/9; atrofia muscular generalizada dos 4 membros; clau-

dicação marcada nos posteriores; alguma relutância e dor na manipulação ortopédica; sopro IV/VI

bilateral, sem arritmias. Restante exame físico sem alterações.

Exames complementares: Hemograma, bioquímicas, ecografia abdominal e ecocardiografia

sem alterações patológicas. Foi realizada uma Tomografia Axial Computadorizada (TAC), sendo de-

tectada uma fractura da epífise proximal da cabeça do fémur, bilateral, com um deslocamento da

metáfise em relação à epifíse proximal do fémur e com sinais de reabsorção óssea do colo femoral

(Figura 1,2,3,4).

DISCUSSÃO e CONCLUSÃO

EVOLUÇÃO CLÍNICA

Esta condição, embora pouco descrita, já foi encontrada em diversas raças, sendo que há uma maior

representação no Doméstico de Pêlo Curto, Siamês e Main Coon. A apresentação mais comum é em

animais castrados, com excesso de peso e sem história prévia de trauma.1–3, 7, 8

Na maioria das descrições de SCFE, o diagnóstico é feito a partir da história clínica, exame ortopédico,

alterações radiográficas e histopatologia. 1–4,6,7,8

Neste caso optamos por efectuar uma TAC para permitir um diagnóstico com maior sensibilidade, face à cronicidade e gravidade do quadro clínico. É o primeiro caso descrito em que o diagnóstico foi feito primeiramente através de uma TAC.

A etiopatogenia da SCFE ainda não se encontra totalmente esclarecida. Trata-se de uma alteração nas placas epifisárias, devido a uma displasia primária ou a um encerramento tardio das mesmas.5-7

Alguns autores mencionam esta condição como uma displasia primária das placas de crescimento, que

pode dar origem a uma fractura da epífise proximal do fémur e que a remodelação óssea será secundá-

ria a esta. 6,8 Outros autores sugerem que será uma osteopatia das metáfises por si, ou que

esta ocorra como um processo crónico da SCFE. 7, 9

A SCFE deve ser considerada como diagnóstico diferencial importante em machos jovens, castrados,

Main Coon, com fraqueza/claudicação dos posteriores, apesar da sua etiologia ainda indeterminada.3,4

No nosso caso clínico, o gato entrou com uma perda de condição corporal exuberante e relutância mar-

cada à locomoção, que associamos a um quadro de dor crónica devido a esta condição. Foi evidente a

recuperação do bem estar e ausência de dor após as cirurgias.

BIBLIOGRAFIA

Figura 1—Imagem tridimensional gerada por TAC. É possível observar a fractura

da epífise proximal do fémur, bilateral, com um deslocamento do fémur em rela-

ção à cabeça do mesmo, normeadamente no membro posterior esquerdo.

Figura 2—Corte axial a nível das duas epífises proximais do fémur. Observam-se

lesões de osteólise, remodelação e proliferação óssea no colo femoral direito,

com uma fractura Salter Harris tipo I (1). No colo femoral esquerdo observam-se

as mesmas lesões ósseas e com um deslocamento caudal da metáfise em relação

à epífise (2).

Figura 3—Imagem tridimensional gerada por TAC, do membro posterior esquerdo.

É possível observar a fractura na epífise proximal do fémur, com um deslocamen-

to do fémur em relação à cabeça do mesmo.

Figura 4—Imagem tridimensional gerada por TAC, do membro posterior direito. É

possível observar a fractura na epífise proximal do fémur, com um deslocamento

do fémur em relação à cabeça do mesmo.

O gato foi submetido a uma ressecção da cabeça e colo do fémur, nos dois membros.

Os produtos das ostectomias foram remetidos para análise histopatológica, após um processo

de descalcificação .

Histologicamente a placa epifisária apresenta-se alterada (Fig. A, B e C) demonstrando um desarranjo dos condrócitos (Fig. C, D e F) que se apresentam irregularmente distribuídos e rodeados por um estroma conjuntivo abundante (→) com focos de necrose (*).

O paciente foi submetido a uma primeira cirurgia ortopédica — ressecção da cabeça e colo do

fémur, no membro posterior direito, que clinicamente se encontrava pior.

Medicamente o pós-cirúrgico foi controlado com robenacoxib (1 mg/kg PO SID) durante 5 dias

e com buprenorfina (0.02 mg/kg SL BID) durante 3 dias consecutivos.

Avaliação clínica pós-cirúrgica:

3º dia: Recuperação total do apetite

6º dia: Apoio do membro intervencionado no

chão

13º dia: Recupera o movimento de salto, utili-

zando maioritariamente o membro que foi in-

tervencionado.

Avaliação clínica pós-cirúrgica:

3º dia: Apoio do membro intervencionado no

chão e recupera o movimento de salto com os

dois membros.

5º dia: Observaram-se imediatamente sinais de

bem estar tais como grooming, ronronar, mais

apetite e um maior tempo dispendido com os tu-

tores.

Destaca-se a melhoria/recuperação imediata da

atividade locomotora (salto, corrida, levantar

sem dificuldade) após a segunda cirurgia.

Figura 6—Controlo radiográfico no final da primeira cirurgia ortopédica.

Caso queira saber mais sobre esta

condição clínica aceda através do

QR Code.. Incluí um vídeo 3D

As fracturas espontâneas da epífise proximal do fémur, ou em inglês Slipped capital Femoral Ephysis (SCFE), não são habitualmente associadas a traumas. Encontram-se pouco descritas em gatos, no entanto têm

uma apresentação semelhante ao que já se encontra descrito em humanos.1-10 Diversas etiologias foram sugeridas, desde necrose avascular, osteomielite, alterações endócrinas ou genéticas.1–5,7,8

CASO CLÍNICO

INTRODUÇÃO

Figura 5 - Cortes histológicos dos produtos de ostectomias. Figuras A , B e C (50X; H&E); Figuras C, D e F (200x;

Figura 7—Controlo radiográfico no final da segunda cirurgia ortopédica.

A nível radiográfico são observadas alterações

compatíveis com uma separação e eventual

deslocamento da metáfise em relação à epífise

da cabeça do fémur. Existem regiões de radiolu-

cência no colo femoral associadas a focos de os-

teólise e reabsorção óssea no membro posteri-

or esquerdo [(→)Fig. 6].

Após 6 semanas foi submetido a uma segunda cirurgia ortopédica para correcção do colo femo-

ral do membro posterior esquerdo.

1. Craig, L. E. Physeal Dysplasia with Slipped Capital Femoral Epiphysis in 13 Cats. Vet. Pathol. 38, 92–97 (2001). 2. McNicholas, W. T. et al. Spontaneous femoral capital physeal fractures in adult cats: 26 cases (1996-2001). J. Am. Vet. Med. Assoc. 221,

1731–6 (2002). 3. Borak, D., Wunderlin, N., Brückner, M., Schwarz, G. & Klang, A. Slipped capital femoral epiphysis in 17 Maine Coon cats. J. Feline Med.

Surg. 19, 13–20 (2017). 4. Perry, K. L., Fordham, A. & Arthurs, G. I. Effect of neutering and breed on femoral and tibial physeal closure times in male and female do-

mestic cats. J. Feline Med. Surg. 16, 149–156 (2014). 5. Little, S. The Cat - Clinical Medicine and Management. The Cat (Elsevier Ltd, 2012). 6. Burke, J. Physeal dysplasia with slipped capital femoral epiphysis in a cat. Can. Vet. J. = La Rev. Vet. Can. 44, 238–9 (2003). 7. Schwartz, G. Spontaneous capital femoral physeal fracture in a cat. CVJ 54, (2013). 8. Grayton, J., Allen, P. and Biller, D. Case report: Proximal Femoral Physeal Dysplasia in a Cat and a Review of the Literature. Isr. J. Vet. Med.

69, (2014). 9. Lafuente, P. Young, Male Neutered, Obese, Lame? J. Feline Med. Surg. 13, 498–507 (2011). 10. Rahal, S. C. et al. Clinical outcome and gait analysis of a cat with bilateral slipped capital femoral epiphysis following bilateral ostectomy of

the femoral head and neck.

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