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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA _____ VARA CÍVEL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA – ESTADO DO PARANÁ O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, através da Promotoria de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente, por seu representante infra-assinado, usando das atribuições que lhe são conferidas em lei, vem à presença de Vossa Excelência, com fulcro no artigo 129 da Constituição Federal e com fundamento nas Leis Federais n. 6.938/81 e 7.347/85 e demais leis estaduais e municipais pertinentes à espécie, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL, com pedido de concessão de liminar em face de SILVESTRE DOMANSKI, brasileiro, casado com Lindamir Cardoso Domanski no regime de comunhão universal de bens, comerciante, portador do C.I. nº 1.237.500-PR e inscrito no CPF/MF nº 252.846.499-1, residente e domiciliado na Rua Estefânia nº 258, Bairro Cachoeira, Curitiba – PR; MAETÊ KATRINE DOMANSKI, brasileira, solteira, maior, inscrita no CPF/MF nº 005.562.759-50, portadora da C.I.R.G. nº 7.749.831-1 – PR, residente e domiciliada na Rua Estefânia nº 258, Bairro Cachoeira, Curitiba – PR;

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA … · segundo Guia Amarela, o lote é atingido por faixa não edificável (previsão de passagem de rua), Bosque Nativo Relevante

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA ___ __ VARA CÍVEL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIB A – ESTADO DO PARANÁ

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ ,

através da Promotoria de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente, por seu

representante infra-assinado, usando das atribuições que lhe são conferidas

em lei, vem à presença de Vossa Excelência, com fulcro no artigo 129 da

Constituição Federal e com fundamento nas Leis Federais n. 6.938/81 e

7.347/85 e demais leis estaduais e municipais pertinentes à espécie, propor a

presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL,

com pedido de concessão de liminar em face de

SILVESTRE DOMANSKI, brasileiro, casado com Lindamir

Cardoso Domanski no regime de comunhão universal de bens, comerciante,

portador do C.I. nº 1.237.500-PR e inscrito no CPF/MF nº 252.846.499-1,

residente e domiciliado na Rua Estefânia nº 258, Bairro Cachoeira, Curitiba –

PR;

MAETÊ KATRINE DOMANSKI , brasileira, solteira, maior,

inscrita no CPF/MF nº 005.562.759-50, portadora da C.I.R.G. nº 7.749.831-1 –

PR, residente e domiciliada na Rua Estefânia nº 258, Bairro Cachoeira, Curitiba

– PR;

RUBEN CARVALHO SILVA , brasileiro, casado, representante

comercial, inscrito no CPF/MF nº 233.232.309-06, portador da C.I.R.G. nº

1.099.337-7, residente e domiciliado na Rua Theodoro Makiolka nº 4063, Bairro

Barreirinha, Curitiba – PR, pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir

aduzidos:

1. DOS FATOS

Em 13 de dezembro de 2012, foram encaminhadas, pela Prefeitura de

Curitiba, à Promotoria de Justiça de Proteção ao Meio Ambiente, denúncia de

supressão de área de mata nativa e loteamento irregular de terreno localizado

no Bairro Cachoeira, em Curitiba, no entorno da Unidade de Conservação

Municipal conhecida como “Parque da Barreirinha’’, bem como informações

quanto às providências tomadas no âmbito do poder municipal no sentido de

apurar e sanar os danos ambientais relatados.

A denúncia (datada de 10 de maio de 2012) consiste, na realidade, na

reiteração duma outra, encaminhada à Prefeitura Municipal de Curitiba em 5 de

janeiro de 2010:

Em atendimento à primeira Solicitação de Providências (relativa ao

desmate de área de mata nativa nos fundos do Parque da Barreirinha para a

ampliação de um barracão industrial e a construção de casas populares para

locação, muito provavelmente sem a autorização do município), foi realizada,

ainda em 2010, vistoria no local e, comprovada a procedência da denúncia, foi

lavrada, em 30 de março de 2010, a Notificação nº 29575/B, convocando o

denunciado a comparecer na Unidade do Meio Ambiente do Boa Vista (UMA-

BV) para prestar os devidos esclarecimentos.

O Sr. Domanski, em resposta, alega (em carta enviada no dia 1º de abril

de 2010) que não há condomínio algum no local (o que houve, segundo ele, foi

a venda de partes ideais do imóvel para posterior subdivisão) e que o terreno

onde está situado um barracão foi vendido, em março de 2008, ao Sr. Ruben

Carvalho Lima (na verdade, o que houve foi a celebração de Contrato

Particular de Compromisso de Compra e Venda, cuja outorga de escritura

jamais chegou a ocorrer, como demonstraremos no tópico 2.5). O réu

apresentou, ainda, cópia da matrícula do Lote nº J-B, o qual teria sido, de

acordo com a cláusula primeira do referido contrato, desmembrado, dando

origem ao lote negociado. A partir da análise do referido documento, constatou-

se que, na realidade, a proprietária é Maete Katrine Domanski, filha do Sr.

Silvestre Domanski, o qual detém, por sua vez, o usufruto vitalício do imóvel.

Não foram, porém, averbados nem o Contrato Particular de Compromisso de

Compra e Venda nem o desmembramento do Lote nº J-B

No dia 8 de abril de 2010, conforme consta em ata, Sr. Domanski

compareceu à UMA- BV munido dos mesmos argumentos, alegando, ainda,

que não houve desmatamento e sim a limpeza do mato, sem o corte de

árvores, e que os lotes vendidos seriam ocupados somente por familiares.

Entretanto, as informações levantadas durante a vistoria da SMMA e a as

aerofotos do local contradizem tais afirmações, não deixando dúvidas quanto à

veracidade das denúncias de desmate, abertura de rua interna, demarcação de

lotes e construções irregulares. Por esse motivo, foram lavrados nesse mesmo

dia os autos de infração nº 10380 (construções e loteamento irregular no

imóvel sem licenciamento prévio da SMMA) e nº 10373 (remoção de 2000 m²

de Bosque Nativo Relevante), além do Auto de Embargo nº 415/2010, para a

paralisação imediata das construções. O Sr. Domanski, porém, recusou-se a

assinar os autos, ficando de retornar acompanhado do seu advogado e da sua

filha, o que, de fato, não veio a ocorrer.

Diante do esgotamento do prazo para recurso administrativo e do não

pagamento da multa, o Sr. Domanski foi notificado por duas vezes (primeiro em

31 de maio de 2010 e depois em 4 de abril de 2012) e, posteriormente,

convocado via Edital a comparecer à UMA-BV para regular os autos de

infração. Não havendo resposta, foi o infrator inscrito em Dívida Ativa.

Quanto à segunda denúncia (que deu origem ao procedimento

administrativo instaurado nessa Promotoria), alega a SMMA que todas as

providências administrativas cabíveis já teriam sido tomadas em 2010, sem,

porém, surtir o efeito desejado quanto à cessação do dano, motivo pelo qual a

mesma foi encaminhada à Promotoria de Justiça de Proteção ao Meio

Ambiente.

Em atendimento à denúncia, a Equipe Técnica do Centro de Apoio às

Promotorias realizou, no dia 28 de fevereiro de 2013, vistoria no local. Além do

desmate de área de Bosque Nativo Relevante e do loteamento irregular do

terreno, constatou-se, ainda, por meio da vistoria, a existência de dois

Barracões Industriais (um com 2800 e outro com 1650 metros), onde

supostamente estariam instaladas as Empresas Brasil Sat e CPC Gralha Azul,

e de 10 casas já edificadas e habitadas, algumas delas, aliás, construídas sem

recuo algum com os referidos estabelecimentos. Além destas, há, ainda, outras

em processo de construção. As casas não possuem ligação com rede de

esgotamento sanitário, tendo sido constatado, pelo menos em uma casa,

o despejo de efluentes em direção ao fundo de vale no imóvel,

configurado como Área de Preservação Permanente , o que agrava ainda

mais a situação.

Quanto à alegação do Sr. Domanski de que os lotes estariam sendo

vendidos apenas a familiares, constatou a Equipe técnica, através de entrevista

com morador, que a mesma não procede. O entrevistado, que preferiu não se

identificar, afirmou não possuir parentesco com o loteador (bem como os

demais moradores), tendo comprado sua área em prestações mensais.

Segundo ele, ainda há lotes sendo comercializados.

Em consulta à Guia Amarela, constatou-se que o lote em questão está

localizado em Zona Residencial de Ocupação Controlada, o que implica, na

prática, algumas restrições de uso e ocupação do solo. Estabelece-se, por

exemplo, o limite de 2000m² de área construída para Comércio e serviço

vicinal, de bairro e setorial e de 400m² para Indústria Tipo 1. Além disso, ainda

segundo Guia Amarela, o lote é atingido por faixa não edificável (previsão de

passagem de rua), Bosque Nativo Relevante (cujo desmate deu ensejo ao Auto

de Infração lavrado pela SMMA) e faixa de Preservação Permanente.

Diante do narrado, insustentáveis se tornam as alegações do Sr.

Domanski à UMA-BV em 8 de abril de 2010 (última manifestação de que temos

notícia). Depreende-se da vistoria e da documentação levantada pela Equipe

Técnica de Apoio às Promotorias que houve, sim, o desmate de área de mata

nativa, bem como a venda de lotes no interior da propriedade (não apenas a

membros da família, como alega o Sr. Domanski), onde já foram edificadas

moradias (algumas delas, inclusive, já estão sendo habitadas). Alie-se a isso a

ausência de ligação das mesmas à rede de esgotamento sanitário e o despejo

de seus efluentes em área de APP.

2. DO DIREITO

2.1 .Do Direito Fundamental ao Meio Ambiente Ecolog icamente

Equilibrado

O artigo 225, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil,

prevê, (embora alocado no Título VII, Da Ordem Social, e não no Título II, Dos

Direitos e Garantias Fundamentais, como seria o esperado), o direito

fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que seria

(conforme interpretação literal do texto da norma) “essencial à sadia qualidade

de vida’’.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Sendo o direito à saúde um direito fundamental, o direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado, sem o qual não seria possível a

concretização deste outro, estaria, portanto, por consequência lógica, incluído

também no rol de direitos fundamentais previstos na Constituição.

Nesse sentido, há, na jurisprudência, interessantes julgados, como o

proferido pela Câmara Reservada ao Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de

São Paulo no julgamento da Apelação Cível nº 0043556-35.2006:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL – requeridos que edificaram irregularmente em área de preservação permanente – aduzida infringência ao direito adquirido e ao direito à propriedade – inadmissibilidade – hermenêutica do direito fundamental ao meio ambiente saudável, componente inato do direito à vida, que não se submete aos velhos paradigmas processuais das lides individuais – apelo desprovido AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL – requeridos que edificaram irregularmente em área de preservação permanente – equívoco da perícia – inocorrência – apelantes que não comprovam, por prova 6inquenta6, a irregularidade da perícia realizada – apelo desprovido (435563520068260554 SP 0043556-35.2006.8.26.0554, Relator: Renato Nalini, Data de Julgamento: 01/03/2012, Câmara Reservada ao Meio Ambiente, Data de Publicação: 05/03/2012)

Ora, se o direito à propriedade é direito fundamental, também o é o

direito à vida (que não se resume à mera sobrevivência, subsistência, trata-se,

aqui, da vida digna, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito

constituído em 1988), à saúde e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Quando do conflito, no caso concreto, entre princípios constitucionais (que se

diferem das regras justamente por não se submeterem ao regime do tudo ou

nada), entende boa parte da doutrina que os mesmo deverão passar por um

processo de ponderação, a fim de dar à lide a solução mais justa, mais

adequada. Não sendo racional e moralmente concebível (em um Estado que se

pretenda democrático de direito) sobrepor o direito à propriedade ao direito à

vida, no caso em questão, em que entram em conflito o direito dos proprietários

de usarem, gozarem e disporem da sua propriedade e o da coletividade de

viver dignamente (o que implica a preservação do equilíbrio ambiental)..

2.2 . Da Limitação da Liberdade Proprietária

Conforme o inciso XXIII, do artigo 5º da Constituição Federal, a

propriedade, que também possui, por opção do legislador, status de direito

fundamental (o direito à propriedade está previsto no inciso XXII, do artigo 5º

da Constituição) deverá cumprir sua “função social’’.

Admitindo-se que propriedade, a despeito da ambiguidade de sentidos

que o ordenamento jurídico venha a lhe atribuir (relação e objeto dessa mesma

relação), compreenda uma instituição jurídica, cujo conteúdo é demarcado pelo

direito, o que o direito protege e garante é a relação jurídica do sujeito sobre o

objeto. Essa relação (isso em um Estado Social, como o Brasil) deve,

entretanto, para justificar a sua proteção pelo Estado através do direito,

preencher alguns requisitos. Isso, para que, além do indivíduo proprietário, se

beneficie, com tal relação, também a sociedade. Por esse motivo, impõem-se

ao proprietário determinados ônus, que consistem, nas palavras de Derani, na

“realização de determinadas ações, a fim de que a relação de propriedade

mantenha sua validade no mundo jurídico’’.1

Ora, se o meio ambiente é, de acordo com o caput do artigo 225, bem

de uso comum do povo, a apropriação deste por um único indivíduo só poderá

ser tolerada na medida em que não impeça que os outros (e aqui se incluem as

próximas gerações) dela usufruam. Daí a necessidade da limitação da

chamada liberdade proprietária. Francisco Garrido Peña, conclui de forma

magistral, em seu artigo “De como la ecologia política redefine conceptos

centrales de la ontologia jurídica tradicional: lobertad y propiedad’’, que

“La conjunción impossible de libertad y propiedad da como resultado la libertad de privar a otros de su libertad (...) Decir que algo es de propiedad no es indicar quine puede gozar de esse algo, sino ordenar quien no puede gozar de esse algo’’.2

1 DERANI, Cristiane. A Propriedade na Constituição de 1988 e o Conteúdo d a “Função Social” . Revista de Direito Ambiental. 2002; n.27: 58-69 2 PEÑA, Francisco Garrido. “De como la Ecología Política Redefine Conceptos Centrales de la Ontología Jurídica Tradicional: Libertad y Propriedad”. VARELLA, Marcelo Dias; BORGES, Roxana Cardoso (org.) O Novo em Direito Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 1998

Nesse sentido, vem entendendo a jurisprudência que:

“Apelação Cível n. 145.317-4 Rel.: Juiz Lauro Augusto Fabrício de Melo / 1. Câm.Cível Ementa – Ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente com obrigação de fazer – Alegada ausência de citação de litisconsorte – Desnecessidade – Nulidade de sentença por falta de fundamentação – Inocorrência – Terreno reservado – edificação sobre faixa de mata ciliar – Art. 2, letra ‘A’, item ‘5’, da lei n. 4.771/65 – Legitimidade do IAP para fiscalização – Honorários advocatícios devidos nos termos do artigo 118, inciso II, alínea ‘A’, da Constituição Estadual – Recurso desprovido. 1- A fruição da propriedade e da posse, não pode legitimar a degradação do meio ambiente, áreas de preservação permanente. 2- Constitui uso nocivo da propriedade, destinação diversa daquela determinada pelo Código Florestal, nas área s de preservação permanente, desrespeitando-se a limitaç ão administrativa, cuja responsabilidade no direito am biental é objetiva. 3- A preservação e a recomposição de mata ciliar é um imperativo que se impõem ao proprietário de terras, constituindo-se em obrigação propter rem. 4- Considera-se de preservação permanente, as flore stas e demais formas de vegetação natural, situadas ao lon go dos demais rios ou qualquer curso d’água, desde o seu n ível mais alto em faixa marginal, cuja largura é fixada no Código Florestal (art.2) 5- As florestas de preservação permanente, instituí das, no art. 2, do Código Florestal, são consideradas as propriedades como de limitações administrativas. 6- Terrenos reservados são faixas de terras particu lares, marginais dos rios, lagos e canais públicos, como d efine o Código de Águas. 7- Configura, limitação administrativa à propriedad e, visando a proteção ambiental, a definição, como área de pre servação permanente, das florestas e demais formas de vegeta ção natural situadas ao longo dos rios o qualquer curso d’água. Tal limitação, não importa em violação do direito d e propriedade, tampouco infringe qualquer direito. 8- Há leis que dependem de regulamentação para sua execução e outras que são auto-executáveis. No enta nto, qualquer delas pode ser regulamentada, distinguindo -se de que as primeiras o regulamento é condição de sua ap licação e nas segundas é ato facultativo. 9- Os honorários advocatícios fixados em ação civil pública aforada pelo Ministério Público, julgada improcedente, decorrente da sucumbência, deverá ser recolhida ao Estado, como renda eventual, à conta da Procuradoria Geral da Justiça, para o Fundo

Especial criado pela lei Estadual n. 12.241/98, nos termos do art. 118, inc. II, alínea ‘a’, parte final, da Constituição Estadual. Ação Civil Pública – Liminar – Proteção Ambiental – Limitação Administrativa. Configura limitação administrativa a propriedade, objetivando a proteção ambiental, a definição, como área de preservação permanente, das florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água. Essa limitação não importa em violação do direito de propriedade, tampouco em afronta a qualquer direito adquirido. Por isso, é mantida a concessão de liminar em ação civil pública, posto que ancorada em elementos informativos que evidenciam a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora. Agravo de instrumento desprovido.”

Nesse ponto, importante ressaltar, ainda, que a função social deverá ser

atendida por toda a propriedade (aqui no sentido de objeto da relação),

independente de onde esteja localizada (zona rural ou urbana) ou de quem a

possua. Segundo Daniel Fernandes Claro, em sua Tese de Mestrado intitulada

“A Função Social da Propriedade Urbana na Constituição Federal –

Instrumentos Coercitivos de Efetivação’’, diante do cenário atual, em que “o

crescimento desordenado das cidades brasileiras, juntamente com o brutal

aumento do número de pessoas que nelas habitam, causam sérios problemas

sociais que vão desde a falta de moradias, até a insuficiência e ineficiência de

equipamentos urbanos e comunitários’’, o princípio da função social da

propriedade urbana adquire “importância crucial para o desenvolvimento do

país, bem como de sua população’’.3

2.3 . Do Dano Ambiental como obrigação propter rem e a responsabilidade

solidária e objetiva dos demandados

3 CLARO, Daniel Fernandes. A Função Social da Propriedade Urbana na Constituição Federal: Instrumentos Coercitivos de Efetivação. 2007. Dissertação de Mestrado–Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo-FADISP. São Paulo

Para fins de se resguardar de uma possível alegação dos demandados

não terem responsabilidade sobre o evento danoso, discorre-se o presente

tópico.

Como já é consolidado pela doutrina e pela jurisprudência pátria, o dano

ambiental é tido como uma obrigação propter rem, ou seja, aquela que

acompanha a coisa, conforme já dito anteriormente. Sendo que no presente

caso não é diferente, mesmo que, conforme os documentos acostados na

presente inicial, indicam que os inventariantes são, de fato, os responsáveis

pelos danos ambientais no local.

Isso nada mais é que a simples aplicação do princípio do poluidor-

pagador, uma vez que quem irá usufruir economicamente da área afetada

deve, por conseguinte, suportar o ônus sobre a degradação ali ocorrida.

Acerca do aludido princípio, traz-se à lume os ensinamentos de Edis

Milaré:

Princípio do poluidor-pagador (polluter pays principle) - Assenta-se este princípio navocação redistributiva do Direito Ambiental e se inspira na teoria econômica de que os custos sociais externos que acompanham o processo produtivo precisam ser internalizados [...]. Busca-se, no caso, imputar ao poluidor o custo social da poluição por ele gerada, engendrando um mecanismo de responsabilidade por dano ecológico abrangente dos efeitos da poluição não somente sobre bens e pessoas, mas sobre toda a natureza.4

O mencionado princípio, portanto, recomenda que a ação poluidora seja

examinada em sintonia com os demais princípios informadores do Direito

Ambiental, para a aferição da responsabilidade em face do regime jurídico

incidente.

Paulo de Bessa Antunes declara que tal diagnose visa à precisa e

correta identificação do causador do dano – o que não significa que

necessariamente seja somente aquele com quem se estabeleça o elo de

causalidade – evitando que a sociedade arque com possíveis prejuízos:

4 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 142.

Um aspecto muito importante em matéria de Direito Ambiental é aquele pelo qual fica bastante claro que não se pode admitir que a sociedade, em conjunto, sustente o ônus financeiro e ambiental de atividades que, fundamentalmente, irão significar um retorno econômico individualizado. Daí o repasse dos custos para aqueles que irão auferir o benefício econômico dos projetos. Este entendimento é válido para todo o Direito Ambiental e não apenas para os aspectos referentes à responsabilidade por danos ambientais.5

Em face das asserções supra colacionadas, é inolvidável o liame

científico existente entre o princípio ora em comento e o instituto da

responsabilidade civil em matéria ambiental. Dessarte, é de sabença geral que

a responsabilidade por danos causados ao mencionado bem difuso é objetiva e

solidária (art. 225, §3º, CRFB/1988; art. 14, §1º, Lei nº 6.938/1981):

Art. 225. (...) § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Art. 14 (...) § 1º Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

A doutrina objetiva, ao invés de exigir que a responsabilidade civil seja a

resultante dos elementos tradicionais (culpa, dano, vínculo de causalidade

entre uma e outro) assenta-se na equação binária cujos polos são o dano e a

autoria do evento danoso. Sem cogitar a imputabilidade ou investigar a

antijuridicidade do fato danoso, o que importa para assegurar o ressarcimento

5 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 39.

é a verificação se ocorreu o evento e se ele emanou o prejuízo. Em tal

ocorrendo, o autor do fato causador do dano é o responsável.6

Nesse norte, embora seja garantido ao proprietário o direito de utilizar

sua propriedade como lhe convenha, a hodierna ordem constitucional trouxe

nova hermenêutica a tal afirmação, uma vez que este caráter até então

absoluto encontra óbice na nova forma de tratar a propriedade. De tal modo, as

arguições de objeção à execução do direito de proprietário não condizem com

a atual concepção doutrinária e legislativa, que se posicionam majoritariamente

no sentido da primazia da função social da propriedade, por força,

principalmente, do artigo 5º, XXIII, da CRFB/1988, nos termos que já restaram

aqui despendidos.

O Superior Tribunal de Justiça é uníssono na matéria atualmente,

emitindo pronunciamento no seguinte sentido:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. NOVO PROPRIETÁRIO. LEGITIMIDADE PASSIVA. ANTIGO PROPRIETÁRIO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. NEXO DE CAUSALIDADE. PRESCRIÇÃO. PRAZO FIXADO PARA REPARAÇÃO DO DANO. 1 - Em razão da natureza propter rem da obrigação de reparar dano ambiental, o novo proprietário de imóvel que sofreu o referido dano também é responsável pelo dano, ainda que o dano tenha sido causado pelo antigo proprietário. 2 - Também é responsável pelo dano, uma vez que causador do mesmo, o antigo proprietário do imóvel em que houve o dano, ainda que tenha alienado tal imóvel. Inteligência do art. 3º, IV, c/c 14, § 1º, ambos da Lei nº 6.938/81. 3 - Ambos os requeridos, ou seja, tanto a antiga proprietária da área, a qual provocou o dano, quanto aquela que adquiriu o imóvel posteriormente, não reparando o dano, são responsáveis solidariamente pelo mesmo. Tal entendimento, inclusive encontra amparo na medida que melhor viabiliza a medida reparatória ou indenizatória perseguida. 4 - Segundo cristalina redação do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81, a responsabilidade pelo dano ambiental é objetiva, de forma que se torna desnecessária a perquirição acerca da culpa do agente.

6 STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurispru dencial. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 24.

5 - Indiscutível a presença do nexo causal entre a conduta do agente e o dano ocasionado, uma vez que comprovado satisfatoriamente nos autos, tendo, inclusive, a empresa causadora do dano confessado que praticara a conduta nociva ao meio ambiente. [...] 8 - Apelos conhecidos e improvidos. STJ – Resp 1.056.540/GO. Rel. Ministra Eliana Calmon. Data do Julgamento: 25.08.2009. RECURSO ESPECIAL PELAS ALÍNEAS "A" E "C" DA PERMISSÃO CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RESERVA FLORESTAL. NOVO PROPRIETÁRIO. TERRENO ADQUIRIDO JÁ DESMATADO. LEGITIMIDADE PASSIVA. INEXISTÊNCIA DE DISSÍDIO PRETORIANO. RECURSO NÃO PROVIDO. (...) 2. O novo adquirente do imóvel é parte legítima para figurar no pólo passivo de ação por dano ambiental que visa o reflorestamento de área destinada à preservação ambiental. Não importa que o novo adquirente não tenha sido o responsável pelo desmatamento da propriedade. "Não há como se eximir a adquirente desta obrigação legal, indistintamente endereçada a todos membros de uma coletividade, por serem estes, em última análise, os beneficiários da regra, máxime ao se considerar a função social da propriedade." Jurisprudência deste STJ no sentido do acórdão rechaçado. 3. Recurso especial não-provido. STJ – Resp 843.036/PR. Rel. Ministro José Delgado. Data do Julgamento: 17.10.2006.

Assim, de acordo com todo o colacionado acima, fica clara a

responsabilidade dos demandados no presente caso, não havendo qualquer

excusa para sua responsabilização ante aos danos causados ao meio

ambiente.

2.4. Dos Ônus Impostos aos Proprietários dos Terren os em Decorrência:

2.4.1. Da Proximidade com o Parque Barreirinha

Necessário lembrar, ainda, que, de acordo com a denúncia que deu origem

ao Procedimento instaurado nesta Promotoria, o terreno está localizado na

divisa com o Parque Barreirinha, o qual, de acordo com a Lei 9985/00,

pertence ao grupo das Unidades de Conservação de Proteção Integral, mais

precisamente à categoria Parque, o que implica, na prática, a imposição duma

série de restrições às atividades desenvolvidas dentro de seus limites e na sua

zona de amortecimento.

O artigo 11, caput, da mesma lei define os usos e atividades permitidas no

interior dos Parques Nacionais, as quais se limitam, devido à elevada

importância (e equivalente fragilidade) do ecossistema local, à realização de

pesquisas científicas e ao desenvolvimento de atividades de educação e

interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo

ecológico, cabendo, ainda (de acordo com o artigo 25 § 1º da mesma lei), ao

órgão responsável pela administração da unidade, o estabelecimento de

normas específicas regulamentando a ocupação e o uso dos recursos da sua

zona de amortecimento e dos corredores ecológicos. Por esse motivo,

necessário seria o estudo do Plano de Manejo e do Decreto de Criação do

Parque (que definiria os limites da zona de amortecimento) a fim de verificar se

a zona de amortecimento abarca parte da propriedade (ou, ainda, se a área

loteada e desmatada está no interior do parque, o que configuraria situação

ainda mais grave), impondo algum tipo de limitação às atividades ali

desenvolvidas.

Entretanto, segundo informações prestadas pela Prefeitura Municipal, o

Parque ainda não possui Plano de Manejo (apesar de a lei exigir que o mesmo

seja feito até cinco anos após a sua criação), aplicando-se, portanto, a ele, o

parágrafo único do artigo 28 da Lei 9985/00:

Art. 28. São proibidas, nas unidades de conservação, quaisquer alterações, atividades ou modalidades de utilização em desacordo com os seus objetivos, o seu Plano de Manejo e seus regulamentos. Parágrafo único. Até que seja elaborado o Plano de Manejo, todas as atividades e obras desenvolvidas nas unidades de conservação de proteção integral devem se limitar àquelas destinadas a garantir a integridade dos recursos que a unidade objetiva proteger, assegurando-se às populações tradicionais

porventura residentes na área as condições e os meios necessários para a satisfação de suas necessidades materiais, sociais e culturais.

Portanto, o loteamento e a venda de lotes, bem como a construção de

barracões industriais às margens do Parque Barreirinha, põem em risco seu

frágil ecossistema, isso, pois, ao contrário do que, por vezes, o próprio direito

nos faz crer, os limites (imaginários) que traçamos, por exemplo, para a área

correspondente a uma Unidade de Conservação não impedem que fatores

“externos’’ nela interfiram. Nós, seres humanos, fazemos parte de um sistema

vivo, movido por relações de interdependência entre seus componentes. Por

isso, a degradação da mata nativa ao redor do Parque Barreirinha, em área

que poderia ser caracterizada “materialmente’’ como sua zona de

amortecimento (embora não exista, ainda, Plano de Manejo para o Parque,

caracterizando-a, formalmente, como tal) interferirá e causará (no caso,

infelizmente, já causou) danos que se estenderão para além dos limites da

propriedade, se projetando, inclusive, para o Parque Municipal da Barreirinha,

importante reserva de mata nativa (contendo exemplares de araucárias,

aroeiras, manjeronas, canelas, bracatingas, pés de erva-mate, entre outros).

2.4.2. Da presença de Bosque Nativo Relevante

Além disso, em consulta à Guia Amarela, verifica-se que a área é, de

fato, atingida por Bosque Nativo Relevante. A ela se aplicam, portanto, os

correspondentes dispositivos previstos na Lei 9806/00 de Curitiba (Código

Florestal do Município de Curitiba), a qual dispõe, em seu Art. 5º caput:

Art. 5º - E vedado o abate, derrubada ou morte provocada, de árvore (s) nos Bosques Nativos Relevantes ou nos Bosque Nativos, sem autorização especial emitida pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente – SMMA, ficando os infratores sujeitos às penalidades previstas nesta lei.

Desse modo, conclui-se que, caso o Sr. Domanski pretendesse

desmatar área do Bosque Nativo Relevante para a construção dos barracões,

deveria ter pedido, antes do início das obras, autorização ao órgão ambiental

municipal, o que não ocorreu. Incorre o proprietário, portanto, em ilícito

ambiental, devendo ser responsabilizado pela recuperação do dano que, no

caso, consiste em desmate de mata nativa especialmente protegida. Nesse

sentido, dispõe o artigo 8ª §1º da Lei Municipal 9806/00:

Art. 8º - Os Bosques Nativos Relevantes que compõem o Setor Especial de Áreas Verdes, não perderão mais a sua destinação específica, devendo ser recuperados em caso de depredação total ou parcial. § 1º - Em ambos os casos, além das penalidades previstas na Legislação, a recuperação da área será de responsabilidade do proprietário ou possuidor do terreno, quando est e der causa ao evento, por ação ou omissão.

Inegável, portanto, a responsabilidade tanto dos proprietários como do

possuidor (responsabilidade solidária e objetiva), Sr. Ruben Carvalho

(apresentou o Sr. Domanski cópia do Instrumento Particular de Compromisso

de Compra e Venda de lote resultante do desmembramento do Lote J-B, onde

estão localizados os barracões, o qual, conforme demonstraremos no tópico

2.5, não cria para o promitente comprador, direito real à aquisição do imóvel se

não for registrado no Registro de Imóveis), pela recuperação do Bosque Nativo

Relevante, o qual foi desmatado (e não apenas capinado, como afirmou o Sr.

Domanski à UMA-BV, em 8 de abril de 2010) para a realização de obras de

ampliação do barracão industrial e loteamento do terreno.

2.4.3. Do Zoneamento Urbano

Além das limitações decorrentes da presença de Bosque Nativo

Relevante, constatou-se, a partir de consulta à Guia Amarela, que o terreno

está localizado em Zona Residencial de Ocupação Controlada, a qual

estabelece, para a categoria “Comércio e Serviço Vicinal, de Bairro ou

Setorial’’, área máxima construída de 2000 m², e para a “Categoria Indústria

Tipo 1’’, 400 m². Importante ressaltar que tais atividades estão elencadas

dentre os usos permissíveis que, segundo o artigo 38, III, da Lei Municipal

9800/00, “compreendem as atividades cujo grau de adequação à zona ou setor

dependerá da análise ou regulamentação específica p ara cada caso ’’,

dispondo, ainda, em seu § 1º:

§ 1º. As atividades permissíveis serão apreciadas pelo Conselho Municipal de Urbanismo – CMU, que quando for o caso, poderá indicar parâmetros de ocupação mais restritivos que aqueles estabelecidos nesta lei, em especial quanto a: a) adequação à zona ou setor onde será implantada a atividade; b) ocorrência de conflitos com o entorno de implantação da atividade, do ponto de vista de prejuízos à segurança, sossego e saúde dos habitantes vizinhos e ao sistema viário

Segundo Relato de Vistoria emitido pela Equipe Técnica do CAOP,

porém, a área construída dos barracões (onde estariam instaladas as

empresas Brasil Sat e CPC Gralha Azul) corresponde a 2800 e 1650m,

respectivamente. Portanto, no caso do barracão menor, o proprietário deveria

ter encaminhado, antes do início das obras, o projeto de construção para

análise do Conselho Municipal de Urbanismo. O barracão maior, por sua vez,

extrapola as dimensões permitidas pela zona. Ambos não possuem licença

para execução da obra, estando, portanto, irregulares perante o direito.

2.5. Do “Contrato Particular de Compromisso de Comp ra e Venda’’

Em resposta à Notificação lavrada no dia 30 de março de 2010, alega o

Sr. Domanski que, devido à celebração de “Contrato Particular de

Compromisso de Compra e Venda’’ do terreno (proveniente de

desmembramento do imóvel denominado LOTE NÚMERO J-B, matrícula

número 74.930 do Cartório de Registro de Imóveis da 9ª Circunscrição) onde

estariam localizados os barracões, não responderiam mais (nem ele,

usufrutuário vitalício, nem sua filha, Maete Katrine Domanski, nu-proprietária)

pelos danos ambientais decorrentes da instalação e do funcionamento dos

barracões.

2.5.1 Necessidade de registro público do Contrato p ara a constituição de

Direito real sobre o bem;

De acordo com nosso Código Civil, o promitente comprador só adquire

direito real à aquisição do imóvel mediante registro do Contrato Particular de

Compromisso de Compra e Venda em Cartório de Registro de Imóveis.

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis , adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

A exigência do registro, importante ressaltar, não retira o direito do

compromitente comprador de exigir do compromitente vendedor, após o

pagamento do valor estipulado no contrato, a outorga da escritura pública do

imóvel (inclusive judicialmente, através da ação de adjudicação compulsória).

Ambas as partes se obrigam pessoalmente, mediante contrato preliminar, pelo

adimplemento das respectivas prestações, sejam elas o pagamento de

determinado valor em dinheiro ou a posterior transmissão da propriedade do

bem imóvel (através de registro em cartório). Quanto a isso, afirma Nelson

Rosenvald em “A promessa de Compra e Venda no Código Civil de 2002’’, que:

“(...) o registro não interfere na relação de direito obrigacional, sendo apenas

produtor de eficácia perante terceiros, que não participaram do contrato.’’ Tal

entendimento cristalizou-se na Jurisprudência através da edição da Súmula nº

239 do Superior Tribunal de Justiça, em 2000, segundo a qual “ O direito de

adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de

compra e venda de registro de imóveis’’. Entretanto, nesse caso, o direito à

outorga da escritura pública não decorre de direito real adquirido pelo

promitente comprador, mas da relação obrigacional formada por meio do

contrato.

Portanto, para que o Contrato produza, para o compromitente

comprador, direito real, oponível a terceiros, à aquisição do bem, é necessário

o seu registro no Registro de imóveis. Foi justamente esse o entendimento da

10ª Turma do TRT-MG no julgamento do AP nº 00189 -2008-073-03-00-0:

“Segundo explicações da relatora, a condição para que o compromisso de compra e venda adquira conteúdo de direito real é que seja lavrada a escritura do bem em cartório de registro de imóveis, constituindo a publicidade do ato. Não sendo registrado, o título adquire meramente caráter de direito pessoal, não possuindo, portanto, eficácia perante terceiros. Para que a propriedade do imóvel seja transferida de forma definitiva é imprescindível o registro do título translativo no Registro de Imóveis. Enquanto essa providência não for tomada, o vendedor continuará sendo considerado o proprietário do bem, nos termos do artigo 1.245 e parágrafo 1º do Código Civil .”

No caso em tela, não houve o registro do Contrato Particular de

Compromisso de Compra e Venda, nem a outorga da escritura de compra e

venda, a qual deveria ter sido realizada após o pagamento da última parcela,

em 05 de dezembro de 2009 (conforme consta a cláusula terceira do referido

contrato). Portanto, a Srta. Maete Domanski ainda é, formalmente, a

proprietária do lote onde estão localizados os barracões.

Além disso, conforme análise de imagens de satélite, os barracões

foram construídos antes de 2005, tendo sido o Contrato firmado apenas em

2008, ou seja, quando o dano ambiental já havia ocorrido.

2.5.2 Irregularidade do desmembramento do terreno

Depreende-se da leitura do contrato, que o terreno em questão é

produto do desmembramento do terreno LOTE NÚMERO J-B.

Segundo o artigo 1º, § 2º, do Decreto-lei 271, de 28 de janeiro de 1967,

“Considera-se desmembramento a subdivisão de área urbana em lotes para

edificação na qual seja aproveitado o sistema viário oficial da cidade ou vila

sem que se abram novas vias ou logradouros públicos e sem que se

prolonguem ou se modifiquem os existentes.’’

A Lei 6766 de 19 de dezembro de 1979 (com a redação vinda na Lei

9785) prevê um processo específico para o desmembramento duma

propriedade. “(...) o interessado providenciará em obter autorização da

Prefeitura Municipal, ou do Distrito Federal, se nele situar-se o imóvel, a fim de

levar o projeto ao ofício imobiliário, para a averbação. Formulará requerimento

acompanhado de certidão atualizada da matrícula da gleba, expedida pelo

Cartório de Registro de Imóveis competente’’, sintetiza Arnaldo Rizzardo, em

seu livro “Promessa de Compra e venda e Parcelamento do Solo Urbano’’.

Portanto, para que ocorra, legalmente, o desmembramento da gleba, é

necessária a aprovação do projeto de desmembramento pela Prefeitura, ou

Distrito Federal, e, posteriormente, o registro do mesmo no Cartório de Registro

de Imóveis competente. Nenhum desses procedimentos foi adotado pela

proprietária, portanto, embora tal parcelamento exista objetivamente (no mundo

dos fatos), ele não existe no mundo do direito, não sendo por ele reconhecido e

tutelado.

2.5.3 Inafastabilidade da responsabilidade civil de Silvestre e Maete

Domanski

Ainda que o desmembramento e a venda do imóvel houvessem sido

legalmente realizados, Silvestre e Maete Domanski continuariam responsáveis

pelos danos ambientais causados, pois a transferência da propriedade não

afasta a responsabilidade dos antigos proprietários quanto à reparação

do dano ambiental causado, mas sim a torna solidári a em face do novo

adquirente (no caso, o Sr. Ruben Carvalho). Caso contrário, estaríamos

violando o Princípio do Poluidor Pagador segundo o qual, nas palavras do

doutrinador José Afonso da Silva: ”[...] aquele que polui fica obrigado a corrigir

ou recuperar o ambiente, suportando os encargos daí resultantes, não lhe

sendo permitido continuar a ação poluente’’.

É certo que na jurisprudência cristalizou-se o entendimento de que a

obrigação de reparação do dano ambiental é Propter rem (acompanha o bem),

conforme dito anteriormente, mas isso apenas no sentido de estender a

responsabilidade também ao novo proprietário. Não é possível sustentar a

possibilidade do poluidor se imiscuir da sua responsabilidade com a tradição do

imóvel a outrem, que, apesar de adquirir a obrigação de conservar e,

consequentemente, de reparar eventual dano ambiental existente no imóvel,

não deve sustentar esse ônus sozinho. A justificativa para a adoção desse

modelo de obrigação é, aliás, ampliar a possibilidade da reparação do dano

aumentando o rol de agentes judicialmente responsabilizáveis pela

conservação e reparação do Meio Ambiente ecologicamente equilibrado.

2.6 Do loteamento irregular da gleba

O artigo 1º, §1º, do Decreto-lei 271 define loteamento como “A

subdivisão da gleba em lotes destinados à edificação, com aberturas de novas

vias de circulação, de logradouros públicos, ou prolongamento, modificação ou

ampliação das vias existentes’’. Por certo, o Sr. Domanski vem realizando

(irregularmente, importante lembrar) o loteamento do terreno em questão,

tendo, inclusive, conforme Relatório de vistoria emitido pela Equipe Técnica,

procedido a abertura de rua interna, para acesso dos moradores.

Entretanto, visando à proteção dos compradores (que, até então,

dependiam da boa fé dos vendedores, os quais se comprometiam, mediante

instrumento particular de contrato, a outorgar a escritura do imóvel quando

quitadas as parcelas devidas), o direito tratou de estipular alguns requisitos

para o loteamento. Sobre isso, Arnaldo Rizzardo, em seu livro “Promessa de

Compra e Venda e Parcelamento do Solo Urbano’’:

“Conduzindo a área loteada em um prolongamento da cidade, nela se fixando considerável parcela de população, visa a lei proteger os ocupantes futuros e assegurar-lhes uma vida comunitária com todos os requisitos urbanísticos padronizados para a cidade atual. Para tanto, há de existir uma infraestrutura que atenda essas necessidades, constando definida no §5º do artigo 2º, da lei 6.766, em redação da Lei 11.445: ‘A infraestrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação’. ’’

Portanto, um dos requisitos para o loteamento seria a existência de uma

“estrutura básica’’(definida no § 5º do artigo 2º da Lei 6766), a qual inexiste no

terreno loteado e comercializado pelo Sr. Domanski. Conforme Relato de

Vistoria da Equipe técnica do Centro de Apoio Opera cional às

Promotorias, as residências construídas não estão l igadas à rede de

esgotamento sanitário da Sanepar, foram constatadas ligações

irregulares à rede de fornecimento de energia elétr ica e ausência de

calçada e arruamentos definidos. Importante ressaltar que é

responsabilidade do proprietário a realização das obras necessárias à

implantação dos equipamentos urbanos.

A Lei 6.766/79 (mais precisamente em seu artigo 6º) exige, ainda, que o

interessado, antes da elaboração do projeto de loteamento, solicite à Prefeitura

Municipal, ou ao Distrito Federal quando for o caso, que defina as diretrizes

para o uso do solo, traçado dos lotes, do sistema viário, dos espaços livres e

das áreas reservadas para equipamento urbano e comunitário, as quais devem

ser respeitadas pelo responsável pelo loteamento, que se obriga a proceder às

obras indispensáveis à sua regularização. Em seguida, com base no traçado e

diretrizes oficiais, será elaborado o projeto definitivo, a ser encaminhado para

análise da Prefeitura Municipal (ou Distrito Federal, quando o caso for), o qual

conterá desenhos, o memorial descritivo e vários documentos relativos ao

imóvel. É o que dispõe a referida lei em seu artigo 9º, caput:

Art. 9o Orientado pelo traçado e diretrizes oficiais, quando houver, o projeto, contendo desenhos, memorial descritivo e cronograma de execução das obras com duração máxima de quatro anos, será apresentado à Prefeitura Municipal, ou ao Distrito Federal, quando for o caso, acompanhado de certidão atualizada da matrícula da gleba, expedida pelo Cartório de Registro de Imóveis competente, de certidão negativa de tributos municipais e do competente instrumento de garantia, ressalvado o disposto no § 4o do art. 18.

Ainda, segundo o caput do artigo 18 da mesma lei, “aprovado o projeto

Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá

submetê-lo ao registro imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob

pena de caducidade da aprovação’’. Não há, porém, registro do loteamento nas

matrículas dos imóveis. Dessa forma, além da notória ilegalidade do

loteamento, ou decorrente dela, incorrem o Sr. Silvestre Domanski e a Srta.

Maete Domanski, em crime (qualificado, porque cometido por meio de venda)

contra a administração pública. É o que dispõe o artigo 50 da Lei 6766:

Art. 50. Constitui crime contra a Administração Pública. I – dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as disposições desta Lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municipíos; II – dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem observância das determinações constantes do ato administrativo de licença; III – fazer ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo. Pena: Reclusão, de 1(um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinquenta) vezes o maior salário mínimo vigente no País. Parágrafo único – O crime definido neste artigo é qualificado, se cometido.

I – por meio de venda, promessa de venda, reserva de lote ou quaisquer outros instrumentos que manifestem a intenção de vender lote em loteamento ou desmembramento não registrado no Registro de Imóveis competente. II – com inexistência de título legítimo de propriedade do imóvel loteado ou desmembrado, ressalvado o disposto no art. 18, §§ 4o e 5o, desta Lei, ou com omissão fraudulenta de fato a ele relativo, se o fato não constituir crime mais grave. Pena: Reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de 10 (dez) a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País.

No caso em tela, os direitos clássicos do proprietário, previstos no artigo

524 do nosso Código Civil (usar, gozar e dispor dos seus bens), sofrem, ainda,

algumas restrições decorrentes do fato do terreno em questão compor,

conforme disposição da Lei Municipal 9806/00 artigo 8º caput, o Setor Especial

de Áreas Verdes. Sobre isso, dispõe o artigo 13 da referida lei:

Art. 13 – Para fins de parcelamento dos terrenos integrantes do Setor Especial de Áreas Verdes, o lote mínimo indivisível será de 2.000,00m2 (dois mil metros quadrados), exceto onde a Lei de Zoneamento e Uso do Solo exigir lotes com dimensão maior. Parágrafo único – A aprovação do parcelamento dar-se-á com a avaliação da Secretaria Municipal do Meio Ambiente – SMMA, obedecidas as normas pertinentes.

Não há informação sobre o tamanho dos lotes vendidos, entretanto, ao

que tudo indica, as dimensões dos terrenos são bastante inferiores a 2.000 m²,

sendo destinadas, na quase totalidade dos casos, à moradia da família.

As fotos anexadas ao Relato da Vistoria da Equipe Técnica retratam

casas bastante simples, algumas delas de madeira, outras inacabadas, o que

indica que os compradores dos lotes são pessoas também simples, que

acabaram cedendo diante da possibilidade de concretizar o sonho da casa

própria de maneira fácil, rápida, sem a exigência de garantias e,

provavelmente, a um preço mais baixo que o praticado pelo mercado.

Se a denúncia encaminhada pela Prefeitura for verídica (de que o Sr.

Domanski estaria dando, quando do fechamento do contrato de compra e

venda, a garantia de que possuiria um ‘’esquema’’ com a Prefeitura para

regularização dos lotes), o proprietário está agindo de má fé para com essas

famílias que, diante da impossibilidade da aquisição da moradia própria (de

fato, ninguém em sã consciência optaria por morar em um local onde não há

serviço de saneamento básico, fornecimento de energia elétrica e calçamento a

menos que não tivesse outra opção) se submetem a uma situação de

insegurança (talvez não tenham sequer consciência da situação em que se

encontram) podendo ser despejados a qualquer momento.

2.7 Da Compra e Venda de Lotes

No tocante aos “contratos’’ de compra e venda firmados entre o Sr.

Domanski e os compradores dos lotes, a respeito dos quais, aliás, pouco se

sabe (não há, nas matrículas dos imóveis, nenhum registro referente a tais

negociações) entende-se serem estes nulos devido à ilicitude do objeto. É o

que dispõe o artigo 166, I, do Código Civil:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: II – for ilícito, impossível ou indeterminável seu objeto;

A alegada ilicitude decorre, primeiramente, da disposição do artigo 13 da

Lei Municipal 9806/00, que prevê, para os terrenos integrantes do Setor

Especial de Áreas Verdes, o lote mínimo indivisível de 2000m². Some-se a

isso, o fato de as casas terem sido construídas sem a necessária autorização

do município, além da possibilidade (a qual necessita, ainda, de confirmação)

de parte dos lotes estarem localizados em área pertencente ao Parque Natural

Municipal (que, por se tratar de terra pública, não poderia ser alienado) ou zona

de amortecimento, cujo plano de manejo poderá conter limitações quanto à

possibilidade do loteamento ou à dimensão dos lotes. A ilicitude do objeto não

se restringe, porém, a aspectos formais ou legais. Segundo Paulo Barbosa de

Campos Filho, deve ser entendido por objeto “tudo aquilo a que vise o agente,

só se reputando lícitos aqueles atos que não visem á realização de interesses

anti-sociais’’.

Aqui, faz-se necessário reportarmo-nos ao princípio da Função Social do

Contrato, positivado no artigo 421 do Código Civil de 2002, segundo o qual “A

liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do

contrato’’. Quanto a isso, Miguel Reale esclarece que “a atribuição de função

social ao contrato não vem impedir que as pessoas naturais ou jurídicas

livremente o concluam, tendo em vista a realização dos mais diversos valores.

O que se exige é apenas que o acordo de vontades não se verifique em

detrimento da coletividade, mas represente um dos s eus meios

primordiais de afirmação e desenvolvimento ’’. Ora, não é possível defender,

nesses termos, o atendimento à função social de um contrato onde uma das

partes busca aproveitar-se da ignorância e da fragilidade da outra com o intuito

de auferir lucro. A função do contrato seria, a partir da interpretação dos

princípios da Boa fé e da Função social do contrato, promover e incentivar a

cooperação entre as pessoas, e não legitimar as desigualdades e a exploração

dos mais fracos.

Diante disso e à luz do artigo 166, II, do Código Civil, pede-se a

declaração da nulidade do negócio jurídico de compra e venda de lotes na

propriedade do Sr. Domanski e o retorno do estado das partes Quo ante, o que

implica (sob pena de, caso contrário, legitimar o enriquecimento ilícito do Sr.

Domanski), a devolução do valor das parcelas já pagas e o pagamento de

indenização pelas bem feitorias realizadas pelos compradores.

2.8 Do pedido de Demolição dos Barracões

Segundo o caput do artigo 225 da Constituição Federal, o meio ambiente

ecologicamente equilibrado é essencial à sadia qualidade de vida. Portanto, a

supressão de áreas de mata nativa, (especialmente protegidas pelo Estado por

serem, segundo o artigo 4º da Lei Municipal 9806, essenciais à “preservação

de águas existentes, do habitat da fauna, da estabilidade dos solos, da

proteção paisagística e manutenção da distribuição equilibrada dos maciços

florestais’’), põe em risco a saúde e o bem estar da população. A construção

dos barracões, que implicou no desmate de 200m² de mata nativa de Bosque

Nativo Relevante fere, portanto, o direito fundamental dos homens e mulheres

de usufruírem de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem como

impede a concretização do direito social, previsto no caput do artigo 7º da

Constituição, à saúde.

O artigo 9º, da Lei Municipal 11.095/2004, prevê a obrigatoriedade do

Alvará de Licença expedido pela Prefeitura Municipal de Curitiba para obras de

construção de qualquer natureza, bem como de ampliação ou reforma de

edificação (dentre vários outros casos elencados nos dezoito incisos do artigo).

Este será obtido, conforme o artigo 10 da mesma lei, mediante requerimento

dirigido ao órgão competente. Porém, como se viu, a proprietária do terreno

onde estão localizados os barracões não cumpriu nenhuma destas exigências.

Ademais, ainda que houvesse sido protocolado requerimento do Alvará

de Licença, a obra não poderia ter sido autorizada, pois, de acordo com o §4º

do artigo 10 da lei, “não serão fornecidos alvarás de licença para construção,

reforma, demolição, ou alvará de localização e funcionamento de atividades

comercial, industrial e de serviços, em lotes resultantes de loteamento ou

parcelamentos não aprovados pela prefeitura’’. Conforme o exposto, o

desmembramento do Lote Número JB foi realizado de modo totalmente

irregular, sem a autorização do Município e respectiva averbação do Projeto no

Cartório de Registro de Imóveis.

Para esses casos, (é esse o entendimento consolidado na

jurisprudência) a demolição da obra clandestina seria a resposta jurisdicional

mais acertada. A título de exemplo, tem-se o seguinte julgado:

DEMOLIÇÃO DE MORADIA. CONSTRUÇÃO CLANDESTINA. IRREGULARIDADE CONSTATADA- NÃO CARACTERIZAÇÃO DE OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO CABIMENTO DA PROPOSIÇÃO ATRIBUIÇÃO DO PODER PÚBLICO MUNICIPAL PROCEDÊNCIA. A construção de

imóvel, sem a devida autorização do órgão competente, caracteriza obra clandestina, sujeita à demolição. Recurso negado. (406225920118260577 SP 0040622-59.2011.8.26.0577, Relator: Danilo Panizza, Data de Julgamento: 13/11/2012, 1ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 15/11/2012)

Ora, no caso em tela não há dúvidas quanto à ilegalidade das obras

realizadas, as quais, além de desrespeitarem os padrões construtivos definidos

pelo Município (descumprindo, portanto, de acordo com o artigo 39 da Lei

10257, sua função social), não possuem alvará de licença, o qual, aliás, como

demonstramos anteriormente, sequer poderia ter sido concedido devido à

inexistência de Plano de Loteamento, devidamente aprovado e registrado.

Cabível, portanto, a demolição das edificações, as quais, além de ilegais,

causaram e continuam a causar danos ao meio ambiente (lembre-se que para

a sua construção foram desmatados 2000m² de Bosque Nativo Relevante),

bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.

3. O Dano Moral Ambiental

O dano moral coletivo hoje perfeitamente aceito pela nossa doutrina e

jurisprudência tem como principal aplicação os casos de danos ambientais.

Em se tratando de direito ambiental, a repercussão dos danos se reflete

civil, criminal e administrativamente. Trata-se de esferas independentes entre

si, mas todas importantes quanto aos objetivos que visam.

No cível a reparação pode ser não apenas dos danos materiais, mas

também morais, estes são compensáveis e aqueles indenizáveis.

São indenizáveis aqueles danos em que a vítima pode ser restituída ao

estado anterior à ocorrência do dano. Já os compensáveis são aqueles em que

a vítima não tem como ser restituída ao estado em que se encontrava antes,

porém, lhe é entregue certa quantia em dinheiro ou coisa como forma de

amenizar o ocorrido.

Na aplicação do dano moral ambiental deve ser considerado e

interpretado de forma sistêmica o artigo 225 da Constituição Federal com o

ordenamento jurídico, pois ocorrendo lesão ao equilíbrio ecológico, este afetará

a sadia qualidade de vida e a saúde da população. Rompido o equilíbrio do

ecossistema todos correm risco.

Nesta seara é o ensinamento do ilustre jurista - Dr. Carlos Alberto Bittar:

“A nosso ver, um dos exemplos mais importantes de dano moral coletivo é o dano ambiental, que consiste não apenas na lesão ao equilíbrio ecológico, mas também na agressão à qualidade de vida e à saúde. É que esses valores estão intimamente inter-relacionados, de modo que a agressão ao ambiente afeta diretamente a saúde e a qualidade de vida da comunidade (CF, art. 225). O dano ambiental é particularmente perverso porque rompe o equilíbrio do ecossistema, pondo em risco todos os elementos deste. Ora, o meio ambiente é caracterizado pela interdependência e pela interação dos vários seres que o formam (Lei Federal nº 6.938/81, art. 3º, I), de sorte que os resultados de cada ação contra a Natureza são agregados a todos os danos ecológicos já causados. O instrumento processual que se presta por excelência à defesa dos valores coletivos em geral, na hipótese de dano, é a ação civil pública, em virtude da regra aberta acolhida pelo artigo 1º, IV, da Lei 7.347/85. Aliás, com a modificação realizada pela Lei Federal 8.884/94, o artigo 1º, caput, da Lei 7.347/85 passou a prever, expressis verbis, a possibilidade de propositura de ações de responsabilidade por danos morais de ordem coletiva.” (http://www.sitiopaineiravelha.com/2002/fev)

Quanto ao artigo 3º da Lei 7347/85 (Lei de Ação Civil Pública), o qual

dispõe que “a ação civil pública poderá ter por objeto a condenação em

dinheiro ou o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer’’, entendem

Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery, que:

“1. Condenação em dinheiro. A aferição do quantum indenizatório nas ações coletivas com a finalidade de reparação do dano difuso ou coletivo é questão de difícil solução. Poderão ser utilizados os critérios de arbitramento ou de fixação da indenização com base no valor do lucro obtido pelo causador do dano com sua atividade. É possível a

cumulação da indenização por danos patrimoniais e morais (STJ 37; CDC 6º VI)”.

No caso em tela, onde os réus, proprietários de terreno atingido por

Bosque Nativo Relevante e Área de Proteção Permanente, ao desmatarem

área de mata nativa, especialmente protegida por ser, segundo o artigo 4º da

Lei Municipal 9806/00, essencial à “preservação de águas existentes, do

habitat da fauna, da estabilidade dos solos, da proteção paisagística e

manutenção da distribuição equilibrada dos maciços florestais’’, estão

ameaçando o equilíbrio ambiental, direito coletivo previsto no artigo 225 na

nossa Constituição, alçado ao status de direito fundamental por ser “essencial

à sadia qualidade de vida’’. Assim sendo, está o Ministério Público legitimado

(ou, mais que isso, obrigado) a requerer judicialmente, através de ação civil

pública, a tutela de direitos coletivos e difusos através de condenação do

poluidor à obrigação de reparar e/ou de indenizar em dinheiro dano moral, de

difícil tradução monetária, causado ao meio ambiente e, consequentemente, a

todos os titulares do bem coletivo “meio ambiente ecologicamente equilibrado’’.

4. A Inversão do Ônus da Prova

A inversão do ônus da prova é perfeitamente cabível no caso em

discussão. O artigo 21 da Lei 7.347/85 determina que se apliquem à defesa

dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que tenha

cabimento, os dispositivos do Código de Defesa do Consumidor.

O artigo 6º, inciso VIII, da Lei 8.078/90, por sua vez, é expresso ao

admitir a inversão do ônus da prova em causa fulcrada no Código de Defesa do

Consumidor, isso nos casos em que, segundo o entendimento manifesto do

juiz (com fundamento nas regras comuns da experiência), seja verossímil a sua

alegação, ou, ainda, considere-se ser o autor hipossuficiente em relação ao

réu:

Art. 6º - São direitos básicos do consumidor: VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do Juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência;

No caso em questão, é notória a verossimilhança dos fatos narrados

pelo autor, isso porque são fundados em dados objetivos levantados pelos

fiscais da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e pela Equipe Técnica do

Centro de Apoio às Promotorias, podendo ser comprovados através dos

relatórios e Notificação, Autos de Infração, Auto de Embargo lavrados em

decorrência das irregularidades constatadas. Inquestionável, também, o nexo

causal (único requisito exigido para a atribuição de responsabilidade civil em

matéria de direito ambiental) entre as ações dos réus e os danos efetivamente

causados ao bem “meio ambiente ecologicamente equilibrado’’ através do

desmate de área de vegetação nativa para a construção e reforma dos

barracões e construção de moradias populares (especula-se tratar-se de

espécie de condomínio, sem estrutura alguma de habitação).

Quanto à hipossuficiência do Ministério Público (e demais entes

legitimados a propor Ações Civis Públicas) em relação aos demandados,

apesar de amplamente questionada (argumenta-se que o Ministério Público

possui inúmeros instrumentos para exercer suas funções, como o inquérito

civil, a expedição de notificações e requisições, entre outras), há vasta

jurisprudência afirmando a sua posição de desvantagem na relação jurídica

processual:

INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA E A ATRIBUIÇÃO DOS CUSTOS DA PERÍCIA PELO DEMANDADO. Admissibilidade nas demandas que envolvam a proteção ao meio ambiente. Ministério Público e demais co-legitimados ao ajuizamento de ações civis públicas que estão em franca desvantagem perante os demandados. Ementa: Tratando-se de demanda que envolva a proteção ao meio ambiente, é cabível a inversão do ônus da prova e a atribuição dos custos da perícia, pois o Ministério Público e demais co-legitimados ao ajuizamento de ações civis públicas estão em franca desvantagem perante os demandados.

(Edcl 70002338473 - 4ª Cam. Civ. - TJRS - j. 04.04.2001 - rel. Des Wellington Pacheco Barros)

A despeito disso, em 2009, no julgamento do Recurso Especial 972.902-

RS, manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça pela admissibilidade da

concessão, ao Ministério Público, do benefício da inversão do ônus da prova

em ação civil pública que objetive a reparação de dano ambiental. Isso, porque:

“(...)nas ações civis ambientais, o caráter público e coletivo do bem jurídico tutelado e não eventual hipossuficiência do autor da demanda em relação ao réu conduz à conclusão de que alguns direitos do consumidor também devem ser estendidos ao autor daquelas ações, pois essas buscam resguardar (e muitas vezes reparar) o patrimônio público coletivo consubstanciado no meio ambiente. A essas regras, soma-se o princípio da precaução. Esse preceitua que o meio ambiente deve ter em seu favor o benefício da dúvida no caso de incerteza (por falta de provas cientificamente relevantes) sobre o nexo causal entre determinada atividade e um efeito ambiental nocivo. Assim, ao interpretar o art. 6º, VIII, da Lei n. 8.078/1990 c/c o art. 21 da Lei n. 7.347/1985, conjugado com o princípio da precaução, justifica-se a inversão do ônus da prova, transferindo para o empreendedor da atividade potencialmente lesiva o ônus de demonstrar a segurança do empreendimento.’’ Precedente citado : REsp 1.049.822-RS , DJe 18/5/2009. REsp 972.902-RS, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 25/ 8/2009.

Conclui-se, portanto, pelo cabimento da inversão do ônus da

prova no que tange às análises necessárias para avaliação do grau de dano

ambiental cometido.

5. O PEDIDO LIMINAR

O artigo 12, da Lei 7.347/85, é claro ao elencar que “poderá o juiz

conceder mandado liminar com ou sem justificação prévia em decisão sujeita a

agravo”.

A doutrina brasileira tem comumente entendido que para a concessão

de mandado liminar faz-se necessária a presença de dois requisitos básicos,

quais sejam o “fumus boni juris” e o “periculum in mora”.

O “fumus boni juris” consiste em forte indício da existência e ocorrência

do direito substancial invocado por quem pretende a segurança, o que já foi

vastamente demonstrado pelas razões de direito ora apresentadas.

O “periculum in mora” se relaciona com o direito fundamental, previsto

no artigo 5º, inciso LIV, ao devido processo legal (no sentido substancial), e

representa o risco que corre o processo principal de não ser útil à parte

(adequado ao fim a que se destina). Admite-se, portanto, a concessão de

medida cautelar quando houver receio de que a demora da decisão judicial

cause um dano grave ou de difícil reparação ao bem tutelado. Ora, o legislador

ordinário, ao estipular área mínima para os lotes localizados no Setor Especial

de Áreas Verdes ou área máxima construída em Zona Habitacional de

Ocupação Controlada, não o faz por mera liberalidade, mas sim para garantir

que o imóvel cumpra a sua função social, o que implica a proteção do equilíbrio

ecológico do meio ambiente. Ao lotear e construir irregularmente no terreno,

desenvolver atividade econômica não licenciada, o proprietário está, portanto,

colocando em risco o bem jurídico, constitucionalmente protegido, meio

ambiente saudável. Além disso, segundo relato da Equipe Técnica do

Centro de Apoio às Promotorias, está sendo despejad o o esgoto de pelo

menos uma das casas ali construídas em Área de Pres ervação

Permanente .

Vale lembrar aqui que um dos princípios basilares do direito ambiental é

o da prevenção, e a concessão do mandado liminar é uma forma de se evitar

que danos ambientais ainda maiores continuem ocorrendo ainda no decurso do

processo.

Face ao exposto, requer-se a concessão de medida liminar, até o

julgamento final da ação, determinando ao Réu que não promova qualquer

intervenção no imóvel, seja supressão de vegetação, canalização, construção

ou qualquer modalidade de alteração e que suspenda o loteamento e a venda

de lotes no terreno, até que ocorra decisão final da lide.

Pede-se, ainda, com fulcro no artigo 888, VIII, do Código de Processo

Civil, segundo o qual “O juiz poderá ordenar ou autorizar, na pendência da

ação principal ou antes de sua propositura, a interdição ou a demolição de

prédio para resguardar a saúde, a segurança ou outro interesse público’’, a

interdição dos barracões industriais localizados no Lote Número J-B

Em caso de descumprimento, requer-se a imposição de multa diária, nos

termos do artigo 12 da Lei 7347/85, em valor a ser arbitrado por Vossa

Excelência atendendo os princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Requer-se, ainda, o encaminhamento de cópia da Ação Civil Pública

à Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente, para a de vida instauração de

Inquérito Policial a fim de que se apurem os seguin tes crimes:

• Artigos 40, 50, 54 e 60 da Lei 9605/98 (Lei de

Crimes Ambientais)

• Artigo 171 do Código Penal

• Artigo 50 da Lei 6766/79

6. OS PEDIDOS

I - a concessão da liminar nos moldes anteriormente delineados e sua

confirmação;

II - a citação dos Réus, com o permissivo do artigo 172, parágrafo 2º, do

CPC, para querendo, responderem e acompanharem os termos da presente,

sob pena de serem considerados como verdadeiros os fatos descritos;

III – a inversão do ônus da prova, atribuindo-se ao Réu a obrigação em

apresentar provas quanto aos fatos noticiados, haja vista tratar-se de questões

pertinentes ao meio ambiente, aplicando-se portanto, a responsabilidade

objetiva;

IV - a condenação do Réu em obrigação de não fazer, sob pena de

multa diária em valor a ser arbitrado por Vossa Excelência e devidamente

recolhido ao Fundo Estadual do Meio Ambiente - FEMA - consistente em se

abster de praticar qualquer corte de vegetação ou construir em área

especialmente protegido pelo Estado (Bosque Nativo Relevante) sem a prévia

autorização dos órgãos competentes, bem como o loteamento da propriedade

em desacordo com o previsto na Lei Municipal 9806/00;

V – a condenação do Réu em obrigação de fazer consistente em:

a) demolir as construções irregulares feitas em área de

Bosque Nativo Relevante;

b) recuperar a área com a plantação de vegetação,

mediante plano de recuperação ambiental devidamente

analisado e aprovado pelos órgãos ambientais;

VI – A declaração da nulidade dos contratos de compra e venda dos

lotes irregulares e retorno do estado das partes quo ante, o que implica a

devolução dos valores pagos pelos compradores e indenização pelas

benfeitorias realizadas;

VII – que todas as intimações do Ministério Público sejam feitas

pessoalmente, na pessoa do Promotor de Justiça em atividade na Promotoria

de Proteção ao Meio Ambiente, na Avenida Marechal Floriano Peixoto, n.251,

Rebouças, Curitiba- Paraná, conforme dispõe o art. 236, §2º, do CPC;

VIII - protesta-se ainda por todos os meios de prova em direito

admitidas, inclusive depoimento pessoal do representante lega do Requerido,

prova pericial, juntada de documentos e oitiva de testemunhas;

IX - a procedência da ação em todos os seus termos, condenando-se o

Requerido ao pagamento dos danos morais ambientais, em valor razoável e

proporcional a ser fixado por Vossa Excelência e depositado no FEMA – Fundo

Estadual do Meio Ambiente, e também das despesas processuais e verbas

honorárias de sucumbência, cujo recolhimento deste último deve ser feito ao

Fundo Especial do Ministério Público do Estado do Paraná, criado pela Lei

Estadual n. 12.241, de 28 de julho de 1998 (DOE n. 5302, de 29 de julho de

1.998), nos termos do artigo 118, inciso II, alínea “a”, parte final, da

Constituição do Estado do Paraná.

X - a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros

encargos, nos termos do artigo 18 da Lei n. 7.347/85.

XI – o encaminhamento de cópia da Ação Civil Pública à Delegacia de

Proteção ao Meio Ambiente, para a devida instauração de Inquérito Policial a

fim de que se apurem os seguintes crimes:

• Artigos 40, 50, 54 e 60 da Lei 9605/98 (Lei de

Crimes Ambientais)

• Artigo 171 do Código Penal

• Artigo 50 da Lei 6766/79

Atribui-se à causa o valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais)

Termos em que,

Pede deferimento.

Curitiba, 18 de junho de 2013.

Sérgio Luiz Cordoni Promotor de Justiça