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15 Educ. Real., Porto Alegre, v. 36, n.1, p. 15-37, jan./abr., 2011. Disponível em: <http://www.ufrgs.br/edu_realidade> RESUMO – O Paradoxo Francês: cultura histórica significativa e didática da história incerta. A cultura popular francesa contribui enormemente para a história. Em contrapartida, a didática da história – em seu sentido francês – é um tanto marginal, mesmo que tenha se desenvolvido fortemente desde a década de oitenta, em um contex- to caracterizado por mudanças na sociedade e na escola, assim como na historiografia. A didática da história tem estudado os conteúdos, os objetivos e as práticas do ensino e do aprendizado da história, se apoiando em referências da epistemologia, ciências educacionais, psicologia, história da educação, etc., mas construindo suas próprias abordagens teóricas. Entretanto, a didática da história é pouco institucionalizada, não tem lugar na formação de professores e seus resultados são completamente reconstruídos quando transportados para a cultura profissional. Mesmo que sua influência no ensino seja parca – o ensino nas escolas secundárias teve poucas mudanças nas últimas décadas – a didática da história francesa mostra dinamismo e profundidade teórica. Palavras-chave: Cultura Histórica. Didática da História. Aprendizagem da Histó- ria. Cultura Profissional. ABSTRACT – French Paradox: meaningful historical culture and uncertain history didactics. French popular culture has had a great contribution to history.Contrasting with this situation, history didactics – in its French meaning – is rather marginal, even if it has strongly developed since the 1980s, in a context characterized by changes in society and in school, as well as in historiography. History didactics has studied the contents, aims and practices of history teaching and learning based on references to epistemology, educational sciences, psychology, history of education, etc., but has constructed its own theoretical approaches. It is, however, little institutionalized, it does not have a large part in teachers’ training, and its results are completely reconstructed when transferred to the professional culture. Although its influence on teaching is weak – teaching has had few changes in secondary schools during the last decades – French history didactics displays dynamism and theoretical depth. Keywords: Historical Culture. History Didactics. History Learning. Professional Culture. O Paradoxo Francês: cultura histórica significativa e didática da história incerta Nicole Tutiaux-Guillon

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  • 15Educ. Real., Porto Alegre, v. 36, n.1, p. 15-37, jan./abr., 2011.

    Disponvel em:

    RESUMO O Paradoxo Francs: cultura histrica significativa e didtica dahistria incerta. A cultura popular francesa contribui enormemente para a histria.Em contrapartida, a didtica da histria em seu sentido francs um tanto marginal,mesmo que tenha se desenvolvido fortemente desde a dcada de oitenta, em um contex-to caracterizado por mudanas na sociedade e na escola, assim como na historiografia.A didtica da histria tem estudado os contedos, os objetivos e as prticas do ensinoe do aprendizado da histria, se apoiando em referncias da epistemologia, cinciaseducacionais, psicologia, histria da educao, etc., mas construindo suas prpriasabordagens tericas. Entretanto, a didtica da histria pouco institucionalizada, notem lugar na formao de professores e seus resultados so completamente reconstrudosquando transportados para a cultura profissional. Mesmo que sua influncia no ensinoseja parca o ensino nas escolas secundrias teve poucas mudanas nas ltimas dcadas a didtica da histria francesa mostra dinamismo e profundidade terica.Palavras-chave: Cultura Histrica. Didtica da Histria. Aprendizagem da Hist-ria. Cultura Profissional.ABSTRACT French Paradox: meaningful historical culture and uncertain historydidactics. French popular culture has had a great contribution to history.Contrastingwith this situation, history didactics in its French meaning is rather marginal, even ifit has strongly developed since the 1980s, in a context characterized by changes in societyand in school, as well as in historiography. History didactics has studied the contents,aims and practices of history teaching and learning based on references to epistemology,educational sciences, psychology, history of education, etc., but has constructed its owntheoretical approaches. It is, however, little institutionalized, it does not have a large partin teachers training, and its results are completely reconstructed when transferred to theprofessional culture. Although its influence on teaching is weak teaching has had fewchanges in secondary schools during the last decades French history didactics displaysdynamism and theoretical depth.Keywords: Historical Culture. History Didactics. History Learning. ProfessionalCulture.

    O Paradoxo Francs:cultura histrica

    significativa e didticada histria incerta

    Nicole Tutiaux-Guillon

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    uma trivialidade afirmarmos que a cultura francesa contribui de formaconsidervel para a divulgao da histria. Isto fica claro quando observamosrevistas sobre histria e os muitos livros publicados para uma ampla gama deleitores, incluindo documentrios e romances, ou mesmo programas de TV (hum canal exclusivo na Frana para o tema). Essa constatao torna-se aindamais evidente quando analisamos os discursos polticos nos quais paraleloscom momentos histricos ou explicaes histricas so argumentos comuns como, por exemplo, na greve geral de 2009 em Guadalupe e Martinica ou recen-temente nos discursos polticos sobre o Islo. Do mesmo modo, as comemora-es vm crescendo muito nos ltimos vinte anos. As rememoraes do passa-do e as dramatizaes para turistas so eventos comuns e que vm apoiadaspelas novas tecnologias. As pesquisas peridicas de opinio tm ranqueadoos personagens histricos mais amados pelo pblico em geral. Alm disso, histria comumente atribuda a base para a identidade por meio da tarefa deconstruo de uma explicao comum para eventos atuais. O lugar destinado histria na escola no assim surpreendente: ela ensinada desde o ensinofundamental at o ltimo ano do ensino mdio, sendo ensinada em qualquercurso. Quando um estudante1 termina a escola, ele ter estudado a disciplinadurante uma ou duas horas por semana, durante dez anos! Sem considerar queele tambm ter lidado com o passado tanto nos cursos de literatura comotambm em cursos de Lnguas Estrangeiras. Adicionando-se a isso filmes, ro-mances, e jogos estratgicos (como RPGs) que estabelecem um conhecimentosobre histria, podemos talvez falar em uma imerso no passado.

    Contrastando como esta situao, a didtica da histria na sua acepofrancesa um tanto marginal, mesmo que j tenha se desenvolvido bastantenos ltimos vinte anos. O ensino da histria no mudou muito nas ltimasdcadas. Neste artigo, pretendemos apresentar e interpretar esta situao parao ensino secundrio francs. A histria para o ensino fundamental e a didticada histria para o ensino fundamental apresentam quadros um tanto diferentes.

    O Desenvolvimento da Didtica da Histria

    A didtica da histria na Frana no se refere filosofia da histria, comona Alemanha, ou a aspectos tcnicos da atividade docente como no significa-do tradicional Anglo-Saxo. O termo usado na Frana desde a dcada deoitenta para a histria, provavelmente a partir de seu uso em pesquisas sobreensino e aprendizagem de matemtica, lngua/literatura francesa ou as cinciasexperimentais. Usar o termo didtica enfatiza a diferena com a pedagogia: aspesquisas em didtica da histria se centram em torno das especificidades deensinar e aprender uma disciplina especfica (histria), e no em questes ge-rais sobre a escola, como, por exemplo, motivao, trabalho do professor, etc.Enfatiza tambm a diferena entre histria acadmica, desenvolvida por histo-riadores, e histria escolar (histria estabelecida pelos currculos, propostapelos livros didticos e outros instrumentos didticos, e realmente ensinada

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    em salas de aula e aprendida pelos estudantes). A didtica da histria estuda oscontedos, objetivos e prticas do ensino e aprendizagem da histria, tenden-do a referncias epistemologia, s cincias educacionais, histria da educa-o, etc., mas construindo suas prprias abordagens tericas. Se algumas pes-quisas iniciais foram baseadas na relao direta entre histria acadmica ehistria ensinada na escola, outras a includas as minhas prprias afirma-ram e analisaram a distncia e a distoro entre elas e apontaram para a existn-cia de um conhecimento sobre o passado e de um como-fazer sobre histriacriada pela escola e para a escola.

    Alm disso, as pesquisas empricas na Frana trouxeram descrdito para aconcepo corrente de uma traduo serena dos currculos para os livros did-ticos, e da para o ensino e para o que aprendido, por revelar as transforma-es inevitveis de um contexto para o outro. Henri Moniot, que muito contri-buiu para a didtica da histria, sublinha a importncia da pesquisa para umamelhor compreenso de como a histria aprendida, compreendida, apropriadae como os estudantes podem desenvolver [...] uma abordagem sensata dasasseres histricas, a prtica consciente das modalidades do pensamentohistrico, e um manejo racional dos usos pblicos da histria (Moniot, 2006,p. 193). Desenvolver pesquisa em didtica da histria , portanto, deixar aobviedade, a transparncia e a alegada conivncia. No confortvel, maspode ser til para um ensino e para uma organizao da aprendizagem funda-mentados em conhecimentos especficos.

    O ano de 1986 uma data conveniente para o nascimento oficial: o primeiroano dos congressos sobre Didtica da Histria e da Geografia organizados peloINRP (Instituto Nacional para Pesquisa Pedaggica) e o primeiro ano da colunadidtica no peridico profissional Historiens & Gographes. Nos ltimos anosda dcada de oitenta, a pesquisa no INRP se desenvolveu vagarosamente de uminteresse central na prtica eficiente para abordagens mais tericas do ensino eaprendizagem da histria. O primeiro doutorado em didtica da histria foi defen-dido por Nicole Lautier (ento Nicole Sadoun) em 1992; o livro seminal de HenriMoniot, La didactique de lhistoire, foi publicado pela Nathan em 1993. Mas onmero de teses (doutorado) no to significativo em relao ao crescimentoda didtica da histria: at hoje, menos de 10 teses foram defendidas; disserta-es de mestrado, publicaes e, especialmente, artigos, so bem mais numero-sos (apenas as mais importantes esto anexadas na bibliografia).

    As pesquisas desenvolvidas no INRP, desde a dcada de 80, foram decentral importncia para a didtica da histria. Diversos doutorados foram con-cludos por pesquisadores formados neste instituto, quando no havia ne-nhum curso universitrio de didtica da histria. Refletindo sobre as inovaespromovidas pela pesquisa-ao em ensino de histria e geografia nas dcadasde 70 e 80, os pesquisadores questionavam o ensino e o aprendizado efetivos.Isto abriu caminho para descries e anlises do ensino de histria em salas deaula reais e questionamentos empricos sobre o processo de aprendizagemrelacionado ao conhecimento histrico. Estas pesquisas envolveram uma mai-

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    or ateno a metodologias e a bases tericas. Os temas dependiam de deman-das polticas e tambm do foco de interesse do pesquisador: a variao ampla, desde questes sobre a efetividade do ensino comum implementaode prticas inovadoras, da aprendizagem da histria leitura/escrita em cursosde histria, de questes de memria e identidade a atividades intelectuais.Diversas pesquisas apontaram para os objetivos ticos e concepes da hist-ria na escola, e, recentemente, passaram a considerar as relaes entre o ensinode histria e compreenso do mundo e sociedade atuais, relaes estascomumente apresentadas sem muita evidncia.

    As pesquisas em didtica da histria so poucas de um lado, e numerosas deoutro. Alguns estudiosos embarcam em uma carreira focalizada na didtica dahistria; outros tm lidado tambm com temas da didtica da geografia, como ocaso dos trabalhos de Franois Audigier e Nicole Tutiaux-Guillon, ou da psicologiasocial, como apontam os estudos de Nicole Lautier, ou das cincias educacionais,como pode ser evidenciado nos trabalhos de Nicole Allieu-Mary, ou ainda dahistria, perceptvel nos trabalhos de Marc Deleplace. Porm, cada pesquisa agru-pou pelo menos um pesquisador profissional e alguns professores de histria, oualguns formadores de professores de histria. Considerando-se apenas as equipesorganizadas pelo INRP nas ltimas duas dcadas, provavelmente, centenas deprofessores ou formadores de professores2 de histria, tenham estado envolvidos,mais ou menos, na pesquisa com didtica da histria.

    A didtica da histria surgiu e se desenvolveu em um contexto caracteriza-do por mudanas sociais e escolares. A entrada massiva de jovens no ensinosecundrio3 desestabilizou os primeiros quatro anos do ensino secundriodurante a dcada de 70 e as ltimas sries deste no incio da dcada de 80. Estenovo pblico escolar no se aliava com a cultura escolar tradicional, clssica, eno era capaz, ou no estava acostumada a aprender apenas atravs da escutado professor ou atravs do trabalho com livros didticos e uso de anotaes.Estas afirmaes induziram a um questionamento do conhecimento escolar,das prticas escolares e das compreenses dos alunos, e mais amplamente, aum questionamento do status, das especificidades e dos objetivos das disci-plinas escolares incluindo-se a histria.

    Ao mesmo tempo, a epistemologia ancorava cada vez mais a histria acad-mica nas cincias sociais, e houve uma profunda renovao da histria doshistoriadores. s historiadores trabalhavam novos tpicos e novos problemas (LeGoff; Nora, 1974; Le Goff; Chartier; Revel, 1978), como, por exemplo, o clima, oinconsciente, o mito, as mentalidades, a lngua, a leitura, a juventude, o corpo eos sentidos, os filmes, os festivais, a opinio pblica, etc. Durante as dcadas de70 e 80 La Nouvelle Histoire floresceu. Depois da chamada A virada crtica dosAnnales4 em 1988, os historiadores focalizaram seus estudos em pessoas reaismais do que em foras sociais. Eles investigaram como indivduos do passadopensavam, falavam e escreviam sobre seu presente, passados e futuro, sobre suasociedade, e sobre como foram suas escolhas, como negociaram com a realidadee com outras pessoas. Houve um retorno aos estudos biogrficos, construdos a

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    partir das relaes entre indivduo e sociedade, entre vida e memria, e mesmosobre a histria de personagens como ningum (Corbin, 2002). Historiadoressociais tentaram atribuir ao indivduo de volta sua autonomia, identidades eatitudes pessoais a grupos sociais. A histria social e poltica foi renovada embases semelhantes. A pesquisa memorialstica se desenvolveu, especialmentesob a influncia da obra Lieux de Mmoire por Pierre Nora (1984-1992). Duranteas mesmas dcadas, a epistemologia da histria e da historiografia se aprofundou.

    Assim, a necessidade de mudana na histria ensinada na escola se tornou fortepor conta tanto dos contedos quanto dos estudantes. Porm, para saber comoimplementar esta mudana e saber quais mudanas eram possveis e relevantes, eranecessrio o desenvolvimento de mais pesquisa emprica na rea. Dessa forma, (al-guns) professores de histria se tornaram pesquisadores em didtica da histria.

    Atualmente, na Frana, o contexto social, poltico e cultural enfatiza astenses entre a cultura compartilhada e a cultura individual, entre a esferapblica e a esfera privada, entre sociedade cidad e identidades individuais ecomunitrias, entre o interesse comum e o individualismo. A pesquisa correnteem didtica da histria tende a focalizar as complexas relaes entre identida-des, conhecimento privado, cultura comum e a histria ensinada na escola,assim como os modos como cada sujeito individual pode desenvolver umarelao disciplinar com o mundo (Fontanabona; Themines, 2005), pela qual ahistria media uma compreenso e uma concepo de mundo. A pesquisa podetambm responder s demandas institucionais como, por exemplo, o ensino dopatrimnio, das questes europeias, do aprendizado da lngua francesa atravsdo estudo da histria, etc. (Lautier; Allieu-Mary, 2008).

    As recentes prescries do Ministrio da Educao podem tambm influ-enciar algumas pesquisas futuras: talvez estas venham a focar no desenvolvi-mento das competncias dos estudantes em cursos de histria ou no compro-metimento dos professores de histria a alcanar resultados. Alm disso, ques-tes profissionais colocadas no contexto de controvrsias sociais podeminduzir as pesquisas como, por exemplo, aquelas relacionadas a questes pol-micas como a guerra com a Arglia, escravido colonial, mercado escravo doatlntico, imigrao ou temas religiosos.

    A didtica da histria francesa tem explorado o campo do ensino eficiente e oaprendizado da histria: claro que ainda preciso aprofundar as interpretaes econtinuar a desenvolver novas questes, mas temos informaes mais precisas,detalhadas e qualificadas sobre a histria como disciplina escolar e sobre suasprticas sociais por professores e estudantes. Isto influencia o ensino eficaz?

    A Didtica da Histria s Margens do Ensino Eficaz

    O ensino de histria nas escolas secundrias na Frana se d principal-mente atravs da exposio de conhecimento por exposio-dialogada, possi-bilitando a interao entre alunos e professor, com apoio de documentos, e

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    tambm possibilitando alguns exerccios curtos (questes fceis sobre docu-mentos histricos), especialmente com estudantes mais jovens. Nessas aulas,os alunos esto sujeitos s expectativas do professor. este quem faz as per-guntas, quem ratifica as respostas dos alunos, quem as completa, quem asincorpora em seu prprio discurso. Na maior parte das vezes o professor dialo-ga brevemente com um aluno apenas, e ento impe a todo o grupo aquilo quedeve ser aprendido e escrito, por vezes incorporando as propostas dos alunos.

    Tanto nos dilogos quanto nos exerccios, a maioria das perguntas requerque os alunos respondam com conhecimento prvio, ou extraiam informaesde um documento. Raramente, na forma como a escola se utiliza de documentoshoje, requer-se que os alunos raciocinem historicamente: ela d legitimidade salegaes do professor. A maioria das respostas se limita a uma palavra ou auma sentena. Tais modestas demandas diminuem os riscos de os alunos da-rem respostas falsas ou preconceituosas, fazerem baguna, ou perderem tempoem discusses.

    Demandas modestas tambm do suporte ao domnio do professor sobreinformaes significativas e ao rpido andamento da aula. De fato, este dilo-go uma diretiva maiutica. Desse modo, evita-se qualquer abordagem crtica,qualquer distncia entre o discurso ou documentos-evidncia, que poderiamprejudicar a adeso dos estudantes ao conhecimento histrico ensinado naescola. Na aula de histria cotidiana, o que importa aprender o conhecimentofactual e nocional sobre o passado. Tais prticas, bem apresentadas e analisa-das nas pesquisas em didtica da histria, esto longe de ser aquilo que foipromovido pelas pesquisas inovadoras da rea. Essas esto centradas em tor-no do professor, que revela o conhecimento verdadeiro, e no em torno doprocesso de aprendizagem. A habilidade de adaptar a histria ensinada naescola para os alunos, lhes apresentar, digamos, conhecimento apreensvel, ea habilidade de motivar e fazer interessar os alunos (escolhendo documentosatrativos ou usando competncias retricas) so consideradas as bases daeficincia do professor. Pensa-se que o rpido ritmo das interaes e a suces-so de perguntas novas so a chave para manter a ateno dos alunos.

    A concepo de aprendizado sobre a qual essas prticas esto baseadas bastante tradicional, um tanto opaca, e diferentes das referncias tericas utili-zadas na didtica da histria: a maioria dos professores no se refere psicolo-gia (a no ser de forma trivial), nem s cincias educacionais, nem epistemologia, nem didtica. Eles dizem, claro, que os alunos devem enten-der, mas que no so capazes de elaborar uma clara e verdadeira interpretaoacerca do passado. A Histria aquilo que as autoridades, os historiadores,descobriram, escreveram e publicaram. Alm disso, a identidade profissionaldo professor de histria centrada em suas competncias em histria. Pordefinio, os estudantes no possuem suficientes conhecimentos e habilida-des para irem alm de raras e limitadas contribuies. Estes precisam aprenderantes de raciocinar e pensar historicamente. A maioria das tcnicas profissio-nais diz respeito a como oferecer histria ensinada na escola uma pincelada

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    atrativa sobre o assunto, e no com formas de organizar situaes de aprendi-zagem mais eficientes. Isto nem sempre satisfaz aos professores: uma pesquisarealizada por Lautier (1997) mostrou que 70% dos professores ensinavam atra-vs da exposio dialogada e apenas 40% pensavam que isto era eficiente parao aprendizado!

    Entretanto, de fato, a didtica da histria no tem uma grande participaona formao de professores. Qualquer estudante que deseje se tornar profes-sor de histria (ou geografia) deve concluir o curso de bacharelado (muitofrequentemente em histria). No obrigatria a matrcula em cursos de forma-o inicial, e estes pouco incluem contedos de didtica. At 2010, o estudanteprecisava superar, em seguida, um processo seletivo acirrado (8 a 10 por centoso selecionados); o currculo para esta competio composto completamen-te por contedos de histria e geografia, cultura geral em epistemologia ehistoriografia, e conhecimento detalhado sobre currculos escolares em hist-ria, geografia e cidadania. A didtica no faz parte do programa. Se selecionado,o estudante se torna um professor: durante o ano letivo seguinte, ele deveensinar histria, geografia e, frequentemente, cidadania, por aproximadamente6 a 8 horas por semana na escola secundria; durante este mesmo ano, o pro-fessor deve assistir a aulas na IUFM (Instituto Universitrio para Formao deProfessores), para uma formao geral (cerca de 110 horas por ano) e umaformao em didtica da histria, geografia e cidadania (cerca de 90 horas porano)5. Esta formao complementada por outras prticas de ensino (com du-rao de 40 horas) e por uma dissertao baseada em experincia escolar. Oscursos combinados com a experincia em ensino tinham a inteno de fazerdesenvolver uma pedagogia e uma didtica como recursos para um trabalhoeficaz, a partir da concepo das aulas e anlise dos resultados.

    Em suas escolas, os professores iniciantes eram acompanhados por umprofessor experiente. Estes mentores faziam muito sucesso com os iniciantes mais do que a formao na IUFM , pois passavam experincia profissional etcnicas imediatamente implementveis. Porm, esses mentores no eram sele-cionados pela IUFM e a maioria deles no possua conhecimento de pesquisaem didtica da histria. O resumo disso indica que a didtica da histria, comoum campo especfico do conhecimento, representa provavelmente menos de 10por cento do tempo devotado formao (durante as 90 horas alocadas didtica, os professores devem tambm trabalhar com o ensino e aprendizagemda geografia e cidadania) 6. Cada grupo de formadores de professores em cadaIUFM define os contedos profissionais necessrios para a formao dos pro-fessores de histria-geografia em didtica.

    Criada em 1990, a IUFM mostrou uma virada radical na formao de profes-sores para o secundrio: da em diante, o ensino (e a organizao do aprendiza-do) se tornou um trabalho que deve ser aprendido; o desempenho profissionalno era mais considerado o maravilhoso resultado de um talento associado boa proficincia do conhecimento acadmico7. Durante a dcada de 1990 e osprimeiros anos do sculo XXI, o que denominado de didtica da histria na

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    IUFM bastante diverso: (a) recursos prticos para o ensino, (b) reflexo sobreas especificidades da histria ensinada na escola, (c) possveis atividades efi-cientes para o apoio ao aprendizado e, raramente, (d) resultados de pesqui-sas. Esta polissemia resulta de demandas diversas dos professores iniciantes.Resulta tambm da diversidade de formadores de professores: estes podem serantigos formadores de professores do ensino fundamental, frequentementefocados em pedagogia, ou professores experientes do secundrio, tomandosubsdios de suas experincias profissionais, ou de pesquisadores em didtica.Estes ltimos ainda so uma minoria.

    As diversas experincias e conhecimentos contribuem para a formao deprofessores, mas tambm induzem a discrepncias e tenses. Formar atravsde pesquisas, uma prtica inovadora promovida por pesquisadores em didticana dcada de 80, no foi realmente implementada, e a dissertao requerida doprofessor iniciante era mais uma anlise de uma experincia do que um relatriode pesquisa-ao. Provavelmente, algum poderia dizer que, em formao deprofessores, a didtica da histria estava mais para o sentido anglo-saxo dotermo do que para o sentido francs. No um privilgio do ensino de histriaignorar silenciosamente as contribuies da psicologia cognitiva, da psicolo-gia social, da semiologia, da epistemologia, das cincias educacionais e dadidtica. Escreve Lenoir (2000, p. 193),

    Durante anos foi possvel constatar que os resultados da pesquisa em educa-o no penetravam praticamente no meio escolar. [] Os resultados dapesquisa em didtica parecem assim estarem reservados aos prprios didatasque os produzem com o intuito de reinvesti-los em outras pesquisas. Doexterior, a leitura social parece assim muito negativa.

    Em conferncia organizada recentemente pela Inspection Gnrale (con-selho profissional mais elevado) em histria e geografia, nos anos de 2002 e2007, nenhum pesquisador em didtica foi convidado para contribuir s refle-xes e discusses. Um rpido olhar sobre algumas publicaes profissionaisrecentes que pretendem dar apoio ao ensino de histria, editado por autorida-des professores experientes, formadores de professores e/ou supervisoresde escola em histria, geografia e cidadania, fornecem perturbadoras afirma-es: eles no possuem referncias tericas, nem mesmo quando lidando coma expresso verbal ou a competncia argumentativa ou motivao. As refern-cias didtica so escassas e espordicas, e pesquisas centrais em algunstpicos, abordados na publicao, so ignoradas8, mesmo quando os prpriosautores participaram em algumas pesquisas!

    A coluna denominada didtica publicada no peridico profissionalHistoriens & Gographes, mudou bastante desde que era muito focada nosexemplos de aulas. Foi apenas em 2006 e 2007 que o peridico se decidiu por umpanorama geral da didtica da histria. O peridico IREHG9, publicado somenteentre os anos de 1994 e 2000, associava artigos sobre pesquisas e artigos sobreprticas em sala de aula sobre o mesmo tema, tanto em histria e geografia. O

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    ltimo nmero foi escrito por formadores de professores, supervisores, profes-sores experientes e alguns pesquisadores; apenas os artigos sobre prticasescritos por pesquisadores propunham uma bibliografia didtica, no impor-tando a data ou o tpico da publicao. Muitos dos considerados contraban-distas da didtica da histria no eram passados adiante. Os relatrios publica-dos pelo INRP no encontram um grande pblico-leitor, mesmo dentro daIUFM10. Somente alguns livros mais recentes, publicados pela Colin ouHachette11, mudavam um pouco o cenrio.

    Para muitos supervisores, professores e formadores de professores, o bomsenso profissional era o nico recurso utilizvel e significativo para a reflexodo ensino e aprendizagem da histria. E nem todos apoiavam pesquisas emdidtica da histria... Para um professor, especialmente aqueles que haviamentrado na profisso antes de 1990, deparar-se com a didtica da histria era umevento do acaso. A cultura profissional dos professores franceses, mesmoaqueles mais inovadores, no inclua referncias em didtica ou cincias edu-cacionais (Astolfi, 2002; Barrre, 2002).

    Quando algumas abordagens tomadas emprestadas de pesquisas so apli-cadas ao bom-senso profissional e s prticas, estas so, frequentemente, total-mente reconstrudas e mal-interpretadas. Por exemplo, os professores podemusar as noes de transposio didtica ou de representaes sociais, masseus significados so muito diferentes daqueles que so referidos nas pesqui-sas, sendo mais prximos da cultura profissional tradicional. Para os professorese formadores de professores, lidar com a transposio didtica significa adaptara histria ensinada na escola ao ensino eficiente, mas, no processo, manter-se omais prximo possvel do trabalho dos historiadores e das publicaes acadmi-cas. A sesso de formao ideal estruturada com uma conferncia acadmicaseguida por uma oficina devotada adaptao prtica para as salas de aula. Istono tem nada a ver com o modelo caracterizado por Chevallard para a matemticae importado para a didtica da histria. Os pesquisadores, ao contrrio, insistiamnuma completa reformulao do conhecimento escolar, o desenraizamento docampo acadmico inicial, a mudana profunda da natureza e da estrutura dainformao, a implementao de um planejamento estranho pesquisa histricae a diferena ontolgica entre disciplina escolar e disciplina acadmica (Chevallard,1985) 12. Onde os pesquisadores em didtica falam em exlio, os professorespensam em relao. Eles preservam, entretanto, o fazer, seu legtimo enraizamentona Histria e o papel central do conhecimento acadmico, de seus estudos aca-dmicos em diante. raro encontrar qualquer real influncia dos pesquisadoresda didtica da histria.

    O conceito de representaes sociais, emprestado por Lautier e outros pes-quisadores em ensino de histria, de Moscovici (2004) e Jodelet (2002)13, tem,desde a dcada de 1970, se expandido fortemente na psicologia social, assim como,desde a dcada de 1980, se tornado popular na didtica da histria. A representa-o social um produto cognitivo que mistura experincia, julgamento, conheci-mento, afeto e resulta de uma interao social e socializao. Este produto permite

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    a comunicao, a compreenso, a deciso e a ao. Esta tem papel central noaprendizado, pois novas informaes so transplantadas para representaes exis-tentes. Os pesquisadores em didtica da histria se utilizam deste conceito parainterpretar resultados e processos de aprendizagem, para analisar a comunicaoem sala de aula, e para sugerir atividades de classe que levem em considerao asrepresentaes sociais de algum fato ou noo histrica.

    J na dcada de 1990, esta noo foi introduzida na formao de professores e emprticas de sala de aula, porm numa perspectiva menos complexa. Muitos professo-res fazem apenas uma rpida avaliao do conhecimento prvio do aluno (s vezes,sua opinio), no incio de um novo captulo, e depois continuam com sua tradicionalexposio-dialogada. A questo da emoo e dos valores descartada (a histriaensinada na escola no lida com isso). Os resultados de pesquisas que poderiamajudar a interpretar as representaes sociais dos alunos e que poderiam sugerirprticas que as levassem em considerao so, aparentemente, ignorados. Os pro-fessores apenas tentam apontar para os erros, a fim de fornecer aos estudantes averdade, e procurar por conhecimento bsico til para seus projetos de ensino; falarde representaes sociais oferece um certo glamour a prticas muito tradicionais. Ainfluncia da didtica da histria se limita a... uma questo de uso de palavras. Amesma anlise poderia ser desenvolvida em relao s dificuldades em implementartrabalhos de resoluo de problemas em aulas de histria (Le Roux, 2004).

    De fato, por que um professor feliz com seu trabalho, sentindo-se competen-te em compreender o que acontece em sua sala de aula, avaliando silenciosamen-te seus alunos a partir de suas habilidades, talentos, envolvimento, trabalho,leria alguns artigos ou livros que sugerissem outras formas de lidar com o apren-dizado dos alunos? Se ele est satisfeito em pensar ou agir de acordo com oparadigma tradicional (transmisso, instruo, professor, aluno, contedos, aula,memria, conhecimento, avaliao) por que razo o professor mudaria para outroparadigma (construo, educao, mediao, aprendiz, currculo, conceito,cognio, competncia, avaliao)? (Astolfi, 2003). Contrastando com a concep-o usual do trabalho centrado no professor confortvel at que falhasse ospesquisadores em didtica da histria so ora crticos em relao ao ensino usu-al, ora centrados no aprendizado dos alunos. Esses assumem que o conhecimen-to, mesmo que cientfico, um construto, que o aprendizado um processo e queo que aprendido uma reformulao social e pessoal do que ensinado, neces-sitando de erros, arranjos provisrios e revises, necessitando ainda de reflexo,discusso, tentativas... De fato, a base da didtica da histria se encontra em ummundo intelectual diverso do mundo do ensino usual. Isto no torna fcil a tarefapara os professores que vo confiar em tais trabalhos.

    A Frgil Institucionalizao da Didtica da Histria na Frana

    Desde a dcada de 1980, os pesquisadores tm discutido o lugar da didti-ca da histria no conjunto das disciplinas universitrias. Seria esta um ramo

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    das cincias educacionais? Seria apenas uma pedagogia especfica? Estariaenraizada na histria? Ampliaria a questo da histria da educao? No hconsenso. Um doutorado em didtica da histria pode ser defendido em umafaculdade de cincias educacionais, psicologia, ou histria... Depende doorientador e da organizao dos estudos empreendidos. Isto tem efeitos dife-rentes. O primeiro diz respeito aos referenciais tericos e problemtica seleci-onada para a pesquisa; em uma faculdade de histria, as questes deveroestar mais prximas epistemologia ou historiografia e devero lidar cominterfaces entre a histria acadmica e a histria ensinada na escola; j em umafaculdade de psicologia, essas questes podem estar mais voltadas para odesenvolvimento cognitivo ou a psicologia social; em uma faculdade de edu-cao, as questes podem advir da sociologia da educao, ou da metodologia,ou de outras didticas, etc.

    As metodologias podem variar e serem mais orientadas para mtodos quanti-tativos ou qualitativos, mesmo se estas se conformam com os paradigmas utiliza-dos nas cincias sociais. O segundo efeito se refere ao lugar da didtica da histriano sistema universitrio. Na Frana, no h um departamento especfico ou umlaboratrio de pesquisa especfico da didtica da histria. Os pesquisadores de-vem encontrar um lugar em um laboratrio mais geral, muito frequentemente emcincias educacionais como CIREL14 em Villeneuve DAscq ou CREAD15 em Rennes.Assim, para muitos, a didtica da histria no possua legitimidade acadmica16.Muitos historiadores, desdenhosos ou desconhecedores, negam a qualidade dapesquisa universitria que investiga a didtica; estes no aprovam pesquisas quequestionam diretamente a relao entre a histria acadmica e a histria ensinadana escola, mas tm interesse nas prticas das escolas fundamental e secundriafrancesa17. Alguns pesquisadores em cincia educacional rejeitam a ideia de que oensino e a aprendizagem diferem de uma disciplina para outra...

    Assim, quando alguns pesquisadores em didtica da histria alegam queexistem relaes com a histria, outros apontam para o fato de que a disciplinaescolar criada pela escola, e para a escola, e que a epistemologia da histriano contribui para o entendimento do processo de aprendizagem. Quando al-guns pesquisadores em didtica da histria refletem sobre as conexes teri-cas e metodolgicas com outras didticas ou sobre a relevncia de tais concei-tos definidos pelas cincias educacionais, outros amaldioam qualquer coisaque se parea com didtica geral. A diversidade do que denominada didti-ca na IUFM, e a parte aproveitada pela experincia de ensino no apiam umainstitucionalizao na universidade. O fato de que muitos conceitos no soespecficos da didtica da histria, mas compartilhados por outras tendnciascientficas tambm no de muito auxlio. Mesmo na IUFM, a maioria dosempregos de nvel superior denominada como didtica da histria so alocadospara historiadores que possuem experincia prtica na educao secundria,mas que nunca desenvolveram pesquisa em didtica da histria. Estamarginalidade reduz a visibilidade e a credibilidade da didtica da histria etende a excluir a didtica da histria das disciplinas com as quais se faz carreira

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    na universidade. Consequentemente, so poucos os doutorados e menos ain-da as acreditaes para orientar pesquisas.

    As pesquisas em didtica da histria so desenvolvidas em diferentesinstituies: o INRP, alguns IUFM (como Caen, Dijon, Lyon, Nord Pas de Calais,Reims...), poucas universidades (as mais importantes sendo Paris VII DenisDiderot, graas a Henri Moniot); alguns grupos, principalmente associandoprofessores e orientadores, receberam tambm o apoio das autoridades educa-cionais, aqui e ali, mas sem nenhuma institucionalizao. Quando comparadass pesquisas sobre lngua francesa e didtica da literatura, didtica da matem-tica, didtica das cincias experimentais, as pesquisas em didtica da histriaso poucas e fragmentadas. Existe uma comunidade de pesquisadores france-ses em didtica da histria e da geografia, mas no existe uma associao oulobby. Nenhum grupo , atualmente, capaz de, em uma s vez, transmitir conhe-cimento em didtica da histria, especialmente no que tange a resultados depesquisa, controle dos meios de apoio a pesquisadores e conferir titulao.

    Os temas das pesquisas, conforme indicados por seus ttulos, incluindo-seos de doutorado (defendidos ou no, em processo, ou abandonados) so bas-tante dispersos: relaes entre a histria acadmica e a histria ensinada naescola, questes epistemolgicas, currculos, contedos escolares especfi-cos, conceitos, materiais didticos, NTICs, aprendizagem, background ideol-gico, ensino eficiente e prticas de sala de aula... Escrevi anteriormente que istopode ser explicado pela falta de um departamento universitrio devotado didtica da histria, ou pela evoluo do prprio contexto escolar, ou pelosinteresses dos pesquisadores, como tambm pelo amplo escopo de questesque se referem ao ensino e aprendizagem. Ao mesmo tempo, isto tambmsignifica que no existe um programa de pesquisa em didtica da histria, compouca capitalizao de resultados, poucas rplicas de pesquisas, e poucaspublicaes de panoramas gerais18. Provavelmente, esta disperso, assim comoa dificuldade em saber exatamente o que a didtica da histria e descobrir sualegitimidade social e cientfica, contribua para a fragilidade de sua influnciasobre os professores e formadores de professores. Alm disso, no existe umperidico francs sobre pesquisa em didtica da histria.

    Existiu, durante os ltimos anos da dcada de 1990, um peridico, o IREHG,que congregava questionamentos profissionais e artigos de pesquisa, e eravoltado para o ensino e aprendizagem de histria, geografia e cidadania. Apublicao foi interrompida depois de 2003. Atualmente, os pesquisadores fran-ceses submetem seus artigos ao peridico Le Cartable de Clio, e a outrosperidicos estrangeiros. Uma comunidade informal de pesquisadores existe,entretanto, e se encontra uma vez por ano para o congresso de didtica dahistria e da geografia. Este encontro cientfico foi organizado pelo INRP entre1986 e 1996, e desde 1999 organizado por diferentes instituies (INRP, IUFM)a cada ano. Assim, os pesquisadores franceses podem gozar de um reconheci-mento internacional.

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    E pur, si muove...

    Duas recentes publicaes panormicas (Allieu-Mary; Audigier; Tutiaux-Guillon, 2006; Allieu-Mary; Lautier, 2008) fornecem informaes sobre os prin-cipais recursos e perspectivas da didtica da histria. Trs reas organizam opanorama: (a) o aprendizado da histria, (b) o ensino eficiente, e (c) objetivos efinalidades da histria ensinada na escola. A seo seguinte objetiva no a umadiscusso exaustiva, mas a apontar as mais importantes, e que, em minha opi-nio, apresentam resultados mais promissores para o ensino da histria naescola e para a didtica da histria.

    O estudante no um recipiente vazio nem uma pgina em branco, ao qual oprofessor deve preencher com conhecimento. Ele um sujeito, um aprendiz, cons-truindo seu prprio conhecimento a partir do que ele j sabe (ou acredita), depen-dendo da situao social e interaes sociais com as quais se confronta. Todas aspesquisas em didtica da histria so baseadas em uma abordagem (scio-)construtivista para o aprendizado. As mais recentes insistem na diversidade doensino eficiente das mesmas aulas. Estas pesquisas confiam em metodologiasempricas, principalmente em entrevistas e em anlise detalhada de textos escritospor alunos, tanto escritas do cotidiano quanto produtos experimentais.

    As primeiras pesquisas que investigam como os estudantes poderiam apren-der conceitos datam do fim da dcada de 198019. Mas as investigaes serenovaram, levando em considerao as teorias de Moscovici, para conceitosrecorrentes em histria, tais como revoluo, Estado, monarquia, regime dita-torial, democracia, guerra santa... Os resultados mostram como os estudan-tes atribuem contedo material e familiar a conceitos abstratos, personificando,por exemplo, o termo monarquia por Louis XIV e a imagem do Roi Soleil, e,assim, descobrindo outros tipos de monarquia por comparao quela absolu-ta. O regime ditatorial tambm personificado (por Hitler ou Stalin) e compreen-dido pela proximidade tanto com a monarquia quanto com a oposio demo-cracia, nosso sistema. Allieu-Mary e Lautier (2008) sublinham que este proces-so joga com o passado e o presente, com o conhecimento escolar, a informaomiditica e o senso comum (Allieu-Mary; Lautier, 2008).

    O papel dos valores em compreender a histria tem sido afirmado e analisa-do, tanto como um apoio quanto como um obstculo. O ideal de harmoniasocial contribui para compreender a poltica nacional tendendo a desenvolveruma cultura comum, mas isto torna difcil aceitar que a democracia seja compa-tvel com conflitos polticos intensos; somente quando os estudantes j ama-dureceram bastante para associar harmonia com tolerncia, estes so capazesde aceitar que a dissenso social a situao comum (Tutiaux-Guillon, 2001). Opoderoso ideal da democracia direta induz os jovens a qualificar mais facilmen-te Atenas como mais democrtica que qualquer outro regime baseado na dele-gao de poderes. Dos primeiros aos ltimos anos da escola secundria, osestudantes constroem conceitos cada vez mais complexos. Por exemplo, o ter-mo revoluo primeiramente associado com guerra e violncia, depois com

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    revolta, depois com mudana, algo mudou... mas, o progresso toma diferentesandamentos de aluno para aluno, no sendo uma progresso linear, constantee comum (Deleplace; Niclot, 2005).

    O exemplo do termo Estado demonstra um mesmo progresso (a partir depas, para presidente, ou governo, para territrio limitado por fronteiras uma grande diferena em relao ao significado opaco de pas e de nao);entretanto, o termo se faz mais presente em histria, geografia e cidadania, almde discusses e noticirios cotidianos. Alguns alunos, alm disso, expressamsua desconfiana e escrnio em relao a um Estado incompetente, corrupto eladro. A explicao para eventos e para a evoluo tende a se direcionar paraos mesmos dispositivos misturados. Os alunos usam de analogias e metforas,observam responsabilidades pessoais (indivduos, mas tambm Estados e gru-pos agindo como personalidades), se utilizam de teorias do senso comum (am-bio por poder, alegaes por igualdade e justia, desejo de riqueza), assimcomo do conhecimento aprendido na escola.

    Aprender conceitos em histria ou explicar o passado lidar com o passadoe o presente, com o conhecimento escolar e as opinies, em um processo basea-do em conivncia e intuio nenhum exerccio especfico, nas aulas de histriacomuns, direcionado conceptualizao ou explicao. A interpretao domi-nante na didtica da histria atual o que Lautier (2006) chama de polifasiacognitiva: senso comum e senso cientfico (histrico) so mais intrincados doque separados, e o limite entre eles poroso. Cariou (2003) tem, igualmente,pesquisado os possveis efeitos do pensamento histrico de exerccios que trei-nam os alunos a controlar as analogias que estes desenvolvem para compreen-der uma determinada situao do passado. Ele afirma que, por um lado, os estu-dantes foram capazes de qualificar suas interpretaes, e escrever textos tantomais verdadeiros quanto mais conceptualizados sobre documentos originais.Por outro lado, o senso comum nunca desapareceu dos mesmos textos. Comoconcluem Allieu-Mary e Lautier (2008), longe de uma perspectiva conformistasobre a epistemologia clssica, o processo de aprendizado da histria um ir e virentre o senso comum social e um pensamento mais cientfico:

    Podemos estimar assim que no grau de mobilidade destes processos decontrole do pensamento natural (em referncia ao modelo de Passeron, 1991)que ocorre, sem linearidade, com idas e vindas, a possibilidade de construirposturas de pensamento mais ou menos prximas daquelas que so esperadasna escola no mbito do ensino de histria (Lautier; Allieu-Mary, 2008).

    Contudo, quando os estudantes falam do que fazem nas aulas de histria, elesmencionam, principalmente, que extraem informaes de documentos, descre-vem situaes e respondem ao professor sobre o que aprenderam (Gelly, Febvre,Fourmond, 2002). Os alunos no dizem que pensar historicamente represen-tativo dos requisitos na escola. Algumas pesquisas que analisam o processo deaprendizagem e a promoo de prticas inovadoras focalizam a habilidade dosestudantes em escreverem textos, narrativas, tabelas em histria e em participa-rem de debates que envolvam estes temas. Elas apontam para a importncia do

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    aprendizado de algumas atividades intelectuais (como organizar informaes,por exemplo), da dialtica entre obrigaes disciplinares e a liberdade de cons-trurem sentidos por si mesmos e, finalmente, enfatizam a dificuldade dos estu-dantes de irem alm das rotinas e padres de uma aula de histria comum(Audigier, 1998; Doussot, 2006; Cariou, 2007; Le Marec; Vzier, 2006).

    As pesquisas empricas sobre o ensino de histria mostram as prticastradicionais e clssicas apresentadas acima. Estas so baseadas em observa-es de aulas reais, de uma aula para cada professor, e de tantos quantosprofessores possveis, a vrias aulas de alguns professores. A observao dasaulas se apoia na sociologia clssica e em mtodos etnogrficos, tornadas maisdifceis apenas pela transparncia de uma determinada situao de ensino paraum pesquisador que /foi frequentemente tambm um professor.

    Obviamente, desde a dcada de 1960, as prticas tm se modificado, e asaulas de histria do mais espao para as atividades e expresso dos alunos doque no incio do sculo XX (Hry, 1999). A maioria dos professores se apoia emdocumentos e supe que, ao solicitarem que os alunos retirem informaes dotexto, os ajuda a construir conhecimento. Entretanto, existe pouca exignciapara compreender as situaes passadas em toda a sua complexidade. As pala-vras-chave para os professores aqui so faa de forma simples e faa de formamais fcil. Frequentemente, os exerccios se tornam um tanto mecnicos, e maisorientados em direo contribuio para uma caixa de ferramentas escolar doque em direo sua relevncia para conhecer e interpretar o passado. Asprticas usuais tm sido caracterizadas por suas fortes relaes entre o statusdo conhecimento como Verdade, intelectualidade do professor e autoridadeinstitucional, e aos requisitos de adeso endereados aos estudantes (Tutiaux-Guillon, 1998).

    Esta interpretao fundante foi desenvolvida por Audigier, que analisou ahistria e a geografia ensinadas na escola como resultando de um princpio con-sistente ao qual ele denominou de os 4R: (a) considerar que os contedos dahistria e da geografia coincidem com a Realidade do mundo e do passado; (b)afirmar que eles transmitem os Resultados de trabalhos cientficos; (c) Renegar oespao opinio e poltica; (d) procurar por um Referente comum e consensual(Audigier, 1993). Vrias pesquisas posteriores confirmam a interpretao do au-tor e a estendem a partir de um plano institucional para os livros didticos e parao ensino eficiente. Essas aprofundam a reflexo levando em considerao osobjetivos e finalidades da histria ensinada na escola. A evoluo socioculturalda sociedade francesa e as novas prescries oficiais abrem o mesmo caminho.

    Outras pesquisas recentes exploram o manejo de questes polmicas pelaescola, questes socialmente sensveis ou debates relacionados a memriaspartilhadas. Tradicionalmente, a histria francesa ensinada na escola no per-mite debates e polmicas: o conhecimento amaciado, silencioso, consensuale as prticas dominantes deixam de fora ou excluem discusses e debates(Tutiaux-Guillon, 2001).

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    Desde 1995, o Ministro tem enfatizado o dever da memria na escola, sejapara fortalecer identidades coletivas incluindo-se a identidade europeia oupara se simpatizar com vtimas e partilhar a dor de seus herdeiros. Os objetivosso polticos (comprometimento com os valores fundamentais da democraciaatual) e scio-morais (prevenir crimes e ruptura social). Os professores lidam,entretanto, com uma competio de memrias implcitas ou explcitas, com rela-o escravido, colonizao, imigrao e genocdios. Tanto suas atitudes,quanto as de seus alunos, e a maneira como eles conseguem ensinar essasquestes tm sido objeto de investigao (Bonafoux; De Cock-Pierrepont;Falaize, 2007; Legardez; Simonneaux, 2006). Os questionamentos apontam paraas tenses entre as prescries, a historiografia e as situaes reais em sala deaula. Os autores questionam o lugar devotado emoo, ao horror e ao indiz-vel em aulas de histria. Essas pesquisas questionam tambm o comprometi-mento dos professores a valores, aos objetivos da cidadania e identidade cole-tiva, integrao social e cultural.

    Uma pesquisa recente sobre como a histria da imigrao ensinada afirmacomo bem-vindas (para a Frana) prticas inovadoras cuidadosas; contudo, aoanalisarem a histria familiar dos estudantes, ou mesmo alguns testemunhospessoais, ao mesmo tempo, os autores apontam para o desenvolvimento deuma estigmatizao implcita e perigosa de alguns alunos como nascidos demigrantes, bastante opostas aos valores (respeito, tolerncia, atitude aberta...)pretendidos pelos professores. Ao mesmo tempo, a nfase colocada sobre asmemrias tende a fazer prevalecer o objetivo de se trabalhar a identidade cole-tiva na aula de histria ao invs daqueles crticos ou intelectuais. Entretanto,vrias pesquisas demonstram que os professores de histria classificam ossegundos antes dos primeiros e, por vezes, desprezam ou rejeitam o primeiro(Lautier, 1997; Tutiaux-Guillon, 2004).

    Para muitos professores, os aspectos polticos e cvicos da histria estono centro de sua filosofia educacional. Professores do secundrio amplamentese alinham aos fins cvicos da histria ensinada na escola (80% de acordo comLautier, 1997): compreender a histria envolveria naturalmente em desenvol-ver atitudes relativas ao poder, cultura, alteridade; aprender histria apren-der sobre Direitos Humanos. Na Frana, a cidadania republicana, apenas comosignificado poltico, estava baseada na transcendncia de qualquer interesseespecfico em prol do interesse comum. Outras formas de identidade coletivano eram consideradas como expresso de liberdades pessoais ou civis, maseram percebidas como ameaas ao interesse geral. Estes eram assuntos priva-dos legtimos, mas no eram pblicos.

    O cidado francs era, de certa forma, um ser abstrato, que baseava seusjulgamentos polticos e aes apenas pela Razo. Outras formas de afiliaosocial ou cultural eram consideradas como formas de impedir a autonomia ereforar o preconceito. Consequentemente, estas tinham que ser excludas. Naescola, cada nova gerao deveria aprender a dissociar a pessoa (esfera priva-da) do indivduo (esfera pblica). Hoje em dia, esta questo permanece um pilar

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    comumente aceito pela maioria dos professores de histria, que rejeitam quais-quer opinies ou experincias pessoais na sala de aula. Se cidadania e naciona-lidade esto juntas, a cidadania francesa era uma questo contratual, enraizadaem valores universais. Na educao secundria, a narrativa global do progres-so e da democracia governava a narrativa nacional. A repblica francesa era umcorpo poltico nico e indivisvel. A histria ensinada na escola era marcada nocorpo poltico e no na nao tnica-cultural. Nutrir identidades comunitriasna Frana implicava no risco de uma acusao de promoo do comunitarismoou, pior, do separatismo , portanto, lidar com memrias comunitrias poderiafazer surgir alguma molstia. A escola tinha que esclarecer a juventude atravsda instruo, e gui-la pelo uso da Razo.

    O propsito do conhecimento cientfico era o de suplantar a experinciacomum e o senso comum, ambos considerados no confiveis e enganadores.De acordo com esta filosofia positivista, os professores de histria educavamo cidado atravs da transmisso do conhecimento verdadeiro sobre o passa-do. Ensinar sobre os fatos religiosos, por exemplo, foi recentemente adicionadoao currculo com o objetivo permitido de fornecer informaes objetivas e,atravs desta, prevenir o obscurantismo e o extremismo religioso. Atualmente,o currculo da histria mantm a nfase em uma cultura comum, incluindo, emalguma medida, um rpido olhar sobre culturas estrangeiras. A perspectivaoficial a de que o currculo no deve ser modificado para acomodar prefern-cias estudantis ou demandas locais. As oportunidades para estudar disciplinasem que os migrantes ou regionalistas podem reconhecer sua prpria histriaso muito raras e, por vezes, preconceituosas, como a limitao sobre a histriado Islamismo ou o perodo medieval.

    A nica adaptao oficial, introduzida em 2000, dizia respeito aos territriosfranceses em outros continentes, onde a histria da escravido e da sociedadecolonial foram adicionadas ao contedo programtico. Isto agora faz parte docurrculo geral20. Muito frequentemente, estudantes de descendncia migrantese conformam cultura francesa na esperana de serem aceitos como france-ses. Especialmente na escola, eles sentem como estigmatizante o rtulo de es-trangeiros, migrantes, Maghrbins (norte africanos) ou africanos, e muitomais quando a maioria deles j nasceu na Frana.

    Algumas investigaes (Tutiaux-Guillon; Mousseau, 1998; Grever; Haydn;Ribbens, 2008) se questionam por aulas de histria com contedo tnico espe-cificamente orientado. Assim como os professores, estas aparentemente mos-tram um amplo alinhamento aos objetivos tradicionais do ensino de histria.Entretanto, claro, o significado de cidadania no contexto francs est mudan-do: nas ltimas duas dcadas, a assim chamada concepo republicana temsido questionada. O nvel estatal no mais o nico nvel de decises polticas,e estas so desafiadas pela Unio Europeia e por outras regies. A possibilida-de para que um migrante no europeu tome parte em eleies locais debatidae, em algumas cidades, parcialmente aceita: isto constri uma categoria social(migrante) como uma categoria poltica, o que bastante novo na Frana.

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    Muitos jovens no so, e no iro se situar, como militantes de partidos polti-cos ou sindicatos, mas participam ativamente em alguns movimentos polticosmarginais, em aes sociais e humanitrias, e fortemente fazem demonstraespor seus valores, seus direitos, e pelos direitos humanos. A filosofia polticasobre o que a democracia francesa e os partidos franceses funcionam cidada-nia abstrata, indiferena para as diferenas est manchada; a excluso socialresulta em uma cidadania de dupla marcha; a alegao pelo multiculturalismoevolui da cultura para a poltica, a eliminao gradual dos limites entre espaospblicos e privados, entre ser humano e cidado, enfraquece os aspectos pol-ticos da cidadania, etc. Isto influenciaria a histria ensinada na escola?

    Algumas novas prescries parecem aceitar esses aspectos. Novos con-tedos lidam com debates e interesses atuais: o papel poltico das mulheres eseu status social ao longo da histria, memrias diversas em relao SegundaGuerra Mundial, escravido, migrao. Estas questes no modificam o ncleocurricular, mas podem ser epistemolgica e politicamente diferentes. Em 2006,uma base comum de conhecimento e competncias foi votada como o fim daescola compulsria. Este texto pode induzir a mudanas em prticas (olhar parao passado a partir de questes sobre o presente, promover mais oficinas emaulas de histria) e novos objetivos (desenvolver o gosto e a sensibilidade,mas tambm a eficincia, comprometer-se com a educao do estudante, traba-lhar com um grupo e tomar iniciativas...). Porm, a resistncia muito grande.

    O currculo central e as rotinas de ensino estabelecidas na educao se-cundria so consistentes com os objetivos tradicionais de educao; estaconsistncia tem sido construda por cerca de um sculo, e tantoepistemolgica, definindo o status do conhecimento escolar, quanto tica epoltica, definindo as finalidades do ensino e aprendizagem da histria, e garan-tindo ao professor um papel central de intelectual e mestre. Isto est enraizadono positivismo, que j foi substitudo como um paradigma cientfico, mas quepersiste como um conjunto de crenas fortemente ancoradas sobre o conheci-mento escolar. No caso do ensino da histria, consistncia uma questoespecialmente forte, porque a funo cvica da histria amplamente partilhadana sociedade e consensual entre os professores, e porque o seu alto status deconhecimento cientfico sustenta as prticas dominantes sobre o ensino e aformao de professores21.

    Uma viso otimista pode sugerir a possibilidade de uma mudana total, e osurgimento de um novo paradigma baseado na interpretao construtivista doconhecimento. Aberta a abordagens crticas e reflexivas, estes contedos se-riam plurais e apresentados como resultado de problemas, pesquisas, polmi-cas, aproximaes, e a partir de regras disciplinares a contribuir para a verda-de... Nesta perspectiva, a finalidade do ensino de histria seria educar umcidado crtico e responsvel capaz de compreender a complexidade e tomarparte em um debate democrtico. A universalidade no esquecida, mas reposicionada naquilo que partilhado por diferentes culturas. Ensinar taiscontedos para tais objetivos no pode se basear apenas em aulas expositivas-

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    dialogadas, mas iria iniciar uma interao entre estudantes, pesquisa documen-tal, discusso e avaliao da relevncia e validade da informao, oficinasespecializadas, etc. Assim, as propostas e experincias desenvolvidas na did-tica da histria iriam finalmente se tornar um recurso profissional.

    No tenho certeza se isto o que ser, mas tenho certeza apenas de quepode ser. Porm, seria realista confiar em uma revoluo na histria ensinada naescola para fornecer audincia e prestgio didtica da histria? Seria maisrealista do que confiar que a didtica da histria tem potencial para mudar ahistria ensinada na escola?

    Recebido em agosto de 2010 e aprovado em dezembro de 2010.

    Notas

    1. N. T. Optou-se por traduzir sempre pelo gnero masculino, como referncia genricaa ambos os sexos.

    2. N. T. Teacher trainers, no original.3. N. T. O Ensino secundrio francs se divide em Collge, correspondente aos terceiros

    e quartos ciclos no sistema brasileiro, e Lyce, correspondente ao ensino mdio noBrasil.

    4. Sobre esse tema ver, por exemplo, a anlise de Poirrier, Philippe, Introduction lhistoriographie, Paris, Belin, 2009.

    5. Em 2008/2009 o governo francs modificou totalmente a organizao da formaodos professores. Os IUFM foram integrados s universidades, mas a formao dosprofessores do ensino mdio deixou de ser de sua responsabilidade. Os estudantesdevem, desde ento, ser aprovados em concurso e simultaneamente obter um diplo-ma de Mastre. Os contedos de ensino deste novo diploma so muito variveis deuma universidade outra, em particular para os que dizem respeito ao ensino depedagogia e de didtica. Aqueles que forem aprovados no concurso e tiverem diplomade Mastre podero ensinar no ano seguinte com carga horria plena. Eles poderoreceber a ajuda de um professor experiente e uma formao complementar, estatambm bastante varivel em funo das regies e possivelmente sem a intervenodos formadores da universidade. Assim difcil apresentar em 2011 um balano daformao dos futuros professores do ensino mdio.

    6. A maioria dos estudantes no fez geografia e nenhum estudou cidadania, pois no disciplina universitria.

    7. Para um maior aprofundamento dessa temtica, ver a obra seminal de Jacqueline LePellec; Violette Marcos-Alvarez, Enseigner lhistoire: um mtier qui sapprend, Pa-ris-Toulouse, Hachette-CRDP, Midi Pyrnes, 1991.

    8. Uma ampla reviso e anlise desta literatura precisa ser desenvolvida. Note-se que asmesmas categorias levam em considerao a formao em servio.

    9. N.T. Information, Recherche, Education Civique, Histoire, Gographie.

  • 34 Educ. Real., Porto Alegre, v. 36, n.1, p. 15-37, jan./abr., 2011.

    10. Quando entrei para o IUFM de Lyon em 2000, e o IUFM do Norte-Estreito deCalais, 2005, fiquei bastante surpresa. Publicaes recentes em didtica da histriano estavam arquivadas na biblioteca, e eram negligenciadas ou rejeitadas por pro-fessores experientes e formadores de professores atuando l naquele momento.

    11. N. T. Editoras Francesas.12. Para a histria ver trabalhos de Audigier, Lautier ou Tutiaux-Guillon.13. Para seu uso em didtica, veja trabalhos de Lautier, Audigier, Baqus, Cariou,

    Tutiaux-Guillon...14. N. T. CIREL - Centre Interuniversitaire de Recherche en Education de Lille.15. N. T. CREAD - Centre de recherches sur lducation, les apprentissages et la

    didactique.16. As cincias educacionais tiveram as mesmas dificuldades at a dcada de 1970.17. Isto explica parcialmente porque at agora os estudos franceses em histria no

    deram espao, como regra geral, didtica da histria.18. Cf. apenas Moniot, 1993, 2006; Lautier; Allieu-Mary, 200819. Ver por exemplo Simone Guyon, Marie-Jose Mousseau, Nicole Tutiaux-Guillon,

    Des nations la Nation, apprendre et conceptualiser, Paris: INRP, 1993. Assimcomo captulos em Lautier (1997).

    20. Ver Le Bulletin Officiel n.8, 24 de fevereiro, 2000. O Boletim, publicado peloMinistrio de Educao Francs, contm todos os anncios oficiaise informaes:www.education.gouv.fr.

    21. Para a discusso de todo este pargrafo, ver os trabalhos de Tutiaux-Guillon, 2004.

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    Nicole Tutiaux-Guillon professora do IUFM do Nord Pas de Calais (Universi-dade dArtois) desde 2005, onde leciona a disciplina Didtica da Histria e daGeografia. Diretora adjunta do laboratrio de pesquisa Thodile-CIREL daUniversidade de Lille 3. Suas pesquisas privilegiam um enfoque interdidticoversando sobre a educao para um desenvolvimento sustentvel.E-mail: [email protected]:Cludia Maria Bokel Reis

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