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FACULDADE ALFREDO NASSER INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO CURSO DE LETRAS A VISÃO DO NEGRO NA LITERATURA DE MONTEIRO LOBATO Tatiana Pereira Barbosa DEZEMBRO/2010

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FACULDADE ALFREDO NASSER INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO

CURSO DE LETRAS

A VISÃO DO NEGRO NA LITERATURA DE MONTEIRO LOBATO

Tatiana Pereira Barbosa

DEZEMBRO/2010

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TATIANA PEREIRA BARBOSA

A VISÃO DO NEGRO NA LITERATURA DE MONTEIRO LOBATO

Trabalho apresentado ao Instituto Superior de Educação da Faculdade Alfredo Nasser Como requisito para obtenção do título de licenciada em Letras, com habilitação em português, inglês e suas respectivas literaturas, sob a orientação da professora Dra. Michele Giacomet.

DEZEMBRO/2010

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A VISÃO DO NEGRO NA LITERATURA DE MONTEIRO LOBATO

Tatiana Pereira Barbosa

RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar a figura do negro a partir de contos

escolhidos de Monteiro Lobato. Os contos Negrinha e O jardineiro Timóteo são as

principais obras analisadas neste trabalho. Quanto a questão do preconceito ou sua

inexistência nesses contos do autor, procuraremos identificar também se, a pertinência

desse preconceito parte de Lobato ou se ele se utiliza da inserção desse tema como uma

forma de registrar os acontecimentos relativos a preconceito racial daquele período. Essa

busca será feita minuciosamente procurando destacar os principais pontos relacionados

ao termo racismo dentro dos contos estudados de Monteiro Lobato e demonstrar que tais

fatos relatados em seus escritos podem ser um retrato de influências da época.

PALAVRAS-CHAVE: Monteiro Lobato. Preconceito. Crítica. Reflexão. Racismo.

Introdução

Este trabalho, cujo tema é A visão do negro na literatura de Monteiro Lobato,

tem como foco identificar o motivo, de na maioria das vezes, o negro ser tratado na

literatura como um objeto, sendo visto na literatura brasileira com certo preconceito

por parte dos escritores. Procuramos principalmente, analisar como o escritor

Monteiro Lobato trata o negro em dois de seus contos: Negrinha e O jardineiro

Timóteo.

Muitas pesquisas procuram identificar o papel do negro na literatura brasileira,

mas até hoje não estão claros os posicionamentos de Lobato quanto ao negro

naquela época. Procura-se estudar também se o preconceito vinha por parte de

Monteiro Lobato ou se ele procurava somente mostrar as formas de tratamento que

os negros recebiam naquele período.

Os objetivos a serem atingidos por meio deste trabalho são: fazer um

levantamento de obras de Monteiro Lobato que contenham relação com o negro;

Verificar se Monteiro Lobato recebeu influência da época por parte de seus

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contemporâneos na Literatura; Tomar conhecimento das diversas obras de Monteiro

Lobato que contém personagens negros e verificar como ele é tratado.

Com a intenção de elaborar a pesquisa de forma clara e, para melhor

compreensão do tema que será desenvolvido, será utilizada a pesquisa bibliográfica,

através de livros, artigos científicos, revistas acadêmicas, dentre outros.

A pesquisa seguirá com a leitura de algumas obras e contos de Lobato que

expõem tal preconceito contra o negro para que possam ser levantados trechos

específicos em relação ao racismo ou ao não racismo.

Temos o intuito de trazer ao leitor o conhecimento de tais trechos e

passagens do conto Negrinha e O jardineiro Timóteo onde ocorrem os possíveis

relatos de racismo e assim identificar a existência ou não de racismo vinda por parte

do próprio escritor. Mostrar com detalhes os personagens negros existentes em

cada um dos contos escolhidos e como eles são tratados por Monteiro Lobato.

Biografia de Monteiro Lobato

José Renato Monteiro Lobato nasceu no dia 18 de abril de 1882 em Taubaté,

era filho de José Bento Marcondes Lobato e Olímpia Augusta Monteiro Lobato.

Lobato foi para São Paulo em 1895 para prestar exames para o ingresso no

curso preparatório em que foi reprovado. Voltou, em 1896, para Taubaté para o

colégio onde, durante este período, colaborava no jornal estudantil O Guarani. No

final do ano foi aprovado no curso e foi para São Paulo estudar por três anos no

Instituto de Ciências e Letras. Em 1900 entrou na Faculdade de Direito de São Paulo

e lá fundou uma acadêmica e dois anos depois foi eleito Presidente da Arcádia

Acadêmica, onde colaborava com artigos sobre teatro para o Jornal Onze de Agosto.

Em 1904 Monteiro Lobato, formado, retornou a Taubaté, venceu um concurso

de contos e este foi publicado no Jornal Onze de Agosto. Em 1908 ele se casou com

Maria Pureza e entre 1909 e 1916 nascem seus quatro filhos. Em 1914 O Estado de

São Paulo publicou seus artigos “Velha Praga” e “Urupês”. Lobato começou a

colaborar na Revista do Brasil em 1916. Em 1917 O Estado de São Paulo publicou o

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artigo “A criação do estilo”. O Livro O Saci-Pererê: resultado de um inquérito foi

lançado no início de 1918, ano em que também foi lançado o livro de contos Urupês,

considerado um clássico na literatura brasileira.

Em 1926 Monteiro Lobato publica em “O Jornal”, do Rio de Janeiro, vários

artigos sobre Henry Ford; neste mesmo ano, Lobato concorreu e perdeu a eleição na

Academia Brasileira de Letras. Então em 1927, foi nomeado pelo presidente e foi

para Nova York assumir o cargo de adido comercial. De 1931 a 1940, Monteiro

Lobato envia um vasto documento a Getúlio Vargas com titulo “Memorial sobre

problema siderúrgico brasileiro”, a carta é considerada desrespeitosa; Lobato

recebeu e recusou o convite de Getúlio Vargas para dirigir o Ministério de

Propaganda. Em 1941 foi preso pelo Estado Novo e solto depois de 3 meses.

Em Fevereiro de 1942 um de seus filhos morre. Em 1944 ele, desta vez

recusou indicações para a Academia Brasileira de Letras. Em 1945 Recusou

também o convite para integrar a bancada de candidatos do Partido Comunista

Brasileiro e se integrou à delegação de escritores paulistas ao Congresso Brasileiro

de Escritores. Em 1946 ele se mudou para a Argentina para a edição de suas obras

completas pela Editora Brasiliense. Voltou ao Brasil em 1947 e em julho de 1948

faleceu durante a madrugada.

Pré modernismo

O Pré – Modernismo, Termo que tende a adiantar idéias e práticas

modernistas, foi o momento de transição nas escolas literárias já existentes na

época e o rompimento dos novos escritores com essas escolas. Isso se deu devido

aos grandes acontecimentos da época onde os autores literários tinham muito que

dizer; por isso a literatura era ampla no começo do século XX. Este momento, por

sua vez, não pode ser considerado como uma Escola Literária, pois não foi uma

ação e nem um movimento organizado, por isso podemos chamá-lo de fase.

Pode-se dizer que o parnasianismo e o simbolismo apresentam

características na poesia e o Realismo – Naturalismo apresenta ligações na prosa

de ficção. O pré – Modernismo é um momento crítico e de oposições, onde as

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classes sociais desprestigiadas ganharam espaço na literatura Brasileira. Os autores

optaram por poetizar cientificamente e/ou fazer o uso de regionalismos nas obras

literárias.

Uma das principais características deste período é o aparecimento das obras

renovadoras rompendo todo aquele vínculo com o passado. A partir daí, as obras

passaram a ser plenas de palavras “não- poéticas”, a usar um vocabulário chocante

e linguagem mais simples e informal; a denunciar a realidade brasileira; a deixar

bem claro sobre o Brasil regionalista do sertão nordestino, dos caboclos do interior e

dos subúrbios; a mostrar os tipos humanos desprestigiados e a enfatizar o que se

dava na política economia e no meio social da época, diminuindo assim a distância

entre a realidade e ficção.

Entre os escritores mais importantes dessa época estavam: Euclides da

Cunha, Lima Barreto, Graça Aranha, José Maria Toledo Malta, Augusto dos Anjos e

o autor em foco: Monteiro Lobato, que foi considerado um autor de contos

regionalistas que apresentou a realidade social e combateu a literatura militante.

Seguiremos com a análise dos contos Negrinha e O jardineiro Timóteo, para

que possamos identificar dentro destes, passagens de preconceito racial, ou não,

relacionadas a Monteiro Lobato.

Negrinha

O conto Negrinha relata a história de uma criança de sete anos, filha de uma

escrava que ficou órfã e foi criada pela patroa de sua mãe. A menina foi

praticamente repudiada pela senhora dona Inácia que a “cuidava”; pois era uma

senhora viúva, sem filhos e sem paciência com crianças, principalmente esta – a

filha da escrava. No conto, a Negrinha é apresentada assim:

Negrinha era uma pobre órfã de sete anos. Preta? Não; fusca, mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados. Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros anos viveram-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que a patroa não gostava de criança. (p.3)

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Os personagens negros de Monteiro Lobato costumam aparecer sempre

presos ou escondidos em lugares desfavorecidos e inferiores; justamente querendo

dar idéia do lugar que o negro ocupava na sociedade brasileira da época. Em um

trecho de seu artigo, “Século XX – A luta do negro continua” Claudia Lima afirma

que:

A discriminação é um mecanismo de manutenção da distância social que foi gerada no regime escravocrata, entre negros e brancos do mesmo modo, que, um e outro, foram produzidos no mundo escravocrata.

Também a esse respeito, Cibele de Guadalupe Sousa Araújo (2007, p. 27)

comenta:

A invisibilidade quando a questão racial é apagada...E a visibilidade permitida, quando o autor representa suas personagens negras confinadas a lugares subalternos, social e culturalmente desqualificados.

Monteiro Lobato viveu no período da passagem da escravidão para o

trabalho livre, a abolição da escravatura ainda estava muito recente, era o momento

da sociedade se acostumar com tal acontecimento e com isso Lobato criou várias

obras relacionadas a esse assunto. Dona Inácia caracteriza muito bem a sociedade

daquela época, no modo de pensar e agir perante os olhos dos outros, Para o

reverendo, era a melhor das criaturas. Podemos perceber nesse trecho do conto:

Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala de jantar), ali bordava, recebia as amigas e o vigário, dando audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora em suma – “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”, dizia o reverendo. (p. 3)

Perante a sociedade ela representa ser de um jeito, mas na realidade, diante

de Negrinha, é outra pessoa. DAMATTA (1991, p.42-43) enfatiza que:

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Trata-se, conforme já apontou um sociólogo brasileiro, Oracy Nogueira, de um tipo de preconceito racial que considera básicas as “origens” das pessoas, e não somente a “marca” do tipo racial, como ocorre no caso brasileiro. Desse modo, o nosso preconceito seria muito mais contextualizado e sofisticado do que o norte-americano, que é direto e formal. A conseqüência disso , sabemos bem, é a dificuldade de combater o nosso preconceito, que em certo sentido tem , pelo fato de ser variável, enorme e vantajosa invisibilidade.Na realidade, acabamos por desenvolver o preconceito de ter preconceito, conforme disse Florestan Fernandes numa frase Lapidar.

Dona Inácia também fazia parte daqueles indivíduos que mesmo após a

abolição não perdia o hábito de maltratar empregados negros. Esses trechos

retratam bem isso:

Mas não admitia choro de criança, Ai! Punha-lhe os nervos em carne viva. Viúva sem filhos, não a calejara o choro da carne de sua carne, e por isso não suportava o choro da carne alheia. Assim, mal vagia, longe, na cozinha, a triste criança, gritava logo nervosa:

--- Quem é a peste que está chorando aí?

Quem havia de ser? A pia de lavar pratos? O pilão? O forno? A mãe da criminosa abafava a boquinha da filha e afastava-se com ela para os fundos do quintal, torcendo-lhe em caminho beliscões de desespero.

--- Cale a boca, diabo!

No entanto aquele choro nunca vinha sem razão. Fome quase sempre, ou frio, desses que entanguem pés e mãos e fazem-nos doer. (p.3)

No entanto já percebemos o quanto Negrinha era destratada, passava fome e

frio e a mãe nada podia fazer, pois Dona Inácia não se preocupava com isso,

somente com ela mesma.

Negrinha ficou órfã aos quatro anos de idade e cresceu sendo destratada,

passando fome, frio e por vários castigos a cada ato que fizesse que irritasse a dona

Inácia. Sempre a reprimiam, como se pode perceber neste trecho:

Assim cresceu Negrinha – magra, atrofiada, com os olhos eternamente assustados. Órfã aos quatro anos, por ali ficou feito gato sem dono, levada a pontapés... Aprendeu a andar, mas quase não andava. Com pretextos de que à solta reinaria no quintal, estragando as plantas, a boa senhora punha-a na sala, ao pé de si, num desvão da porta. (p.4)

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O conto Negrinha, de Monteiro Lobato, contém claramente relatos de

preconceito ocorridos durante a maior parte do conto em relação à personagem

principal – a Negrinha, apelido este que por sinal já traz o preconceito de forma

implícita, pois em nenhum momento no conto, a personagem é chamada pelo seu

próprio nome. Com isso já se pode perceber que Negrinha não tinha identidade, era

tratada como um ser qualquer, não era gente. Negrinha, o nome pelo qual a

chamavam, se encaixa como uma representação de sua raça, pois, naquela época

os indivíduos negros eram praticamente apelidados e nunca chamados pelos

nomes.E Negrinha seguia assim, além de ser privada do próprio nome, também não

tinha direito nenhum de importância a todo ser humano como o livre arbítrio,

somente serviria as vontades de Dona Inácia. Monteiro Lobato, neste conto, parece

querer trazer uma lição de vida, moral para seus leitores e também um certo tipo de

denúncia à sociedade.

Neste conto, o narrador não é apresentado como personagem, e seu olhar

para a Negrinha era nobre, sempre tentando mostrar o quanto ela era humilde e

ingênua. A pequena ainda não sabia diferenciar o certo do errado e sempre se saía

mal com os seus atos:“... Não compreendia a idéia dos grandes. Batiam-lhe sempre,

por ação ou omissão. A mesma coisa, o mesmo ato, a mesma palavra provocava

ora risadas, ora castigos...” (p.4)

A nosso ver, Monteiro Lobato neste conto, não demonstra nem um pouco de

preconceito racial ou social, e sim tenta demonstrar ao máximo sua indignação em

relação a tal estado de abuso. Este conto segue um ritmo de denúncia sobre as

formas precárias que os negros viviam, o tempo deles era somente para atender

seus senhores, não tinham direito de expressão. Já se pode perceber em primeira

instância que, a negra em questão, é a personagem principal do conto; se ele fosse

tão preconceituoso, tal fato não ocorreria. Muitos críticos da época de Monteiro

Lobato até os dias de hoje, procuram demonstrar a imagem racista do escritor.

Podemos perceber neste trecho do artigo de Edgar Indalecio Smaniotto, “O

presidente Negro: síntese do pensamento racista de Monteiro Lobato” afirmações

sobre o preconceito racial existente direcionado ao próprio escritor Monteiro Lobato:

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O presidente negro, ainda hoje, é uma leitura importante, principalmente pelo fato de o autor não tentar esconder seu racismo, sob o manto de uma pretensa democracia racial. O livro de Lobato sintetiza um pensamento racista dominante na época, mas muitas vezes escondido em malabarismos retóricos. É um material indispensável para estender o pensamento racista que permeava a sociedade brasileira no início do século XX.

Em relação a tal trecho podemos dizer que, Monteiro Lobato se interessava

muito em expor nos seus textos temas relacionados ao racismo e tratamento do

negro na sociedade da época, e com isso Monteiro Lobato se tornou alvo dos

críticos e de outros escritores, que acreditavam que racista era ele, e não seus livros

e textos que procuravam demonstrar o pensamento racial daquela sociedade

tentando, até mesmo, corrigi-los com essas leituras. Nesta tentativa de querer

“consertar” o pensamento da sociedade, Monteiro Lobato declara o que ocorreu em

um trecho de O presidente Negro “ A nossa solução foi medíocre. Estragou as duas

raças, fundindo-as. O negro perdeu as suas admiráveis qualidades físicas de

selvagem e o branco sofreu uma inevitável penhora de caráter”. Então podemos

dizer que em todos os momentos Monteiro Lobato aborda tal tema para que assim o

leitor possa refletir e discutir sobre o assunto. Para LAJOLO (1998, p. 31):

Assim, se por um lado é possível ler o texto lobatiano como pleno de preconceito racial, por outro, a própria abordagem deste tema tem o mérito de suscitar a discussão e a reflexão acerca do assunto.

Lobato também dá bastante ênfase à questão dos apelidos pejorativos e

formas com que a Negrinha é chamada pela dona Inácia: “... Quem é a peste que

está chorando aí?...” “... Cale a boca diabo!...” Tal ênfase do autor, a nosso ver, é

para que o leitor possa analisar e se conscientizar do quanto isso pode ser ruim para

o individuo vítima de tal injustiça. Este trecho pode retratar bem isso:

Que idéia faria de si essa criança que nunca ouvira uma palavra de carinho? Pestinha, diabo, coruja, barata descascada, bruxa, pata-choca, pinto gorado, mosca-morta, sujeira, bisca, trapo, cachorrinha, coisa-ruim,

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lixo – não tinha conta o número de apelidos que a mimoseavam. Tempo houve em que foi a bubônica... (p.4)

Negrinha tinha no corpo as marcas da violência, pois dona Inácia era uma

pessoa que vinha da época do auge da escravidão, foi senhora de escravos, nunca

permitiria que dissessem que negro era igual a branco, para ela isso não existia. Ela

era daquelas que se a escrava se engraçasse para o lado do seu senhor, ou lhe

desrespeitasse de alguma forma, ela aplicava os mais perversos castigos. Ela

conservava Negrinha em um regime de escravidão e ninguém poderia reverter isso,

nem a abolição da escravatura. Podemos enfatizar esse posicionamento nesse

trecho:

Tinha de contentar-se com isso, judiaria miúda, os níqueis da crueldade. Cocres: mão fechada com raiva e nós de dedos que cantam no coco do paciente. Puxões de orelha: o torcido, de despegar a concha (bom! Bom! Bom! Gostoso de dar) e o a duas mãos, o sacudido. A gama inteira dos beliscões: do miudinho, com a ponta da unha, à torcida do umbigo, equivalente ao puxão de orelha. A esfregadela: roda de tapas, cascudos, pontapés e safanões a uma – divertidíssimo! A vara de marmelo, flexível, cortante: para “doer fino” nada melhor!

Era pouco, mas antes isso do que nada. Lá de quando em quando vinha um castigo maior para desobstruir o fígado e matar as saudades do bom tempo. (p. 5)

A respeito do fato de que o preconceito perpetuou-se, se estendeu para além

da escravatura, Monteiro Lobato afirma na seguinte frase: “O 13 de Maio tirou-lhe

das mãos o azorrague, mas não lhe tirou da alma a gana. Conservava Negrinha em

casa como remédio para os frenesis.”

Este é um dos comentários onde podemos perceber claramente o preconceito

presente no conto, preconceito este vindo por parte da personagem Dona Inácia,

não de Monteiro Lobato, pois, o narrador consegue perceber a igualdade

discriminatória entre dona Inácia e da sociedade daquela época, pois a maioria das

pessoas começou a seguir a lei, mas, dentro da alma de cada um continuava

existindo certa vontade de agir contra os negros e escravos, com certa indiferença.

Já que dona Inácia não poderia fazer nada mais que fosse contra a lei em relação à

Negrinha, então ela tinha que se contentar apenas com beliscões, puxões de orelha,

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cascudos e safanões, mas que às vezes se estendiam para um castigo maior e mais

doloroso. Como dona Inácia era uma pessoa muito religiosa, para o padre, ela fazia

a figura de caridosa, por cuidar de uma filha de escrava órfã e mal criada – nos

dizeres dela, ou seja, perante a sociedade ela se mostrava a melhor das criaturas,

não tinha defeitos, pré – conceitos e seguia a igreja tentando dar o máximo de si.

Logo entram em cena as duas sobrinhas de dona Inácia, que, acentuam a

diferença entre elas e a Negrinha e são descritas assim: “... Certo dezembro vieram

passar as férias com santa Inácia duas sobrinhas suas, pequenotas, lindas meninas

louras, ricas, nascidas e criadas em ninho de plumas...” (p. 6)

É perceptível a diferença entre elas, tanto social quanto racial. Ao ver as

meninas, Negrinha, se esquecendo de todos os castigos que teria recebido e que

ainda poderia receber, logo “aprontou “ mais uma. Ao ver que dona Inácia ficou feliz

em ver as duas sobrinhas brincando pensou que não haveria problema se ela

brincasse também, e mais uma vez, ela recebeu uma dura lição e ficou ferida

moralmente: “... Beliscão no umbigo, e nos ouvidos, o som cruel de todos os dias: Já

para o seu lugar, pestinha! Não se enxerga?...” (p. 6)

Mas o autor nesta parte do conto, mais uma vez, tenta mostrar que, os

adultos sim, percebem a diferença e enxergam desigualdades, pois para as crianças

– as sobrinhas da dona Inácia – a Negrinha não passava de uma criança como

qualquer outra, talvez um pouco ingênua, mas, não viam mais nenhum defeito nessa

pequena garota. Essa é a passagem em que as sobrinhas de Dona Inácia riem da

menina:

As meninas admiraram-se daquilo.

--- Nunca viu boneca?

--- Boneca? --- repetiu Negrinha. --- Chama-se boneca?

Riram-se as fidalgas de tanta ingenuidade. (p. 7)

E o escritor mais uma vez passa - nos a visão de que para a alma infantil,

todos os seres humanos são iguais:

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Varia a pele, a condição, mas a alma da criança é a mesma – na princesinha e na mendiga. E para ambos é a boneca o supremo enlevo. Dá a natureza dois momentos divinos à vida da mulher: o momento da boneca – preparatório – e o momento dos filhos – definitivo. Depois disso, está extinta a mulher. (p. 8))

Em relação a este trecho, a Negrinha ficou abismada de, pela primeira vez,

poder ver uma boneca, as sobrinhas da dona Inácia viram a vontade de pegar

naquele objeto nos olhos da pequena Negrinha, então ofereceram a linda boneca

para ela pegar. Negrinha ficou meio sem jeito e com medo de dona Inácia aparecer,

mas mesmo assim pegou a boneca e ficou longos instantes em êxtase perante

aquela situação que nem percebeu a sua senhora chegar, mas para a surpresa do

leitor, dona Inácia agiu completamente diferente:

Mas era tal a alegria das hóspedes ante a surpresa extática de Negrinha, e tão grande a força irradiante da felicidade desta, que o seu duro coração afinal bambeou. E pela primeira vez na vida foi mulher. Apiedou-se...” “... O que sobreveio foi a coisa mais inesperada do mundo – estas palavras, as primeiras que ela ouviu, doces, na vida:

--- Vão todas brincar no jardim, e vá você também, mas veja lá, hein? (p. 7)

Após todo o acontecido, Dona Inácia já não era mais a mesma, algo tocou

seu coração, e ela agia diferente, como o autor narra nesse trecho do conto: “Dona

Inácia, pensativa, já a não atazanava tanto, e na cozinha uma criada nova, boa de

coração, amenizava-lhe a vida.”

De acordo com ARAÚJO (2007, p. 28), “A Negrinha de Lobato sente, pensa e

reflete acerca do outro e de si mesma. Não é bicho, não é coisa, é gente.

Constatação a que a própria personagem só chega por meio do ato de brincar, do

conhecimento da boneca...” Nota-se nesse trecho do conto:

Negrinha, coisa humana, percebeu nesse dia da boneca que tinha uma alma. Divina eclosão! Surpresa maravilhosa do mundo que trazia em si e que desabrochava, afinal, como fulgurante flor de luz. Sentiu-se elevada à altura de ente humano. Cessara de ser coisa – e doravante ser-lhe-ia

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impossível viver a vida de coisa. Se não era coisa! Se sentia! Se vibrava! (p.8)

Após todo esse encantamento e descoberta por parte de Negrinha, chega o

dia que as meninas e a boneca teriam que partir, dezembro havia acabado e com

ele as férias se foram também. Este trecho do conto nos dará a idéia da grande

tristeza de Negrinha:

Negrinha , não obstante, caíra numa tristeza infinita. Mal comia e perdera a expressão de susto que tinha nos olhos. Trazia-os agora nostálgicos, cismarentos.” “Aquele dezembro de férias, luminosa rajada de céu trevas adentro do seu doloroso inferno, envenenara-a... (p. 8)

Negrinha não agüentou todo esse descontentamento e morreu. Podemos

dizer que esta morte se deu pelo fato de Negrinha não conseguir viver mais daquela

forma e naquelas condições após ter descoberto todo o seu valor e após descobrir

que tem muita vida lá fora; algo mais bonito e novo. Negrinha teve todo um momento

de descoberta em relação a se divertir, a conhecer o novo, a perceber que a vida de

uma criança não se resumia somente naquele “mundinho” que ela vivia, mas toda

essa ludicidade acabou. Monteiro Lobato descreve com detalhes sua morte:

Morreu na esteirinha rota, abandonada de todos, como um gato sem dono. Jamais, entretanto, ninguém morreu com maior beleza. O delírio rodeou-a de bonecas, todas louras, de olhos azuis. E de anjos...E bonecas e anjos remoinhavam-lhe em torno, numa farândola do céu. Sentia-se agarrada por aquelas mãozinhas de louça – abraçada, rodopiada.Veio a tontura; uma névoa envolveu tudo. E tudo regirou em seguida, confusamente, num disco. Ressoaram vozes apagadas, longe, e pela última vez o cuco lhe apareceu de boca aberta. Mas, imóvel, sem rufar as asas. Foi-se apagando. O vermelho da goela desmaiou...e tudo se esvaiu em trevas... (p. 8)

Se Monteiro Lobato fosse realmente racista daria tanta ênfase à morte de

uma escrava negra e sem nome?... Esta foi uma das formas que ele viu de “gritar”

para toda a sociedade que o negro também é gente. Conforme ARAÚJO (2007, p.

23):

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Podem mesmo alguns leitores se assustar e se indignar ao reconhecer no célebre Monteiro Lobato um escritor racista. No entanto, ao tempo de seus escritos, tais palavras figuravam não como desacato racial, mas como registro de sua época, marcada pela exploração, subordinação e

rebaixamento da raça negra.

O jardineiro Timóteo

O conto O jardineiro Timóteo nos revela fatos sobre a violência contra os

negros no Brasil, a destruição e o desrespeito da humanidade em relação à natureza

e também, nos leva a questionar a modernização que rondava a sociedade daquela

época.

Primeiramente, é possível também perceber que, neste conto, Timóteo é

apresentado como o personagem principal levando seu nome como título do conto.

Timóteo era um jardineiro negro que tinha descendência escrava. “ Quarenta anos

havia que lhe zelava dos canteiros o bom Timóteo, um preto branco por dentro.” Ele

plantou aquele jardim desde quando a casa estava sendo construída, e somente ele,

a partir dali, cuidou deste jardim. Timóteo é descrito assim:

Verdadeiro poeta, o bom Timóteo.

Não desses que fazem versos, mas dos que sentem a poesia sutil das coisas. Compusera, sem o saber, um maravilhoso poema sobre cada plantinha era um verso que só ele conhecia, verso vivo, risonho ao reflorir anual da primavera, desmedrado e sofredor quando junho sibilava no ar os látegos do frio. O jardim tornara-se a memória viva da casa. (p. 93)

O Jardineiro considerava muito o seu “senhor”, pois ele sempre o tratava

bem: “O canteiro principal consagrava-o Timóteo ao “Sinhô velho”, tronco da estirpe

e generoso amigo que lhe dera carta d’alforria muito antes da Lei Áurea.” Pode-se

dizer que Lobato tenta demonstrar, nessa parte do conto, o quanto os brancos

podem viver bem e em harmonia com os negros, pois não percebemos nenhum

registro de preconceito presente nesse conto.

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Para o Jardineiro, aquele jardim tinha toda uma simbologia, cada flor, cada

planta, tinha um significado importante e era em homenagem a alguém da casa.

Segue trecho referente à planta do Sinhô velho:

Bem no centro erguia-se um nodoso pé de jasmim do Cabo, de galhos negros e copa dominante, ao qual o zeloso guardião nunca permitiu que outra planta sobreexcedesse em altura. Simbolizava o homem que o havia comprado por dois contos de réis, dum imperador de escravos de Angola. (p.94)

Já a Sinhazinha tinha dois canteiros reservados em forma de coração, pois

quando se casasse, o outro canteiro ficaria para o Sinhô moço. Este era o canteiro

mais alegre, risonho e bonito: “tinha a propriedade de prender os olhos de quantos

penetravam no jardim.” Timóteo vivia muito bem com seus senhores, nada

atrapalhava o bom entendimento que ele tinha com aquela família, era sempre

cercado de carinho por parte de todos e, com Sinhazinha não era diferente, essa

parte do conto pode-se demonstrar bem isso:

Tal qual a moça, que desde menina se habituara a monopolizar os carinhos da família e a dedicação dos escravos, chegando esta a ponto de, ao sobrevir a Lei Áurea, nenhum ter ânimo de afastar-se da fazenda. Emancipação? Loucura! Quem, uma vez cativo de Sinhazinha, podia jamais romper as algemas da doce escravidão? (p.94)

Além de cada membro da família receber canteiros e flores, datas marcantes

também eram simbolizadas por certos tipos de plantas. Sinhazinha logo foi pedida

em casamento e Timóteo plantou o pé de flor-de-noiva para marcar aquele dia tão

especial. Quando o primeiro filho da Sinhazinha nasceu Timóteo plantou violetas. No

canteiro do Sinhô moço plantou “ Cravos vermelhos em auntidade, roseiras fortes,

ouriçadas de espinhos; palmas-de-santa-rita,de flolhas laminadas; junquilhos

nervosos.”

Após essas homenagens, O jardineiro Timóteo começou a exagerar, fazendo

anotações de tudo o que ocorria naquela fazenda, podemos perceber nesse trecho:

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Registrava tudo. Incidentes corriqueiros, pequenas rusgas de cozinha, um lembrete azedo dos patrões, um namoro de mucama, um hóspede, uma geada mais forte, um cavalo de estimação que morria – tudo memorava ele, com hieróglifos vegetais, em seu jardim maravilhoso...Além dessa comemoração anedótica, o jardim consagrava uma planta a cada subalterno ou animal doméstico.havia a roseira-chá da mucama de Sinhazinha; o sangue-de-adão do Tibúrcio; a rosa maxixe da mulatinha Cesária...Todos os cães que na fazenda nasceram e morreram, ali estavam lembrados pelo seu pezinho de flor...Os gatos também tinham memória. (p.95 e 96)

Lobato, nesse trecho do conto, procura mostrar a voz do personagem

principal, - Timóteo - mesmo que fosse em “forma de escrita, através das plantas”,

esse era o modo de exposição dele. Conforme BASTOS (2007, p. 81):

Narrativas ficcionais que encenam a voz dos subalternos, dos marginais da modernidade, dos analfabetos, – aqui exemplificados por Timóteo, personagem que conversa com as plantas, situado em um ponto intermediário entre o mundo dos seres humanos e o dos vegetais, e detentor de um saber especial, uma marca distintiva que os ricos e desatentos senhores não sabem reconhecer – estariam oferecendo resistência a esta escrita burguesa da história.

Timóteo não deixava que ninguém tocasse em seu jardim, somente ele

poderia colher as flores, pois sabia escolhê-las de acordo com o destino: “– Não

sabem, Sinhazinha! Vão lá e atrapalham tudo. Ninguém sabe apanhar flor...” Ele era

muito feliz, pois mesmo sem ter família, criou aquele jardim com todo o carinho,

uma família de flores. Trabalhava somente pelo amor que sentia por aquelas plantas

e conversava o tempo inteiro com a terra e com as flores. Ele imaginava as plantas

como seres vivos, para o jardineiro as plantas tinham cara, olhos e ouvidos. “O

jasmim-do-cabo, pois não é que lhe dava a bênção todas as manhãs? – E como não

falar, se tudo é criatura de Deus, hom’essa!...” (p. 97)

Estava tudo indo bem na fazenda, quando tocaram no assunto da reforma do

jardim, o Sinhô moço voltou de um passeio de São Paulo todo maravilhado

comentando das formas modernas de plantações que viu por lá. O jardineiro ficou

sabendo da conversa e “sentiu um gelo no coração”. Foi logo falar com a Sinhazinha

que decidiu ficar com o jardim da forma que estava. Mas um dia, a fazenda foi

negociada e dentro de poucos dias a escritura teria que ser passada para o novo

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dono. Timóteo após esta notícia parecia querer morrer, pois, isso para ele seria

como o fim do mundo, ter que ir embora e deixar seu jardim e suas flores para trás.

Foi direto falar com Sinhazinha novamente, mas, dessa vez o dinheiro falou mais

alto. A fazenda foi vendida e os patrões e as mucamas foram embora, Timóteo

decidiu ficar, mas para ele, o seu “senhor” era seu protetor, alguém que ele confiava

e que tinha muito afeto. A tristeza tomou conta dele, “pela primeira vez na vida

Timóteo se esqueceu de regar o jardim. Quedou-se plantado a um canto, a esmoer o

dia inteiro o mesmo pensamento: “- Branco não tem coração...”. Glaucia Soares

Bastos expõe em seu texto:

O jardineiro como personagem recupera portanto a idéia de trabalho, de cultivo, de execução, que esteve associada, durante séculos, à palavra jardim, mas que foi abandonada em prol da percepção da coisa pronta, no ato da fruição ou do consumo. (BASTOS, 2007, p. 80)

Os novos proprietários chegaram, eram do tipo de gente que adoravam

coisas da moda e cheias de luxo. Naquela época, as famílias ricas começaram a

introduzir novos tipos de plantas importadas, não só as plantas, mas também móveis

e decorações. Nesse período de modernização do séc. XIX, os proprietários de

terras e senhores de classes mais altas foram dominados pela sociedade da época,

recebendo assim influências do modernismo e fazendo mudanças em todos os

aspectos materiais sem se preocupar economicamente, mas, somente com status e

luxo perante a sociedade. Conforme BASTOS (2007, p. 82):

Lobato estaria desafiando, o “pensamento único”, exercendo uma força contra-hegemônica, colocando em circulação a alteridade de populações que a República e as elites tentavam ocultar para não manchar a imagem moderna da nação em construção.

Os novos senhores não gostaram de nada que tinha na casa, e decidiram

reformar tudo. Em relação ao jardim, deram gargalhadas. ”É incrível! Um jardim

destes, cheirando a Tomé de Sousa, em pleno século das crisandálias!” Todo

aquele jardim para Timóteo era fruto de muito trabalho, e o novo proprietário não se

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dava conta. Timóteo estava ali a ouvir tudo com dor no coração, como podemos

perceber nesse trecho:

Timóteo ouvia tudo com mil mortes n’alma. Não restava dúvida, era o fim de tudo, como pressentira: aqueles bugres da cidade arrasariam a casa, o jardim e o mais que lembrasse o tempo antigo. Queriam só o moderno. (p.100)

Os novos donos chamaram o Ambrogi para organizar o novo jardim para que

ficasse igual aos jardins ingleses. Nisso já começou a tratar com preconceito e

desrespeito o pobre Timóteo. Nessa segunda parte do conto, Lobato nos mostra um

tipo de pessoas diferentes. Pessoas essas, arrogantes e duras de coração. Pessoas

que não pensavam nenhum pouco no próximo. Essas foram às falas do novo dono:

- E para não perder tempo, enquanto o Ambrogi não chega ponho aquele macaco a me arrasar isto – disse o homem, apontando para Timóteo.

- Ó tição, vem cá!

- Olha, ficas encarregado de limpar este mato e deixar a terra nuazinha.quero fazer aqui um lindo jardim. (p. 100)

Aquele jardim para Timóteo significava muito e nunca ele poderia arrasá-lo,

arrancar tudo. Foi ele que deu início ao jardim, plantou uma por uma daquelas

plantas. De acordo com BASTOS (2007, p. 85):

O novo fazendeiro, representante da “modernidade” que despreza o passado, e com ele os saberes tradicionais, torna impossível para Timóteo a vida na fazenda. Além disso, ao apagar-lhe a história, arrancando uma a uma todas as páginas do livro que escrevera, inviabiliza também qualquer possibilidade de plano para o futuro. (p. 100 e 101)

Então o jardineiro resistiu e cheio de ódio e angústia no coração disse:

- Eu? Pois me acha com cara de criminoso?

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- Eu vou mais é embora daqui, morrer lá na porteira como um cachorro fiel. Mas, olhe, moço, que hei de rogar tanta praga que isto há de virar uma tapera de lacraias! A geada há de torrar o café. A peste há de levar até as vacas de leite! Não há de ficar aqui nem uma galinha, nem um pé de vassoura! E a família amaldiçoada, coberta de lepra, há de comer na gamela com os cachorros lazarentos!...Deixa estar, gente amaldiçoada!Não se assassina assim uma coisa que dinheiro nenhum paga. Não se mata assim um pobre negro velho que tem dentro do peito uma coisa que lá na cidade ninguém sabe o que é. Deixa estar, branco de má casta! Deixa estar, caninana! Deixa estar!... (p. 101)

O Jardineiro seguiu até a porteira ameaçando o fazendeiro. E sua morte se dá

assim:

Tudo adormecera na terra, em breve pausa de vida para o ressurgir do dia seguinte. Só não ressurgirá Timóteo. Lá agoniza ao pé da porteira. Lá morre. E lá o encontrará a manhã enrijecido pelo relento, de borco na grama orvalhada, com a mão estendida para a fazenda num derradeiro gesto de ameaça: - Deixa estar!... (p. 101)

Para Timóteo, a única maneira era esta, a morte como afirmação, logo após a

praga, pois ficaria para sempre relembrada sua história na mente dos que o

conheciam. A morte de Timóteo, também reflete, a nosso ver, o término de um

determinado tipo de sociedade. Sociedade esta de escravos livres, que com o tempo

deixavam de “existir” por não terem mais espaço na sociedade, ou seja, não eram

mais valorizados como mão-de-obra. De acordo com DAMATTA (1991, p. 46):

Realmente, estou convencido de que a sociedade brasileira ainda não se viu como sistema altamente hierarquizado, onde a posição de negros, índios e brancos está ainda tragicamente de acordo com a hierarquia de raças. Numa sociedade onde não há igualdade entre as pessoas, o preconceito zelado é forma muito mais eficiente de discriminar pessoas de cor, desde que elas fiquem no seu lugar e “saibam” qual é ele.

Conclusão

Concluímos através desta análise que, Monteiro Lobato, por sua vez,

procurava se expressar em suas obras, não visando um desacato racial à sociedade

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negra e sim para demonstrar a relação de exploração e desigualdade mantida contra

o negro daquela época.

Podemos dizer que, tanto no conto Negrinha quanto em O jardineiro Timóteo

existem várias formas de interpretação. Tais interpretações partiram da análise

textual dos contos assim como da visão dos críticos do autor. A esse respeito, LIMA

(2005, p.104) afirma que:

Cada texto expressa um momento do autor e cada título pode ter várias versões que podemos relacionar com o contexto maior. Algumas dessas histórias são bem construídas ou até inovam por darem visibilidade aos nossos personagens negros.

Monteiro Lobato foi influenciado por uma época marcada pela recente

abolição dos escravos, e cremos que não chegaremos a uma definição acerca da

manifestação de alguma forma de preconceito contra o negro, nem era esse o intuito

deste trabalho. O fato é que, preconceituoso ou não, Monteiro Lobato ao chamar

atenção para esse assunto faz com que o leitor reflita a respeito da situação do

negro naquele tempo, aliás, esta reflexão por parte do leitor é pertinente ainda nos

dias de hoje. Isto comprova mais uma vez que Monteiro Lobato foi um homem a

frente do seu tempo.

ABSTRACT: This article aims to analyze the figure of the black people from the tales chosen by Monteiro Lobato. The tales "Negrinha" and "O jardineiro Timóteo" are the main works analyzed in this assignment. Regarding the issue of prejudice or its absence in these tales of the author, we'll also try to identify, if the relevance of this prejudice comes from Lobato, or if he uses the insertion of this theme as a way to register events related to racial prejudice of that period. This search will be done thoroughly trying to point out the main point related to the term racism in the tales studied by Lobato and demonstrate that these facts reported in his writings can be a picture of the influences of the time.

Key Words: Monteiro Lobato. Prejudice. Critical. Reflection. Racism.

Referências

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DAMATTA, Roberto. Conta de mentiroso. Sete ensaios de antropologia brasileira. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

DAMATTA, Roberto. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco,

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

A VISÃO DO NEGRO NA LITERATURA DE MONTEIRO LOBATO

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Aparecida de Goiânia, ____ de dezembro de 2010.

EXAMINADORES

Orientadora – Profª. Dr. Michele Giacomet – Nota: ______ / 70

Primeiro examinador – __________________________ – Nota: ______ / 70

Segundo examinador – __________________________ – Nota: ______ / 70

Média parcial – Avaliação da produção do Trabalho: ______ / 70