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“TUDO SOBRE UMBANDA, CANDOMBLÉ E CULTOS AFRICANOS - CULTURA E RELIGIOSIDADE NEGRA”. Falando de Axé ANO I Edição 03 Julho de 2011 Òrìÿà do Mês Õsanyìn O Grande Mago das Folhas e Florestas Pretos Velhos Ancestrais que nos ensinam a Humildade Falando de Axé publica entrevista feita com o Saudoso Zélio Fernandino de Moraes, o Precursor da Umbanda

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“TUDO SOBRE UMBANDA, CANDOMBLÉ E CULTOS AFRICANOS - CULTURA E RELIGIOSIDADE NEGRA”.

Falando de Axé

ANO I — Edição 03 Julho de 2011

Òrìÿà do Mês

Õsanyìn — O

Grande Mago das Folhas e Florestas

Pretos Velhos — Ancestrais que nos ensinam a

Humildade

Falando de Axé publica entrevista feita com o

Saudoso Zélio Fernandino de Moraes, o Precursor da Umbanda

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EDITORIAL Por Hérick Lechinski (EjòtôlàT’Òÿúmarè)

Depois de dois meses fora do ar, a Revista Falando de Axé volta com a corda toda, na

batalha em prol da divulgação cultural e religiosa afro-brasileira.

À todos os nossos leitores pedimos desculpas, por este tempo que estivemos fora e pedimos

também, que nos entendam. E para compensarmos o tempo perdido, damos a

nossa palavra, que a partir de agora, cada mês a Falando de Axé se empenhará mais ainda na

divulgação e no ensinar da nossa fabulosa cultura e religiosidade afro-brasileira.

Esperamos de todo o coração, que gostem dos

novos artigos e que aguardem os futuros especiais da Revista. Esse mês ainda, nossos

leitores poderão conhecer um pouco mais sobre um dos mais fantásticos temas dentro

do culto, através do Especial: “Ìyámi Òsòròngà — Minha Mãe, Elegante Senhora do Pássaro da

Morte.”, que sairá nas próximas semanas...

Uma ótima leitura e boa sorte...

Wúre fún à.

O Editor

"Ninguém nasce o-diando outra pes-

soa pela cor de sua pele, por sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar, as

pessoas precisam aprender e, se po-

dem aprender a odiar, podem ser ensinadas a a-

mar."

(Nelson Mandela )

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ÍNDICE Epítetos de Òrúnmìlà Pág. 04 Òrìsà do Mês – Òsanyìn - O Grande Mago das Folhas e Florestas Pág. 06 Folha do Mês – Òsíbàtá – é que superam as águas do rio e também os inimigos Pág. 12 Zélio Fernandino de Moraes – O Prenunciador da Umbanda Pág. 14 Falando de Axé publica Entrevista feita com o Saudoso Zélio Fernandino de Moraes Pág. 16 Pretos Velhos – Ancestrais que nos ensinam a Humildade Pág. 21 Santo do Mês – Santa Ana, a Avó de Jesus Pág. 24 Raça Negra Pág. 28 A Ética e a Moral dentro da Cultura e Religiosidade Africana Pág. 30 Personalidades Negras – Carolina de Jesus Pág. 32 Intolerância e Homofobia podem estar levando religiosos à morte em Manaus Pág. 33 Livro do Mês – Conheça a Umbanda Pág. 35

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Epítetos de Õrúnmìlà –

Ifá

Por Zarcel Carnielli - Ômô Ifá Ilésire (Bàbá Òÿàláÿínà

Omigbàmi Ajétúnbí) Msn:

[email protected]

Os epítetos são na realidade ORÍKÌ, recitações que relatam características da divindade e as exaltam. Pois, para o povo yorùbá, a melhor forma de invocar uma energia é exaltando seus feitos e suas qualidades. Os epítetos de Õrúnmìlà-Ifá são vários, apresento neste texto alguns deles, com o intuito de contribuir um pouco, para a desmistificação dessa divindade aqui no Brasil. IFÁ OLÓKUN: Se traduzirmos literalmente ficará: Ifá o Senhor do Oceano. Mas, essa pequena palavra quer dizer muito mais que isso e pode ter várias interpretações. Uma delas é: Ifá é tão amplo quanto o Oceano, por isso seu culto exige total dedicação de seus sacerdotes e devotos. Outra idéia é de que, Olókun

(Deusa do Oceano) após ter ficado anos casada com Odùdúwà (pai do povo

yorùbá), foi casada com Õrúnmìlà-Ifá, e o titulo de senhor dos oceanos foi

atribuído à ele também. ÇLËRÌÍ ÌPÍN: Senhor que conhece o destino, aquele que está presente no momento que Olódùmarè (Deus) dá o sopro divino, aquele que conhece os pactos feitos por cada um de nós antes de virmos ao Àiyé (Mundo – Terra). Por isso,

através da iniciação de Ifá, o devoto conhece os mistérios que envolvem seu destino e sua existência. IBÌKEJÌ ÇLËDÙNMARÈ: A segunda pessoa em importância após Çlëdùnmarè

(Deus), ou seja, a importância de Ifá é tão grande, que, acima dele apenas está o Deus supremo do Õrún (Céu – plano espiritual).

ÕRÚNMÌLÀ AKÉRÉ FINÚ SÔGBÖN: Òrúnmìlà homem pequeno que usa o próprio interior como fonte de sabedoria. Esse epíteto deixa claro a sabedoria de Ifá, que é, de encontrar as respostas que ele necessita dentro dele mesmo.

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Essa sabedoria é ensinada aos iniciados em Ifá, de utilizar o próprio conhecimento interior para solucionar problemas do dia-dia. À GBÀIYÉ GBÕRUN: Aquele que vive no mundo visível e no mundo invisível, ou, o mais antigo nos dois mundos. Deixando claro, que Ifá está presente em todas as partes do universo. ÒKITÌBÌRÍ APA ÔJÖ IKÚ DÀ: O poderoso que altera o dia da morte. Através da iniciação de Ifá, se as pessoas agirem corretamente, tendem a garantir vida longa, pois, qualquer morte prematura que estiver no caminho da pessoa, Ifá tem o poder para cortar. ÔKÙNRIN ÀGBÔNMÌRÈGÚN: Homem do coquinho que nós nunca esquecemos. Lembrando a importância do IKIN (COQUINHO DE DENDÊ) dentro do culto de Ifá, e a importância de que, para que algo tenha força, é preciso que seja lembrado (cultuado). ÇRIGI A BÔLÀ: Aquele que ao ser venerado, traz a sorte, a prosperidade. Ressaltando que através de Ifá a pessoa reconquista sua sorte e sua prosperidade. ALÁDÉ: Senhor da coroa. O que possui uma cabeça tão boa que não perde a coroa, Ifá é o eterno rei da sabedoria, fonte inesgotável de informações e orientação. Por isso chamado de dono da coroa. São vários os epítetos para Ifá, chamados também de “nomes de louvor”, mas, nesse texto, procurei destacar os mais importantes e utilizados, pois, através deles, qualquer um pode saudar Ifá e também aprender um pouco mais sobre ele e sua importância na vida e no dia-dia da humanidade. Mais uma vez agradeço à todos os mestres que tive e tenho, Bàbá Kekeje (Antonio de Sàngó), Ìyá Dela (Marta de Õÿun), Bàbá Fábùnmi (ni iranti – in

memorian), Bàbá Awodiran e Bàbá King.

* Biografia consultada: CÂNTICOS DOS ORIXÁS NA ÁFRICA, Síkírù Sàlámì – Profº. Dr. King. Ed Oduduwa. * A Interpretação dos epítetos foram feitos por mim, baseado naquilo que pude entender de Ifá nesses 14 anos de iniciado, 14 anos que aprendi que Ifá não é apenas tão amplo como o Oceano, mas sim, tão amplo quanto o próprio Universo. Que Ifá abençoe a todos...

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Õsanyìn — O Grande

Mago das Folhas e Florestas

“Ewéeelére o Ilé Òmúsà Ewé Õsanyìn”

Òrìÿà do Mês

Õsanyìn (Oÿónyìn, Ossãe, Osaim, Ossanhe, Ossanha) é uma divindade que independente de como é chamado, conhecido e cultuado, seja no Culto Tradicional Iorubá – Êsin Yorùbá, ou nos cultos descendentes do mesmo, como o Candomblé, a Santeria Cubana ou ate mesmo a Umbanda, um fato é certo, não podemos negar sua importância e que dês dos nossos primeiros passados dentro da liturgia de algum desses cultos sua energia se faz presente e necessária ser cultuada.

Muitas dúvidas surgem em nossa mente a respeito do que vem a ser essa

divindade, e verdadeiramente o que vem a ser a sua real finalidade. Divindade da floresta? Divindade das folhas? Divindade da magia? Ou, até mesmo a divindade da Vida?

Sim, Divindade da Vida, ou ate mesmo do Re-nascimento, pois, não podemos negligenciar o fato de que desde o ingresso de uma pessoa dentro da Religião dos Orixás, quando a mesma “morre” para a sociedade e re-nasce para o Culto, até o fim de sua jornada dentro desta, as folhas estão presentes em tudo. Seja no primeiro Omièrõ (banho de folhas que acalmam e purificam), seja na lavagem e

preparação dos símbolos litúrgicos de adoração de um determinado Òrìÿà, também conhecidos como Ojúbô, ou ate mesmo na preparação do banho aonde será lavado nosso corpo nas cerimônias fúnebres - Ìsinkú, sempre encontraremos Õsanyìn.

São conhecidos diversos “relatos” de seu egoísmo e de sua insistência em

não compartilhar com as demais divindades os segredos das folhas, egoísmo esse, que levou os Orixás a buscarem uma maneira de se apoderarem de seu segredo. Onde a partir daquele momento, cada Orixá teve conhecimento de suas folhas. É sabido também que, apesar de Õsanyìn possuir o conhecimento das folhas (Àwôn Ewé), os Ôfõ’s (poemas de ativação, encantamentos que despertariam o axé de cada folha) seriam de conhecimento única e exclusivamente de Õrúnmìlà, porem

posso garantir que apesar de tudo isso, o segredo de Õsayìn vai muito além. Como Sacerdote (Bàbálawo) de Õrúnmìlà-Ifá, me foi passado às sete

principais maneiras de se preparar (montar, assentar) um Ojúbô Õsanyìn, ojubós estes, utilizados pelos Bàbálawo’s nas mais diversas situações. Os Bàbálawo’s

possuidores dos segredos de Õsanyìn são conhecidos como Adahunÿe:

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“...Kòògo egbòrò ìrin. Aképè nìgbá õràn kò sunwõn... Aquele que é tão forte quanto

uma barra de ferro. Aquele que é invocado quando

as coisas não estão bem...”

Os sete principais Ojúbô Õsanyìn montados pelos Bàbálawo’s Adahunÿe são: - Osanyin Elewu pupa - Osanyin Olode - Osanyin Alaro - Osanyin Olosun (Opa osun) - Osanyin Onimoriwo - Osanyin Onide - Osanyin Onigi

E assim como os Õsanyìn preparados pelos Àwòl’òrìÿà (Sacerdotes de Òrìÿà), os mesmos têm as mais variadas utilizações e finalidades dentro na liturgia tradicional iorubá.

Mas nada intriga mais, desperta mais curiosidade e derruba mais tabus do que o Òrìÿà Õsanyìn preparado pelos sacerdotes de Õsanyìn, os Olóõsanyìn ou pelos

conhecedores de sua liturgia, como os Oníÿçgùn (Médicos Herbalistas), ou ainda os Olóògùn (Magos Tradicionais Yorùbá).

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Um Olóògùn versado na liturgia de

Õsanyìn não necessita de instrumento divinatório, pois, seu próprio Òrìÿà (Õsanyìn) revela no momento da consulta, os motivos que levaram o consulente a sua casa, os acontecimentos passados que o levaram a essa situação, o correto tratamento baseado nos elementos presentes na Natureza e os acontecimentos futuros, desde que a pessoa esteja disposta a explorar as potencialidades energéticas que serão despertas após a realização do Ise (trabalho espiritual).

Questionando um dos meus

mestres, no inicio de minha jornada dentro da tradição e da liturgia de Õsanyìn, acerca da divisão de seus conhecimentos a respeito das folhas com as outras divindades e também da necessidade de se ter o ôfõ (encantamento) adequado pra que cada

Ise (trabalho espiritual) fosse

manipulado, o mesmo sorriu, coçou a cabeça e me disse assim: - Você realmente acredita que, um Òrìÿà que nos revela a hora que uma pessoa virá em nossa casa, o que será feito por essa pessoa, e inúmeras outras coisas mais, que nos acorda no meio da noite para nos avisar quando algo vai ocorrer, não teria conhecimento do que as outras divindades estariam tramando. E continuou dizendo: - Oògùnladé (Sérgio Borges), os Olóògùn’s são pacíficos, pois possuem o conhecimento da essência de sua divindade. E como Õsanyìn sabia o que

iria ocorrer, tendo conhecimento que essa disputa não cessaria, apenas compartilhou com as outras divindades aquilo que queria, guardando pra si, seu verdadeiro segredo e finalidade. Ainda buscando mais respostas, dei ênfase na questão da necessidade dos ôfõ (encantamentos) no preparo das magias e medicinas e então obtive a seguinte resposta:

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- Você sabe, que a iniciação de um Olóõsanyìn, ou de um Olóògùn e

composta de sete passos, certo? E que em um desses passos o mesmo recebe e deve engolir um Olugbohun (magia que faz com que nossas palavras voem com o

vento e tem o poder de fazer com que os nossos desejos aconteçam), um Afose

(magia para dar força à palavra) e um Epe (magia que dá poder de comando, usado para orar, abençoar e ate mesmo maldizer objetos animados e inanimados) e um Mayehun (ninguém recusa um pedido meu) e que isso passa a agir internamente, mesclado-se com sua própria essência. E que posteriormente o Olóògùn passará por um ritual semelhante ao Ajegun (ritual esse feito as mãos de um Bàbálawo que

potencializa os signos marcados no Ôpön Ifá e também as medicinas preparadas pelo mesmo) conhecido como Akôògùn, ritual esse que transforma o sacerdote de

Õsanyìn, naquilo que ele e normalmente conhecido: Akô (homem) Oògùn

(medicina; magia) = HOMEM MEDICINA = Mago.

Mas o que vem a ser um Olóògùn, ou um homem medicina = Akôògùn?

É um sacerdote que recebeu corretamente suas iniciações dentro dessa

tradição (Õsanyìn) e passa também a ser conhecido como Ômô Àiyé. Para

entendermos melhor o que é um Omo Àiyé, temos antes que entender que entre o

Õrun (Mundo Espiritual) e o Àiyé (Mundo Material), existe um espaço supra sensível que converge com o Õrun e o Àiyé, habitado por energias e espíritos poderosos como Èÿù, Ìyámi (Àjë), Oÿó, Êmêrê, Egúngún, Çgbë Worowo e todos os

Ajògún’s, e ao se transformar em um Ômô àiyé, o sacerdote em questão possui plenas condições de evocar e manipular essas energias buscando restaurar a ordem e o equilíbrio de sua comunidade, afastar pestes e ate mesmo guerrear, quando se torna extremamente necessário, pois, como foi dito anteriormente, o Olóògùn, por conhecer todas as possibilidades de seu sacerdócio, deve ser antes de mais nada um homem de paz.

E as mulheres, até onde podem ir dentro desse Culto - Õsanyin?

Conheci em Akaka, na Nigéria, muitas mulheres que manipulavam Õsanyìn e

que passaram por todos os rituais, sendo conhecidas como Aboògùn ou Mulher

Medicina. Porem, sempre são anciãs, as mais velhas da comunidade e só iniciam seu aprendizado mais elevado dentro dos segredos de Õsanyìn depois que seu

período menstrual chegou ao fim. Preconceito, machismo? Claro que não, é sabido por todos, que a regra menstrual e um dos maiores

tabus dentro nossa religião, pelo fato da mesma fazer com que a mulher se aproxime ao máximo da energia negativa de Ìyámi Àjë (Minha Mãe Feiticeira), e ao encontrar-se nessa situação energética, como a mesma ao ser acordada a noite por Õsanyìn, pode preparar uma medicina de cura, transformação ou prosperidade?

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Em uma de suas preces diárias o Olóògùn (Mago) começa saudando o Àiyé e

posteriormente algumas das energias que coexistem nessa maravilhosa dimensão:

Aiye mo júbà o! Aiye eu te saúdo! Eyin Iyami Eleye mejeje Iba o! A senhora dos pássaros eu te saúdo! Iya mi mo kan o emi ni omoaiye Iya mi eu te conheço, pois sou um omoaiye! Oso kelekeleija mo kan o, emi ni omoaiye! Feiticeiros eu vos conheço, pois sou um omoaiye! Emere mo kan wo emi ni omoaiye! Emere, eu te conheço, pois sou um omoaiye! Esu mo juba o, Esu ma se mi omo elomiran ni o se o! Iba Osanyin, Osanyin mo kan o emi ni omoaiye! Osanyin eu te saúdo, Osanyin eu te conheço pois sou um omoaiye! Kulukuluse e egungunmo kan o, egungun won a ni ki won o lo ile Osanyin! Egungun eu te conheço, todas as pessoas que vão ate a casa dos ancestrais, necessitam também ir ate Osanyin!

Logo, podemos concluir que ao possuirmos o verdadeiro conhecimento a respeito da tradição do culto a Õsanyìn, encontraremos todas as respostas aos

nossos anseios, desejos e duvidas, dentro dessa própria tradição.