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FESP – FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAIBA CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO VAMBERTO DE LIMA OLIVEIRA A SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 JOÃO PESSOA-PB 2009.1

FESP – FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAIBA … · do cônjuge e do companheiro sob a égide do ordenamento jurídico brasileiro. Objetiva apresentar ao leitor os aspectos gerais,

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FESP – FACULDADE DE ENSINO SUPERIOR DA PARAIBA

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

VAMBERTO DE LIMA OLIVEIRA

A SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO

NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

JOÃO PESSOA-PB

2009.1

2

VAMBERTO DE LIMA OLIVEIRA

A SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO

NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

Monografia apresentada ao Curso

de Graduação em Direito da FESP

FACULDADES, como requisito

parcial para a obtenção do título de

bacharel em Direito.

Orientadora: Dra. Helanne Barreto

JOÃO PESSOA-PB

2009.1

3

OLIVEIRA, Vamberto de Lima.

O 48s A sucessão do cônjuge e do companheiro no código civil de 2002/ Vamberto de Lima Oliveira – João Pessoa, 2009.

55 f

Orientadora: Profª Helanne Barreto Varela Gonçalves

Monografia (Graduação em Direito). Faculdade de Ensino Superior da Paraíba- FESP

1. Família. 2. União Estável. 3. Direitos Sucessórios. I titulo.

BC/FESP CDU: 347(043)

4

VAMBERTO DE LIMA OLIVEIRA

A SUCESSÃO DO CÔNJUGE E DO COMPANHEIRO

NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

BANCA EXAMINADORA

Profª Dra. Helanne Barreto

Orientadora

Membro da Banca Examinadora

Membro da Banca Examinadora

JOÃO PESSOA-PB

2009.1

5

AGRADECIMENTOS

Primeiramente a DEUS, a Nossa Senhora, pela dádiva da vida, e pela oportunidade

de fazer mais curso superior, que sempre estiveram ao meu lado me protegendo,

iluminando meu caminho, acalmando o meu coração nas horas das turbulências.

Em especial agradeço a minha esposa NARIMMAN aos meus três filhos

LAMARTINE, LEONIDAS E VAMBERTO FILHO que sempre me incentivaram para

que eu continuasse na caminhada que com certeza seria vitoriosa, aos demais

familiares que sempre transmitiram palavras de motivação e energia positiva.

À Minha professora, e orientadora Dra. HELANNE BARRETO VARELA

GONÇALVES, com seu saber jurídico, orientando quando necessário, a fim de que

este trabalho alcançasse o objetivo desejado.

A todos os professores da FESP, que tiveram sabedoria e paciência para transmitir

seus conhecimentos. A todos os meus colegas da turma B que passamos esses

cinco anos convivendo como uma verdadeira família.

6

RESUMO

Trata-se de monografia para conclusão de curso que versa a respeito da sucessão

do cônjuge e do companheiro sob a égide do ordenamento jurídico brasileiro.

Objetiva apresentar ao leitor os aspectos gerais, sociais e jurídicos acerca do tema,

enfocando a proteção jurídica das entidades familiares no âmbito do direito

constitucional e civil, delineando quais os tipos de entidades familiares protegidas e

suas origens. Trata-se de um tema que será sempre atual, haja vista que a união

estável está a cada dia ocupando mais espaço na formação de nossas famílias

deixando de lado o rigor formal do casamento, sem a pretensão de extingui-lo do

sistema normativo nem do meio social. A estrutura jurídica pátria, embora tenha

avançado bastante sobre o tema em comento, apresenta-se ainda com algumas

lacunas que devem ser observadas em relação ao convivente supérstite, inclusive

equiparando-o ao cônjuge sobrevivente, em respeito ao principio da isonomia e o

principio da dignidade da pessoa humana. Destarte, o presente trabalho tem o intuito

de apresentar argumentos sociais e jurídicos que fundamentam esta posição.

Palavras-chave: Família. União Estável. Direitos Sucessórios.

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 8

CAPÍTULO I - DIREITO DAS SUCESSÕES ................................................................................. 11

1.1 Acepção Jurídica de Sucessão ........................................................................................ 11

1.1.1 Escorço Histórico ............................................................................................................ 12

1.1.2 Espécies de Sucessão .................................................................................................. 14

1.1.3 Abertura da Sucessão ................................................................................................... 15

1.1.4 Da Ordem de Vocação Hereditária .................................................................................... 16

CAPÍTULO II - DO MATRIMÔNIO E DA UNIÃO ESTÁVEL ...................................................... 17

2.1 Entidades Familiares Constitucionalmente Proteg idas .................................................. 17

2.2 O Matrimônio .............................................................................................................................. 20

2.3 A União Estável .......................................................................................................................... 22

2.3.1 Lei nº 9.278 de 10 de maio de 1996. ................................................................................. 23

2.3.2 A União Estável no Código Civil de 2002 ......................................................................... 25

CAPÍTULO III - DA SUCESSÃO DO CÔNJUGE E COMPANHEIRO ...................................... 31

3.1 Escorço Histórico sobre os Direitos Sucessórios do Convivente ............................... 31

3.2 Os Direitos Sucessórios do Cônjuge no Código Ci vil de 2002 ..................................... 33

3.3 Os Direitos dos Companheiros na Sucessão Causas Mortis ........................................ 38

3.4 A Equiparação do Cônjuge e do Companheiro ................................................................. 44

3.4.1 A Concorrência entre o cônjuge sobrevivente e o companheiro supérstite ................ 46

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 49

REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 52

8

INTRODUÇÃO

O Direito almeja o ideal de justiça, e para que sempre caminhe dentro das

diretrizes que mais o aproxime deste ideal, ele precisa evoluir de acordo com a

sociedade a qual pertence. É cediço que o Direito Civil foi um dos ramos do Direito

que mais evoluiu em razão de suas peculiaridades no perpassar do tempo,

principalmente no tocante aos direitos sucessórios.

Dogmas patriarcais ruíram, injustos privilégios hereditários, como o direito de

primogenitura e a desigualdade sexual, não prevalecem hodiernamente. Todavia,

ainda existem muitas mudanças que vêm sendo implantadas paulatinamente na

legislação pertinente ao Direito Sucessório. A jurisprudência, por sua vez, vem

agindo com a ponderação que dela se espera, principalmente em busca da

equidade.

Com a entrada em vigor do novo Código Civil Brasileiro, em janeiro de 2003,

houve uma grande evolução no Direito pátrio, principalmente no tocante aos direitos

personalíssimos. Contudo, muitos dos problemas pertinentes a nossa sociedade

ainda não estão sob a égide de uma legislação direcionada a solucioná-los, haja

vista que, mesmo sendo tão recente, o aludido Código ainda não apresentou uma

legislação mais dinâmica que acompanhe as grandes e peculiares mudanças

sociais.

Todavia, o Novo Código Civil, acompanhando a evolução da família no

mundo contemporâneo, apresentou grandes inovações com o escopo de igualar e

uniformizar a transmissão hereditária de uma forma mais justa, incluindo o cônjuge

ou companheiro como herdeiro necessário. Ocorre que tal inclusão gerou muita

polêmica em razão da possibilidade de restringir os direitos dos descendentes e

ascendentes do de cujus, o que para alguns, a priori, pode gerar uma certa

insegurança jurídica a estes herdeiros.

Não obstante a isso, ainda podemos observar que ainda existem certas

limitações aos companheiros quando comparado ao cônjuge supérstite, que não

devem mais existir haja vista o Código Civil, comungando com os preceitos

constitucionais, reconheceu a relação estável, devendo, portanto, cada caso ser

analisado minuciosamente pelo operador do Direito.

9

Destarte, o presente trabalho monográfico tem por escopo precípuo

responder aos questionamentos: se existe a possibilidade da equiparação do

companheiro ao cônjuge para fins sucessórios de acordo com o ordenamento

jurídico pátrio, quais os direitos intrínsecos a eles e de que maneira as normas

Constitucionais e Civis e poderão servir de fundamentação ao magistrado em sua

decisão, procurando-se evitar a transgressão aos direitos inerentes aos demais

herdeiros?

Para o melhor estudo do tema, foi utilizada como técnica de pesquisa o

levantamento bibliográfico, pesquisando-se as principais obras sobre o tema,

legislações pertinentes, artigos publicados na Internet e jurisprudências. O método

epistemológico também fora utilizado para elucidar as questões relativas ao

fundamento dos princípios e a valoração das pessoas como corolário ao principio da

dignidade da pessoa humana. Como método de abordagem tivemos o dedutivo,

partindo de idéias gerais, tais como o conceito de dignidade humana, as entidades

familiares protegidas pela Constituição, das diretrizes estatutárias e civis, até chegar

à análise da a sucessão do cônjuge e do companheiro de acordo com o Código Civil

de 2002, seus limites e possibilidades.

Utilizou-se, ainda, como método de procedimento o método histórico,

procurando-se analisar historicamente o comportamento das sociedades antigas,

medievais e atuais, na formação da família e o desenvolvimento dos direitos

inerentes a esta instituição. Destarte, aponta-se o presente trabalho como uma

pesquisa interdisciplinar haja vista ser o tema de relevante importância para a

Sociologia e o Direito.

Com o intuito de estruturar o raciocínio lógico para o desenvolvimento da

discussão ora proposta, este trabalho científico encontra-se seccionado em três

capítulos.

No primeiro capítulo, observar-se-á, os direitos sucessórios, o seu

desenvolvimento histórico e o seu conceito dentro de um ordenamento jurídico de

um Estado democrático de direitos.

O segundo capítulo trata do desenvolvimento do conceito de entidades

familiares no Brasil, sua previsão constitucional e civil, discorrendo sobre o

matrimônio e dando ênfase à união estável. No terceiro capítulo, partindo-se das

idéias esposadas nos dois primeiros capítulos, constrói-se a defesa da possibilidade

da sucessão pelo cônjuge e companheiro de acordo com o Código Civil,

10

comprovando-se a possibilidade da equiparação deles para fins sucessórios em

razão do reconhecimento constitucional da união estável.

É exatamente neste último ponto, que repousa a importância da discussão,

pois diante do crescente surgimento de famílias constituídas por união estável na

sociedade contemporânea, negar amparo legal para que os conviventes possam

usufruir os direitos sucessórios uns dos outros fere, dentre outras coisas, a

dignidade humana.

Neste sentido, o presente trabalho monográfico tem por objetivo analisar os

diferentes posicionamentos a respeito do tema, e, diante do aprofundamento deste

estudo, pretende contribuir relevantemente com o mundo jurídico, que não pode

ficar alheio a tais questões, fazendo-se necessário que estudiosos e operadores do

Direito participem de forma ativa na busca, junto com a sociedade, de diretrizes que

venham ajudar a satisfazer as importantes questões referentes ao tema abordado.

11

CAPÍTULO I

DIREITO DAS SUCESSÕES

1.1 Acepção Jurídica de Sucessão

Em uma acepção latu senso, a palavra sucessão significa o ato pelo qual

uma pessoa toma o lugar de outrem, investindo-se, a qualquer título, no todo ou em

parte, nos direitos que lhe pertenciam.1 Por sua vez, suceder significa substituir,

tomar o lugar de alguém em uma relação jurídica. A etimologia da palavra sub

cedere tem exatamente o sentido de alguém tomar o lugar de outrem. 2

Nas palavras de Maria Helena Diniz, “juridicamente o termo sucessão indica

o fato de uma pessoa inserir-se na titularidade de uma relação jurídica que lhe

advém de uma outra pessoa”.3

Neste diapasão, a idéia de sucessão eclode na subsistência de uma relação

jurídica que sofreu alterações apenas em seus titulares, ou seja, quando o conteúdo

e o objeto da relação jurídica permanecem inalterados, mas ocorre uma mudança

em seus sujeitos, incide uma substituição, uma transferência, ou melhor, uma

transmissão do direito.

Assim, todos os modos derivados de aquisição de um domínio

correspondem a uma sucessão inter vivos, como, por exemplo, ocorre quando um

comprador sucede ao vendedor, o donatário ao doador, o cedente ao cessionário.

Todavia, no Direito das Sucessões, emprega-se o termo num sentido mais

estrito, indicando a transferência, total ou parcial, de herança, por morte de alguém,

a um ou mais herdeiros. Trata-se da sucessão causa mortis. Neste tipo de sucessão,

temos como pressuposto a morte do autor da herança (de cujus). Apenas após este

1 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Sucessões. 36 ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 2 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direito das sucessões, v.06, 8 ed. São Paulo: Atlas, 2008 p.1 3 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2008 p.13

12

evento o herdeiro torna-se titular, sucedendo ao defunto, tornando-lhe o lugar como

sujeito da relação jurídica.

Carlos Roberto Gonçalves explica que “ a expressão latina de cujus é

abreviatura da frase de cujus sucessione (ouhereditatis) agitur, que significa ‘aquele

de cuja sucessão (ou herança) se trata”4

A Sucessão causa mortis é o meio de aquisição pelo herdeiro, a título

universal ou particular, do patrimônio do de cujus, passando aquele a ocupar a

situação jurídica deste na relação.5

1.1.1 Escorço Histórico

O direito sucessório remonta à mais alta antiguidade, desde o surgimento da

propriedade privada. Com características fortemente patriarcais, privilegiando

sempre os varões e os primogênitos, objetivava conservar a propriedade nas mãos

de um só ramo familiar e manter seus laços religiosos. Em Roma, por exemplo, o

sucessor não era apenas herdeiro patrimonial, mas também tinha a obrigação de dar

continuidade ao culto doméstico, mantendo as tradições religiosas da família, haja

vista que cada uma possuía uma religião própria e específica, independentemente

do restante da sociedade6.

No Mundo Antigo prevalecia a regra que se o de cujus deixava filho e filha,

esta não herdava, ou porque a lei assim determinava, ou porque seu quinhão

hereditário restringia-se ao dote entregue ao seu marido na composição do

casamento. Entre os homens prevalecia o primogênito, que herdava a totalidade da

herança, tornando todos os demais irmãos subordinados a ele social e

economicamente.

Silvio de Salvo Venosa enfatiza que no direito oriental antigo, apesar de se

ter noticias de testamento entre os hebreus, prevalecia a sucessão sem testamento,

sendo peculiar a faculdade do pai distribuir o seu patrimônio ainda em vida entre

seus herdeiros. Já os gregos e romanos admitiam as duas formas de sucessão.

4 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, v. 07: direito das sucessões. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 2. 5 DINIZ, Maria Helena. op. cit.,p.14 Nota 3. 6 VENOSA, Sílvio de Salvo. op. cit.,p.2-3. Nota 2.

13

Contudo, para os gregos a sucessão por testamento só era admitida na ausência de

filhos, já para os romanos, a sucessão testamentária era a regra, para assegurar a

continuidade do culto familiar.7 Ser herdeiro nem sempre significava uma coisa boa,

haja vista que o patrimônio do de cujus se misturava ao do herdeiro e este arcava

com todas as dívidas daquele independentemente de quanto herdara.

As civilizações antigas, rigidamente patriarcais, tinham por escopo precípuo

fortalecer o pátrio poder, mantendo sempre os filhos e filhas submissos a vontade

exclusiva do pai, em razão disto o direito sucessório apresentava diversas causas

onde se aplicariam a deserdação, algumas sem qualquer motivo plausível.

Com o perpassar do tempo, o direito das sucessões fora evoluindo. Nas

palavras de Carlos Roberto Gonçalves

Com a Revolução Francesa, aboliu-se o direito de primogenitura e o privilégio da masculinidade, de origem feudal. Assim, os que eram concedidos ao herdeiro varão e ao primogênito pertencem agora ao passado, encontrando-se expungidos do direito civil.8

Pode-se afirmar que dos ramos do Direito Civil, o Direito Sucessório fora o

que mais sofreu mutações ao longo do tempo9, ruindo a desigualdade entre o sexo e

os privilégios do primogênito, bem como as causas de deserdação banais, haja vista

que estas passaram a ser taxativas e fundadas em razões graves.

Poucas são as sociedades que persistem tais diferenciações sucessórias em

tempos hodiernos, como ocorre na Escócia e nos países que adotam o direito

islâmico, pois com a evolução do direito, principalmente no tocante aos direitos

humanos fundamentais alicerçados pelo principio da dignidade da pessoa humana,

não há porque haver distinções entre sexo ou idade. O direito moderno procura

aplicar o principio da isonomia também na transmissão hereditária, procurando

buscar um justo equilíbrio na distribuição do patrimônio do de cujus, sem

necessariamente ferir sua ultima vontade. A própria ordem de vocação hereditária e

a responsabilização do herdeiro sobre as dívidas deixadas pelo de cujus somente no

que corresponder ao seu quinhão hereditário são evoluções mais justa e generosas

7 Idem, ibidem. p.3 8 GONÇALVES, Carlos Roberto. op. cit., p. 5. Nota 4. 9 MONTEIRO, Washington de Barros. op. cit.,p.2 Nota 1.

14

contidas no Direito Sucessório hodierno, principalmente no ordenamento jurídico

pátrio, como demonstraremos mais adiante.

1.1.2 Espécies de Sucessão

Maria Helena Diniz10 classifica a sucessão no direito civil pátrio de duas

maneiras: quanto à fonte e quanto aos seus efeitos.

Quanto à fonte de que deriva, a sucessão pode ser testamentária, oriunda

de testamento válido ou de disposição de última vontade do de cujus, ou ab intestato

(legítima), quando resulta de lei em casos como o de nulidade, anulabilidade,

ausência ou caducidade do testamento.

Determina o artigo 1.788 do CC que se o falecido não deixou testamento, a

sucessão será ab intestato, ocorrendo a transmissão de seu patrimônio às pessoas

elencadas na lei, observando-se à ordem de vocação hereditária contida no artigo

1829 do Código Civil. Se o de cujus optou por testar, a liberdade de disposição de

sua ultima vontade não é plena, haja vista que a legislação pátria determina que se

existirem herdeiros necessários (cônjuge supérstite, descendentes e ascendentes) o

testador só poderá dispor de metade de seus bens, deixando a “legítima” parte

pertencente àqueles herdeiros.

Destarte, em nosso ordenamento jurídico a sucessão legítima ou ab

intestato é a regra, e a testamentária é a exceção, muito embora o direito pátrio

admita a possibilidade da existência simultânea dessas duas espécies de sucessão,

haja vista que dispõe a segunda parte do artigo 1.788 do CC que se o testamento

não abranger a totalidade dos bens do de cujus, a parte do seu patrimônio não

aludida no instrumento é transmitida aos herdeiros legítimos, conforme a ordem de

vocação hereditária e os demais bens são transmitidos aos herdeiros testamentários

e aos legatários.

Já quanto aos seus efeitos, a sucessão pode ser a título universal, quando

ocorre a transferência total da herança ou de parte indeterminada dela, tanto no

ativo quanto no passivo, para o herdeiro do falecido que passa a representá-lo e

10 DINIZ, Maria Helena. op. cit.,p.15. Nota 3.

15

pode ser a título singular quando o de cujus transfere ao legatário apenas objetos

certos e determinados, não respondendo, portanto, pelas dívidas, haja vista que

possui apenas titularidade jurídica de determinada relação, como por exemplo,

quando recebe uma jóia, um carro, uma casa determinada, sem representá-lo.

1.1.3 Abertura da Sucessão

A abertura da sucessão se dar com a morte do de cujus, haja vista que

inexiste herança de pessoa viva. Segundo Maria Helena Diniz, “a morte é o fato

jurídico que transforma em direito aquilo que era, para o herdeiro, mera expectativa;

deveras, não há direito adquirido a herança senão após o óbito do de cujus”.11

Neste diapasão, constituem pressupostos de abertura da sucessão o

falecimento do de cujus e a sobrevivência do herdeiro, para que possa-lhe tomar o

lugar na relação jurídica. Cumpre salientar que o momento do falecimento precisa

ser devidamente provado por atestado, devidamente assinado por médico

competente, e certidão de óbito emitida pelo Cartório oficial de registro Civil e na

ausência destes documentos, admite-se em direito provar o alegado através de

confissão, documento, testemunha, presunção ou perícia,conforme o artigo 212 do

CC.

Essa transmissão de direitos ocorre automaticamente, ipso iure. Ou seja,

mesmo que os herdeiros ignorem o fato do falecimento, ocorre a transmissão da

herança, independentemente de qualquer ato por parte deles. Só a partir do

falecimento é que podemos falar em herança, haja vista que esta nada mais é senão

o conjunto de direitos e obrigações que se transmitem, em razão da morte, a uma

pessoa ou um conjunto de pessoas que sobreviveram ao falecido.

Excepcionalmente a legislação civil pátria permite a sucessão provisória e

definitiva em caso de morte presumida do ausente, em razão da inconveniência

social e econômica que ocorre no abandono do patrimônio em razão do afastamento

do domicilio de seu titular. Porém, tal sucessão assume em razão de sua

11 Idem, ibidem. p.22

16

peculiaridade forma diferente da sucessão por óbito comprovado, devendo observar

certas formalidades para que ocorra a abertura da sucessão pelo ausente.

Como já citamos algures, o herdeiro, seja ele legitimo ou testamentário, deve

sobreviver ao de cujus nem que seja por alguns instantes, um segundo apenas, para

que os bens deste se incorporem aos daquele, transmitindo aos seus herdeiros os

bens adquiridos. Todavia, se parentes sucessíveis entre si falecerem num sinistro,

sem que exista a possibilidade de se verificar quem veio a falecer primeiro, aplicar-

se-á a figura jurídica da comoriência, determinada pelo artigo 8º do CC, presumindo

a morte simultânea de ambos e como corolário, os seus respectivos herdeiros serão

chamados de acordo com a vocação hereditária como se os comorientes não

fossem parentes.

1.1.4 Da Ordem de Vocação Hereditária

O Código Civil de 2002 não alterou a ordem de vocação hereditária

disposta no vetusto Código de 1916, mas inovou ao incluir o cônjuge sobrevivo no

rol dos herdeiros necessários, conforme dispõe o seu artigo 1.845, e como corolário

determinou que este concorresse com os demais herdeiros necessários

(descendentes e ascendentes) desde que fossem preenchidos certos requisitos que

veremos mais adiante.

Assim, ocorrendo a sucessão ab intestato, a herança do de cujus é

transmitida aos seus herdeiros legítimos expressamente indicados no artigo 1.829

do Código Civil de 2002, de acordo com uma ordem preferencial estabelecida neste

artigo que busca se assemelhar a vontade do falecido em transmitir o seu patrimônio

aos seus descendentes, ascendentes, cônjuge, colaterais até o quarto grau, e

somente na ausência de todos eles, é que o patrimônio será destinado ao erário,

respeitando sempre o critério de que uma classe exclui a outra, exceto o cônjuge

que concorre com os seus antecessores conformes os ditames legais que

analisaremos mais adiante.

17

CAPITULO II

DO MATRIMÔNIO E DA UNIÃO ESTÁVEL

2.1 Entidades Familiares Constitucionalmente Proteg idas

A Constituição Brasileira ao traçar normas de proteção à família nos

parágrafos 3º e 4º do artigo 226 da Carta Magna amplia os conceitos jurídicos em

relação à formação da entidade familiar que extrapola o entendimento anterior onde

só era reconhecida como família a união resultante do matrimônio. Dispõe o artigo

226 da CF e seus aludidos parágrafos:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. (...) § 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

Assim a Constituição Federal reconhece explicitamente como entidade

familiar não só a constituída sob a égide do casamento, como também a união

estável e a comunidade monoparental. Todavia, da leitura desse artigo decorrem

correntes doutrinárias divergentes sobre o conceito de entidade familiar e uma

suposta hierarquia formada sobre elas.

A maioria dos doutrinadores pátrios interpreta que o art. 226 da Constituição

ao descrever os três tipos de entidades familiares, estabelece taxativamente que se

encontram sob a sua tutela apenas estas entidades explicitamente previstas,

configurando numerus clausus. Dentre eles ainda existem aqueles que acreditam

que, mesmo que a Constituição Brasileira tenha elencado os três tipos de entidades

familiares, ainda predomina em nosso ordenamento jurídico a supremacia do

18

casamento como modelo de família, devendo ser, portanto, a tutela concedida às

demais entidades de caráter limitado. Paulo Luiz Netto Lobo derruba com muita

propriedade a argumentação desses doutrinadores, afirmando que

O principal argumento da tese I, da desigualdade, reside no enunciado final do § 3o do art. 226, relativo à união estável: “devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”. A interpretação literal e estrita enxerga regra de primazia do casamento, pois seria inútil, se de igualdade se cuidasse. Todavia, o isolamento de expressões contidas em determinada norma constitucional, para extrair o significado, não é a operação hermenêutica mais indicada. Impõe-se a harmonização da regra com o conjunto de princípios e regras em que ela se insere. Com efeito, a norma do § 3º do artigo 226 da Constituição não contém determinação de qualquer espécie. Não impõe requisito para que se considere existente união estável ou que subordine sua validade ou eficácia à conversão em casamento. Configura muito mais comando ao legislador infraconstitucional para que remova os obstáculos e dificuldades para os companheiros que desejem casar-se, se quiserem, a exemplo da dispensa da solenidade de celebração. Em face dos companheiros, apresenta-se como norma de indução. Contudo, para os que desejarem permanecer em união estável, a tutela constitucional é completa, segundo o princípio de igualdade que se conferiu a todas as entidades familiares. Não pode o legislador infraconstitucional estabelecer dificuldades ou requisitos onerosos para ser concebida a união estável, pois facilitar uma situação não significa dificultar outra.12

Por outro lado, existem ainda os doutrinadores que, mesmo defendendo que

a Constituição fora taxativa ao elencar as três entidades acima citadas, acreditam

que inexiste qualquer desigualdade entre os três tipos, não havendo o que se falar

em primazia do matrimônio, visto que a Carta Magna assegura liberdade de escolha

das relações existenciais e afetivas que previu, com idêntica dignidade, levando em

conta a supremacia da dignidade humana do indivíduo formador da entidade

familiar.

Nas palavras de Carlos Eduardo Pianovski Ruzyk

A nova ordem constitucional, ao consagrar a proteção da família na pessoa de cada um dos seus membros, rompe com a racionalidade dos modelos fechados, abraçando a concepção plural de família que sempre esteve presente na sociedade, ainda que sujeita a estigmatizações e à marginalidade. A Família na Constituição de 1988 não tem por fonte primária e exclusiva um ato formal, solene, encoberto pelo manto exclusivo

12 LÔBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 53, jan. 2002. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2552>. Acesso em: 18 out. 2008.

19

da legitimidade jurídica, mas, sim, nasce e se mantém nos acordes do leimotiv do afeto.13

De fato, parece-nos mais coerente a corrente da igualdade entre as

entidades familiares, haja vista que em decorrência natural do pluralismo

reconhecido pela Constituição, deve ser defendido o princípio da igualdade das

entidades, respeitando-se o princípio da liberdade de escolha decorrente do

princípio maior da dignidade da pessoa humana. Cada ser humano tem a liberdade

de escolher e constituir a entidade familiar que melhor corresponda aos seus

anseios, à sua realização existencial, haja vista que antes de qualquer outro, o

ambiente familiar deve ser aquele que ofereça aos seus integrantes um ambiente

estruturado e feliz.

Há ainda doutrinadores que procuram diferenciar o termo família da

expressão entidade familiar. Para Maria Helena Diniz, por exemplo, o conceito em

sentido amplo de família abrangeria tanto a entidade familiar e a família em sentido

estrito, sendo que este tipo de família funda-se no casamento civil e no religioso com

efeito civil, e a entidade familiar, por sua vez, é simplesmente a união estável ou a

comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes,

independentemente da existência de vínculo conjugal que a tenha dado origem.14

Já para Lourival Silva Cavalcanti15, as expressões família e entidade familiar

em nada se diferem, sendo, portanto, sinônimas. Todavia, não podemos deixar de

ressaltar que o escopo da Carta Magna não foi em momento algum diferenciá-las, e

sim garantir sua efetiva proteção, independentemente de sua formação ou origem.

Desta forma, são entidades familiares constitucionalmente protegidas

aquelas formadas tanto sob a égide do casamento, quanto àquelas formadas pela

união estável ou ainda as formadas pela comunidade monoparental. Esta ocorre

quando existe apenas um dos pais e sua prole, independentemente de qualquer

vínculo conjugal anterior, como por exemplo, as famílias formadas por mães

solteiras e seus filhos, tão comuns hoje em nossa sociedade.

13 RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias simultâneas: da unidade codificada à pluralidade constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 163. 14 Cf. Maria Helena DINIZ, op. cit.,. p. 379. Nota 3. 15 CAVALCANTI, Lourival Silva. União estável. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 37.

20

Ora, a Carta Magna não poderia deixar sem proteção este tipo de família,

simplesmente por ausência de instrumento formal (matrimônio), sob pena de violar a

dignidade dessas pessoas.

Doravante, iremos esmiuçar a formação familiar sob a égide do matrimônio e

seus efeitos, para posteriormente adentrarmos nas famílias oriundas da união

estável.

2.2 O Matrimônio

O casamento é, sem sombra de dúvidas, o embrião mais comum e mais

aceito na formação de uma família, desde os tempos mais antigos. O Código Civil

Brasileiro de 1916, somente admitia como entidade familiar aquela instituída pelo

casamento, seguindo-se as conformidades legais. Neste sentido, somente a família

constituída sob a égide do matrimônio possuía a proteção estatal.

Isso perpetuou durante muitos anos, até o advento da Constituição de 1988,

que como já vimos alhures, ampliou o conceito de família, admitindo as entidades

familiares formadas pela união estável ou apenas por um dos pais e seus filhos.

Contudo, o casamento ainda continua sendo um meio de constituição familiar,

seguindo os ritos e solenidades para a sua efetividade, merecendo um breve estudo

a respeito de seus requisitos e impedimentos.

Para que o casamento seja válido, faz-se mister a observância da

capacidade para contrair matrimônio e que também inexista qualquer um dos

impedimento elencados no artigo 1.521 do Código Civil.

Assim dispõe o nosso Código Civil em seu art. 1.511 que “o casamento

estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres

dos cônjuges”. Trata-se, pois, de uma união de pessoas ligadas pelo afeto mútuo,

que decidem construir uma vida em comum, almejando a constituição de uma prole,

sua educação, bem como a construção de um patrimônio comum.

21

Para Washington de Barros Monteiro o casamento é “a união permanente

entre o homem e a mulher, de acordo com a lei, a fim de se reproduzirem, de se

ajudarem mutuamente e de criarem os seus filhos” 16.

Já nos dizeres de Silvio Rodrigues, o casamento é “o contrato de direito de

família que tem por fim promover a união do homem e da mulher de conformidade

com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se

prestarem mútua assistência.” 17

Neste sentido, casamento seria um contrato solene estabelecido entre duas

pessoas e regido em conformidade com a lei civil. Realiza-se no momento em que o

homem e a mulher manifestam, perante o juiz ou sacerdote, a sua vontade de

estabelecer vínculo conjugal e ele os declara casados na forma da lei, conforme

dispõe o artigo 1.514 e 1.515 do Código Civil.

São pessoas capazes para contrair o matrimônio qualquer homem e mulher

maior de dezoito anos. Os maiores de dezesseis anos também poderão casar-se,

desde que devidamente autorizados por ambos os pais, ou por seus representantes

legais, enquanto não atingida a maioridade civil. Quando, injustamente, um dos pais,

ou ambos, recusar-se a autorizar o matrimonio de seu filho, o juiz poderá supri-la,

conforme determina o artigo 1.519 do Código Civil.

Convém ressaltar que, a legislação civil pátria, em seu artigo 1.520 permite

excepcionalmente o casamento de alguém que não atingiu a idade núbil nos casos

em que se apresente gravidez ou ainda para evitar imposição ou cumprimento de

pena criminal.

Contudo, são impedidos de contrair matrimônio os ascendentes com os

descendentes, seja o parentesco natural ou civil, ou seja, os pais não podem se

casar com os filhos, nem os padrastos poderão se casar com suas enteadas. Os

afins em linha reta também são impedidos de casar-se entre si, bem como o

adotante com quem foi cônjuge do adotado, o adotado com quem o foi do adotante e

o adotado com o filho do adotante.

Os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau

inclusive também não podem casar-se entre si. O cônjuge sobrevivente também se

16 MONTEIRO, Washington de Barros. op. cit.,, p. 22. Nota 1. 17 RODRIGUES, Silvio. Direito Civil, Direito de família – volume 6. 28 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 19

22

encontra impedido de casar-se com o condenado por homicídio ou tentativa de

homicídio contra o seu consorte.

Resta esclarecer que as pessoas que já são casadas, em razão da adoção

da monogamia pelo nosso ordenamento jurídico, não podem contrair novo

matrimônio na vigência do primeiro.

O casamento por ser um contrato, gera como qualquer outro, direitos e

obrigações entre as partes, tais como deveres de fidelidade, assistência mútua e

direitos sucessórios. Embora a natureza deste contrato estipule a livre vontade das

partes, anteriormente a Constituição de 1988 o casamento apresentava-se como

uma imposição a todos aqueles que desejavam constituir uma família juridicamente

protegida, visto que até a prole era tida como ilegítima.

Hodiernamente podemos afirmar com mais propriedade que o casamento é

realizado de acordo com a livre vontade das partes, visto que, com a ampliação dos

modos de formação de uma entidade familiar juridicamente reconhecida, tornou-se

de fato algo opcional, que pode deixar de ser realizado sem que com isso ocorra

qualquer prejuízo moral ou material as partes envolvidas.

2.3 A União Estável

A sociedade ocidental sempre defendeu a formação familiar oriunda do

casamento, e o concubinato, embora fosse uma realidade fática, sempre fora

marginalizado, principalmente por influências religiosas. O casamento, como já fora

dito, era a única forma reconhecida juridicamente para a constituição de uma família,

devendo sempre o homem e mulher que desejassem constituir família aderir aos

seus ritos e normas.

Contudo, a realidade demonstrava cada vez mais a presença de pessoas

que, muito embora não fossem casadas, habitavam em um mesmo lar,

relacionavam-se intimamente e tinham filhos em comum. Essas pessoas não

poderiam continuar sendo marginalizadas. Os seus direitos provenientes desta

relação deveriam ser devidamente tutelados pelo ordenamento jurídico pátrio e os

23

seus filhos não poderiam continuar sofrendo discriminações por não serem

resultantes de um casamento.

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o principio da dignidade da

pessoa humana passou a ser o alicerce de todo o ordenamento jurídico pátrio,

assim, as formalidades do casamento passaram a ser colocadas de lado quando

confrontadas com a dignidade humana. A família, núcleo da sociedade, permanece

protegida, todavia, não mais como uma estrutura autônoma e superior. Esta

proteção jurídica justifica-se em razão de sua função social, de sua importância para

desenvolvimento pessoal sadio de seus integrantes, e não mais em razão da

simples existência de um vínculo formal.

Assim, a Carta Magna no parágrafo 3º do artigo 226 reconheceu a união

estável, notória e prolongada entre homem e mulher, vivendo ou não sob o mesmo

teto, sem vínculo matrimonial, como entidade familiar. Reconhecendo-se assim,

aqueles relacionamentos que durante séculos foram bastante reprimidos,

marginalizados.

2.3.1 Lei nº 9.278 de 10 de maio de 1996.

Diante toda essa nova concepção de entidades familiares

constitucionalmente protegidas, o Código Civil de 1916 mostrava-se defasado, haja

vista que em seu corpo normativo trazia diversas normas que eram verdadeiros

óbices aos direitos dos conviventes, tais como o art. 1.474, que impossibilitava a

instituição como beneficiário de seguro de vida pessoa que seja legalmente proibida

de se beneficiar por doação, como ocorria com a concubina de acordo com o artigo

1.177 do aludido código. Também o inciso III do art. 1.719 vedava a nomeação de

concubina de testador casado como herdeira ou legatária em um testamento e ainda

o art. 183, inciso VII, vedava o casamento do cônjuge adúltero com o seu co-réu, ou

seja, a concubina.

Em razão disto, fora promulgada em 10 de maio de 1996 a Lei nº 9.278,

mais conhecida como a lei da união estável, que regulamentou o § 3º do artigo 226

da Constituição Federal de 1988.

24

Assim dispunha a aludida lei: “Art. 1º. É reconhecida como entidade familiar

a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher,

estabelecida com objetivo de constituição de família”.

Assim, após o advento da lei supramencionada, a convivência duradoura,

notória e contínua, com o objetivo de constituir família, existente entre um homem e

uma mulher, fora devidamente regulamentada em consonância com a Carta Magna,

assumindo o seu papel de entidade familiar.

Dessa união estável decorrem direitos e deveres assim elencados na Lei nº

9.278/96:

Art. 2° São direitos e deveres iguais dos convivent es: I - respeito e consideração mútuos; II - assistência moral e material recíproca; III - guarda, sustento e educação dos filhos comuns. Art. 3° (VETADO) Art. 4° (VETADO) Art. 5° Os bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes iguais, salvo estipulação contrária em contrato escrito. § 1° Cessa a presunção do caput deste artigo se a a quisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos anteriormente ao início da união. § 2° A administração do patrimônio comum dos conviv entes compete a ambos, salvo estipulação contrária em contrato escrito. Art. 6° (VETADO) Art. 7° Dissolvida a união estável por rescisão, a assistência material prevista nesta Lei será prestada por um dos conviventes ao que dela necessitar, a título de alimentos. Parágrafo único. Dissolvida a união estável por morte de um dos conviventes, o sobrevivente terá direito real de habitação, enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel destinado à residência da família. Art. 8° Os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio. Art. 9° Toda a matéria relativa à união estável é d e competência do juízo da Vara de Família, assegurado o segredo de justiça.

Neste diapasão, o texto legal passa a garantir os direitos e estipular os

deveres pertinentes aos conviventes oriundos desta relação, tais como o respeito e

consideração mútuos, a assistência moral e material recíproca e a guarda, o

sustento e a educação dos filhos comuns. A aludida legislação inclusive,

25

corroborando com a determinação constitucional, estipula que em qualquer tempo e

de comum acordo, os conviventes poderão requerer ao Oficial do Registro Civil da

Circunscrição de seu domicílio a conversão da união estável em casamento.

Outras inovações apresentadas pela Lei nº 9.278/96 são as possibilidades

da dissolução da união estável por rescisão ou por morte de um dos conviventes,

podendo acarretar dessa dissolução tanto a assistência material alimentícia, quanto

a possibilidade do convivente sobrevivente possuir o direito real de habitação,

permanecendo no imóvel onde residia com o de cujus enquanto viver ou não

constituir nova união ou casamento. Inclusive, a lei busca deixar bem claro que os

bens móveis e imóveis adquiridos por um ou por ambos os conviventes, na

constância da união estável e a título oneroso, são considerados fruto do trabalho e

da colaboração comum, passando a pertencer a ambos, em condomínio e em partes

iguais, salvo se houver estipulação contrária em contrato escrito.

Ademais, também decorre desta lei a competência da Vara de Família para

decidir sobre qualquer matéria pertinente à união estável, afastando de vez a

competência da vara cível para dirimir eventuais conflitos, como ocorria quando este

tipo de relacionamento era considerado apenas como sociedade de fato.

2.3.2 A União Estável no Código Civil de 2002

O Código Civil de 2002, por sua vez, influenciado pela lei em comento, trata

da união estável em seu capítulo III do Livro IV do Direito de Família, dispondo da

seguinte forma:

Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. § 1o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente. § 2o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável. Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.

26

Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil. Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.

A união estável, segundo Maria Helena Diniz, “distingue-se da simples união

carnal transitória e da moralmente reprovável, como a incestuosa e a adulterina.

Logo, o concubinato é gênero do qual a união estável é espécie”.18 Assim, podemos

classificar o concubinato em puro ou impuro. O concubinato será considerado puro

quando se apresentar como uma união duradoura entre homem e mulher livres e

desimpedidos, sem casamento civil, caracterizando desta forma a união estável

conforme o caput do artigo 1723 do Código Civil. Por sua vez, o concubinato será

considerado impuro ou simplesmente concubinato nas relações não eventuais, onde

um dos envolvidos ou ambos sejam comprometidos ou legalmente impedidos de

contrair matrimônio, como ocorre nas relações adulterinas ou incestuosas, em

conformidade com o artigo 1.727 supramencionado.

Ainda conforme o entendimento da doutrinadora Maria Helena Diniz, para

que se configure a união estável, faz-se mister a presença dos seguintes elementos

essenciais: a diversidade de sexo e continuidade das relações sexuais, a

estabilidade, e ligação permanente para fins essenciais à vida social, ou seja,

aparência de casamento perante terceiros.19

A propósito da constância da união, confira os dizeres do Ministro Cesar

Peluso:

A continuidade da relação é indispensável para a estabilidade da união. Relações que se suspendem e se interrompem com freqüência não são compatíveis com o propósito de constituir família. O intérprete, contudo, deve agir dentro da razoabilidade, porquanto caso o desentendimento, a briga ou a pequena separação sejam rapidamente superados, retomando-se o relacionamento, não há razão para deixar de reconhecer a continuidade.20

18 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 5: direito de família. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 345. 19 Idem, ibidem. p. 336 20 PELUSO, César. Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência: Lei n. 10.406, de 10.01.2002: contém o código civil de 1916. Coordenador Cezar Peluso. 2.ed.rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2008, p. 1853.

27

Outras características que devem ser observadas na união estável é a

ausência de matrimônio civil válido e de impedimento matrimonial entre os

conviventes, contudo, pode ser caracterizada a união estável de pessoa separada

judicialmente; a notoriedade das afeições recíprocas, não significando que sejam

necessariamente públicas, podendo ser discreta, exposta a apenas um grupo restrito

de amigos, vizinhos, etc; honorabilidade, reclamando uma união respeitável entre os

parceiros pautada na afeição; fidelidade ou lealdade entre os conviventes, que

revela a intenção de vida em comum; a coabitação, uma vez que o concubinato

deve ter a aparência de casamento, com a ressalva à Súmula 382 do STF que

admite a existência de união estável mesmo que os companheiros não residam no

mesmo teto, mas que haja notoriedade em sua more uxório, ou seja, aparência de

casados.21

Ainda existem outros caracteres que podem ser observados num caso

concreto para uma melhor configuração da união estável, como a dependência

econômica entre os conviventes; a colaboração da mulher no sustento do lar; a

compenetração das famílias; a criação e educação dos filhos de seus companheiros,

bem como a observância de um casamento religioso, sem efeitos civis, entre os

conviventes, etc.

Sobre a caracterização da união estável e suas conseqüências para o

mundo jurídico, têm decido nossos tribunais, em consonância com as normas legais

retro mencionadas:

APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL. NAMORO PARALELO AO CASAMENTO. IMPROCEDÊNCIA. Detectado que o relacionamento mantido entre as partes não se caracterizou como união estável. Embora público e notório, ostentou contornos de um namoro, paralelo ao casamento do de cujus, inexistindo, portanto, o objetivo de constituição de família, conforme o art. 1.723 do CC. Mantida a improcedência da ação. Precedentes. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70028477842, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 12/05/2009)22

21 Cf. DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 336-343. Nota 18. 22 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70028477842, Oitava Câmara Cível. Relator: José Ataídes Siqueira Trindade. Rio Grande do Sul, 12 de maio de 2009. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 20. maio.09.

28

AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. REQUISITOS COMPROVADOS. Demonstrado nos autos, por meio de prova documental e testemunhal, a convivência pública, contínua, duradoura e com a finalidade de constituir família entre a autora e o falecido, impõe-se o reconhecimento da existência da união estável no período em que restou comprovada.(TJDFT - 20070510063562APC, Relator NATANAEL CAETANO, 1ª Turma Cível, julgado em 29/04/2009, DJ 18/05/2009 p. 62)23

Neste sentido, se ausente qualquer um dos requisitos para a configuração

da união estável, o relacionamento entre duas pessoas só poderá ser considerado

concubinato. Em contrapartida, basta demonstrar-se nos autos essas

características, quer seja por prova testemunhal, quer seja por prova documental,

para que a união estável seja devidamente reconhecida pela justiça e como

corolário, sejam aplicados todos os seus efeitos.

Como já fora citado algures, uns dos efeitos mais comuns da união estável é

a partilha de bens no momento de sua dissolução, quer seja por destrato, quer seja

por causa mortis, e sobre o tema em comento têm decido nossos tribunais:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL. DISSOLUÇÃO. PARTILHA. A união estável pode estar configurada mesmo antes da coabitação, desde que se enquadre nas disposições do artigo 1.723 do CCB. Logo, correta a determinação de partilha igualitária do imóvel que veio a servir de moradia ao casal, mormente quando evidente a participação financeira de ambas as partes na aquisição do bem. NEGARAM PROVIMENTO AO APELO. (Apelação Cível Nº 70027952886, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 14/05/2009)24 UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO. PARTILHA DE BENS. ESFORÇO COMUM DOS EX-COMPANHEIROS. 1. Os bens adquiridos por um ou por ambos os companheiros na constância da união estável são considerados fruto do esforço e da colaboração comum e devem ser partilhados como no regime da comunhão parcial de bens, conforme disposto no artigo 5º da Lei 9.278, de 10 de maio de 1996, e no artigo 1.725 do Código Civil. 2. Conhecer e negar provimento ao apelo.

23 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Processo 20070510063562APC. Primeira Turma Cível. Relatora: Natanael Caetano. Brasília, 29 de abril de 2009.. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br>. Acesso em: 02. maio.09. 24 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70027952886, Oitava Câmara Cível. Relator: Alzir Felippe Schmitz. Rio Grande do Sul, 14 de maio de 2009. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 20. maio.09.

29

(TJDFT - 20040110848276APC, Relator HECTOR VALVERDE SANTANA, 4ª Turma Cível, julgado em 13/05/2009, DJ 20/05/2009 p. 123)25 DIREITO DE FAMÍLIA. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL ANTES DA LEI Nº. 9.278/96. NECESSIDADE DE PROVA DE EFETIVA CONTRIBUIÇÃO NA FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 380, DO STF. 1. Não se aplica aos relacionamentos ocorridos antes de sua vigência, a Lei 9.278/96, presumindo como de ambos os conviventes o patrimônio amealhado durante a união estável. Ao revés, incide a Súmula 380, do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que somente os bens havidos mediante esforço comum, são passíveis de partilha. 2. Recurso conhecido e improvido. (TJDFT - 20080610006067APC, Relator SANDOVAL OLIVEIRA, 2ª Turma Cível, julgado em 27/04/2009, DJ 25/05/2009 p. 73)26

Assim, demonstra-se que o direito aos bens adquiridos por um ou por ambos

os conviventes na constância da união estável são considerados frutos do esforço e

colaboração de ambos, devendo ser partilhados no regime de comunhão parcial de

bens. Ademais, cumpre ressalvar que para que assim seja configurado, não se faz

necessária a comprovação de coabitação já na época da aquisição do imóvel,

bastando a configuração da união estável.

Todavia, cumpre esclarecer que não só os bens adquiridos na constância da

união estável são comuns aos conviventes, mas também as dívidas contraídas em

benefício da entidade familiar são de responsabilidade de ambos. Neste sentido,

decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO ESTÁVEL. DISSOLUÇÃO. PARTILHA. Tanto os bens adquiridos na constância da união estável, independentemente da contribuição de cada um para a sua aquisição, quanto as dívidas contraídas em prol da entidade familiar, devem ser igualmente partilhadas, ou seja, ativo e passivo constituem, respectivamente, direito e obrigação de ambos os conviventes. CONHECERAM PARCIALMENTE DO RECURSO DA AUTORA PARA NEGAR PROVIMENTO À PARTE CONHECIDA. NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO DO DEMANDADO. (Apelação Cível Nº 70028384816,

25 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Processo 20040110848276APC. Quarta Turma Cível. Relatora: Hector Valverde Santana. Brasília, 20 de maio de 2009.Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br>. Acesso em: 22. maio.09. 26 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Processo 20080610006067APC. Segunda Turma Cível. Relatora: Sandoval Oliveira. Brasília, 25 de maio de 2009. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br>. Acesso em: 28. maio.09.

30

Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alzir Felippe Schmitz, Julgado em 14/05/2009)27

Outro efeito da união estável de grande repercussão diz respeito ao direito

real de habitação do companheiro sobrevivente no imóvel em que residia com o de

cujos. Isso ocorre porque o Código Civil de 2002, ao contrário da Lei 9.278/96,

omitiu-se em relação a essa possibilidade.

Destarte, caso o imóvel em que residiam os companheiros tenha sido

adquirido antes da constância da união estável, o convivente supérstite, embora não

tenha direito à propriedade do aludido imóvel, poderá dispor de direito real de uso

enquanto viver, ou constituir nova união ou casamento, nos moldes do artigo 7º da

Lei nº. 9.278/96.

27 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70028384816, Oitava Câmara Cível. Relator: Alzir Felippe Schmitz. Rio Grande do Sul, 14 de maio de 2009. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 20. maio.09.

31

CAPITULO III

DA SUCESSÃO DO CÔNJUGE E COMPANHEIRO

3.1 Escorço Histórico sobre os Direitos Sucessórios do Convivente

Como já fora dito alhures, o Código Civil de 1916 não reconhecia as

relações concubinárias, e como corolário, não havia que se falar em direitos

sucessórios inerentes a concubinos. Para ser mais específico, aquele corpo

normativo fazia uma única referência sobre o concubinato, vendando a nomeação

de concubina de testador casado como herdeira testamentária ou legatária,

conforme dispunha o art. 1.719, inciso III do vetusto Código. Todavia, por exclusão

apreende-se que, se o testador fosse solteiro, separado judicialmente, divorciado ou

viúvo, a lei não proibia que ele nomeasse sua concubina como sua herdeira ou

legatária.

Assim, apenas em 1994, depois do reconhecimento constitucional da união

estável como entidade familiar, foi promulgada a primeira lei no ordenamento jurídico

pátrio que regulava os direitos ao usufruto dos bens do de cujus inerentes aos

companheiros, a partir da entrada em vigor da Lei 8.971, de 29 de dezembro de

1994, que dispõe também sobre os direitos dos companheiros a alimentos.

Assim dispõe a aludida lei:

Art. 1º A companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de cinco anos, ou dele tenha prole, poderá valer-se do disposto na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade. Parágrafo único. Igual direito e nas mesmas condições é reconhecido ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva. Art. 2º As pessoas referidas no artigo anterior participarão da sucessão do(a) companheiro(a) nas seguintes condições:

32

I - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito enquanto não constituir nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos ou comuns; II - o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujos, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes; III - na falta de descendentes e de ascendentes, o(a) companheiro(a) sobrevivente terá direito à totalidade da herança. Art. 3º Quando os bens deixados pelo(a) autor(a) da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do(a) companheiro, terá o sobrevivente direito à metade dos bens.

Assim, a partir dessa lei foi que os conviventes passaram a ter seus direitos

para fins alimentícios e sucessórios respeitados, desde que estivessem presentes os

requisitos elencados no supracitado artigo 1º, quais sejam: que o seu companheiro

ou companheira não fosse casado, haja vista que se assim o fosse deixaria de

configurar a união estável, caracterizando-se um concubinato impuro; a devida

comprovação de que este relacionamento perdurava por mais de cinco anos; ou que

possuísse filhos com o companheiro. Cumpre esclarecer que tais direitos eram

meramente de usufruto e eram extintos se o convivente detentor deles contraísse

nova união ou se fosse demonstrada a ausência de sua necessidade. E que esse

prazo de cinco anos para a comprovação de uma união estável fora devidamente

revogado pela lei nº 9.278/96.

O aludido texto legal de 1994, como fora dito, também dispôs sobre a

sucessão do companheiro, estipulando condições a serem observadas para que o

companheiro supérstite fosse inserido na vocação hereditária, quais sejam: o

companheiro ou companheira sobrevivente terão direito enquanto não constituir

nova união, ao usufruto de quarta parte dos bens do de cujos, se houver filhos ou

comuns; não havendo filhos, o usufruto recai sobre usufruto da metade dos bens do

de cujos, embora este possa ter deixado ascendentes. E na falta de descendentes e

de ascendentes, o companheiro ou companheira supérstite terão direito herança em

sua totalidade.

Ademais, também dispôs a aludida lei que nos casos onde os bens deixados

pelo autor da herança resultarem de atividade em que haja colaboração do

companheiro sobrevivente, este terá direito à metade destes bens.

Assim, foi dado o primeiro passo para o reconhecimento jurídico dos direitos

decorrentes da união estável inerentes aos companheiros sobreviventes, inclusive

33

inserindo-os na vocação hereditária no mesmo patamar do cônjuge sobrevivente,

segundo entendimento majoritário da doutrina.

Em 1996, como já fora dito, a Lei 9.278, de 10 de maio de 1996, acrescentou

mais direitos ao convivente supérstite ao dispor que em caso de dissolução da união

estável em razão da morte de um dos conviventes, o sobrevivente possui direito real

de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da entidade familiar,

enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento.

3.2 Os Direitos Sucessórios do Cônjuge no Código Ci vil de 2002

Em nosso ordenamento jurídico a sucessão legítima ou ab intestato é a

regra, e a testamentária é a exceção. E o Código Civil de 2002 inovou ao elevar o

cônjuge supérstite ao patamar de herdeiro necessário, conforme dispõe os seus

artigos 1.845 e 1.846, vejamos:

Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.

Assim, o cônjuge sobrevivente como herdeiro necessário do de cujus,

passou a ter, de pleno direito, a metade dos bens da herança, ou seja, a legítima. Na

sucessão legítima, como vimos alhures, convoca-se os herdeiros segundo a ordem

legal de vocação hereditária, partindo-se sempre do princípio de que uma classe só

será chamada quando inexistirem herdeiros da classe procedente, obedecendo a

hierarquia estipulada no artigo 1.829 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no

34

regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III - ao cônjuge sobrevivente; IV - aos colaterais. Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer. Art. 1.837. Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.

Neste sentido, se o de cujus deixar descendentes e ascendentes, só os

primeiros herdarão, haja vista que, existindo descendentes os ascendentes serão

excluídos da herança. Apenas em casos em que não haja descendentes, é que

serão convocados os ascendentes. Para ilustrar melhor a situação, nos atemos ao

seguinte hipotético exemplo: João, um empresário razoavelmente rico, que foi uma

das vítimas fatais do acidente aéreo da TAM, não possuía filhos. Neste caso, os

seus bens serão herdados pelos seus ascendentes, no caso específico seus pais.

Caso João tivesse deixado descendentes, seus pais seriam excluídos da herança.

O consorte supérstite herdará a totalidade da herança apenas na ausência

de ascendentes e descendentes, existindo estes, ele apenas, em certos casos,

concorrerá com os mesmos. Os colaterais, por sua vez, só herdarão se não

existirem descendentes, ascendentes e cônjuge supérstite.

Nas palavras de Maria Helena Diniz

A lei, ao fixar essa ordem, inspirou-se na vontade presumida do finado de deixar seus bens aos descendentes ou, na falta destes, aos ascendentes; sem olvidar, em ambos os casos, a concorrência com o cônjuge sobrevivo; não havendo nenhum dos dois, ao cônjuge sobrevivente, e, na inexistência de todas essas pessoas, aos colaterais, pois na ordem natural das afeições familiares é sabido que o amor primeiro desce, depois sobe e em seguida dilata-se.28

Oportuno ressaltar que o cônjuge sobrevivente, quando concorre com

descendente, herdará apenas se for casado pelo regime de comunhão parcial de

bens, em caso de ter o falecido deixado bens particulares; ou se for casado no

28 DINIZ, Maria Helena. op. cit., p. 103. Nota 3.

35

regime de separação convencional de bens, conforme determina os artigos 1.687 e

1.688 do Código Civil; ou ainda, casado pelo regime de participação final dos

aquestos, nos moldes dos artigos 1.672 a 1.685 do citado código.

Nos casos em que o cônjuge supérstite concorre com os descendentes do

de cujus, ele terá direito a um quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não

podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos

herdeiros com que concorrer, conforme dispõe o supracitado artigo 1.832 do Código

Civil.

Assim, retornando ao nosso exemplo, se João fosse casado e tivesse filhos,

a sua esposa e seus filhos concorreriam, dividindo sua herança em quinhões

exatamente iguais, se os descendentes dele não fossem filhos da esposa dele. Caso

estes descendentes também fossem filhos da esposa dele, esta não poderia herdar

menos que um quarto da herança, deixando o restante para que seja dividido entre

os demais herdeiros.

A doutrina pátria afirma que a lei fora omissa no tocante a presença de filhos

comuns e filhos só do de cujus, sobre qual deverá ser o quinhão correspondente que

o cônjuge supérstite fará jus, se seria a quota hereditária mínima de um quarto de

todo o montante ou a metade do que cada um dos filhos tem direito.

Para Maria Helena Diniz,

Havendo filhos (ou outros descendentes) comuns e exclusivos, concorrendo com o viúvo, dever-se-á, por força da CF, art. 227, § 6º, e da LICC, arts. 4º e 5º, diante da omissão legal, afastar a reserva da 4ª parte, dando a todos os herdeiros quinhão igual, pois se assim não fosse prejudicar-se-iam os filhos exclusivos, que nada tem haver com viúvo. Como todos são descendentes (comuns ou exclusivos) do de cujus, em nome desse vínculo de parentesco, mais justo seria que o viúvo recebesse quinhão igual ao deles, para que não haja discriminação entre eles.29

Assim, para que os filhos exclusivos do de cujus não sejam prejudicados,

não deverá ser observada a reserva de um quarto da herança para o cônjuge

sobrevivo, haja vista que, indiretamente, isso viria a privilegiar os filhos comuns, que

em um outro momento, se tornarão herdeiros do cônjuge em comento.

29 Cf. idem, ibidem. p. 128.

36

Se o cônjuge sobrevivente, na falta de descendente do finado, concorrer

com seus ascendentes em 1º grau, terá direito a um terço da herança, mas se

concorrer com um só ascendente, ou se maior for grau de ascendência de seu

concorrente, fará jus a metade do acervo hereditário.30

Na falta de ascendentes e descendentes, o cônjuge supérstite herdará os

bens do falecido em sua totalidade, qualquer que seja o regime matrimonial de bens,

desde que preenchidos os requisitos legais do artigo 1.830 do Código Civil, in verbis:

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

Assim, a legislação em comento, com o escopo precípuo de se resguardar

os direitos do consorte sobrevivo, determinou que, se ao tempo da morte do outro,

eles não se encontravam separados judicialmente ou extrajudicialmente, nem

separados de fato há mais de dois anos, contados da abertura da sucessão, exceto

se provado que a convivência tornara-se insuportável sem culpa do sobrevivo, os

seus direitos sucessórios seriam devidamente reconhecidos.

Ressalte-se que a culpa da separação foi motivada pelo viúvo é algo difícil

de apurar-se com precisão. Nas palavras de Maria Helena Diniz:

Tal prova será difícil de se obter, ante o fato de que um dos cônjuges já faleceu. Como perquirir a causa daquela separação, provando inocência do viúvo, se o autor da herança não mais está presente para defender-se das acusações que lhe serão feitas? Será preciso demonstrar que a ruptura fática da convivência conjugal não foi provocada, culposamente, pelo viúvo, pois, se, p. ex., veio a abandonar o lar imotivadamente, inibido estará de suceder.31

Mister não olvidar que neste interstício de dois anos, uma pessoa separada

de fato poderá vir a constituir uma união estável com outra pessoa, o que poderá

30 Cf. Idem, ibidem. p. 120. 31 Idem, ibidem. p. 117.

37

acarretar numa concorrência tríplice entre os descendentes ou ascendentes e o

cônjuge sobrevivente juntamente com o convivente, como veremos mais adiante.

Destarte, não restam dúvidas que só se esgotará a capacidade de sucessão

do consorte sobrevivo se já houver homologação de separação judicial, se esta foi

consensual, ou se já houver sentença de separação transitada em julgado, se esta

foi litigiosa.

Isso tudo decorre conforme o disposto nos artigos 1845 e 1846 do Código

Civil, haja vista que, com o advento do código Civil de 2002, o cônjuge supérstite

passou a ser considerado herdeiro necessário do de cujus, elevando-se sua

importância em relação aos direitos sucessórios do falecido, concedendo-lhe direito

à legitima. Nas palavras de Zeno Veloso

Porém, o Código Civil de 2002 não erigiu o cônjuge à condição de herdeiro necessário, apenas, mas a de herdeiro necessário privilegiado, pois concorre com os descendentes e com os ascendentes do de cujus. Esta posição sucessória reconhecida ao cônjuge sobrevivente é um dos grandes avanços do novo Código Civil.32

Diante do que fora exposto, o cônjuge supérstite, desde que preenchido os

requisitos legais, é herdeiro necessário privilegiado, haja vista que além de pertencer

a uma classe exclusiva na ordem de vocação hereditária, ainda concorre com as

classes precedentes, que outra o excluía por completo.

Ademais, fora concedido ao consorte sobrevivo o direito ao usufruto real de

habitação, que embora já tenha sido esse direito reconhecido aos companheiros

com a promulgação da lei 9.278/96, apenas com o Código Civil de 2002 foi que este

direito se estendeu aos consortes, conforme dispõe o artigo abaixo:

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

32 VELOSO, Zeno. Do Direito Sucessório dos Companheiros, in Maria Berenice Dias e Rodrigo da Cunha Pereira (coord), Direito de Família e o novo Código Civil . Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 286.

38

E neste sentido têm decidido nossos tribunais:

DIREITO CIVIL - DIREITO REAL DE HABITAÇÃO - HASTA PÚBLICA - IMÓVEL GRAVADO - ART. 1831 CC. 1. Será assegurado ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar, conforme o art. 1831 do Código Civil Brasileiro. 2. A alienação do imóvel não impede o direito real de habitação, devendo o edital da hasta pública conter esta ressalva, a ser observada pelo arrematante. (TJDFT - 20050020099410AGI, Relator SANDRA DE SANTIS, 6ª Turma Cível, julgado em 09/01/2006, DJ 04/05/2006 p. 124)33

Assim, em qualquer das hipóteses de alienação do imóvel onde residia o de

cujus e sua consorte sobrevivente, deve ser gravado o direito real de habitação,

desde que seja o único daquela natureza a inventariar. Não precisando mais a

consorte supérstite deixar sua residência, sofrendo humilhações, em razão de

pagamento de dívidas deixadas pelo seu esposo, ou porque o bem fora deixado

para outro herdeiro, até que se finde sua vida ou que contraia um novo matrimonio

ou ainda, constitua uma relação estável.

3.3 Os Direitos dos Companheiros na Sucessão Causas Mortis

A união estável após a Constituição Federal de 1988 passou a ter o status

de entidade familiar, e como tal, dela decorrem direitos e obrigações entre os

conviventes, incluindo os direitos alimentícios e os direitos sucessórios.

Como corolário, em 1994 foi promulgada a primeira lei no ordenamento

jurídico pátrio que regulava os direitos ao usufruto dos bens do de cujus inerentes

aos companheiros, a partir da entrada em vigor da Lei 8.971, de 29 de dezembro de

33 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Processo 20050020099410AGI. Sexta Turma Cível. Relatora: Sandra de Santis. Brasília, 04 de maio de 2006. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br>. Acesso em: 04. mar. 09.

39

1994 que, como vimos alhures, dispõe também sobre os direitos dos companheiros

a alimentos.

Por sua vez, em 1996, a Lei 9.278 de 10 de maio de 1996, acrescentou mais

direitos ao convivente supérstite ao dispor que em caso de dissolução da união

estável em razão da morte de um dos conviventes, o sobrevivente possui direito real

de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da entidade familiar,

enquanto viver ou não constituir nova união ou casamento, mas não derrogou a lei

anterior, visto que a nova lei, apesar de ser mais abrangente que a lei 8.971/94 não

a substituiu completamente, mas tão somente no que tange ao prazo de cinco anos

para que restasse configurada a união estável..

Com o surgimento do Código Civil de 2002, houve poucos avanços em

relação ao companheiro sobrevivente, haja vista que pelo disposto no artigo 1.790,

incisos I a IV do Código Civil, inserido estranhamente entre as disposições gerais da

sucessão, o convivente supérstite não é considerado herdeiro necessário, e desta

forma não tem direito à legítima, participando da sucessão do de cujus somente

quanto a parte que lhe cabe sobre os bens adquiridos onerosamente na vigência da

união estável.

Assim dispõe o aludido artigo:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles; III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança; IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Assim, quando o companheiro concorrer com os descendentes que possui

em comum com o de cujus, ou seja, seus próprios filhos ou netos, terá direito a um

quinhão equivalente ao dos seus descendentes. Isso se assemelha muito ao que

ocorre entre o cônjuge e os descendentes comuns, todavia, ao companheiro não é

dado a garantia de uma quota mínima de um quarto da herança e ele só concorre

quanto aos bens que foram adquiridos onerosamente na vigência da união estável.

40

Quando concorre o convivente supérstite com os descendentes exclusivos

do de cujus, ele apenas terá direito a metade do que couber a cada um deles quanto

aos bens que foram adquiridos onerosamente na vigência da união estável. E nos

casos em que o companheiro concorrer com descendentes exclusivos e comuns,

existe uma certa divergência doutrinária. Para Maria Helena Diniz, por exemplo,

Se o companheiro concorrer com descendentes exclusivos e comuns, ante a omissão da lei,aplicando-se o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, que privilegia o principio da igualdade jurídica de todos os filhos (CF, art. 227, § 6º; CC, arts. 1. 596 a 1.629), só importará, na sucessão, o vínculo de filiação com o auctor successionis e não o existente com o companheiro sobrevivente, que, por isso, terá, nessa hipótese, direito à metade do que couber a cada um dos descendentes (LICC, art. 5º c/c CC, art. 1.790, II) do de cujus.34

Em sentido contrário, aduz Sílvio de Salvo Venosa

No entanto, se houver filhos comuns com o de cujus e filhos somente deste concorrendo à herança, a solução é dividi-la igualitariamente, incluindo o companheiro ou companheira. Essa conclusão, que também não fica isenta de dúvidas, deflui da junção dos dois incisos, pois não há que se admitir outra solução, uma vez que os filhos, não importando a origem, possuem todos os mesmos direitos hereditários.35

Sobre a situação em comento, decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito

Federal e Territórios da seguinte forma:

CÓDIGO CIVIL. INVENTÁRIO. UNIÃO ESTÁVEL. COMPANHEIRA SOBREVIVENTE. MEAÇÃO E SUCESSÃO. No caso de união estável, o Código Civil de 2002 disciplinou a sucessão do companheiro de maneira diversa da do cônjuge. Diante do art. 1790 do CC é correto afirmar que a intenção do legislador é no sentido de que o companheiro sobrevivente manterá a sua meação e, adicionalmente, participe da sucessão do outro companheiro falecido. Referido dispositivo legal ao dispor sobre a forma de concorrência entre a companheira e herdeiros, restou omisso quanto aos casos de filiação hibrida, ou seja, quando há herdeiros em comum dos companheiros e herdeiros somente do autor da herança, o que não implica na sua inconstitucionalidade, cabendo ao aplicador do direito solucionar a

34 DINIZ, Maria Helena. op. cit.,. 143. Nota 3. 35 VENOSA, Silvio de Salvo. op. cit., p. 145. Nota 2.

41

controvérsia por outros meios. A melhor solução é dividir de forma igualitária os quinhões hereditários entre o companheiro sobrevivente e todos os filhos. Recurso de apelação e agravo retido providos em parte. (TJDFT - 20050610031880APC, Relator ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, 6ª Turma Cível, julgado em 29/04/2009, DJ 12/05/2009 p. 140)36

Assim, a concorrência com os filhos do de cujus exclusivos e comuns sobre

os bens constituídos onerosamente durante a união estável, deverá se estabelecer

de maneira igualitária, dividindo-se o quinhão hereditário em partes iguais, cabendo

uma dessas partes ao convivente sobrevivo, independentemente do regime de bens

adotado pelos companheiros na vigência da união estável.

Imperioso destacar que no Código Civil de 2002 o convivente tornou-se,

embora não seja legalmente herdeiro necessário, sucessor real do de cujus,

participando da herança sob a modalidade de direito real e não mais apenas do

usufruto dos bens do falecido. Isto, sem sombra de dúvidas, representou um avanço

na legislação pátria.

Assim, de acordo com as novas regras sobre união estável, trazidas pelo

novel código, em seu art. 1970, caput, o companheiro ou companheira sobrevivente,

além da meação natural a que tem direito em relação aos bens adquiridos

onerosamente na vigência da união estável, passou a fazer jus também a uma quota

parte na meação do falecido companheiro, ou seja, na sucessão deste.

Conforme o aludido artigo, o convivente sobrevivo passou a ser herdeiro do

companheiro falecido, independentemente da meação. Isso porque, ao convocar o

companheiro à sucessão do de cujus, o legislador não faz menção aos bens

particulares do falecido, ou seja, àqueles adquiridos por doação, ou por herança em

favor deste, ou ainda adquiridos em momento anterior a união estável.

Ao contrário, o Código Civil traz expressamente que o companheiro

sobrevivo participará da sucessão do de cujus, restringindo essa participação

somente aos bens adquiridos onerosamente durante a união estável. Em

consonância com este artigo, cumpre esclarecer que a meação do companheiro

sobrevivente encontra-se preservada, estando fora dessa disposição legal, visto que

o caput do referido art. 1.790 só diz respeito à parte sucessória do outro falecido;

36 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Processo 20050610031880APC. Sexta Turma Cível. Relatora: Ana Maria Duarte Amarante Brito. Brasília, 12 de maio de 2009. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br>. Acesso em: 20.maio 09.

42

pois caso fosse entendimento de maneira contrária, culminaria em evidente injustiça

visto que, por causa da morte de um dos companheiros, o sobrevivo não pode

deixar de ter direito à metade dos bens que lhe são inerentes apenas para fazer

parte da sucessão do outro, como se apenas o outro fosse proprietário da

integralidade dos bens adquiridos a título oneroso durante a união estável

Assim, nada obsta afirmar que o desígnio do legislador é no sentido de que

o companheiro sobrevivente mantenha a sua meação e também participe da

sucessão do de cujus. Contudo, cumpre também enfatizar que o companheiro, ao

concorrer com os descendentes, não tem direito sucessório sobre os bens

particulares do companheiro falecido, uma vez que o art. 1.970, caput somente fez

menção aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável.

Contudo, pecou o aludido Código ao estabelecer que, se o convivente

sobrevivo concorrer com outros parentes sucessíveis, no caso ascendentes e

colaterais até o quarto grau, terá direito a um terço da herança, pois se por um lado,

buscou privilegiar o convivente em relação aos ascendentes, prejudicou-o em

relação aos colaterais, haja vista que, por exemplo, se o companheiro sobrevivo vir a

concorrer com apenas um sobrinho de seu companheiro falecido, a ele caberá

apenas um terço da herança, enquanto ao sobrinho caberão os outros dois terços.

Todavia, com o escopo de sanar essa “injustiça legal”, decidiu o Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÃO. UNIÃO ESTÁVEL. Inexistindo descendentes ou ascendentes quando do falecimento da convivente, o companheiro sobrevivente terá direito à totalidade da herança, art. 2º, inciso III, da Lei nº 8.971/94, independente dos bens terem sido adquiridos pela falecida antes da união estável. Irmãos da extinta excluídos da sucessão. Decisão mantida. RECURSO DESPROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70007786312, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Alfredo Guilherme Englert, Julgado em 12/02/2004) 37

37 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento Nº 70007786312, Oitava Câmara Cível. Relator: Alfredo Guilherme Englert. Rio Grande do Sul, 12 de fevereiro de 2009. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 10. maio.09.

43

Isso porque, o aludido código não revogou as leis nº 8.971/94 e a nº

9.278/96 em sua totalidade, podendo elas ser devidamente aplicadas onde o código

for omisso, como demonstra a decisão do STJ no ano de 2005, in verbis:

RECURSO ESPECIAL. UNIÃO ESTÁVEL. DIREITO DE HERANÇA. LEI 8.971/94. LEI 9.278/96. - Com a entrada em vigor da Lei 9.278/96 não foi revogado o art. 2º da Lei 8.971/94 que garante à companheira sobrevivente direito à totalidade da herança, quando inexistirem ascendentes e descendentes. - Quanto aos direitos do companheiro sobrevivente não há incompatibilidade entre a Lei 9.278/96 e a Lei 8.971/94, sendo possível a convivência dos dois diplomas. Recurso especial não conhecido. (REsp 747.619/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/06/2005, DJ 01/07/2005 p. 534)38

Assim, nada obsta que o magistrado, aplicando a lei nº 8.971/94 permita que

o convivente sobrevivo herde a totalidade da herança do de cujus, quando não

houverem descendentes e ascendentes, em detrimento de um colateral do falecido.

Outro ponto que se apresentou como um retrocesso foi a omissão do Código

Civil de 2002 no que tange ao direito real de habitação do convivente sobrevivo

relativamente ao imóvel destinado à residência da família, haja vista que ao atribuir

ao cônjuge sobrevivo esse direito, apenas copiou a Lei 9.278 de 10 de maio de 1996

que já o estabelecia aos companheiros.

Assim, diante da omissão do novel código, o parágrafo único do artigo 7º da

aludida lei, por ser norma especial, continua vigente, devendo ser deferido ao

companheiro supérstite o direito de habitação do imóvel destinado à residência da

família em respeito à dignidade do companheiro sobrevivente.

Nesse sentido os nossos tribunais não têm se esquivado da discussão,

decidindo da seguinte forma:

38 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. . REsp 747.619/SP, Terceira Turma. Rel. Ministra Nancy Andrighi. Brasília, 01 de julho de 2005. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 02. maio.09.

44

DIREITO CIVIL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. A despeito da ausência de previsão no novel Código Civil, a companheira sobrevivente dispõe de direito real de habitação com base no parágrafo único do artigo 7º da Lei nº. 9.278/96, podendo permanecer no imóvel em que residia ao tempo do falecimento do companheiro enquanto viver ou até a constituição de nova união ou casamento. Apelo conhecido e não provido. (TJDFT - 20060810079595APC, Relator ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, 6ª Turma Cível, julgado em 29/04/2009, DJ 12/05/2009 p. 145)39 SUCESSÃO. UNIÃO ESTÁVEL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. COMPANHEIRA SUPÉRSTITE. AÇÃO MOVIDA PELO ESPÓLIO REIVINDICANDO IMÓVEL QUE SERVIA DE RESIDÊNCIA AO CASAL, PARTILHADO ENTRE OS FILHOS DE FORMA AMIGÁVEL, SEM A INCLUSÃO DA CONVIVENTE. DEFESA DO DIREITO DE HABITAÇÃO, NÃO DE PROPRIEDADE. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO, ENQUANTO VIVER OU NÃO CONTRAIR NOVA UNIÃO A CONVIVENTE (LEI n. 9.278/96, ART. 7º, § ÚNICO). AÇÃO IMPROCEDENTE. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70015179294, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, Julgado em 14/09/2006)40

Assim, mesmo que o imóvel em que residiam os companheiros tenha sido

adquirido antes da constância da união estável, o convivente supérstite, embora

possa não ter direito à propriedade do aludido imóvel, poderá dispor de direito real

de uso enquanto viver, ou constituir nova união ou casamento, nos moldes do artigo

7º da Lei nº. 9.278/96, visto que devem ser observados os princípios da

solidariedade e mútua assistência, inerentes à união estável, que como corolário

implica na proteção do direito à moradia do companheiro supérstite.

3.4 A Equiparação do Cônjuge e do Companheiro

Resta claro que em decorrência natural do pluralismo das entidades

familiares reconhecido pela Constituição Federal de 1988, deve ser defendido o

princípio da igualdade das entidades, respeitando-se o princípio da liberdade de

39 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Processo 20060810079595APC. Sexta Turma Cível. Relatora: Ana Maria Duarte Amarante Brito. Brasília, 12 de maio de 2009. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br>. Acesso em: 20. mai. 09. 40 BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível Nº 70015179294, Oitava Câmara Cível. Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos. Rio Grande do Sul, 14 de setembro de 2006. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 10. maio.09.

45

escolha decorrente do princípio maior da dignidade da pessoa humana. Como já

fora dito, cada ser humano tem a liberdade de escolher e constituir a entidade

familiar que melhor corresponda aos seus anseios, à sua realização existencial, haja

vista que antes de qualquer outro, o ambiente familiar deve ser aquele que ofereça

aos seus integrantes um ambiente estruturado e feliz.

A diferença entre a família constituída sob a égide do matrimonio e da

família constituída da união livre reside apenas no cumprimento de ritos formais, o

que facilita a comprovação do casamento através do seu respectivo registro,

enquanto a união estável requer maiores investigações. Todavia, discriminar o

convivente sobrevivo em relação cônjuge supérstite, e vice-versa, deferindo a um

mais direitos que a outros fere nitidamente o princípio da dignidade humana.

O Código Civil de 2002 adotou a diferenciação dos direitos do cônjuge e do

companheiro supérstite, inclusive dispondo sobre a sucessão decorrente da união

estável nas disposições gerais dos direitos sucessórios, excluindo-a do capítulo que

trata da ordem de vocação hereditária.

O cônjuge sobrevivente como vimos alhures, tornou-se com o advento do

novel código herdeiro necessário do de cujus, fazendo jus a legítima, concorrendo

com os demais herdeiros necessários os descendentes e ascendentes, conforme os

ditames legais, inclusive, quando concorre com os descendentes comuns, o cônjuge

tem resguardada a quarta parte da herança, bem como prevalecendo sobre os

colaterais na ordem de vocação hereditária. Já o companheiro sobrevivo, não se

tornou herdeiro necessário, apenas concorrendo com estes em relação aos bens

adquiridos onerosamente na vigência da união estável e não prevalece sobre os

colaterais.

Ademais, o Código Civil de 2002 ignorou completamente o direito real do

companheiro supérstite à habitação do imóvel onde residia com o de cujus,

estabelecendo este direito apenas para o cônjuge sobrevivo, direito esse que

persiste por força de lei especial, como citamos algures.

Nestes aspectos acima mencionados, o Código Civil mostra-se ainda mais

favorável ao cônjuge em relação ao companheiro, ignorando que este assumem o

mesmo papel em famílias originadas de institutos distintos.

Todavia, apesar de apresentar direitos sucessórios mais favoráveis ao

cônjuge, o código em comento apresentou dois aspectos que se mostra mais

favorável ao companheiro. O primeiro diz respeito a concorrência com descendentes

46

que, embora não favoreça o companheiro resguardando uma quarta parte dos bens

constituídos de forma onerosa na vigência da união estável para ele, favorece-o em

razão da não observância do regime de bens adotados pelos companheiros na

vigência da união estável, ao contrário do que ocorre com o cônjuge sobrevivente.

O segundo aspecto diz respeito ao seu direito constante de meação, haja

vista que o companheiro primeiramente retira sua meação, para depois dividir o

restante dos bens constituídos de forma onerosa na vigência da união estável com

os demais herdeiros.

Tais distinções devem ser abolidas do ordenamento jurídico brasileiro para

que se adéqüe corretamente as diretrizes constitucionais que há muito já

reconheceram a união estável como modo de constituição de uma entidade familiar

e, em razão disto, equipara o companheiro ao cônjuge sobrevivente.

3.4.1 A Concorrência entre o cônjuge sobrevivente e o companheiro supérstite

Trata-se de uma questão bastante polêmica a Concorrência entre o cônjuge

sobrevivente e o companheiro supérstite, que pode ocorrer quando, uma pessoa

separada de fato há menos de dois anos, constitui união estável com uma terceira

pessoa. Neste caso, como seria realizada a divisão da herança, haja vista que

inexiste tempo mínimo para que seja configurada a união estável? Deveria ser

adotada a tendência do Código Civil em prestigiar o cônjuge sobrevivo em

detrimento do convivente, ou deveria ser excluído o cônjuge por já esta separado de

fato do de cujus? Na verdade, nenhuma das alternativas apresenta-se viável e o

Código Civil pátrio não apresentou qualquer solução para a lide em comento.

Todavia, Carlos Roberto Gonçalves41 apresenta uma boa forma de elucidar

a questão afirmando que a melhor solução a ser adotada seria a exclusão do direito

do cônjuge relativamente aos bens adquiridos onerosamente na constância da união

estável, enquanto ao companheiro não caberia participar da partilha dos bens

adquiridos anteriormente a data de início da união estável.

41 GONÇALVES, Carlos Roberto. op. cit., p. 178. Nota 4.

47

Assim, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios recentemente

decidiu da seguinte maneira:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. COMPANHEIRO SOBREVIVENTE. HERANÇA. PARTICIPAÇÃO. CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTES. ARTIGO 1.790 DO CÓDIGO CIVIL. PRIVILÉGIO EM RELAÇÃO A CÔNJUGE SOBREVIVENTE. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. INEXISTÊNCIA. A Constituição Federal não equiparou o instituto da união estável ao do casamento, tendo tão somente reconhecido aquele como entidade familiar (art. 226, §3º, CF). Dessa forma, é possível verificar que a legislação civil buscou resguardar, de forma especial, o direito do cônjuge, o qual possui prerrogativas que não são asseguradas ao companheiro. Sendo assim, o tratamento diferenciado dado pelo Código Civil a esses institutos, especialmente no tocante ao direito sobre a participação na herança do companheiro ou cônjuge falecido, não ofende o princípio da isonomia, mesmo que, em determinados casos, como o dos presentes autos, possa parecer que o companheiro tenha sido privilegiado. O artigo 1.790 do Código Civil, portanto, é constitucional, pois não fere o princípio da isonomia.(TJDFT - 20090020018622AGI, Relator NATANAEL CAETANO, 1ª Turma Cível, julgado em 29/04/2009, DJ 11/05/2009 p. 81)42

Assim, diante de todo o contexto, nada obsta que o ordenamento jurídico

pátrio evolua a ponto de equiparar o companheiro ao cônjuge sobrevivo, haja vista

que ambos assumem a mesma importância em suas respectivas entidades

familiares, devendo haver apenas a diferenciação quando ocorrer a concorrência

entre ambos, devendo cada qual fazer jus a parte que lhe cabe por direito adquirido

na vigência de suas relações com o de cujus.

Todavia, o Colendo Superior Tribunal de Justiça já se mostrou desfavorável

a referida equiparação, conforme demonstra a ementa a seguir:

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. UNIÃO ESTÁVEL. EFEITOS SUCESSÓRIOS. 1. Para partilha dos bens adquiridos na constância da união estável (união entre o homem e a mulher como entidade familiar), por ser presumido, há dispensa da prova do esforço comum, diz o acórdão embargado. 2. Os acórdãos apontados como paradigmas, por outro lado, versam essencialmente hipóteses de casamento (modo tradicional, solene, formal e

42 BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Processo 20090020018622AGI. Primeira Turma Cível. Relator: Natanael Caetano. Brasília, 11 de maio de 2009. Disponível em: <http://www.tjdft.jus.br>. Acesso em: 20. mai. 09.

48

jurídico de constituir família), conduzindo ao não conhecimento dos embargos, dado que as situações versadas são diversas. 3. A união estável não produz, como pacífico entendimento, efeitos sucessórios e nem equipara a companheira à esposa. Com o matrimônio conhece-se quais os legitimados à sucessão dos cônjuges. Na união estável há regras próprias para a sucessão hereditária. 4. Sob diversos e relevantes ângulos, há grandes e destacadas diferenças conceituais e jurídicas, de ordem teórica e de ordem prática, entre o casamento e a união estável. 5. Embargos de divergência não conhecidos. (STJ - EREsp 736.627/PR, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 25/06/2008, DJe 01/07/2008)43

O Superior Tribunal de Justiça não entende que a união estável apenas se

diferencia do casamento em razão das formalidades exigidas por este, afirmando

que a união estável não produz, como pacifico entendimento, efeitos sucessórios e

muito menos equipara o companheiro ou companheira ao cônjuge, em razão das

peculiaridades adotadas pelo Código Civil pátrio ao tratar das sucessões

decorrentes da união estável.

Destarte, resta demonstrado que o ordenamento jurídico pátrio, embora

tenha evoluído bastante nos últimos vinte anos em relação a aceitação da união

estável como entidade familiar, ainda precisa evoluir muito mais os seus conceitos e

quebrar os preconceitos que discriminam o companheiro e não permitem sua

equiparação ao cônjuge sobrevivente para fins sucessórios, mesmo sabendo que

muitas vezes ele tenha sido o responsável direto para a construção do patrimônio da

família.

43 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. EREsp 736.627/PR, Segunda Seção. Rel. Ministro Fernando Gonçalves. Brasília, 01 de julho de 2008. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 02. maio.09.

49

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O ramo dos direitos sucessórios, sem sombra de dúvidas, foi o que mais

evoluiu com o passar do tempo no mundo jurídico. Nos tempos de outrora,

priorizavam-se mais os homens e primogênitos em detrimentos dos demais filhos,

principalmente os que fossem do sexo feminino.

Isto decorria do dever de se manter o culto doméstico como forma de

manutenção da família e esses privilégios masculinos e de primogenitura se

estenderam até a Revolução Francesa, onde o direito à igualdade começou a surgir.

Hodiernamente são ínfimas as sociedades que persistem tais diferenciações

sucessórias, como ocorre na Escócia e nos países que adotam o direito islâmico,

pois com a evolução do direito, principalmente no tocante aos direitos humanos

fundamentais alicerçados pelo principio da dignidade da pessoa humana, não há

porque haver distinções entre sexo ou idade.

A palavra sucessão, como já fora dito, significa o ato pelo qual uma pessoa

toma o lugar de outrem, investindo-se, a qualquer título, no todo ou em parte, nos

direitos que lhe pertenciam e esta pode ocorrer através de testamento ou ab

intestato. A abertura da sucessão se dar com a morte do de cujus, haja vista que

inexiste herança de pessoa viva.

No ordenamento jurídico brasileiro os herdeiros do de cujus têm direito à

parte legítima, ou seja, aquela que ele não pode dispor em testamento, e na

ausência deste, a toda a herança, segundo a ordem de vocação hereditária

estipulada no artigo 1.829 do Código Civil Pátrio, que determina a prioridade dos

descendentes sobre os ascendentes e destes sobre o cônjuge sobrevivente, todavia

este poderá concorrer com os demais herdeiros necessários se preencher os

requisitos legais, quais seja, se ao tempo da morte do outro, não estavam separados

judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso,

de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente e, em

caso de concorrência com os descendentes, deverão ser observados os regimes de

separação de bens adotado pelo matrimonio.

Cumpre ressaltar que a elevação do cônjuge sobrevivente ao status de

herdeiro necessário só ocorreu após o código civil de 2002, antes disto ele era

50

apenas pertencente a terceira linha de sucessão, só herdando após a exclusão das

duas primeiras classes e não concorrendo com elas.

Mister trazer à baila que um dos maiores avanços do ordenamento jurídico

brasileiro das últimas duas décadas que refletiu diretamente nos direitos sucessórios

diz respeito a consagração constitucional da união estável como entidade familiar.

Assim, os companheiros passaram a ter direitos inerentes desta relação,

inclusive para fins sucessórios, principalmente após as leis nº 8.971/94 e nº 9.278/96

que dispôs sobre a união estável e os direitos decorrentes delas para fins

sucessórios e alimentícios.

Contudo, ainda deixa muito a desejar o ordenamento jurídico pátrio na

equiparação entre o cônjuge sobrevivo e companheiro supérstite, pois em muitos

pontos do código civil de 2002 apenas o cônjuge possui privilégios legais, em

detrimento do companheiro, apresentado disparidades que devem ser revistas em

observância ao semelhante papel exercido por ambos em suas respectivas

entidades familiares.

Assim, o cônjuge sobrevivente, tornou-se com o advento do Código Civil de

2002 código herdeiro necessário do de cujus, fazendo jus a legítima, concorrendo

com os demais herdeiros necessários os descendentes e ascendentes, conforme os

ditames legais, inclusive, quando concorre com os descendentes comuns, o cônjuge

tem resguardada a quarta parte da herança, bem como prevalecendo sobre os

colaterais na ordem de vocação hereditária. Já o companheiro sobrevivo, não se

tornou herdeiro necessário, apenas concorrendo com estes em relação aos bens

adquiridos onerosamente na vigência da união estável e não prevalece sobre os

colaterais.

Ademais, o Código Civil de 2002 ignorou completamente o direito real do

companheiro supérstite à habitação do imóvel onde residia com o de cujus,

estabelecendo este direito apenas para o cônjuge sobrevivo, direito esse que

persiste por força de lei especial, como citamos algures.

Todavia, apesar de apresentar direitos sucessórios mais favoráveis ao

cônjuge, o código em comento apresentou dois aspectos que se mostra mais

favorável ao companheiro. O primeiro diz respeito a concorrência com descendentes

que, embora não favoreça o companheiro resguardando uma quarta parte dos bens

constituídos de forma onerosa na vigência da união estável para ele, favorece-o em

51

razão da não observância do regime de bens adotados pelos companheiros na

vigência da união estável, ao contrário do que ocorre com o cônjuge sobrevivente.

O segundo aspecto diz respeito ao seu direito constante de meação, haja

vista que o companheiro primeiramente retira sua meação, para depois dividir o

restante dos bens constituídos de forma onerosa na vigência da união estável com

os demais herdeiros.

Mas em uma situação bastante peculiar, onde o cônjuge sobrevivo concorre

diretamente com o companheiros supérstite, como ocorre quando alguém, separado

de fato a menos de dois anos, constitui união estável com uma terceira pessoa e

vem a falecer. Nestes casos, os sobreviventes devem ser diferenciados para que

cada um herde a parte que lhe cabe nos bens do de cujos, ou seja, ao cônjuge cabe

os bens adquiridos antes da união estável constituída posteriormente, e ao

companheiro cabe os bens adquiridos na vigência da união estável.

Para os demais casos, torna-se flagrante a violação do principio da

dignidade da pessoa humana, ao deixa de equiparar o cônjuge sobrevivo ao

companheiro, mesmo que este seja o entendimento, ainda não pacificado, do

Superior Tribunal de Justiça.

Destarte, resta demonstrado que o ordenamento jurídico pátrio, embora

tenha evoluído bastante nos últimos vinte anos em relação a aceitação da união

estável como entidade familiar, repise-se, ainda precisa evoluir muito mais os seus

conceitos e quebrar os preconceitos que discriminam o companheiro e não permitem

sua equiparação ao cônjuge sobrevivente para fins sucessórios, mesmo sabendo

que muitas vezes ele tenha sido o responsável direto para a construção do

patrimônio da família.

52

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