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FICHA TÉCNICA Título original: Modern Romance Autor: Aziz Ansari Copyright © 2015 by Modern Romantics Corporation Todos os direitos reservados, incluindo os direitos de reprodução de toda ou parte da obra Edição portuguesa publicada por acordo com Penguin Press, uma chancela da Penguin Publishing Group, uma divisão de Random House LLC Tradução © Editorial Presença, Lisboa, 2016 Tradução: Manuel Alberto Vieira Revisão: Carlos Jesus / Editorial Presença Fotografia da capa: Ruvan Wijesooriya Design da capa: Jay Shaw Composição: Miguel Trindade Impressão e acabamento: Multitipo Artes Gráficas, Lda. Depósito legal n.º 409 025/16 1.ª edição, Lisboa, maio, 2016 Reservados todos os direitos para a língua portuguesa (exceto Brasil) à EDITORIAL PRESENÇA Estrada das Palmeiras, 59, Queluz de Baixo, 2730-132 Barcarena [email protected] www.presenca.pt

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FICHA TÉCNICA Título original: Modern Romance

Autor: Aziz Ansari Copyright © 2015 by Modern Romantics Corporation

Todos os direitos reservados, incluindo os direitos de reprodução de toda ou parte da obra Edição portuguesa publicada por acordo com Penguin Press,

uma chancela da Penguin Publishing Group, uma divisão de Random House LLC Tradução © Editorial Presença, Lisboa, 2016

Tradução: Manuel Alberto Vieira Revisão: Carlos Jesus / Editorial Presença

Fotografia da capa: Ruvan Wijesooriya Design da capa: Jay Shaw

Composição: Miguel Trindade Impressão e acabamento: Multitipo — Artes Gráficas, Lda.

Depósito legal n.º 409 025/16 1.ª edição, Lisboa, maio, 2016

Reservados todos os direitos para a língua portuguesa (exceto Brasil) à EDITORIAL PRESENÇA

Estrada das Palmeiras, 59, Queluz de Baixo, 2730-132 Barcarena [email protected] www.presenca.pt

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INTRODUÇÃO ........................................................11

Capítulo 1

À PROCURA DA ALMA GÉMEA ....................................23

Capítulo 2

O PRIMEIRO CONVITE ..............................................49

Capítulo 3

OS ENCONTROS ONLINE ............................................91

Capítulo 4

OPÇÕES E ESCOLHAS ............................................155

Capítulo 5

INVESTIGAÇÕES INTERNACIONAIS SOBRE O AMOR ..........187

Capítulo 6

VELHOS PROBLEMAS, NOVAS FORMAS: SEXTING, INFIDELIDADE, INTRUSÃO E SEPARAÇÃO .............221

índice

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Capítulo 7

ASSENTAR ..........................................................259

CONCLUSÃO .......................................................289

AGRADECIMENTOS ................................................309

NOTAS ..............................................................315

BIBLIOGRAFIA .....................................................325

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O AMOR NOS TEMPOS MODERNOS

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INTRODUÇÃO

Eh   pá, obrigado por ter comprado o meu

livro! O dinheiro que nele gastou é agora MEU. Mas a verdade é que in-vesti muito trabalho nisto e estou em crer que irá gostar do resultado.

Em primeiro lugar, umas breves palavras sobre o projeto. Quando atin-

gimos um determinado patamar de sucesso como comediantes de stand-up, começam logo a chover propostas para escrevermos um livro humorístico. Em ocasiões anteriores, recusei sempre as que me foram apresentadas porque acreditava que a stand-up comedy era o veículo de expressão que mais se adequava a mim. Na minha cabeça, escrever um livro não me daria tanto gozo como aquele que sinto ao canalizar as minhas ideias para espetáculos de stand-up.

Nesse caso, por que razão decidi escrever um livro sobre a ex-periência amorosa nos tempos modernos?

Há uns anos, apareceu na minha vida uma mulher — chame-mos-lhe Tanya — que conhecera certa noite em Los Angeles. Am-bos tínhamos ido a uma festa de aniversário e, quando o entusiasmo dos presentes começou a esmorecer, ela ofereceu-se para me dar bo-leia até casa. Como tínhamos passado a noite a conversar e a fazer um bocado de flirt, decidi convidá-la a entrar para bebermos um copo.

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Nessa altura, vivia numa belíssima casa subarrendada no luxuoso bairro de Hollywood Hills. Tinha algumas semelhanças com a do De Niro no filme Heat – Cidade sob Pressão, mas com um ambiente um nadinha mais adequado a mim do que a um ladrão particularmente hábil, capaz de arrombar carros blindados.

Preparei um belo cocktail para ambos e fomos colocando alter-nadamente álbum atrás de álbum no gira-discos enquanto conversá-vamos e ríamos. A dada altura, começámos a curtir e foi fantástico. Lembro-me de, já bem atestado, lhe ter dito uma coisa completa-mente tonta quando ela estava de saída. Algo do tipo: «Tanya, és mesmo encantadora...» Ao que ela replicou: «Aziz, tu também és bastante encantador.» O encontro parecia promissor, posto que todos os presentes na sala estavam de acordo: ambos éramos pessoas encantadoras.

Queria tornar a ver a Tanya e vi-me confrontado com uma tão simples quanto bicuda questão que nos atormenta a todos: como e quando volto a contactá-la?

Telefono-lhe? Envio-lhe uma SMS? Uma mensagem pelo Facebook? Um sinal de fumo? Como é que uma pessoa faz isso? Pego fogo à casa arrendada onde vivo? Imagine-se o meu embaraço quando tiver de contar ao proprietário, o ator James Earl Jones, que lhe reduzi a casa a cinzas na tentativa de enviar um sinal de fumo.

Oh, não, acabei de revelar a identidade da pessoa que me arren-dara aquela vivenda magnífica: o rei Jaffe Joffer em pessoa, a voz do Darth Vader, essa lenda do cinema que é o James Earl Jones.

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Acabei por me decidir a enviar-lhe uma SMS, porque ficara com a impressão de que era muito dada a essa prática. No entanto, para não deixar transparecer uma ânsia exagerada, optei por esperar alguns dias. Durante esse intervalo de tempo, fiquei a saber que a banda Beach House, que ouvíramos na noite em que tínhamos cur-tido, ia dar um concerto em Los Angeles naquela semana, pelo que me pareceu o pretexto ideal.

Eis a mensagem que lhe enviei:

Uma proposta simpática e firme, com uma piada privada pelo meio. (Durante a festa, a Tanya cantara a canção «The Motto», do Drake, e, para meu espanto, constatara que sabia a letra quase toda de cor.)

Sentia-me bastante confiante. Não estava perdido de amores pela Tanya, mas parecia-me muito porreira e ficara com a sensação de que entre nós se criara uma boa ligação.

Enquanto esperava pela resposta, pus-me a imaginar a nossa hipotética relação. Talvez no próximo fim de semana possamos ir ver um filme de um daqueles ciclos de cinema ao ar livre muito fixes que se realizam no Hollywood Forever Cemetery? Talvez uma des-tas noites lhe possa preparar o jantar e fazer aquela receita de frango grelhado, prensado por um tijolo, que há tanto tempo anseio por ex-perimentar? Será que a Tanya e eu poderíamos tirar umas férias em Ojai no próximo outono? Quem sabe o que o futuro nos reserva? Tudo vai correr às mil maravilhas!

Passaram-se alguns minutos e o estado da minha mensagem de texto alterou-se para «ler».

O coração parou-me.Era chegado o momento da verdade.Preparei-me para o que estava para vir e pus-me a observar

aqueles pontinhos a surgirem no ecrã do iPhone. Aqueles que, numa

Olá, não sei se já partiste para NI, mas os Beach House vão tocar no Wiltern esta noite e amanhã. Queres ir? Se pedirmos com jeitinho, até pode ser que te deixem cantar uma versão da The Motto.

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espécie de tantalização, nos indicam que alguém está a digitar uma resposta: o equivalente dos smartphones à lenta subida até ao topo de uma montanha-russa. Mas depois, breves segundos volvidos, desa-pareceram. E nenhuma resposta da Tanya.

Humm... O que é que aconteceu?Mais alguns minutos e...Nada.Mas não há motivo para preocupações. Provavelmente estará a

redigir a sua resposta irrepreensivelmente engenhosa. Escreveu um primeiro rascunho, não ficou satisfeita, e decidiu que mais tarde o re-formularia. Já percebi. E é provável que também não queira transpa-recer uma ânsia exagerada respondendo tão depressa, não é assim?

Passam-se quinze minutos... Nada.A minha confiança começa a declinar e a transfigurar-se em dúvida.Passa-se uma hora... Nada.Passam-se duas horas... Nada.Passam-se três horas... Nada.Um pânico moderado começa a fervilhar. Ponho-me a olhar fi-

xamente para a mensagem que enviei. Se no início a minha confiança era plena, agora começo a questionar tudo quanto nela estava escrito.

Sou mesmo estúpido! Devia ter escrito «Olá» com dois ás, não ape-nas um! E fiz demasiadas perguntas. Onde é que eu tinha a porra da cabeça? Oh, lá estou eu a fazer mais uma pergunta. Aziz, PORQUE É QUE PASSAS A VIDA A FAZER PERGUNTAS?

É-me difícil descortinar uma resposta, mas faço por manter a calma.Se calhar está ocupada a trabalhar. Não é preciso fazer disso um

bicho de sete cabeças.Tenho a certeza de que vai responder assim que puder. Afinal de

contas, temos algo que nos liga, não é assim?Passa-se uma porra dum dia.

Olá, não sei se já partiste para NI, mas os Beach House vão tocar no Wiltern esta noite e amanhã. Queres ir? Se pedirmos com jeitinho, até pode ser que te deixem cantar uma versão da The Motto.

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UM DIA INTEIRO!Por esta altura, os meus pensamentos avariam ainda mais:O que é que aconteceu? Eu sei que segurou as minhas palavras na

mão!!Será que o telemóvel da Tanya caiu num rio/compactador de lixo/

/vulcão?Será que a Tanya caiu num rio/compactador de lixo/vulcão? Oh,

não, a Tanya morreu e eu aqui egoisticamente preocupado com o nosso encontro. Sou mesmo má pessoa.

Partilhei o meu dilema com um amigo.«Então, tem lá calma, pá, está tudo bem. Ela vai-te responder.

Provavelmente está ocupada, apenas isso», disse-me num tom otimista.Depois acedo às redes sociais. Constato que está disponível no

chat do Facebook. Envio-lhe uma mensagem? Não! Não faças isso, Aziz. Tem calma. Tem calma...

Mais tarde vou ao Instagram e vejo que a palhaça da Tanya aca-ba de publicar a fotografia de um veado qualquer. Está demasiado ocupada para me responder, mas tem tempo para publicar a fotogra-fia de um veado qualquer que lhe apareceu à frente enquanto fazia uma caminhada?

Estou fora de mim, mas depois tenho um momento de lucidez que todos os idiotas têm em situações análogas.

TALVEZ NÃO TENHA RECEBIDO A SMS!Sim, foi precisamente isso que aconteceu, certo? O telemóvel

dela teve uma falha qualquer. Claro que foi isso.É nesse instante que pondero escrever uma segunda mensa-

gem, mas hesito devido ao facto de isto nunca ter acontecido com nenhum dos meus amigos:

«Olá, Alan. Enviei-te uma SMS a convidar-te para jantarmos e passou-se um dia inteiro sem me responderes. Aconteceu alguma coisa?»

«Raios! Não vi a mensagem. Não a recebi. Tive uma falha no telemóvel. Desculpa lá. Jantamos amanhã.»

De volta à Tanya. Por esta altura, já se passaram mais de vin-te e quatro horas. É quarta-feira. O concerto é esta noite. Por que

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razão não se dignou sequer a escrever-me uma resposta negativa? Pelo menos uma resposta a dizer que não quer ir, para assim poder levar outra pessoa, não? Porquê, Tanya? Porquê? Quanto mais penso nisso, mais entro em parafuso. Como pode esta pessoa ser desrespeitosa a tantos níveis? Não sou um pateta qualquer. Ela já me conhece há anos.

Continuei a perguntar-me se deveria enviar-lhe uma nova mensagem, mas cheguei à conclusão de que seria um gesto dema-siado desesperado e conformei-me com a ideia de que ela não es-tava interessada. Disse a mim mesmo que, de qualquer das formas, não queria sair com alguém que tratava as pessoas daquela manei-ra — o que, de certo modo, era verdade —, mas, ainda assim, sen-tia-me frustradíssimo e bastante ofendido.

Depois apercebi-me de uma coisa interessante.A espiral de loucura em que estava a afundar-me não teria

acontecido há vinte anos ou mesmo há dez. Ali estava eu, em modo maníaco, a espreitar o telemóvel a cada par de minutos, a redemoi-nhar num tornado de pânico e sofrimento e raiva só porque uma pessoa não me tinha escrito uma breve mensagem estúpida numa porcaria dum telemóvel.

Estava genuinamente abespinhado, mas, pensando bem, havia no gesto da Tanya o mais pequeno sinal de desrespeito ou maldade? Não, limitou-se a não enviar uma mensagem com o intuito de evi-tar uma situação incómoda. Em circunstâncias idênticas, eu próprio teria seguramente feito a mesma coisa à outra pessoa sem pensar na eventual aflição que poderia causar-lhe.

Acabei por não ir ao concerto nessa noite. Em vez disso, fui a um clube de comédia e, depois de subir ao palco, comecei a falar acerca da terrível frustração, insegurança e raiva que todo aquele absurdo episódio de «silêncio» tinha provocado nas profundezas do meu ser. Arranquei algumas risadas do público, mas também algo maior, como se entre mim e as pessoas à minha frente se tivesse cria-do uma ligação num plano mais profundo.

Percebi que, num dado momento das suas vidas, uma Tanya surgira nos telemóveis de todos os homens e mulheres presentes

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na plateia, cada qual com os seus problemas e dilemas individuais. Todos estamos sós, de olhos cravados no ecrã preto enquanto um sem-número de emoções nos assalta o espírito. Mas, estranhamente, é como se o fizéssemos juntos, e deveríamos achar consolo no facto de ninguém fazer ideia do que se está a passar.

Comecei a ficar fascinado pela ideia de perceber o como e o por-quê de tantas pessoas terem passado a adotar uma postura de grande perplexidade face ao desafio de fazerem algo que sempre fizeram de forma bastante eficiente: estabelecer uma relação amorosa. Come-cei a perguntar a pessoas que conhecia se sabiam de algum livro que pudesse ajudar-me a compreender os muitos desafios que se nos co-locam na procura do amor na era digital. Fui encontrando trechos interessantes aqui e ali, mas não o tipo de investigação sociológica abrangente e aprofundada que procurava. Esse livro pura e sim- plesmente não existia, de maneira que me decidi a tentar escrevê-lo.

Quando iniciei o projeto, as grandes mudanças na experiência do amor pareciam-me óbvias e resumiam-se a desenvolvimentos tecnológicos como os smartphones, os namoros online e as redes so-ciais. No entanto, à medida que fui aprofundando o meu estudo, constatei que a transformação das nossas vidas românticas não pode ser explicada apenas pela tecnologia; o problema tem muito mais que se lhe diga. Num período de tempo muito curto, toda a cultura da procura do amor e de um parceiro sofreu uma mudança radical. Há um século, as pessoas estabeleciam uma aproximação com al-guém decente que vivia no mesmo bairro. Entretanto, as respetivas famílias conheciam-se e, depois de determinarem que nenhum dos dois aparentava ser um assassino, o par casava-se e tinha um filho, isto numa altura em que não teriam mais de vinte e dois anos. Hoje, as pessoas passam anos das suas vidas em demanda da pessoa perfei-ta, de uma alma gémea. As ferramentas que usamos nessa procura são diferentes, mas o que mudou verdadeiramente foram os nossos desejos e — de forma ainda mais notória — os objetivos subjacen-tes à própria procura.

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Quanto mais pensava nestas mudanças, mais se agi-gantava em mim a urgência de escrever este livro. Mas também estava ciente de que eu, o comediante palerma que dá pelo nome de Aziz Ansari, provavelmente não seria capaz de explorar este tema sozinho, pelo que decidi recorrer a algumas pessoas inte-lectualmente dotadas para me orientarem. Acabei por formar uma parceria com o sociólogo Eric Klinenberg, e juntos delineámos um colossal projeto de investigação, um empreendimento que exigiria mais de um ano de investigação em cidades de todo o mundo e im-plicaria a colaboração de alguns dos principais especialistas em amor e relações amorosas.

Antes de avançarmos para o livro propriamente dito, gosta- ria de vos falar um pouco mais acerca do nosso projeto para que fiquem inteirados daquilo que fizemos e não fizemos. A princi-pal fonte de informação para este volume é a investigação que o Eric e eu desenvolvemos ao longo de 2013 e 2014. Constituímos grupos focais e realizámos entrevistas num universo de centenas de pessoas distribuídas por Nova Iorque, Los Angeles, Wichita, Monroe (Nova Iorque), Buenos Aires, Tóquio, Paris e Doha. Sa-liente-se, contudo, que não estamos a falar de entrevistas banais. Em primeiro lugar, reunimos grupos de pessoas diversas e de- mos por nós a ter conversas profundamente privadas sobre os pormenores íntimos das suas vidas amorosas. Em segundo lugar — e mais intrigante ainda —, muitas das pessoas que participa-ram na nossa investigação ofereceram-se para partilhar connosco os seus telemóveis, de maneira a podermos analisar as suas inte- rações através da consulta de mensagens de texto, emails, páginas de encontros amorosos online e vasculharmos aplicações como o Tinder. Estas informações foram reveladoras na medida em que tivemos oportunidade de observar de que modo as experiências românticas reais se desenrolavam na vida das pessoas, em vez de nos limitarmos a ouvir relatos das coisas de que se lembravam. Considerando que aquilo que pedimos às pessoas foi a partilha de informações de natureza privada, prometemos-lhes a preservação do anonimato. Isso significa que todos os nomes dos indivíduos

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cujas histórias serão narradas mais à frente são pseudónimos, como é prática corrente na investigação qualitativa em ciências sociais.

De maneira a expandirmos o universo da nossa pesquisa para lá dessas cidades, criámos no website Reddit um fórum (subreddit*) intitulado Modern Romantics [Românticos Modernos], com o pro- pósito de colocar questões e basicamente gerir um colossal grupo focal online que nos enviou milhares de respostas de todas as partes do mundo. (Aproveito para endereçar um enorme agradecimento a todos quantos participaram nessas sessões, pois sem eles este livro não teria sido possível.) Portanto, sempre que depararem com a menção a subreddit, é a isto que nos estamos a referir.

Também passámos imenso tempo a entrevistar algumas pessoas incrivelmente inteligentes, incluindo destacados sociólogos, antropó-logos, psicólogos e jornalistas que dedicaram as suas carreiras a estu-dar as relações amorosas modernas — e que foram de uma grande generosidade ao dispensarem-nos uma parte considerável do seu tem-po. Segue-se, pois, uma lista de nomes que cumpre mencionar, e em relação à qual a possibilidade de qualquer omissão me apavora: danah boyd, da Microsoft; Andrew Cherlin, da Johns Hopkins University; Stephanie Coontz, do Evergreen State College; Pamela Druckerman, do The New York Times; Kumiko Endo, da New School, que também nos auxiliou na investigação que desenvolvemos em Tóquio; Eli Finkel, da Northwestern University; Helen Fisher, da Rutgers University; Jonathan Haidt, da Universidade de Nova Iorque; Sheena Iyengar, da Universidade de Colúmbia; Dan Savage; Natasha Schüll, do MIT; Barry Schwartz, do Swarthmore College; Clay Shirky, da Universi-dade de Nova Iorque; Sherry Turkle, do MIT; e Robb Willer, da Uni-versidade de Stanford, que também nos ajudou na elaboração de algu-mas perguntas para a investigação e na análise dos dados.

Para além destas entrevistas, tivemos acesso a alguns dados quantitativos notáveis de que nos socorremos abundantemente ao longo do livro. Nos últimos cinco anos, o site Match.com foi

* Categoria criada dentro de um dado conteúdo no website Reddit onde são publicadas as

mensagens dos usuários. (NT)

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responsável pelo maior inquérito a solteiros americanos de que há registo — uma amostra nacionalmente representativa de cerca de cinco mil pessoas —, no qual figuram perguntas sobre todos os tipos de comportamentos e preferências fascinantes. A Match par-tilhou-o generosamente connosco, e nós partilharemos convosco a análise que dele fizemos. Também beneficiámos da boa vontade do Christian Rudder e do OkCupid, que reuniu um tesouro de dados sobre o comportamento dos seus utilizadores. Essas informações foram de uma utilidade tremenda, porque nos permitem distinguir entre o que as pessoas dizem querer e aquilo que de facto fazem.

Uma outra fonte de informação de grande importância foi Michael Rosenfeld, da Universidade de Stanford, que partilhou connosco elementos do estudo «How Couples Meet and Stay Toge-ther» [«Como os Casais se Conhecem e Permanecem Juntos»], uma investigação de âmbito nacional, desenvolvida com base num in-quérito realizado a 4002 adultos alfabetizados, três quartos dos quais viviam maritalmente ou tinham um parceiro. Michael Rosenfeld e um outro investigador, Jonathan Haidt, da Universidade de Nova Iorque, deram-nos permissão para utilizarmos neste livro gráficos por eles desenvolvidos, e por isso um grande obrigado a ambos.

Com a ajuda destas pessoas, o Eric e eu conseguimos abran-ger um vasto conjunto de questões relacionadas com a vida amorosa moderna, mas não abarcámos tudo. Ficam desde já a saber que o pre-sente volume versa essencialmente sobre casais heterossexuais. Ainda numa fase inicial do processo, o Eric e eu chegámos à conclusão de que, se tentássemos escrever sobre a forma como todos os aspetos da vida amorosa que abordamos se aplicariam às relações entre lés-bicas, gays, bissexuais e transgéneros (LGBT), pura e simplesmente não seríamos capazes de fazer justiça ao tema a menos que escrevês- semos um outro livro completamente distinto. É verdade que tratamos algumas questões relacionadas com o amor e a vida amorosa entre gays e lésbicas, mas de uma forma que está longe de ser exaustiva.

A outra coisa que gostaria de mencionar é que, para a realiza-ção da maior parte da investigação, tivemos de falar com pessoas da classe média, indivíduos que foram estudar para a universidade

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e adiaram o projeto de ter filhos para os vinte e muitos, trinta anos, e agora mantêm relações bastante intensas e íntimas com os seus dis-pendiosos smartphones. Sei bem que o amor e as relações amorosas apresentam dinâmicas bem diferentes em comunidades muito po-bres e em comunidades muito ricas, tanto nos Estados Unidos como noutros países que visitámos para desenvolver a nossa investigação, mas, tal como anteriormente, o Eric e eu sentimos que o estudo de todas as variações relacionadas com as questões de classe ultrapas-saria o alcance das nossas possibilidades, pelo que esse tópico não figura no livro.

Muito bem, já disse basicamente tudo o que precisa de saber numa introdução. Mas, antes de começarmos, gostaria de lhe endereçar um sincero agradecimento, caro leitor.

Podia ter comprado qualquer livro do mundo, se quisesse. Po-dia ter pegado num exemplar do Unruly: The Highs and Lows of Be-coming a Man [Insubmisso: Os Altos e Baixos na Vida de Quem Abraça a Masculinidade], do rapper Ja Rule. Podia ter comprado o Pai Rico, Pai Pobre. Podia até mesmo ter comprado o Ja Rico, Ja Pobre: Guia do Rule para Uma Gestão Financeira Sensata.

Podia ter comprado todos esses livros (e é possível que o tenha feito!), à exceção do último, que, apesar dos emails que insisto em enviar-lhe, o Ja Rule continua a recusar-se a escrever.

Mas também comprou o meu. E estou-lhe grato por isso.E agora iniciemos a nossa viagem ao mundo do... amor nos tem-

pos modernos!

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Capítulo 1

À PROCURA DA ALMA GÉMEA

Hoje em dia, muitas das frustrações vividas pelos solteiros parecem problemas exclusivos do nos-so tempo e contexto tecnológico: não receber a resposta a uma SMS; torturar-se no processo de escolha do filme favorito para inclusão no perfil de encontros amorosos online que criou; per-

guntar-se se deveria teletransportar um ramo de rosas até à mulher com quem jantou a noite passada. (COM BASE NO QUE ME FOI DITO PELOS MEUS CONSULTORES CIENTÍFICOS, TE-NHO SÉRIAS DÚVIDAS DE QUE VENHAM A DESCORTI-NAR O FUNCIONAMENTO DO TELETRANSPORTE ATÉ À DATA DE PUBLICAÇÃO DO LIVRO, EM JUNHO DE 2015.

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24 O AMOR nOs tEMPOs MODERnOs

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CARO EDITOR, QUEIRA SUPRIMIR ESTA ÚLTIMA PARTE CASO A SOLUÇÃO PARA O TELETRANSPORTE AINDA NÃO TENHA SIDO ENCONTRADA.)

Este tipo de peculiaridades comportamentais é seguramente novidade no mundo romântico, mas, à medida que fui fazendo pesquisas e entrevistas para este livro, constatei que as mudanças operadas no romance e no amor são muito mais profundas e abran-gentes do que supunha.

Neste momento, sou uma entre milhões de pessoas em ida-de jovem que se encontram num lugar idêntico. Conhecemos pessoas, namoramos, começamos e terminamos relacionamen-tos, sempre na esperança de encontrarmos alguém que amemos verdadeiramente e com quem partilhemos uma ligação profunda. Podemos, inclusive, acalentar concomitantemente o desejo de casar e constituir família.

Essa jornada parece-nos razoavelmente normal nos dias que correm, mas situa-se nos antípodas da que era comummente em-preendida apenas algumas décadas atrás. Sendo mais específico, hoje percebo que a conceção que temos de «procurar» e «a pessoa certa» é completamente diferente da de outros tempos. O que signi-fica que a nossa perspetiva sobre o namoro também o é.

DÓnUtEs EM tROCA DE EntREVIstAs:VISIta a uM CoMplEXo uRBaNíStICo paRa IDoSoS

Se o meu objetivo era compreender de que modo as coi-sas foram mudando ao longo do tempo, entendi que devia começar por conhecer de perto as experiências das gera-ções mais velhas que ainda estão vivas. E isso traduziu-se na necessidade de falar com alguns velhotes.

Para ser franco, tendo a romantizar o passado, e, embora aprecie todos os confortos da vida moderna, há alturas em que

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À PROCURA DA ALMA GÉMEA 25

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anseio por tempos mais simples. Não seria fixe ter a possibilidade de ser solteiro numa era passada? Levar uma rapariga a ver um filme num drive-in, comer um cheeseburger e beber um malte ao jantar e depois curtir à luz das estrelas no meu descapotável antigo. Concedo que talvez fosse difícil isso acontecer na década de 1950, considerando o meu tom de pele acastanhado e as tensões raciais que à data se viviam, mas, na minha fantasia, a harmonia racial é um dos ingredientes.

De maneira que, para ficarmos a saber mais acerca da vida amorosa nessa era, o Eric e eu fomos a um complexo urbanístico para idosos no Lower East Side, em Nova Iorque, com o intuito de entrevistarmos algumas pessoas de idade.

Fomos equipados com uma enorme caixa de dónutes da ca-deia Dunkin’ Donuts e alguns copos de café, ferramentas que o staff do complexo nos dissera serem cruciais para convencer os velhotes a falarem connosco. E a verdade é que, mal sentiram o cheiro dos dónutes, os idosos se apressaram a puxar cadeiras e a responder às nossas perguntas.

Um homem de oitenta e oito anos chamado Alfredo não tardou a estabelecer uma relação próxima com os dónutes. Cerca de dez minutos depois do início da discussão, para a qual não contribuíra com mais nada para além da idade e do nome, olhou para mim com uma expressão de perplexidade plasmada no rosto, lançou as mãos para cima cobertas de massa de dónute e saiu.

Quando regressámos uns dias depois para fazermos mais en-trevistas, ele voltou a marcar presença. O staff explicou-nos que o Alfredo tinha compreendido mal o propósito do nosso encontro anterior — julgara que pretendíamos falar com ele acerca da sua experiência na guerra —, mas que agora estava completamente preparado para responder a questões sobre as suas experiências no amor e no casamento. Uma vez mais, não tardou a mandar um dó-nute pela goela abaixo e depois, em menos tempo do que o necessá-rio para limpar do lábio superior as últimas migalhas de um bolo de massa folhada, esfumou-se.

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26 O AMOR nOs tEMPOs MODERnOs

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Só espero que, depois de me reformar, a vida me presenteie com a oportunidade de morfar dónutes gratuitos com tanta facilidade.

Felizmente, conhecemos pessoas que foram mais informativas. A Victoria, de sessenta e oito anos, cresceu em Nova Iorque. Casou aos vinte e dois — com um homem que vivia no mesmo complexo de apartamentos, um piso acima dela.

«Estava em frente ao meu prédio com umas amigas e ele abor-dou-me», narrou a Victoria. «Disse que gostava muito de mim e perguntou-me se eu gostaria de sair com ele. Não respondi nada. E só depois de me fazer o mesmo convite duas ou três vezes é que aceitei sair com ele.»

Era o primeiro encontro romântico da Victoria. Foram ver um filme e depois jantaram na casa da mãe dela. Pouco depois torna-ram-se namorados e, após um ano de namoro, casaram-se.

Estão juntos há quarenta e oito anos.Quando a Victoria me contou a sua história, esta continha aspe-

tos que julguei serem comuns ao grupo — casou-se muito nova, os pais conheceram o namorado quase imediatamente a seguir ao primei-ro encontro e deram o nó num período de tempo relativamente curto.

Quanto ao facto de se ter casado com alguém que vivia no mes-mo edifício, entendi que seria um aspeto acidental.

Mas a mulher com quem falámos a seguir, a Sandra, de setenta e oito anos, disse ter-se casado com um sujeito que vivia do outro lado da rua.

O Stevie, de sessenta e nove anos, casou-se com uma mulher que vivia ao fundo do corredor do piso onde vivia.

O Jose, de setenta e cinco anos, casou-se com uma mulher que vivia a uma rua de distância.

O Alfredo casou-se com alguém que vivia do lado oposto da rua (provavelmente a filha do proprietário da casa de dónutes do bairro).

Notável. Ao todo, catorze dos trinta e seis idosos com quem fa-lei tinham-se casado com alguém que vivia a breves passos das suas casas de infância. As pessoas casavam-se com vizinhos que viviam na mesma rua, no mesmo bairro e até no mesmo edifício. Pareceu-me um tanto bizarro que tal tivesse acontecido.

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«Ouçam», disse-lhes. «Vocês estão em Nova Iorque. Nunca vos ocorreu algo do género: Hum, talvez haja mais pessoas para além das que vivem no meu prédio? Porquê limitarem-se tanto? Porque não expandirem os vossos horizontes?»

Limitaram-se a encolher os ombros e a dizer que não era assim que as coisas funcionavam.

Terminadas as nossas entrevistas, fizemos pesquisas para de-terminar se este padrão correspondia a uma tendência mais gene-ralizada. Em 1932, um sociólogo da Universidade da Pensilvânia, chamado James Bossard, examinou cinco mil licenças de casamento consecutivas, armazenadas em arquivo, relativas a pessoas que vi-viam na cidade de Filadélfia. E qual não é o nosso espanto quando deparámos com isto: um terço dos casais que contraíram matrimónio vivera num raio de cinco quarteirões antes de concretizar a união. Um em cada seis residira no mesmo quarteirão. E, o que é mais es-pantoso, um em cada oito casais tinha vivido no mesmo edifício antes de dar o nó.1

Talvez esta tendência ocorresse apenas nas grandes cidades? Bom, nas décadas de 1930 e 1940, muitos sociólogos levantaram essa mesma questão e publicaram as suas conclusões naquelas que eram, à época, as principais publicações na área das ciências sociais. É isso mesmo, as conclusões a que chegaram foram extraordinariamente parecidas com as do estudo de Bossard na cidade de Filadélfia, com algumas variações.

Por exemplo, as pessoas que viviam em cidades mais pequenas também se casavam com vizinhos/as quando estes/as estavam dis-poníveis. Mas quando não estavam, algo que acontecia com frequên-cia porque as possibilidades de escolha eram bastante reduzidas, as pessoas expandiam os seus horizontes — mas apenas na medida em que fosse necessário. Como afirmou o sociólogo de Yale John Ells-worth Jr., após a realização de um estudo dos padrões de casamento em Simsbury, no Connecticut (3941 habitantes): «As pessoas vão até onde tiverem de ir para encontrar um parceiro, mas não mais longe do que isso.»2

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Obviamente, hoje em dia as coisas são bastante diferentes. Aliás, descobri que os sociólogos já nem sequer fazem este tipo de estudos acerca da geografia do casamento no âmbito de uma ci-dade. No que a mim diz respeito, não me ocorre um único amigo ou amiga que se tenha casado com alguém que tivesse vivido no mesmo bairro, e praticamente ninguém que se tenha casado com

pRoXIMIDaDE GEoGRÁFICa DoS CÔNJuGES

EM 5000 CaSaMENtoS, FIlaDÉlFIa, 1932

MEsMO EnDEREÇO

12,64%

+20 QUARtEIRÕEs

17,8%

CIDADEs DIFEREntEs

17,8%

10 A 20 QUARtEIRÕEs

9,62%

4 A 10 QUARtEIRÕEs

10,16%

1 A 2 QUARtEIRÕEs

6,08%

MEsMO QUARtEIRÃO

4,54%

2 A 4 QUARtEIRÕEs

7,3%

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alguém da mesma cidade onde nasceu. A maior parte dos meus amigos casou-se com pessoas que haviam conhecido nos anos pós--universidade, quando conheceram gente de todo o país e, nalguns casos, de todo o mundo.

Pense no lugar onde passou a sua infância, no seu prédio ou no seu bairro. Consegue imaginar-se casado/a com algum desses pa-lhaços?

A ADULtEZ EMERGEntE:QuaNDo oS aDultoS CRESCEM

uma das razões pelas quais nos é tão difícil conceber a ideia de dar o nó com pessoas com quem crescemos é o facto de nos dias de hoje nos casarmos muito mais tarde do que as pessoas de gerações anteriores.

No caso da geração de pessoas que entrevistei no complexo urbanístico para idosos em Nova Iorque, a idade média de casa-mento rondava os vinte no caso das mulheres e os vinte e três no caso dos homens.

Hoje, a idade média situa-se nos vinte e sete no caso das mu-lheres e nos vinte e nove no caso dos homens. Em cidades grandes como Nova Iorque ou Filadélfia, ronda os trinta, tanto no caso dos homens como no das mulheres.

Porque é que a idade do primeiro casamento aumentou tão sig-nificativamente nas últimas décadas? Para os jovens que se casavam na década de 1950, o matrimónio era o primeiro passo para a idade adulta. Terminados os estudos liceais ou universitários, casavam-se e saíam de casa. Já nos dias que correm, o casamento corresponde por norma a um dos últimos estádios da idade adulta. Hoje, a maior parte dos jovens na casa dos vinte e dos trinta encontra-se noutro estádio da vida, um estádio em que dedicam o seu tempo aos estu-dos universitários, ao início de uma carreira e à experiência de viver como adulto fora da casa dos pais antes do casamento.

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Durante este período, o propósito maior não é a procura de um parceiro e o casamento. Há outras prioridades: investir na educa-ção, experimentar diferentes empregos, envolver-se em diferentes relacionamentos amorosos e, com sorte, tornar-se uma pessoa mais plena. Os sociólogos criaram, inclusive, uma designação para este novo estádio: adultez emergente.

Durante este estádio, também acabamos por expandir o nos-so universo de opções românticas. Em vez de permanecermos no nosso bairro ou no nosso prédio, mudamo-nos para novas cidades, passamos anos a conhecer diferentes pessoas em contexto univer-sitário e nos locais onde trabalhamos, e — referindo-me agora ao

IDaDE MÉDIa Do pRIMEIRo

CaSaMENto NoS EStaDoS uNIDoS

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1950 1960 1970 1980 1990 2000 2014

HOMEns

MULHEREs

Fonte: Departamento de Recenseamento dos Estados Unidos, Recenseamento Decenal, 1890 a 1940, e Recenseamento Geral da População

Atual, Suplementos Sociais e Económicos Anuais, 1947 a 2014.

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elemento que operou as mudanças mais significativas — temos ao nosso alcance as infinitas possibilidades proporcionadas pelos en-contros românticos online e outras tecnologias similares.

Para além dos efeitos que tem no casamento, a adultez emer-gente também oferece aos jovens um excitante e divertido período de independência em relação aos pais, durante o qual têm a opor-tunidade de desfrutar dos prazeres da idade adulta — antes de se tornarem maridos e mulheres e constituírem família.

Se o leitor for como eu, não consegue sequer conceber a ideia de se casar sem passar por tudo isto. Quando tinha vinte e três anos, não fa-zia a mais pálida ideia do que ia ser em adulto. Estava a fazer uma dupla especialização em gestão e biologia. Ia mesmo casar-me com uma ra-pariga qualquer que tinha vivido a alguns quarteirões de mim em Ben-nettsville, na Carolina do Sul, nos meus tempos de miúdo? E, já agora, o que é que eu pretendia ao certo com aquela coisa enigmática da «ges-tão em biologia»? Não faço ideia. Era um idiota que definitivamente não estava preparado para tomar decisões de vida tão importantes.*

Os idosos com quem falámos pura e simplesmente não viveram esse estádio, e foram muitos os que pareceram lamentar esse facto. Essa posição aplicava-se em especial às mulheres, que não tinham grandes possibilidades de ingressar no ensino superior e iniciar as suas carreiras. Antes da década de 1960, na maior parte do território americano, as mulheres solteiras não viviam sozinhas, e muitas fa-mílias viam com maus olhos a ideia de as filhas saírem de casa para partilharem o mesmo espaço com outras «raparigas trabalhadoras». Até ao casamento, estas mulheres basicamente ficavam presas em casa sob uma supervisão consideravelmente rígida e careciam das mais básicas competências de autonomia adulta. Eram sempre obri-gadas a informar os pais acerca dos sítios onde iam e dos planos que tinham. Até mesmo no capítulo dos encontros com alguém do sexo oposto, o envolvimento parental era bastante forte. Das duas uma: ou eram sujeitas ao processo de aprovação do rapaz em questão por parte dos pais ou estes acompanhavam-nas nos encontros amorosos.

* A minha tatuagem do Bubba Sparxxx é um lembrete constante disso mesmo.

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Uma ocasião, no contexto de um encontro com um grupo focal constituído por mulheres idosas, comecei por perguntar de chofre se era comum as mulheres da idade delas se casarem com o único intuito de saírem da casa dos pais. Todas as presentes assentiram com a cabe-ça. Aos olhos das mulheres desta época, parecia que o casamento era o veículo mais fácil para adquirirem as liberdades básicas da idade adulta.

No entanto, as coisas não eram propriamente um mar de ro-sas depois de tomada essa decisão. A maior parte das mulheres não tardava a perceber que o casamento as libertava dos pais mas tornava- -as dependentes de um homem que podia ou não tratá-las bem e depois delegava nelas a totalidade das responsabilidades domésticas e da educação dos filhos — o que colocou as mulheres dessa épo-ca perante aquilo que Betty Friedan, autora do sucesso de vendas The Feminine Mystique, à data definiu como «o problema que não tem nome».* A partir da altura em que as mulheres começaram a entrar no mercado de trabalho e conquistaram o direito ao divórcio, a taxa de divórcio subiu em flecha. Algumas das mulheres mais ve-lhas que conheci nos nossos grupos focais tinham deixado os respe-tivos maridos no apogeu da revolução do divórcio, e disseram-me que sempre tinham lamentado o facto de não terem podido viver algo único e especial: a experiência de ser uma jovem mulher solteira sem outras responsabilidades que não as próprias.

Queriam uma adultez emergente.«Sinto que perdi uma fase da minha vida, a fase onde se sai

com os amigos», confidenciou-nos melancolicamente uma mulher chamada Amelia. «Nunca pude sair com amigos. O meu pai não me deixava. Era rígido a esse ponto. De maneira que hoje digo às mi-nhas netas: “Divirtam-se. Divirtam-se. Só depois disso é que devem pensar no casamento.”» Esperemos que estas palavras não induzam as netas da Amelia a consumirem ecstasy à fartazana e dizerem de-pois à mãe: «A avó disse-me para me divertir! Deixa-me em paz!!!»

O sentimento atrás mencionado era amplamente partilhado. Todas as mulheres, incluindo as que diziam ter um casamento feliz,

* Na primeira versão do livro, Friedan deu ao problema o nome «Hampton», mas os seus

editores disseram-lhe que não era suficientemente apelativo.

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manifestaram o desejo de que as filhas e netas tivessem uma visão do casamento diferente da sua. Queriam que as mulheres jovens que conheciam andassem com muitos homens e vivessem diferentes re-lações antes de se unirem a alguém pelo matrimónio. «Disse à minha filha para sair, para tirar um curso, comprar um carro, fazer por se divertir», disse a Amelia. «E só mais tarde, depois de vividas todas essas experiências, é que devia escolher alguém com quem ficar.»

Até a Victoria, que estava casada há quarenta e oito anos com o homem que fora criado no apartamento por cima do seu, con-cordou. Sublinhou que amava profundamente o marido, mas deu a entender que, caso outras oportunidades se lhe tivessem apresentado, talvez tivesse seguido um caminho diferente.

«Compreendemo-nos, eu e o meu marido», explicou. «Mas so-mos muito diferentes. Por vezes pergunto-me o que teria acontecido se me tivesse casado com alguém com os mesmos interesses que eu...» Depois calou-se.

Quem sabe se não teria um especial interesse por dónutes e es-taria a pensar numa vida com o Alfredo?

O LUXO DA FELICIDADE:Do CoMpaNHEIRISMo ao CaSaMENto CoM a alMa GÉMEa

a mudança operada relativamente à altura em que procuramos o amor e o casamento foi acompanhada por uma alteração naquilo que procuramos num cônjuge. Quando as pessoas mais idosas que entrevistei descreveram as razões pelas quais namoraram, se tornaram noivos/as e depois casaram com os respetivos cônjuges, disseram coisas como: «Pa-receu-me um tipo de boa índole», «Era uma rapariga simpática», «Ele tinha um bom emprego» e «Ela tinha acesso a dónutes e eu gosto de dónutes».*

* É isso mesmo. Refiro-me ao Alfredo.