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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIAInstituto de Ciência Política
Mestrado em Ciência PolíticaAnálise de Políticas Públicas e Processos Decisórios
Fichamento de “Redes de Políticas Públicas”. Laura Chaqués Bonafont. Madrid: Siglo Vientiuno de Espana Editores, 2004.
Kleber Chagas Cerqueira (Matrícula: 0960969). Maio de 2009.
O livro de Laura Bonafont objetiva explicar a contribuição da análise
de redes ao estudo de políticas públicas, como uma abordagem capaz de
superar limitações de abordagens anteriores, como a pluralista, a escolha
racional e a neoinstitucionalista, aproveitando vários aspectos de dessas
perspectivas.
A análise de redes configura-se, assim, como um marco teórico
alternativo capaz de explicar mudanças recentes importantes na forma de
dirigir e gerir os problemas públicos.
O fato de a análise de redes ter se desenvolvido sob a influência de
correntes distintas – pluralismo, neocorporativismo – explica em parte o
porquê de não se constituir numa abordagem homogênea, sendo
caracterizada, ademais, pelo uso de diversas metodologias.
Bonafont começa sua revisão das abordagens teóricas sobre políticas
públicas afirmando, com Aguilar (1996), que essas abordagens se dividem
em duas posições contrapostas, quanto a sua natureza e ao instrumental
analítico que adotam: a perspectiva racional e a perspectiva transacional ou
negociadora.
A análise das políticas públicas como disciplina na Ciência Políticas
tem suas origens na perspectiva racional, nascendo, nos Estados Unidos, na
primeira metade do século XX, com os trabalhos de Charles Merriam e da
Escola de Chicago, como resposta à expansão da intervenção
governamental na sociedade e com uma vocação claramente prescritiva.
Assumia-se, então que especialistas poderiam definir, de modo objetivo e
eficiente, os melhores programas e ações de governo, este visto como um
tomador de decisões racional.
Como precursora da revolução comportamentalista na Ciência
Política, em meados do século XX, e apoiada no uso abundante de métodos
quantitativos, a Escola de Chicago concentrou-se na resolução “científica” de
problemas mensuráveis – relegando a segundo plano tudo que não o fosse –
refletindo, assim, uma concepção elitista de democracia, onde o poder de
decisão deve pertencer a poucos e a participação democrática fica reduzida
à escolha, pelos eleitores, daqueles que tomarão as decisões por eles.
As limitações do enfoque racional são de várias ordens, tanto no nível
normativo quanto no empírico. Quanto a este último, questiona-se a ilusão de
pensar o planejamento fora de cada contexto específico, bem como o
postulado do governo como agente neutro entre os conflitos sociais.
Como exemplo dessas limitações, Bonafont cita a avaliação de Stiglitz
(2002) sobre a receita do FMI para o ajuste estrutural das economias menos
desenvolvidas, consolidados no chamado “Consenso de Washington”
(Williamson, 1989): estranha mistura de ideologia com má economia que
produziu resultados insatisfatórios, quando não perversos, reproduzida
rotineiramente, sem qualquer participação ou debate com os envolvidos.
Uma das críticas de maior impacto ao enfoque racional foi efetuada
pelo incrementalismo (Lindblom), segundo o qual, a elaboração de políticas
públicas é um processo muito dinâmico de aproximação sucessiva, em que
as políticas nunca se finalizam: se fazem e refazem indefinidamente, a partir
da experiência adquirida e da negociação constante entre os atores no
processo. Daí a impossibilidade de se planificar a longo prazo e o risco de
mudanças radicais, já que não se podem prever todos seus resultados.
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O modelo das janelas de oportunidades, de Kingdon (1995) contesta a
capacidade explicativa do incrementalismo ao mostrar como muitas
mudanças são resultado mais de casualidades que de adaptação estratégica
e negociada entre os atores. Os problemas se incorporam à agenda
governamental num processo de confluência de três fluxos: (1) surgimento e
reconhecimento de um novo problema pela sociedade; (2) idéias disponíveis
para conceitualizar o problema; e (3) contexto político em que se desenrola a
ação. Para que ocorra a mudança é necessária a ocorrência de uma
situação favorável, de confluência: a janela de oportunidade política. Logo,
trata-se de uma concepção que dá peso especial ao debate de idéias,
introduzindo-as como variável explicativa.
O enfoque pluralista (Dahl) vai, a partir de meados do século XX,
contrapor-se à democracia elitista implícita na Escola de Chicago,
propugnando um modelo de sociedade composta por grupos diversos em
conflito, sendo a elaboração de políticas públicas a resultante democrática
desses conflitos. Mas o excessivo individualismo e até reducionismo
implicado na abordagem pluralista, ao só procurar explicar o conflito
observável, impede que se investiguem dimensões cuja não manifestação é,
muitas vezes, ela própria, importante indicação da estrutura política que se
quer explicar. Por exemplo: a distribuição do poder e o acesso dos indivíduos
e grupos à manifestação de suas opiniões.
A tentativa de superar as limitações dos modelos de escolha racional
em seus aspectos irrealistas, aproveitando, todavia o rigor e capacidade
analítica da abordagem, se inscreve dentro do programa neoinstitucionalista.
Nele se considera que as instituições têm peso importante no modo como se
articulam interesses e preferências dos atores e em sua capacidade de influir
no resultado político de suas ações.
O neoinstitucionalismo enfatiza a autonomia das instituições na vida
política, vendo-as também como atores políticos. Enquanto os enfoques do
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pluralismo e da escolha racional são excessivamente contextuais e
“sociocêntricos”, não considerando as instituições, nem mesmo o Estado
como variáveis explicativas, mas como meras “arenas” onde se dá a disputa
política, o neoinstitucionalismo considera as instituições como as regras do
jogo por meio das quais atuam os demais atores.
Não sendo uma abordagem homogênea, distingue-se o
neoinstitucionalismo em pelo menos duas perspectivas: a racional-
econômica e a histórica-estrutural. Na primeira, as preferências individuais
são consideradas exógenas às instituições, enquanto que na segunda
perspectiva elas são o resultado da ação num determinado contexto
institucional.
Na perspectiva histórica do neoinstitucionalismo as instituições são
resultado de um processo histórico de disputa pelo poder entre os atores.
Mas, uma vez criadas, tendem a perpetuar-se. Elas são importantes porque
determinam os atores que participam da política, as estratégias, agendas e
informações disponíveis. São como uma memória social, refletindo os
conflitos do presente pelo legado institucional do passado.
O problema do institucionalismo histórico está na pouca atenção ao
desenvolvimento de modelos sofisticados que ampliem o conhecimento
sobre como as instituições afetam o comportamento individual e coletivo.
Na perspectiva da escolha racional, o neoinstitucionalismo enfatiza o
papel de interação estratégica entre os atores na determinação do resultado
político. As instituições condicionam os comportamentos individuais ao
determinar as alternativas possíveis e a estrutura de trocas, além de reduzir
as incertezas. As instituições são resultado de um cálculo racional de
redução de custos transacionais.
Desse modo, a abordagem também sofre de um problema de
reducionismo, por tomar os interesses e preferências individuais como algo
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dado exteriormente, desfazendo-se assim da análise histórica para explicar o
surgimento das instituições.
Nas últimas décadas, a análise de políticas públicas caracterizou-se
pelo desenvolvimento de novos marcos analíticos. Os mais relevantes foram
o modelo das janelas de oportunidade (Kingdon), o modelo de coalizões de
defesa (Sabatier/Jenkins-Smith), os enfoques neoinstitucionais tanto na
perspectiva histórica (Hall) como na da escolha racional (Ostrom) e a análise
de redes.
Nenhum desses modelos ou abordagens oferece uma explicação
totalmente nova nem completa sobre o processo de formulação e
implementação de políticas públicas. Antes são enfoques complementares
cuja combinação pode permitir um avanço da pesquisa e do entendimento
que temos dessa dimensão da prática política.
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