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Metodologia para a Ciência Política 1Professor Carlos Batista – 1º/2008
Aluno: Kleber Chagas Cerqueira
Fichamento de Leitura:
“A Política – Lógica e Método das Ciências Sociais” – Giovanni Sartori.
Introdução: a leitura proposta é dos capítulos 5, 7 e 8 do livro de
Sartori. Situando-os no contexto da obra, o objetivo geral do autor, no livro, é
estabelecer as bases metodológicas (o método e a lógica) da Ciência
Política, partindo de uma exposição de sua terminologia própria (sua
linguagem).
Capítulo 5: A Ação Conduzida Inteligentemente. Após abordar, no
capítulo 4, a problemática das relações entre teoria e prática, Sartori conclui
que “o verdadeiro problema da conversão do pensamento em ação se
apresenta sob duas condições: I) quando a teoria é adequada; [e] II) quando
a conversão é direta. Só com essas duas condições se dá (diria Dewey) uma
‘ação conduzida inteligentemente’.”
A partir daí, Sartori se ocupa do “saber relativo aos projetos”, aquele
que se converte em prática e, especificamente, da ação política conduzida
inteligentemente, ou seja: “em que medida uma ciência da política sabe
projetar a ação”, prevendo seus resultados.
Afastando a objeção tradicional – que considera fictícia – de que a
política é uma arte, ele lembra da diferença crucial entre as acepções de
política como “ação política” (esta sim arte) e como “conhecimento da
política” (considerada ciência).
Em seguida, ele indaga se a ciência política tem objetivo prático ou
científico. Considera esse também um falso dilema e conclui que “a ciência
política é ciência quanto ao metodo, mas prática quanto aos fins (e nisto não
difere de todas as outras ciências).
Fixada a natureza da ciência política como ciência aplicada, como
saber relativo a projetos, Sartori reflete sobre a organização de um
“programa de intervenção, em pequena escala, sobre problemas localizados
e específicos”, para concluir que tal procedimento é raramente aplicável
pelos governos pelo fato de que “as intervenções em escala pequena não
são reproduzíveis exatamente em escala muito maior”.
A alternativa é “um saber relativo a projetos, em escala natural, útil
para macrointervenções”: um “cálculo de meios”, já que “a ciência política é
um saber operativo, enquanto constata se os meios são, em cada caso,
adequados aos fins propostos”.
Os meios são classificados em “materiais” e “de atuação”,
subdividindo-se estes últimos em “técnicos” e “instrumentais”. Daí resulta a
análise dos meios sob as ópticas de sua suficiência (materiais) e de sua
idoneidade (meios de atuação), que Sartori usa para resumir,
esquematicamente, o cálculo dos meios em quatro fases: i) a constatação da
suficiência dos meios; ii) a verificação de sua idoneidade; iii) a verificação do
efeito sobre outros fins; e iv) a verificação de se os meios ultrapassam o
objetivo previsto. A tese é exemplificada com o objetivo (fim) da igualdade
econômica, onde se conclui que a ciência política examina alternativas de
ação sob o foco de sua factibilidade, de seu custo (político, econômico) e de
seus efeitos cumulativos e compostos.
Em resumo, o cálculo político dos meios é condição necessária para
uma ação conduzida inteligentemente; mas não condição suficiente: “um
saber operativo não se baseia apenas num esquema analítico, como o
cálculo dos meios. Este cálculo sempre implica um ‘modo de pensar’ que
podemos chamar de lógica da razoabilidade”.
Diferença entre lógica pura e lógica operativa: “a ação racional não é
necessariamente razoável”. “A racionalidade caracteriza o pensamento, a
razoabilidade o viver, melhor dito, o conviver”. Ambas derivaam da razão e,
conseqüentemente, da lógica, mas há também uma ‘lógica pura’ e uma
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lógica empregada no contexto empírico (também ‘pragmática’, ‘aplicada’ ou
‘operativa’). A lógica pura é a lógica da descoberta e da demonstração. A
lógica empírica é a lógica da verificação. “Na primeira, o critério de verdade é
a coerência; na segunda, a prova. No domínio da lógica pura, não há
necessidade de confronto dos enunciados com uma realidade exterior. No
domínio da lógica empírica, “se uma teoria não funciona na prática, é falsa”.
Problemas metodológicos típicos do conhecimento destinado à
aplicação (saber operativo): i) raciocínio por ‘caso limite’; ii) o peso das
palavras; iii) a contradição como argumento; e iv) o problema das partidas
invisíveis.
O raciocínio por ‘caso limite’ advem do fato de que “a força da lógica
está no seu rigor” e de que esse rigor “nos induz a formular e a estudar os
problemas nos seus limites”. “Esse é justamente o erro ‘prático’ do rigor
lógico: pôr em evidência a exceção, que termina adquirindo uma importância
maior do que a regra”.
O peso das palavras tem a ver com a necessidade de ponderação
(principalmente em termos de intensidade e de extensão) entre a montanha
de fatos observáveis: “uma ‘razão aplicada’ que não pondere as palavras
corre o risco de fazer castelos no ar. As relações universais e atemporais
formuladas por uma lógica pura não servem para a lógica empírica, a não ser
depois de devidamente ponderadas”. Exemplos das noções de autogoverno
e de participação, cujas intensidades estão na razão inversa de suas
extensões.
Quanto ao argumento da contradição, dado que o princípio da não
contradição é fundamental no campo da lógica, “nem tudo o que é
‘contraditório’, em termos estritamente lógicos, é de fato contraditório em
termos de lógica operativa”.
As partidas invisíveis são os elementos de realidade ou de uma
problemática que escapam à inteligibilidade, à capacidade cognitica, do
pesquisador. Tomar consciência deles – que é tomar consciência dos limites
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de seu próprio saber – é um requisito da ação conduzida razoavelmente.
Exemplo do “capital axiológico”, constituído por capitais invisíveis
acumulados ao longo da história: valores, princípios morais, tradições, etc.
A configuração dos problemas políticos, seu objeto, refere-se a um
“campo de equilíbrios”: “o modelo que preserva melhor as características da
política é o do ‘equilíbrio’”. Equilíbrio não como ausência de conflitos ou de
transformação, mas “refletindo um jogo variado e cambiante de ‘pesos’ e
‘contrapesos’, de pressões e contrapressões”.
Embora os equilíbrios sistêmicos (políticos, sociais, econômicos) sejam
multilaterais, por envolverem muitos atores, quando se contrasta globalmente
governantes e governados tem-se um equilíbrio dicotômico ou bilateral. Tal
modelo ajuda a compreender os pontos de ruptura, as situações
revolucionárias e as falhas dos sistemas políticos. Os sistemas políticos de
maior estabilidade estão situados na região entre o “excesso de equilíbrio”
(= ingovernabilidade; ponto de ruptura nas democracias) e o “desequilíbrio
excessivo (ponto de ruptura nas ditaduras).
A compreensão dos processos de equilíbrio no interior dos sistemas
políticos – sua dinâmica interna – leva à consideração dos equilíbrios
multilaterais. Estes podem ser de tipo estável (conservador, típico das
ditaduras), instável (cambiante, característico das democracias). Entre os
dois casos limites dos sistemas baseados na coerção ou no consentimento,
há uma situação mais próxima da realidade, caracterizada pela idéia de
“aceitação” do sistema, fenômeno de auto-regulação, num “campo de
desequilíbrios que geram forças reequilibrantes”, onde atuam, em
combinações variadas, coerção e consentimento.
A analogia da abóboda, construção que se sustenta pela força de cada
pedra em direção a sua própria queda, exemplifica a estabilidade e
durabilidade de regimes ditatoriais que muitas vezes têm pouquíssimos
defensores. O medo e o isolacionismo generalizados contribuem para essa
inércia e perpetuação: são como abóboda do medo.
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O princípío do perigo oposto é a advertência da necessidade da
avaliação de oportunidade: de que toda conduta, se ultrapassa certo limite,
pode converter-se no seu oposto, gerar efeitos contrários ao que produzia
anteriormente.
Capítulo 7: Que é a Política? A idéia de política tem uma longa
trajetória histórica e seu significado variou imensamente nesse percurso. Da
noção grega de totalidade e sentido da vida em coletividade na polis,
passou-se à noção romana do grupamento humano baseado no
consentimento da lei (iuris societas de Cícero) e do homem não mais como
animal político (Aristóteles), mas como animal social, que perdeu sua polis e
adaptou-se à vida numa cosmópolis (Sêneca).
Qualquer aproximação simplista da noção grega de política com as
acepções contemporâneas peca por desprezar dimensões essenciais do
contexto grego, como por exemplo a quase inexistência de uma verticalidade
hierárquica típica do conceito contemporâneo de política.
Os escritores medievais e os renascentistas ainda guardavam essa
visão horizontal da concepção aristotélica da política, contrapondo o
dominium politicum ao dominium regale e ao dominium despoticum, estes
sim expressões da verticalidade. A tradução atual mais apropriada daquele
dominium politicum seria “a boa sociedade”, uma sociedade sem Estado.
Mas até Maquiavel, a política está sempre associada a algum outro
campo do sabe: à ética entre os gregos; ao direito entre os romanos; à
teologia na Idade Média. Não constituía assim um campo de saber autônomo
e específico. Sua autonomização como campo de saber específico nasce
com a obra do florentino. Para ele a política tem suas próprias razões, não se
confundindo com moral nem com religião.
Já Hobbes, embora superando o italiano tanto da autonomização da
esfera do político quanto na busca de uma metodologia própria, científica,
inspirada nos avanços teórico-metodológicos já assentados por Bacon,
Galileu e Descartes, nunca tirou de Maquiavel o título de fundador da ciência
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política, porque seu método era dedutivo – próprio das ciências lógico-
matemáticas. Ele não observava o mundo real.
Mais complicada e demorada que a separação conceitual entre política
e moral foi a separação entre política e sociedade, atribuída a Locke, no bojo
de sua teorização sobre o direito da maioria e a regra majoritária, na doutrina
contratualista.
A autonomização da sociedade com relação ao Estado veio imbricada
em outra separação: a da esfera econômica. Foram os economistas liberais
do século XVIII (Smith, Ricardo) que primeiramente demostraram como a
vida comum prosperava e se desenvolvia sem a intervenção do Estado.
O desenvolvimento da sociologia, a partir de Montesquieu, Saint-Simon
e, especialmente, de Comte levou o descolamento do social ao paroxismo de
passar a englobar todas as demais dimensões da realidade, incluindo a
política, comprometendo a identidade mesma desta.
Atualmente, e paradoxalmente, a política vive uma crise de identidade
que pode ser medida por seu desaparecimento, como verbete, na edição de
1965 da Encyclopaedia Britannica. Paradoxalmente porque a política tem
uma presença cada vez mais difundida e intensa no mundo contemporâneo.
“As dificuldades da ciência política contemporânea decorrem, em não
pequena parte da atividade política, isto é, do seu objeto”.
Capítulo 8: A Política como Ciência
É preciso remontar à própria definição de ciência para resolver
problemas típicos da definição do campo da ciência política, como, por
exemplo, definir se Aristóteles e Maquiavel devem ser considerados
“cientistas políticos” e se fizeram “ciência política”.
Do mesmo modo, pensadores recentes que se utilizaram do método
histórico-dedutivo (não científico), como Mosca, Pareto e Michels, no entanto
formularam leis (objetivo nobre da ciência) da política até hoje presentes no
debate politológico.
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Por outro lado as contribuições mais perenes e atuais de pensadores
modernos sobre a política não vem dos que empregaram métodos científicos
rigorosos e até matemáticos ao estudo da política ( como Condillac, Mettrie e
d’Holbach) mas daqueles que não o fizeram: Hume, Burke, Montesquieu e
Rousseau.
Assim, mais importante nessa caracterização do campo da ciência
política que a cientificidade intrínseca da disciplina seria sua autonomia com
relação às demais abordagens dos problemas políticos, especialmente da
filosofia. Segundo Bobbio, o tratamento filosófico dado às questões políticas
diferencia-se do tratamento dado pela ciência política por não ser empírico,
ou por ser normativo e prescritivo ou por ser valorativo e axiológico.
Contrapostamente, a ambição de cientificidade da ciência política escora-se
nos seguintes critérios constitutivos do método científico: princípio da
verificação, a explicação e a isenção de valores.
Aprofundando a distinção entre filosofia e ciência, a primeira seria
caracterizada por: dedução lógica, justificação, atribuição de valores
normativos, caráter universal e fundamental, metafísica de essências e
inaplicabilidade. Em contraste, a ciência seria o pensamento caracterizado
por: verificação empírica, explicação descritiva, isenção de valores,
particularidade e cumulatividade, constatação de essências (existências?) e
operacionalidade e operatividade.
Além dessas distinções, há um divisor de águas lingüístico,
caracterizado pela diversidade dos respectivos intrumentos lingüísticos: na
filosofia, baseado no uso meta-empírico da linguagem, no qual as palavras
assumem um significado ultra ou meta-representativo; na ciência, baseado
num amplo vocabulário denotativo, de origem observacional e descritiva.
Num balanço final, na década de 1970, os exageros da revolução
comportamentalista foram reconhecidos e corrigidos pelos próprios
responsáveis, superando-se a fase hiperfatualista. Todavia persistiam o
tecnicismo excessivo e o abuso de fórmulas matemáticas que escondem
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ausência de substância. Segundo Easton, nos anos 60 tivemos a passagem
da ciência política “sintética” à ciência política “teórica”, ainda que,
teoricamente, a disciplina se encontre em plena diáspora, o que pode ser
visto como uma fecunda crise de crescimento (maturidade), na medida em
que as múltiplas teorias vão sendo elaboradas “endogenamente”, sem tomar
emprestado de outras áreas, mas frutos de reflexões do próprios politólogos.
As contribuições da abordagem comportamentalista no sentido de uma
maior cientificidade da ciência política são contrapostas à redução de seu
objeto (a política) e da capacidade de refletir sobre as estruturas mais gerais
como o “sistema político”.
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