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FILOSOFIA MORAL MANUAL INTRODUTIVO

Filosofia Moral, Manual Introdutóriob

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FILOSOFIA MORAL

MANUAL INTRODUTIVO

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‘ 'aterial com direitas autorais

Título originalFilosofia morale — Manuale introduttivo © 1999 Edizioni Angelo Guerini e Associati SpA viale Filippetti, 28 — 20122 — Milano ISBN: 88-7802-986-6

PREPARAÇÃO: Albertina P. Leite Piva DIAGRAMAÇÃO: Miriam de Melo Francisco REVISÃO: Rita de Cássia M. Lopes

Edições LoyolaRua 1822 n° 347 - Ipiranga04216-000 Sào Paulo, SPCaixa Postal 42.335 - 04218-970 - São Paulo, SP<£.: (0**11) 6914-1922^:(0**11) 6163-4275Home page e vendas: www.loyola.com.br

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Editorial: [email protected]: [email protected]

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma eSou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora.

ISBN: 85-15-02826-3© EDIÇÕES LOYOLA, São Paulo, Brasil, 2004

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................9

PRIMEIRA PARTE

TEORIA

capítulo primeiro; A ÉTICA E O SEU OB1ETO......................................................................................19

1.Questões terminológicas e definidoras.............................................................................192.Moral, imoral e não moral...................................................213.A evolução histórica da moralidade....................................23

capítulo secundo: A ÉTICA DESCRITIVA......................................27

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1.A ética e o papel das ciências humanas e sociais..................................................................272.Ética, psicologia e ciência cognitiva...................................293.Ética e desenvolvimento moral..............................................11

CAPÍTULO TERCEIRO: A METAÉTICA.................................................................................................35

1.A "guinada lingüística"........................................................352.Linguagem moral e linguagem comum...................................................................................363.Os termos morais...............................................................374.O problema do significado..................................................40

CAPÍTULO QUARTO: A ESTRUTURA TEORÉTICA DA ÉTICA NORMATIVA . 47

1.As duas formas fundamentais de teoria ética.............................................................................472.Éticas teleológicas..............................................................503.Éticas deontológicas...........................................................524.A doutrina do "duplo efeito"...............................................575.A intenção...........................................................................59

capítulo QUINTO: Q PROBLEMA DO FUNDAMENTO ........................................................................... . .63

1.Considerações gerais.......................................................... 632.O raciocínio de Sócrates..................................................... . .643.Ontologia e gnosiologia em ética.......................................66

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capítulo sexto: AS VIAS DO FUNDAMENTO............................................................................69

1.O supernaturalismo............................................................692.O naturalismo.....................................................................713.Outras formas de naturalismo............................................744.O reducionismo e o problema da autonomia da ética................................................................775.O não-naturalismo..............................................................78

capítulo sétimo: O NÃO-COGNITIV1SMO....................................83

1.Realismo, cognitivismo e não-cognitivismo...........................................................................832.A "lei de Hume"................................................................... . .853.Objetivismo e subjetivismo em ética.......................................................................................894.O relativismo......................................................................95

capítulo OITAVO: OS "PRECONCEITOS" TEORÉT1COS EM ÉTICA..............................................................99

1.A antiteoria.........................................................................992.O preconceito antropocêntrico........................................... 1023.O preconceito de geração................................................... 1054.O preconceito sexista......................................................... 108

SEGUNDA PARTEHISTÓRIA

CAPÍTULO NONO: AS ORIGENS .................................................. 1 13

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1.A moral entre mito, poesia.................................................e textos sagrados 1132.O primeiro milênio a.C. no

longínquo Oriente 1153.O primeiro milênio a.C. no Oriente próximo 117

CAPÍTULO DÉCIMO: A ÉTICA GREGA........................................... 1191.Características gerais......................................................... 1192.Os sofistas.......................................................................... 1203 Sócrates e Platão................................................................ 1234.Aristóteles.......................................................................... 125

Material ce~i aireiics -.utor

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5.Estoicismo e epicurismo..................................................... 1326.Os desenvolvimentos da ética grega.................................. 135

CAPÍTULO DÉCIMO PRIMEIRO: A ÉTICA CRISTÃ.......................................... ........................... 1391.O cristianismo e a herança grega....................................... 1392.Santo Agostinho................................................................. 1413.De santo Agostinho a santo Tomás.................................... 1444.Santo Tomás....................................................................... 1475.Os desenvolvimentos da filosofia cristà............................. 152

capítulo décimo segundo: A ÉTICA NA ÉPOCA DA SECULARIZAÇÃO .. 1571.Referências históricas........................................................ 1572.O jusnaturalismo moderno................................................. 1593.Descartes e Spinoza........................................................... 1624.O lluminismo europeu e |ean-|acques Rousseau................ 1645.Emanuel Kant..................................................................... 167

CAPÍTULO DÉCIMO TERCEIRO: A ÉTICA INGLESANOS SÉCULOS XVII E XVIII....................... 175

1.Hobbes e Locke.................................................................. 1752.As teorias do "sentido moral"............................................. 1793.David Hume........................................................................ 1834.O utilitarismo e os seus desenvolvimentos........................ 185

CAPÍTULO DÉCIMO QUARTO: A ÉTICA NO SÉCULO XIX .............. 1951.O idealismo alemão............................................................ 1952.Schopenhauer, Nietzsche e a ética dos valores................. 1983.O positivismo europeu e a ética evolucionista................... 201

capítulo décimo quinto: O PANORAMA DA ÉTICA NO SÉCULO XX 2051.Considerações gerais......................................................... 2052.A primeira metade do século: neo-idealismo,

pragmatismo e existencialismo.......................................... 2063.A psicanálise....................................................................... 2104.O lugar da razão em ética.................................................. 2125. lürgen Habermas e a ética do discurso.............................. 2136.O neocontratualismo.......................................................... 2147.A sociedade justa de Rawls................................................ 2168.O prescritivismo universal de Hare..................................... 2189.As éticas dos direitos.......................................................... 220

capítulo décimo sexto: A ÉTICA APLICADA............................................................................. 2231. O nascimento da ética aplicada......................................... 2232. Ética dos negócios e das profissões................................... 2253. Ética do ambiente.............................................................. 2274. Ética para os animais não humanos................................... 2315 A bioética............................................................................ 232

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BIBLIOGRAFIA............................................................................ 249INTRODUÇÃO

s filósofos moralistas costumam dizer que a disciplina deles se ocupa de problemas morais de "segundo nível". Os problemas morais de "primeiro nível" são aqueles

com os quais todos nós estamos ou poderíamos estar comprometidos em nossa concreta experiência moral. Por exemplo, fazemos muitas vezes juízos morais sobre pessoas ou ações, sobre práticas sociais (como a política fiscal do governo ou a questão do aborto), ou sobre ideais de vida. Às vezes, esses juízos diferem dos de outras pessoas, e pode acontecer de nos envolvermos numa discussão com os outros na qual exigimos, ou exigem de nós, que se justifiquem os juízos, ou seja, que se ofereçam razões convincentes pelas quais fizemos certa avaliação. Pode se dar também o caso de o juízo não se referir ao que já aconteceu, mas dizer respeito a uma escolha que devemos fazer; também nesse caso sentimos às vezes a necessi-dade de justificar a ação que estamos por realizar. Naturalmente isso não acontece sempre, uma vez que, em geral, o código moral e os modelos de comportamento que adquirimos mediante os usuais processos educativos permitem que nos orientemos de modo satisfatório na vida moral comum. Há ocasiões, porém, em que ficamos em dúvida sobre o que a moral exige seja feito. Pode ser que as circunstâncias específicas do caso sejam tais que não fica

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claro para nós qual das possíveis condutas convém mais a nosso dever. Pode acontecer também de não conseguirmos identificar exatamente que dever temos naquele caso. ou de as modalidades de cumprimento do dever, no caso específico, darem lugar a conseqüências que nos parecem contradizer outros nossos deveres ou crenças morais. Enfim, pode se dar o caso (para sorte nossa, muito raro) em que nenhuma das possíveis soluções indicadas pela moral comum consiga salvar todos os valores em jogo, e a escolha, que. aliás, pode ser inevitável, pareça ameaçar nossa própria inte-gridade moral.

Em todos esses casos (cuja freqüência, convém reafirmar, não deve ser exagerada) as pessoas podem se ver desenvolvendo um trabalho de reflexão "moral" com o qual o trabalho do filósofo — que podemos chamar de reflexão "ética" (no capítulo primeiro, § 1, vamos esclarecer o uso desses adjetivos) — está em continuidade direta, ainda que seja, como se dizia, num segundo nível. Se a re-flexão moral comum diz respeito ao que fazer aqui e agora, a refle-xão ética procura responder às mesmas perguntas, mas de forma mais geral e abstrata ("o que, em geral, se deve fazer e por quê?) e com instrumentos conceituais mais refinados, elaborados no de-curso da longa história dessa disciplina. O filósofo examina, por exemplo, a natureza do raciocínio moral e o significado dos termos usados e se pergunta o que significa justificar um juízo moral ou uma ação moral; indaga a natureza dos métodos de justificação para eventualmente estabelecer quais são apropriados e quais não o são e de que, em última análise (ou seja, no nível do último fundamento), depende a validade deles. Nessa linha, chega tam-bém (sobretudo em períodos de grandes mudanças) a levar em consideração até mesmo os códigos morais para verificar critica-mente seus pressupostos, a estrutura e os valores que eles incor-poram, para ver se são adequados às mudanças a que as sociedades humanas estão sempre sujeitas e se oferecem respostas plausíveis a essas mudanças; as quais, por sua vez, às vezes, derivam do surgimento de situações que anteriormente estavam fora do controle humano (por exemplo, as possibilidades

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INTRODUÇÃO

que hoje nos oferecem os desenvolvimentos da pesquisa científica no campo da biologia) e, portanto, não punham o problema de "o que fazer".

O ponto de partida da reflexão ética é, pois, a experiência moral concreta, e as teorias éticas têm sentido como reflexo (precisamente por isso, de "segundo nível") da prática individual do raciocínio mora!, que visa justificar ações e juízos, e da prática social da discussão pública sobre os problemas morais. O ponto de chegada é matéria de controvérsia: para alguns, o filósofo moralista deveria se abster de oferecer soluções para os problemas morais, limitando-se a um trabalho de esclarecimento conceituai, ou, no máximo, apresentando e analisando os argumentos pró e contra as diversas soluções que o problema possa ter; para outros, porém, isso seria apenas um fútil exercício intelectual, uma vez que o objetivo da ética é precisamente o de orientar e guiar a ação. Há boas razões contra e a favor de cada uma das duas perspectivas e provavelmente a verdade esteja no meio: de um lado, não é provável que o filósofo examine um problema moral com a mesma indiferença e desinteresse com que examinaria, por exemplo, um problema de lógica simbólica: de outro, a finalidade diretiva da ética não comporta certamente que o filósofo assuma o papel do moralista ou do pregador, ou seja, de quem se propõe recomendar e promover a observância de um certo código moral ou até de dizer ao povo o que deve ou não deve fazer, em casos concretos e específicos.

Este trabalho tem a proposta de apresentar ao leitor um mapa sistemático e, quanto possível, completo dos modos como os filósofos moralistas enfrentaram os tipos de problema acima lembrados e dos resultados aos quais eles chegaram com suas pesquisas,no decurso da longa história desse setor da filosofia.

A estrutura expositiva do livro está dividida em duas partes. À primeira delas, intitulada simplesmente "Teoria", refere-se em par-ticular a imagem do mapa sistemático acima usada. A esse propó-sito é bom frisar que não se tem a pretensão de que a primeira

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INTRODUÇÃO

parte do livro constitua uma exposição exaustiva da estrutura teó-rica da ética, ou, como às vezes se diz hoje, da "epistemologia" da ética. Em geral, a epistemologia é a doutrina do conhecimento (do

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grego episteme - ciência, e logos - discurso) e sua tarefa é a de estudar o modo como se estruturam os diversos campos do saber do ponto de vista de seus instrumentos lingüísticos e conceituais, das metodologias de pesquisa e dos instrumentos de prova e de verificação admissíveis. Falar, portanto, de uma epistemologia da ética implicaria oferecer uma definição da disciplina, indicar seu âmbito de competência e determinar seus métodos característicos de pesquisa; em essência, significaria assumir um específico ponto de vista, ao passo que nossa tarefa é de responder à pluralidade dos pontos de vista. Realmente, embora tenha estado muitas vezes presente no debate contemporâneo a exigência de que também a ética tenha uma sua estrutura epistemológica bem definida, as soluções que se apresentam são de tal forma díspares que a simples tentativa de reduzi-las a um denominador comum teria significado excluir setores inteiros da pesquisa ético-filosófica.

Pode-se acrescentar também que a ausência de uma estrutura epistemológica bem precisa e unívoca, ou, pelo menos, amplamente partilhada, não é um grande mal; também a filosofia no seu todo procura há mais de dois mil e quinhentos anos ter uma estrutura epistemológica definida, mas o fato de não a ter encontrado não foi grande empecilho para seu desenvolvimento. Pelo contrário, os riscos maiores para o pleno florescimento da pesquisa filosófica verificaram-se quando um estilo filosófico (ou uma concepção do que é a filosofia) tentou ou conseguiu se impor, felizmente por breves períodos, como o único estilo admissível.

Todavia, a tarefa, mais modesta, que a primeira parte do tra-balho pretende realizar é a de expor a articulação interna do pen-samento ético em seus aspectos formais e estruturais, com o obje-tivo primário de oferecer ao leitor uma espécie de vocabulário básico dos termos e dos conceitos usados nas teorias éticas e nos discursos morais. Para retomar a imagem do mapa, digamos que as noções que vamos identificar e ilustrar nesta parte do livro devem ser entendidas como cartazes indicadores dos grandes rumos de pensamento assumidos pelas teorias éticas; os resultados específicos a que, ao longo desses rumos, as teorias

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INTRODUÇÃO

éticas chegaram, em termos de conteúdo, serão objeto da segunda parte do trabalho.

Vejamos agora a segunda parte do livro, que se intitula "História" e pretende apresentar a história da filosofia moral do ponto de vista dos conteúdos. O leitor verá logo, todavia, que o método expositivo é apenas em parte cronológico e, de resto, aspectos de natureza histórica estão contidos também na primeira parte, sobretudo no caso de correntes ou filósofos do século XX que se destacam não tanto pelos conteúdos de suas doutrinas quanto pelos aspectos teoréticos.

A história da ética será exposta aqui em linhas essenciais e nos momentos mais relevantes do ponto de vista teorético. Com efeito, basta ver o volume que têm algumas das poucas histórias da ética que se encontram na Itália (Bourke, i972; Rohls, 1995) para compreender por que foi descartada logo a idéia de dar espaço a todos os filósofos que construíram e defenderam teorias éticas; provavelmente surgiria uma espécie de galeria de personagens e de informações, freqüentemente repetitivas (e às vezes, infelizmente, não se pôde evitar isso), que teria impedido de perceber a emergência das estruturas fundamentais do pensamento ético. Preferiu-se, portanto, renunciar a uma impossível (e, afinal de contas, inútil) completude, para privilegiar a possibilidade de dar o sentido da continuidade no tempo dos principais modelos de pensamento ético, com a percepção das mudanças paradigmáticas, ou seja, as que determinam as linhas de desenvolvimento nas quais, pelo menos por um certo período, se desenvolveu a pesquisa ética.

A esse propósito é importante ressaltar um ponto. Como se disse, as teorias éticas partem da vida moral concreta e tematizam, portanto, ainda que num nível mais abstrato e geral, o mesmo tipo de perguntas que homens e mulheres, nas diversas épocas e culturas, se fizeram e se fazem em

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INTRODUÇÃO

sua conduta prática. É claro, portanto, que, embora no nível de abstração que se destina a uma pesquisa filosófica, a ética tem sempre como ponto de referência as mudanças da vida moral e. por sua vez, induz mudanças, mesmo com o único feito de legitimar filosoficamente as novas respostas que às vezes o povo dá aos problemas morais concretos. Isso significa que uma história da ética não pode ignorar a natureza dessas

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mudanças; mas, ao mesmo tempo em que busca identificar as formas históricas que essas mudanças assumiram nas várias épocas e nas várias culturas, deveria fazer pesquisa nas obras dos literatos, dos juristas, dos historiadores etc., mais que nas dos filósofos (Sichirollo, 1985). Por certo não era possível desenvolver esse trabalho num texto como este. Limitamo-nos a apresentar, quando necessário e de modo sumário, as mudanças das diversas épocas, aquelas em que a mudança do quadro histórico é. por assim dizer, macroscópica e determina alterações no quadro teórico, induzindo os filósofos a encontrar novas respostas ao problema de qual é o contexto teórico mais adequado para a interpretação das mudanças reais. Naturalmente não se deve pensar numa mecânica correspondência entre mudanças reais e mudanças teoréticas. Trata-se de processos muito lentos, dificilmente perceptíveis a quem os vive por dentro: afinal de contas, a grandeza de um filósofo consiste também na sua capacidade de perceber antes dos outros a natureza das mudanças e em saber notá-las, muitas vezes precedendo a lenta maturação dos tempos.

Temos, enfim, de deixar claro um último ponto. A parte histó-rica abre-se com um capítulo dedicado às grandes tradições mo-rais, muitas vezes com fundamento religioso, que informaram, e substancialmente ainda informam, a moralidade como forma con-creta de vida de uma grande parte da humanidade. Essas referên-cias, muito raras, servem apenas para convidar o leitor a levar se-riamente em consideração a idéia de que o mundo dos homens e das mulheres não se exaure na parte dele em que por acaso nos foi dado nascer e viver. Isso — em segundo lugar — tem uma particular importância para os estudantes do curso de licenciatura em ciências da educação, que em seu currículo já enfrentam as temáticas abrangidas pelo nome de pedagogia intercultural (Sirna, 1997), uma nova disciplina destinada a aproximar os futuros educadores de uma realidade agora inevitável, ou seja, o fato de que nós vivemos em sociedades que são agora e mais ainda no futuro serão pluriétnicas e multiculturais. Uma ação educativa que ignorasse ou subestimasse isso correria o risco de separar-se mais

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ainda da realidade social.Poderia parecer em contraste com o que foi dito o fato

de que, em nossa reconstrução histórica, haja um capítulo dedicado aos desenvolvimentos filosóficos da ética cristã, ao passo que nada do gênero aconteça com as outras tradições morais. Isso depende, em parte, dos limites de espaço impostos a um texto como este e, em parte, da pouca competência no assunto por parte de quem escreve: enfren-tar a filosofia oriental (que existe e que, em certas épocas, influenciou a filosofia ocidental) e identificar nela uma parte especificamente dedicada à ética teria provavelmente significado aplicar a ela os esquemas de pensamento próprios da filosofia ocidental, com o risco de mal-entendidos e equívocos.

Dirige-se o livro principalmente aos estudantes que, em seu plano de estudos, têm pela frente a filosofia moral e aos docentes dessa disciplina que muitas vezes são obrigados a dedicar a primeira parte do já reduzido tempo didático a uma ilustração sumária das noções básicas da filosofia moral. Esse objetivo didático levou-nos a não tornar pesada a exposição com a citação das numerosas notas que teriam sido necessárias; indicaremos, porém, as fontes principais na seção "Bibliografia", à qual poderá recorrer quem eventualmente se sentir estimulado pela leitura do livro a aprofundar as questões tratadas. Onde possível, deu-se preferência às obras acessíveis ao leitor brasileiro e nas quais se oferecem mais informações bibliográficas.

O autor, todavia, alimenta também a esperança de que o livro possa servir a um público mais amplo que queira ter os primeiros instrumentos para se orientar no debate ético atual. Muitos notam hoje um renascimento do interesse pela ética que — inclusive porcausa da complexidade e às vezes novidade dos problemas que se nos apresentam, por exemplo, no campo da medicina e da pesquisa científica — parece envolver um público cada

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INTRODUÇÃO

vez mais vasto e atento, que deseja entender para ser capaz de formar a própria opinião e, no caso, de assumir com maior consciência as próprias decisões.

Naturalmente, o estudo da ética não faz os homens melhores e, de resto, todos nós conhecemos pessoas moralmente íntegras que jamais leram um livro de filosofia moral. Aristóteles, no final de uma das obras mais importantes da história da ética, já se perguntava se os raciocínios filosóficos sobre coisas como a virtude, a amizade e o prazer eram "suficientes para nos tornar pessoas de bem", se isso fosse verdade, concluía ele, então os raciocínios "trariam muitas e grandes recompensas e seria necessário fazer provisão deles’’ (Aristóteles, 1983, p. 269). E, recentemente, alguns filósofos chegaram até a dizer que a filosofia faria melhor em se abster de construir teorias éticas que, aliás, ao querer pôr ordem na matéria tratada, são sempre excessivamente simplificadoras e não conseguem quase nunca perceber internamente a complexidade e heterogeneidade da experiência moral concreta. Isso pode ser ver-dadeiro, mas seria errôneo concluir daí que o trabalho teórico seja apenas um jogo intelectual totalmente privado de relação com a práxis social, na qual todos nós nos encontramos envolvidos e na qual às vezes nos encontramos diante de problemas aos quais o senso comum dá respostas insatisfatórias.

Que ajuda podemos então esperar da filosofia — sempre que sentirmos sua necessidade — para nossa vida moral concreta? O quadro delineado por este livro não parece encorajador: há uma ampla discórdia sobre grande parte das questões que pertencem à ética. Poderíamos então dizer que não tanto uma específica teoria ética quanto o próprio empreendimento da reflexão ética em seu todo podem nos ajudar na difícil tarefa de viver conscientemente nossa vida moral.

PRIMEIRA PARTE

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FILOSOFIA MORAL

TEORIACAPÍTULO PRIMEIRO

A ÉTICA E O SEU OBJETO

I. Questões terminológicas e definidoras

este trabalho, os adjetivos ético e moral serão usados de maneira quase equivalente, com certa prevalência para o primeiro, quando nos referirmos a aspectos formais e

teoréticos da disciplina (falaremos de "teorias éticas" ou de "méto-dos da ética"), ao passo que o segundo será utilizado de preferên-cia em conexão com aspectos de conteúdo (uma norma ou um princípio que indiquem o que se deve ou não se deve fazer serão em geral chamados de "norma moral" e "princípio moral"). Esse uso é justificado pela etimologia dos termos. O adjetivo ético de-riva do grego ethos, que significa costume, modo habitual de agir, hábito: os mesmos significados tem o termo latino moralis (de mos - costume) empregado pelo escritor romano Cícero para traduzir o termo grego, que, na forma plural, aparecia no título de duas im-portantes obras de Aristóteles (Ética a Nicômaco e Ética a Eudemo), destinadas a tratar de "coisas referentes aos costumes, aos modos habituais de agir”.

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Desses adjetivos derivam os substantivos ética e moral, tam-bém eles muitas vezes usados de modo equivalente na linguagem comum, mas com várias diferenças dependendo dos contextos lingüísticos e culturais-, em italiano, por exemplo, costumamos empregar a palavra ''moral" para falar do comportamento concreto dos indivíduos e dos grupos sociais, mas também para indicar o

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INTRODUÇÃO

conjunto das normas e dos princípios nos quais se inspira a con-duta e, enfim, para indicar o estudo do que se refere aos fatos morais. No campo filosófico, tentou-se muitas vezes introduzir dis-tinções mais precisas entre o âmbito da ética e o da moral. Com freqüência, todavia, essas distinções são plenamente compreensí-veis somente dentro do sistema filosófico no qual se situam, como é, por exemplo, o caso da distinção introduzida pelo filósofo ale-mão Georg W. F. Hegel (veja-se o capítulo décimo quarto, § I) na sua Filosofia do direito entre "moralidade" como dimensão subjetiva da conduta humana e "eticidade" como conjunto das normas e das instituições em que se realiza objetivamente o elhos de um povo e que culmina no Estado (Hegel, 1974); ou pressupõem uma determinada interpretação do desenvolvimento histórico da ética (que obviamente não podemos pressupor aqui), como acontece no caso da proposta de usar o termo moralidade para indicar uma particular dimensão da ética, própria da cultura ocidental moderna (Williams, 1987). Uma vez que não era possível levar em consideração essas e outras propostas definidoras no presente trabalho — seguindo, aliás, um uso lingüístico bastante consolidado no debate teórico —, ao estudo filosófico do que constitui o fenômeno moral será reservado o termo ética (às vezes substituído por "filosofia moral"), ao passo que o objeto da ética será genericamente indicado pelo termo moralidade, às vezes substituído por moral em contextos nos quais esse substantivo é seguido de especificações, como, por exemplo, "a moral dos gregos" ou "a moral de senso comum”.

Não há uma especial razão para adotar essa terminologia se-não a simples exigência de indicar o modo como um termo será usado, sem preclusões preconceituosas a respeito do que entra na constituição da ética ou da moralidade. É por essa razão que evi-tamos formular ou adotar definições mais precisas. As definições são convenções lingüísticas que servem para traçar fronteiras, a ponto de identificar o fenômeno de que se quer falar, separando-o de outros fenômenos: mas no nosso campo essa é exatamente a primeira questão controversa, uma vez

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que é o próprio fenômeno de que nos ocupamos (seja ou não chamado de moralidade) que escapa a uma precisa determinação, tanto no plano teorético como no plano histórico.

2. Moral, imoral e não moral

Consideremos a afirmação "esta é uma ação moral". Ela pode ser entendida de dois modos. O primeiro é que com ela — como acontece usualmente na linguagem comum — se quer exprimir uma avaliação positiva da ação (em caso contrário teríamos dito "imoral"), usando, pois, moral como equivalente a "certo ou bom do ponto de vista da moralidade". Esse uso não está errado, mas é evidente que pressupõe como já resolvido o problema prioritário de saber por que essa determinada ação cai no âmbito da moralidade.

Existe, com efeito, um segundo modo de entender essa expressão e com ele se quer simplesmente dizer que aquela ação pertence ao âmbito da moralidade e, por isso, é susceptível de ser avaliada do ponto de vista moral, avaliação que poderá, aliás, ser positiva ou negativa; com efeito, a ética se ocupa tanto da virtude como do vício, do bem como do mal. O contrário de moral usado neste segundo modo é "não moral", que não quer dizer "negativo do ponto de vista moral", mas simplesmente "não pertencente ao âmbito do que é moral".

É possível identificar um critério unívoco que nos permita identificar o fenômeno moral como objeto de consideração da ética? A resposta a essa pergunta é negativa. Quase todas as teorias éticas pressupõem algum critério, e isso não é estranho porque, na realidade, toda a história da ética poderia ser reconstruída com base nas respostas dadas a essa pergunta.

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INTRODUÇÃO

Por exemplo, a uma teoria, que sustentasse que em moral temos de lidar com normas ou princípios relativos a condutas que

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TEORIA

têm conseqüências sobre os outros, uma outra teoria poderia objetar que isso deixa de fora toda uma área da moralidade que diz respeito à interioridade da pessoa ou, como se diz, os deveres para consigo mesmo; e, às duas, uma terceira teoria poderia fazer a observação de que, além das obrigações para com os outros e para consigo mesmo, existem também as obrigações para com a divindade. Às vezes se afirma que, para identificar o âmbito do que é moral, pode-se fazer referência a um elemento subjetivo, ou seja, à particular importância que as pessoas anexam a certas condutas práticas ou normas ou valores. Essa importância acompanha a consciência de se sentir alguém obrigado a um cumprimento, ao passo que a transgressão gera sentimentos de culpa ou de remorso. A idéia descreve sem dúvida uma experiência que todos nós podemos encontrar, mas é difícil assumi-la como critério geral, pois faz referência a elementos subjetivos que não são susceptíveis de grandes variações de indivíduo a indivíduo, para não falar da variedade entre indivíduos pertencentes a diversas culturas ou sociedades. Nem podemos nos livrar do embaraço dizendo que o domínio do que é moral assim identificado corresponde objetivamente ao que, nas diversas épocas e nas várias culturas, foi sentido como tal.Com efeito, é claro que essa reposta é apenas parcialmente satisfatória. Ficaria sempre a pergunta: sentido por quem? Por toda a sociedade, pela maioria de seus membros, ou pela classe domi-nante? De fato, não parece plausível pensar que tenham existido ou existam sociedades tão unitárias internamente que se possa afirmar com segurança que esses critérios subjetivos acabem por coincidir com os critérios objetivos em base dos quais considerar uma certa conduta, ou norma, ou princípio, como pertencente ao âmbito da moralidade e, portanto, susceptível de apreço ou de reprovação moral. Se isso fosse aceitável, seria muito difícil expli-car a própria evolução das formas de vida moral, em que a inova-ção e o desenvolvimento são muitas vezes gerados por poucos indivíduos cujo sentimento não era evidentemente conforme com o sentimento comum.

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A ÉTICA E O SEU OBJETO

Um modo diferente de resolver o problema pode ser o seguinte. Não se deve exagerar o alcance das variações subjetivas e objetivas em referência à distinção entre moral e não moral. Essas variações existem, sem dúvida alguma, como nos ensinam as pesquisas históricas e sócio-antropológicas, mas as mesmas pesquisas mostram que essas variações acontecem num campo cujas fronteiras poderiam ser traçadas com o recurso a uma série de práticas que se mostram universalmente importantes, como a disponibilidade para com os outros, a sinceridade, a manutenção dos acordos, o não-matar, e assim por diante. Essa tese é uma versão moderna de uma antiga teoria, segundo a qual todo homem possui por natureza algumas noções morais e nós podemos identificá- las ao recorrermos ao "conselho das gentes". Embora atualizada, com base nas pesquisas antropológicas que fizeram tal "consenso” assumir uma dimensão transcultural, essa tese nos oferece uma boa indicação de princípio, mas não pode funcionar como critério unívoco para distinguir a área das práticas que pertencem à moral da de outras práticas moralmente neutras ou indiferentes. Para nos darmos conta disso, procuraremos agora oferecer uma caracterização descritiva da evolução da moralidade, recomeçando da etimologia. Como foi observado, uma palavra não se livra jamais do modo como se formou: a idéia originária permanece, a despeito das mudanças, das ampliações e dos acréscimos de significados.

3. A evolução histórica da moralidade

Numa época que se pode situar há cerca de dez ou doze mil anos, o gênero humano começou a passar de formas de existência migratória a formas associativas suficientemente estáveis num dado território. Nas condições primitivas, uma

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TEORIA

vida associativa estável requer grande coesão interna do grupo e é, portanto, aceitável pensar que modelos de comportamento espontaneamente formados em relação aos fins fundamentais da comunidade tenham sido pouco a pouco consolidados, tornando-se usos, costumes e hábitos partilhados que diziam respeito aos mais importantes, mas também aos menos importantes, aspectos da vida associada. A moralidade, como forma concreta da vida associada, constituída pelo conjunto das regras e das representações dos valores do grupo, desenvolveu-se com base no desejo de manter e defender costumes sociais importantes, necessários para a consecução do equilíbrio social interno e da defesa externa. As prescrições que visavam impedir as violações dos costumes possuíam uma especial autoridade, proveniente de sua importância social, mas ulteriormente reforçada pelo fato de fazer provir de uma fonte divina essa autoridade. Nas origens, as estruturas da moralidade estavam estreitamente entrelaçadas com as estruturas sociais e políticas e com as experiências religiosas, constituindo um todo unitário que, pelo menos nas culturas antigas, estava também integrado a crenças gerais sobre a ordem cósmica e o lugar que o homem tem nessa ordem.

Esse caráter global do fenômeno moral refletiu-se logo na própria estruturação teórica da ética. O filósofo grego Sócrates, a quem se atribui ter dado início à reflexão ético-filosófica, punha no centro dessa reflexão a pergunta "Como se deve viver?", que exigia o esboço de um completo e onipresente ideal de vida. E Aristóteles, que foi o primeiro grande sistematizador da ética, situava-a na filosofia prática, ou seja, na parte da filosofia que se ocupa da práxis, da ação humana nas três dimensões que Aristóteles via estreitamente entrelaçadas: ética, política e economia. Esse caráter unitário de aproximação aos problemas da conduta prática (que, por exemplo, na Alemanha, permaneceu no ensino universitário, pelo menos até o final do século XVIII) passou, a partir da época moderna, por um processo de "especialização" e de recíproca "autono- mização" dos âmbitos. Hoje, fazemos

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distinção entre o âmbito da economia e da política e o âmbito da ética e, todavia, estamos convencidos de que também nos dois primeiros âmbitos — embora regidos por regras e por critérios internos — há problemas de natureza moral: muitas vezes, por exemplo, nos perguntamos se determinado ato legislativo é justo ou se certo modo de produzir bens (por exemplo, fazendo as crianças trabalharem) é moralmente correto.

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Mas o processo de "especialização" considerou também o universo das normas, dos princípios e dos valores-, para retomar a etimologia, nem todos os costumes e modelos habituais de conduta (como, por exemplo, poderiam ser os relativos ao comportamento à mesa ou aos modos de cumprimentar os superiores) são igualmente importantes para a vida associada e, portanto, nem todos passam a fazer parte do que hoje comumente chamamos de moralidade. Isso se reflete, por exemplo, no fato de que uma transgressão ao tipo de modelos de conduta acima lembrados pode provocar mau humor ou mágoa, ou até desaprovação; mas, no plano intuitivo, nós distinguimos a desaprovação por um ato de descortesia da desaprovação por um ato "moralmente" reprovável. É difícil, porém, indicar esse limite em abstrato: atos que até há poucos anos suscitavam uma forte reprovação moral (por exemplo, no campo da sexualidade), hoje não a suscitam mais e, às vezes, quem se obstina em demonstrar reprovação ou até atitudes de discriminação em relação a certas práticas é que se torna objeto de censura.

Por outro lado, alguns hábitos de vida mostraram-se de tal modo importantes que se pensou que a violação deles merecesse algo mais que a simples desaprovação, ou seja, uma sanção legal. O direito reúne e sanciona muitos desses hábitos, mas seu âmbito não se sobrepõe ao da moralidade. As leis certamente são também veículo de normas de valor moral, mas não se diz que tudo o que pertence ao âmbito do que é moral deva se traduzir em leis; nem, muito menos, que o que a lei permite ou veda se torne por isso mesmo moral ou imoral. Se, por exemplo, num país onde o aborto é permitido por lei, uma pessoa diz: "Aquela mulher tem o direito de abortar, mas isso é moralmente errado", a sua asserção é perfeitamente compreensível, tem sentido completo. Isso torna evidente a distância que existe entre moral e direito (que muitos, pelo menos nas sociedades ocidentais, consideram uma coisa apreciável), mas também a dificuldade de marcar limites nítidos entre os respectivos âmbitos.

Como conclusão, parece que o âmbito da moralidade, em sen-

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CAPITULO SEGUNDO

tido descritivo, apresenta uma grande variabilidade sob o perfil histórico e uma certa indeterminação intrínseca ou ambigüidade sob o perfil da sua estrutura fotografada, por assim dizer, num dado momento histórico. O que emergiu é, porém, um dado importante: a ética tem que ver com um território que é objeto de estudo de muitos outros campos do saber e, portanto, o primeiro problema que se deve enfrentar é o de identificar a que tarefa específica a ética se propõe ao tomar como objeto a conduta humana prática. Comoveremos logo, nem esse problema recebeu resposta unívoca na história dessa disciplina. Para abordá-lo, vamos partir da divisão interna do pensamento ético segundo a distinção, hoje tradicional, entre ética descritiva, metaética e ética normativa.

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A ÉTICA DESCRITIVA

1.A ética e o pape! das ciências humanas e sociais

locução "ética descritiva" estabelece, no plano teórico, doisdiferentes problemas. O primeiro consiste em saber se, comessa expressão, se quer indicar um primeiro nível da pes-

quisa ética, que vise o reconhecimento do sistema de crenças morais (normas, princípios, valores e modelos de conduta) que os indivíduos ou os grupos sociais de fato possuem e segundo os quais conduzem em gera! sua vida, ou se essa expressão designa uma autêntica forma de ética, capaz de exaurir totalmente as tarefas da ética. O segundo problema diz respeito à relação entre ética e as outras disciplinas ou ciências que se ocupam da conduta humana e o papel que elas podem desempenhar na ética.

Quanto ao primeiro problema, deve-se observar que houve épocas em que a filosofia ficou muito fascinada com o modo de proceder das ciências matemáticas e das ciências naturais, e, so-bretudo, com os resultados por elas obtidos. Assim, os filósofos foram induzidos a pensar que, se a filosofia conseguisse imitar o modo de proceder daquelas ciências, poderia acabar com as dispu-tas sem fim que o panorama filosófico usualmente apresenta. No século XVII, por exemplo, quando o modelo de ciência era a geo

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CAPITULO SEGUNDO

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metria, era usual observar que. se não havia disputa sobre o que era o triângulo,

havia um grande desacordo sobre o que fosse o bem. Alguns filósofos (por exemplo, Hobbes e

Spinoza) afirmavam que também a ética podia ser construída com base no modelo da geometria,

na esperança precisamente de poder atingir nela a mesma certeza irrefutável que as

demonstrações geométricas apresentavam. No século XIX, no âmbito da corrente do positivismo,

era a ciência natural desenvolvida a partir de Galileu que representava o modelo. Sustentava-

se, então, que nela deviam se inspirar as outras ciências e em particular a sociologia, a

qual, segundo o pensamento do fundador do positivismo, Augusto Comte (1798- 1857), devia

fornecer as bases para a criação de uma nova moralidade adequada à época da sociedade

industrial. Enfim, na primeira metade do século agora findo, o neopositivismo lógico (de que

falaremos logo) chegou mesmo a excluir a possibilidade de a ética estar entre as disciplinas

capazes de produzir conhecimentos verdadeiros, se não se reduzisse ao estudo psicológico dos

movimentos observáveis do comportamento humano ou à explicação do modo como surgem e

funcionam as crenças morais.

A ética, sendo descritiva, deveria se limitar, portanto, a estudar a moralidade nas suas concretas formas históricas, dadas em todas as sociedades e em todas as culturas, e em seu normal fun-cionamento. Leva também em consideração, obviamente, os valo-res e os fins, mas deve entendê-los como simples dados de fato, ou seja. na medida em que a orientação aos valores representa um aspecto importante da conduta humana social sobre o qual é pos-sível realizar pesquisas empíricas que, como tais, excluem o recurso a juízos de valor. A sociologia, por exemplo, leva em consideração esse aspecto da conduta humana e o estuda na sua dinâmica fatual, ou seja, considerando que o ponto de vista orientado aos valores produz mudanças na realidade social. Mas uma pesquisa desse gênero deve se manter num plano "avaliatório", deixando, portanto, cair as questões relativas ao por que se escolhem ou se perseguem determinados valores mais que outros (Weber, 1958).

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Segundo muitos filósofos moralistas, todavia, se a ética tivesse de ser concebida dessa maneira, então não teria sentido mantê- la como disciplina separada, pois o trabalho que ela deveria de-senvolver já é desenvolvido por muitas outras disciplinas como a história, a etnografia, a antropologia, a lingüística, a sociologia, a psicologia etc. Não há dúvida — e. a respeito, veremos um exemplo mais adiante — de que essas disciplinas podem dar uma grande contribuição à ética e até se põe com força cada vez maior, no debate mais recente, a exigência de dispor de boas pesquisas empíricas sobre alguns dos mais importantes problemas que a ética até agora enfrentou de maneira puramente especulativa. Mas, de acordo com muitos, isso não implica que ela deva acabar em socio-logia moral, em psicologia moral e assim por diante; ou deva, no máximo, ser entendida como "técnica da conduta humana" e utili-zada para reforçar a estabilidade e a coesão interna dos grupos sociais. São certamente valores importantes em todas as socieda-des, mas quando se pergunta por que o são, ou seja, com apoio em que razões, é claro que se sai dos esquemas da ética descritiva.

2. Ética, psicologia e ciência cognitiva

A psicologia pode ser sumariamente definida como o estudo dos processos psíquicos e mentais de tipo cognitivo (ou seja, refe-rentes ao modo como funciona o conhecimento) e de tipo afetivo (ou seja, referentes às emoções, às paixões, aos sentimentos etc.) relativos à vida e à conduta humana individual. Os filósofos deram sempre grande atenção ao funcionamento da mente humana, às suas faculdades e ao seu modo de operar e. especialmente em ética, freqüentemente estudaram as paixões e os sentimentos, em geral para procurar estabelecer se são ou não impedimento ao agir moral e como é possível neutralizar seus efeitos, mas às vezes também para neles fundar o próprio agir moral. Além disso, em muitas teorias éticas, exercem um papel importante noções como o egoísmo e o altruísmo ou como a benevolência e a simpatia. Mas a dinâmica psicológica a que remetem essas noções e o modo como

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TEORIA

elas influenciam a conduta eram questões que os filósofos examinavam de modo abstrato (referindo-se, por exemplo, a uma teoria geral da natureza humana), ou nas quais se serviam de esporádicas observações que muitas vezes exprimiam mais as próprias convicções pessoais sobre o que deve motivar a conduta do que as reais estruturas motivacionais do agir.

Desde quando nasceu a psicologia científica, somos capazes de saber muito mais coisas sobre esses assuntos, e hoje as pesquisas que dizem respeito a tais aspectos valem-se também da aproximação à "ciência cognitiva", que é constituída por um grupo de disciplinas (psicologia cognitiva, lingüística, neurociência, inteligência artificial) unidas pelo objetivo de elaborar novos métodos científicos e experimentais para estudar um dos mais importantes e tradicionais problemas da filosofia, o do funcionamento da mente humana, inclusive em seus aspectos de mais estreita competência da ética. Dessas pesquisas surgiram, por exemplo, resultados interessantes sobre o modo como se formam as noções morais e sobre os tipos de processo que dominam na formulação dos juízos morais; fizeram- se pesquisas empíricas sobre o papel da empatia (ou seja, a capacidade de assumir o ponto de vista de uma outra pessoa), que está na base do comportamento altruísta e que determina a capacidade dos indivíduos de aceitar os vínculos morais. Os filósofos moralistas sempre se perguntaram se os seres humanos são de tal modo constituídos que sejam capazes de satisfazer as exigências da moralidade. Essas pesquisas podem nos ajudar a compreender melhor quais vínculos psicológicos uma teoria ética deve respeitar para estar ao alcance dos seres humanos como realmente são.

A esse propósito, um psicólogo americano falou de um "princí-pio de realismo psicológico mínimo", segundo o qual, ao elaborar um ideal moral, é preciso fazer com que o modelo de comportamen-to prescrito esteja ao alcance de criaturas como nós (Goldman, 1966). Se tentássemos aplicar esse princípio às principais teorias éticas, não seria difícil nos darmos conta de que elas exigem do homem comum muito mais do que razoavelmente se deveria pretender.

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3. Ética e desenvolvimento moral

Um segundo aspecto importante da relação entre teoria e psicologia diz respeito ao elemento dinâmico do comportamento moral. É certo que as nossas crenças morais comuns são condicio-nadas pelo contexto no qual vivemos e do qual, no decurso do processo educativo normal, aprendemos o conjunto dos valores e dos modelos habituais de comportamento que depois usamos na vida cotidiana. No processo educativo que normalmente é oferecido por todas as formas de comunidades mediante a família, a escola, a pertença a um credo religioso etc., o código moral é interiorizado por meio de procedimentos cujas modalidades foram, por longo tempo, ignoradas ou, pelo menos, não suficientemente analisadas pelos filósofos moralistas. E também hoje, apesar dos estudos sobre que vamos logo falar, emerge de muitas áreas da pesquisa ética — como lembrávamos — a exigência de desenvolver um trabalho de pesquisa empírica mais cuidadosa sobre as estruturas do comportamento moral e sobre o papel que os traços da personalidade podem ter na decisão moral e, portanto, no compor-tamento. E como esses traços não são estáticos, ou seja, dados de uma vez por todas, mas dinâmicos, porquanto resultam do processo educativo e, todavia, em contínua evolução, há um forte interesse em saber como se une o desenvolvimento moral com o desen-volvimento psicológico e cognitivo mais geral. Pioneiro nesse campo de estudos foi o psicólogo suíço lean Piaget, que, já em 1932, publicou um estudo (O juízo moral na criança) em que distinguia duas grandes fases do desenvolvimento moral. A primeira fase é marcada por um comportamento moral centralizado na noção de "respeito” pelo adulto, em quem a criança deposita confiança: é uma moral da obediência às ordens, e a noção de bem se identifica com a execução das ordens. O respeito pela autoridade do adulto é uma mescla de afeto e de temor e constitui a base da consciência moral, cuja forma autônoma começa a se desenvolver a partir dos sete, oito anos, no contexto de um processo de socialização cada vez maior dos comportamentos. Com efeito, é no âmbito da comunidade infantil e do jogo que a criança começa a desenvolver

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o sentimento das obrigações recíprocas e a idéia do agir com base em regras por responsabilidade e não por coerção, iniciando assim um processo de conquista da independência do juízo moral, estreitamente conexo com o processo de aperfeiçoamento das habilidades cognitivas a respeito das quais Piaget oferece uma série de interessantes considerações (Piaget, 1980).

Os estudos de Piaget e da sua escola foram depois retomados e aprofundados, a partir dos anos 1960, pelo psicólogo americano Lawrence Kohlberg, e foi sobretudo graças a esses estudos que as questões do desenvolvimento moral entraram no debate ético atual. O interesse por esse tipo de estudos é testemunhado, por exemplo, pela atenção que a eles dedica o filósofo lohn Rawls na parte final de Uma teoria da justiça (1971), livro sobre o qual teremos ocasião de voltar, em que ele mostra como os processos de aquisição do sentido de justiça, por parte dos membros da sociedade, são essenciais — e devem, por isso, ser atentamente estudados — à estabilidade de uma sociedade bem ordenada.

Os estudos de Kohlberg foram depois amplamente utilizados no contexto de uma recente e interessante aproximação à ética por parte do filósofo lürgen Habermas, com a sua Ética do discurso (1983). Portanto, é conveniente expor brevemente suas linhas fundamentais. Kohlberg distinguiu três níveis do desenvolvimento moral, cada um dos quais compreende duas fases, num total, portanto, de seis fases ou estágios. Os níveis são chamados de pré-convencional, convencional e pós-convencional, e constituem uma divisão mais detalhada das fases identificadas por Piaget. No estágio 1 do primeiro nível, por exemplo, a criança concebe a moralidade em termos de obediência à autoridade, que tende a evitar punições, e isso parece corresponder ao comportamento moral das sociedades primitivas. O último estágio é o do pensamento moral abstrato e universalista a que corresponde um comportamento moral autônomo, orientado pela racionalidade e pela noção de dever. O ponto interessante, mas também muito controverso e discutido, é que Kohlberg estabelece não apenas um paralelismo entre desenvolvimento psicológico-cognitivo e desenvolvimento moral (já identificado por Piaget), mas aprofunda

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essa tese sustentando que o desenvolvimento moral e cognitivo acontece segundo um invariável movimento para o alto, e que os estágios são ordenados segundo uma estrutura hierárquica, no sentido de que o estágio superior é também o estágio mais adequado do ponto de vista do valor dos comportamentos. O desenvolvimento acontece por meio da aquisição da competência em resolver os conflitos e os dilemas morais, e isso significa que, por meio de instrumentos de pesquisa empírica, é possível verificar em que estágio um indivíduo parou em seu desenvolvimento moral: basta estudar o modo como ele enfrenta os dilemas morais. Dado o paralelismo entre desenvolvimento cognitivo e desenvolvimento moral, dever-se-ia deduzir de tudo isso que, assim como se fala de déficit cognitivo, dever-se-ia falar também de déficit moral. Por exemplo, um adulto cujas capacidades cognitivas são iguais às de uma criança de cinco ou seis anos, talvez não atinja o 4o estágio de desenvolvimento moral. Esse é um dos pontos mais controversos e discutidos das pesquisas de Kohlberg e foi particularmente criticado no âmbito da abordagem "feminista" à ética (de que falaremos no capítulo oitavo, § 4). Interessa-nos aqui ressaltar que, para falar de déficit moral com referência, por exemplo, a quem enfrenta os problemas morais com a aproximação própria do 5o estágio (que corresponde a uma moral utilitarista) comparado com quem os enfrenta com a aproximação do 6o estágio (que corresponde a uma moral dos deveres), é preciso considerar como óbvio que esse último tipo de moralidade é superior ao primeiro. Kohlberg, com efeito, considera isso óbvio, mas essa é uma avaliação pessoal dele sobre a qual não se pode certamente dizer que haja uma convergência unânime no debate ético. Em vez de se limitar a pôr em destaque as dinâmicas que governam os comportamentos humanos, mediante o estudo de suas condições psicológicas fatuais, Kohlberg pretendeu resolver, por via psicológica, o problema do valor dos comportamentos morais e das éticas que as inspiram (Kohlberg, 1981). É claro, porém, que isso extrapola os limites de uma disciplina como a psicologia.

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CAPÍTULO TERCEIRO

A METAÉTICA

1.A "guinada lingüística"

termo "metaética" foi cunhado pelo filósofo inglês Alfred J. Ayer, por volta do fim dos anos 1940, para indicar o tipo de aproximação à ética (de que ele

próprio fora protagonista) que se desenvolvera na Inglaterra, na primeira metade do século XX, no âmbito de uma corrente filosófica mais geral denominada "filosofia analítica" ou "filosofia lingüística". Como tais locuções dão a entender, essa corrente sustenta que os problemas dos quais tradicionalmente tinha se ocupado a filosofia e sobre os quais os filósofos tinham feito pesquisas sem fim (e sem solução) eram na realidade, sobretudo, problemas de linguagem, criados por erros ou equívocos puramente lingüísticos e que, portanto, podiam ser resolvidos (e até desfeitos), bastando para isso demonstrar sua insensatez mediante uma cuidadosa análise da linguagem (D’Agostini, 1997). Em ética, essa aproximação traduziu-se numa exclusiva atenção à análise do significado e da função dos termos (em especial "bom" e "correto") usados na linguagem moral, bem como à pesquisa das regras lógicas que guiam seu uso. O objetivo era ver se, pela análise da linguagem, seria possível compreender o que é e como funciona a moralidade.

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TEORIA

Na realidade, a atenção à linguagem não era certamente uma novidade na filosofia moral. Poder-se-ia dizer até que a filosofia moral começou — e logo veremos um exemplo em Sócrates — com discursos centrados na análise do significado dos termos morais. O que se chama de "guinada lingüística” consiste (pelo menos na ética) no seguinte: os filósofos moralistas anteriores pensavam na identificação do significado dos termos como num trabalho preparatório, no sentido de que consideravam que não era possível pronunciar discursos sensatos sobre o que é certo ou bom sem primeiro ter indagado o significado desses termos; já os filósofos analíticos consideraram que todo o trabalho filosófico em ética devia consistir na análise lingüística e que o filósofo moralista, como tal, devia ter uma atitude de rigoroso desinteresse e de neutralidade com relação ao plano das avaliações, abstendo-se de propor ou defender esta ou aquela forma de moralidade, ou este ou aquele princípio moral. Prometendo voltar mais tarde sobre os desenvolvimentos que a queda desse desinteresse determinou na ética analítica, vamos nos deter por ora na idéia que está na base da especial importância atribuída à análise da linguagem moral.

2. Linguagem moral e linguagem comum

A ética se ocupa da conduta humana sob o aspecto segundo o qual ela pode ser julgada certa ou errada, virtuosa ou viciosa, boa ou má e, obviamente, não a examina em seu desenvolvimento concreto e pontual, mas por meio das expressões lingüísticas que descrevem a conduta, avaliam-na e justificam-na. Ora, os termos usados nessas expressões lingüísticas não são específicos e exclusi-vos da linguagem moral. Usamos correntemente esses termos tam-bém em contextos seguramente não morais, como ao dizermos "é um bom relógio este", ou "Aleixo é a pessoa certa para aquele cargo". Isso implica que a ocorrência num juízo ou num discurso de termos como certo ou bom não significa necessariamente que nos encontramos diante de um juízo ou de um discurso de natureza moral.

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A METAÉTICA

Mas vale também o contrário: o fato de num enunciado não aparecer nenhum dos termos habitualmente usados nos discursos morais não é por si prova suficiente de que se trate de um enunciado não moral. Uma expressão como "você deixou aquela mulher morrer!" não é seguramente entendida por quem a pronuncia como a simples descrição de um evento.

Lembramos acima quão complicado é distinguir entre o âmbito do que é moral e do que não é moral e agora podemos observar que também, do ponto de vista lingüístico, a moralidade se apresenta como um fenômeno fugidio e ambíguo. Esse caráter de ambigüidade da linguagem moral depende do que foi chamado "multifunciona- lidade” das palavras morais, e corresponde, em geral, à multiplicidade ou polifuncionalidade dos usos da linguagem na comunicação humana. Por meio da linguagem podemos comunicar fatos, descrever ou avaliar eventos, dirigir orações ou fazer exortações, formular ordens ou exprimir sentimentos, e assim por diante. Qual desses atos lingüísticos é apropriado para os discursos morais? Uma vez que é seguramente verdade que não existem específicas palavras morais, o que acontece quando essas palavras são usadas nos contextos morais? Essas são algumas das perguntas às quais a ética analítica procurou responder. Não poderemos falar aqui de modo pormenorizado a respeito da grande quantidade de trabalho analítico, muito sutil e, segundo alguns, às vezes até enfadonho que foi realizado. Deter-nos-emos apenas nos resultados mais importantes, sobretudo para mostrar a influência sobre os desenvolvimentos da filosofia moral contemporânea.

3. Os termos morais

Os principais termos usados na linguagem moral dividem-se em duas categorias. O adjetivo "bom" e o seu contrário "mau" (jun-tamente com outros termos, como virtuoso, vicioso, mas também santo, pio, nobre e assim por diante) classificam-se como termos "axiológicos” (do grego axios = válido, digno). |á o adjetivo "correto" está no centro de uma série de termos (que compreende

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TEORIA

também errado, obrigação, ordem ou verbos como "deve-se") que se definem "deônticos" (do grego deon = "o que é devido"). A essa distinção corresponde uma diferença nas funções fundamentais, ou seja, nas tarefas características realizadas por esses termos na linguagem (Kutschera, 1991). Os termos axiológicos têm a função primária de exprimir avaliações, ao passo que os deônticos têm a função primária de exprimir prescrições ou comandos. Todos os termos podem também ter, em certas condições, uma função descritiva e, enfim (defendeu alguém, mas voltaremos a isso mais adiante), uma função emotiva. Procuramos esclarecer esses pontos com exemplos muito simples, que se referem a contextos seguramente não morais.

Suponhamos, por exemplo, que eu diga a alguém: "Acabei de comprar um bom modulador de freqüência". Suponhamos também que a pessoa que me escuta não tenha nenhuma idéia do que seja um modulador de freqüência. Todavia, ela certamente entende que estou exprimindo uma avaliação positiva, uma apreciação daquele objeto. O primeiro e fundamental uso dos termos axiológicos é o de avaliar positivamente (ou negativamente, se for o caso) aquilo a que se aplicam. Essa função avaliativa é intrínseca a esses termos e se deduz isso do fato de meu interlocutor a compreender, ainda que não saiba o que seja o objeto de que falo. Meu interlocutor poderia depois me perguntar o que é um modulador de freqüência e por que penso que é "bom", e provavelmente eu (ou um técnico ao qual poderíamos nos dirigir) responderia, indicando as propriedades técnicas graças às quais esse objeto merece ser qualificado como "bom" em seu gênero. Aqui o termo bom assume uma função descritiva, que depende, porém, da existência de uma consolidada convenção acerca das propriedades técnicas que fazem de um objeto um bom objeto no seu gênero. Essas propriedades podem mudar com o tempo, ainda que sempre se possam identificar padrões que o termo "bom” resume. O que é importante, todavia, é que, se a função avaliativa é intrínseca ao termo bom e é constante, a função descritiva é adicional e não deve ser entendida no mesmo sentido em que se diz que a proposição "a mesa é quadrada" é descritiva.

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O porquê é facilmente previsível: "bom” pode ser também uma propriedade, mas certamente não o é no mesmo sentido em que é "quadrado". Enfim, podemos nos perguntar se o termo "bom” tem também uma função prescritiva ou pelo menos diretiva, ou seja, se quando julgamos alguma coisa como boa também a estamos reco-mendando. Sobre esse ponto, como, aliás, sobre boa parte do que estamos expondo, tem havido discussão, mas a tese mais difundida é que essa função parece depender do contexto, ou seja, não é uma função intrínseca aos termos axiológicos. No exemplo acima é fácil argumentar que se o meu interlocutor pretende comprar aquele objeto, minha avaliação positiva pode implicar uma recomendação. Isso é particularmente evidente nos contextos morais: se uso um dos termos axiológicos para louvar o estilo de vida de São Francisco, certamente não estou dizendo que pretendo recomendar ou prescrever a mim e aos outros esse estilo de vida.

Se nos voltarmos agora para a série de termos que têm "cor-reto" em seu centro, é fácil ver que é a função prescritiva que deve ser considerada como intrínseca. O termo “correto”, justo, significa precisamente "conforme uma regra", e as regras servem para pres-crever ou até guiar certos tipos de comportamento. Quando dize-mos "é correto atravessar um cruzamento somente quando o se-máforo estiver verde”, estamos prescrevendo esse comportamento a todos os que se encontram nessa situação específica, e isso se vê bem se substituirmos "correto" por “deve-se". É precisamente essa possibilidade de substituir uma locução por outra que mostra a fun-ção intrinsecamente prescritiva do termo "correto" e dos outros ter-mos deônticos. Alguns deles podem também ser usados em função avaliativa, mas isso, mais uma vez, depende do contexto e, nesses casos, podem ser substituídos por termos axiológicos, o que seria impróprio quando são usados em sua função prescritiva primária.

Poder-se-ia pensar que essas distinções não são muito relevan-tes na linguagem ordinária, em que termos como "correto” e "bom" (mas, certamente não, "dever”) são efetivamente muito usados de modo intercambiável. Isso, porém, não significa que o sejam e, so-bretudo. não significa que seus âmbitos de aplicação sejam conside

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TEORIA

rados, mesmo no uso comum, totalmente equivalentes e que possam se sobrepor. Há uma expressão corrente que soa "se o fim justifica os meios"; quando a pronunciamos, evidentemente estamos nos perguntando se declarar alguma coisa como "boa” implica que todas as ações voltadas para a obtenção dessa coisa são corretas, e é claro que a pergunta tampouco seria feita se pen-sássemos que "bom" e "correto" fossem equivalentes. Enfim, é pre-ciso observar também que a substituição de uma linguagem de tipo axiológico por uma de tipo deôntico não é uma simples questão terminológica; como veremos mais adiante, muda a própria estrutura da ética e isso tem importância seja no plano histórico, seja no plano teórico.

Ora, em linhas gerais e salvas algumas ulteriores distinções que podemos deixar de lado, as três funções acontecem quando esses termos são usados no âmbito moral. A discussão que se abriu na primeira metade do século XX trata de dois pontos:

a) qual dessas funções deve ser considerada predominante ou exclusiva na linguagem moral;

b) se a função exaure ou não o significado desses termos.Deixaremos de lado a primeira questão, até porque seria muito

difícil resumir, sem banalizá-lo muito, o sentido das inumeráveis análises que sobre ela foram alinhavadas (Lecaldano, 1970). A segunda questão, porém, diz respeito a uma história de notável interesse teórico (inclusive, mas não só, pelos seus reflexos em referência ao modo de entender a ética) e tem em seu centro os desenvolvimentos que, nos primeiros anos do século XX, se registram no campo filosófico sobre a noção de "significado de uma palavra". Embora sinteticamen- te, é necessário reconstruir essa história, que tem como principal protagonista o filósofo Ludwig Wittgenstein (1889-1951).

4. O problema do significado

A primeira e mais antiga concepção do que é o significado é aquela segundo a qual o significado de um termo consiste naquilo a

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que ele se refere, ou seja, o conceito expresso pelo termo ou idéia a que ele remete (às vezes se prefere indicar isso com o termo "sentido”), ou o objeto real ao qual ele corresponde. Essa concepção é definida teoria referencial da linguagem e, embora dê azo a algumas objeções, parece ser a mais imediatamente sugerida pelo uso comum da linguagem. Essa teoria tem conseqüências importantes com referência a nosso problema: se o significado das palavras consiste em serem sinais de objetos reais e, portanto, o discurso é significativo, pois às palavras correspondem objetos, então as palavras morais são significativas se as podemos referir a objetos reais, e o discurso moral tem sentido porque afirma, e se afirma, alguma coisa desses objetos.

Essa era a concepção do significado que fundamentava o pen-samento do filósofo inglês George E. Moore (1873-1958), que, em 1903, publicou uma obra (Principia Ethica) com a qual se inicia a corrente da ética analítica (Moore, 1964). A mesma concepção (em-bora em bases filosóficas diferentes) encontrou depois a sua mais significativa expressão no Tractatus logico-philosophicus (1921), de Ludwig Wittgenstein e tornou-se conhecida como teoria represen-tativa da linguagem. Mas as conseqüências que, com referência a nosso tema, os dois filósofos apresentam são radicalmente dife-rentes. Moore sustenta que os termos morais referem-se a proprie-dades reais (voltaremos mais adiante sobre essa tese) e, portanto, que as proposições morais têm sentido porque descrevem essas propriedades, lá Wittgenstein sustenta que a linguagem moral não corresponde ao mundo, pois o mundo é constituído de objetos, do queé, ao passo que a linguagem moral diz respeito a valores, ao que deve ser e que, portanto, não se encontra no mundo dos objetos empiricamente observáveis: de outro modo seria um fato e não mais uma valor (Wittgenstein, 1995). A linguagem moral é, pois, "insensata” e a ética é eliminada do território dos conhecimentos significativos. Para compreender precisamente o alcance dessa afirmação convém citar uma passagem de uma famosa Conferência sobre a ética feita por Wittgenstein, em 1929, na Sociedade dos Heréticos, em Cambridge:

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TEORIA

Agora, diante dessa asserção, vejo logo com clareza, como na luz de um relâmpago, não apenas que nenhuma descrição pensável por mim seria apta a descrever o que entendo por valor absoluto, mas também que rejeitaria qualquer descrição significante que alguém pudesse eventualmente sugerir, ab initio, com base no seu significado. Ou seja, quero dizer o seguinte: agora vejo como essas expressões sem sentido eram tais não porque não tivesse encontrado a expressão correta, mas porque a falta de sentido delas era a sua peculiar essência. Porque, com efeito, com elas eu me propunha justamente ir para além do mundo, ou seja, para além da linguagem significante. A minha tendência e, penso, a tendên-cia de todos aqueles que jamais procuraram escrever ou falar de ética ou de religião foi de se lançar contra os limites da linguagem. Esse atirar- se contra as paredes da nossa prisão é perfeita e absolutamente desesperado. A ética, por surgir do desejo de dizer alguma coisa sobre o significado último da vida, o bem absoluto, o absoluto valor, não pode ser uma ciência O que diz não acrescenta nada, em nenhum sentido, ao nosso conhecimento. Mas é um documento de uma tendência do ânimo humano que eu pessoalmente não posso deixar de respeitar profundamente e que não gostaria realmente, a custo da vida. de pôr em ridículo (Wittgenstein, 1967, p. 18).

A observação de Wittgenstein segundo a qual a ética, como foi tradicionalmente entendida, não pode ser uma ciência encontra imediata correspondência no âmbito da corrente filosófica do "neopositivismo lógico”, que desenvolve uma segunda concepção do significado denominada verificacionista. Os expoentes do neopositivismo lógico (que nos anos 1920 formaram o chamado "círculo de Viena") sustentavam que qualquer proposição é signifi-cativa somente se se pode demonstrar, mediante oportunos pro-cessos de verificação, que ela é susceptível de ser julgada verda-deira ou falsa. Segundo esses estudiosos, tais processos de verifi-cação existem para as proposições da lógica e da matemática e para as proposições que dizem respeito aos fatos do mundo

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A METAÉTICA

empiricamente observáveis. Uma vez que as proposições morais não fazem parte, obviamente, da primeira categoria nem (como tinha mostrado Wittgenstein) da segunda, não existe nenhum processo de verificação que possa declará-las verdadeiras ou falsas. Portanto — uma vez que o fato de serem verdadeiras ou falsas é o critério de significação —, a ética é literalmente "sem sentido", pelo menos se julgada segundo o modelo das ciências empíricas e lógico- matemáticas, que esses filósofos tendem a privilegiar como única forma de verdadeiro conhecimento (Hahn et ai, 1979).

A consonância com as teses de Wittgenstein é evidente, mas alguns expoentes dessa escola perguntaram-se que tipo de função podem ter as proposições em que nós exprimimos avaliações morais. Segundo Alfred ). Ayer (1910-1989), os juízos morais servem para exprimir as emoções de quem fala, e os termos morais têm uma função exclusivamente emotiva. Convém referir a esse propósito uma passagem de Ayer:

A presença do símbolo ético na proposição não acrescenta nada ao seu conteúdo fatual. Assim, por exemplo, se digo a alguém "Você agiu mal ao roubar aquele dinheiro", não estou dizendo nada a mais do que se tivesse dito simplesmente "Você roubou aquele dinheiro’’. Acrescentando que essa ação é um mal, não faço nenhuma outra afirmação a propósito. Simplesmente venho pôr em evidência a minha desaprovação moral do fato. É como se tivesse dito "Você roubou aquele dinheiro" com um particular tom de repugnância, ou o tivesse escrito com o acréscimo especial de alguns pontos exclamativos. O tom de repugnância ou os pontos exdamativos não acrescentam nada ao significado literal do enunciado. Servem apenas para mostrar que, em quem fala, a expressão do enunciado é acompanhada por certos sentimentos (Ayer, 1961, p. 107).

Não se trata, portanto, de autênticos juízos, pois não descrevem nada e, por isso, não tem sentido perguntar se

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TEORIA

são verdadeiros ou falsos.É preciso ressaltar que na história da ética já existiam

concepções segundo as quais os juízos morais devem ser ligados ao sentimento de aprovação ou desaprovação: segundo Ayer, todavia, nesses casos os juízos morais eram entendidos como uma descrição do estado psicológico interno de quem fala, ao passo que Ayer quer insistir sobre o fato de que os juízos morais não descrevem nada, mas simplesmente exprimem esses sentimentos.

As teses de Ayer têm dado lugar a uma concepção da ética denominada "emotivismo", que foi desenvolvida (e tornada menos radical) por Charles L. Stevenson (1908-1979), o qual se referia, porém, à teoria psicológico-causal do significado da linguagem desenvolvida pelo pragmatismo americano. Essa teoria ressaltava a função dinâmica da linguagem, ou seja. a sua capacidade de causar certos processos psicológicos em quem fala e em quem escuta.Com base nela, Stevenson sustentou que a característica primária dos juízos morais não é a de descrever as crenças de quem fala ou os seus sentimentos, mas a de exprimir e manifestar as suas atitudes e, ao mesmo tempo, de influenciar as atitudes dos outros. Para os emotivistas, uma proposição como "esta ação é boa" significa “eu aprovo essa ação e te exorto a fazer o mesmo" (Stevenson, 1962).

Reconhece-se que o emotivismo teve o mérito de ter chamado a atenção sobre o caráter dinâmico da linguagem moral e sobre o nexo entre discursos morais, escolhas e ações. Ao mesmo tempo, todavia, se ressaltou que esse caráter dinâmico é interpretado pelos emotivistas de modo muito Iimitativo, ou seja, reduzindo-o a um problema de técnicas de persuasão e de influência que não permitiriam distinguir o discurso moral da propaganda ou das di-versas formas de manipulação ou de persuasão mais ou menos oculta. Esse é um modo muito limitado para entender a vida moral: se alguém me pergunta "que devo fazer?", não é necessário pensar que está pedindo para ser influenciado ou manipulado. Para os emotivistas, além disso, nem sequer existe — ou pelo menos não tem o significado usual que nós lhe atribuímos — a experiência

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comum e concreta do desacordo moral: com efeito, dado que as pessoas exprimem sinceramente os próprios sentimentos, tudo se reduz a uma diferença de gosto moral, não a um desacordo real.Se eu digo "o aborto é uma coisa certa", e um outro diz "o aborto é uma coisa errada", essas locuções eqüivalem a "viva o aborto" e "abaixo o aborto"; estamos simplesmente exprimindo os nossos

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gostos moráis e sobre gostos nao se deve disputar para estabele- cer quern tem razao e quem está errado É claro, enfim, que numa concepgao desse género nao há lugar para argumentagóes ou para discussóes com base em critérios racionais e é sobretudo por isso (ou seja, o fato de nao atribuir á razáo um lugar na ética) que o emotivismo teve urna vida muito breve na historia da ética. Depois de Stevenson, com efeito, cuja obra principal é de 1944, tem inicio um rapidíssimo declínio e, logo depois da Segunda Guerra Mundial, o próprio Ayer modifica substancialmente suas idéias iniciáis.

Enquanto o emotivismo vivia sua breve época, Ludwig Wittgenstein comegava a desenvolver urna pesquisa (que haverá de se concluir com as Pesquisas filosóficas, publicadas em 1953) que o teria levado a repudiara sua concepgao anterior da linguagem como representagáo do mundo, de que, como haveremos de nos lem- brar, nascia a tese da insignificancia cognoscitiva da linguagem moral, para passar a urna teoria mais complexa, que teve profunda influencia nos desenvolvimentos da ética analítica e, mais em ge- ral, da reflexáo filosófica. Segundo essa nova teoria, o significado das palavras nao pode ser considerado unívocamente estabelecido de urna vez por todas, como ele tinha sustentado com base na rígida correspondencia entre linguagem e objetos do mundo, mas varia fortemente de acordo com os contextos e os objetivos pelos quais é usado e coincide com o uso que nós dele fazemos nos diversos ámbitos da vida. A linguagem é agora entendida como um conjunto de diferentes "jogos lingüísticos", urna nogáo que Wittgenstein introduz para indicar o conjunto da linguagem e das atividades, ou formas de vida, a que a linguagem é intrínseca e ñas quais as palavras assumem, pouco a pouco, um significado diferente, de acordo com as regras próprias do jogo ou forma de ativi- dade em que sao usadas. Nao é, pois, possível, por exemplo, esta- belecer de urna vez por todas o que significa "bom", e tampouco tem sentido tentar analisá-lo em abstrato, isolando-o do jogo (ou dos jogos) lingüístico por cujas regras seu uso é determinado. Há com freqüéncia urna "semelhanga de familia" entre os usos de urna palavra; mas se o jogo lingüístico é o da moral, o significado do termo deverá estar ligado as regras desse ¡ogo, que cada um de nós aprende a jogar na vida concreta e sobre o paño de fundo de urna forma de vida comum (Wittgenstein, 1983).

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A ESTRUTURA TEORÉTICA DA ÉTICA NORMATIVA

nada a ver com os fins do juízo moral. Nos nossos juízos morais concretos — é apenas o caso de ressaltá-lo — nós, ao contrário, pensamos que essa afirmação tem sentido: o tipo de ação e as suas conseqüências são levados em consideração.

Na verdade, sobre toda essa questão existem análises sutilíssimas (até em relação ao uso dessa noção na doutrina do duplo efeito), mas a idéia central das éticas intencionalistas é que o projeto adotado pelo agente tem uma intrínseca qualidade boa ou má, que é independente de como efetivamente o projeto se realiza e das conseqüências que produz, e é essa qualidade que devemos julgar. Essa qualidade depende de toda a gama das disposições de aptidão que o indivíduo adquire no decurso de sua educação moral e algumas éticas insistem no fato de que uma vida moral digna é mais uma questão de aquisição de bons dotes de caráter, ou virtudes, que uma questão de avaliação das conseqüências ou de conformidade a deveres. Naturalmente não se pode negar a importância da formação de um bom caráter, que dá o tom a toda a vida moral-, mas é difícil pensar que a qualidade moral da conduta prática seja totalmente redutível a ter um bom caráter. É fácil dar-se conta de que, quando surgem problemas morais, a prescrição "tenha boas intenções" ou "seja virtuoso" não constitui uma grande ajuda para decidir o que devemos fazer.

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CAPÍTULO QUINTO

O PROBLEMA DO FUNDAMENTO

1.Considerações gerais

as páginas precedentes, examinamos a estrutura teórica geral das formas fundamentais de teoria ética e vimos como, no centro de toda forma de ética, há o esboço de

um modelo geral de conduta correta e/ou boa. Examinaremos agora o modo como as teorias éticas enfrentaram o problema de justificar esse modelo, ou seja, de oferecer algum motivo pelo qual aquele modelo é recomendado, sugerido ou até prescrito e que, em geral, é também o motivo pelo qual os filósofos pensam (com razão ou sem ela, não importa) que as pessoas deviam adotar esse modelo.

NEsse é o tema que já na "Introdução" era sugerido como o fio

condutor que liga a reflexão moral comum e a reflexão ética. Estamos

aqui precisamente naquele nível de “fundamento último" a que se acenava na "Introdução" e que é de competência da ética. Não se trata mais de justificar uma ação ou um juízo relacionando-o à nor-ma ou ao princípio de referência ou, de qualquer modo (pois nem todas as éticas aceitam essa forma de raciocínio moral), expondo as razões que guiaram a escolha. Trata-se aqui de justificar todo o sistema de crenças morais que está na base da conduta prática, e isso requer enfrentar complexos problemas de ordem filosófica.

Preferimos introduzir essa temática mediante o relato do diá-logo que se trava entre Sócrates e um jovem ateniense de nome Eutífron. A obra de que é tirado o relato intitula-se justamente Eulífron e é um dos primeiros Diálogos de Platão, o filósofo por cujas obras predominantemente conhecemos o pensamento de Sócrates (Platão, 1967). Alertamos que o diálogo diz respeito ao termo "san-

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TEORIA

to", que substituímos pelo termo "correto”, pois não nos interessa o conteúdo do discurso de Sócrates, mas o tipo de raciocínio que se desenvolve. Não é difícil imaginar situações da nossa concreta vida moral nas quais um raciocínio desse tipo poderia se dar entre duas pessoas suficientemente motivadas a aprofundar as razões que estão na base da conduta prática.

2. O raciocínio de Sócrates

Sócrates encontra o jovem Eutífron quando este está se diri-gindo ao tribunal para denunciar o pai que, como diz, tinha se infamado com uma gravíssima culpa: a de ter deixado morrer de fome e de frio um escravo culpado de ter morto, no transcorrer de uma rixa entre bêbados, um outro escravo. Naturalmente, Eutífron se dá conta de estar a ponto de realizar um ato que muitos não partilham e que já lhe criara problemas em família, mas está tam-bém firmemente convencido de que aquela era a coisa certa a ser feita. Eutífron, com efeito, julga saber com absoluta certeza o que é certo ou errado, bom ou mau. Sócrates declara logo, com seu modo de agir irônico e cativante devido ao qual até hoje sua figura conserva um extraordinário fascínio, que desejava fazer-se discípulo de um homem que possui um saber de tão grande importância, e convida Eutífron a lhe explicar o que é justo e injusto. Eutífron começa então a fazer uma espécie de elenco de ações certas ou erradas, mas Sócrates o interrompe logo. fazendo a observação de que não pedira que indicasse uma ou duas das muitas ações que chamamos de certas, mas de lhe ensinar o que é em si mesma essa tal idéia do certo pela qual todas as ações certas são certas. Desse

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AS VIAS DO FUNDAMENTO

procura evitara dor e, se pode, perseguir o prazer. É diferente, porém, afirmar que o único movente da ação é a procura do prazer, ou seja, que a única coisa que os homens desejam realmente é o prazer. Essa tese é mais comprometedora e muitos sustentam que, mesmo do ponto de vista da observação empírica, não corresponde à nossa comum experiência em que muitas vezes nos sentimos motivados a agir por moventes diferentes do prazer ou a ele irredu-tíveis. Enfim, com base no hedonismo psicológico, foi construído um hedonismo ético, que consiste em afirmar que, dada a verdade do hedonismo psicológico, a única coisa que para o homem é bom perseguir é o prazer. Na parte histórica, voltaremos a essa tese-, limitamo-nos aqui a observar que o hedonismo, como teoria ética, é por muitos considerado errôneo, se não autocontraditório; com efeito, se a tese psicológica é verdadeira, não tem sentido prescre-ver às pessoas que façam o que de fato já fazem de boa vontade.

Às vezes o hedonismo é identificado com o egoísmo, ou seja, com a tese segundo a qual todo homem orienta o próprio compor-tamento em vista do próprio interesse pessoal. Todavia, é fácil ver como se pode ser egoísta sem ser hedonista, quando, por exemplo, o interesse pessoal, não é reposto no prazer, mas em alguma outra coisa, como o poder, a riqueza etc. Também no egoísmo se deve distinguir entre uma tese psicológica e uma ética, que consiste em afirmar que para cada qual é bom ou justo fazer tudo o que se considera possa ajudar os próprios interesses. Como o hedonismo, também o egoísmo ético é considerado uma posição não plausível, mas às vezes como a própria negação da moralidade. Afirmar que o comportamento humano deve ser movido exclusivamente pela persecução do próprio interesse pessoal contradiz a nossa comum experiência, em que muitas vezes fazemos valer perspectivas que vão além do interesse pessoal; mas, sobretudo, torna até impossível pensar uma sociedade estável entre os homens, a menos que se suponha a existência de uma "mão invisível” da providência que concilie a persecução individual do interesse pessoal com o interesse comum.

As formas de naturalismo que estamos examinando caracteri-

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TEORIA

zam-se pela crescente tendência em evitar o recurso a premissas mais gerais de natureza metafísica para concentrar, ao contrário, a atenção em características da natureza humana susceptíveis de serem observadas por via empírica. Essa tendência se consolida sobretudo a partir do século XVII, no pano de fundo da nova ciência da natureza que se desenvolveu a partir de Galileu Galilei e que consiste fundamentalmente em renunciar à pesquisa das "realida-des últimas" ou das "causas últimas" das coisas para indagar, em vez disso, com os instrumentos da matemática, as leis que gover-nam os fenômenos como eles acontecem diante da observação empírica.

O naturalismo vem, desse modo, apoiar o caráter natural das propriedades morais, como propriedades observáveis e, portanto, objeto de pesquisas empíricas análogas àquelas com que indaga-mos as propriedades físicas. Isso comporta, porém uma conseqüên-cia que é importante esclarecer. As éticas naturalistas não afirmam certamente que no mundo, como ele é dado à observação empírica, existam coisas como o ser bom ou o ser justo, mas simplesmente que o ser bom ou o ser justo podem ser definidos em termos de propriedade naturais de tipo não moral. As diferenças entre os vários tipos de naturalismo dependem do traço natural que se privilegia. Já lembramos o prazer e o interesse pessoal que, juntamente com outros traços que serão pouco a pouco identificados (a benevolência, o sentimento moral etc.), podemos enumerar sob a etiqueta de naturalismo psicológico. Mas no decurso da história da ética é possível identificar um naturalismo biológico que se desenvolve sobretudo depois da elaboração da teoria da evolução, de Charles Darwin e que consiste em reduzir as distinções morais ao que ajuda ou é prejudicial à evolução da espécie. Existe também, enfim, um naturalismo sociológico, que identifica o bem com o que promove a estabilidade e o progresso da sociedade. Não vale a pena, todavia, prosseguir com a lista. Em vez disso, procuremos mostrar o que une todas as formas de fundação das distinções morais que examinamos até agora.

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AS VIAS DO FUNDAMENTO

4. O reducionismo e o problema da autonomia da ética

O supernaturalismo e o naturalismo são duas orientações fundamentais do pensamento ético em referência à fundação última das propriedades morais. Apesar das divergências radicais, se prescindirmos do conteúdo específico das várias respostas, é pos-sível identificar alguma coisa que as une todas, ou seja, sua forma lógica: em todos os casos, com efeito (exceto na forma platônica, em que, porém, a noção de Bem é totalmente indeterminada), a natureza das distinções morais fundamentais é definida, ao se atri-buir o significado dos termos morais para outras propriedades. A expressão "X é bom ou correto” pode ser traduzida, de acordo com as várias teorias, substituindo-se "bom ou correto" por expressões como "agradável a Deus” ou "querido por Deus”, ou "prazeroso” ou "funcional ao equilíbrio social" ou, ainda, "adequado à sobrevivência da espécie", ou em termos de outros conceitos empíricos per-tencentes a alguma das ciências naturais ou das ciências humanas. Esse procedimento é definido como reducionismo, termo que tem um sabor limitativo, mas que usamos aqui sem nenhum cunho negativo. É simplesmente o modo como de fato procedeu boa parte das teorias éticas para resolver o problema do fundamento das propriedades morais e apresenta também alguma vantagem que pode explicar sua persistência no tempo. Toda teoria ética (ou pelo menos as já apresentadas) aspira constituir-se como corpo de co-nhecimentos verdadeiros e objetivos, e um modo para realizar esse escopo pode ser, exatamente, o de reduzir as propriedades morais a proposições que (com ou sem razão, não importa) são conside-rados fundamentais como objeto de outros campos do saber de já consolidada certeza cognoscitiva: a metafísica, a teologia, as ciên-cias naturais e assim por diante.

Isso, porém, tem um preço, ou seja, o de reduzir a ética a um departamento dos outros setores do saber a que. aos poucos, se deve fazer referência para estabelecer o que, em última análise, é certo ou bom. Segundo Emanuel Kant, esse preço é muito alto:

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TEORIA

conhecimentos, porque, em última análise, suas proposições afir-mam alguma coisa de um objeto real e essas afirmações podem ser julgadas verdadeiras ou falsas, conforme correspondam ou não a essa realidade. É precisamente esse último assunto — mas também seu fundamento realista — que é posto em discussão no âmbito da filosofia lingüística. Esboçamos seus aspectos fundamentais ao falar da metaética e também indicamos seu primeiro resultado em ética no emotivismo. Vamos retomar aqui o discurso num nível diferente: se, com efeito, o emotivismo desapareceu do panorama das teorias éticas sem deixar vestígios (senão naqueles que continuam a trocar o raciocínio moral por propaganda de fins edificantes), a raiz gnosiológica da qual nasceu o emotivismo sobreviveu a ele e deu lugar ao não-cognitivismo, uma aproximação que nega o valor de verdade-falsidade dos enunciados morais. Essa aproximação teve uma extraordinária importância nos desenvolvimentos da ética na segunda metade do século XX, orientando a pesquisa sobre o tema da justificação em ética conduzida pelos filósofos que a aceitaram, e também a dos filósofos que a recusaram, mas a levaram em conta para evitar formas de naturalismo ou de realismo já superadas. Segundo alguns estudiosos, a distinção entre éticas cognitivistas e não-cognitivistas constitui a chave para compreender esses desenvolvimentos e é muitas vezes indicada como a "grande divisão" em ética, consistente na

tese que afirma a existência na linguagem de uma radical distinção de significado entre as proposições descritivas (ou asserções), de uma parte, e as proposições de orientação (ou avaliativas) e os juízos morais, de outra. Uma grande quantidade de trabalho — muitas vezes extremamente requintado — foi dedicado pelos analistas da moral para precisar, de um lado, em que nível a distinção proposta devia valer e, de outro, quais deviam ser considerados os limites exatos dos dois universos de discurso identificados e. enfim, qual devia ser o significado específico que se reconhecia em um e em outro discurso (Lecaldano, 1976, p. 75).

Essa última afirmação é importante para compreender que a

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distinção entre linguagem descritiva e linguagem diretiva (ouO NÃO-COGNITIVISMO

avaliativa) não deve necessariamente ser interpretada, como tinham feito os filósofos ligados ao neopositivismo iógico, no sentido de que a primeira linguagem é significativa, mas a segunda não tem significado, lá ressaltamos que essa tese derivava da particular concepção do significado próprio do neopositivismo lógico e estava conexa ao privilégio que se dava à física como forma perfeita de conhecimento. Depois do efeito "liberalizante" da reflexão de Witt-genstein sobre a linguagem, mas também depois de uma série de desenvolvimentos no âmbito da filosofia da ciência que aqui não vale a pena lembrar, o não-cognitivismo insistirá na distinção entre os dois âmbitos do discurso, mas considerando a ambos, embora de modo diferente, significativos, e a pesquisa tenderá a estabelecer qual a relação entre esses dois âmbitos e qual o específico sig-nificado da linguagem moral. Quanto a esse último ponto, em âmbito não cognitivista, a teoria mais interessante é a construída por um dos filósofos moralistas mais importantes do nosso tempo, Richard M. Hare, com seu prescritivismo universal; falaremos a esse respeito no capítulo décimo quinto. § 8.

2. A lei de Hume”

Sobre esses temas abriu-se um debate de grande amplitude, no decurso do qual — mesmo podendo se registrar um substancial, mas não unânime, acordo sobre a oportunidade de não nivelar a linguagem moral com a linguagem descritiva ou, como muitas ve-zes se diz. de não reduzir inteiramente os valores aos fatos — foram elaboradas várias interpretações da relação entre os dois âmbitos de discurso e sobre a possibilidade de passar ou não de um ao outro. No centro desse debate está a chamada "lei de Hume", que tem por motivo uma espécie de recomendação que David Hume (1711-1776) dirige ao leitor de seu Treatise of fiuman nature (1739). Convém relatar o trecho todo.

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TEORIA

Em todo sistema de moral com que até agora me deparei, vi sempre que

o autor vai adiante por um certo tempo, raciocinando de modo costu-

meiro, e afirma a existência de um Deus, ou faz observações sobre as coisas humanas; depois, de repente, descubro com surpresa que, em vez das habituais cópulas é e não é. encontro somente proposições que se unem por um deve ou não deve-, trata-se de uma mudança imperceptível, mas que tem, todavia, a maior importância. Com efeito, dado que esses deve ou não deve exprimem uma nova relação ou uma nova afirmação, é necessário que se observem e se expliquem; e que ao mesmo tempo se dê uma razão para o que parece totalmente inconcebível, ou seja, que essa nova relação possa constituir uma dedução de outras relações completamente diferentes dela. Mas. uma vez que os autores não seguem habitualmente essa precaução, permito-me recomendá-la aos leitores e estou convencido de que um mínimo de atenção a esse respeito mudará todos os sistemas comuns de moral e nos fará entender que a distinção entre a virtude e o vício não se funda simplesmente em relações entre os objetos e não é percebida mediante a razão (Hume, 1971, vol I, pp. 496-497)

Convém, antes de mais nada, procurar esclarecer o sentido desse trecho de maneira literal. Entrementes, é preciso dizer que Hume refere-se a uma regra comum de coerência do raciocínio que podemos assim sintetizar. Se digo que A é igual a B e B, igual a C, sem dúvida estou autorizado a concluir que A é igual a C e é difícil que me possam contestar a validade lógica dessa conclusão. Po-rém, se depois de ter anunciado as primeiras duas proposições, eu concluo que A é igual a D, qualquer um poderia me perguntar de onde terei tirado esse D, que não comparecia nas premissas do raciocínio.

Uma primeira leitura do discurso de Hume poderia ser esta: ele convida o leitor — quando ele se encontrar diante de desenvoltas deduções de proposições com o deve tiradas de proposições apresentadas em forma puramente descritiva — a buscar as razões

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pelas quais foi feito aquilo que, de outra forma, teria sido um puro e simples erro lógico. Segundo essa leitura, a intenção de Hume não é tanto denunciar os sistemas morais anteriores por ter cometido esse erro, quanto por ter deixado o leitor crer que não havia cometido nenhum erro, vendendo, então, como dedução rigorosa

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pológicos, produzidos em particular no último século. Não somos relativistas se nos limitamos a constatar que de fato existem e sem-pre existiram diferentes concepções da vida e, portanto, diferentes formas de vida moral. Essa constatação pode fazer pensar que o pluralismo moral é de algum modo uma característica constante da moralidade, ainda que às vezes gostemos de nos representar certas formas de sociedade, em especial as mais distantes de nós no tempo, como unidimensionais do ponto de vista moral. Todavia, a existência do pluralismo moral pode certamente induzir as pessoas a cultivar a virtude da tolerância — sem que isso signifique que, para sermos tolerantes, seja necessário sermos relativistas —, do respeito pelas idéias alheias e da atenta escuta das razões dos outros, mas não as obriga de modo algum a apoiar o juízo de valor segundo o qual não há nenhuma razão para considerar uma pers-pectiva moral mais válida que a outra — uma vez que, de fato. existem muitas delas — e a concluir, pois, que todas as morais estejam no mesmo plano. Essa posição é, às vezes, definida como relativismo, mas seria mais correto defini-la como "indiferentismo ético". Pode gerar uma tendência ao niilismo, mas com muito mais freqüência se traduz naquela forma de quietismo ou conformismo moral expressa na conhecida frase "se estás em Roma, faz como os romanos". Aqui não estamos ainda num relativismo normativo propriamente dito, ao qual se chega somente se se afirma a tese segundo a qual a relatividade dos princípios e dos valores implica que a única razão que torna uma determinada conduta justa ou boa é de fato que essa conduta seja exigida pelo código moral vigente numa dada sociedade ou numa dada cultura.

Definimos como "convencionalista" essa forma de relativismo normativo, pois insiste na natureza convencional dos códigos morais como sistemas formados no decurso do tempo em relação às necessidades e aos interesses das várias sociedades e culturas. Essa forma de relativismo é de natureza cognitivista, pois as convenções são matéria de verificação empírica. Nesse sentido, ela é compatível com alguma forma de objetivismo, mas somente quando esse termo não é entendido como sinônimo de

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TEORIA

"absolutismo", in-O NÂO-COGNITIVISMO

terpretação que no panorama atual já é patrimônio exclusivo da-quelas formas de ética de fundamento religioso para as quais a ética ou é absoluta ou não é ética (Finnis, 1993). Como acenamos anteriormente, até por causa dos desenvolvimentos ocorridos na epistemologia e na filosofia das ciências, a noção de objetividade acabou perdendo os tradicionais sinais da validade universal e absoluta; para eles, dizer que algo é objetivo significava atribuir- lhe um valor eterno e, portanto, subtraído ao fluir do tempo e da história. Não se diz, portanto, que a objetividade deva necessaria-mente coincidir com o absolutismo.

Se se prescinde dos usos polêmicos, pode-se afirmar que o relativismo convencionalista não implica necessariamente todas aquelas conseqüências negativas, em referência aos comportamen-tos práticos que a ele são imputados. É compatível seja com as éticas do dever, seja com as éticas do valor, e o que muda é apenas o fundamento atribuído ao sistema dos deveres ou dos valores. Essa diferença, todavia, tem muita importância em relação ao pro-blema da crítica moral. Afirma-se, com efeito, que uma fundação somente convencionalista dos deveres e dos valores, por mais efi-caz que seja no plano dos comportamentos práticos, implica a impossibilidade de formular juízos sobre os sistemas morais de outras culturas ou sociedades, mesmo quando a nossos olhos esses sistemas se apresentem como reprováveis; se, por exemplo, a antropologia nos informa que em alguns povos se praticava o sa-crifício de seres humanos, o relativista deveria apenas observar isso e abster-se de formular um juízo de condenação moral. Obviamen-te, os relativismos elaboraram muitas estratégias para responder a esse tipo de crítica e uma delas consiste em afirmar o que segue: justamente porque as crenças morais refletem as culturas nas quais vivemos, nós trairíamos a nossa cultura se, partindo das nossas crenças morais, não pronunciássemos um juízo negativo sobre essa prática. É objeto de discussão se essa

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estratégia ou as outras possíveis são suficientes para resolver o problema, mas aqui não podemos tratar disso em detalhe. Concluímos ressaltando que, como no caso do relativismo subjetivista, também o convencionalistaapresenta aspectos pelos quais a maioria das teorias éticas con-temporâneas o recusa como teoria normativa. Isso não significa, todavia, que a única alternativa ao relativismo esteja em alguma forma qualquer de absolutismo; e, de fato, o panorama contempo-râneo é composto em geral de éticas que, embora rejeitando o relativismo, não admitem a existência de absolutos.

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AS ORIGENS

depois da morte, que compreendia também a idéia de um juízo sobre a vida do defunto com base numa lista de quarenta e dois atos proibidos; e a proibição de toda forma de crueldade para com os animais que, como formas de vida, eram tidos como manifestações das divindades, com freqüência imaginadas com o aspecto de animais.

Mas na história do desenvolvimento das formas históricas de moralidade é o primeiro milênio a.C. que tem importância deter-minante: graças a alguns extraordinários personagens, surgem quase todas as grandes religiões (se se exclui a islâmica) e, às margens do mar Jônio, tomam vida algumas formas de civilização nas quais se desenvolverá a reflexão filosófica do modo como estamos acostumados a entendê-la. Ainda que em síntese, é ne-cessário falar dessa época crucial na história da humanidade.

2. O primeiro milênio a.C. no longínquo Oriente

Na índia, já no decurso do segundo milênio, desenvolve-se o hinduísmo. cujas doutrinas mais antigas estavam contidas nos livros dos Vedas, uma coleção de textos que expõem uma complexa doutrina ética e social, atribuída à revelação de Brahma. O hinduísmo é na realidade um complexo de doutrinas filosóficas e religiosas, articulado em várias escolas e cultos que têm em comum alguns princípios fundamentais. Entre esses princípios, por sua importância prática, destaca-se a divisão da humanidade em quatro classes que, no decurso do tempo, se tornaram castas e deram à índia a típica estrutura hierárquica que somente há pouco, a partir da obra de Mahatma Ghandi, se começou a escarafunchar.

Em meados do primeiro milênio surgiram na índia, entre ou-tros, dois cultos de grande importância. O primeiro se deve ao monge Mahavira, que provavelmente retomou um culto mais antigo chamado jainismo, uma concepção da vida que exclui a referência à divindade e põe no centro a idéia de respeito absoluto por todas as formas de seres vivos como princípio fundamental (juntamente com

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HISTÓRIA

a castidade e o repúdio dos bens materiais) para levaruma vida orientada para a libertação do ciclo da transmigração das almas, lustamente por sua veneração pela vida em todas as suas formas (os monges costumavam caminhar varrendo o terreno para não pisar em formas de vida), o jainismo continua a exercer um grande fascínio, em particular junto às teorias éticas que criticam o antropocentrismo, a que se fez referência antes.

A segunda forma de culto nasce com Gautama Buda, que cria uma das mais importantes religiões filosóficas da história, o budis-mo. Buda (cujo nome era Sidhartha) era um jovem de família nobre, descontente com o sistema de castas vigente na índia e profunda-mente chocado com a realidade do sofrimento e da dor. Por volta dos trinta anos, iniciou um período de meditação, ao qual se seguiu um longo período de pregação e de ensinamento. A ética religiosa do budismo está centrada em Quatro Nobres Verdades: a primeira é a realidade da dor e do sofrimento, que produz um sentido profundo de insatisfação, o qual deriva (segunda verdade) do apego ao mundo material; a terceira verdade ensina que é possível suprimir esse apego e a quarta ensina o caminho para o praticar. Originariamente, o budismo era uma religião e uma ética da salvação individual e não previa particulares cultos ou rituais. A seguir, se lhe acrescenta uma forma de compromisso social orientado pela prática da caridade.

No mesmo período em que na India vivia Buda, na China viveu Lao-tse, filósofo criador do taoísmo, uma doutrina que tem em seu centro a noção de Tao. um princípio de harmonia universal que compreende ao mesmo tempo o devir e a imutabilidade e pelo qual, mediante um ato de intuição, o homem deve deixar-se guiar no decurso da sua vida. No mesmo período ou pouco depois de Lao-tse, viveu Kongfusi, Confúcio, que pôs de lado as tendências metafísicas do taoísmo para construir uma forma de ética social cunhada no altruísmo, tendo ao centro a importância da família, do respeito pela autoridade e dos papéis sociais que determinavam a conduta justa. Confúcio não queria ser um inovador; ele e a sua escola pretendiam apenas reunir e organizar os antigos rituais

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AS ORIGENS

(chamados Lí) nos quais estava depositada a sabedoria antiga. Por esse seu caráter conservador, o confucionismo (depois desenvolvi-do por outros filósofos como Mozi e Mêncio) tornou-se uma espécie de religião oficial por todo o período do império chinês. Proibido oficialmente em 1912, hoje está bastante enraizado na China.

3. O primeiro milênio a.C. no Oriente próximo

Voltando agora para o Ocidente, uma figura crucial é a de Zoroastro ou Zaratustra, que viveu na Pérsia no início do primeiro milênio a.C. e foi o iniciador de uma religião chamada masdeísmo. Desaparecida por volta do século VII d.C. (hoje sobrevive somente em pequenas comunidades como a dos parsi, na índia), foi por muito tempo a religião oficial do império persa, mas a sua impor-tância histórica é devida à influência que seu princípio inspirador exerceu na formação da religião hebraica. Zoroastro interpretava o universo como um imenso campo de batalha entre o princípio do bem e da luz (Ahura Mazda) e o princípio do mal e da obscuridade (Angra Mainyu). Todo homem deve escolher entre o bem e o mal e prestará contas disso no final dos tempos, quando o bem e a luz triunfarão sobre o mal e a escuridão. Na filosofia de Zoroastro emerge um problema que será central na história das religiões, ou seja, o da justificação de Deus: se Deus é bom, de onde vem o mal? A conseqüência moral dessa pergunta é extremamente importante: por que, nesta terra, o mal parece prevalecer sobre o bem e o mau triunfa sobre o justo? É o paradoxo do "justo sofredor" que Zoroastro resolve ao dar o prêmio aos justos e o castigo aos mal-vados no momento do juízo universal.

Podemos agora ilustrar brevemente as origens da forma de religião e de moralidade da qual se desenvolveram as três grandes tradições ético-religiosas que formaram o mundo ocidental: o ju-daísmo, o cristianismo e o islamismo.

As origens do judaísmo remontam ao início do segundo milênio a.C., quando uma tribo proveniente da Mesopotâmia, sob a direção

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HISTÓRIA

de Abraão, se estabeleceu nas terras da Palestina. Depois de um período passado no Egito, os hebreus voltaram para a Pa-

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i

Este livro apresenta um panorama dos modos pelos quais os filósofos abordaram o estudo dos fatos morais e os resultados fundamentais a que chegaram como fruto de suas pesquisas.A fim de que o leitor possa formar uma espécie de vocabulário de base da Filosofia Moral, a primeira parte elenca os conceitos principais dessa disciplina filosófica, introduzidos e explicados

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de modo simples, claròe conciso. j'V

A segunda parte expõê as etapas fundamentais da história daFilosofia Moral. Na ética aplicada da atualidade, o destaque

i

recai sobre a bioética.Como não pressupõe conhecimentos filosóficos particulares,

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este livro dirigç-se a todos os desejosos de munir-se de instrumentos cognoscitivos de base para acompanhar com mais informação as discussões éticas de nosso tempo, uma vez que essas já não,se restringem ao âmbito de profissionais ou revistas especializadas/mas encontram amplo espaço especialmente nas mídiasi .<

ÒEMETRIO Nerí é docente de Bioética na Univér-,sidade de Messina (Itália), onde também lecion|^jÉ#S^ÍFilosofia Mòral;

Material com direitos autorais- J

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www.loyola.com.br

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