Filosofias Da Educação de Adultos

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  • Sofia Marisa Alves Bergano

    Filosofias da Educao de Adultos

    Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao Universidade de Coimbra

    2002

    Sofia Marisa Alves Bergano

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    Filosofias da Educao de Adultos

    Dissertao apresentada Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao da Universidade de Coimbra, para a obteno de grau de Mestre em Cincias da Educao, na rea de Especializao em Psicologia da Educao, sob a orientao do Prof. Doutor Antnio Simes e do Prof. Doutor Joo Boavida.

    Faculdade de Psicologia e de Cincias da Educao Universidade de Coimbra

    2002

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    ______________________________________________Agradecimentos

    Ao Professor Doutor Joo Boavida e ao Professor Doutor Antnio Simes pela orientao, incentivo e nimo.

    Dr. Isabel Lobo pela colaborao, mas sobretudo pela amizade e exemplo.

    minha famlia, especialmente aos meus pais, pelo seu apoio incondicional.

    Aos amigos que acompanharam o percurso deste trabalho apoiando-me cada vez que tudo parecia correr mal, ajudando-me a encarar com humor algumas das adversidades, em especial Joana, Alda, ao Ricardo, Dora e Ana, entre muitos outros.

    A todos o meu obrigado.

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    _______________________________________________________ndice

    INTRODUO. I PARTE

    1. A Complexidade enquanto Caracterstica da Educao de Adultos... 1.1. O Adulto Educando... 1.2. Percurso Histrico e Evoluo Conceptual em Educao de Adultos..

    2. Da Reflexo Filosfica em Educao de Adultos... 2.1. A Educao Liberal...

    2.1.1. Desenvolvimento Histrico da Educao Liberal 2.1.2. Educao Liberal e a Pessoa Educada.. 2.1.3. A quem se dirige a Educao Liberal?............................................. 2.1.4. O Processo Educativo e a Concepo de Conhecimento. 2.1.5. The Great Books Program 2.1.6. Educao Liberal e Educao de Adultos

    2.2. Educao Progressista... 2.2.1. Perspectiva Histrica da Educao Progressista.. 2.2.2. A Educao de Adultos Progressiva 2.2.3. Princpios Bsicos da Educao de Adultos Progressista 2.2.4. O Educando na Educao Progressista 2.2.5. Uma nova Metodologia Educacional... 2.2.6. A Relao Pedaggica na Educao Progressista 2.2.7. A Educao como Instrumento de Mudana Social. 2.2.8. Programas Inspirados na Educao Progressista..

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    2.3. Educao Behaviorista.. 2.3.1. As Origens do Behaviorismo... 2.3.2. A Psicologia enquanto Cincia do Comportamento. 2.3.3. O Behaviorismo e a Educao.. 2.3.4. Objectivos Comportamentais... 2.3.5. Avaliao e Responsabilidade no Processo Educativo

    2.4. Educao Humanista. 2.4.1. Percurso Histrico do Pensamento Humanista 2.4.2. Humanismo e Educao... 2.4.3. Contribuies da Psicologia Humanista... 2.4.4. Princpios Fundamentais da Filosofia Humanista 2.4.5. A Educao de Adultos Humanista..

    2.5. Educao Radical.. 2.5.1. A Tradio Anarquista. 2.5.2. A Tradio Socialista Marxista 2.5.3. A Esquerda Freudiana ou Psicanlise Revolucionria. 2.5.3. Paulo Freire e a Alfabetizao na Amrica Latina... 2.5.4. Freire como Educador Radical. 2.5.5. O Movimento de Desescolarizao e a Educao de Adultos.

    3. A Educao de Adultos em Portugal... 3.1. Do sculo XIX Primeira Repblica 3.2. O Estado Novo.. 3.3. Do 25 de Abril ao Plano Nacional de

    Alfabetizao e Educao Bsica de Adultos 3.4. A Dcada de 80 e a Lei de Bases do Sistema Educativo.. 3.5. A Dcada de 90. 3.6. Sntese...

    4. As Conferncias da UNESCO sobre a Educao de Adultos. 4.1. Conferncia de Elsinore 4.2. A Conferncia de Montreal...

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    4.3. A Conferncia de Tquio.. 4.4. A Conferncia de Paris.. 4.5. A conferncia de Hamburgo.. 4.6. Sntese...

    II PARTE

    1. Introduo 2. Metodologia.

    2.1. Caracterizao da Populao. 2.2. Caracterizao da Amostra 2.3. Instrumento

    2.4. Procedimentos de Investigao. 2.5. Operacional das Variveis. 2.6. Formulao das Hipteses de Investigao...

    3. Anlise dos Resultados Concluses. Bibliografia

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    ___________________________________________________Introduo

    A educao de adultos caracteriza-se pela sua complexidade, pela diversidade de prticas, e at de finalidades. nossa convico que a maior parte dos educadores tem conscincia desta diversidade e da complexidade da educao de adultos. Contudo, no nos parece to evidente que estes procedam a uma reflexo sistemtica acerca desta diversidade no mbito da educao de adultos.

    possvel que esta situao de ausncia de reflexo acerca das finalidades da educao, que se nos afigura como provvel no domnio da educao de adultos, o seja tambm no que se refere prtica educativa no geral, ainda que, no que nos diz respeito, nos centraremos nas questes relativas educao de adultos.

    O problema que se nos coloca sem dvida da rea da filosofia da educao. este o domnio do conhecimento que se debrua sobre as questes relacionadas com as finalidades da educao, com o conceito de Homem e o ideal de Homem, com a sociedade e o projecto de sociedade futura. Toda a prtica pedaggica tem um conjunto de princpios e de pressupostos que a orientam. Mas, como em toda a prtica no reflectida, corre-se o risco de se fazer porque se viu fazer, porque assim se tem feito, porque se acredita ser este o processo eficaz, sem que se tenha conscincia clara dos princpios e valores que esto subjacentes s prticas dirias adoptadas.

    Parece-nos vantajoso que se estimule uma atitude reflexiva entre os educadores levando-os a olharem a sua prtica pedaggica como um processo orientado para determinado fim, como um caminho que pretende conduzir a algum lado, e no apenas como uma mera gesto de sucessivas situaes que podem, ou no, ter valor formativo.

    Ao analisar as diferentes propostas filosficas para a educao de Adultos no nossa inteno fazer a apologia de qualquer uma delas, tentamos apenas analisar alguns

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    dos princpios filosficos e/ou psicolgicos de algumas prticas no mbito da educao de adultos, procurando da tirar as ilaes adequadas para a problemtica em causa.

    De acordo com esta perspectiva parece-nos pertinente abordar as questes filosficas subjacentes educao de adultos. Acreditamos que reflectindo acerca dos princpios e das finalidades da educao, mais facilmente se seleccionam estratgias e metodologias para levar a cabo a persecuo dos objectivos propostos.

    Neste sentido, pareceu-nos pertinente averiguar at que ponto esto claras para os educadores as ideias base, ou melhor os pressupostos subjacentes sua prtica.

    Com a certeza de que nem sempre as convices so assumidas enquanto tal, ou por no se ter uma conscincia clara destas, ou por no se fazer um compromisso claro e consequente, pareceu-nos pois que a utilizao de um Inventrio de Filosofias da educao de adultos poderia ser um instrumento eficaz para averiguar que Filosofia da educao estaria subjacente prtica de alguns educadores de adultos, ou at mesmo se haveria, ou no um corpo coeso de ideias que indiciasse alguma orientao filosfica especfica.

    Um projecto deste tipo tem, inevitavelmente, um conjunto de obstculos a ultrapassar ou a contornar. Uma das principais dificuldades esperadas tem a ver com a falta de literatura especfica acerca de filosofia da educao de adultos. Se existe uma considervel produo cientfica sobre a educao de adultos, ela normalmente refere-se a polticas de educao, a projectos de investigao acerca da aprendizagem na vida adulta, a projectos de interveno comunitria, a programas nacionais de erradicao do analfabetismo, entre outros.

    Relativamente bibliografia consultada na rea da Filosofia da educao, constatmos que a maior parte dos filsofos da educao referidos reflectiram acerca da educao das crianas e dos jovens ou da educao em geral, mas pressupondo, muitas vezes, uma concepo de educando que se sobrepe concepo de criana ou jovem.

    Conscientes de que a educao de adultos foi buscar muitas influncias s teorias da educao, que num primeiro momento se referiam educao dos mais

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    jovens, que a formao dos educadores valoriza estas teorias da educao e que a formao especfica de educadores de adultos muito escassa ou at inexistente, parece-nos que legtima a tentativa de analisar a educao de adultos luz de filosofias da educao mais tradicionais.

    A metodologia de recolha de dados proposta para esta investigao foi a administrao de uma verso traduzida do inventrio de Zinn intitulado Philosophy of Adult Education, a uma pequena amostra de educadores de adultos.

    Sempre tivemos conscincia das limitaes que este tipo de metodologia da investigao tem. Consideramos, contudo, que face aos objectivos propostos neste trabalho, esta tcnica de recolha de dados nos permitiria, pelo menos, indagar acerca de outras formas e, eventualmente, de outros caminhos para aprofundar conhecimentos na rea especfica da Filosofia da educao de adultos.

    Se, de acordo com o referido por Rui Canrio, encaramos a educao como um processo largo e multiforme que se confunde com o processo de vida de cada indivduo, torna-se evidente que sempre existiu educao de adultos (Canrio, 1999, p. 11).

    Neste sentido, a aprendizagem em idade adulta no um caracterstica do nosso tempo, desde sempre os adultos aprenderam ainda que em contextos muito diferentes: no local de trabalho, em situaes sociais e de lazer, em escolas, em Universidades... Contudo, so relativamente recentes as preocupaes com a educao formal dos indivduos adultos.

    A referncia da necessidade de educao para todas as idades referida, por exemplo, por Comnio1, no sculo XVII, de qualquer forma esta teorizao no teve qualquer concretizao prtica ficando sempre ao nvel da utopia educativa.

    1 J. A. Comnio (1592-1670). Na sua obra faz referencia necessidade de

    democratizao do ensino e educao permanente. Estas referncias podem ser encontradas tanto na Didactica Magna e sobretudo na Pampaedia.

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    Ainda neste sculo surgem academias que bem se podem considerar como instituies onde adultos tomavam conhecimento de novas ideias literrias cientficas e culturais

    Contudo, e de acordo com The Internacional Encyclopedia of Education, a educao de adultos, enquanto aco pedaggica organizada, tem a sua origem no sculo XVIII, altura em que surge, no Reino Unido, o conceito de educao de adultos. No entanto, s em meados do sculo XIX este conceito traduz um verdadeiro corpo terico, que progressivamente se emancipa das teorias e pressupostos da educao das crianas e adolescentes.

    A expresso educao de adultos difundiu-se generalidade dos pases de lngua ou influncia anglo-saxnica.

    Ao analisarmos a terminologia usada para designar as aces pedaggicas socialmente organizadas e destinadas a um pblico adulto, podemos melhor compreend-las e/ou justific-las, de acordo com o contexto e o momento histrico, poltico ou social do pas ao da regio que a adopta.

    Por exemplo, em Frana e na Alemanha surge a denominao de Educao Popular2, o que nos sugere que o seu propsito primordial estender a educao s classes populares. De acordo com este ponto de vista a educao de adultos difunde-se num contexto que visa minorar ou reparar as assimetrias ou desvantagens educacionais das classes desfavorecidas. Neste sentido a educao de adultos normalmente vista como uma educao remediativa ou compensatria uma vez que supostamente constituir uma nova oportunidade educativa para os que no tiveram acesso educao escolar bsica, ou aos que por algum motivo no tiveram sucesso em contexto escolar. Como sabemos, a excluso, o abandono e o insucesso escolares so socialmente diferenciados.

    2 ducation Populaire em francs, Volksbildung em alemo e Folkeoplays em

    dinamarqus. Estas expresses traduzem a ideia da educao de massas a Educao Popular em francs e alemo e Instruo popular em dinamarqus.

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    De referir, ainda, que a expresso Educao Popular no se refere directa e inequivocamente a uma educao especfica para adultos mas preconiza claramente o direito educao como um direito fundamental do indivduo, independente da sua origem social ou da sua idade. neste contexto que afirmamos que os movimentos de Educao Popular preconizam fundamentalmente a concretizao dos ideais de universalizao da educao.

    Mas, qualquer que seja a designao utilizada, podemos adiantar que numa primeira fase os profissionais da educao de adultos se preocupavam essencialmente com o colmatar das desvantagens educativas que caracterizam certos segmentos sociais. Progressivamente foi-se generalizando a ideia de que a educao um processo que se estende ao longo da vida, e a que todos devem ter acesso, independentemente do seu background escolar ou da sua idade.

    Podemos estar perante duas distintas concepes de educao de adultos. Num primeiro momento, encarada como um instrumento, individual e colectivo, que permite o acesso a melhores condies de vida e ao crescimento econmico, atravs de melhores possibilidades de acesso ao mercado de trabalho para os indivduos, e que numa perspectiva social permite um mais rpido crescimento e complexificao dos sistemas produtivos.

    Posteriormente a educao de adultos comea a ser conceptualizada como um direito dos cidados, entendida como condio necessria evoluo das sociedades modernas e democrticas. Mas, agora, no s numa perspectiva no meramente economicista, e portanto quantitativa, de maior produtividade e crescente rendimento, mas antes numa perspectiva qualitativa de maior qualidade de vida dos indivduos e dos povos.

    A educao vista como um direito caracteriza os discursos polticos internacionais da rea da educao de adultos, principalmente a partir da segunda metade do sculo XX. Para este facto contriburam decisivamente as Conferncias sobre educao de Adultos promovidas pela UNESCO. claro que as Conferncias continuaram a referir a educao de adultos como motor de desenvolvimento econmico mas, progressivamente, a ideia da educao de adultos como valorizao

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    pessoal dos indivduos vai ganhando espao no delinear dos objectivos propostos para a educao de adultos.

    evidente que a evoluo da educao de adultos no se processou de forma anloga em todas as regies do globo. As condies de desenvolvimento econmico e a estabilidade poltica influenciam fortemente os investimentos que os Estados fazem, ou no, na educao. Consequentemente, o estado de desenvolvimento da educao de adultos, no Mundo, diverso e tem, necessariamente, de ser visto e compreendido luz do contexto econmico, social e poltico do pas em questo. Como facilmente se antev, tambm nesta rea se verificam grandes assimetrias entre os pases desenvolvidos e os pases em vias de desenvolvimento.

    Como referimos anteriormente, a preocupao poltica com a educao de adultos intensifica-se quando comea a ser flagrante a necessidade de educar as classes trabalhadoras. Com o desenvolvimento da sociedade industrializada acentua-se a consciencializao da urgncia de estender a todos o acesso ao cdigo escrito. Podemos ento entender que a emergncia dos movimentos de educao de adultos tem como principal objectivo dar aos adultos competncias bsicas de leitura e escrita.

    Nesta altura, os movimentos sindicais e religiosos assumem um papel de relevo na implementao de iniciativas de educao de adultos que tem como objectivo fundamental a alfabetizao das populaes, especialmente das classes trabalhadoras.

    Em termos de investigao da aprendizagem em idade adulta podemos dizer que um domnio relativamente recente, uma vez que a investigao em educao se ocupava, tradicionalmente, da escola, enquanto instituio de educao formal, e dos alunos enquanto crianas e adolescentes.

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    I PARTE

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    ________________________1. A complexidade enquanto caracterstica da Educao de Adultos

    A educao de adultos um domnio que se caracteriza pela complexidade e diversidade. Em educao de adultos podemos falar de alfabetizao, formao e actualizao profissional, educao para a cidadania, educao para a sade, referindo algumas das inmeras possibilidades.

    Se verificamos a existncia de um vasto nmero de reas temticas ou disciplinares no campo da educao de adultos, tambm possvel encontrar um grande nmero de nveis de educao que vo desde a alfabetizao at educao ps-graduada.

    Podemos, ento, concluir que o domnio da educao de adultos se define pela populao a que se dirige e no por qualquer outro critrio. Com isto no queremos afirmar a homogeneidade dos grupos a que se destinam este tipo de iniciativas, apenas realamos que todos os seus elementos desempenham papis sociais que os definem como adultos, e que so vistos pela sociedade de que fazem parte enquanto tal.

    Assim, podemos considerar como educao de adultos toda e qualquer iniciativa organizada que vise promover o desenvolvimento acadmico, profissional, social e pessoal de indivduos adultos, mesmo tendo conscincia de que existem adultos muito diferentes. Neste sentido e referindo-se heterogeneidade do grupo dos adultos quanto varivel idade, Jos Ribeiro Dias refere que a educao de adultos deve durar at ao fim da vida e, neste sentido, a Recomendao de Nairobi fala de adultos de todas as idades (Dias, 1982, p. 8).

    Mas o grande grupo dos adultos heterogneo relativamente a outras variveis das quais destacamos variveis de ordem acadmica como, por exemplo, a habilitao

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    acadmica de cada um e, assim, podemos estabelecer uma linha contnua que vai desde cursos de alfabetizao de adultos a cursos de formao ps-graduada. Quanto a esta varivel verifica-se o chamado efeito S. Mateus, ou seja so os indivduos com nveis mais elevados de formao inicial que mais tendem a empenhar-se em actividades educativas (Simes, 1997, p. 12/3). Ou seja, quem, partida, tem menor nvel de educao inicial menos interessado se mostra em aderir a iniciativas de educao de adultos, este facto deve alertar-nos para a necessidade de sensibilizar estas franjas da populao para a valorizao da aprendizagem ao longo da vida.

    De acordo com esta conceptualizao podemos sublinhar a importncia de considerar o adulto enquanto um educando com certas e determinadas caractersticas que o distinguem do educando mais jovem.

    Para a definio do mbito da educao de adultos, enquanto campo de saber, concorrem tambm algumas caractersticas da sociedade contempornea, que apresenta a nvel profissional, social, familiar e de lazer, grandes exigncias no que toca constante necessidade de actualizao dos saberes.

    O desenvolvimento tecnolgico e cientfico, a emergncia da sociedade da informao, as novas dinmicas sociais e culturais so uma clara ameaa para os que no desenvolverem fortes capacidades adaptativas e transformativas. Se, por um lado, os indivduos tm que, num processo contnuo, integrar novos conhecimentos, adoptar novas formas de saber, de fazer e at de ser; por outro lado, para fazer face a esta forte dinmica de alteraes sociais e culturais, exige-se uma atitude transformadora.

    Salientamos duas ideias que nos parecem fundamentais para a compreenso da importncia de uma educao ao longo da vida:

    a) A definio do conhecimento enquanto construo social, cultural e temporalmente contextualizado, exige ao sujeito uma constante necessidade de acompanhar as mudanas interiorizando-as; e

    b) A necessidade de cada sujeito se assumir como elemento transformador, num ambiente em constante mutao a dinmica e a introduo de novidade so, simultaneamente, garantia de sobrevivncia e sucesso dos elementos do sistema e sua condio de manuteno.

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    Com estas caractersticas a sociedade reivindica uma educao que, cada vez mais, se vai afastando do modelo educativo tradicional. Torna-se fundamental o desenvolvimento de uma atitude que promova uma aprendizagem constante, ao longo de toda a vida, dentro e fora do sistema educativo formal, na escola, em famlia, em grupos e em comunidade.

    O conceito de adulto levanta, tambm, um vasto campo de indefinio e, como tal, concorre para a complexificao da realidade da educao de adultos. Nas sociedades ditas primitivas a fronteira entre a infncia e a adultez estava bem delimitada por um conjunto de rituais de passagem que tornava claro o estatuto do sujeito, tanto para o indivduo como para os seus pares. Agora esta passagem mais subtil, o que conduz necessariamente a um perodo de indefinio quanto pertena, ou no, ao grupo dos adultos, a verdade que na tradio ocidental, o conceito de adulto se mantm extraordinariamente impreciso (Dias, 1982, p. 7).

    O prolongamento da escolaridade, que caracteriza a sociedade contempornea, complexifica a passagem da infncia idade adulta, tornando-a difusa. A definio do campo da educao de adultos reflecte necessariamente esta ambiguidade da definio do adulto. O significado da palavra adulto complexo e, nos dias de hoje, h mesmo uma indefinio gerada pela dificuldade em determinar o incio ou o fim da vida adulta (Nogueira, 1996, p. 51).

    Retomaremos a questo da definio de adulto posteriormente, neste momento apenas pretendemos enumerar os factores que concorrem para a complexificao do domnio da educao de adultos.

    importante no esquecer que a educao de adultos representa uma nova oportunidade para aprender e, neste sentido, pode representar uma oportunidade de concluir uma escolaridade interrompida precocemente e constituir uma oportunidade de aprofundar conhecimentos na rea de conhecimento do indivduo (Kahler, 1976, p.10).

    Cada vez mais o desenvolvimento pessoal dos indivduos uma motivao que os leva a procurar iniciativas integrveis no mbito da educao de adultos. Tornando-se cada vez mais comum que as pessoas se interessem por ampliar os seus conhecimentos e desenvolver capacidades que no esto directamente relacionadas com

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    a sua actividade profissional ou com a sua formao inicial, parece-nos que o lazer e o hobby assumem, cada vez mais, um papel particularmente importante na vida activa dos sujeitos.

    Referindo novamente as caractersticas da estrutura social sublinhamos o crescente peso que a terceira idade assume face a um evidente envelhecimento da populao, provocado no s por um mais eficaz controlo da natalidade como por um aumento da esperana mdia de vida resultante da interligao de factores como o aumento da qualidade de vida, o maior acesso aos servios de sade e a progressos notveis no mbito das cincias mdicas.

    Para, de alguma forma, dar resposta s necessidades desta faixa etria, tm-se assistido a um aumento considervel de iniciativas de educao de adultos dirigidas populao idosa, no tanto sustentadas na necessidade de acompanhar as evolues tecnolgicas, mas sobretudo como uma nova oportunidade de valorizao e desenvolvimento pessoal, atravs da ocupao educativa dos seus tempos livres.

    Podemos ento concluir que a educao de adultos pode assumir formulaes bastante diferenciadas como, por exemplo, a alfabetizao de adultos, a formao profissional, a animao e desenvolvimento comunitrio, a formao ps-graduada, a ocupao educativa dos tempos livres, o desenvolvimento pessoal e social, entre muitas outras.

    Da mesma forma, constatamos que se dirige a populaes igualmente variadas e, necessariamente, com objectivos bastante diferenciados. Podemos encontrar jovens excludos do sistema de ensino regular, adultos que procuram na educao de adultos uma nova oportunidade de acesso ou de possibilidade de progresso escolar, pessoas que procuram, na educao, novas formas de valorizao pessoal, etc.. A formao ou actualizao profissional ou at a reorientao da carreira podem ser tambm motivaes para a procura de educao de adultos.

    Desta forma, todos estes factores concorrem para o complexo domnio de interveno da educao de adultos, tornando-a um campo plural e multifacetado.

    Para ilustrar a grande diversidade que caracteriza a educao de adultos, podemos, a ttulo de exemplo, citar a tipologia proposta por Titmus (1996, p. 13). Este

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    autor classifica a educao de adultos de acordo com os objectivos a que se prope, desta forma, distingue a educao de segunda oportunidade, a educao vocacional, a educao para o desempenho de papeis sociais3, a educao assistencial4, e a educao como auto-desenvolvimento (Titmus, 1996, p. 14).

    A educao de adultos como educao de segunda oportunidade pressupe a existncia de um sistema de ensino bsico universal a que, por qualquer razo, um determinado segmento da populao no teve acesso ou no qual no experienciou o sucesso. Nestas situaes a educao de adultos procurada com o intuito de alcanar a certificao conferida pelos diferentes graus do sistema de ensino formal, no mbito da escolaridade obrigatria ou at para alm dela.

    O principal objectivo da educao vocacional a preparao dos indivduos para determinado perfil profissional, promovendo aprendizagens no domnio da aquisio de competncias e percias necessrias ao desempenho profissional. Este domnio da educao de adultos especialmente valorizado, quer pelas entidades empregadoras, quer por organizaes (governamentais ou no) uma vez que encarada como uma das formas privilegiadas de preparao para o desempenho profissional. Nesta perspectiva so claras as relaes entre educao e estrutura produtiva ou entre educao e posio social, uma vez que esta normalmente definida pelo estatuto profissional.

    A terceira categoria proposta est directamente relacionada com a preparao dos adultos para o desempenho de determinados papis e estatutos que lhe so socialmente atribudos. Neste sentido poderamos referir, como exemplos, a educao parental, a educao para a cidadania e todas as iniciativas que visem a preparao das pessoas para o desempenho das suas responsabilidades sociais. Podemos encontrar este tipo de educao ao longo da histria da sociedade ocidental e at nas sociedades tribais em que no existem sistemas de educao organizados. Trata-se de uma expresso clara da educao enquanto processo de socializao, ou seja, enquanto mecanismo regulador da prpria organizao social. Nas sociedades contemporneas as mudanas sociais so

    3 Social Roles Education no original.

    4 Social Welfare Education no original.

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    muito mais rpidas o que, de alguma forma, pe em causa os modelos tradicionais de transmisso de conhecimentos das geraes mais experientes para as geraes mais novas. Actualmente, os modelos e as estruturas de organizao social so cada vez mais fludos e dinmicos e as geraes mais velhas no tm, necessariamente, uma vivncia social que se coadune com elas, o que torna pertinente a existncia de iniciativas que se proponham preparar as pessoas para o desempenho das suas atribuies sociais de uma forma mais sistemtica, estruturada e actualizada.

    A educao de adultos enquanto educao assistencial est directamente relacionada com objectivos ligados aco social paliativa ou preventiva, estas iniciativas de educao de adultos pretendem remediar ou prevenir situaes de desequilbrio social, ou outras situaes que de alguma forma possam estar relacionadas com determinadas caractersticas sociais da populao. A ttulo de exemplo, referimos algumas iniciativas ligadas educao para a sade como, por exemplo, as campanhas relativas preveno de doenas infecto-contagiosas, a preveno da toxicodependncia, as campanhas de educao sanitria levadas a cabo nos pases em vias de desenvolvimento ou em zonas habitacionais degradadas nos pases industrializados.

    Por fim, Titmus prope a educao de adultos enquanto educao para a promoo do desenvolvimento pessoal, ou seja, uma educao voltada para o enriquecimento e valorizao pessoal. Neste mbito so relativamente vulgares as iniciativas cujos objectivos se centram na divulgao do saber e da cultura, privilegiando-se domnios como a histria, a filosofia, a literatura e a arte, entre outros domnios do saber que, sendo socialmente valorizados, constituem o que normalmente se denomina como cultura geral. A designao desta categoria de educao para o desenvolvimento pessoal polmica uma vez que podemos estender o objectivo de desenvolver os indivduos a toda e qualquer forma de educao. Ou seja, qualquer iniciativa verdadeiramente educativa, ainda que tenha outras finalidades, acaba sempre por constituir uma oportunidade de promoo do desenvolvimento e valorizao do educando.

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    Podemos concluir pela coexistncia de um vasto domnio da educao de adultos onde a diversidade impera, pelo que considermos pertinente esta anlise uma vez que estas diferenas so fundamentais para a anlise dos objectivos propostos para as diferentes iniciativas de educao de adultos.

    Como sntese das ideias apresentadas referimos Alberto Melo quando define Educao de Adultos como um movimento de contra-corrente, a favor da crescente autonomia das pessoas, e na oposio a toda e qualquer corrente de natureza totalitria dentro da sociedade, referindo ainda que procura abrir sempre, mais largos, os horizontes do possvel, conduzindo inevitavelmente mudana e melhoria, inovao benfica para as pessoas e para o planeta (1996, p. 20).

    1. 1. O Adulto Educando

    Como j vimos, o domnio da educao de adultos define-se essencialmente por constituir a concretizao de uma inteno educativa em que os educandos so adultos. Assim sendo, todas as dificuldades sentidas na definio de adulto so decalcadas directamente para a tentativa de definio de educao de adultos.

    Na tentativa de clarificar o conceito de educao de adultos, a UNESCO prope uma definio que procura estabelecer o campo de abrangncia do domnio da educao de adultos. Assim, de acordo com a General Recommendation on the Development of Adult Education, a educao de adultos engloba todo e qualquer processo educativo organizado, independentemente do seu contedo, dos mtodos de educao utilizados, quer se trate ou no de educao formal, que tenha como objectivo prolongar ou substituir a educao inicial, dirigida a pessoas vistas como adultas pela sociedade a que pertencem, e que tenham como objectivo desenvolver as suas capacidades, enriquecerem os seus conhecimentos, melhorar as suas qualificaes tcnicas ou

    profissionais, reorientar a sua carreira. Deste processo devem resultar mudanas de atitude ou comportamento, numa perspectiva que deve prever o completo

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    desenvolvimento pessoal e a participao dos indivduos no equilbrio social, econmico, poltico e cultural da sociedade a que pertencem. (UNESCO, 1976).

    Como podemos observar, esta definio de educao de adultos considera a diversidade cultural subjacente noo de adultez, no sendo definido nenhum critrio para definir adulto, precisamente porque este conceito no uno. Cada cultura tem, ainda que de uma forma mais ou menos explcita, critrios para distinguir os adultos daqueles que ainda esto na infncia, ou na adolescncia.

    Pe-se, ento, a grande questo: com rigor, qual o acontecimento que pe fim adolescncia e inicia a vida adulta? O acesso ao mercado de trabalho, o casamento, a subtraco tutela parental, a capacidade de estar s e de se autodeterminar, a responsabilizao pela prpria vida, so alguns dos marcos propostos para definir adultez. Estes momentos/acontecimentos podero reflectir eventualmente uma certa maturidade psicolgica mas definiro, por si s, o estatuto social de adulto?

    Na tentativa de contornar estas questes surgem conceitos como a ps-adolescente ou jovem-adulto, que procuram dar uma certa entidade a um perodo de desenvolvimento que, por determinadas contingncias, temos dificuldade em encaixar na adolescncia ou na adultez.

    Um facto cada vez mais referido que a passagem idade adulta est diluda e cada vez mais confundida por um processo de escolarizao cada vez mais complexo (Nogueira, 1996, p. 55), o que consequentemente atrasa a entrada no mercado de trabalho, a conquista da independncia econmica e a formao de uma nova famlia, marcos apontados como fundamentais ao reconhecimento do indivduo enquanto adulto.

    Se tradicionalmente se entendia a infncia e a adolescncia como espaos privilegiados para as aprendizagens, actualmente considera-se que o espao para a aprendizagem se estende at idade adulta.

    Considerando a idade adulta to propcia aprendizagem como a infncia ou a adolescncia, a preocupao com o aluno/adulto tem tomado alguma relevncia no domnio das Cincias da Educao. Cada vez mais se defende que a vida um percurso em que as aprendizagens se vo sucedendo e que ... medida que as pessoas vo

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    envelhecendo continuam a ter capacidade para aprender...(Daines, J. e Graham, B.; 1992, p. 3).

    So vulgares os esteretipos que associam o envelhecimento ao declnio intelectual e consequentemente a idade adulta encarada como uma fase da vida em que a aprendizagem no ser to importante como na infncia ou na adolescncia. No entanto, as investigaes que tm sido feitas nesta rea apontam a idade adulta como to propcia aprendizagem como qualquer outra, os investigadores esto de acordo no que respeita estabilidade, e at ao crescimento de algumas capacidades cognitivas com a idade, em simultneo com alguns aspectos de declnio (Lima, M. et al, 1997, p. 21)5.

    evidente que as caractersticas de um aluno/adulto no so as caractersticas de uma criana ou de um adolescente. Assim, ...enquanto a experincia para a criana algo que lhe acontece, para o adulto algo do que ele , pois ajudou a formar o seu prprio eu... deste modo, quando se rejeita a experincia do adulto possvel que ele se sinta alvo dessa rejeio (Simes; 1978; p. 113).

    Deste modo a formao do educador de adultos um aspecto que no pode ser relegado para segundo plano, fundamental que o educador esteja consciente das particularidades do adulto aprendiz.

    de considerar que o aluno/adulto traz para o processo de ensino/aprendizagem uma considervel quantidade de conhecimentos, adquiridos atravs dos anos, e muito deste conhecimento pode mostrar-se relevante para o que se ir aprender.

    No entanto podem, tambm, ser um obstculo ao novo conhecimento, uma vez que, normalmente, os alunos/adultos tm algumas atitudes estabelecidas, padres de pensamento, assim como estratgias fixas de resoluo de situaes problemticas (o que pode tornar-se um obstculo aprendizagem de coisas novas). Todos estes factores devem ser considerados no processo de ensino/aprendizagem.

    5 Os autores do artigo referido sustentam a sua posio nos estudos de Baltes, Kohli e

    Dixon (1984); Kimmel (1974); Lerner e Hultsch (1983); McClusky (1982); Perlmutter e Hall (1985); Schaie e Willis (1991); Schulz e Ewen (1988) e Wlodkowski (1993).

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    , tambm, vulgar encontrarmos alunos/adultos que no confiam nas suas potencialidades enquanto aprendizes. Geralmente os adultos ficam muito ansiosos, com medo de cometer erros, o que por vezes est na base da sua no participao nas sesses, mesmo quando o animador lhes dirige alguma pergunta (esta caracterstica verifica-se mais em adultos que experimentaram o insucesso escolar enquanto crianas ou jovens). Outro aspecto que aumenta a ansiedade dos alunos/adultos um ambiente hostil e de competitividade, nestas circunstncias os alunos/adultos sentem-se mais constrangidos, o que pode comprometer a sua participao e inibir a sua realizao mesmo dentro das suas potencialidades.

    Como referimos anteriormente, so vulgares as ideias veiculadas socialmente de que os adultos e idosos no tm a mesma capacidade para aprender dos mais jovens o que, naturalmente, determina algumas reservas quanto adeso dos adultos a iniciativas de educao, ...quando o processo de aprendizagem do adulto guiado por esteretipos negativos, fcil de compreender que a motivao para actividades educacionais se encontra seriamente comprometida (Lima, M. et al, 1997, p. 27).

    Considerando estes aspectos cabe ao educador de adultos a tarefa de desmistificar estes esteretipos que, como j vimos, constituem um obstculo importante para o sucesso do adulto em formao.

    Outro aspecto a ter em conta que a maioria dos adultos valoriza, sobretudo, a aplicao imediata do que aprendem. Assim, deve-se ter em conta, na preparao de um programa de educao de adultos, a perspectiva temporal da utilizao dos conhecimentos que vo sendo adquiridos j que dificilmente um adulto se satisfaz com uma aprendizagem a aplicar a longo prazo.

    Mesmo que os adultos j tenham abandonado a escola h muitos anos (ou mesmo considerando aqueles que nunca frequentaram a escola), no devemos esquecer que eles detm algum conhecimento, que deve ser valorizado. Outro aspecto a considerar a possibilidade de adultos no escolarizados (ou que frequentaram a escola h muito tempo) terem dificuldades na manipulao de pensamentos abstractos, assim,

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    -lhes mais fcil a aprendizagem de temas concretos que impliquem a resoluo de problemas prticos.

    Segundo Daines e Graham (1992; p. 8) na caracterizao do aluno/adulto no devemos esquecer que:

    a) Os adultos aprendem mais eficazmente quando consideram as tarefas relevantes, quando so significativas e se mostram teis.

    b) Os adultos tm experincias e conhecimentos diversificados, ainda que tenham pouca confiana em si enquanto alunos.

    c) Os adultos esperam ser tratados como adultos, preferindo uma partilha do conhecimento em vez de uma situao em que no seja considerada a sua experincia de vida e o seu estatuto de adulto.

    d) Os motivos das pessoas para que participem em projectos de educao de adultos podem estar relacionados com o sucesso ou com o insucesso, assim como o sucesso poder aumentar a motivao para situaes de aprendizagens posteriores.

    A planificao do processo de ensino/aprendizagem deve ser adequada s particularidades dos educandos adultos. No devemos esquecer que fundamental que os alunos/adultos se sintam motivados (uma vez que a frequncia deste tipo de educao tem geralmente carcter voluntrio), que sintam as suas necessidades satisfeitas, que vejam aplicao para o que aprendem ou seja, que se sintam valorizados enquanto construtores do seu prprio saber.

    neste sentido que quando se procura implementar um projecto de educao de adultos deve comear-se pela anlise das necessidades, isto , deve-se reflectir profundamente acerca do que se considera pertinente abordar durante o curso.

    Neste processo de avaliao das necessidades fundamental ouvir a populao a quem se destina o programa. No entanto, o educador de adultos no se deve limitar a questionar os adultos quanto s suas necessidades, uma vez que nem sempre elas so claras para os sujeitos, frequente que, uma vez confrontados com questes relativas s

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    suas necessidades, os adultos no sejam capazes de as operacionalizar de forma objectiva e clara, falando, normalmente, em termos de aquisies de competncias especficas ou ainda em termos de interesses. importante no esquecer que os interesses dos indivduos no correspondem necessariamente s suas necessidades, e ainda que os sujeitos esto mais conscientes dos seus interesses do que das suas necessidades propriamente ditas.

    Neste sentido deve-se recorrer a outras fontes para a avaliao das necessidades da populao a quem se destina o programa de educao de adultos. neste contexto que devem ser ouvidas as entidades promotoras do programa, especialistas que trabalham com a populao, elementos significativos da comunidade, entre outros.

    No entanto, e voltando aos sujeitos que vo constituir a populao a quem se dirige o programa de educao de adultos, muito importante que sintam que a funo do educador de adultos facilitar o processo que visa a satisfao das necessidades dos indivduos - A primeira e imediata misso de todos os educadores de adultos ajudar os seus educandos a satisfazer as suas necessidades individuais e a atingir os seus objectivos (Knowles; 1980; p. 27).

    Com base na avaliao das necessidades da populao procede-se seleco dos contedos a ministrar no curso de educao de adultos. realmente importante que a seleco dos contedos se apoie em torno de dois eixos fundamentais:

    a) O que os alunos precisam de aprender; b) O que os alunos gostavam de aprender. A avaliao assume, em educao de adultos, um papel de extrema relevncia. O

    aluno/adulto um aluno preocupado com os resultados da sua aprendizagem, com a qualidade do processo educativo, e nenhum aluno/adulto est disposto a perder tempo com um programa de educao que no cumpra as funes que lhe esto na base.

    Como facilmente podemos constatar muitas foram as influncias de ordem terica e prtica que a educao de adultos foi integrando. Quando se fala em educao de adultos, referimo-nos a um conjunto de situaes de ensino/aprendizagem que podem ser muito diversas. Falamos, alm disso, de finalidades, objectivos e mtodos

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    educativos bastante diferenciados. Por isso, e necessariamente, temos de compreender que a diferentes iniciativas de educao de adultos podem estar subjacentes diferentes concepes de educao, de aluno, de educador, de sociedade. Deste modo parece-nos pertinente tentar clarificar estes sistemas de valores, de projectos, de atitudes que, de alguma forma, do unidade prtica da educao de adultos.

    Neste sentido, parece-nos de extrema importncia reflectir acerca das filosofias da educao subjacentes educao de adultos.

    1. 2. Percurso Histrico e Evoluo Conceptual em Educao de Adultos

    Como j referimos anteriormente a educao de adultos no uma inveno dos nossos dias, uma vez que ao longo dos tempos os homens foram aprendendo sempre ao longo de toda a sua vida. No entanto parece-nos que nunca, como nas sociedades contemporneas, se sentiu tanto a necessidade de aprender de forma continuada, ao longo de toda a vida.

    De acordo com a perspectiva defendida por Santos Silva (1990), a educao de adultos, em Portugal, enquanto interveno educativa sistemtica, desenvolveu-se sobretudo a partir da 2 Guerra Mundial. Referindo a complexidade do domnio da educao de adultos, o autor prope quatro grandes vias no desenvolvimento dos conceitos e das prticas da educao de adultos.

    A primeira perspectiva consiste na educao de adultos de formulao escolar, entendida como uma educao de segunda oportunidade e visa sobretudo compensar a inexistncia de escolaridade ou o abandono precoce da escola.

    As restantes trs vias referidas pelo autor afastam-se do paradigma de educao escolar. A primeira, preconiza a educao de adultos como forma privilegiada de formao e aperfeioamento profissional6.

    6 De acordo com Santos Silva, a OCDE destaca-se como organizao que difunde a

    estreita ligao entre educao e desenvolvimento e, consequentemente como entidade

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    A segunda perspectiva proposta reflecte o conceito de Alfabetizao Funcional proposto pela UNESCO, na dcada de setenta, e tem como objectivo a alfabetizao dos adultos mas numa perspectiva no escolar. No podemos, no entanto, afirmar que esta perspectiva est completamente desligada da anterior, uma vez que preconiza prticas educativas integradas com vista estreita articulao entre aprendizagem elementar e formao cvica e poltica (Santos Silva, 1990, p. 13)7.

    A terceira perspectiva (das que se afastam do paradigma da educao escolar) a Educao Permanente. Este conceito est claramente ligado cultura e organizao democrtica das sociedades ocidentais, o interesse no indivduo central. A educao tem como objectivo primordial o desenvolvimento do cidado e no a formao dos sujeitos polticos. De acordo com o autor referido, caracterstico da perspectiva da Educao Permanente o constante deslocamento das questes de mudana social para a esfera educativa. (Santos Silva, 1990, p. 15).

    A UNESCO tem ocupado um lugar de destaque no domnio da educao de adultos desde o fim da 2 Guerra Mundial, procurando compromissos por parte dos Estados para promover o desenvolvimento local, para promover o crescimento econmico, o desenvolvimento e consolidao da democracia, para promover a paz e a tolerncia.8

    defensora do conceito de funcionalidade econmica da educao, em geral, e da Educao de Adultos, em particular.

    7 A campanha de alfabetizao levada a cabo em Cuba pode ser apontada como

    exemplo desta perspectiva. As elevadas taxas de analfabetismo foram interpretadas como um sinal evidente do subdesenvolvimento decorrente da explorao social. Com este gigantesco esforo de alfabetizao o Movimento Revolucionrio conseguiu tambm uma socializao poltica das massas, que de alguma forma contribuiu para legitimar a nova organizao social.

    8 A UNESCO promoveu as seguintes Conferncias de Educao de Adultos:

    (1949) I Conferncia Internacional de Educao de Adultos - Conferncia de Elsinore, (1960) II Conferncia Internacional de Educao de Adultos - Conferncia de Montreal, (1972) III Conferncia Internacional de Educao de Adultos - Conferncia de Tquio, (1985) IV Conferncia Internacional de Educao de Adultos - Conferncia de Paris, e

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    Neste contexto, na Declarao Final da Conferncia de Hamburgo chama-se a ateno para o estreito relacionamento entre educao de adultos e as problemticas fundamentais para o funcionamento e desenvolvimento das sociedades modernas, como sejam: a consolidao da democracia, a igualdade de oportunidades, a afirmao social das mulheres, as mutaes do trabalho e do emprego, o ambiente, a sade, a cultura, a comunicao, a informao, as novas tecnologias, a multi-etnicidade e o multiculturalismo, a economia, entre outras problemticas que se colocam s sociedades democrticas.

    O crescente desenvolvimento da educao de adultos assenta na aceitao, cada vez mais generalizada, de valores que esto directamente relacionados com o direito a aprender, com o exerccio da democracia, com a tomada de conscincia e a responsabilizao de cada cidado, pelo seu futuro e pelo futuro da sua cultura e sociedade. Por outro lado, as exigncias pragmticas decorrentes do avano da cincia e da tcnica e a consequente necessidade de formao constante, sentida pelos indivduos ao longo da vida, tem justificado a crescente interesse pela educao de adultos.

    Mesmo tendo em conta a diversidade cultural h, cada vez mais, a conscincia de que a educao de adultos um problema escala mundial e que, consequentemente, tm de ser encontradas solues que respondam s necessidades dos povos e das naes.

    (1997) V Conferncia Internacional de Educao de Adultos - Conferncia de Hamburgo.

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    _______________________________________2. Da Reflexo Filosfica em Educao de Adultos

    O domnio da educao de adultos , como j referimos anteriormente, um domnio complexo e plurifacetado e a diversidade de prticas educativas em educao de adultos um exemplo claro da sua complexidade.

    As finalidades educativas, os papis dos educadores e dos educandos no processo de ensino/aprendizagem, as opes curriculares, as questes da educao multicultural, as exigncias da sociedade moderna e o peso da tradio, a educao de valores e atitudes, so apenas alguns dos temas que constituem objecto de estudo da filosofia da educao. Como evidente, a educao de adultos no pode, de forma alguma, ignorar estas questes, e inevitvel que estas sejam tratadas recorrendo ao mtodo filosfico.

    Lawson (1996) refere que embora se possa pressupor a existncia de um quadro referencial de valores e princpios que sustentem a educao de adultos, nem sempre fcil estabelecer a ligao entre estes princpios e as diferentes correntes filosficas. Estas relaes so de alguma forma implcitas e nem sempre reconhecidas, normalmente esto associadas a posturas culturais e polticas que embora sendo evidentes manifestaes filosficas, nem sempre so entendidas como tal. Para ilustrar as relaes entre as perspectivas filosficas e as correntes pedaggicas o autor prope a anlise das associaes entre: humanismo, andragogia, filosofia analtica, educao de adultos liberal, filosofia liberal, educao de adultos radical e filosofia hermenutica.

    No que se refere ao conceito de Andragogia, sublinhamos que este foi difundido, principalmente por Knowles (nos Estados Unidos da Amrica) e por Van Enkort e Long (na Europa). De acordo com Lawson a andragogia assenta, claramente, em

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    princpios filosficos humanistas a andragogia pode ser descrita como humanista porque se refere a um sistema de educao de adultos que alegadamente se baseia nas principais caractersticas humanas (Lawson, 1996. p. 141). Aspectos como a aprendizagem auto-dirigida, o educador enquanto mediador ou facilitador, remetem para determinadas concepes de educao que valorizam a autonomia do educando. A esta conceptualizao est subjacente a distino entre uma atitude andraggica e uma atitude pedaggica, clara a afirmao da especificidade do educando/adulto, neste sentido a relao educador/educando tem de ser necessariamente diferente, assentando, sobretudo, na partilha da responsabilidade na conduo do processo educativo e na responsabilizao e autonomia do educando na conduo do mesmo processo.

    Na dcada de sessenta surge uma nova abordagem no domnio da filosofia da educao, a filosofia analtica da educao. So claras as influncias do movimento da filosofia analtica dos pases anglo-saxnicos, do Circulo de Viena e de autores como Wittgenstein, Frege e Russell. Esta corrente filosfica caracteriza-se essencialmente

    pela anlise da linguagem e dos significados como instrumento de trabalho, as tcnicas utilizadas na anlise da linguagem inspiram-se nos modelos das cincias fsicas e das cincias formais como, por exemplo, a lgica. Naturalmente a filosofia analtica da educao comeou por proceder anlise do discurso educativo na generalidade, e s posteriormente surgiram trabalhos na rea da anlise do discurso associado educao de adultos.

    Lawson e Paterson so referidos como dois dos principais filsofos analticos que se debruaram sobre a educao de adultos, podem estabelecer-se determinados pontos de contacto entre as principais ideias defendidas por estes autores e a Andragogia proposta por Knowles. Um dos principais pontos de convergncia a preocupao com a tentativa de definir o campo da educao de adultos enquanto campo de estudo e de interveno unificado e especfico. Contudo, so evidentes, tambm, pontos de vista que se distanciam desta postura terica da Andragogia, como, por exemplo, o conceito de adultez que, numa perspectiva analtica, visto como a

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    definio de um estatuto social, o que tem repercusses importantes a nvel tico e poltico. Knowles, por seu lado, definia a adultez como um estdio de desenvolvimento caracterizado, principalmente, pela maturidade psicolgica.

    Se entendermos que os critrios para definir adulto resultam de processos de construo social como, por exemplo, a atribuio de um determinado estatuto social, teremos indivduos que numa determinada sociedade teriam o estatuto de adulto e que em muitas outras no, o que nos remete necessariamente para o conceito de relativismo cultural. Nesta perspectiva, o adulto s o num contexto sociocultural determinado o que pe em causa a universalidade da adultez, no tanto em termos conceptuais, uma vez que em todas as sociedades h uma distino clara entre o estatuto de criana ou jovem e o estatuto de adulto, mas antes em termos dos critrios considerados pertinentes para identificar os sujeitos enquanto adultos.

    Numa perspectiva humanista da educao, Knowles propem a existncia de um modelo de Adulto que, de alguma forma, pode ser entendido como um modelo relativamente universal, uma vez que parte do pressuposto de que todos os adultos tm determinadas caractersticas que os definem enquanto tal, o que se revela controverso sob o ponto de vista da filosofia analtica da educao de adultos.

    O conceito de adulto est, nesta perspectiva, muitas vezes associado capacidade dos sujeitos, e ao reconhecimento social desta capacidade, para determinarem o sentido da sua vida. Ou seja, em termos psicolgicos, apesar de se discutirem os limites conceptuais da adultez, verifica-se um consenso relativo quanto centralidade de caractersticas, tais como a independncia, a autonomia e a aptido para pensar e agir livremente (Oliveira, 1997, p. 36).

    Partindo destes pressupostos legtimo considerar que os adultos so os principais responsveis pela sua prpria aprendizagem, desde a seleco do que se propem a aprender at avaliao do processo de aprendizagem.

    As correntes filosficas de ndole liberal constituem a base referencial para muitas das iniciativas actuais na rea da educao de adultos. A origem da Filosofia Liberal remonta Antiguidade Clssica, estando presente ao longo dos tempos at aos

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    nossos dias, sobrevivendo, ou melhor reinventando-se ou perpetuando-se atravs da difuso das culturas judaico-crists.

    No sculo XVII, Locke contribuiu para a consolidao desta corrente filosfica ao preconizar a independncia do indivduo face ao Estado, afirmando que se o cuidado da sua prpria alma est nas mos de cada um, h que deix-lo a cada um (Locke, 2000, p. 101). De acordo com este ponto de vista reafirma-se a individualidade do ser humano, o que constitui a ideia essencial da Filosofia Liberal. Por seu lado, a educao de adultos liberal centra-se neste pressuposto elegendo o desenvolvimento individual como seu principal objectivo. Devemos entender a promoo do desenvolvimento individual como um vasto campo que, naturalmente, engloba a educao para a cidadania, uma vez que permite a cada indivduo uma relao mais informada e esclarecida com o Estado, podendo assim contribuir para salvaguardar a sua individualidade. O Liberalismo, enquanto corrente filosfica, influenciou no s a educao mas sobretudo a poltica e a economia sendo claras as suas repercusses a nvel da organizao das estruturas econmicas, sociais e polticas no mundo ocidental.

    Um dos princpios base da filosofia liberal diz-nos que nenhum ser humano pode, ou tem o direito de dizer o que o melhor para outro ser humano, cada um livre e deve ter como garantia a possibilidade de escolher (Rawls e Nozick cit. Lawson, 1996, p. 142). Podemos afirmar que, de acordo com este conceito de Homem, a liberdade um dos valores mximos para a sua definio e afirmao, cada um autnomo e consciente, cada homem tem inscrito, em si, a moralidade e a fonte de todo o conhecimento pela combinao da experincia e da razo. Este conceito de Homem aponta para uma concepo de educao que valoriza, necessariamente, a individualidade e a responsabilidade de cada educando.

    No que se refere educao de adultos temos uma educao que se constitui como um percurso determinado e regulado, essencialmente, pelo educando, sendo este o principal responsvel pela conduo e resultados do processo educativo.

    Relativamente s questes do conhecimento, esta perspectiva filosfica aponta a dade razo/experincia como formas privilegiadas de acesso ao conhecimento. O que aponta, naturalmente, para um ideal de formao de cariz essencialmente acadmico,

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    mas no no seu sentido mais formal; o conhecimento preconizado encarado como sendo passvel de questionamento, de avaliao e reformulao, encarado como um conhecimento provisrio. Desta forma, a educao tem como principal objectivo capacitar o indivduo para o exerccio de um pensamento crtico que permite o acesso ao conhecimento e a sua prpria construo (Lawson, 1996, p. 142).

    Desta forma, podemos concluir que as ideias centrais da Filosofia Liberal so a viso do indivduo como abstraco universal e o conhecimento entendido como independente do contexto histrico em que produzido. A individualidade preconizada remete para a existncia de algo que torna os homens iguais no sentido de se definirem como seres que partilham de uma identidade que os torna, na sua essncia, independentes do tempo e da situao histrica cultural e poltica em que se encontram inseridos. Da mesma forma, o conhecimento entendido e na tradio realista de uma realidade objectiva que o sujeito capta, ou seja, visto como algo a descobrir, como algo que no depende de quem o descobre e do seu percurso histrico, da sua identidade cultural ou das suas ideologias.

    Estamos perante uma perspectiva que defende uma educao de cariz universalista e racional que vai ao encontro da universalidade da entidade humana e ao valor intemporal da razo. Assim se justifica a valorizao do estudo de reas disciplinares de tradio racionalista e de obras da literatura clssica que, de alguma forma, reflectem questes filosficas e ticas que so consideradas como transversais a toda a humanidade.

    Lawson (1996) prope ainda a relao entre educao de adultos Radical e Filosofia Hermenutica. A educao de adultos Radical assenta em pressupostos que se podem enquadrar nas correntes filosficas e sociolgicas do ps-modernismo. De acordo com esta perspectiva, a educao no vista como a mera transmisso do conhecimento acadmico mas sobretudo com todo o seu potencial crtico e de transformao social.

    Esta dimenso transformadora conferida educao assenta num conceito de Homem que tem uma histria que o define, e que pertence a um determinado grupo

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    social, com o qual partilha os seus pontos de vista face ao mundo. Podemos, neste ponto, estabelecer diferenas fundamentais face s filosofias liberais anteriormente referidas. O conceito de Homem , na sua essncia, diferente. Os filsofos liberais apontavam para a universalidade das caractersticas humanas e do conhecimento, os educadores radicais situam o Homem num determinado tempo e num contexto sociopoltico que o define e justifica. Assim, de acordo com a filosofia radical, a educao vista como um processo que dever ajudar o educando a tomar conscincia da sua identidade socialmente construda ou reconstruda, capacitando-o para, a partir da, operar as alteraes necessrias no contexto social que o determina e que ele prprio constri.

    Como vimos, diferentes posies relativamente a questes conceptuais reflectem-se, consequentemente, em diversas posturas prticas em relao educao, ainda que nem sempre disso haja conscincia. Muitos educadores consideram que estas questes so de mbito terico e, por assim dizer, relativamente independentes das estratgias quotidianas de resoluo dos problemas que surgem em situao de sala de aula. Relativamente a esta questo surge, normalmente, a tradicional, ainda que infundada, dicotomia entre prticos e tericos. Estabelecem-se continuamente, fronteiras rgidas entre o saber e o saber-fazer, entre o conhecimento terico produzido e os problemas sentidos pelos profissionais da educao. Os educadores, e outros agentes educativos, questionam a utilidade da produo terica para a resoluo dos problemas quotidianos. Por outro lado, alguns investigadores desvalorizam as preocupaes e os problemas sentidos pelos educadores/professores e/ou pelos educandos/alunos, interessando-se apenas pelas questes conceptuais.

    Esta ciso entre teoria e prtica acentua-se quando nos referimos ao conhecimento filosfico. Uma vez que existe, ainda, uma certa resistncia relativa filosofia, ela encarada, muitas vezes, como um mero exerccio de complexa divagao terica, sem qualquer relao com o real.

    Naturalmente que no que se refere filosofia da educao esta tenso entre teoria e prtica tambm se pe. E tambm neste domnio a consideramos uma dicotomia

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    que no faz qualquer sentido. A maior parte das decises no domnio da prtica educativa esto directamente relacionadas com as suas finalidades e objectivos e, consequentemente, com a filosofia da educao.

    Em contextos educativos a definio da finalidade essencial, uma vez que a partir delas que todo o processo se desenvolve e se justifica. De acordo com a formalidade do acto educativo podemos ter finalidades definidas de uma forma, mais ou menos rgida, contudo a sua ausncia pe em causa a intencionalidade e a direco de todo o processo de ensino/aprendizagem.

    Na gnese de uma inteno educativa est, ou deve estar, um projecto de mudana, o educando dever estar diferente depois do processo educativo, quando nos propomos educar temos que considerar dois pontos fundamentais: o primeiro, que toda e qualquer inteno educativa pressupe a existncia de, pelo menos, um educando, e como tal deve haver conscincia clara das alteraes a que este vai estar sujeito, quando se educa, sempre se educa algum, para algo (Fullat, 1992, p. 113).

    Todo o processo educativo , ento, direccionado pela questo Educar para qu?, ainda que, e de acordo com Fullat, este seja apenas um dos factores que determinam a resposta questo central do Como educar?.

    Em educao de adultos no diferente, todo o acto educativo tem como objectivo produzir alteraes no educando, a nica particularidade da educao de adultos o estatuto de adulto do educando.

    Enquanto adulto, o educando tem tendncia a verbalizar as suas preocupaes relativamente ao processo de aprendizagem, tambm para ele as finalidades da educao tm de ser claras e resultantes de um processo negocial de que tenha tomado parte.

    Quando esto em questo as finalidades em educao de adultos, devemos tentar perceber quem define e estabelece estas finalidades.

    Como referimos anteriormente, a diversidade no domnio da educao de adultos no nos permite a pretenso de referir todos os tipos de iniciativas de educao de adultos que existem, conscientes de que muito no ir ser considerado, arriscamos que as agncias promotoras de iniciativas de educao de adultos tm objectivos distintos, e at antagnicos entre si, e que podem eventualmente no corresponder s necessidades

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    sentidas pelos indivduos. Os objectivos educativos de instituies como movimentos sindicais, entidades empregadoras, movimentos religiosos, associaes de desenvolvimento local, tm necessariamente de ter objectivos diferenciados.

    Neste sentido, nossa convico que toda e qualquer prtica educativa carece de fundamentao num sistema de valores, numa determinada viso de Mundo, de Homem, e de educao. Parece-nos difcil, seno mesmo impossvel, desenvolver e implementar um processo educativo sem que as finalidades deste estejam claras partida. Pois s desta forma se dar um sentido e uma direco ao percurso que conduzir s transformaes pretendidas no educando.

    Parece-nos pacfico afirmar que O educador est, geralmente, mais interessado nas competncias do que nos princpios, nos meios do que nos fins, em pormenores mais do que na viso geral. A filosofia da educao de adultos no responde a questes como o que ensinar, como ensinar ou como organizar o programa. Preocupa-se,

    sobretudo, com o porqu ensinar e com a anlise lgica dos vrios elementos do processo de aprendizagem9 (Elias, 1980, p. 8). Contudo, aceitar o facto de que as questes relativas Filosofia da educao no ocupam um lugar central nas preocupaes dos educadores no consider-las menos importantes. Esta constatao apenas reafirma a necessidade de reflectir acerca das prticas e fundament-las teoricamente, uma vez que muitos educadores tero, com certeza, determinadas concepes (acerca das funes da educao, do educando, dos processos de aprendizagem) que, de uma forma mais ou menos obvia, influenciam a sua forma de estar e de gerir o processo de ensino/aprendizagem.

    Considerando a importncia do sistema filosfico que sustenta, de forma mais ou menos clara, a interveno pedaggica em educao de adultos, propomos a anlise da classificao proposta por Elias e Merriam na sua obra intitulada Philosophical Foudations of Adult Education. Nesta obra, os autores referem como principais

    9 Itlico no original

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    correntes filosficas para a educao de adultos: A Educao Liberal, a Educao Humanista, A Educao Progressista e a Educao Radical.

    2. 1. A Educao Liberal

    A Educao Liberal tem uma longa tradio no mundo ocidental. As origens desta abordagem da educao remontam Antiguidade Clssica, foi integrada nos movimentos educativos da Idade Mdia influenciando-os e recebendo contribuies significativas de telogos e pensadores cristos.

    Muitas foram, portanto, as influencias que a Educao Liberal incorporou ao longo do tempo, havendo, consequentemente, diferenas mais ou menos subtis no que se refere teorizao em redor das questes da Educao. Estas diferenas podem tambm ser encontradas em termos de prticas educativas.

    Contudo, um conjunto de ideias comum aos tericos e educadores, que ao longo dos tempos so apontados como educadores liberais. Estas ideias comuns tm a ver com o conceito de aprendizagem, com a concepo de conhecimento, com a funo da escola ou, num sentido mais lato, com a funo da educao. Por exemplo, um dos aspectos fundamentais na educao liberal a afirmao da importncia da procura do conhecimento por si s, relegando para segundo plano a utilidade do mesmo e a reafirmao do carcter libertador da actividade cognoscvel (Barcena Orbe e Gil Cantero, 1992, p. 236).

    Destacam-se entre os educadores liberais Mortimer Adler, Robert Hutchins, Jacques Maritain e Mark Van Doren.

    2. 1. 1. Desenvolvimento Histrico da Educao Liberal

    De acordo com a perspectiva de Elias e Merriam (1980), a origem da Educao Liberal pode ser ilustrada pela divergncia entre a educao preconizada pelos Sofistas

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    e a educao defendida por outros pensadores como Scrates, Plato e Aristteles, na Antiguidade Clssica.

    De acordo com os autores referidos, a questo fundamental a viso utilitarista da educao. Se, por um lado, os Sofistas viam como funo da educao a preparao para a vida em sociedade, a formao dos cidados era feita com o objectivo fundamental de os preparar para o sucesso. Os outros filsofos viam na educao a forma de desenvolver intelectual e moralmente o Homem.

    Em termos da relao educao/mudana social, verificamos uma diferena substancial entre estas duas perspectivas. De facto, uma educao que responde s s exigncias da sociedade prev que o educando se transforme num indivduo que possa tirar o melhor partido da sociedade, mantendo, assim, a organizao social e contribuindo para a no mudana.

    As perspectivas defendidas por Socrates, Plato e Aristteles, por outro lado, so bastante diferentes. Estes filsofos propuseram a educao como uma forma de melhorar o Homem, intelectual e moralmente, centrando o processo educativo no conhecimento. O desenvolvimento intelectual do indivduo de importncia primeira, a sua educao no se pode limitar ao til, ela tem uma finalidade de ordem muito mais elevada do que a utilidade dos conhecimentos adquiridos. O conhecimento tem um valor superior sua utilidade, e a Educao Liberal tem como finalidade a aquisio do conhecimento.

    De acordo com os pensadores clssicos que se opuseram aos sofistas os homens educados do ponto de vista intelectual e moral agiriam sbia e moralmente.

    Enquanto que para os sofistas o conhecimento tem a validade conferida pela sua aplicabilidade, para os outros filsofos referidos o conhecimento tem a virtualidade de melhorar o homem.

    Com o apogeu do cristianismo as virtudes crists como a f, a esperana, a caridade e a humildade, foram incorporadas na educao clssica.

    Nos EUA, a Educao Liberal prevaleceu at Guerra Civil, como a concepo de Educao com maior representatividade, nomeadamente no que se refere

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    Educao de Adultos. Depois da Guerra Civil, o desenvolvimento de uma sociedade cada vez mais industrializada, a crescente valorizao do desenvolvimento cientfico e tecnolgico, contriburam para a crescente contestao do modelo liberal de educao. Os defensores de uma Educao Progressista pem em causa a utilidade de uma educao baseada nos saberes clssicos, defendem que o Homem da nova sociedade em emergncia deveria ter um perfil no conferido por uma educao de tipo liberal, que faz um claro apelo tradio e a um tipo de conhecimento eminentemente livresco.

    Apesar da contestao progressista Educao Liberal, esta no deixou de existir. Podemos constatar que muitas das prticas educativas continuaram a ser fortemente influenciadas pela tradio liberal. Nos nossos dias continuam a existir programas, principalmente a nvel de estudos superiores, que sofrem grandes influencias das concepes da Educao Liberal, e a nvel da Educao de Adultos este tipo de cursos continua a ser bastante procurado.

    2. 1. 2. Educao Liberal e a Pessoa Educada

    A Educao liberal preconiza uma educao eminentemente intelectual e racional. O seu objectivo fundamental conduzir os indivduos de um estdio de informao a estdios superiores de conhecimento at sabedoria. O ideal de homem nesta concepo de educao um homem conhecedor, sbio e no apenas uma pessoa informada.

    Para o educador liberal o conhecimento a compreenso de um assunto, ou rea disciplinar, este conhecimento deve incorporar a capacidade de comunicar, de forma clara, o referido conhecimento a outros que no o detm.

    A principal diferena entre informao e conhecimento est no grau de profundidade e entendimento da informao. Quem est informado est a par dos factos, quem sabe, conhece as suas causas as suas implicaes, os processos subjacentes aos acontecimentos. Quem conhece tem a capacidade de analisar os factos, de os relacionar e no apenas de os constatar.

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    Tanto a informao como o conhecimento so necessrios ao indivduo educado, no entanto, no so suficientes, s so considerados educados os que detm uma certa forma de sabedoria. A sabedoria pode ser dividida em sabedoria prtica e sabedoria especulativa. A sabedoria prtica a capacidade de aplicar a informao e o conhecimento adquirido s situaes do dia a dia. A sabedoria especulativa a procura da verdade acerca do Homem e do mundo, este tipo de saber o resultado de uma vida dedicada aprendizagem tendo por objectivo a prpria aprendizagem.

    Segundo a tradio liberal a diviso da sociedade em dois grupos distintos incontornvel. Por um lado, h as pessoas mais ligadas aco, as que detm um saber prtico que aplica a informao e os conhecimentos s questes quotidianas, por outro, teremos que considerar as pessoas ligadas produo de conhecimento, que detm a chamada sabedoria especulativa, ou seja, os que buscam o conhecimento pelo conhecimento.

    A Educao Liberal valoriza muito a dimenso da educao moral. De acordo com Aristteles, a educao deve promover virtudes como a prudncia, a justia, a temperana e a fora moral. Plato, por sua vez, englobava estas quatro virtudes na virtude da justia. Mais tarde, a estas virtudes Santo Agostinho acrescentou as virtudes crists da f, esperana, amor e humildade.

    A propsito da valorizao da dimenso moral da educao podemos referir Gervilla Castillo (1991) que, na anlise do dilogo entre Scrates e Mnon, prope como conceitos fundamentais o discernimento10, a razo, o ensino, a virtude e o conhecimento. Este dilogo acerca da virtude como algo passvel, ou no, de ser ensinado, ilustra a preocupao com a dimenso moral da educao. Outro aspecto importante que podemos encontrar neste dilogo a formulao da virtude enquanto conhecimento e a negao desta enquanto caracterstica natural. Neste sentido afirma-se que no sendo natural, a virtude um conhecimento e que, portanto, , ou pode ser, ensinada. Por outro lado, para que a virtude seja encarada como tarefa educativa

    10 Phonsis

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    deveriam existir professores/mestre e alunos/discpulos de virtude e Scrates afirma que, apesar dos seus esforos, nunca os encontrou. Pelo que se mantm a questo relativa conceptualizao da virtude enquanto susceptvel de ser transmitida pela educao. No entanto, parece-nos que a questo da educao moral uma constante no pensamento socrtico e que, em muitos dos seus dilogos, a educao da virtude constitui uma das finalidades propostas, ainda que no se trate de uma mera transmisso de conhecimentos mas de um percurso em que os educandos so conduzidos reflexo acerca de questes de ordem moral.

    Mesmo com pequenas diferenas, todos os educadores liberais encaram a educao moral como baseada na educao intelectual. De acordo com esta perspectiva, o comportamento depende do conhecimento, quem sabe o que o bem e a justia agir, consequentemente, de forma boa e justa.

    A base intelectual da educao moral foi utilizada para questionar os esforos feitos na Alemanha Nazi para uma educao moral que assentava sobretudo no treino da vontade e no controlo das emoes para que no afectassem as aces. Hoje em dia, os educadores liberais olham com alguma desconfiana para os programas behavioristas de educao moral atravs de esquemas de reforo e punio, da mesma forma que questionam a eficcia de estratgias afectivas e emocionais que visem a educao dos valores e das atitudes. Numa perspectiva liberal, a educao moral pode ser levada a cabo, de uma forma eficaz, atravs do estudo cuidado da filosofia, da literatura e da arte, da anlise cuidada dos valores e virtudes considerados essenciais.

    A vertente espiritual uma constante na perspectiva da Educao Liberal, sendo comuns as referncias religiosas na definio de homem, como, por exemplo, a convico de que a pessoa humana existe em virtude da existncia da sua alma. neste sentido que a dignidade do homem encarada em relao directa e absoluta com o reino do SER, da Verdade, da Bondade, da Beleza e de Deus (Sacristn Gmez, 1991, p. 350).

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    A educao religiosa ou espiritual outra dimenso da educao, normalmente, valorizada pela Educao Liberal. No entanto, nem todos os educadores liberais do a mesma nfase a este aspecto.

    De acordo com Elias e Merrian (1980, p. 25), Maritan um dos autores que valoriza a educao religiosa. Para ele a educao ideal aquela que fortalece o conhecimento de Deus e das realidades espirituais, assim como a que contribui para a interiorizao dos princpios cristos.

    neste sentido que a obra de Maritan alerta para o perigo de uma educao que se reduza a um puro exerccio mecnico ou aprendizagem de frmulas pr-fabricadas, e que negue a natureza e o carcter especficos do homem, bem como a sua relao com Deus (Abbagnano, 1990, p. 117/8).

    Esta perspectiva radicalmente oposta aos pressupostos pragmticos da Educao Progressista. Para Maritan a educao ideal a que se traduz na conquista individual da liberdade espiritual, o que, de acordo com a sua perspectiva, a educao religiosa indissocivel da educao moral. Referindo ainda a obra de Maritan, David Sacristn Gmes, refere-se educao enquanto arte moral, afirmando que cada arte tem sempre uma determinada finalidade, e que assim sendo no caso da educao esta finalidade ser a formao moral dos indivduos (1991, p. 351).

    Um outro aspecto valorizado pela Educao Liberal, principalmente a partir da Renascena, a educao esttica. Considera-se que a formao do indivduo no fica completa sem que o seu sentido esttico seja trabalhado. De acordo com Van Doren, a estratgia mais eficaz para promover a educao do sentido esttico o estudo das obras literrias Clssicas11, entre outras formas de arte como, por exemplo, a msica, a pintura e a escultura.

    11 Prope o estudo de autores como: Herdoto, Eurpedes, Aristteles, Dante,

    Shakespeare, Cervantes, Pascal, Balzac, Dickens, Tolstoi, in ELIAS, J. L. e MERRIAN, S.; Philosophical Foudations of Adult Education, Florida: Kreiger Publishing Company, 1980, pg.26

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    Uma educao completa no deve negligenciar nenhum dos quatro aspectos referidos, uma forte componente racional e intelectual que englobe sabedoria, ou seja profundo conhecimento, valores morais, uma dimenso religiosa ou espiritual e ainda um sentido esttico apurado. Assim o resultado de uma Educao Liberal seria um indivduo educado intelectual, moral, espiritual e esteticamente.

    2. 1. 3. A quem se dirige a Educao Liberal?

    A democratizao da educao em termos formais um fenmeno muito recente. S muito recentemente surgiu a convico de que a educao um direito de todos os cidados independentemente da sua origem social ou do seu sexo. Durante muito tempo a educao era um privilgio a que apenas uma pequena parte da sociedade tinha acesso.

    Hutchins defendeu, em 1936, que o acesso Educao Liberal deveria estender-se a todos. Segundo este autor, numa sociedade democrtica no faz sentido que o acesso educao seja privilgio de determinadas camadas sociais. No entanto, a democratizao da educao proposta tinha a ver com a democratizao no acesso. De acordo com o seu ponto de vista, s os que demonstram interesse e capacidade intelectual devem ter acesso aos nveis mais elevados de educao. Assim, os excludos deste tipo de educao deveriam ser encaminhados para um tipo de educao de cariz tcnico ainda na adolescncia (Hutchins, 1936 citado em Elias e Merrian, 1980, p. 28).

    Podemos ver, nesta posio, uma certa influncia de ideologias meritocrticas, uma vez que s teria acesso a uma Educao Liberal quem fosse intelectualmente merecedor dela. O ensino tcnico aparece como um recurso para os que no tm acesso a uma educao liberal, e esta estratificao justificada, e legitimada, com argumentos relativos s capacidades individuais dos sujeitos.

    A posio defendida por Van Doren diferente da anterior. Para ele, de acordo com Elias e Merrian, a Educao Liberal indispensvel formao de qualquer pessoa. Nesta perspectiva a democratizao do ensino s efectiva se no se promover

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    as diferenas entre os cidados logo no seu percurso escolar. Todos os indivduos devem ser educados at ao limite das suas capacidades, e esta educao deve promover o seu desenvolvimento intelectual, moral, espiritual e esttico. Se s uma Educao Liberal conduz a este desenvolvimento, ento todos devem ter acesso a este tipo de educao.

    2. 1. 4. O processo educativo e a concepo de conhecimento

    A Educao Liberal tem como objectivo orientar os indivduos atravs de um processo que deve conduzir a um verdadeiro entendimento dos conhecimentos, e no sua mera transmisso. O conhecimento factual, a reteno de informao e o desenvolvimento de percias tcnicas no so, consequentemente, muito valorizados.

    Para Plato o processo de construo do conhecimento s possvel atravs da dialctica. S desta forma possvel clarificar o real significado dos conceitos e a partir da formar sistemas integrados de conhecimento.

    A dialctica enquanto estratgia de educao continuou a ser utilizada por muitos educadores escolsticos da Idade Mdia. Outros processos de educao valorizados pelos educadores cristos foram a intuio e a contemplao. Podemos dividir a contemplao em contemplao interna ou introspeco, e contemplao do mundo ou da realidade exterior ao sujeito. A contemplao interna valorizada porque permite um conhecimento profundo do eu e do outro. Outro aspecto que est na base da nfase colocada na introspeco a sua associao com a religiosidade e a espiritualidade que, como j vimos, bastante valorizada pelos educadores liberais.

    De acordo com a teoria tradicional (aristotlica) da educao, entender algo consiste em que o sujeito aceda ao conhecimento por si prprio. neste sentido que Scrates no transmitia o conhecimento mas proporcionava a possibilidade de que fosse o prprio sujeito a chegar ao conhecimento. A mesma concepo de conhecimento retomada por Plato com a defesa de um conhecimento que existe na alma de cada um. Ainda na Antiguidade Clssica, Aristteles afirma a unidade ser/conhecimento, o que

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    mais tarde retomado por Toms de Aquino quando afirma que todo o conhecimento autodidctico (Qintana Cabanas, 1988, p. 226).

    A contemplao da natureza e das produes artsticas valorizada, sobretudo, a partir do Renascimento.

    O objectivo da Educao Liberal a promoo do desenvolvimento do pensamento terico e conceptual porque se entende que s este permite a real apreenso da verdade, as capacidades tcnicas no so to valorizadas e, por vezes, so at ignoradas luz desta ideia de conhecimento, se a mente est realmente educada, ento a pessoa perfeitamente capaz de fazer a aplicao dos seus conhecimentos tericos realidade prtica com que se depara quotidianamente.

    De acordo com esta concepo de conhecimento os contedos tradicionais da Educao Liberal so os que valorizam, numa primeira fase, o desenvolvimento das capacidades inerentes aprendizagem da lngua e da matemtica. Numa segunda fase: literatura, lnguas, cincias, histria e outras reas liberais. Num nvel superior a arte da investigao, crtica, assim como o estudo dos clssicos da literatura (Great Books).

    Uma questo que tem vindo a levantar alguma polmica a questo relativa ao lugar que a cincia ocupa num currculo liberal. No h duvida que a filosofia, a religio e outros conhecimentos na rea das humanidades so muito mais valorizados do que a cincia. Autores como Maritan e Hutchins defendem que, se as universidades ensinarem cincias o devem fazer em institutos especiais e no de uma forma em que estas reas de conhecimento sejam integradas na educao geral (Elias e Merrian, 1980, p. 27).

    Mais recentemente reconheceu-se que o estudo da matemtica e de cincias essencial devido s crescentes exigncias sociais na rea do desenvolvimento cientfico e tecnolgico.

    Podemos ento concluir que se d particular relevncia literatura clssica e histria, apesar de alguns educadores liberais preverem a integrao de reas cientficas nos currculos, normalmente no as consideram como fazendo parte da Educao Liberal.

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    2. 1. 5. The Great Books Program

    Este programa consiste no estudo de obras literrias consideradas clssicos da literatura mundial. Tem sido levado a cabo pelas Universidade de Columbia, pela Universidade de Chicago, entre outras instituies de ensino superior. Destina-se a estudantes universitrios e outros adultos e um exemplo paradigmtico de Educao Liberal.

    O referido programa consiste na anlise crtica de um determinado nmero de obras literrias consideradas relevantes para a formao intelectual, moral, espiritual e esttica dos indivduos. A lista dos livros estudados no uma lista esttica. Estes livros tm um papel central no desenvolvimento do programa, sendo considerados um elemento essencial no desenvolvimento dos educandos. Segundo os defensores deste programa as grandes obras literrias abordam as grandes questes transversais histria da humanidade, pelo que possvel atravs do seu estudo abordar questes actuais.

    Este programa tem sido alvo de muitas crticas, sendo que uma das mais frequentes tem a ver com adequao desta estratgia de ensino s necessidades da sociedade contempornea. Muitos so os autores que consideram que este tipo de educao est desfasado temporalmente e que, consequentemente, no prepara os educandos para os problemas dos nossos dias.

    Hansen assumiu um papel de destaque entre os tericos que criticaram o programa. Segundo ele a filosofia subjacente ao programa assenta em pressupostos na rea da Psicologia que, de alguma forma, j esto ultrapassados. Como, por exemplo a convico de que o desenvolvimento compartimentado e que h reas especficas da mente susceptveis de se desenvolverem separadamente (Hansen, 1949 citado em Elias e Marrian, 1980, p. 37/38).

    Os educadores progressistas apontam como fragilidade do programa o facto de este no ter em conta as necessidades e os interesses dos educandos.

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    A valorizao excessiva da tradio e dos conhecimentos do passado em claro detrimento dos conhecimentos do presente, tambm apontada como um critica ao programa. De acordo com este tipo de educao corre-se o risco de cair num saudosismo extremo em relao a sociedades passadas comprometendo, desta forma, o projecto de futuro que deve caracterizar qualquer propsito educativo.

    Estas crticas transmitem uma viso bastante diferente daquilo que deve ser a educao. A Educao Progressista baseia-se sobretudo nas estratgias de resoluo de problemas atravs da utilizao do mtodo experimental e da valorizao do conhecimento cientfico e tcnico, enquanto que a Educao Liberal valoriza o conhecimento histrico e a herana cultural. Desta forma as divergncias so inevitveis e o debate inesgotvel

    2. 1. 6. Educao Liberal e Educao de Adultos

    Apesar da maioria dos trabalhos tericos acerca da Educao Liberal se referir educao de crianas e jovens, clara a possibilidade de aplicao desta filosofia da educao educao de adultos.

    De acordo com as perspectivas e os pressupostos atrs descritos, fcil perceber que a Educao Liberal prev a necessidade de prolongar a idade da aprendizagem idade adulta. Inclusivamente, alguns autores, como por exemplo Moody, tm defendido que este tipo de educao deve ser preferencialmente destinado a indivduos em idade adulta, uma vez que estes esto em melhores condies para usufrurem das potencialidades e virtualidades de uma educao baseada no conhecimento e na herana cultural e artstica ocidental (Moody, 1976 citado em Elias e Merrian, 1980, p. 39).

    Num artigo intitulado Liberal Education and the Fear of Failure, publicado em 1956, Friedenberg prope as seguintes funes para a Educao Liberal (Friedenberg, 1956 citado em Elias e Merrian, 1980, p. 33 e 34):

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    a. Ensinar s pessoas o valor da liberdade e ajud-las a compreender os limites e potencialidades de agir livremente.

    b. Ajudar as pessoas a compreenderem e a responderem de forma adequada diferena entre objectivo e subjectivo, entre factos e sentimentos. Segundo este autor a Educao Liberal de Adultos pode, e deve, integrar os sentimentos dos educandos na sua relao com a leitura da realidade. De acordo com esta perspectiva no h leituras e percepes neutras do real

    c. Outro propsito da Educao Liberal transmitir s pessoas um verdadeiro e profundo conhecimento do passado.

    Ainda de acordo com este autor, a Educao Liberal de Adultos contribui para melhorar o exerccio da cidadania, para potenciar a utilizao dos perodos de laser de forma til e/ou agradvel, para melhorar o autoconceito e, ainda, para reforar o valor da dignidade humana. De acordo com esta perspectiva valores como a amizade, a cooperao, a justia, a humildade poderiam ser trabalhados com grupos de adultos com resultados muito positivos.

    Ainda referindo Meritain, Abbagnano considera que a tarefa do cristo fazer deste mundo o lugar de uma vida terrena verdadeiramente humana, ou seja com as suas fraquezas e imperfeies, mas tambm cheia de amor e cujas estruturas sociais tenham como critrio a justia, a dignidade da pessoa e o amor fraterno (Abbagnano, 1990, p. 117/8).

    Muitos foram os movimentos crticos em relao Educao Liberal. Por volta da dcada de 60, a educao vocacional, direccionada para a carreira profissional, ocupou um lugar de destaque no movimento crtico da Educao Liberal, questionando os seus princpios subjacentes.

    Mas tarde, com o desenvolvimento e divulgao de teorias de orientao behaviorista surge, em educao, uma crescente preocupao com a avaliao dos resultados em termos de realidades mensurveis, o que de alguma forma ps em causa a viso liberal da educao, uma vez que os seus objectivos e finalidades no so facilmente mensurveis.

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    De acordo com os crticos da Educao Libera