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Perspectivas e Reflexões 2 Lucília Salgado (coord.) : A Educação de Adultos uma dupla oportunidade na família

Educação de adultos

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Perspectivas e Reflexões2

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Lucília Salgado (coord.)

:A Educação de Adultosuma dupla

oportunidadena família

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LISBOA, 2010

Perspectivas e Reflexões

Lucília Salgado, António Candeias, Lourdes Mata, Susana Coimbra, Ana Teberosky, Núria Ribera, Michael F. DiPaola, Manuela Castro Neves,

Cristina Pinto, Joana Cruz, Catarina Costa, Célia Silva, Micaela Silva, Patrícia Pinto, Sara Almeida, Tânia Santos, Pierre Dominicé, Patrícia Ávila,

Cláudia Andrade, Carolina Cardoso, Joana Ferreira

:A Educação de Adultosuma dupla

oportunidadena família

Textos apresentados no I Encontro Internacional de Literacia Familiar

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Ficha TécnicaTítulo:A Educação de Adultos: uma dupla oportunidade na família

Editor:Agência Nacional para a Qualificação, I.P.(1ª edição, Dezembro 2010)

CoordenaçãoLucília Salgado

AutoresLucília Salgado, António Candeias, Lourdes Mata, Susana Coimbra, Ana Teberosky, Núria Ribera, Michael F. DiPaola, Manuela Castro Neves, Cristina Pinto, Joana Cruz, Catarina Costa, Célia Silva, Micaela Silva, Patrícia Pinto, Sara Almeida, Tânia Santos, Pierre Dominicé, Patrícia Ávila, Cláudia Andrade, Carolina Cardoso, Joana Ferreira

OrganizaçãoLucília Salgado, Cláudia Andrade, Joana Ferreira e Carolina Cardoso

Design Gráfico: Modjo Design, Lda.

Adaptação do Design Gráfico e Paginação:Regina Andrade

Revisão:ANQ, I.P.

Execução Gráfica:Eurodois, Lda.

Depósito Legal:000 000/00

Tiragem:1 500 exemplares

ISBN: 978-972-8743-68-0

A EDUCAÇÃO DE ADULTOS A educação de adultos : uma dupla oportunidade nas famílias / Lucília Salgado...[et al.]. – (Perspectivas e reflexões ; 2)ISBN 978-972-8743-68-0

I - SALGADO, Lucília

CDU 374 331

Biblioteca Nacional de Portugal – Catalogação na Publicação

Agência Nacional para a Qualificação, I.P. Av. 24 de Julho, nº138 1399-026 Lisboa Tel. 213 943 700 Fax. 213 943 799 www.anq.gov.pt

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Prefácio

Maria do Carmo Gomes

Agência Nacional para a Qualificação

Nota de Apresentação

Lucília Salgado

Escola Superior de Educação de Coimbra

IntroduçãoAs Novas Potencialidades da Educação de Adultos

na Construção do Sucesso Escolar dos Filhos

Lucília Salgado

Parte IA Génese do (In)sucesso Escolar: na Escola e na Família

A Persistência do Atraso Educativo Português nos Nossos Dias:

Portugal nos Processos de Alfabetização, Escolarização

e Criação de Capital Humano nos Séculos XIX, XX e XXI

António Candeias

Literacia Familiar – Diversidade, Desafios e Princípios Orientadores

Lourdes Mata

Uma Questão de Confiança: o que (Des)motiva a Geração Actual?

Susana Coimbra

Los Juegos de Lenguaje y Alfabetización Inicial

Ana Teberosky e Núria Ribera

Parte IIA Construção do Sucesso Escolar

Systemic Educational Reform in the United States:

The No Child Left Behind Act of 2001

Michael F. DiPaola

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Envolver a Família no e através

do Programa Nacional do Ensino do Português (PNEP)

Cristina Pinto

“A Ler Vamos…”: Um Projecto da Câmara Municipal de Matosinhos

Joana Cruz, Catarina Costa, Célia Silva, Micaela Silva,

Patrícia Pinto, Sara Almeida, Tânia Santos

Parte IIIO Projecto de Escolarização

para os Filhos e a Literacia Familiar: Contexto e Práticas

La Formation Entendue Comme

Processus Construit dans L’histoire d’une Vie

Pierre Dominicé

Adultos pouco Escolarizados e Literacia.

Um Olhar sobre a Literacia em Contexto Familiar

Patrícia Ávila

Conciliação Trabalho-Família em Adultos

em Formação nos Centros Novas Oportunidades

Cláudia Andrade

Os Adultos no Contexto do Processo de RVCC: Uma Abordagem

das Representações e Práticas da Leitura e da Escrita

Carolina Cardoso e Joana Ferreira

Os Adultos no Contexto do Processo de RVCC: Uma Abordagem

das Representações e Práticas do Processo de Escolarização

Joana Ferreira e Carolina Cardoso

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PrefácioIt takes a village to raise a child é um provérbio popular africano que tem sido usado frequentemente para salientar o papel conjunto da comunidade, dos pais e das instituições na educação das crianças e dos jovens. E é verdade que os estudos mais recentes têm vindo a demonstrar que quanto maior é o envolvimento dos pais e da comunidade na vida escolar dos seus filhos mais elevado é o seu desempenho e mais tranquila é a sua transição para a vida adulta. Maior envolvimento dos pais é, pois, um dos caminhos para o sucesso escolar dos filhos.

Mas se são verdadeiras estas conclusões e resultados demonstrados pela investigação científica também é verdade que algumas correlações existem e que delas se devem retirar as devidas ilações – os pais que mais se envolvem são, em norma, pais mais escolarizados e com profissões mais qualificadas, com pertenças sociais a classes mais letradas e com práticas e hábitos culturais diferenciados e mais frequentes.

Ora, o nosso país tem em média, num número muito superior aos outros países da OCDE e da União Europeia, pais pouco escolarizados, os quais pertencem à larguíssima faixa de adultos que não completaram o ensino básico ou secundário e que, em 2001, perfaziam cerca de 75% da população activa. Estávamos no início do século XXI e em Portugal a situação estrutural das qualificações da população adulta era esta, pese embora o enorme esforço e o progresso assinalável realizados.

Desde o 25 de Abril que a escolarização da população portuguesa tem sofrido melhorias consideráveis, não só em termos de taxa de escolarização das gerações mais jovens mas também na elevação dos níveis de escolaridade. Se esta é uma realidade inquestionável, também se sabe que muitos dos que já tiveram oportunidade de prosseguir os seus estudos acabaram por abandonar precocemente a escola ou por ter a marca do insucesso nos seus percursos escolares. São estes os pais de baixa qualificação que hoje acompanham os seus filhos na vida escolar. E é a estes pais que, muitas vezes, se pede um maior envolvimento na vida escolar dos seus filhos e uma maior participação cívica e social na comunidade.

A investigação coordenada por Lucília Salgado sobre Literacia Familiar e Sucesso Escolar que deu origem ao I Encontro Internacional de Literacia Familiar e ao livro que aqui se publica tem demonstrado que há, neste momento, em Portugal um conjunto de políticas públicas na área da educação-formação de adultos que está a contribuir de modo decisivo para que esse maior envolvimento aconteça, ao mesmo tempo que se alcança o objectivo de elevação dos níveis de qualificação dos portugueses. 1

A Iniciativa Novas Oportunidades através do seu eixo de intervenção destinado à população adulta – objecto empírico do trabalho de investigação realizado pela equipa da Escola Superior de Educação de Coimbra – enquadra, assim, as medidas de política de qualificação que têm tido efeitos (in)directos nas práticas familiares. Por um lado, há consequências directas nas práticas de leitura, escrita e cálculo, incrementando o uso de suportes escritos (e em grande parte das situações usando suportes electrónicos); por outro lado, há efeitos indirectos, tais como o acompanhamento mais regular das tarefas escolares dos filhos, maior participação em reuniões escolares, e maior atenção aos resultados obtidos pelas crianças e jovens destas famílias. Há também a expectativa, numa dimensão mais projectiva, de que os seus filhos possam ter trajectórias escolares de maior sucesso que os próprios conseguindo assim concretizar aspirações de mobilidade social para os seus descendentes, as quais passam em grande medida pela obtenção de níveis de escolaridade superiores. Este estudo pretende ainda, ao longo do segundo ano de pesquisa, obter resultados sobre a relação que estes contextos familiares mais ricos em práticas de literacia possam ter no sucesso escolar das crianças e jovens.

1 Vice-Presidente da Agência Nacional para a Qualificação, I.P.

Maria do Carmo Gomes1

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Os resultados obtidos são muito encorajadores e reveladores da enorme potencialidade que as dinâmicas de qualificação de adultos podem ter na promoção de práticas de literacia de maior complexidade na vida quotidiana, na maior participação dos pais nas comunidades escolares e no desenvolvimento de hábitos culturais mais diferenciados e frequentes. Veremos também se poderão contribuir do mesmo modo para a existência de vidas escolares mais bem sucedidas por parte dos filhos.

Neste contexto, tive oportunidade na abertura dos trabalhos do encontro realizado em Coimbra, em Novembro de 2009, de considerar a Iniciativa Novas Oportunidades como uma revolução silenciosa no contexto da educação em Portugal. Revolução, sim! Revolução nas práticas, nos públicos, nas metodologias, nas pedagogias, nas referências curriculares, nos técnicos – seus perfis e funções – , nas soluções organizacionais, nas respostas aos cidadãos. Muitas vezes desconhecida (ou mal conhecida) a Iniciativa Novas Oportunidades é constituída por um conjunto muito diversificado de soluções de educação-formação procurando responder de modo ajustado aos diferentes públicos que a ela poderão recorrer. E está a ser concretizada no terreno com um empenho técnico e profissional por milhares de docentes, técnicos, conselheiros de orientação, entre outros. São também centenas as organizações que nela se envolveram – escolas públicas e privadas, centros de formação, escolas profissionais, entidades privadas, empresas, associações empresariais e sindicais, e associações de desenvolvimento local e regional. E, por último, como um dos aspectos mais importantes a salientar, a Iniciativa é reconhecida por mais de um milhão de adultos portugueses como uma resposta adequada à sua vontade de voltar a estudar, de aprender mais, de fazer mais formação ou de completar o 12º ano, como muitos afirmam.

O estudo que a Lucília Salgado e a sua equipa está a desenvolver é um bom princípio para explorarmos novas pistas de investigação, novos efeitos (in)directos, novas consequências (im)previstas, novos desafios para a intervenção das políticas públicas de qualificação de adultos. Este seminário deu um importantíssimo contributo para que a análise e reflexão científica neste domínio se tenha intensificado.

Um dia será possível compreender de modo mais aprofundado de que forma é que educando e formando os nossos adultos, educámos e formámos melhor as gerações dos seus filhos. E que esses filhos tornando-se pais e avós mais escolarizados, mais integrados e mais participativos tiveram também eles o seu papel de reprodução social criando gerações futuras de portugueses e portuguesas mais despertos para o conhecimento e para as aprendizagens. É esse o futuro das sociedades mais desenvolvidas. Espero sinceramente que também possa passar por aqui o futuro de Portugal!

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Nota de ApresentaçãoO presente livro propõe-se dar conta das comunicações apresentadas no I Encontro Internacional de Literacia Familiar realizado na Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC), em Novembro de 2009.1

Procurava este Encontro cruzar os quadros teóricos que, de uma forma transversal, fundamentaram e deram origem ao Estudo que temos em curso em colaboração com a Agência Nacional para a Qualificação, I.P. (ANQ) sobre a importância da frequência dos pais, com baixos níveis de escolaridade, nos processos de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) para o sucesso escolar dos seus filhos.

O livro abre com uma apresentação das principais problemáticas fundamentadoras desta hipótese de investigação desenvolvidas por Lucília Salgado, Professora da ESEC, que tendo iniciado a sua actividade no domínio da Educação de Adultos, transporta estas perspectivas educativas para a compreensão da génese do insucesso escolar das crianças à entrada para a escola básica. No artigo As novas potencialidades da Educação de Adultos na construção do sucesso escolar dos filhos, identifica-se as principais causas do insucesso escolar, quer junto das famílias de baixo nível de escolaridade, quer junto do sistema educativo que nem sempre oferece respostas adequadas às necessidades destas crianças. É esta compreensão que permite construir a hipótese de que através da educação de adultos (processo de RVCC), será possível criar condições de base para o sucesso das crianças logo no início da vida escolar.

A Parte I desta obra procura questionar A génese do (in)sucesso escolar: na escola e na família. Assim, António Candeias, Professor na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, com o artigo: A persistência do atraso educativo português nos nossos dias: Portugal nos processos de alfabetização, escolarização e criação de Capital Humano nos séculos XIX, XX e XXI evoca uma perspectiva histórica explicativa da razão dos baixos níveis de competências escolares das famílias portuguesas equacionados numa escolaridade tardia, comparada com a maior parte dos países considerados desenvolvidos, sobretudo os europeus.

Após a apresentação da sua comunicação em Coimbra e já depois de corrigido o seu artigo para esta obra, faleceu inesperadamente António Candeias e assim a possibilidade de nos poder continuar a elucidar sobre as razões históricas das nossas baixas qualificações. Pela disponibilidade que sempre manifestou a este projecto os nossos agradecimentos. Pela extraordinária pessoa e investigador que foi aqui queremos registar a nossa homenagem.

Esclarecendo a temática chave deste Encontro, Lourdes Mata, Professora do Instituto Superior de Psicologia Aplicada apresenta o artigo: Literacia familiar – diversidade, desafios e princípios orientadores evidenciando o modo como a Literacia na família é portadora de potencialidade da aprendizagem da leitura e da escrita nas crianças.

Procurando desvendar a importância da família na construção do sucesso escolar dos filhos começamos por evidenciar os trabalhos de Anne-Marie Fontaine sobre a motivação das crianças para o sucesso escolar2. Na impossibilidade da sua participação neste Encontro, Susana Coimbra, da sua equipa na Faculdade de Psicologia e Ciência da Educação da Universidade do Porto, apresenta o artigo: Uma questão de confiança: o que (des)motiva a geração actual.

Emília Ferreiro e Ana Teberosky nos seus trabalhos sobre Psicogénese da Linguagem Escrita3, apresentam os resultados da sua investigação, numa perspectiva piagetiana, sobre o tipo de motivação para a leitura e escrita e o modo como se desenvolvem as condições prévias para a sua

Lucília Salgado1

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aprendizagem no interior da família. Neste sentido, Ana Teberosky e Núria Ribera da Universidade de Barcelona trabalham um dos aspectos desta problemática com o artigo: Los juegos de lenguaje y alfabetización inicial 4.

Poderíamos ser levados a considerar que dado o baixo nível de escolaridade das famílias, as crianças de meios pouco letrados estariam fatalmente condenadas ao insucesso escolar. As autoras acima referidas participaram num Encontro na América Latina5 onde mostraram como, em vários países, escolas e comunidades se organizaram para construir respostas adequadas a estas crianças.

Na Parte II deste livro, sobre A construção do sucesso escolar quisemos trazer a experiência dos Estados Unidos convidando Michael F. DiPaola de Williamsburg, Virginia, que nos apresentou o Systemic Educational Reform in the United States: The No Child Left Behind Act Of 20016. Procurando experiências que têm por objectivo dar respostas ao insucesso escolar, apresentamos dois testemunhos e projectos de referência realizados em Portugal: uma experiência da escola do 1º ciclo do ensino básico que promove a participação das famílias na escrita dos filhos, Envolver a Família no e através do PNEP7, por Cristina Pinto e “A Ler Vamos…”: Um projecto da Câmara Municipal de Matosinhos que visa a promoção de competências de literacia emergente como estratégia de promoção do sucesso escolar, por Joana Cruz, Catarina Costa, Célia Silva, Micaela Silva, Patrícia Pinto, Sara Almeida e Tânia Santos.

Na Parte III – O projecto de escolarização para os filhos e a Literacia Familiar: contexto e prácticas, debruçamo-nos sobre as duas grandes mais-valias que a Educação de Adultos, mais precisamente através do processo de RVCC desenvolvido nos Centros Novas Oportunidades (CNO), pode constituir para o desenvolvimento de um Projecto de Escolarização para os Filhos e para o desenvolvimento da Literacia Familiar. Neste capítulo entra-se no âmbito da Educação de Adultos, com Pierre Dominicé da Faculté de Psychologie et des Sciences de l’Éducation da Université de Genève que nos apresenta um depoimento: La formation entendue comme processus construit dans l’histoire d’une vie extraído de uma extensa bibliografia neste domínio.

Patrícia Ávila, professora no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), apresenta no seu artigo: Adultos pouco escolarizados e literacia. Um olhar sobre a literacia em contexto familiar alguns elementos de caracterização do perfil de literacia dos adultos em Portugal e sistematiza alguns resultados de um estudo qualitativo realizado junto de adultos pouco escolarizados recentemente envolvidos em processos de educação e formação.

Apresentam-se, seguidamente, três artigos com os resultados de investigação desenvolvidos na primeira fase do projecto “CNO uma Oportunidade Dupla: da promoção da literacia familiar ao sucesso escolar das crianças”. Este estudo exploratório teve por base entrevistas semi-estruturadas efectuadas a 40 adultos que realizaram o processo de RVCC de nível básico e que têm filhos a frequentar o 1º ciclo do ensino básico8.

Cláudia Andrade, investigadora sénior deste projecto, professora na ESEC e investigadora sobre a família no Centro de Psicologia da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, apresenta o seu artigo: Conciliação trabalho-família em adultos em formação nos Centros Novas Oportunidades, debruçando-se sobre o contexto familiar onde se operam as transferência entre pais e filhos.

Carolina Cardoso e Joana Ferreira, assistentes de investigação neste projecto analisam, através do artigo: Os adultos no contexto do processo de RVCC: Uma abordagem das representações e práticas da leitura e da escrita, de que modo o processo de RVCC facilita e potencia a introdução de hábitos e práticas de Leitura e Escrita na família, fundamentais na aprendizagem da linguagem escrita no início da escolaridade.

As mesmas autoras, no artigo: Os adultos no contexto do processo de RVCC: Uma abordagem das representações e práticas do processo de escolarização, procuram compreender se o adulto que realizou o processo de RVCC modifica a sua interacção com os filhos e em que medida as novas competências e conhecimentos adquiridos permitem aos pais incutir nos filhos valores que passem pela vontade e interesse pela escolarização.

1 Professora na Escola Superior de Educação de Coimbra.2 Fontaine, A-M. (1990). Motivation pour la réussite scolaire. Porto: Instituto Nacional de Investigação Científica e Centro de Psicologia da Universidade do Porto.3 Ferreiro, E. & Teberosky, A. (1985). Psicogénese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas.4 Os jogos de linguagem e a alfabetização inicial.5 Ferreiro, E. (1992). Os filhos do analfabetismo: Propostas para a alfabetização escolar na América Latina. Porto Alegre: Artes Médicas.6 Reforma do Sistema Educativo: A Lei de 2001 “Não deixar crianças para traz”.7 Alguns resultados do PNEP (Programa Nacional de Ensino do Português) promovido pelo Ministério da Educação em escolas do 1º ciclo do ensino básico e coordenado por Inês Sim-Sim (entre 2006 e 2010), mostram já a transformação efectuada em escolas envolvidas passíveis de ajudar a modificar a situação de insucesso escolar.8 Esta fase do estudo foi realizada também por Filipa Moraes, docente da ESEC e Inês Cruz e Cláudia Ferreira, assistentes de investigação, que apresentaram a metodologia do Projecto numa comunicação, neste Encontro.

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INTRODUÇÃO

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As novas potencialidades da educação de adultos na construção

do sucesso escolar dos filhos

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ResumoMarcado por um atraso na escolarização para todos – acesso e permanência na escola do 1º ciclo – a situação histórica portuguesa no século XX colocou os nossos níveis educativos numa escala de valores entre os mais baixos da Europa.

A ausência de uma cultura de escolarização na família e a fraca utilização da leitura e escrita estarão na origem do insucesso e desinteresse pela escola que dificultam uma escolarização das crianças. Embora a perspectiva sócio-institucional de atribuição causal do insucesso escolar (Benavente, 1976) não escuse a escola da resposta a atribuir a estes destinatários verificamos que, apesar de existentes, são raras as situações em que a Escola consegue vencer esta dificuldade de partida.

A procura massiva dos Centros Novas Oportunidades por uma população com baixos níveis de escolaridade conduziu à criação da hipótese de que a situação nas famílias com filhos à entrada para o ensino básico estaria a mudar em relação ao envolvimento dos pais na sua escolaridade. O estudo que temos em curso tem vindo a produzir resultados que confirmam esta hipótese. Assim, poderemos ser levados a concluir que o envolvimento em Educação de Adultos, mais especificamente no processo de RVCC (Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências) estará a ter uma importância indirecta na subida dos níveis de qualidade da educação escolar em Portugal.

Lucília Salgado1, 2

1. Introdução

Marcada por níveis muito baixos de qualidade da educação, a sociedade portuguesa entra neste milénio numa situação difícil para recuperar o seu atraso secular em relação aos países da Europa central e para enfrentar os novos desafios que anunciou na sua conferência de Lisboa 2000, os da sociedade do conhecimento.1, 2

As medidas políticas lançadas nos últimos cinco anos parecem querer inverter a situação sendo, eventualmente, portadoras de uma reforma estrutural no campo educativo antevendo impactos esperados a nível económico e de cidadania dos portugueses. De facto, o quadro da luta contra a nossa pobreza secular parece

1 Coordenadora do projecto: “CNO - uma oportunidade dupla: da promoção da literacia familiar ao sucesso escolar das crianças”. Professora na Escola Superior de Educação de Coimbra.

2 Com a colaboração do assistente de investigação Carlo Patrão.

passar, para além da resolução dos problemas imediatos e quotidianos, por uma mudança profunda na educação de construção e acesso de uma formação que permita a todos o bem-estar possível numa economia de carácter sustentável.

Após uma análise da situação da educação em Portugal que se apresentava sem esperança (Salgado, 2003) cumpre agora anunciar o início de recuperação, ao identificar sinais de mudança positiva na educação das crianças e, sobretudo, na educação de adultos. É o que nos propomos fazer neste capítulo, apoiado pelos artigos que a seguir fundamentam o diagnóstico e as mudanças que conseguimos visualizar na educação em Portugal. Foi já esse o sentido que encontramos no 1º Encontro de Literacia Familiar que realizámos em Coimbra, no mês de Novembro, de 2009, e cuja memória escrita apresentaremos nos próximos capítulos deste livro.

Vamos, numa primeira parte deste capítulo, identificar as

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nossas preocupações de necessidade educativa na sociedade do conhecimento perspectivando o futuro a partir de um passado marcado por contingências históricas identificadas.

Numa segunda parte, tentaremos perceber como se constroem os nossos baixos níveis educativos logo à entrada no 1º ciclo do ensino básico. Da situação charneira entre a escola e a família, iremos reflectir e apurar quais os factores que, para além de eventuais fatalismos sociológicos, podem ser identificados e eventualmente removidos através de medidas políticas – e pedagógicas – adequadas. Nesse sentido, procuraremos recuperar, a nível nacional e mundial, políticas potencialmente portadoras de mudança no sistema educativo e na comunidade.

Feito o diagnóstico e focalizadas as medidas de mudança no sistema educativo, desvendaremos, no campo das práticas da Iniciativa Novas Oportunidades, impactos na relação dos pais com os filhos, com o sistema escolar e com a necessidade de aprender que se apresentam hoje como factor de remoção do principal obstáculo ao sucesso às aprendizagens das crianças: a baixa escolaridade dos pais.

2. Das necessidades de aprendizagem na sociedade actual

Nas sociedades actuais, marcadas pela globalização da produção e das respectivas formas de regulação, assim como pelo desenvolvimento célere das tecnologias, a educação tem vindo a ser considerada e questionada como capaz de resolver ou de contribuir fortemente para atenuar grandes problemas actuais que vão desde a tradicionalmente considerada exclusão social, ao desemprego estrutural, até aos entraves e aos avanços na produtividade que o desenvolvimento tecnológico exige.

Em 1992, a OCDE, através da edição do relatório Analfabetismo Funcional e Rentabilidade Económica, lança o desafio aos seus estados membros para que no âmbito da educação, tomem especial atenção aos processos de aquisição da literacia, indo assim mais longe do que falar apenas, globalmente, em Educação como vinha sendo corrente. Com este relatório estava lançado o alerta aos estados membros ligando a dificuldade com que se debatem devido às baixas competências de leitura e escrita dos seus trabalhadores, referindo que não se trata de

grupos “marginais da população como os idosos, deficientes de diverso tipo e imigrantes” mas sim, referindo que “cidadãos adultos, por vezes com mais de dez anos de frequência de escola básica, revelam actualmente uma absoluta incapacidade de recorrer à leitura e à escrita para a resolução dos problemas do seu quotidiano.”

O Estudo Nacional da Literacia, publicado em 1996, vem mostrar que a nossa realidade cruza uma situação de analfabetismo tradicional de não acesso ou abandono precoce da escola, típica dos países periféricos, com a situação apresentada no estudo da OCDE referido em que cidadãos que já tiveram acesso à escola revelam níveis reduzidos de competência de leitura – literacia – quando confrontados com um texto escrito necessário ao seu quotidiano. De facto, podemos aí verificar que 47,3% da população inquirida se situa nos níveis 0 e 1 de literacia revelando que praticamente metade da nossa população adulta não lê no seu quotidiano. Os nossos indicadores são não só os mais baixos dos países da OCDE como semelhantes aos países do chamado terceiro mundo onde a maioria da população ainda não tem acesso à escola. Estaremos em presença de uma dupla situação adversa ou serão apenas as duas faces de uma mesma moeda?

O acesso tardio à escolarização da população portuguesa (Candeias, 1996)3 justifica o nosso atraso educativo. Enquanto praticamente toda a Europa escolarizou toda a sua população nos finais do século XIX, princípios do XX, nós, tendo perdido esta oportunidade, acabámos por poder garantir a presença na escola de toda a população apenas nos anos 70. No entanto, escolarização não significou alfabetização e, apesar do acesso à escola, muitas crianças vêem vedado o acesso aos saberes considerados fundamentais para viver com direitos de cidadania, na sociedade actual. Não aprendem a ler e começam assim um ciclo de insucesso escolar nas suas vidas (Salgado, 2003).

Questionando a génese deste insucesso escolar deparamo-nos com dois grandes problemas convergentes nesta resposta, uma delas centrada na origem do problema: o que caracteriza as crianças que não adquirem as competências previstas à entrada

3 Ver, nesta obra o artigo de António Candeias, “A persistência do atraso educativo português nos nossos dias: Portugal nos processos de alfabetiza-ção, escolarização e criação de Capital humano nos séculos XIX, XX e XXI”.

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para escola. A outra centra-se no modo como a escola responde a estas características. De facto, se a escola é para todos – princípio constitucionalmente admitido – poderemos dizer que existe uma inadequação da resposta a estes destinatários.4

3. Do atraso da escolarização ao insucesso escolar

Apesar da nossa abordagem das políticas educativas, nos últimos anos, se ter preocupado com o tipo de resposta que a escola oferece às crianças oriundas de meios baixamente escolarizados (Salgado, 2003) a emergência de uma nova resposta, inesperada, obriga-nos a centrar a nossa atenção nas necessidades e nos modos de aprendizagem das crianças na sua entrada no sistema escolar, focalizando a atenção na herança familiar.

De facto, há mais de trinta anos que conseguimos que todas as nossas crianças frequentem a escola, no entanto, apenas uma parte consegue usufruir plenamente do acesso à educação, mais precisamente, ao sucesso nas aprendizagens. Muitos jovens abandonam a escola sem a escolaridade obrigatória e quase metade tem que repetir pelo menos um ano para conseguir obter uma certificação mínima (Capucha, Albuquerque, Rodrigues e Estevão, 2009).

Socializadas em famílias com baixos níveis de escolarização encontramos uma população que, na sua maioria, revela o que a escola chama de dificuldades de aprendizagem, desmotivação precoce, insucesso ou abandono escolar. De outras diríamos ainda que conseguem ir avançando mal no sistema, portadoras da chamada morbilidade escolar, uma vez que os seus níveis de aprendizagem são inseguros, fracos.

Sabemos também que uma das principais causas do insucesso escolar tem como base uma deficiente aprendizagem da leitura e da escrita: muitas crianças lêem mal, lentamente, ou não compreendem o que lêem. Estas crianças ou começam cedo com insucesso e desinteresse escolar reprovando logo na primeira avaliação sumativa – mais de 10% no 2º ano de escolaridade – ou acabam por reprovar no 2º ciclo, ou ainda,

4 De facto, este segundo vector do problema não será objecto desta obra, em-bora as nossas preocupações caminhem igualmente nesse caminho. Centrar-nos-emos, neste contexto, apenas na génese do problema, as características dos destinatários.

arrastam o insucesso durante toda a escolaridade, enquanto se aguentam na escola (Salgado, 2003). Países como a França, em que a participação de todas as crianças em pelo menos um ano de jardim-de-infância é conhecida há mais de quarenta anos, onde as bibliotecas de bairro proliferam há muitos mais, onde existem programas com associações para a mediação da leitura em quase todos os lugares, debatem-se hoje com problemas sérios devido às dificuldades de leitura à saída da sua escola primária. Um recente alerta do Haut Conseil de l’Éducation (2007) diz-nos que apenas 60% das suas crianças que terminam o 1º ciclo do ensino básico (de cinco anos) está em condições de prosseguir uma escolaridade com sucesso. E qual será a nossa percentagem?5

O insucesso escolar não é, de modo nenhum, um fatalismo. E a solução não é administrativa: passar todos de ano sem saberem. O desafio estará mesmo em conseguir que todos aprendam devidamente à entrada para a escola. Adquirir as competências básicas nos dois primeiros anos de escolaridade é o passaporte de sucesso para toda a vida.

No sentido de evitar que muitas crianças arrastem o insucesso através de toda escolaridade os Estados Unidos promulgaram o No Child Left Behind Act 6 de modo a que nenhuma criança fique sem adquirir as competências básicas à entrada para a escola.

Em Portugal muitos professores, trabalhando em meios sociais adversos, conseguem ter todas as crianças a ler na Primavera do ano de iniciação da escolaridade. Os vários materiais e estudo produzidos pelo e sobre o Movimento da Escola Moderna são testemunho da possibilidade de ensinar a ler a todas as que se iniciam na escolaridade7.

De passagem gostaríamos ainda de referir as mudanças

5 Alguns cálculos permitem-nos aventar para cerca de 60%. Ora, 60% de crian-ças que não tem um bom domínio da leitura não é uma minoria e estará na base dos nossos baixos níveis educativos.

6 Ver a comunicação nesta obra de Michel Di Paola “Systemic Educational Re-form in the United States: The No Child Left Behind Act of 2001”.

7 Referimo-nos às crianças não portadoras de deficiência sabendo que um meio social deficitário não gera automaticamente crianças com dificuldades de aprendizagem perante uma pedagogia adequada.

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que parecem estar a efectuar-se na própria escola do ensino básico. O Programa Nacional de Ensino do Português (PNEP) será portador de novas maneiras de propor a aprendizagem às crianças, à entrada do 1º ciclo facilitadoras de aquisição da competência de ler e escrever com maior funcionalidade na sociedade do conhecimento. Apesar de não haver ainda estudos realizados neste domínio permitimo-nos, através de pequenos trabalhos exploratórios, aventar que crianças cujos professores têm estado envolvidos na formação deste Programa8 revelam, nas provas aferidas, melhores resultados em língua portuguesa do aquelas cujos professores não se voluntariaram para esta formação. Um número significativo de crianças poderá mais facilmente aceder à literacia mas, a dificuldade de vencer a situação de base – iliteracia nas famílias – será forçosamente apoiada por outros programas de desenvolvimento na educação de infância e nas comunidades para que as dificuldades de partida sejam um obstáculo removido.

4. “Deficits” nas famílias

Apesar dos sociólogos da educação dos anos 70 (Baudelot & Establet, 1974; Bourdieu & Passeron, 1970) evidenciarem a relação entre meio social e sucesso escolar apontando para a função da escola de manutenção da estrutura de classe, cumpre questionar se no tempo da sociedade do conhecimento esta necessidade de recusar o acesso à aprendizagem a uma grande maioria das crianças ainda seria útil à hegemonia dos grupos dominantes ou se a escola apenas mantém esta função por inércia reaccionária ao desenvolvimento a que se propõe. No entanto, o investigador social preocupa-se em entender o modo como a escola se organiza para que, após garantir o acesso a todas as crianças, apenas grupos minoritários consigam a aprendizagem cabal dos objectivos enunciados. Mandato ou inércia? O facto é que apesar do discurso acerca da burguesia e do proletariado em que se polarizava a sociologia dos anos 70, a escola continua a reproduzir as classes sociais. Interessa, pois, saber, numa perspectiva contra hegemónica,

8 O PNEP organiza-se através de um Formador Residente por Agrupamento de Escolas que, tendo sido sujeito a uma formação específica, forma e apoia os professores do 1º ciclo do seu Agrupamento que se voluntariaram para esta formação. Este trabalho é acompanhado por textos e materiais realizados por uma Comissão Nacional de Acompanhamento coordenada por Inês Sim-Sim e por um Coordenador Regional docente na Instituição de Ensino Superior de Educação do respectivo Distrito. Apesar do carácter voluntário da formação calcula-se que cerca de metade dos professores do 1º ciclo já terão sido objecto desta formação realizada dentro e fora da sala de aula.

quais os obstáculos e os facilitadores que, à entrada para a escola, podem contribuir para inverter a situação facilitando o acesso à aprendizagem de todas as crianças qualquer que seja o seu meio social de origem. Nesta linha de preocupações encontrámos duas características na maioria das famílias que se considera de meios socioeconómicos considerados desfavorecidos9 que estarão na génese da produção do insucesso escolar:

4.1. Ténue existência de um projecto de escolarização para os filhos

Uma primeira característica prende-se com a ausência, ou presença ténue, de um projecto de escolarização para os seus filhos. As suas vidas decorreram sem os levar a passar adequadamente pela escola e conseguiram sobreviver. Por essa razão, às primeiras dificuldades que os filhos registam consideram que “Não dão para a escola”. Estas famílias aceitam o fatalismo desta reprodução social, e o afecto aos filhos (“coitadinhos não conseguem, a escola é muito difícil”) aliado à falta de consciência da sua auto-eficácia própria neste domínio evadem-lhes a intervenção no processo escolar dos seus descendentes directos.

Estas famílias não escolarizadas não constituem modelo para os filhos na formação da sua identidade na relação positiva – a conducente ao sucesso escolar – com a escola. As preocupações na família são de outra ordem não sentindo, as crianças que, à escola, seja atribuída grande importância. Para os rapazes, este problema acentua-se uma vez que todo o universo escolar é composto por mulheres. As educadoras e professoras e todos os que trabalham na escola são mulheres, quem se preocupa de organizar a vida familiar para enviar os filhos à escola são, maioritariamente, as mães. Nos modelos parentais e sociais de adultos que a criança encontra para construir a sua identidade, a escola não existe como algo determinante10.

Sabemos também que as dificuldades de relação destes pais

9 Consideramos que o factor “desfavorecido”, na sociedade do conhecimento, remete para a sua relação com a escolarização enquanto projecto de vida para si e para os seus filhos, com a ausência de práticas correntes de leitura e escrita no quotidiano.

10 Em Inglaterra, a Pré-school Learning Alliance desenvolve um programa especial para que sejam os pais – homens – a relacionar-se com a vida escolar dos filhos rapazes.

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com a escola, os leva a afastar-se contactando pouco com os professores dos filhos. Para além da dificuldade de relação marcada pela diferença das classes sociais de pertença, os professores consideram que estes pais se entendem mal com a escola levando a atribuir as ausências à falta de interesse pelos filhos. O conflito, mesmo latente, está instalado o que dificulta ainda mais a comunicação (Perrenoud & Montandon, 1987).

Também a consciência da necessidade de ajudar os filhos a fazer os trabalhos escolares está ausente das suas preocupações. Acreditam que a escola ensinará os seus filhos, não tendo consciência da cumplicidade que a escola exige com a família para ajudar os filhos nas aprendizagens escolares (Meirieu, 1987). Muitas vezes, quando se dispõem a ajudar temem não saber fazê-lo ou por não saberem mesmo as matérias ou por não ser capazes de responder às expectativas dos professores (Salgado & Reis, 1993).

4.2. Fraca (ou nula) existência da literacia na família

Uma segunda característica passa pelas dificuldades de aprender a ler e a escrever à entrada para a escola. Para além da inadequação da oferta educativa já referida, estas crianças não possuem um projecto de leitor que lhes possibilite envolvimento nesta aprendizagem. Vários autores (Ferreiro, 1985; Martins, 1996) referem que a aprendizagem da leitura passa pela criação ou desenvolvimento da necessidade de aprender a ler – porque as suas pessoas significativas lêem e lhes lêem, pela compreensão da funcionalidade da leitura e da escrita – saber onde, para quê e como se lê (Chauveau, 2001) e pelo desenvolvimento de conceptualizações sobre como se lê e escreve, praticada anteriormente ao processo técnico de aquisição da competência de leitura e escrita (Salgado, 2000). O termo corrente para esta fase de aprendizagem é o de literacia emergente (Clay, 1991). Sabemos também que as crianças de meios letrados, onde a literacia familiar se desenvolve, entram nas escolas com níveis elevados de literacia emergente, algumas tendo mesmo aprendido a ler quando inseridas num “banho de escrita” de natureza familiar (Chauveau & Martine, 1997).

Inseridas em famílias não letradas, as crianças não têm oportunidade de ver os seus progenitores relacionar-se com a escrita. Mesmo se existem palavras escritas nas embalagens utilizadas no quotidiano doméstico, os adultos não as referem

nem as manipulam com as crianças. De facto, segundo Teberosky, (2001) a aprendizagem da escrita, enquanto artefacto cultural, não passa só pela presença no universo da criança mas pelo seu envolvimento, com outros indivíduos, na sua manipulação.

Semelhante ao modo como se aprende a falar a criança precisa, em primeiro lugar, de ter necessidade de ler. Esta necessidade, em famílias letradas11 cria-se pelo gosto adquirido ao ouvir os seus adultos significativos a contar-lhes histórias, fundamentais para o seu crescimento, respondendo às suas angústias e inseguranças (Bettelheim, 1985). Perceberá então que, se tiver a capacidade de ser ela própria a fazê-lo, se torna mais autónoma ao conseguir ler sozinha as histórias. O gosto pela leitura instala-se e, com ele, a vontade de aprender a ler e, sabemos (Ferreiro & Teberosky, 1985) que ela própria, sozinha ou em grupo, enceta a descoberta da organização do texto escrito e, amiúdes vezes surgem casos de aprendizagem da leitura sem o seu ensino explícito.

Também, nas famílias letradas, as crianças aprendem para que serve ler e escrever à medida que, de um modo funcional, a criança vê os seus adultos significativos a fazê-lo. No seu quotidiano, lêem instruções de aparelhos ou para fazer receitas de cozinha, escrevem por razões diversas no computador, lêem notícias de jornais ou revistas, tiram dúvidas em livros ou na internet, para comunicar com amigos ou familiares. Vêem igualmente como os adultos se relacionam com o texto escrito onde escrevem e como o fazem, que materiais utilizam e com que funções.

Numa família onde não existam estas práticas quotidianas dificilmente as crianças têm oportunidade de adquirir esta familiaridade com o texto escrito. Ao chegar à escola, na maior parte dos casos, são-lhe apresentados textos sem nexo, letras para decifrar fora dos contextos reais, num manual escolar muitas vezes com palavras desfasadas do quotidiano (pua, águia…). O texto escrito surge-lhes como um jogo escolar, muitas vezes fastidioso, que dificilmente poderá criar o gosto, o interesse, a necessidade de ler. A leitura fica, deste modo remetida para a esfera escolar não passado a consciência da sua utilidade no quotidiano social.

11 As que utilizam no seu quotidiano a leitura e a escrita.

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Os trabalhos de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985) vêm desvendar o conhecimento prévio que as crianças, que contactam com a escrita antes da sua iniciação formal em contexto escolar, adquirem através da sua construção numa aprendizagem por descoberta (Piaget, Bruner, 1999). Dizem-nos que não só constroem um projecto pessoal de leitor (Martins, 1991), como descobrem como o texto se organiza, evoluindo, passo a passo nessa compreensão, através de estágios de conhecimento evolutivos numa perspectiva piagetiana. Nesse processo adquirem a consciência fonológica e mesmo fonémica, facilitada pelo desenvolvimento da sua linguagem oral, sobretudo lexical (Duarte, 2008; Sim-Sim, 2007).

Pelas razões expostas, a dificuldade de aprender a ler e o gosto e facilidade da leitura torna-se mais difícil para as crianças oriundas de famílias onde não se lê nem escreve. Toda a retaguarda cultural e linguísta necessária à aprendizagem da leitura e escrita não existe ou só aparece deficientemente, e a criança sente-se desprovida de um background fundamental para a aprendizagem. O jardim-de-infância não tem, muitas vezes, esta preocupação diferenciada e sistemática, a escola do 1º ciclo também não e, a não aprendizagem ou aprendizagem deficiente da leitura vai-se arrastando, criando o acto de ler em algo fatigante e mesmo fastidioso. A presença de livros de histórias que, para muitas crianças constitui fonte de satisfação, para as crianças que começam, deste modo, a sofrer o seu primeiro insucesso, torna-se um instrumento de sofrimento e descriminação.

5. Centros Novas Oportunidades (CNO) – Uma oportunidade dupla: da promoção da literacia familiar ao sucesso escolar das crianças

5.1. A procura dos Centros Novas Oportunidades

Transportando esta preocupação pretendemos com o presente trabalho dar conta de novos movimentos na sociedade portuguesa com potencialidades de modificar a actual situação educativa.

A menos que a situação de partida se altere e as crianças originárias de famílias menos escolarizadas passem a ter na família uma interacção com a leitura e a escrita e maior motivação para se envolverem na sua escolarização.

Foi esta hipótese que colocámos perante a informação de que cerca de 900 000 de pessoas, de baixos níveis de escolaridade procuravam os Centros Novas Oportunidades envolvendo-se num projecto de escolarização (www.novasoportunidades.gov.pt).

Os dados disponíveis (Idem) permitem precisamente concluir que a procura de Centros advém de uma faixa de população situada na idade de ter filhos – entre os 25 e 44 anos – (61,5%), sobretudo mulheres (53,5%) o que leva permitir criar a hipótese de que sendo a população que procura os Centro Novas Oportunidades situada na idade de ter filhos em idade escolar e sendo as mulheres quem maioritariamente se ocupa da vida escolar dos filhos algo poderia acontecer na mudança de relação.

Sendo a falta de projecto de escolarização para os filhos e a ausência de literacia nas famílias as duas grandes diferenças encontradas junto das famílias com mais altos níveis de escolarização cujos filhos têm sucesso escolar, conhecendo as práticas desenvolvidas em contexto de RVCC (Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências) podemos pensar que as mudanças no interior das famílias poderiam ser portadoras de novas estratégias na escolarização dos filhos.

Por um lado, o facto de um dos pais procurar elevar o seu nível de escolaridade significaria a existência, aquisição ou desenvolvimento da importância da escola para si próprio, primeiro passo para considerar a sua importância no futuro dos seus filhos. Por outro lado, a manipulação de materiais de escrita na presença do seu filho trariam a esta família as condições prévias referidas para a aprendizagem da leitura e da escrita.

Pierre Dominicé considera que a expressão da sua história de vida, contando-a a outro, é portadora de aprendizagens quer seja no domínio do aprofundamento dos conhecimentos construídos quer na sua organização e sistematização12.

A construção de um projecto de investigação feito com estas premissas permitiria verificar a hipótese percebendo as mudanças ocorridas no interior das famílias com a realização de um processo de RVCC pelos seus progenitores.

12 Ver o seu depoimento neste obra “La formation entendue comme processus construit dans l´Histoire de Vie“ mais desenvolvido na obra “L’Histoire de Vie comme Processus de Formation (1997), Paris: L’Harmattan.

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6. Conceitos

Embora sabendo que quando interrogados acerca do processo de mudança, os inquiridos apenas nos dariam as suas percepções acerca do processo de mudança. Por outro lado, pela impossibilidade temporal de proceder a um estudo longitudinal optamos por, numa primeira fase, proceder à realização de entrevistas de carácter exploratório a indivíduos que realizaram um processo de RVCC de nível básico – equivalente ao 9º ano de escolaridade – e que têm filhos que frequentam o 1º ciclo de escolaridade. Optámos por esta amostra uma vez que se entende este ciclo como definidor decisivo de construção do sucesso escolar das crianças.

Este estudo exploratório partiu de conceitos definidores das questões colocadas aos sujeitos inquiridos. Um primeiro grupo de questões procurava inquirir acerca dos contextos pessoais e familiares de inserção dos filhos. Remetiam para a consciência da auto-eficácia dos indivíduos no envolvimento em actividades com o filho e para o modo de Gestão de Papéis no interior da família com a introdução das novas práticas desenvolvidas com a realização do processo de RVCC. Um segundo grupo de conceitos fundamentam as questões referentes às mudanças no projecto de vida atribuído ao processo de escolarização dos filhos através do envolvimento nesse processo e, por fim, um quarto grupo remete para as mudanças nas representações e nas práticas da leitura e da escrita.

No estudo que aqui se apresenta, procura compreender-se a importância de um adulto fazer um processo de RVCC na vida escolar dos filhos que frequentam o 1º ciclo do ensino básico. A auto-eficácia que o adulto desenvolve no seu processo de RVCC permite-lhe relacionar-se melhor com os outros, nomeadamente sentindo-se mais bem preparado para responder às perguntas do seu filho e para falar com os seus professores.

Pretende-se, igualmente, saber quais as transferências realizadas no interior da família e o modo como estas facilitam o empenho e o acompanhamento da vida escolar; mais especificamente, como as competências adquiridas e/ou reconhecidas trazem maiores e melhores expectativas em relação à escola na vida do seu filho e facilitam um maior envolvimento no seu projecto de escolarização. Sabendo que a aprendizagem da leitura é decisiva na construção do sucesso escolar, procura saber-se

quais as transferências pais-filhos, pelo envolvimento parental, no que se refere à motivação criada, ao conhecimento da sua funcionalidade e ao desenvolvimento de conceptualizações sobre a leitura e escrita facilitadoras da iniciação à sua aprendizagem. Em seguida serão apresentados os conceitos- base envolvidos neste estudo.

6.1. “Auto-eficácia e envolvimento em actividades com o filho”13

A família desempenha um papel fundamental no sucesso escolar das crianças, sendo muitas vezes referenciado pela literatura que os pais são os primeiros professores e que a casa é a primeira escola (Bandura, 1997, Morrow, 1995). No domínio das relações pais-filhos as investigações são consensuais no sentido de evidenciar que os pais exercem um papel activo e influente no modo como as crianças aprendem a ser pró-activas nas suas aprendizagens (Schneewind, 1995). O estudo de Mondell e Tyler (1981) demonstrou que quanto mais competentes os pais são (sendo esta competência definida como níveis gerais elevados de auto-eficácia) mais apoio dão aos seus filhos. Para além disto, também evidenciam níveis mais frequentes de interacção positiva com as crianças e dão menos ordens às crianças. Nesta linha, Grolnick, Ryan e Deci (1991) afirmam que o comportamento dos pais não afecta directamente as capacidades das crianças, como foi defendido em alguns estudos, mas antes que tem um impacto nas atitudes e motivações das crianças em relação ao contexto escolar e escolarização em geral. Um estudo de Bandura, Barbaranelli, Caprara e Pastorelli (1996) demonstrou ainda a existência de uma ligação entre a percepção de eficácia académica e aspirações dos pais e as mesmas percepções e aspirações nos filhos; o autor destaca, então, que o sentido de auto-eficácia dos pais promove as aspirações educacionais dos filhos, actuando como incentivo e reforço constante em relação às aprendizagens e contribuindo para que as dificuldades encontradas pelas crianças sejam ultrapassadas de forma construtiva (Bandura, 1993). Corroborando esta perspectiva, Henk e Melnick (1995) argumentam que o modo como o indivíduo adulto se vê a si próprio enquanto leitor influencia, de forma activa, o tipo de actividades de leitura e a frequência das mesmas. Estas vão ser observadas pelos filhos e, como tal, desenvolvem nestes

13 A partir de um texto de Cláudia Andrade no 1º Relatório Progresso – fase 1 – 1ª parte, Julho 2009.

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um interesse crescente por este tipo de actividades. Assim, e retomando a perspectiva de Bandura et al. (1996), a auto-eficácia académica dos pais promove a auto-eficácia académica dos filhos, embora esta relação seja mediada pelas crenças de sucesso académico das crianças.

De um modo geral, a perspectiva defendida pelos diversos autores permite-nos, pela sua relevância, considerar no presente estudo a importância da auto-eficácia geral e a importância da mesma para as dinâmicas relacionais pais-filhos como variável importante para a análise da promoção da literacia familiar.

6.2. “Gestão de Papéis”14

A análise das relações entre a vida profissional e familiar tem sofrido alterações ao longo do tempo. Se durante alguns anos se analisou cada um dos domínios em separado, sendo o trabalho e família perspectivados como esferas independentes, mais recentemente tem-se assistido a um crescente interesse na relação e interdependência destas duas esferas. De facto, a questão que se coloca actualmente na análise dos processos pelos quais estas esferas estão ligadas, reporta-se aos efeitos que cada um dos sistemas pode ter no outro e no indivíduo. Para este crescente interesse contribuíram as novas tendências sociais, nomeadamente o aumento do número de famílias de duplo-rendimento. Assim, a temática da conciliação entre vida familiar e profissional surge como consequência das mudanças sociais ocorridas nos países industrializados, onde se verificou a entrada da mulher no mercado de trabalho e o aumento do número de papéis por ela desempenhados bem como um aumento da participação dos homens no desempenho de tarefas não remuneradas (apesar deste aumento ser considerado insuficiente para equilibrar a distribuição do trabalho em casa). Paralelamente, mudanças ao nível das expectativas profissionais, familiares e mesmo parentais contribuem, certamente, para o aumento das exigências sobre os indivíduos e influenciam a articulação entre os papéis familiares e profissionais. Nesta linha, verifica-se actualmente que os indivíduos desempenham cada vez mais papéis com diferentes exigências; o estudo da forma como estes são geridos e a análise das suas consequências individuais, familiares e profissionais, podem

14 A partir de um texto de Cláudia Andrade no 1º Relatório Progresso – fase 1 – 1ª parte, Julho 2009.

trazer benefícios importantes para a compreensão da vida das famílias. As mulheres são responsáveis não só pelo cuidado e sustento dos seus filhos mas também por todos os aspectos associados ao seu desenvolvimento emocional e intelectual. As expectativas parentais têm, deste modo, sofrido também alterações significativas. Um “bom pai” já não é um ganha-pão ausente e benevolente. É esperado que esteja intimamente envolvido nos aspectos da vida da criança, desde o brincar ao cuidar, ao alimentar e ajudar nas tarefas da escola (Jacobs & Gerson, 2004). Estes dados parecem ser também válidos em Portugal, onde se considera que o elemento masculino do casal deve também dedicar-se à família, colocando os interesses desta acima de outros assuntos (Poeschl, 2000). Outro aspecto particularmente relevante para as exigências crescentes da maternidade e da paternidade diz respeito ao papel privilegiado que a criança ocupa no contexto da família. De facto, ter uma criança implica actualmente maiores investimentos nos planos afectivos, relacionais e mesmo materiais que possibilitem percursos escolares mais longos tendo em vista a sua futura inserção profissional. Adicionalmente, a preocupação, em particular dos pais, em promover o desenvolvimento “cultural” das crianças, inscrevendo-as num sem número de actividades extra-escolares, acrescenta um maior número de exigências aos pais. As actividades centradas na criança dominam a vida familiar e criam um ritmo familiar e doméstico muito intenso (Lareau, 2002 cit. por Jacobs & Gerson, 2004). O envolvimento crescente com as crianças que se espera dos pais torna as longas horas de trabalho mais problemáticas e, como tal, pode gerar sentimentos de conflito entre papéis.

Assim, e na linha do que foi apresentado, o modo como as relações entre papéis familiares e profissionais são articuladas parece-nos ser uma dimensão importante para o presente estudo, na medida em que podem fornecer informação relevante sobre a interacção pais-filhos e seu impacto nos processos de aprendizagem destes últimos.

6.3. “Representações e práticas de envolvimento no processo de escolarização”

O envolvimento das famílias nos processos de escolarização dos filhos é hoje reconhecido como condição de sucesso escolar das crianças. Não basta enviá-las à escola diariamente para que o processo de escolarização se efective. Entre as

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necessidades decorrentes do empenhamento dos pais na sua escolarização parecem ressaltar: a implicação das pessoas significativas no empenho dos filhos na relação pedagógica, a atribuição de sentido às aprendizagens e a necessidade de uma pedagogia diferenciada para acesso ao saber (Salgado, 2003) que a maioria da escola de massas dificulta.

Sabendo que uma das primeiras condições de aprendizagem se situa na necessidade/vontade de aprender algo, poder-se-á encontrar a génese dessa apetência nas tarefas propriamente ditas ou na vontade comunicada pelas pessoas significativas através da sua experiência de vida. No seu crescimento, a criança procura, por um lado, imitar essas pessoas, na maior parte das vezes os progenitores, por outro – se a relação é positiva ou pretende que seja – procura agradar-lhes. Assim, se do projecto de vida dos pais faz parte a escolarização e o sucesso dos filhos, estes senti-lo-ão no seu quotidiano e procurarão responder a essas expectativas. O momento de fazer os trabalhos de casa, acompanhados por um dos progenitores, poderá constituir um momento privilegiado para sentirem esse empenho. Igualmente, da parte dos filhos, o tempo de realizar as tarefas escolares acompanhados pelos pais acaba por ter a contrapartida positiva destes lhe dedicarem, especialmente, alguma atenção em torno do seu apoio. Também a relação pedagógica, que é fundamental para que a criança consiga aprender, deveria ser acompanhada por um adulto significativo que fosse capaz de desenvolver as oito competência inter-pessoais que Maria Emília Brederode Santos (1985) considera: empatia, respeito, calor, autenticidade, especificidade, auto-exposição, confronto e imediaticidade. Esta relação, que em alguns dos seus aspectos exige uma proximidade individualizada, dificilmente se consegue numa escola em que os professores falam para todos ao mesmo tempo e em que a relação personalizada não aparece nas alturas chave das aprendizagens. A criança só acaba por encontrar na família, ao realizar os trabalhos, esta relação pedagógica que deveria ser paradigma da escola. Também o desenvolvimento da sua auto-estima aparece habitualmente apenas na família. A escola tradicional pauta-se por indicar à criança apenas os erros, aquilo que está mal, penalizando-a muitas vezes por isso, esquecendo de referir e enaltecer os sucessos. Muitas das características que se consideram de importância numa relação pedagógica (Dupont, 1983) – congruência, compreensão empática, consideração, intencionalidade na consideração – só acontecem na aprendizagem em família.

A recusa à escola constitui-se como uma situação de evasão às dificuldades de inserção neste sistema. A valorização através do trabalho permitiu a muitos adultos encontrarem o seu caminho na sociedade, à revelia da escola. Quando, em Portugal, a Educação de Adultos enquadrada pelo sistema oficial de ensino e ministrada nos mesmo moldes do sistema educativo, os adultos de baixos níveis de escolaridade, não aderiam à oferta, ou então desmotivavam-se, não aprendiam ou/e abandonavam (Salgado, 1985).

As relações da escola com os pais de famílias de meios populares também não são pacíficas. As dificuldades de entendimento dos códigos escolares dificultam a relação com a escola que se acentua quando os seus filhos começam a sentir dificuldades e são colocados em situação de insucesso. (Perrenoud & Montandon, 1987).

Não se poderá, no entanto, dizer que os adultos de baixos níveis de escolaridade menosprezavam o saber e recusavam a aprendizagem. No tempo da República e início do Estado Novo criaram associações de “instrução” e “academias”. No período a seguir ao 25 de Abril, as associações populares foram reconhecidas com contexto educativo (Lei 3/79) dado o empenho dos adultos em actividades de aprendizagem (Melo e Benavente, 1978; Salgado e et al, 1980). Em contextos migratórios, e independentemente de sistemas formais de ensino, os trabalhadores emigrantes procuravam informação e acesso ao saber (Gago, 1978). Não será, pois de estranhar que, perante uma possibilidade organizada de educação baseada no reconhecimento dos saberes adquiridos previamente, os adultos com baixo nível de escolaridade, pressionados pelas necessidades da sociedade do conhecimento (Lindley, 2000), tenham respondido de forma expressiva à oferta dos Centros Novas Oportunidades, sobretudo dos processos de reconhecimento validação e certificação de competências (RVCC).

No entanto, não é evidente que a passagem para o investimento na educação dos filhos tivesse acontecido. O facto de terem vivido na escola situações de violência provocadas, na sua maioria, pelo insucesso escolar, poderia ter conduzido a desenvolver o proteccionismo dos filhos, acreditando que o seu processo de aprendizagem poderia não ser coroado de sucesso. Esta foi uma das razões deste estudo: verificar se o acesso

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a um processo de escolarização cria, no interior da família, a construção de projecto de vida que passe pela escolarização dos filhos, determinante para o seu sucesso escolar.

Apoiar o processo de escolarização dos filhos no sentido da promoção do seu sucesso escolar não só implicaria desconstruir, para si próprio e para a escola actual, a representação de exclusão escolar que recusaria a sua cultura, traduzida na sua história de vida, como passaria por reconhecer a necessidade de resposta, através da escola e das suas práticas familiares, das funções socialmente atribuídas à educação.

6.4. “Mudanças nas representações e nas práticas da leitura e da escrita”15

As crianças que frequentam as escolas públicas portuguesas revelam níveis de insucesso escolar elevados e níveis de competências de leitura mais baixos que em outros países da OCDE (Ferreiro, 1992; Sim-Sim, 1989). Um dos motivos para que ainda se verifiquem estes resultados reside, como referido anteriormente, na implementação tardia da escolaridade obrigatória em Portugal, que leva a que, nos dias de hoje, ainda exista por parte de muitas famílias uma fraca cultura de escolarização. Esta pouca valorização da escolarização pode significar que, no quotidiano destas famílias, a importância da utilização da leitura e da escrita não seja muitas vezes reconhecida e incentivada.

Pressupõe-se que numa sociedade letrada todas as crianças tenham contacto com o mundo da leitura e da escrita. Contudo, no que respeita à quantidade e qualidade dessas experiências, nem todas têm acesso às mesmas práticas de literacia, pois estas dependem dos valores e da cultura do grupo social em que estão inseridas. Sendo a família um dos agentes de socialização mais importantes para a criança, esta desempenha um papel preponderante na aquisição e valorização das práticas de literacia. Não tendo a escrita entrado no universo familiar de muitos portugueses, as condições culturais que a sua aquisição implica dificultam esta aprendizagem por parte das crianças (Chauveau, Chauveau, & Martins, 1997a; Chauveau & Martine, 1997b; Chauveau, 2001). Deste modo, não se propicia um ambiente

15 A partir de um texto de Carolina Cardoso no 1º Relatório Progresso – fase 1 – 1ª parte, Julho 2009.

adequado para o desenvolvimento da literacia emergente e para a criação do projecto pessoal de leitor, que passa pela criação da vontade e necessidade de ler (Fontaine, 1990) e pelo desenvolvimento das representações sobre a funcionalidade e conceptualizações sobre a leitura e a escrita (Salgado, 2003).

O processo de descoberta da linguagem escrita é um processo participado e dinâmico, em que a criança assume um papel activo e através do qual reconstrói e reinventa activamente a linguagem escrita (Mata, 2002). Antes da entrada no ensino formal, as crianças já constroem representações sobre a linguagem escrita, pois interpretam a informação recolhida conforme os esquemas de pensamento e os esquemas conceptuais que desenvolveram no contacto com a escrita (Martins, 1996), e colocam hipóteses sobre o funcionamento e objectivos da linguagem escrita. Estudos demonstram que a consciência fonológica, a linguagem oral, o conhecimento das letras e as conceptualizações acerca da leitura e da escrita são capacidades tidas como fundamentais para a posterior aprendizagem da leitura (Scarborough, 1998 cit. por Spira Bracken & Fichel, 2005). Observou-se ainda que existe uma relação entre as capacidades de literacia que as crianças têm ao entrar para a escola e o seu desempenho académico futuro (Teale, 1984; Hanei & Hill, 2004; Spira et al, 2005).

Sabendo da importância que a qualidade do ambiente familiar de literacia pode exercer sobre a aprendizagem e sobre a forma como as crianças se tornam mais predispostas em compreender a natureza da linguagem escrita, é fundamental conhecer as concepções parentais acerca da literacia, bem como os comportamentos e práticas que os pais desenvolvem com os filhos neste domínio (Lynch et al, 2006). As famílias podem cultivar as competências de literacia emergente dos filhos se i) de forma contextualizada e em situações com significado, fornecerem uma larga diversidade de materiais de literacia, se ii) com frequência, incentivarem as interacções interpessoais durante as actividades de leitura e escrita, iii) se permitirem a observação e participação dos filhos nas práticas de literacia do dia-a-dia e em contextos de entretenimento e se iv) integrarem materiais de literacia no ambiente social e familiar em que estão inseridos (DeBaryshe, Binder & Buell, 2000; Leichter, 1984; Purcell-Gates, 2003; Tizard & Hughes, 1984).

Em suma, conclui-se que a relação entre as concepções

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parentais sobre literacia e os comportamentos em ambiente familiar são fundamentais e têm uma relevante consequência no desenvolvimento precoce da literacia. Assim, mudar as concepções parentais pode ter um impacto positivo na forma como os pais promovem a literacia no ambiente familiar e, por consequência, na forma como as crianças desenvolvem as competências de literacia, tão importantes para o seu sucesso académico futuro (Bingham, 2007). Os Centros Novas Oportunidades surgem, assim, como oportunidades de formação que podem desencadear mecanismos facilitadores da promoção da leitura e da escrita no contexto familiar.

7. Metodologia do estudo16

O trabalho realizado, de carácter exploratório, recorreu exclusivamente a metodologias qualitativas, mais especifica- mente através de entrevistas individuais semi-estruturadas devido à fidelidade e riqueza das informações que fornecem.

O objectivo do recurso a esta metodologia prendeu-se com a necessidade de, nesta primeira fase, conhecer experiências subjectivas dos participantes nos Centros Novas Oportunidades (CNO) face a um conjunto de temas, partindo-se, neste sentido, das experiências do indivíduo enquanto objecto de investigação. De facto, este tipo de entrevista colabora muito na investigação dos aspectos afectivos e valorativos dos respondentes que determinam significados pessoais das suas atitudes e comportamentos. Além disso, a interacção entre entrevistador e entrevistado favorece respostas espontâneas, possibilitando uma maior abertura e proximidade entre ambos, o que permite ao entrevistador abordar assuntos mais complexos e delicados, tais como os relativos a vivências e experiências durante e após a participação nas actividades dos CNO, ou seja, quanto menos estruturada a entrevista, maior o favorecimento de uma troca mais afectiva entre as duas partes.

As respostas espontâneas dos entrevistados e a maior liberdade que estes têm podem fazer surgir aspectos inesperados ao entrevistador que poderão ser de grande utilidade na sua pesquisa. Tal verificou-se no presente estudo, fazendo com que as categorias posteriormente criadas para a análise das

16 A partir de um texto de Filipa Morais, Cláudia ferreira e Inês Cruz no 1º Relatório Progresso – fase 1 – 1ª parte, Julho 2009.

entrevistas se desdobrassem num conjunto mais vasto do que o inicialmente previsto.

A opção pela técnica da entrevista semi-estruturada prendeu-se ainda com a sua elasticidade quanto à duração, permitindo uma cobertura mais profunda sobre determinados assuntos e, simultaneamente, limitar o volume das informações, obtendo-se assim uma maior atenção sobre o tema e, nesta etapa do estudo, lidar com a possível dificuldade que muitas pessoas teriam de responder por escrito a um leque tão abrangente de temas e de experiências.

Partiu-se, assim, de um conjunto de questões previamente seleccionados a partir dos conceitos identificados na revisão bibliográfica e nas dimensões em que foram decompostos, que definiram os pontos do guião de entrevista. Estes foram considerados na análise de conteúdo, com base em protocolos de transcrição integral mas, posteriormente, seleccionados com base num conjunto de categorias e cuja descrição em pormenor será apresentada no ponto seguinte deste trabalho.

Para efectuar a análise das entrevistas, recorreu-se à análise de conteúdo segundo o modelo de Bardin (1979) que tem por objectivo a descrição sistemática do conteúdo da comunicação. Os dados recolhidos, neste caso através de entrevistas, são essencialmente de natureza qualitativa. A análise de conteúdo foi a ferramenta de pesquisa usada para determinar a presença de certos conceitos e categorias no texto transcrito. Na análise das entrevistas, o conteúdo foi codificado e dividido em categorias numa variedade de níveis. Em seguida, o conteúdo transcrito e seleccionado foi analisado e discutido conceptualmente. No presente trabalho, dada a quantidade e complexidade da informação recolhida, houve a necessidade de segmentar o conteúdo em categorias, subcategorias e componentes, partindo dos conceitos teóricos mais relevantes, até às práticas concretas dos entrevistados.

8. Resultados do estudo

Sabendo a importância da vinculação segura para o desenvolvimento das crianças, o facto dos pais se sentirem mais confiantes em si próprios possibilita, pelo maior investimento que propicia, ganhos na educação dos filhos. O facto dos entrevistados ganharem consciência de que o RVCC

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é uma rampa de lançamento para investimentos profissionais e pessoais desenvolve a atribuição de maior valor à escolarização no futuro dos seus filhos.

A importância atribuída à mobilidade social é um exemplo da auto-estima conseguida neste processo. O orgulho de poder dizer que já tem o 9º ano, no exterior da família, parece ser um ganho incalculável na relação com os filhos.

A confiança em si próprio revela ser uma componente importante, referida por um grande grupo de entrevistados, quer na facilidade nas relações com outras pessoas quer a nível profissional.

“Sinto-me capaz de me fazer notar por outras pessoas, sinto-me com qualidades diferentes, que não tinha. Mesmo no trabalho sou mais valorizada, tenho novas oportunidades, novas portas a abrir, e isso é muito importante.” (E17; Sexo Feminino; Meio Rural; Região Centro)

Estas aquisições traduzem-se ainda na necessidade de continuar um projecto de estudos que a nível de fazer mais formação que na possibilidade de dar continuidade a um processo de escolarização, 12º ano ou mesmo Ensino Superior. Por vezes revelam a implicação da formação adquirida na possibilidade de concorrer a novos empregos.

Importante na sociedade do conhecimento é o sentimento manifestado da necessidade, do gosto e do prazer de aprender e do modo como se expressa na relação com os filhos. Considerou-se esta uma aquisição fundamental uma vez que na escola nem sempre se adquire o gosto por aprender numa perspectiva de Educação ao Longo da Vida.

“Deu-me mais entusiasmo para participar noutras coisas, deu-me mais entusiasmo para eu me desenvolver culturalmente, deu-me mais para pesquisar, deu-me mais para me informar mais sobre certos assuntos.” (E33; Sexo feminino; Meio Suburbano; Região LVT)

A importância atribuída ao desenvolvimento ou aprendizagem de novos saberes vem posteriormente revelar-se na intervenção em relação à escolarização dos filhos. Os resultados obtidos revelam que existe um ganho substancial neste domínio aparecendo, à cabeça, a informática. Em alguns entrevistados traduz-se numa

maior destreza em ferramentas que já conheciam, e em outros numa completa iniciação. As aprendizagens neste domínio revelam ainda a hipótese de abertura de diálogo com os filhos, uma vez que estes instrumentos fazem hoje parte da cultura dos mais jovens. A mais-valia acrescida por esta potencialidade de criação de conteúdos de diálogo virá resolver o problema que muitos pais tinham de não conseguir ter com os filhos conversas que lhes interessem.

“Passo o mesmo tempo, (…) Mas quando estamos juntos costumamos passear, o mais novo ajuda-me a fazer o jantar nos meus dias de folga, vemos televisão e é melhor, porque, às vezes, já vemos filmes juntos, porque agora já acompanho melhor as legendas e explico-lhes se eles não entenderem.” (E7;Sexo feminino; Meio Urbano; Região Centro)

O modo de resolução dos problemas na família acrescidos pela necessidade de participarem nas novas tarefas de aprendizagem – processo de RVCC – parece ter constituído um novo campo de aprendizagens, para além do modo de resolução de conflitos conseguido17. A procura de soluções de gestão do tempo terá levado a conseguir a criação de outros espaços e tempos em detrimento do lazer e preterindo algumas tarefas domésticas.

“Eu não acho que me tenha roubado algum tempo, se calhar eu aproveitei, foi melhor o tempo, deixei de fazer coisas que se calhar não são tão importantes, ocupando o tempo numa mais-valia para mim…” (E14; Sexo feminino; Meio Rural; Região Centro)

A importância atribuída ao processo de escolarização dos filhos revelou ter sido um dos domínios de maior importância na vida familiar sabendo como o papel dos pais é decisivo na construção dos sucesso escolar e na motivação para as aprendizagens dos filhos. Este empenho traduziu-se na construção de um projecto de vida para os filhos que passe pelo sucesso da sua escolarização. Dizem que estão dispostos a fazer todo o possível para conseguirem que eles vão tão longe quanto desejarem. A vontade dos pais será um factor decisivo na criação desse desejo aparecendo logo no envolvimento nos

17 O estudo destes aspectos deve ser aprofundado no capítulo de Cláudia Andrade “Conciliação Trabalho-Família em Adultos em Formação nos Centros de Novas Oportunidades”

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trabalhos de casa que agora dizem já conseguir acompanhar e na relação que mantêm com os professores e outros actores educativos que revelam agora conseguir melhor desenvolver.18

“(…) e eu hoje entendo isso e não quero de forma alguma que aconteça isso aos meus filhos, que é o facto de ter que começar a trabalhar cedo afasta-nos a nossa mente (…) graças ao RVCC, a abrir esta caixa e a soltar toda esta informação que estava guardada, que está cá há muitos anos... e deixa-me muito mais à vontade e isso sem dúvida nenhuma ajuda os meus filhos no processo escolar (…) sempre achei que era importante andar na escola, acredito que hoje dou muito mais importância a esse facto (…)” (E19; Sexo masculino; Meio Rural; Região Centro)

Sabendo que os primeiros sintomas de insucesso escolar aparecem nos primeiros anos de escolaridade tendo na sua génese, como já referimos, a ausência de literacia na família foi possível verificar, através das entrevistas realizadas que não só a literacia entrou na família confirmando a nossa hipótese de partida como adquiriu, em alguns casos, o envolvimento dos pais introduzindo-a como actividade do quotidiano não só nos trabalhos de casa e respectivo aprofundamento, como actividade colectiva de lazer.19

“A Playstation é de trás para a frente, de frente para trás, lê tudo, mesmo em inglês, não faz mal, (...) Lê, a nível de computador, de Playstation, isso tudo, ele lê. (...) jogos didácticos... na internet o jogo da forca... há aí um jogo de perguntas, que tem as respostas, A, B, C e D, e então a gente anda lá entretidos a ver quem é que erra mais... e sudoku (...)” (E39; Sexo masculino; Meio Suburbano; Região LVT)

9. Conclusões Prévias

O objectivo deste estudo centrava-se na compreensão das mudanças ocorridas no interior das famílias, portadoras de

18 O capítulo, neste livro, de Joana Ferreira e Carolina Cardoso “Os adultos no contexto do processo de RVCC: Uma abordagem das representações e práticas do processo de escolarização” aprofunda os resultados do estudo acerca deste contributo.

19 O capítulo, neste livro, de Carolina Cardoso e Joana Ferreira “Os adultos no contexto do processo de RVCC: Uma abordagem das representações e práticas da leitura e da escrita” aprofunda os resultados do estudo acerca deste contributo.

condições de promoção do sucesso escolar das crianças. Foi possível verificar que, na maioria, a mudança da situação de auto-estima e auto-eficácia do pai ou mãe que completaram o processo de RVCC – B2 são facilitadores expressos nas relações com os filhos ou com os professores, que a organização da vida familiar entre conflito – mal ou bem resolvido – negociação ou criação de novas formas de gestão do tempo trouxeram acrescidamente vantagens qualitativas para as aprendizagens das crianças e que o interesse e empenho no sucesso escolar dos filhos passou pelo maior envolvimentos nos trabalhos de casa e o estabelecimento de maiores relações com os professores e com a escola dos filhos. Também a literacia se desenvolveu na família, em termos de apoio escolar ou de lazer passando a ser prática corrente no universo familiar.

No entanto, embora o sistema tenha mostrado estas potencialidades nem todas as famílias atingiram estes objectivos. A maior parte do número que não revelou ter havido mudanças ou aqueles em que estas mudanças ficaram muito aquém do que outros conseguiram permitem-nos agora, uma vez que já conhecemos em detalhe as potencialidades do sistema, identificar necessidades de formação que podem ser respondidas quer nos processos de RVCC e nos cursos EFA, quer através das escolas do 1º ciclo na relação de parceria educativa que estabelecem com os pais dos seus alunos.

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PARTE 1

A génese do (in)sucesso escolar: na escola e na família

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A persistência do atraso educativo português nos nossos dias: Portugal nos processos de alfabetização, escolarização e criação

de capital humano nos séculos XIX, XX e XXI

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ResumoEste texto, na continuidade de um trabalho que já dura há cerca de quinze anos, procura mostrar como uma das debilidades estruturais mais graves e persistentes com que Portugal se debate na Modernidade, se relaciona com o atraso com que o modo de cultura baseado na escrita se enraizou na sociedade portuguesa.

Acompanhando o longo período de divergência económica e política dos séculos XIX e primeira metade do século XX e persistindo no brilhante período de convergência da segunda metade do século XX, o atraso educativo português, que empurra a sociedade portuguesa para fora do contexto europeu, persiste nos dois últimos séculos como uma ameaça séria à sustentabilidade económica e social deste país.

Programas como a actual Iniciativa Novas Oportunidades poderão ser uma janela que há muito deveria estar aberta mas que, para ser eficiente, tem de se tornar permanente, cientificamente escrutinada e alvo de um consenso que permita a sua durabilidade independentemente dos ciclos políticos curtos que caracterizam as sociedades actuais.

António Candeias1

1. Breve apontamento sobre as raízes do atraso educativo português durante o século XIX 1

O objectivo deste texto é o de fornecer uma base explicativa que sirva para entendermos a persistência de alguns dos atrasos estruturais que marcaram o tecido social português durante o que vulgarmente se chama de Modernidade, ou seja, o período de tempo que grosso modo se estende desde meados do século XVII aos nossos dias.

Destes atrasos a que chamamos de estruturais porque se relacionam com a estrutura do tecido social português, o mais persistente e mesmo impressionante, relaciona-se com a educação, como teremos ocasião de verificar durante este breve texto que se segue.

Visto que trabalhamos este tema há cerca de quinze anos, poderemos começar com algumas conclusões que resumem

1 Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Lisboa.

o essencial das relações existentes entre o progresso do que chamamos os “modos de socialização baseados na escrita” e variáveis relacionadas com a religião e o desenvolvimento económico, variáveis essas que aparecem sempre associadas em estritas correlações.

Assim, mesmo tendo em conta a fragilidade dos dados sobre a alfabetização, a escolarização e o seu significado no século XIX e primeiro quarto do século XX, estes apontam, em geral para as tendências seguintes: i) As sociedades com uma influência forte do protestantismo são em geral, nos finais do século XIX, mais alfabetizadas do que aquelas em que a religiões católica e/ou ortodoxa predominam;ii) As sociedades mais dinâmicas do ponto de vista económico, com processos fortes de industrialização, ou situadas em orlas próximas de tais processos, são em meados e finais do século XIX, também elas mais alfabetizadas do que aquelas em que predominam ainda as estruturas sociais, políticas e económicas tradicionais;

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iii) Do ponto de vista geográfico, o “núcleo duro” da alfabetização europeia encontra-se no Norte e Centro-Norte da Europa, sendo o Sul e os extremos Leste e Oeste europeus menos alfabetizados do que este “núcleo duro”;iv) Parece existir uma tendência que sobrepõe factores religiosos, económicos e geográficos com alfabetização, o que, apesar de todos os cuidados a ter com generalizações, sugere uma relação entre estes factores combinados e o crescimento da alfabetização e da escolarização;v) Havendo excepções, deve-se apontar, no entanto, que regra geral, sociedades com graus de alfabetização mais intensos, tendem a escolarizar-se mais cedo do que aquelas em que a penetração da cultura escrita é mais débil, e isto independentemente das legislações nacionais sobre educação;vi) Apesar de estas tendências se prolongarem no tempo, o século XX vai assistir a casos de sucesso de alfabetização que quebram em parte estas tendências antes assinaladas, e que se devem a factores políticos e económicos muito dependentes de opções de Estado, caso entre outros de uma parte dos países dos Balcãs, dos regimes que em 1918 e em 1945 se tornam socialistas, e também de algumas sociedades do Centro-Sul da Europa, como se poderá constatar, à frente neste texto, na tabela 1;vii) O caso português é, durante mais de um século, segundo todos os dados disponíveis quer se tratem de dados de origem nacional ou externa, um caso singular de dupla periferia no contexto europeu: periferia face ao “núcleo duro” da alfabetização, e no decorrer do nosso século, periferia face aos limites Sul, Leste e Oeste que historicamente foram menos impregnados pela cultura escrita.

Mesmo realçando todos os cuidados com que estes dados devem ser tratados por via da sua fragilidade, a tabela que se segue publicada numa obra clássica referente aos estudos sobre a alfabetização no Ocidente, da autoria de Harvey Graff e baseado em Johansson, ilustra com alguma exactidão a tendência que apontámos.

Tabela 1 - Cálculo da alfabetização na Europa entre 1850 e 1950, a partir de Censos, taxas de alfabetização de recrutas e condenados, e de assentos matrimoniais.

1850 1900 1950

Países Nórdicos, Alemanha, Escócia, Holanda e Suíça

95% aprox. 98% aprox. 98%

Inglaterra e País de Gales 70% aprox. 88% aprox. 98%

França, Bélgica e Irlanda 55% 80% aprox. 98%

Áustria e Hungria 35% 70% aprox. 98%

Espanha, Itália e Polónia 25% aprox. 40% aprox. 80%

Rússia, Balcãs e Portugal aprox. 15% aprox. 25% URSS aprox. 90%; Bulgária e Roménia 80%;

Grécia e Yugoslávia aprox. 75%;

Portugal aprox. 55%

Fonte: Johansson, cit. por Graff (1991, p. 375).

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34

Um exemplo interessante do papel de Portugal nesta tabela encontra-se na própria maneira como Harvey Graff organiza e comenta as taxas de alfabetização aqui presentes. Assim, os seus resultados são agrupados por países de acordo com a sua situação geográfica, religião e grau de alfabetização, sendo categorizados da seguinte forma: “Europa do Norte Protestante”, correspondendo aos “países nórdicos” da tabela 1; “Europa Ocidental”, um grupo que junta a Inglaterra, País de Gales, França, Bélgica e Irlanda; a “Europa Católica do Sul e Centro”, englobando países como a Áustria-Hungria, a Áustria, a Hungria, a Espanha, a Itália e a Polónia, e finalmente a “Europa Ortodoxa de Leste e Sudeste e Portugal”, que agrupa a Rússia, os Estados Balcânicos e Portugal. (Graff, 1991, p. 378).

Esta categorização mostra que, no que respeita à implantação da forma de cultura predominante da modernidade, a cultura escrita, Portugal é, desde meados do século XIX, separado do espaço geográfico e cultural de que faz naturalmente parte, tornando-se numa periferia da periferia, e tal comportamento agrava-se durante o século XX, quando o país se torna ele próprio numa tendência, ou seja, evidencia um atraso tal que não é “agrupável” com outros países europeus. Mas outros dados provenientes de fontes diferentes confirmam esta periferização portuguesa.

Numa altura, na transição do século XIX para o século XX, em que os fluxos migratórios para os Estados Unidos deixavam de ter a sua predominância nos países anglo-saxónicos e protestantes da Europa e o sul católico e pobre e o leste judeu e ortodoxo se encontravam cada vez mais representados nos imigrantes que aportavam a Nova Iorque, surge um debate promovido por “cientistas” e por sectores da administração norte americana sobre a “qualidade” da nova emigração (Cipolla, 1969, p. 97-101), com ampla repercussão pública.

No contexto desta discussão e de uma forma mais livre do que nos dias de hoje, surgem um sem número de estudos que relacionam “raça” com atraso social, cognitivo e também literácito.

A tabela 2 ilustra um exemplo dos resultados de tais estudos:

Tabela 2: Alfabetização dos adultos de sexo masculino nascidos no estrangeiro, trabalhando na Indústria e Minas em 1909 (EUA).

Grupo Étnico População Recenseada

% de Alfabetos

Arménios 594 92.1Boémios e Morávios 1.353 96.8Búlgaros 403 78.2Canadianos francófonos

8.164 84.1

Canadianos outros 1.323 99.0Croatas 4.890 70.7Dinamarqueses 377 99.2Holandeses 1.026 97.9Ingleses 9.408 98.9Finlandeses 3.334 99.1Flamengos 125 92.1Franceses 896 94.3Alemães 11.380 98.0Gregos 4.154 84.2Hebreus, Rússia 3.177 93.3Hebreus outros 1.158 92.8Irlandeses 7.596 96.0Italianos, Norte 5.343 85.0Italianos, Sul 7.821 69.3Lituanos 4.661 78.5Macedónios 479 69.4Magiares 5.331 90.9Noruegueses 420 99.7Polacos 24.223 80.1Portugueses 3.125 47.8Romenos 1.026 83.3Russos 3.311 74.6Ruténios 385 65.9Escoceses 1.711 99.6Sérvios 1.016 71.5Eslovacos 10.775 84.5Eslovenos 2.334 87.3Suecos 3.984 99.8Sírios 812 75.1Turcos 240 56.5

Fonte: Graff (1991, p. 367).

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Dos perto de 132.000 “trabalhadores estrangeiros” aqui recenseados, os quais se distribuem por 35 grupos linguísticos e/ou nacionais, podemos constatar, nesta altura já sem grande espanto que os portugueses, são os menos letrados, numa definição de alfabetização bastante lata, que se traduzia pela capacidade de ler em qualquer idioma (Graff, 1991, p. 367).

Como nos mostra Carlo Cipolla, a relação entre as capacidades alfabéticas destes grupos étnicos e as taxas de alfabetização dos seus respectivos países não era directa, o que parece sugerir fluxos de emigração diferenciados quanto à sua origem social, de país para país e segundo a época e a conjuntura específica que enquadrava cada surto de emigração. No entanto, esta tendência, a de uma emigração portuguesa muito pouco alfabetizada por comparação com os seus congéneres de outras partes da Europa, parece ter raízes fortes: nos números que este autor nos fornece, extraídos do rol de inquéritos das autoridades alfandegárias dos EUA, referentes aos anos de 1895, 1897 e 1898, as percentagens de portugueses com mais de dez anos que não sabem ler nem escrever são de longe as mais altas de entre todos os outros emigrantes, cifrando-se nos 62%, 57% e 61% para cada um dos respectivos anos (Cipolla, 1969, p. 98).

Como a próxima tabela nos mostra, as taxas de analfabetismo são acompanhadas de perto, embora não se sobreponham, pelas taxas de escolarização das crianças em idades escolar.

Yasemin Soysal e David Strang, num artigo publicado em 1989 em que procuram analisar alguns aspectos da construção dos Sistemas Educativos na Europa do século XIX, com especial incidência nas relações entre a imposição, por parte dos Estados, de leis de obrigatoriedade escolar e o efectivo cumprimento de tais leis, chegam a estes números:

Tabela 3: Data de introdução da escolaridade obrigatória e taxas de escolarização em 1870 para os seguintes países europeus e EUA.

Países Data de introdução da escolaridade

obrigatória

Taxa de escolarização

em 1870

Prússia 1763 67%

Dinamarca 1814 58%

Grécia 1834 20%

Espanha 1838 42%

Suécia 1842 71%

Portugal 1844 13%

Noruega 1848 61%

Áustria 1864 40%

Suíça 1874 74%

Itália 1877 29%

França 1882 75%

Irlanda 1892 38%

Holanda 1900 59%

Luxemburgo 1912 -----

Bélgica 1914 62%

EUA ------ 72%

Fonte: Soysal & Strang (1989, p. 278).

Estes resultados que se referem à percentagem de crianças com idades compreendidas entre os 9 e os 15 anos que frequentavam a escola, leva a que os autores coloquem os casos de Portugal, Grécia e Espanha numa tipologia de Estados que procederam a uma “construção retórica da escolaridade” (Soysal & Strang, 1989, p. 285), apesar de estes dados nos sugerirem que em Portugal a retórica era mais desenvolvida do que nos outros países colegas de infortúnio.

Na verdade, e como se vê pela tabela antes exposta, Grécia, Espanha e Portugal encontram-se entre os países europeus que mais cedo no século XIX decretaram leis que impunham a obrigatoriedade escolar, e simultaneamente e a par de casos como a Áustria, a Irlanda e a Itália, são dos países que em 1870

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36

têm taxas de cumprimento de escolaridade mais baixas.No entanto, fazendo-se aqui sentir cruelmente a ausência de um estudo comparativo sobre os conteúdos das leis de obrigatoriedade escolar destes países, parece inquestionável que Portugal se destaca negativamente, o problema acentuando-se até pelo menos meados da década de trinta do século XX, como nos sugere a leitura da tabela proposta por Aaron Benavot e por Phyllis Riddle:

Tabela 4: Evolução comparada das taxas de escolarização entre 1870 e 1930, para os países abaixo referidos.

1870 1890 1910 1930

EUA 72% 97% 97% 93%Áustria 40% 63% 70% 70%Dinamarca 58% 61% 66% 67%França 57% 83% 86% 80%Alemanha 67% 74% 73% 79%Irlanda 38% 50% 79% 87%Holanda 60% 64% 70% 74%Suíça 76% 76% 71% 70%Grécia 20% 31% 40% 53%Itália 30% 37% 45% 60%Portugal 13% 22% 19% 27%Espanha 42% 52% 35% 43%Bulgária ---- 19% 41% 47%Hungria 40% 52% 53% 67%Roménia 7% 15% 34% 59%

Fonte: Benavot & Riddle (1988, p. 205).

Tratando-se de uma enorme extensão de dados que caso a caso seriam susceptíveis de crítica e discussão, limitemo-nos a apontar a coerência da maioria das cifras que independentemente da sua origem viemos expondo. Na sua maioria elas tendem a mostrar que ao atraso no processo de alfabetização português face aos países da Europa e do Ocidente, corresponde um atraso na capacidade de construção da forma de socialização típica da Modernidade Ocidental, ou seja, a escola nacional, laica, gratuita e obrigatória para leques de idades estabelecidos nas leis que tão precocemente se inscreveram na legislação do país.

Mas de que tipo eram as leis que em Portugal começaram por tentar impor a frequência da escola por parte de todas as crianças de uma determinada faixa etária?

As leis de Costa Cabral de 1844 decretavam a obrigatoriedade de frequência da escola para todas as crianças que habitassem em povoações onde existissem escolas de Instrução Primária, ou que vivessem na proximidade “...de um quarto de légua em circunferência...”, (cit. por Carvalho, 1986, p. 578), ou seja, uma obrigatoriedade que além de se aplicar às crianças dos centros urbanos, se aplicaria apenas aquelas outras que vivessem a apenas 1,250 metros dessas escolas.

As penalidades para quem não cumprisse tal disposição, já de si limitada num país que em 1840, entre escolas para rapazes e para raparigas contava com apenas 991 (Ibidem), demonstravam os limites da lei que fixava a obrigatoriedade de frequência universal da escola primária. Assim, aqueles que vivessem dentro do raio geográfico que determinava a obrigatoriedade de frequentar uma escola e que a ela não enviassem os seus “...filhos, pupilos ou outros subordinados desde os 7 aos 15 anos...”, ficariam sujeitos “...primeiro a aviso, depois a intimação, depois a repreensão e por fim a multa...”. Além do mais, eram exemptos do cumprimento da lei todos aqueles que “...provassem que os meninos já possuíam os conhecimentos daquele grau de ensino, ou que poderiam obtê-los de outra forma sem recorrer ao ensino oficial, ou ainda que por sua excessiva pobreza não os pudessem enviar à escola...” (Ibidem).

Estas leis que dificilmente poderiam mudar o que quer que fosse, e a que, durante todo o século XIX e primeira metade do século XX, se foram sucedendo remendos que não mudaram o seu essencial (Teodoro, 2001, p. 110), parecem mostrar que as elites portuguesas se dividiam entre o desinteresse a respeito da implementação de uma escola verdadeiramente nacional e o realismo perante as condições gerais do país.

Como sabemos por uma larga tradição literária, o século XIX foi tremendamente cruel para Portugal, uma sociedade que é descrita pelo sociólogo David Justino como sendo “...para além de depauperada, uma nação pobre em que a esmagadora maioria da população dispõe de um fraco poder de compra...” (Justino, 1988, p. 141), e sem dúvida que esta pobreza ajuda a compreender as numerosas excepções consagradas nestas leis assim como a brandura das punições propostas aos que não as cumpriam, num contexto social e económico incompatível com uma escolaridade infantil generalizada.

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0537

Mas será a pobreza suficiente para explicar a situação de ultra periferia portuguesa em termos literácitos, face à generalidade das sociedades ocidentais?

Na verdade, se a pobreza portuguesa parece explicar alguma coisa, necessário se torna dizer que a pobreza crescente face aos países mais desenvolvidos da Europa não seria característica única de Portugal, sendo antes uma característica do próprio “arranque” industrial, que no decurso do século XIX salientou e acelerou as diferenças entre um “centro” que se destacou e uma periferia que se afastou. Tal “pobreza” ajudar-nos-ia a explicar, quando muito, as diferenças entre as taxas educativas portuguesas e as relativas aos países e regiões que constituem esse “centro”, restando por explicar as discrepâncias referentes a países que, à semelhança de Portugal, viram a sua pobreza acentuar-se face aos grandes motores do desenvolvimento industrial do século XIX.

Mas mais do que desenvolver esta interessante questão já antes trabalhada, interessa-nos percebermos como se deu a transição para os nossos tempos.

2. A lenta construção de uma sociedade baseada num modo de cultura escrita: o caso português durante o século XX e começos do século XXI

Tal como no ponto anterior, recorreremos a uma série de tabelas como auxílio do texto.O primeiro de tais tabelas refere-se à evolução das percentagens da população alfabetizada durante o século XX que nos é fornecida pelos Censos Populacionais que tiveram lugar no mesmo século.

Censos 1900 1911 1920 1930 1940 1950 1960 1970 1981 1991

Percentagem de alfabetizados na população de idade igual ou superior a dez anos

27% 31% 35% 40% 48% 58% 67% 74% 79% 89%

Idades 10-14 anos 24% 32% 36% 42% 60% 76% 97% 99% \ 99%

Idades 15-19 anos 29% 35% 40% 44% 57% 68% 91% 97% 98% 99%

Idades 20-24 anos 30% 35% 40% 44% 56% 68% 80% 96% 98% 99%

Idades 30-34 anos 30% 34% 37% 45% 48% \ 70% 80% 97% 99%

Idades 40-44 anos 27% 30% 34% 39% 46% \ 61% 70% 81% 98%

Idades 50-54 anos 22% 26% 30% 34% 39% \ 48% 59% 70% 85%

Idades 60-64 anos 19% 22% 25% 29% 33% \ 44% 47% 58% 74%

Fonte: Censos Populacionais portugueses realizados entre 1900 e 1991, apresentados em Candeias et al. (2004a).

Tabela 5: Percentagem de alfabetização das pessoas residentes ou com domicílio em Portugal com idades iguais ou superiores a 10 anos e por classes de idades entre os 10 e os 64 anos, segundo os Censos Populacionais efectuados no século XX.

Esta tabela, que utiliza a noção de alfabetização de uma forma evolutiva, seguindo os próprios critérios utilizados nos Censos Populacionais e discutidos em outros textos (Candeias et al., 2004a;

Candeias, 2004b, 2005a, 2005b, 2008, 2010 no prelo), podendo ser lido de várias maneiras, ilustra bem a forma como se deu a evolução de uma sociedade baseada na escrita, no século XX português.

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38

Na verdade, adoptando o que chamamos de uma “leitura horizontal” ou seja, uma leitura que compare as percentagens do total de alfabetizados com dez ou mais anos de idade em cada Censo, podemos perceber que de 1900 a 1930, nos últimos trinta anos do liberalismo português, a percentagem de alfabetização da população portuguesa com mais de dez anos de idade, sobe treze por cento, de 27% para 40%; de 1930 a 1960, esta percentagem sobe vinte e sete por cento, de 40% para 67%, e de 1960 a 1991, ela passa de 67% para 89% subindo vinte e dois por cento.

Poderemos assim dizer que, durante os primeiros trinta anos do século, tal como acontece com a economia ou com a construção do Sistema de Assistência Social (Candeias, no prelo), se está em plena estagnação, o que se nota nas fracas margens de progressão da alfabetização da população portuguesa, e que, pelo contrário, a dinamização da economia portuguesa dos anos quarenta, mas sobretudo a partir dos anos cinquenta, se nota também nas margens de progressão da alfabetização, que sobe, ainda que não de forma espectacular.

Na verdade, diríamos que estes números mostram que, durante o século XX, em Portugal, apesar das nítidas melhorias registadas a este respeito na sua segunda metade, não houve de forma continuada e sustentada, uma política eficaz que tivesse como objectivo a erradicação do analfabetismo, independentemente das campanhas de combate ao “flagelo” que quer a primeira República, quer o Estado Novo lançaram.

No entanto, uma análise horizontal fixada na classe de idade dos

10-14 anos, a classe mais sensível às políticas de implementação da escolaridade obrigatória, mostra que, pelo contrário, a partir dos anos quarenta, coincidindo com um contexto económico externo, mas também interno de grande crescimento de riqueza (Amaral, 2002; Lains, 2005, entre muitos outros) se verificou um esforço por parte do Estado português em escolarizar todas as crianças em idade escolar. Na verdade, entre 1900 e 1930, a percentagem de crianças com idades compreendidas entre os dez e os catorze anos que são dadas como sabendo ler, varia dezoito por cento, de 24% para 42%, mas dá um salto brusco para os 60% no Censo de 1940, ou seja, a mesma variação que se deu na trintena anterior, mas agora no espaço de apenas dez anos; vinte anos depois, em 1960, praticamente todas as crianças desta faixa etária estão alfabetizadas, o que neste caso significa que estão escolarizadas, ou seja, estão nas “escolas formais”, onde, na opinião de Ben Eklof se adquirem “… as atitudes e as mudanças cognitivas associadas ao «tornar-se moderno» …” (Eklof, 1990, p. 474).

Tratava-se, no entanto, de uma escolarização curta, como nos mostra a tabela seguinte. No entanto, a partir daqui, ou seja da década de sessenta do século XX até aos nossos dias, esta escolarização massifica-se de forma rápida, dinâmica e desordenada mas causando uma impressão de “convergência” com os “mais evoluídos” que, de facto, os dados actuais põem em dúvida.

Mas primeiro atentemos nas formas como se deu a escolarização das décadas de cinquenta e sessenta em Portugal.

Ou seja, se em 1960, 94% das crianças com nove anos de idade

Total de recenseados aos 9 anos de idade e aos 13 anos de idade

Não sabem ler Sabem ler sem frequência de grau de ensino

ou sem diploma

Frequentam grau de ensino

Possuem grau de ensino

Total de crianças recenseadas com 9 anos de idade em 1960 -168.536

4.136 (2,5%) 1.594 (1%) 157.854 (94%) 4.952 (3%)

Total de crianças recenseadas com 13 anos de idade em 1960 -161.733

6.640 (4,1%) 17.886 (18%) 43.432 (27%) 82.106 (51%)

Fonte: Cálculos a partir de: Recenseamento Geral da população às 0 horas de 15 de Dezembro de 1960, in Candeias (2010, no prelo).

Tabela 6: Estimativas sobre a precariedade de ensino em 1960: crianças que estudam aos 9 e aos 13 anos.

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<1º Grau 1º Grau (primária) de 4 a 7 anos

de escolaridade

2º Grau (secundário)

de 8 a 15 anos de escolaridade

3º Grau (terciário) 16 ou mais anos de escolaridade

Espanha 28,5 % 67% 3,9% 0,8%Portugal 45,1% 50,4% 3,5% 1,1%Grécia 52,7% 36,8% 7,9% 2,5%Bulgária 28,1% 61% 8,5% 2,4%Jugoslávia 32,9% 56,4% 9,3% 1,5%Roménia 7,1% 85,7% 4,7% 2,5%Polónia 8,6% 71,7% 16,5% 3,2%Chile 41,7% 45,1% 11,5% 1,6%México 74,4% 22,7% 2,0% 0,8%Coreia 58,4% 33,2% 7,1% 1,2%França 2,3% 67,7% 28,0% 2,0%Ingl. e País de Gales - 70,4% 27,6% 2,0%Holanda - 87,6% 11,0% 1,3%Finlândia - 90% 6,0% 4,1%Noruega - 83,9% 14,2% 1,9%USA 8,3% 50,6% 33,4% 7,7%Japão 3,0% 65,5% 25,5% 6,3%

Fonte: Unesco, Annuaire Statistique 1965, cit. por Le Than Khoi (1970, p. 59-61)

Tabela 7: Distribuição das habilitações escolares no ano de 1960 para as populações com idades superiores a 25 anos para os seguintes países.

Podemos dividir as sociedades aqui retratadas em mais ou menos dois grupos, os quais e de forma simplista, poderemos retratar como o dos “mais atrasados” e o dos “mais desenvolvidos”, que como veremos adiante, não são totalmente homogéneos entre si. De caminho, mais uma vez se note como a palavra “desenvolvimento” nunca se refere apenas a um item mas a um “agregado” de que a educação também faz parte.

Debruçando-nos sobre o primeiro grupo ele será composto pelos países do sudoeste Europeu, como Portugal e Espanha, do sudeste europeu como os países balcânicos, mas sobretudo a Grécia e a antiga Jugoslávia, a que se juntam, noutros continentes, a Coreia do Sul e o México, e de forma menos marcante, o Chile, ou seja, sociedades em que ainda se encontra uma enorme percentagem de gentes que não têm qualquer grau

frequentam a escola, o que, se juntarmos os cerca de 3% que já concluíram um grau de ensino, poderemos interpretar como a chegada definitiva à escolarização universal prevista desde 1844, tudo muda para as crianças de treze anos de idade, das quais, neste mesmo ano, apesar de cerca de 50% já terem um diploma escolar, só 27% continuariam a estudar o que faria com que mais de 70% das crianças desta idade, neste ano de 1960, estivesse fora do sistema de ensino, provavelmente a trabalhar.

Mas o que significaria isto no contexto senão do mundo, pelo menos do Ocidente, noção vaga mas íntima que se traduz

pelas sociedades cuja matriz cultural original é europeia? Os dados fornecidos pela UNESCO em 1965, e reproduzidos por Lê Than Khoi em 1970, fornecem uma ideia interessante da distribuição comparada de habilitações das populações com idades superiores a 25 anos de numerosos países, entre os quais Portugal. De entre o enorme rol de países que o Anuário da UNESCO retratava, escolhemos alguns que, quer pela sua pertinência comparativa com Portugal, quer pelo facto de os podermos vir a encontrar cerca de meio século mais tarde nas estatísticas da OCDE, nos pareceram fazer sentido. De tais dados, pudemos construir a tabela seguinte:

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escolar, o que podendo não significar analfabetismo puro, de lá se aproximava e em que o nível educativo mais disseminado seria, de forma esmagadora, o 1º Grau, o que nestes dados significa uma escolaridade entre os quatro e os sete anos. No entanto, deste grupo de países mais atrasados, a maioria deles têm um arremedo de “elite educada” em número igual ou superior a 10% da sua população, uma percentagem já significativa do seu povo, com pelo menos oito ou mais anos de estudos, enquanto que Portugal, Espanha e México não chegam a metade de tal cifra e a Coreia ronda os 8 %.

Se tivéssemos de apontar o país que se encontra em pior situação do ponto de vista de habilitações, não hesitaríamos em indicar o México. Mas de seguida, teríamos de designar Portugal. Tem menos pessoas sem qualquer grau que a Grécia e a Coreia, mas também tem, e de forma significativa, menos pessoas a frequentar os segundos e terceiros ciclos que estes países. É com Espanha que Portugal mais se parece, mas a Espanha tem uma muito maior proporção da sua população com o primeiro ciclo, apesar de ambos os países terem um

número praticamente igual, em percentagem, de graduados com o segundo e o terceiro ciclo.

O outro grupo de países, os “mais desenvolvidos”, embora, e à semelhança do primeiro grupo, apresente algumas diferenças fortes entre os seus componentes, é caracterizado por ter percentagens nulas ou residuais de populações sem certificação escolar, com a maioria da sua população, e nalguns casos trata-se de uma maioria esmagadora, com habilitações ao nível do 1º Ciclo. Além do mais, para estes países, a soma da percentagem de pessoas habilitadas com os segundo e terceiro ciclo, excepção feita à Finlândia, ultrapassa largamente os 10%, desde os cerca de 30% da França e Inglaterra, até aos mais de 40% dos EUA.

Estes dois grupos aparecem de forma também ela muito clara na “revolução” que, do ponto de vista do investimento público no Ensino, se começa a dar no pós-Segunda Guerra Mundial e de forma evidente na passagem da década de cinquenta para a década de sessenta do século XX, como se pode deduzir do gráfico seguinte:

Figura 1: Despesa pública com o ensino, em percentagem do rendimento nacional, entre 1950 e 1962.

Fonte: Unesco, Annuaire Statistique (1965 cit. por Le Than Khoi, 1970, p. 59-61).

Dinamarca

Espanha

Finlândia

Irlanda

Noruega

Portugal

Suécia

Canadá

Grécia

Itália

Jugoslávia

França

Bélgica

Turquia

México

1948

3

4

1

6

7

5

2

0

8

19581954 195619521950 19621960 1964

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0541

De novo, e como dizíamos antes, encontram-se aqui dois grupos de países: os que em 1950, partem já de um investimento a rondar os 3% dos seus rendimentos nacionais, e que dez anos depois se encontram a investir entre 4 e 8 %, com a Suécia, a Bélgica, a Noruega, a Finlândia a chegarem-se de forma decidida e sustentada, perto dos 7 % do seu rendimento e o Canadá a bordejar os 8%; e os outros, que começando com investimentos a rondarem o 1% do rendimento nacional em 1950, raramente, e por pouco, em 1960 ultrapassam os 2% do mesmo rendimento.

Portugal, Espanha, México, Grécia, e Jugoslávia são exemplos deste segundo grupo que, começando de muito baixo, em torno, ou no caso do México, ligeiramente abaixo dos 1% do seu rendimento, sobem durante estes dez anos até perto dos 2%, com Portugal a ultrapassar ligeiramente esta cifra, a Espanha a nem lá chegar, o México e a Jugoslávia a ultrapassarem-no com alguma folga, mas nos casos de Portugal, Grécia e a Espanha,

este investimento em educação parece, inclusive, começar a baixar no começo dos anos sessenta.

Em geral, poder-se-ia dizer que não há aqui milagres: estes dois mundos da educação, reflectem e ampliam as diferenças sociais e económicas já existentes entre eles, e, se visto desta forma Portugal é apenas mais um destes países do Sul, sabemos, contudo, pela extensão dos seu atraso educativo específico, que este país não é apenas mais um destes países, mas sim o país do Sul da Europa menos escolarizado e, portanto, o país da Europa menos escolarizado do século XX.

Prestemos, pois, atenção ao investimento em educação por parte do Estado português durante o século XX, em percentagem do PIB, que, não devemos confundir com a medida económica antes utilizada, a de “Rendimento Nacional”, pesem embora algumas semelhanças (Bernard & Colli, 1998, p. 146, 178).

Figura 2: Evolução % do PIB (Gross Domestic Product) gasto em Educação, entre 1913 e 2005 em Portugal; entre 1997 e 2005 na União Europeia (25).

Fonte: Valério, 2001, cit. por Nunes (2003, p. 579-580), até 1993, Eurostat (Eurostat Home Page, 11/12/2008), a partir de 1995.

Gast. Ed. Portugal

Gast. Ed. U.E.

••

1

4

6

0

2

3

5

1900 1920 1940 1960 1980 2000 2020

••••

•• ••••

•••

••••

••

••••

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42

Muito poderia ser dito sobre este gráfico, mas resumamos: só a partir da década de trinta do século XX, a percentagem do PIB aplicado na educação se aproxima dos 1%, na verdade, é de 0,9%, aí se mantendo até às vésperas da segunda Guerra Mundial, descendo abruptamente no decorrer desta e recomeçando a subir depois do seu término, passando assim o patamar do 1% do investimento já na década de cinquenta, atingindo o seu valor máximo nesta década em 1959 (1,32%), descendo, durante toda a década de sessenta para uma importância à volta dos valores dos princípios da década de cinquenta (exemplo: em 1968 o gasto em educação em percentagem do PIB, é aproximadamente o mesmo que em 1953), começando a subir decididamente na década de setenta, durante o Marcelismo, quando em 1972 atinge a percentagem de 1,82% do PIB, disparando após a “revolução dos cravos” até perto dos 4%, retraindo-se de novo na década de oitenta mas mantendo-se num patamar superior aos 3%, e subindo na década de noventa para os valores médios que muitas das sociedades mais avançadas tinham atingido na transição da década de cinquenta para sessenta, ou seja, valores que se situam entre os 5% e os 6% do PIB português, valores ligeiramente superiores aos valores médios da União Europeia “a 25” (Candeias, 2008, p. 243; Teodoro, 2001, p. 128).

Tudo indica que se trata de um problema de políticas, ou, se quisermos, de política: em primeiro lugar, quer a 1ª República quer o Estado Novo vêm a educação, do ponto de vista orçamental, como um pequeno detalhe, e a Guerra, quer a Primeira, quer a Segunda Guerra Mundial quer finalmente a Guerra Colonial, baixam a dotação para a educação, como aliás para a assistência social (Candeias, 2007, no prelo); de seguida, parece claro que o esforço dos anos cinquenta de escolarização dos jovens não tem continuidade orçamental nos anos sessenta e, sem que seja possível uma avaliação completa dos danos entretanto causados, percebe-se que esta política morre duas vezes, primeiro com o desaparecimento de Salazar, quando Marcello Caetano se lança num esforço de dotar o país de um rudimento de “Estado Providência” antes que seja tarde, o que sabemos, foi uma corrida perdida, e finalmente com o fim da Guerra Colonial e com a integração europeia.

De caminho note-se a euforia da Revolução de Abril que faz saltar o investimento em educação num período de recessão económica mundial, e de seguida atente-se nas dolorosas

correcções a tal euforia, durante o processo de “ajustamento” da economia portuguesa da primeira metade da década de oitenta.

Finalmente, com a chegada dos Fundos de Coesão advindos da adesão à União Europeia a partir de 1986 e do investimento feito pela maioria dos governos portugueses desde a década de noventa aos nossos dias, percebe-se que a sociedade portuguesa, consciente do atraso em que se encontra, tenta aproximar-se do “Centro” a que está politica e economicamente “amarrada”, numa corrida para a “convergência”, investindo mais em educação que a média europeia.

Pode esta política de investimento do regime durante a década de sessenta, que parecia ter de escolher entre a manutenção do Império e o desenvolvimento educativo numa altura em que as taxas de crescimento económico do país eram das mais altas da Europa (Lains, 2005, p. 121), ser responsável pela fraqueza com que a escolarização dos portugueses se continua a dar nos finais do século XX e princípios do século XXI?

A resposta a esta pergunta é-nos dada pela investigação sobre o desenvolvimento educativo comparativo entre Portugal e os países mais “desenvolvidos” nos últimos quarenta anos.

Na verdade, o que aparece como um dado chocante, resultado de tal processo de pesquisa, é que em pleno século XXI, o atraso português em termos educativos, se comparado com os seus parceiros da OCDE (OECD, 2007a), da União Europeia, ou mesmo apenas das sociedades que em princípios dos anos sessenta ainda se pareciam com Portugal, continua a ter as mesmas características que apresentou em todo o século XX, tendo-se por vezes a percepção de que aumentou. Tudo isto se dá malgrado o facto de o investimento em educação ter passado, para um pouco mais de 5% do PIB (Eurostat Strutuctural indicators, 2010-02-15), durante a década de noventa do século XX, com continuidade até aos nossos dias, o que representa um esforço continuado durante 15 anos de uma despesa em educação a nível de países desenvolvidos, mas com resultados de países em vias de desenvolvimento, como a tabela seguinte mostra.

A tabela que de seguida expomos tem de ser visto de forma cautelosa, uma vez que, quer as populações que servem de

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base às percentagens, quer as definições dadas para os Graus académicos pelo anuário estatístico da UNESCO, em 1965, para os dados referentes a 1960 e 1961, (Le Than Khoi, 1970, 61) e para os dados da OCDE referentes ao ano de 2005 (OECD, 2007a), são ligeiramente diferentes entre si, mas como são constantes em cada população, permitem-nos uma comparação aproximativa do grau de progresso feito por estas sociedades entre 1960 e 2005.

Utilizámos como medida um Rácio de Progressão, constituído pela soma entre o decréscimo das baixas habilitações com o crescimento das habilitações consideradas altas. O decréscimo das “baixas habilitações” entre 1960 e 2005 obtém-se dividindo a percentagem de pessoas que em 1960 tinha habilitações até ao máximo de sete anos de escolaridade, pela percentagem de pessoas que em 2005 tinham habilitações iguais ou inferiores a nove anos de escolaridade; quanto ao “crescimento das habilitações consideradas altas”, obtêm-se dividindo o número de pessoas que em 2005 tinham habilitações iguais ou superiores a dez anos de escolaridade (ISCED 3C Short, in

1960, população a partir dos 25 anos

----------2005, população com idades entre os 25 e os 64 anos

% da população com frequência até ao máximo de 7 anos de escolaridade (sem grau + grau 1)----------% da população com frequência até ao máximo de 9 anos de escolaridade (ISCED 0+1+2)

% da população com 8 ou mais anos de escolaridade em 1960; (graus 2 + 3)----------% da população com 10 ou mais anos de escolaridade em 2005 (ISCED 3+4+5)

Rácio final de progressão das habilitações para cada país, entre 1960 e 2005

Portugal 1960 95,5%, dos quais 45,1% sem grau 4,6%Portugal 2005 74% 27%Rácio de progressão 1.3 5.9 7,2Espanha 1960 95,5%, dos quais 28,5% sem grau 4,7%Espanha 2005 51% 48%Rácio de progressão 1.9 10.2 12,1Grécia 1960 89,5% dos quais 52,7% sem grau 10,4%Grécia 2005 40% 60%Rácio de progressão 2.2 5.9 8,1Chile 1960 86,8% dos quais 41,7% sem grau 13,1%Chile 2005 50% 50%Rácio de progressão 1.8 3.8 5,6

Tabela 8: Rácios de Progressão das habilitações das populações dos seguintes países, entre 1960 para a população a partir dos 25 anos, e 2005 para a população com idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos

OECD, 2007b), pelo número de pessoas que em 1960 tinham habilitações superiores a oito anos de escolaridade. Trata-se de um rácio simples e pouco sofisticado mas que nos permite um esboço aproximado da forma como aumentaram as altas habilitações e baixaram as baixas qualificações nestes 45 anos, em cada um dos países tidos em conta, permitindo-nos comparar o seu sucesso na promoção da qualificação da mão de obra neste período de tempo.

Quanto aos países escolhidos nesta comparação, são, em primeiro lugar, países que se encontram em ambas as tabelas, a da UNESCO, reproduzida por Khói em 1970, e da OCDE em 2007, que temos vindo a utilizar com alguma frequência; dentro deste grupo de países, escolhemos três grupos, o primeiro sendo constituído por países que se encontravam em situação parecida no seu atraso educativo em 1960, casos de Portugal, Espanha, México, Grécia e Coreia do Sul, o segundo por países considerados mais desenvolvidos, casos da Holanda e da Finlândia, e finalmente, o terceiro, constituído por países considerados “intermédios”, casos do Chile e da Polónia.

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1960, população a partir dos 25 anos

----------2005, população com idades entre os 25 e os 64 anos

% da população com frequência até ao máximo de 7 anos de escolaridade (sem grau + grau 1)----------% da população com frequência até ao máximo de 9 anos de escolaridade (ISCED 0+1+2)

% da população com 8 ou mais anos de escolaridade em 1960; (graus 2 + 3)----------% da população com 10 ou mais anos de escolaridade em 2005 (ISCED 3+4+5)

Rácio final de progressão das habilitações para cada país, entre 1960 e 2005

México 1960 98,8% dos quais 74,4% sem grau 2,8%México 2005 79% 21%Rácio de progressão 1.3 7.5 8,8Polónia 1960 80,3% dos quais 8,6 % sem grau 19,7%Polónia 2005 15% 86%Rácio de progressão 5.3 4.3 9,6Coreia do Sul 1960 91,8%, dos quais 58,4% sem grau 8,3%Coreia do Sul 2005 25% 76%Rácio de progressão 3.7 9 12,7Finlândia 1960 90% todos com grau 10,1%Finlândia 2005 21% 75%Rácio de progressão 4.3 7.4 11,7Holanda 1960 87,6%, todos com grau 12,3%Holanda 2005 29% 72%Rácio de progressão 3.0 5.9 8,9

Tabela 8: Rácios de Progressão das habilitações das populações dos seguintes países, entre 1960 para a população a partir dos 25 anos, e 2005 para a população com idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos (CONT.).

O resultado para os portugueses, nestes 45 anos que decorrem entre 1960 e 2005, a maioria dos quais em democracia, não pode deixar de ser considerado pelo menos decepcionante: dos países mencionados, Portugal é o que obtém menos sucesso na diminuição da percentagem de população com baixa escolaridade e a evolução das altas qualificações fica muitíssimo longe dos que mais progrediram, ou seja, países como a Coreia do Sul, a Espanha, o México, a Finlândia ou mesmo a Holanda, os quais, à excepção do México e de Espanha, tinham uma muito maior taxa de graduados com os segundos e terceiros ciclos em 1960 do que Portugal, e portanto teriam também um potencial de crescimento neste domínio bem menor que o do nosso país.

Ou seja, nas palavras de Manuel Villaverde Cabral, “…Portugal continua a perseguir um alvo em movimento que continua a fugir-nos…” (Cabral, 2008, p. 29), o que mostra que a percepção que temos sobre o desenvolvimento educativo do país no último meio século, nos impediu de olhar para a “revolução Educativa” do pós-guerra que não foi exclusivamente portuguesa, mas sim

mundial. De novo se mostra como é necessário um trabalho científico sistemático no domínio da Educação Comparada sem o que construiremos imagens e representações falsas sobre a nossa sociedade.

Mas de novo se mostra também como o estrondoso falhanço da sociedade portuguesa em criar “Capital Humano” não é característica de nenhum regime político em particular, e sobretudo, não é responsabilidade da Ditadura do Estado Novo. Na verdade, o que dizer se trinta anos de Democracia e de progresso económico, ainda que mais moderado nos últimos tempos, foram incapazes de mudar a face da qualificação literácita dos portugueses?

Atente-se na próxima tabela que apresentamos e que fornece a qualificação da população adulta portuguesa, ou seja, a população com idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos, ou seja ainda, a população activa portuguesa, comparada com os seus colegas da OCDE.

Fontes: Unesco, Annuaire Statistique 1965, cit. por Le Than Khoi (1970, p. 59-61) OECD, www.oecd.org/edu/eag2007.

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Habilitações/país Até ao 2º Ciclo do Ensino Básico: 6 Anos de

escolaridade (Graus 0 e 1 do ISCED 1997)

3º Ciclo do Ensino Básico: 9 Anos

de escolaridade (Grau 2 do ISCED 1997)

Secundário: 10 a 13 anos de escolaridade

(Grau 3 do ISCED 1997)

Superior: profissional, licenciatura,Investigação

(Grau 5 do ISCED 1997)

Portugal 59% 15% 13% 13%Brasil* 2004 57% 14% 22% 8%México 50% 29% 6% 15%Turquia 63% 10% 17% 10%Chile* 2004 24% 26% 37% 13%Espanha 24% 27% 20% 28%Grécia 29% 11% 32% 21%Itália 17% 32% 37% 13%Hungria 2% 22% 58% 17%Coreia do Sul 12% 13% 44% 32%Finlândia 11% 10% 44% 35%Noruega 0% 22% 41% 32%Suécia 7% 10% 48% 30%Dinamarca 1% 16% 50% 34%

Fonte: www.oecd.org/edu/eag2007.

Tabela 9: Habilitações da população adulta (25-64 anos) para uma série de países da OCDE e associados, no ano de 2005, por maior grau de habilitação atingido.

Nesta tabela, vemos três grupos de países: os mais atrasados, em que cerca de três quartos da sua mão-de-obra tem como habilitação máxima os nove anos de escolarização, casos de Portugal, México, Brasil e Turquia; os intermédios, nos quais cerca de cinquenta por cento da sua mão de obra se encontra até aos nove anos de escolaridade e a outra metade se encontra acima, casos do Chile, Espanha, Grécia e Itália, e de seguida os mais desenvolvidos em que apenas cerca de vinte e cinco por cento da sua mão de obra tem habilitações até aos nove anos de escolarização, o resto encontrando-se acima. Com excepção da Hungria, este último grupo de países tem cerca de trinta por cento da sua mão-de-obra com habilitações universitárias.

Como vemos por estes dados, as habilitações portuguesas a nível dos seus parceiros da OCDE, só são comparáveis com países que se situam fora da Europa, como Brasil, México e Turquia, a antiga “pertença balcânica” com que começámos este texto estando ultrapassada, por progresso dos nossos antigos companheiros de infortúnio, que diga-se, em meados dos anos sessenta pareciam estar já a descolar-se de Portugal. O país que então, nesta década de sessenta, era mais parecido com Portugal,

a Espanha, evoluiu fortemente e por estranho que pareça tendo em conta a semelhança das suas histórias, o dinamismo espanhol em termos de “credenciação” da sua população a partir desta altura não pode ser comparado com o que se passa na sociedade portuguesa, que, apesar da acelerar na construção de Capital Humano no pós-guerra, perde terreno para a maioria das sociedades Europeias, quer nos refiramos às que se encontravam mais perto de nós, ou seja, os Balcãs e o Sul da Europa, quer às que eram estruturalmente mais desenvolvidas, que aceleram também a formação da sua população.

Este desolador panorama em que mais de metade da população portuguesa activa tem, no ano de 2005, como habilitação máxima os seis anos de escolaridade, só ultrapassado, no contexto da OCDE, pela Turquia, mostra de novo como o futuro poderá ser difícil para a sociedade portuguesa.

Na verdade, como parece claro, o grau de produtividade económica de um país está relacionada com uma série de factores, um dos quais sendo, claramente, a relação entre a formação da sua mão-de-obra e o preço do trabalho. Se

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verificarmos que a formação da mão de obra portuguesa é similar à mão de obra turca, mexicana e brasileira, mas que o seu preço em salários e em encargos sociais é muitíssimo mais alta que a destes países, percebe-se bem que há um erro nesta equação, e que tal erro só pode ser corrigido de duas maneiras: ou uma diminuição brusca dos salários e encargos sociais relativos à mão de obra, ou um rapidíssimo aumento na sua formação e competência, ou, muito provavelmente, ambas estas coisas de forma simultânea, uma vez que os resultados em termos económicos destas mudanças são lentos a estabelecerem-se. Lembremo-nos também que, se este raciocínio é economicamente racional, em termos sociais ele significa sofrimento e empobrecimento de vastas camadas da população portuguesa. Assim, esquecendo-nos da primeira parte da correcção, ou seja, “uma diminuição brusca dos salários e encargos sociais relativos à mão de obra”, o que temos feito em relação à segunda questão, ou seja, em relação

ao “rapidíssimo aumento na sua formação e competência”? Não muito, como veremos.

Na verdade, se a população activa do país tem uma formação tão baixa como a que mostrámos nas tabelas anteriores e tal formação só muda muito lentamente através, por um lado, da adição de jovens com melhores habilitações ao “bolo” da população activa composta pelo número de pessoas com idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos e, por outro, da passagem à reforma dos mais idosos e que menos preparação académica média têm, existe um enorme núcleo de tal população, a que não se encontra em nenhuma das extremidades etárias do “bolo” cuja qualificação só pode ser levada a cabo através da formação contínua, ao longo da vida, que o bom senso indica ser uma tarefa prioritária das estratégias de desenvolvimento de um país como Portugal. No entanto, os últimos dados disponíveis sobre a questão são, pelo menos, pouco encorajadores.

1995 1997 1999 2001 2003 2005

EU (25) 7.8 9.2 11.0EU (15) 5.7 8.2 8.3 9.9 12.1Grécia 0.9 0.9 1.3 1.4 2.7 1.8Espanha 4.3 4.4 5.0 4.8 5.8 12.1Hungria 2.9 2.9 3.0 6.0 4.2Polónia 4.8 5.0 5.0Portugal 3.3 3.5 3.4 3.4 3.7 4.6Turquia 1.0 1.2 2.0França 2.9 2.9 2.6 2.7 7.4 7.6Alemanha 5.4 5.5 5.2 6.0 8.2Bélgica 2.8 3.0 6.9 7.3 8.5 10.0Reino Unido 19.2 21.7 21.2 29.1Dinamarca 16.8 18.9 19.8 17.8 25.7 27.6Finlândia 15.8 19.6 19.3 25.3 24.8Suécia 25.0 25.8 17.5 34.8 34.7Noruega 16.4 14.2 19.4 19.4

Fonte: Eurostat (2006).

Tabela 10: Aprendizagem ao longo da vida: percentagem da população adulta com idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos que participam em acções de formação, nos seguintes países da União Europeia, entre 1995 e 2005.

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Os dados disponibilizados pelo Eurostat, que parcialmente reproduzimos, mostram que, a este respeito, existem, sobretudo se nos ativermos aos últimos resultados do século XXI, três tendências no que a este assunto concerne: um grupo de países com prestações francamente pobres em termos de formação contínua, casos da Grécia e da Turquia, mas a que se poderiam juntar países como a Bulgária, a Roménia e a Croácia; um grupo de países médios, casos da Alemanha, de França, de certa forma, a Espanha, a que se poderia juntar a República Checa e a Irlanda, entre outros; e um grupo de países com um enorme avanço em relação aos demais, ou seja, os Escandinavos e o Reino Unido, mas a que poderíamos também juntar a Suíça, a Holanda e a Áustria, entre outros. Estando estas taxas de formação relacionadas também com a desregulamentação dos mercados de trabalho de alguns destes últimos países, o que obriga uma população com vínculos laborais precários a ter de se actualizar como condição para receber subsídios de desemprego ou de conseguir novas colocações, o que é um facto é que, neste caso, Portugal se situa num lugar que poderíamos classificar de medíocre, com taxas de “formação durante a vida” francamente abaixo das taxas médias da União Europeia, superior ao primeiro grupo, o dos mais fracos, mas inferior ao segundo grupo, o dos “medianos”.

Por outro lado, e como se compreende tendo em conta as características da população adulta, os indicadores relativos à qualidade das aprendizagens dos alunos portugueses dos ensinos básico e secundário, nomeadamente em Matemática e em Leitura, são extremamente baixos quando comparadas com a qualidade das mesmas aprendizagens levadas a cabo por alunos da maioria dos países da OCDE.

Na verdade, esta organização, através do programa PISA (Programme for International Student Assessment), tem procedido nos últimos anos à avaliações das aprendizagens realizadas pelos alunos dos países que dela fazem parte em matérias-chave como a Matemática, a Língua Materna e as Ciências e é sem surpresa que constatamos que as classificações dos alunos portugueses nestes testes têm sido consistentemente baixos: 31º lugar entre 40 países, no que à Matemática diz respeito, e 28º lugar entre os mesmos 40 países, no que concerne à Leitura (OECD, 2004, p. 57, 277). Como se percebe por este tipo de dados publicados em 2004 sobre um programa que decorreu em 2003, que confirmam

os dados publicados em 2001 relativos ao PISA 2000 (GAVE, 2001) e que não conhecem grandes mudanças nos resultados aos testes PISA que tiveram lugar em 2006 (Candeias, 2010, no prelo), não se trata apenas de um problema quantitativo, ou por outras palavras, de possibilidades de acesso por parte dos portugueses à educação, mas, neste caso trata-se sobretudo, e também, de um problema de qualidade de ensino.

3. Concluindo: “Estabilidade” e “Novas Oportuni- dades” como chaves do futuro

Não há neste arrazoado de lamúrias nenhum motivo para optimismos? Descortinamos, apesar de tudo, duas pequenas luzes nesta enorme escuridão. Por um lado, a capacitação académica dos jovens adultos portugueses, ou seja, nas idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos, parece estar a ser muito rápida, bastante mais rápida do que a dos seus colegas de infortúnio, por exemplo, do México, ou da Turquia, e, também porque parte de cifras muito baixas, parece, neste século XXI, convergir com as habilitações dos jovens adultos dos países mais desenvolvidos, embora as tabelas que apresentámos mostrem a distância que falta percorrer. Assim, em 2001, eram 32% os jovens portugueses com idades compreendidas entre os 25 e os 34 anos que tinham como habilitação mínima os estudos secundários completos, para 30% dos jovens turcos e para 25% dos jovens mexicanos (www.oecd.org/els/education/eag2002); em 2004, ou seja, três anos depois, tais cifras eram já de 40% para os portugueses, 33% para os turcos e 25%, na mesma, para os mexicanos (www.oecd.org/edu/eag2006), e o crescimento de novos habilitados com pelo menos o ensino secundário que se dá em Portugal entre 2001 e 2004, é de longe o mais alto crescimento de habilitados que se dá em todos os países registados em ambos os estudos da OCDE; por outro lado, e sobretudo por este lado, o programa que, com a designação de “Iniciativa Novas Oportunidades” (Ministério do Trabalho e Solidariedade Social e Ministério da Educação, 2006) está, com vigor acrescido depois de 2005, a tentar qualificar o máximo de adultos com baixas taxas de escolarização. Apesar das controvérsias que tem gerado, algumas delas bem intencionadas, mas a maioria produto de uma estonteante e suicida má fé, não poderá deixar de dar resultados importantes num espaço de tempo relativamente curto, o paralelismo com o Plano de Educação Popular de 1952 (Veiga de Macedo, 1953) sendo de difícil recusa: estaremos, finalmente, nos começos

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do século XXI, a levar a cabo um esforço coerente, mas que tem de ser estável, ou seja, independente das flutuações partidárias e, sobretudo, consistente e duradouro no tempo, no sentido de aproximar a média das habilitações académicas e profissionais dos portugueses dos seus colegas de espaço civilizacional, quando a economia, de acordo com os últimos dados disponíveis, que são relativos ao ano de 2008, vai no seu sétimo ano seguido de divergência com o “Centro da Europa” (OCDE, 2009)?

De qualquer das formas, o que queríamos mostrar com todos estes dados, era a especificidade do atraso educativo que parece caracterizar a Modernidade em Portugal e a forma como se construiu, nos séculos XIX e XX. De entre as questões que normalmente são escrutinadas para nos apercebermos do “progresso”, ou da “Modernização” social e económica de uma sociedade, ou seja, a riqueza, a legitimação política, e a construção de um “Estado-Providência” moderno, sem dúvida que a implantação de um modo de cultura baseado na escrita é a que apresenta índices comparativos mais preocupantes, antecipando-se à periferização económica a que Portugal é sujeito no século XIX, mantendo-se e agravando-se durante o século XX e pairando como uma sombra ameaçadora neste começo do século XXI.

Esta sombra só pode ser esconjurada através de um trabalho sério, contínuo, sustentável, independente de flutuações partidárias, numa sociedade que entenda que o seu futuro passará sobretudo por esta pequena janela, ou não passará de todo, e que consiga reunir as forças para fazer política de forma diferente do que faz neste momento. Não pode deixar de causar surpresa o facto de, dado o diagnóstico que temos levado a cabo nos últimos quinze anos, só há relativamente pouco tempo é que um programa como o “Novas Oportunidades” tenha sido montado com o vigor e visibilidade que actualmente tem; por outro lado, não deixa de fazer impressão a má fé e ironia usada por uma parte da opinião pública portuguesa quando a ele se refere.

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Literacia familiar - diversidade, desafios e princípios orientadores

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ResumoHoje em dia é inquestionável a importância das práticas de literacia familiar. A caracterização das actividades de literacia desenvolvidas no seio familiar, pelos seus diversos membros, permite uma compreensão aprofundada das múltiplas vertentes e utilidades da literacia familiar. Vários parâmetros podem ser considerados quando analisamos essas práticas, tais como as suas características, diversidade, frequência, quem as pratica e de que forma as crianças são envolvidas e apoiadas na sua apropriação e utilização de formas de literacia funcional. Para além disso, também se procura hoje em dia estudar eventuais relações entre as práticas de literacia familiar desenvolvidas e as concepções emergentes de literacia e o processo de aprendizagem da leitura e escrita das crianças. Tendo em conta estes elementos, procuraremos ilustrar a sua pertinência apoiando-nos nos resultados de alguns estudos desenvolvidos em Portugal. Procuraremos também reflectir sobre alguns factores que deverão ser contemplados quando se pretende intervir ao nível da literacia familiar.

Lourdes Mata1

1. Literacia Familiar – o conceito 1

A descoberta e aprendizagem da linguagem escrita começa muito antes do ensino formal da leitura e escrita. Uma compreensão dos processos envolvidos e do papel dos vários contextos onde a criança está inserida, tem sido objecto de estudo de vários investigadores nos últimos anos (Alves Martins, 2007; Alves Martins & Santos, 2005; Hood, Cólon & Anderson, 2008; Sénéchal, 2006). Como resultado destas abordagens passou a existir uma maior valorização, preocupação e tentativa de caracterização e compreensão dos ambientes de literacia mais informais como o jardim-de-infância e a família. Assim, a literacia familiar passa a ser um elemento importante no estudo destes processos.

Hannon (1999) alerta-nos para o facto de, por vezes, este conceito de literacia familiar reenviar para concepções diferentes. Inicialmente Taylor (1983) usou este termo para descrever práticas de literacia diversificadas que se desenvolviam em

1 ISPA – Instituto Universitário - Unidade de Investigação de Psicologia Cognitiva do desenvolvimento e da Educação - Trabalho financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia no âmbito do programa POCI 2010. A correspondência relativa a este artigo pode ser endereçada para: [email protected]

casa e na comunidade, ou seja, os modos como as pessoas aprendem e usam a literacia nas suas vidas em casa e na comunidade – concepção mais descritiva. Contudo, nos últimos anos, este termo surge muitas vezes associado a uma concepção mais prescritiva, relacionando-se com muitos programas de intervenção no âmbito da literacia familiar. Alguns destes programas têm sido alvo de críticas pois é considerado que a sua abordagem é centrada no “déficit”, pretendendo aplicar a mesma actuação, as mesmas práticas, a um conjunto complexo de diferentes situações sociais (Crawford & Zygouris-Coe, 2006), não valorizando essas diferenças nem olhando para a pouca pertinência e descontextualização de algumas dessas práticas para aqueles contextos específicos. Neste âmbito, prescrevem-se formas de actuação para os pais desenvolverem em casa com os filhos, e muitas vezes, transpõem-se actividades e estratégias do meio escolar para o meio familiar.

Segundo Hannon (1999), as abordagens na linha da perspectiva inicialmente apresentada por Taylor (1983), têm ficado “obscurecidas” nos últimos anos, pois o realce tem sido colocado nos programas de literacia familiar. Contudo, o autor alerta para o risco deste tipo de abordagem poder promover o desenvolvimento de intervenções mais prescritivas em vez de

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intervenções em que as famílias participem activamente e que promovam o seu empowerment, uma vez que, se estabelecem programas sem compreender e conhecer as diferentes realidades quanto às práticas de literacia familiar.Após vários anos de investigação sabe-se que as crianças experienciam múltiplas literacias em casa e que a literacia é definida, usada e apoiada de acordo com as diferenças culturais e sociais. Segundo Cairney (2005), hoje em dia, sabe-se que a literacia em casa e na comunidade é mais diversificada do que se pensava. Contudo, sabe-se pouco sobre a forma como as “multiliteracias da vida” interagem e se modulam entre si e àqueles que as utilizam. Para este autor há três razões para estas falhas no conhecimento: i) Muita investigação sobre literacia limita as suas observações a práticas claramente associadas à literacia da escola; ii) As tentativas de observação na família direccionam-se muito para se procurar saber como as famílias apoiam na aprendizagem da literacia; iii) Têm sido utilizados métodos limitados para avaliar as práticas de literacia familiar que falharam na identificação de práticas autênticas (Cairney, 2005). Desde modo, foca-se a sua análise em determinadas áreas específicas, não contemplando outras formas de literacia familiar que estão presentes e fazem parte do dia-a-dia de muitas famílias.

2. Práticas de Literacia Familiar

Um estudo desenvolvido em Portugal, com 421 famílias de meio sociocultural médio e médio-alto, com um filho a frequentar o último ano do pré-escolar (Mata, 2002, 2006), procurou caracterizar a diversidade de práticas de literacia familiar existentes e a regularidade com que ocorriam. Para isso foram considerados três tipos de práticas de literacia familiar: práticas observadas pelas crianças, que eram desenvolvidas por outros membros da família para trabalho, lazer ou na resolução de situações utilitárias; práticas partilhadas pelos membros da família e em que a crianças de idade pré-escolar estava directamente envolvida; práticas individuais da criança, que esta desenvolvia sozinha, mesmo que pudesse pedir a colaboração ou ajuda de outros (Mata, 2002, 2006).

Quanto às práticas observadas constatou-se que as de leitura eram mais frequentes e diversificadas que as de escrita. Identificaram-se algumas práticas frequentes, referidas por mais de 50% dos participantes, evidenciando-se assim como

práticas típicas destes ambientes familiares. Entre estas práticas de literacia familiar destacaram-se a leitura de revistas, jornais, legendas da TV e rótulos das embalagens e a leitura e escrita de coisas ligadas à actividade profissional dos pais. Verificou-se que um conjunto de outras práticas de literacia eram frequentes e características de cerca de um terço dos participantes, mas que para os restantes surgiam com baixa frequência ou mesmo nunca (por exemplo, livros, recados, cartas, receitas).

No que se refere às práticas partilhadas, a leitura de histórias, tal como a leitura e a escrita de nomes diversos e de letras, foram referidas como muito frequentes na maioria destes ambientes familiares. Novamente um outro conjunto de actividades como a leitura de legendas, de rótulos, de cartazes, de recados, entre outros, foram práticas onde, para um número razoável de famílias (20%-30%), as crianças eram envolvidas com regularidade, enquanto outras raramente ou nunca o faziam.

Para as práticas individuais verificou-se que as actividades de literacia que as crianças mais desenvolviam sozinhas, eram aquelas que desenvolviam em conjunto com os familiares. Assim, notou-se um grande paralelismo com as práticas partilhadas (Mata, 2002, 2006).

Face a estes resultados, Mata (2006) conclui que não existe uma forma ideal de funcionar, nem um conjunto de actividades que todos realizam ou devem realizar do mesmo modo. Apesar de, algumas actividades terem surgido como sistematicamente desenvolvidas por uma grande maioria de pais e filhos, um outro conjunto de actividades de literacia familiar, traduziu a diversidade das famílias envolvidas, já que para algumas, eram determinadas actividades que estavam mais enquadradas nas suas vivências e para outras famílias surgiram actividades diferentes.

Conclui-se assim, não existir uma “receita tipo” de práticas, mas sim um conjunto de condições a criar, para que, cada forma de literacia que exista em cada ambiente familiar, seja sentida como útil, e seja valorizada enquanto meio para exploração e apreensão da literacia. Não é uma situação específica ou um tipo de práticas que faz a diferença. Existe um leque alargado de vias e meios, através dos quais a literacia familiar transparece e age, sendo igualmente importantes as práticas observadas, como as práticas partilhadas e as práticas desenvolvidas pela criança

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sozinha, quer sejam mais específicas de leitura ou de escrita. É o seu conjunto e a forma como são sentidas e exploradas pela família, e como as crianças são integradas neste seu viver e sentir, que é efectivamente importante e faz a diferença (Mata, 2006).

3. Práticas de literacia familiar e conhecimentos emergentes de literacia

Para além da caracterização das práticas de literacia familiar na sua diversidade e frequência, alguns trabalhos têm procurado verificar também, se existe alguma relação entre as práticas desenvolvidas e os conhecimentos de literacia das crianças. No estudo de Mata (2006) constatou-se que globalmente as práticas de literacia familiar, no seu conjunto, não apareciam associadas aos conhecimentos emergentes. Contudo, as práticas mais lúdicas direccionadas para a leitura de histórias, estavam associadas às conceptualizações sobre a linguagem escrita. Assim, era entre as famílias onde se liam mais histórias, que se encontravam as crianças com conhecimentos emergentes de literacia mais evoluídos.

Estes resultados apontaram no sentido de que, diferentes tipos de práticas poderão ter impactos diferenciados nos conhecimentos e competências de literacia. Esta ideia vem no sentido das conclusões do trabalho de Sonnenschein, Baker, Serpell, Scher, Fernandez-Fein e Munsterman (1996). Estes autores mostraram que práticas mais direccionadas para o Entretimento ou para o treino de Perícias apareciam correlacionadas de modo diferente com a consciência fonológica e as competências de narrativa e a orientação face à escrita das crianças em idade pré-escolar. As práticas de Entretimento apareceram positivamente correlacionadas com a Consciência Fonológica, somente quando as crianças eram de jardim-de-infância, enquanto que as práticas de Perícia apareceram negativamente relacionadas durante o pré-escolar. No que se refere às competências de narrativa durante o pré-escolar, estas evidenciaram uma correlação significativa com as práticas de Entretimento. Por último, a orientação face à escrita, mostrou ser o domínio de competência mais correlacionado com o tipo de práticas desenvolvidas, já que se identificaram correlações positivas e estatisticamente significativas com as práticas de Entretimento, nos dois anos em que decorreu o estudo.Um trabalho mais recente desenvolvido em Portugal (Mata e Pacheco, 2009), para além de confirmar este impacto

diferenciado de diferentes tipos de práticas, permite-nos clarificar melhor essa diferenciação não só quanto ao tipo de práticas, como quanto aos diferentes conhecimentos emergentes de literacia.

Os participantes neste estudo foram 195 crianças a frequentar o último ano da educação pré-escolar e os respectivos pais, sendo o estatuto sociocultural das famílias diversificado. As práticas de literacia familiar foram caracterizadas através de um questionário passado aos pais, onde se procurava saber a frequência de ocorrência de três tipos de práticas de leitura e de escrita: Entretimento, Dia-a-Dia e Treino. No que se refere aos conhecimentos emergentes de literacia das crianças eles foram caracterizados quer ao nível da apropriação da funcionalidade da linguagem escrita, quer ao nível das conceptualizações sobre a linguagem escrita. A caracterização dos conhecimentos sobre a funcionalidade da linguagem escrita foi feita através de uma prova de identificação da função da escrita em diversos suportes (Mata, 2008). Para a caracterização das conceptualizações sobre a linguagem escrita foi utilizada uma situação semelhante a outras de trabalhos anteriores (Mata, 2002, 2006), pedindo às crianças que escrevessem algumas palavras, permitindo a identificação das suas conceptualizações dominantes.

Os resultados deste estudo mostraram (Mata e Pacheco, 2009), que as práticas de Treino eram as desenvolvidas com mais frequência e as do Dia-a-Dia as menos frequentes nos ambientes familiares analisados. Quando se procuraram identificar associações entre os diferentes tipos de práticas de literacia familiar e os conhecimentos emergentes de literacia das crianças estas mostraram-se diferenciadas (Tabela 1).

Dia-a-dia Entretimento Treino

Funcionalidade

r= .267**

p<0.001

n=195

r= .402**

p<0.001

n=195

r= .002

p= .977

n=195

Conceptualizações

rs= .160**

p= .008

n=194

rs = .262**

p<0.001

n= 194

rs = .046

p= .449

n=194

** - diferenças significativas

Tabela 1: Associações entre o tipo de práticas desenvolvidas e as concepções emergentes de literacia (Mata e Pacheco, 2009).

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Como podemos verificar pela análise dos dados da tabela 1, tanto as práticas do Dia-a-dia como as de Entretimento se mostraram positivamente associadas não só com a percepção da funcionalidade da linguagem escrita como também com as conceptualizações infantis sobre a escrita. Estes resultados mostram então que existe uma tendência para que, quanto mais se desenvolverem este tipo de práticas, melhores serão os conhecimentos das crianças relativamente à funcionalidade da linguagem escrita e mais elevado será o seu nível conceptual sobre o funcionamento da linguagem escrita. Por outro lado, não foram encontradas quaisquer associações significativas com as práticas de Treino, apontando no sentido de que um maior ou menor desenvolvimento deste tipo de práticas parece não estar associado aos indicadores de literacia emergente considerados (Mata e Pacheco, 2009).

4. Considerações finais

A primeira ideia a realçar refere-se à diferenciação do tipo de práticas de literacia desenvolvidas em ambiente familiar. Os resultados dos vários estudos apresentados evidenciaram que, para uma melhor compreensão da literacia familiar e das suas características, pode ser importante diferenciar o tipo de práticas, não as considerando globalmente. Por outro lado, estes estudos permitem-nos também considerar o facto de que práticas diferentes de literacia poderão contribuir para o desenvolvimento de competências diferentes de literacia. No estudo de Mata e Pacheco (2009) verificou-se que era entre as famílias onde as crianças são envolvidas com mais frequência em actividades de leitura e escrita integradas nas suas rotinas e também em momentos de lazer, que as concepções de literacia eram mais avançadas. Estas concepções eram mais evoluídas tanto no que se refere à percepção da funcionalidade da linguagem escrita como também relativamente às regras e convenções que a regem. O facto de, estas famílias envolverem as crianças naturalmente no seu dia-a-dia em momentos de literacia mais utilitários ou lúdicos, parece permitir que elas tenham múltiplas oportunidades para contactarem, reflectirem, usarem e experimentarem a linguagem escrita e, este facto, parece facilitar a sua evolução, desenvolvendo gradualmente concepções mais avançadas (Mata e Pacheco, 2009).

5. Desafios e princípios orientadores

Os resultados dos trabalhos anteriormente apresentados permitem-nos avançar com alguns elementos que nos parecem essenciais tomar em consideração quando se pretende intervir ao nível da literacia familiar, de modo a promover as suas potencialidades.

Um primeiro grande desafio que se coloca é o de caminhar no sentido de incluir a participação e colaboração dos pais de uma forma integrada. Assim, os programas desenvolvidos devem considerar e serem construídos a partir da valorização de práticas de literacia familiar reais. Para isso é essencial compreender e aceitar as diferenças entre literacia familiar e escolar de modo a evitar o reducionismo das práticas de literacia familiar. O facto de, muitas vezes, nos programas desenvolvidos se limitar o papel dos pais a ensinar os filhos a escrever uma letras ou palavras ou a ajudá-los nas suas tarefas escolares não permite valorizar a riqueza e a complexidade da literacia familiar. Quando verificamos que existem diferentes práticas de literacia no dia-a-dia das famílias, sejam elas de um estatuto sociocultural mais elevado ou mais baixo, então porque não rentabilizá-las, valorizá-las, dar-lhes visibilidade? Deve ser então, um outro desafio a ter em consideração: promover a intencionalidade na exploração das práticas diversificadas de literacia familiar, tornando-as muito mais completas e ricas. Certamente que uma interacção multiplicada no tempo e multifacetada em actividades de literacia, reais, significativas e funcionais, poderá ter um impacto muito superior no desenvolvimento da literacia emergente das crianças, do que actividades pontuais, por vezes desenraizadas e tecnicistas.

Poderemos então ter presentes cinco grandes princípios orientadores quando se pretende compreender e intervir ao nível da literacia familiar. O primeiro destes princípios passa pelo i) Conhecer de forma aprofundada a realidade onde se vai actuar. Por um lado é importante conhecer as práticas de literacia familiar que já são desenvolvidas, por outro tentar compreender as concepções que essas famílias desenvolvem sobre o processo de aprendizagem da linguagem escrita e sobre o seu papel nesse processo. Este conhecimento vai permitir actuar de forma a ii) Respeitar e Valorizar a(s) literacia(s) familiar(es) e a individualidade de cada família e do seu papel no processo de apropriação da linguagem escrita. Deste modo podem-se iii)

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Diversificar actuações, estratégias e avaliações, porque cada realidade tem as suas particularidades, e potencialidades. Estas poderão ser ajustadas às necessidades específicas, não se pretendendo uniformizar práticas de literacia familiar mas sim promover e enriquecer as literacias existentes e desenvolver, de um modo integrado e significativo, facetas e vertentes menos evidentes. A mudança, mesmo que devidamente estruturada e preparada, pode causar pressão, tensão e ansiedade. Há assim que ter o cuidado e estar alerta para iv) Identificar Dificuldades sentidas pelas famílias, na sua acção no âmbito da literacia familiar. Por vezes, algumas estratégias desenvolvidas podem ser fonte de ansiedade e insegurança. Na literatura são relatados vários casos envolvendo a leitura de histórias, que apesar de ser uma actividade lúdica, que se pretende ser agradável e positiva, em alguns casos, é sentida como algo difícil e promotor de interacções menos positivas, causando insatisfação e ansiedade (Handel & Goldsmith, 1994; Paratore, 1995; Somerfield, 1995). Um outro princípio orientador da acção tem que passar por v) Promover sentimentos de eficácia, pois só sentindo-se competentes e agentes de valor, com um papel activo, nas interacções partilhadas de literacia, é que se conseguem pais verdadeiramente envolvidos e que poderão contribuir significativamente para o processo de apropriação da linguagem escrita. Por último, quando se intervém em literacia familiar, há que ter em consideração que as actividades de literacia familiar devem ser vi) agradáveis e associadas a momentos de Satisfação e prazer.

Consideramos que tendo subjacentes estes princípios orientadores, na intervenção com pais em torno da literacia familiar, se conseguirão acções ajustadas que contribuirão não só para uma valorização das práticas de literacia familiar como também para o sucesso e a eficácia da acção educativa dos pais junto dos seus filhos, facilitando o processo de descoberta e apropriação da linguagem escrita.

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Bibliografia

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Uma questão de confiança:o que (des)motiva a geração actual ?

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Resumo“Motivação” e “sucesso escolar” são locuções que entram no discurso quotidiano de um grande número de pessoas, em particular daquelas que lidam mais de perto com a realidade dos jovens em idade escolar. Mas, afinal, a partir de que critérios definimos “sucesso escolar”? E o que é a “motivação”? Terão o mesmo significado em diferentes grupos sociais e em diferentes gerações? Numa geração caracterizada pelo imediatismo e pela baixa tolerância à frustração, serão realmente as nossas escolas frequentadas por um número crescente de alunas e alunos com “falta de motivação”? Estas questões serão brevemente abordadas à luz da teoria sociocognitiva da auto-eficácia. De acordo com esta teoria, o nível de realização conseguido parece depender não só das reais aptidões possuídas, mas também das crenças acerca do que se é capaz e acerca das possibilidades de mudança. Privilegiando o contributo teórico e empírico desta teoria, algumas implicações para a prática dos pais e professores serão abordadas.

Susana Coimbra1

1. Acerca do acesso e sucesso escolar – igualdades e desigualdades

A qualidade de vida e o nível de desenvolvimento das sociedades depende do nível de qualificação dos seus cidadãos. Prova disso mesmo é que, em tempos de recessão económica, como a que vivemos actualmente, existe uma maior pressão para que seja reforçado o investimento no capital humano (OECD, 2009). Nunca a escolarização chegou a tantas crianças, jovens e mesmo adultos. Contudo, as condições de acesso continuam ainda longe de ser sinónimas de condições de sucesso para todas e todos.1 Por isso, impõe-se uma análise dos motivos que poderão justificar porque é que existem tantas pessoas que não conseguem aproveitar as primeiras e segundas oportunidades de formação que lhes são formalmente proporcionadas. Partindo do pressuposto lógico que as capacidades ou aptidões não são suficientes para explicar a disparidade de resultados, ganham cada vez mais importância os processos motivacionais associados ao sucesso escolar.

1 Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto. A correspondência relativa a este artigo pode ser endereçada para: [email protected]

O ensino de competências, como a leitura, a escrita, a matemática ou a música, começou por ser exclusivo das classes mais privilegiadas, do ponto de vista económico. Na altura, o seu valor instrumental, de preparação para o mercado de trabalho, era muito residual ou mesmo nulo. Terá sido nas sociedades agrícolas que, pela primeira vez, foi exigido um nível básico de preparação escolar para a generalidade dos grupos sociais. Com o florescimento da industrialização, esta exigência começa a ser mais generalizada mas, ainda assim, o objectivo da escola restringia-se à leccionação de aptidões elementares do ponto de vista cognitivo. A Humanidade, ainda muito longe da consagração de direitos fundamentais, começava a reconhecer a infância como uma etapa de desenvolvimento com características próprias. Olhava com especial interesse a fase que se lhe segue em termos etários – a adolescência – fonte de mão-de-obra barata, inexperiente e pouco especializada, a ideal para a maximização de lucros na manufactura. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948, consagraria as preocupações, que já germinavam nos finais do século XIX, com o trabalho infantil. Datam desta altura os princípios da gratuitidade e obrigatoriedade do ensino básico, o acesso generalizado ao ensino técnico e profissional e a igualdade de acesso a uma formação superior. Os objectivos

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e destinatários da educação institucionalizada foram, assim, mudando nos países ditos desenvolvidos: de opção recreativa das classes elevadas, passaria a uma necessidade económica e civilizacional generalizada e “compulsiva” para a generalidade dos grupos sociais. O crescimento acelerado e a globalização da economia, assim como o progresso tecnológico da era da informação do final do século passado, conferem ainda mais responsabilidades à escola. O aumento das competências exigidas para corresponder à complexidade e competitividade crescente, quer do mundo profissional, quer da vida quotidiana, mantém os jovens até cada vez mais tarde dentro dos muros escolares. Tem mesmo sido identificado como o principal factor para um adiamento progressivo da transição para a vida adulta, que justificaria a origem de um novo grupo etário, a adultez emergente. Esta mesma conjuntura exige que se aprenda a aprender ao longo da vida, o que justifica a proliferação de ofertas de educação e formação de adultos (Arnett, 2004, 2006; Bandura, 1995, 2006ª; Hamburg, 1990; Muuss, 1990).

Regra geral, seja em documentos oficiais (por exemplo, Ministério da Educação, 2005, 2009), seja na literatura científica (por exemplo, Bradley & Corwin, 2002; McLoyd, 1998), o sucesso escolar é definido a partir de quatro critérios essenciais: ausência de abandono escolar (antes do final da escolaridade obrigatória), ausência de absentismo (baixa assiduidade ou elevado número de faltas repetidas e injustificadas), ausência de reprovação em disciplinas escolares e/ou de retenção num ano lectivo. Menos frequentemente, o sucesso escolar é definido pela excelência escolar, sendo ainda mais raras as referências a aspectos não estritamente associados a resultados quantitativos, às notas escolares. É bem verdade que, em particular no contexto nacional, será fácil compreender, como veremos, porque prevalece esta definição de sucesso pela negativa, pela ausência de insucesso. Esta grelha de análise da realidade não deixa, contudo, de ter implicações, ou mesmo custos, nomeadamente em termos motivacionais. Será importante reflectir se, enquanto sociedade e enquanto indivíduos, estaremos mais motivados para evitar o insucesso ou mais motivados para, efectivamente, obter sucesso, para desenvolver competências e alcançar um certo nível de excelência.

Enquanto que a motivação para evitar fracasso está associada a um padrão de desistência e a objectivos centrados no resultado, a motivação para obter sucesso, no sentido acima definido,

está associada a um padrão de persistência e a objectivos centrados na aprendizagem. Ambos os padrões parecem derivar de diferentes noções implícitas acerca da inteligência. Para as pessoas que perfilham uma concepção estática de inteligência, esta é percebida como uma característica que não pode ser alterada, que todas as pessoas possuem numa determinada quantidade fixa, estável, potencialmente limitada. Por contraposição, as pessoas que apresentam uma concepção dinâmica, entendem a inteligência como um conjunto de competências e conhecimentos que podem e devem ser desenvolvidos, mediante o dispêndio de esforço. No primeiro perfil, da concepção estática de inteligência, encaixam aqueles estudantes que não estão realmente interessados em aprender, mas apenas obcecados pela nota que podem obter, percebida como a fiel medida da sua inteligência. Por isso, preferem aquelas tarefas que maximizem a possibilidade de “brilhar”, de demonstrar inteligência perante o olhar dos outros. O erro é inadmissível e também não gostam de se esforçar, ou de parecer que se esforçam, na medida em que o esforço é visto como inversamente proporcional à capacidade: só precisa de se esforçar muito, quem tem uma capacidade muito limitada. Já os estudantes com uma concepção dinâmica de inteligência procuram situações que lhes permitam aprender, que lhes propiciem a oportunidade de desenvolver a sua competência inicial. Não lhes interessa compararem-se com os outros (comparação interindividual), mas antes sentir que existem melhorias, quando comparam os seus próprios desempenhos actuais com os conseguidos no passado (comparação intraindividual) (Faria, 1998, 2006). A competitividade é, contudo, a imagem de marca da sociedade actual, pelo que dificilmente qualquer pessoa ou sociedade poderá dispensar algum tipo de comparação social com padrões de referência (Twenge & Campbell, 2009).

Nos últimos 50 anos, registou-se um aumento e generalização dos níveis de escolarização em Portugal, constituindo uma recuperação do atraso de décadas que apresentava relativamente a outras sociedades desenvolvidas. Por exemplo, a frequência do ensino secundário terá passado da percentagem de 1,3%, observada em 1960, para 60% em 2008 (GEPE/ME/INE, IP, 2009). O investimento português na educação tem, efectivamente, crescido muito nos últimos anos, situando-se mesmo, actualmente, acima da média da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económicos): assim existe

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um investimento de 3,7% do PIB nacional para uma média de 3,5% nos países da OCDE. É bem verdade que se observa, por comparação aos restantes países, uma expansão notável deste investimento no ensino superior, algo justificável pelo facto de, no contexto nacional, ser ainda particularmente compensadora a sua frequência, em termos de empregabilidade e remuneração. Contudo, todo este investimento ainda não tem sido suficiente para equiparar Portugal à média dos restantes membros da OCDE. Assim, 77% dos alunos com idades compreendidas entre os 15-19 anos encontram-se inscritos no sistema de ensino (versus 82% da média da OCDE), sendo a taxa de transição para o ensino secundário de apenas 65% (versus 82% da média da OCDE). O atraso português é ainda mais visível nas faixas etárias mais velhas, correspondendo a níveis mais avançados de formação. A percentagem da população portuguesa dos 25-34 anos que concluiu, pelo menos, o ensino secundário limita-se a 44% (versus 79% da média da OCDE) (OECD, 2009). Actualmente, ainda cerca 50% dos jovens com idades inferiores a 29 anos que já se encontram no mercado de trabalho tem apenas o 9.º ano e 35% abandonou mesmo a escola antes de terminar a escolaridade obrigatória. A dificuldade em ir para além do 9.º ano é mais sentida por aqueles que vivem no interior ou na periferia das grandes cidades e, como é evidente, pelos jovens de nível socioeconómico mais baixo (Ferreira, Fernandes, Vieira, Puga e Barrisco, 2006; GEPE/ME/INE, IP, 2009).

Originalmente, como vimos, a generalização da escolarização terá sido fortemente motivada pelo ideal de promover igualdade de oportunidades para todas e para todos. Numa fase de optimismo pedagógico, até à década de 70 do século passado, a escola era, efectivamente, vista como factor de democratização, de equidade entre grupos sociais, de distribuição e redistribuição do capital económico e cultural e, por conseguinte, de melhoramento da condição humana (paradigma do consenso ou estruturo-funcionalismo). Esta perspectiva está estreitamente associada ao ideal meritocrático: uma vez garantida a igualdade de oportunidades, cada indivíduo poderia ocupar a posição merecida na sociedade. A esta fase seguiu-se uma outra, de pessimismo pedagógico, que defende que a educação reproduz ou agrava as diferenças sociais. A escola funcionaria, por isso, como instrumento de sujeição das classes mais baixas à hegemonia das classes dominantes, eternizando a ordem vigente (paradigma do conflito ou estruturalista) (Morrow & Torres, 1997). De facto, a relação entre o nível socioeconómico

e os resultados escolares é, porventura, uma das problemáticas mais estudadas desde o início da Psicologia, sendo os resultados coincidentes em diferentes contextos e períodos. De uma forma geral, as crianças e jovens de níveis mais baixos têm muito piores resultados do que os de níveis mais elevados, seja qual o for o indicador considerado (retenções, notas em testes, notas de final de período ou abandono escolar precoce) (Bradley & Corwin, 2002; McLoyd, 1998).

A origem social dos alunos, ao estar associada a um menor sucesso escolar, reflecte-se nas escolhas académicas e de carreira que vão sendo feitas ao longo da escolaridade. Das duas grandes alternativas oficiais de formação – prosseguimento de estudos e profissionalizante – os jovens de nível socioeconómico mais baixo calcorreiam mais esta última ou uma outra, oficiosa, a via da desistência. Esta última conduz, necessariamente, a percursos de vida incertos ou de subsistência, de “ganchos, tachos e biscates” que decorre de um sentimento de futilidade face à escola (Bandura, 1995; Cabral & Pais, 1998; Pais 2001). Os jovens de nível socioeconómico mais baixo tendem a “fugir” mais das áreas de formação científicas e tecnológicas, que são mais promissoras em termos de emprego e prestígio. Constituem, por isso, um grupo de risco, em termos de desenvolvimento de carreira, porque têm menos sucesso e/ou porque acreditam menos nas suas capacidades, nomeadamente na matemática e demais disciplinas científicas que desempenham um papel de “filtro crítico” pelo qual é necessário passar para aceder a profissões mais valorizadas social e economicamente (Bandura, 1995, 2006ª; Betz & Hackett, 1981, 1983). Os fracos resultados da generalidade dos alunos portugueses na matemática e ciências são sobejamente conhecidos. Nos estudos TIMSS (Third International Mathematics and Science Study) e PISA (Programme for International Student Assessment) os alunos portugueses surgem entre os piores colocados nas suas competências matemáticas e científicas. Os alunos e alunas portuguesas até valorizam estas disciplinas e gostariam mesmo de poder seguir uma carreira neste domínio, mas as suas competências não parecem ser consonantes com as suas atitudes e expectativas: apenas 1/4 dos alunos portugueses domina as competências científicas mais simples, ocupando Portugal a 37ª posição entre 57 países avaliados. A explicação para estes resultados parece ultrapassar os muros da escola ou o investimento do Estado. Se fossem comparados alunos que partilhassem o mesmo nível socioeconómico, as

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diferenças seriam muito menores. O nosso país tem uma maior percentagem de alunos de nível socioeconómico baixo do que a média dos países avaliados, enfrentando-se um “desafio maior”: o de “combater o impacto do contexto socioeconómico” (Pinto-Ferreira, Serrão e Padinha, 2007).

Portugal estará, por conseguinte, bem longe de ser uma excepção à regra da reprodução social escolar. A realidade nacional possui, aliás, contornos particularmente preocupantes, se tivermos em linha de conta que somos um dos países da Comunidade Europeia onde existe um maior hiato entre classes sociais. A pobreza parece ser uma realidade, mais transitória ou mais definitiva, para uma percentagem considerável de famílias (cerca de 52%), atingindo sobretudo os mais jovens: 1/5 dos jovens com menos de 18 anos de idade vive em risco de pobreza (Costa, Baptista, Perista, e Carrilho, 2008; EUROSTAT, 2009, 2010). Como é evidente, existem muitos jovens que escapam a esta reprodução social. Grande parte do mérito não pode ser negado aos próprios, nem ao próprio sistema de ensino. O nível socioeconómico é uma variável diferenciadora mas não determinista. A continuidade intergeracional pode ser interrompida: por isso todos nós conhecemos jovens que não repetem o mesmo padrão de pobreza dos seus pais, o que constitui um augúrio de esperança (Garmezy, 1993, p.390). Alguns factores parecem ter o poder de amortecer o impacto das restrições económicas no rendimento escolar, aumentando a motivação escolar contra todas as probabilidades. As crenças que os jovens têm acerca das suas capacidades desempenham, neste contexto, um papel importante (Garmezy, 1993; Masten, Burt, Roisman, Obradovi, Long, & Tellegen, 2004; Masten, Hubbard, Gest, Tellegen, Garmezy & Ramirez, 1999; Masten, Obradovi, & Burt, 2006; Schunck & Meece, 2006, Werner & Smith, 1992, 2001).

2. Motivação – acreditar é preciso

A motivação pode ser definida como o aspecto dinâmico da acção, isto é, o que energiza, o que dá motivo ou razão de ser a tudo aquilo que fazemos. Trata-se, portanto, da característica que vai determinar a iniciação, a manutenção e a conclusão de um determinado comportamento ou conjunto de comportamentos que visam a obtenção de um determinado objectivo. Deste modo, quando estamos muito motivados em relação a uma meta, decidimos iniciar uma acção ou conjunto

de acções que nos permitam alcançá-la, mantendo-nos firmes, mesmo perante as maiores contrariedades. Já quando o nosso nível de motivação é baixo ou nulo, podemos adiar ou mesmo nunca começar a exibição de comportamentos que permitiriam a sua concretização ou, então, desistir quando nos deparamos com o mais pequeno obstáculo.

Como acontece com um grande número de constructos psicológicos, não existe consenso em torno da definição de motivação. As primeiras teorias descreviam-na mormente como um impulso interno, tendencialmente biológico, que se mantinha relativamente estável ao longo do ciclo de vida e dos diferentes contextos. Hoje, parece evidente que a motivação não é nem unidimensional, nem intrapsíquica. Para além disso, parece inegável que estamos perante uma característica que está em constante desenvolvimento e transformação, fortemente dependente das experiências de vida proporcionadas nos diferentes contextos de inserção. Por isso, dificilmente poderemos encontrar uma teoria universalista, que possa explicar todo e qualquer indicador de motivação, independentemente do contexto. A motivação possui uma componente interna, biológica e cognitiva, mas também uma componente comportamental e afectiva ou emocional, externamente observável. Pode, deste modo, ser operacionalizada de acordo com determinados critérios, na presença dos quais poderemos assumir que estamos perante a manifestação de motivação. Estes critérios podem ser considerados os denominadores-comum que subjazem às diferentes teorias da motivação (Fontaine, 1990; Fontaine, 2005).

Em primeiro lugar, poderemos referir aquele que é o critério mais comummente associado à motivação: a escolha e orientação para objectivos. Pessoas altamente motivadas irão alimentar expectativas ou aspirações mais elevadas, estabelecendo para si mesmas metas que constituem um desafio maior, em termos de número e/ou de complexidade. As estratégias de acção efectivamente implementadas constituem um outro importante critério. Elevados níveis de motivação traduzir-se-ão em persistência e resiliência mesmo perante os maiores obstáculos, enquanto que baixos níveis de motivação reflectir-se-ão no abandono ou fuga à mínima adversidade. Um terceiro critério é a interpretação dos resultados, isto é, o modo como as pessoas vão perceber os resultados que obtêm. Estas atribuições causais terão um impacto emocional diferenciado.

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Assim, perante um determinado resultado objectivamente semelhante, uma pessoa pode sentir-se orgulhosa ou desanimada, estimulada ou ansiosa, dependendo das razões que acredita estarem por detrás dos seus sucessos ou fracassos. As pessoas que atribuem os seus sucessos a causas internas ou estáveis e os seus fracassos a causas externas ou instáveis apresentam um padrão estimulante em termos motivacionais: elas acreditam que o que lhes acontece de positivo se deve a características pessoais que não se alterarão, enquanto que o que lhes acontece de negativo não tem a ver consigo, nem é permanente. Por isso, têm motivos para encarar com optimismo futuros desafios (Fontaine, 2005).

Por fim, um quarto e último critério, é a percepção de si próprio, isto é, as crenças que as pessoas têm acerca das suas qualidades pessoais, em particular no que diz respeito ao seu valor (auto-estima) e competência (auto-eficácia). Privilegiaremos este último constructo, uma vez que existe uma forte evidência empírica de que as crenças de auto-eficácia desempenham um papel chave em termos motivacionais, precedendo os demais critérios supra-enunciados. Assim, as crenças de auto-eficácia parecem ser determinantes para as metas que são estabelecidas e as escolhas que são feitas (processos cognitivos e processos de selecção), para as estratégias empreendidas (processos motivacionais) e para a interpretação dos resultados e seu impacto (processos emocionais).

Quando tentamos compreender porque é que as pessoas diferem nos seus comportamentos ou desempenhos, duas abordagens tipicamente contrastantes podem ser identificadas: tudo depende da pessoa ou tudo depende do meio. De acordo com a primeira perspectiva, que poderá ser designada de agência autónoma, toda e qualquer acção seria a expressão da vontade individual, não sofrendo o ser humano qualquer tipo de limitação ou constrangimento externo. Já de acordo com a segunda perspectiva, que poderá ser designada de agência mecânica, as pessoas não fariam mais do que reagir mecanicamente às pressões exercidas pelo meio, não havendo qualquer margem para a expressão da sua vontade pessoal (Bandura, 1986, 1989, 2006a, 2006b; Maddux, 1995).

Segundo Bandura, proponente da teoria social cognitiva onde se insere a teoria da auto-eficácia, as pessoas nem agem de forma totalmente livre, nem se limitam a reagir passivamente

ao que lhes vai acontecendo no seu meio. Para além disso, não é verdade que o contexto exista independentemente das pessoas que nele se inserem: ele afecta o comportamento ou acção de cada indivíduo mas também é passível de ser modificado por ele. De facto, mesmo quando as pessoas, aparentemente, não podem fazer nada em relação ao que lhes acontece, podem sempre exercer controlo sobre aquilo que pensam e sentem. Mais do que isso, através da sua acção, podem mesmo influenciar o contexto e, deste modo, os pensamentos e sentimentos futuros que conduzirão a novas acções e a novas interpretações. Nesta cadeia, a forma como as pessoas interpretam os resultados do seu desempenho, altera os seus contextos e as suas crenças pessoais que, por sua vez, alteram o desempenho subsequente. A pessoa, o meio ou contexto e o seu comportamento ou acção constituem, por conseguinte, influências independentes mas que interagem constante e reciprocamente. A interdependência entre os vértices do triângulo designa-se de agência humana interactiva ou determinismo recíproco, noção que parece reconstruir e conceder sustentação empírica ao “livre arbítrio” filosófico e religioso da época medieval (Bandura, 1995, 2006b, 2008). Esta agência possui pressupostos caracteristicamente humanos, entre os quais se destacam a intencionalidade, a antecipação, a auto-regulação e auto-reflexão. A intencionalidade define a capacidade de construir projectos, de estabelecer planos de acção e estratégias para os implementar. A antecipação refere-se à capacidade de visualizar o futuro, de pensar a longo prazo, e, deste modo, de conceder propósito, direcção, significado e coerência à vida. De nada serve ter intenções ou antecipar o futuro e depois esperar, de braços cruzados, que tudo se concretize. Há que ir auto-regulando, mantendo ou corrigindo, os projectos e/ou as acções, os pensamentos e emoções ao longo do processo de implementação, de modo a maximizar as possibilidades de sucesso. Por fim, as pessoas são também auto-conscientes, capazes de reflectir, examinar ou pensar acerca do modo como funcionam e das implicações, retirando ilações e lições para o futuro (Bandura, 2006b; Maddux, 1995).

Sabendo que aquilo que as pessoas fazem, pensam e sentem baseia-se mais naquilo em que acreditam do que em factos objectivos, só existirá mudança psicológica e/ou comportamental quando existe uma alteração do sentimento individual de mestria pessoal, isto é, das crenças de auto-eficácia. As crenças de auto-eficácia são as expectativas que

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cada pessoa tem de possuir as capacidades necessárias para fazer tudo o que seja necessário para alcançar um determinado resultado. Por princípio, estas crenças caracterizam-se pela sua especificidade, isto é, o facto de uma pessoa acreditar nas suas capacidades para ter sucesso numa tarefa ou contexto específico não significa que confie indiscriminadamente nas suas aptidões para todas as tarefas ou contextos. Por exemplo, pode antecipar-se como um bom estudante a Línguas mas como um mau estudante a Ciências ou como um profissional de excelência mas como um pai medíocre (Bandura, Reese & Adams, 1982; Bandura, 1997; Maddux, 1995).

Uma questão pode, então, colocar-se: como nascem estas crenças, isto é, em que informações as pessoas se baseiam para acreditar que são capazes de fazer algo? Foram identificadas quatro fontes de informação principais para as crenças de auto-eficácia: as experiências anteriores da própria pessoa, a observação dos comportamentos dos outros ou experiências vicariantes, a persuasão verbal e social e certos estados fisiológicos e emocionais (Bandura, 1986, 1992, 1995, 1997; Maddux, 1995).

As experiências anteriores do próprio indivíduo constituem a mais poderosa fonte de eficácia pessoal. De facto, nada contribui mais para a crença de que somos capazes de fazer algo do que a evidência de já o termos conseguido anteriormente. Assim, logicamente, as experiências de sucesso aumentam a percepção de eficácia, enquanto que as de insucesso diminuem-na. Contudo, o impacto destas experiências não é linear. Os sucessos anteriores não fortalecerão a auto-eficácia se tiverem sido atingidos com facilidade: um forte sentimento de eficácia, resistente às possíveis contrariedades, terá que advir de situações em que o sucesso só é conseguido graças à perseverança e ao esforço na ultrapassagem de obstáculos. As pessoas que apenas tiverem ocasião de experimentar sucessos fáceis, são vulneráveis ao desencorajamento caso, no futuro, os resultados não sejam tão imediatos. Já as pessoas que acreditam, convictamente, que possuem as competências necessárias para serem bem sucedidas, manifestam maior perseverança face à adversidade, fortalecendo-se mesmo com essas experiências (Bandura, 1995, 1997).

Para além das experiências directas do sucesso e do fracasso, as crenças de auto-eficácia são também alimentadas pela

observação das experiências de outras pessoas. Não basta, contudo, observar o desempenho bem sucedido de qualquer pessoa, ainda que obtido através de esforço e perseverança, para induzir no observador a convicção de que também ele será capaz de fazer o mesmo. É imprescindível um grau razoável de similitude entre as situações e entre as pessoas. Deste modo, é importante que a pessoa observada seja percebida como semelhante em termos de competência, para o observador acreditar que, ele próprio, possui as capacidades necessárias para lidar com actividades similares (Bandura, 1986, 1997; Maddux, 1995).

“Tu és capaz”, “se quiseres, tu consegues” são algumas das frases que muitas vezes utilizamos para encorajar o comportamento de alguém que parece pouco confiante. De facto, a designada persuasão verbal e social é uma fonte importante da auto-eficácia. É, contudo, óbvio que só funcionará adequadamente se o persuasor for alguém credível para aquela pessoa e para aquela situação específica. Se pensarmos em termos de desempenho escolar, por exemplo, provavelmente um estudante reforçará mais a sua auto-eficácia para uma determinada disciplina se for encorajado pelo docente da mesma do que se for encorajado pela mãe, pelo pai ou por um amigo. Em todo o caso, tem sido verificado que, recorrendo exclusivamente à estratégia de persuasão verbal ou social, é mais fácil debilitar do que fortalecer as crenças de auto-eficácia das pessoas. Assim, é mais fácil convencer alguém de que não será capaz, insistindo nas suas limitações e induzindo dúvidas nas suas capacidades, do que o inverso. A persuasão pode, todavia, ser mesmo contraproducente, se não fizer mais do que insuflar crenças irrealistas acerca das capacidades pessoais e precipitar o fracasso: nessa situação, não só saem mais debilitadas as expectativas de eficácia da pessoa, como ela dificilmente voltará a confiar no persuasor.

Os estados físicos e emocionais são a quarta e última fonte de informação da auto-eficácia. As pessoas acreditam mais facilmente nas suas capacidades, quando se sentem bem em termos físicos, psicológicos e anímicos. A má disposição ou outros sinais normalmente associados à ansiedade vão, inevitavelmente, induzir insegurança, colocando dúvidas acerca da competência própria para lidar com as exigências das tarefas. Torna-se, por conseguinte, importante melhorar as condições físicas e reduzir os níveis de stress e mal-estar, mas

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também corrigir eventuais más interpretações destes sinais físicos ou emocionais. Efectivamente, de um modo geral, não são as fontes per se que criam ou reforçam as crenças de auto-eficácia, mas sim a forma como são percebidas, interpretadas e integradas (Bandura, 1995, 1997; Maddux, 1995).

Porque é que as crenças de auto-eficácia assumem um papel tão importante no funcionamento humano? Quais são as suas consequências? As crenças de eficácia têm implicações no funcionamento cognitivo, motivacional, emocional e selectivo, influenciando, por conseguinte, o comportamento de uma forma concertada (Bandura, 1989, 1995, 1997; Maddux, 1995). De facto, a influência da auto-eficácia sobre o comportamento começa mesmo antes da acção em si, no seu planeamento e antecipação cognitiva. As pessoas que acreditam nas suas capacidades, comparativamente com as que duvidam das mesmas, estabelecem para si próprias metas mais elevadas ou desafiantes e comprometem-se mais fortemente na prossecução das mesmas. As pessoas mais auto-eficazes são por isso, de acordo com um dos critérios anteriormente referidos, pessoas mais motivadas, fazendo o que é necessário para atingir os seus objectivos: despendem mais esforço e são mais persistentes quando se deparam com desafios e obstáculos.

As crenças de auto-eficácia permitem também compreender a forma como as pessoas reagem emocionalmente aos desafios com que se deparam. As pessoas que acreditam pouco nas suas capacidades percepcionam o meio como mais ameaçador e pensam que pouco ou nada podem fazer para mudar as situações. Exacerbam o poder de possíveis obstáculos, mesmo se sua ocorrência é bastante improvável e, deste modo, são mais propensas ao stress, ansiedade e mesmo depressão. Em contraste, as pessoas que acreditam que podem exercer controlo sobre ameaças potenciais, nem estão tão preocupadas com a identificação das mesmas, nem desenvolvem pensamentos irrelevantes acerca delas. Toda a sua energia é canalizada para tornar o seu meio cada vez mais seguro e não em cismar acerca da sua perigosidade.

Contudo, a influência das crenças de auto-eficácia no curso da vida das pessoas não se limita ao exercício de algum controlo sobre os meios onde elas já estão inseridas no seu quotidiano. Podem também ser determinantes na escolha de actividades ou de contextos profissionais. Deste modo, as pessoas constroem

o seu próprio destino, através da selecção de meios que poderão promover, ou não, potencialidades e proporcionar diferentes estilos de vida.

Regra geral, as pessoas escolhem situações nas quais esperam ser bem sucedidas. As pessoas com auto-eficácia elevada facilmente irão assumir actividades desafiantes e seleccionar ambientes exigentes, com os quais se julgam capazes de lidar, dando-se a possibilidade de reforçar, ainda mais, o seu sentimento de eficácia pessoal. Pelo contrário, quando as pessoas têm uma baixa auto-eficácia, evitam contextos de vida nos quais pensam que serão exigidas capacidades que excedem aquelas que possuem, privando-se, logo à partida, da possibilidade de experimentar sucesso, o que vai reforçar as suas baixas crenças de competência. Assim, as crenças de auto-eficácia “criam a sua própria validação”, numa lógica das “profecias que se auto-cumprem” (Bandura, 1989, 1997, 2006b).

3. Auto-eficácia: alguns resultados no contexto na- cional

A auto-eficácia prediz tão bem ou mesmo melhor os resultados obtidos do que as capacidades objectivamente avaliadas (como é o caso do QI). Estudantes mais auto-eficazes persistem mais perante a adversidade, são menos ansiosos, são mais optimistas, têm melhores resultados escolares e tendem a perseguir carreiras mais promissoras (Pajares, 2006). Como foi referido, as experiências anteriores constituem a fonte mais importante de auto-eficácia: por princípio, as pessoas só acreditarão nas suas competências para ter sucesso no futuro, se já tiverem experienciado sucesso em situações semelhantes no passado. Atendendo a que existe uma maior prevalência de insucesso escolar nos jovens de nível socioeconómico mais baixo, então é de esperar que também apresentem crenças de auto-eficácia mais baixas e, por isso, estabeleçam metas menos ambiciosas e sejam menos persistentes e mais erráticos na sua prossecução. Esta menor motivação redundará em piores desempenhos, num lamentável ciclo vicioso com implicações sociais e políticas óbvias. Com o intuito de analisar o impacto do nível socioeconómico sobre as crenças de auto-eficácia de estudantes, realizámos dois estudos no contexto nacional. O primeiro estudo contou com a participação de 449 rapazes e raparigas que se encontravam a frequentar o 9.º ano de

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idade. No segundo estudo, foram questionados 700 jovens com idades compreendidas entre os 15 e 27 anos de idade, que se encontravam a frequentar escolas de ensino secundário regular, escolas profissionais e instituições do ensino superior (Coimbra, 2000, 2008).

Determinadas condições socioeconómicas e educativas podem levar a que a escolha profissional não traduza fundamentalmente os interesses profissionais: é o caso dos alunos, cujos níveis de sucesso escolar e/ou socioeconómico, extremamente baixos, levam-nos ao desempenho de profissões que não expressam o seu gosto, mas antes são fruto de condicionalismos mais fortes, como a necessidade de ingressar precocemente no mundo do trabalho devido à incapacidade de obter sucesso escolar e/ou para garantir a subsistência. O pressuposto de que os interesses desenvolvidos durante a escolaridade serão de alguma forma traduzidos em termos de escolha de carreira, não tem suficientemente em linha de conta a interferência de outros aspectos pessoais e do meio, os designados “determinantes contextuais” (Lent, Brown & Hackett, 1994). Na sua aplicação aos domínios académico e de carreira, a auto-eficácia tem sido muito estudada para o domínio da matemática e ciências, devido à sua supra-mencionada característica de “filtro crítico” para o prosseguimento de estudos e para o acesso a profissões mais prestigiadas e bem remuneradas. Os estudos internacionais realizados junto a alunos do 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e do ensino secundário sugerem o aparecimento precoce das diferenças entre grupos sociais na auto-eficácia ocupacional (Fouad & Smith, 1996; Hannah & Kanh, 1989; Lopez & Lent, 1992; Post-Krammer & Smith, 1985, 1986).

No primeiro estudo por nós realizado, foram avaliadas as diferenças de nível socioeconómico não só nos interesses e crenças de auto-eficácia ocupacionais (referentes a profissões de baixo e alto estatuto e estereotipadamente femininas e masculinas), mas também nas crenças de auto-eficácia generalizada, matemática e académica (referentes às disciplinas do 10.º ano de escolaridade). Os nossos resultados sugerem que a reprodução da estratificação social da família de origem se reflecte na baixa auto-eficácia apresentada, sistematicamente, pelos alunos de nível socioeconómico baixo. Estes jovens antevêem-se como menos competentes para obter bons resultados não só na disciplina de matemática, como nos diferentes grupos de disciplinas (por exemplo,

Línguas, Humanidades) acreditando também menos nas suas capacidades para lidar eficazmente com a globalidade de situações quotidianas (auto-eficácia generalizada). Para além disso, os alunos de classe social mais baixa apresentam uma notória inferioridade na sua confiança pessoal para profissões de elevado estatuto (por exemplo, médico, economista), embora não difiram dos seus colegas de classe social alta no nível de interesse manifestado em relação às mesmas. Já no que diz respeito às profissões de baixo estatuto (por exemplo, operário da construção civil, empregado doméstico), os jovens de classe social mais baixa apresentam uma superioridade nos níveis de interesse e de auto-eficácia. Este padrão de expectativas pode até ser classificado como realista, uma vez que, na nossa amostra, como é habitual, os alunos de nível socioeconómico mais baixo têm piores resultados escolares. Os interesses avaliados no nosso estudo, contrariamente à auto-eficácia para a formação e desempenho profissional, parecem manifestar-se sobretudo em relação às profissões que são mantidas em aberto como possibilidades de carreira desejadas, ainda que pouco prováveis.

Ainda que a valorização de uma profissão, e a realização pessoal que pode decorrer do exercício da mesma, não seja necessariamente proporcional ao seu prestígio ou estatuto, pensamos que os alunos de classe social mais baixa apresentam, já ao nível do 9.º ano de escolaridade, “projectos de carreira de subsistência”, enquanto que os seus colegas de classes mais elevadas, apresentariam “projectos de carreira de realização pessoal”. Isto porque para os alunos de classe social alta parece existir uma consonância entre os seus padrões de interesse e de crenças de eficácia, mais elevados para profissões de alto estatuto, enquanto que, no caso dos alunos de classe baixa, existe um desfasamento: manifestam-se interessados pelas profissões de alto estatuto mas parecem considerá-las inacessíveis ao seu grau de eficácia (Coimbra, 2000).

Impunha-se saber se estas diferenças eram observáveis mais tarde, no contexto de diferentes ofertas de formação que seguem a escolaridade obrigatória. Também nos pareceu relevante tentar perceber se as diferenças de auto-eficácia se restringiam aos domínios académico e ocupacional ou se eram observáveis face a outras dimensões da vida adulta. Por esse motivo, no segundo estudo, questionávamos os jovens acerca do seu grau de confiança para ter sucesso na continuação dos seus estudos

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(prosseguimento de formação) e na obtenção de um “bom” emprego (realização profissional e material), mas também estávamos interessados em averiguar a auto-eficácia para a realização pessoal (por exemplo, tornar-me uma pessoa melhor) e para a conjugalidade e parentalidade (por exemplo, construir uma família). Pudemos observar que as diferenças de auto-eficácia entre grupos sociais se restringiam ao prosseguimento da formação, não existindo diferenças relativamente às restantes dimensões. Os jovens de diferentes níveis socioeconómicos não se distinguem na sua confiança para vir a desempenhar bem diferentes papéis da vida adulta associados à realização profissional e material, à conjugalidade e parentalidade e à realização pessoal. Mais uma vez, encontrámos uma associação entre nível socioeconómico e sucesso escolar que poderá justificar este resultado. Por isso, não é de estranhar que uma percentagem considerável dos jovens de nível socioeconómico mais baixo incluídos no nosso estudo não acreditem que o seu sucesso enquanto adultos, incluindo em termos profissionais, passe pela credenciação escolar, uma vez que, efectivamente, “falharam” no ensino regular. Contudo, existem, felizmente, muitos outros que escapam a este destino.

O fenómeno de resiliência designa a presença de bons resultados, em termos de adaptação, contra todas as probabilidades. A resiliência escolar será, por conseguinte, a capacidade de obter bons resultados apesar da exposição a um nível considerável de risco, sobretudo o associado a um nível socioeconómico baixo e aos seus efeitos cumulativos, como é o caso da exposição a acontecimentos de vida particularmente adversos. De facto, as trajectórias de vida das pessoas têm muito de previsível: existem pessoas cuja boa adaptação é uma resposta a uma exposição baixa à adversidade (adaptados), assim como pessoas cuja má adaptação resulta de uma elevada exposição à adversidade (em risco). O estudo da resiliência psicológica, que remonta já à década de 50, chamou, todavia, a atenção para trajectórias menos previsíveis. O interesse por este processo surgiu precisamente a partir da constatação de que existiam crianças que passavam, aparentemente incólumes, por acontecimentos de vida comummente caracterizados pela sua negatividade e severidade (por exemplo, pobreza, psicopatologia parental). Estes acontecimentos não constituíam, em todos os casos, “traumas” irremediáveis que redundassem em resultados negativos em termos de adaptação (Anthony, 1987; Fergus & Zimmerman, 2005).

Os dois grupos com uma adaptação mais elevada – resiliente e adaptado – diferem, como é evidente, no nível de risco a que já foram sujeitos. No caso do no nosso estudo, os adaptados pertencem a um nível socio-económico elevado e passaram por poucos acontecimentos de vida negativos não só em termos escolares, mas também em termos pessoais e familiares. Já os resilientes, para além de pertencerem a um nível socio-económico baixo, já passaram por um número considerável de acontecimentos de vida negativos nos diferentes domínios. Resilientes e adaptados são, contudo, de tal modo semelhantes nos seus níveis de adaptação que são aparentemente indissociáveis. Ambos apresentam sucesso nos indicadores de adaptação normativa: são bons alunos, estabelecem e mantêm relações interpessoais próximas e não apresentam problemas de delinquência. Para além disso, assemelham-se também nos seus níveis de felicidade e de confiança para fazer face às exigências dos papéis da vida adulta. Valerá por isso a pena tentar compreender os motivos que permitem esta semelhança de adaptação, apesar da disparidade do risco a que foram sujeitos ambos os grupos. De facto, resilientes e adaptados partilham níveis elevados nos seus recursos externos e internos. A percepção de suporte social, em particular por parte dos pais em situações difíceis, é alta e semelhante. Em situações comuns, do quotidiano, os resilientes parecem ser mais auto-suficientes, dispensando a ajuda de outros. Em termos de características pessoais, de forças internas, também são muito parecidos: são resistentes, estão satisfeitos com o que têm conseguido na sua vida e acreditam que conseguem lidar com a generalidade das situações (Coimbra, 2008). Pudemos concluir neste estudo realizado no contexto nacional algo que tem sido também observado em estudos realizados noutras sociedades: os resilientes possuem recursos pessoais e resultados de ajustamento muito semelhantes aos adaptados “não obstante as suas impressionantes diferenças nas experiências de vida” (Masten et al., 2004, p.1075).

Em Portugal, foi ainda identificado um outro grupo que designámos de confiantes. Tal como os resilientes, os confiantes tinham estado expostos a níveis consideráveis de risco: baixo nível socioeconómico e elevada adversidade dos acontecimentos de vida. Apesar de apresentarem baixos níveis de adaptação normativa e de felicidade, que poderia levar à sua identificação como grupo “de risco”, possuem também a particularidade de apresentar elevados índices de confiança

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para fazer face às exigências que os esperam na vida adulta. Este grupo é sobretudo constituído por jovens que, após falharem no ensino regular, encontram no ensino profissional uma “segunda oportunidade” para melhorar as suas condições de vida. Sem dúvida que o ensino profissional parece possuir alguns ingredientes que permitem injectar confiança: um ensino mais individualizado, aprendizagens mais instrumentais para o exercício profissional e, sobretudo, a oportunidade de voltar a ter sucesso ou mesmo de o experienciar pela primeira vez (Coimbra, 2008). Todavia, parece evidente que este grupo pode ser considerado um exemplo paradigmático de uma das imagens de marca da nova geração: o optimismo ilusório ou um excesso de confiança (Arnett, 2006; Twenge, 2006).

4. O alerta da “geração me”: é possível acreditar demasiado?

A auto-eficácia, por princípio, não é realista mas optimista, sendo, por causa disso uma variável motivacional tão importante: estabelecemos sempre metas que excedem, pelo menos um pouco, as nossas reais competências de modo a poder desenvolvê-las. As consequências de crenças de auto-eficácia baixas ou por defeito, em particular no domínio académico, são sobejamente conhecidas: os estudantes pouco auto-eficazes estabelecem metas baixas, são erráticos nas suas estratégias e desistem à mínima adversidade, são mais stressados, ansiosos e, muitas vezes, deprimidos, acabando por fazer escolhas académicas e profissionais pouco promissoras, aquém das suas possibilidades. Menos importância empírica tem sido dada às consequências de uma auto-eficácia demasiado elevada, por excesso. Algumas características associadas à nova geração parecem, a este propósito, ser dignas de reflexão. Jean Twenge (2006) questiona: Porque é que os jovens de hoje são mais confiantes, assertivos e detentores de mais direitos mas também mais infelizes do que os de qualquer outra geração anterior? Estas mudanças geracionais reflectem mudanças da própria sociedade. Twenge propõe o termo “Geração me” para designar todos aqueles que, nascidos nas gerações de 70, 80 e 90 do século passado, foram educados sob o signo do apelidado “movimento da auto-estima”, isto é, quando pais e professores começaram a transmitir a mensagem às suas crianças de que seria mais importante elas gostarem delas próprias, se auto-valorizarem, do que propriamente cumprirem regras, terem bons resultados ou um bom comportamento na escola. Por

isso, é uma geração que parece não conhecer a noção de obrigação, pois acredita que as suas próprias necessidades de auto-realização devem estar primeiro (Twenge, 2006).

Salvaguardadas as devidas diferenças entre a realidade estado-unidense e a portuguesa, algumas características desta geração podem soar-nos familiares. Estas características derivam, aliás, do crescimento do individualismo nas diferentes sociedades ocidentais, onde têm ganho um crescente protagonismo valores de instrumentalidade e assertividade, mais tipicamente masculinos, por contraposição aos valores de expressividade e comunhão, mais tipicamente femininos (Twenge, 1997, 2009). As crianças e jovens desta geração terão sido educados para acreditar que “tudo é possível” e, por isso, nunca como hoje, as expectativas são tão elevadas para todos os grupos sociais. Acreditam, por isso, que vão encontrar empregos que os realizem e têm a certeza que vão ser muito bem sucedidos e ter muito dinheiro. Paradoxalmente, deparam-se com menos oportunidades reais quando fazem a sua transição para a vida adulta. Pela primeira vez, na História recente da Humanidade, não são esperadas melhorias substanciais nas condições de vida para a nova geração, por comparação com as antecessoras. Do desfasamento entre as expectativas e oportunidades reais, nasce o cinismo e disparam os níveis de ansiedade. Aumenta também o locus de controlo externo. Numa geração aparentemente tão confiante e auto-determinada, aumenta a convicção de que o que acontece depende muito pouco do próprio e muito dos outros ou da “sorte”. É verdade que, hoje em dia, a globalização faz crescer a convicção de que muito pouco depende da acção individual, existindo uma forte interdependência entre diferentes países ao nível mundial, como a mais recente crise económica muito bem ilustrou. É, por isso, compreensível que cresça a convicção de que cada um não faz a diferença, que os acontecimentos são governados por forças externas que fogem ao controlo individual. Por isso, os membros desta geração facilmente culpam tudo e todos das contrariedades, todos excepto eles próprios. Tal vai reflectir-se, por exemplo, numa menor participação cívica, como é visível na abstenção nos actos eleitorais, muito embora esteja longe de ser um fenómeno circunscrito às gerações mais novas (Twenge, 2006; Twenge & Campbell, 2009).

Os membros da “geração me” são, então, auto-centrados e narcísicos, o que facilmente se compreende: uma criança ou

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jovem ao qual é transmitida a mensagem de que é único e nunca está errado, vive obcecado consigo mesmo, com o materialismo e a aparência, o que pode comprometer a qualidade das suas relações interpessoais. Esta “epidemia do narcisismo” vai reflectir-se numa grande dificuldade em lidar com o fracasso ou com a crítica, num questionamento da autoridade, seja de pais, professores ou empregadores. Se todos os aceitam tal como são, a motivação para melhorar é muito baixa ou mesmo nula. Todavia, as crianças e jovens desta geração são dependentes do reconhecimento e elogio e cultivam o imediatismo. Sentem-se confortáveis com a simultaneidade e instantaneidade de tarefas, exigem ou procuram respostas rápidas às suas necessidades e pedidos. Gostam de fazer pesquisas no Google que lhes permitam a obtenção de informação condensada e imediata, de preferência no formato multimédia, mas são pouco tolerantes a pesquisas diligentes numa biblioteca, que exijam o dispêndio de tempo na procura e/ou na leitura de textos longos (Twenge, 2006; Twenge & Campbell, 2009; Twenge, Konrath, Foster, 2008). Como se pode observar, na orientação para o resultado, na dificuldade em lidar com o erro ou em despender esforço, os membros desta geração parecem estar mais motivados para evitar o fracasso do que para obter o sucesso, associado a um padrão de desistência, conforme foi previamente referido.

Para a caracterização desta geração, Twenge baseou-se em meta-análises realizadas com intuito de observar como determinadas variáveis psicológicas evoluíram nas últimas décadas. Para o efeito, analisou diferentes estudos que recorreram a questionários idênticos de avaliação de características psicológicas de pessoas na mesma faixa etária, mormente estudantes do ensino secundário e superior, em décadas distintas (desde da década de 60 do século passado, sobretudo). Foi deste modo que a investigadora observou, na geração actual, um aumento do narcisismo, da assertividade, mas também do locus de controlo externo e da ansiedade. No que diz respeito à auto-estima, existem, contudo, dados que nos parecem relevantes para a questão da confiança pessoal mais estritamente associada à auto-eficácia. Num estudo em que se comparavam amostras de alunos do ensino secundário de 1975 e 2006, foi possível observar que, nos mais jovens, há um aumento da visão positiva de si mesmo: sentem-se mais satisfeitos consigo próprios e antecipam-se como melhores trabalhadores, esposos e pais na vida adulta. Contudo, os estudantes de 2006, apesar de se avaliarem até como um pouco

mais inteligentes do que os estudantes de 1975, apresentam valores mais baixos em dois itens específicos, referentes aos resultados e à competência escolares (Twenge & Campbell, 2008). É verdade que a auto-estima, tal como a auto-eficácia, está correlacionada com a realização académica mas a maioria dos estudos indica que ela é mais uma consequência do que uma causa. Contudo, as crianças e jovens da geração actual parecem ter aprendido que não precisam de bons resultados para serem aceites pelos outros e para gostarem de si próprios e para se auto-valorizarem. Um incremento da auto-eficácia, da confiança na competência própria, não dispensa, todavia, a obtenção de bons resultados escolares, realistas e concretos e não inflacionados e vagos. Mais importante do que transmitir a uma criança ou jovem a mensagem de que ele é “especial” e de que “é capaz de tudo”, é proporcionar-lhe a oportunidade de experienciar sucesso em situações concretas que lhe permita perceber em que é efectivamente competente e no que é que (ainda) não é. Por muito bem intencionados que sejam os pais ou professores, eles não estarão a preparar as crianças e jovens para o mundo real ao criarem e alimentarem expectativas demasiado irrealistas e não sustentadas em experiências concretas.

5. Conclusão: algumas implicações para pais e professores

Os estudos demonstram, invariavelmente, que as crenças de auto-eficácia determinam se as pessoas pensam de modo produtivo ou debilitante, se são pessimistas ou optimistas. Consequentemente, influenciam a quantidade de esforço dispendido numa actividade e manutenção da perseverança. Reflectem-se ainda no modo como pensamentos e comportamentos vão sendo regulados e se as pessoas são mais ou menos vulneráveis ao stress e à depressão. Como corolário lógico, as crenças de auto-eficácia podem, de forma determinante, influenciar o nível de realização que as pessoas podem atingir. De uma forma geral, as pessoas só se envolvem em actividades nas quais se sentem competentes e evitam todas aquelas que pensam que não lhes são acessíveis. Evidentemente que as aptidões e o conhecimento reais das pessoas também desempenham um papel importante no que elas escolhem ou não fazer. Todavia, é necessário ter presente que as pessoas interpretam os seus resultados e fazem julgamentos acerca das suas capacidades e conhecimentos. Ora, estas interpretações

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raramente são rigorosas ou exactas. Por este motivo, as crenças da auto-eficácia não raras vezes permitem predizer melhor o comportamento e as escolhas que são feitas do que as capacidades e conhecimentos objectivamente avaliados. Porque acreditar que se é capaz é um bom preditor de ser mesmo capaz, então as crenças de auto-eficácia funcionam como profecias que se auto-cumprem. Os estudantes confiantes antecipam e normalmente obtêm bons resultados. Lamentavelmente, o inverso também é verdade: aqueles a quem falta a confiança, ainda que tivessem capacidades para mais, espera-os o insucesso ou o evitamento de contextos e actividades que poderiam ser mais promissores (Bandura, 1986, 1995, 1997; Pajares, 2006). A auto-eficácia tem sido identificada como uma variável chave nas trajectórias de resiliência, quando bons resultados são obtidos, contra todas as probabilidades, em contextos de elevada adversidade, nomeadamente a associada a níveis socioeconómicos muito baixos (Masten et al., 1999, 2004, 2006).

Os jovens da geração actual podem até ser mais auto-centrados e gostar mais deles próprios. Podem até esperar muito do futuro e saber que outras pessoas também esperam muito deles. Todavia, não acreditam necessariamente mais nas suas capacidades para conseguir materializar essas expectativas (Twenge & Campbell, 2008). Se as coisas não lhes correrem de feição, podem desenvolver a síndrome do impostor, síndrome que se manifesta quando alguém se considera incompetente e teme, a qualquer momento, que a sua suposta imagem pública de competência caia por terra, seja desmascarada. Nestas situações, os desafios são evitados, uma vez que a probabilidade de fracasso é percebida como muito elevada e é fortemente temida. Ora, parece comprovado que as pessoas se arrependem mais dos riscos que não correram por duvidarem de si mesmos, do que daqueles que correram por algum excesso de confiança. As crenças de auto-eficácia mais realistas não são as que beneficiam mais a motivação ou o desempenho. Por isso, promover uma sobrestimação adequada ou um optimismo na medida certa é o desafio, difícil, que se coloca aos educadores (Bandura, 1997; Pajares, 2006).

Sistematizaremos, de seguida, algumas possíveis implicações para pais e professores que derivam dos contributos empíricos dos estudos no âmbito da auto-eficácia (Pajares, 2006; Schunck & Meece, 2006; Zimmerman & Cleary, 2006).

Uma primeira implicação pode até parecer contraproducente, atendendo à competitividade do mundo actual e ao perfil da “geração me” anteriormente delineado. Contudo, a investigação no domínio da auto-eficácia, como noutros constructos motivacionais, sugere que é importante diminuir a comparação interindividual ou, posto de outro modo, substituí-la pela comparação intraindividual. Crescer é, como é evidente, um processo de aprendizagem gradual daquilo em que somos bons e daquilo em que não somos, processo que não dispensa ter os outros como referência no modo como nos avaliamos. As crianças e jovens pouco ganharão em termos de autenticidade se ignorarem, pura e simplesmente, que no mundo real, existem os que “ganham” e os que “perdem”, os “melhores” e os “piores” (Twenge & Campbell, 2009). Se é verdade que uma comparação interindividual mínima é indispensável, também é verdade que um padrão de persistência escolar é característico daqueles alunos que estão menos preocupados em serem melhores do que outros do que em serem melhores do que foram no passado, em progredirem. Estes são os alunos que estão mais interessados em aprender do que em, simplesmente, ter bons resultados escolares (Faria, 1998). Neste sentido, parece importante ter atenção às dinâmicas poderosas que se criam nos trabalhos de grupo. Os pares são, pela sua maior probabilidade de similitude com o observador, um modelo privilegiado para a aprendizagem. Para tal é importante evitar sentimentos de inferioridade ou superioridade extremos, que seriam prejudiciais para todos os elementos envolvidos. Procurar que existam níveis próximos de competência entre os diferentes membros dos grupos de trabalho poderá ser uma boa estratégia.

Não nos podemos esquecer que a fonte mais importante da eficácia pessoal são as experiências anteriores. Este parece ser, aliás, o grande motivo para a existência de diferenças de auto-eficácia entre jovens de diferentes grupos sociais. Por isso, um bom construtor de eficácia, seja um pai ou professor, deve construir situações de aprendizagem desafiadoras, com um grau óptimo de dificuldade, que potenciem a experiência de sucesso por parte de todos os jovens. Não significa que todos tenham que ser bons em tudo, o tempo todo, sem fazer nada nesse sentido. Significa que todos têm que ser bons nalguma coisa, alguma vez, graças ao seu esforço. Porque se todos têm, à partida, acesso à escola e até obrigatoriedade de a frequentar, todos devem ter oportunidade de aí ter sucesso, de

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ter experiências de mestria. Para isso, há estar muito atento aos ritmos de aprendizagem, aos interesses, às potencialidades, às limitações e condições de vida de cada criança ou jovem.

Os educadores não devem, contudo, nunca fazer o trabalho que compete aos seus educandos. Como segunda implicação, temos, então, a necessidade dar ajuda na medida certa. Estamos a falar de uma geração com consideráveis potencialidades em termos de auto-regulação, que está, por exemplo, habituada a procurar informação, de modo autónomo, na internet. Essas potencialidades devem ser aproveitadas, promovidas e generalizadas o mais precocemente possível. De facto, esta geração também está habituada ao imediatismo e a não interiorizar regras, podendo facilmente dispersar-se na planificação e organização do seu próprio trabalho, a longo prazo. Há que ensinar a estabelecer metas e cumprir prazos, ensinar a aprender a aprender ao longo da vida, providenciando uma ajuda mais instrumental do que executiva. Dar a cana e ensinar a pescar é cada vez mais prioritário, num mundo em que a informação, relevante e não relevante, circula velozmente à escala planetária. Ajudar é também estar atento e ensinar a estar atento não só ao comportamento em si mas a tudo o que ele possa significar em termos emocionais. A ansiedade não deve ser sempre interpretada como um sinal de vulnerabilidade: as “borboletas na barriga” que antecedem momentos de avaliação importantes não devem ser dramatizadas e podem mesmo ser estimulantes. Já estratégias debilitantes, que se instalam e perpetuam, como a auto-depreciação ou procrastinação, podem ser sinais de alerta de uma exacerbação debilitante da ansiedade.

Como terceira implicação, gostaríamos de sublinhar a importância da adequação do feedback, isto é, atentar ao seu timing, qualidade e quantidade. Já vimos que estamos perante uma geração que é bastante dependente do elogio e que não suporta a crítica negativa (Twenge, 2006). A credibilidade do emissor da persuasão verbal e social faz toda a diferença, como vimos aquando da apresentação das fontes de auto-eficácia. Por isso, há que elogiar o que é digno de elogio, dar um encorajamento honesto e na medida e altura certas. Não são aconselháveis prémios para o cumprimento de requisitos mínimos, tal só iria aumentar a motivação extrínseca. Um reforço atempado que se destina a uma pessoa e a um desempenho específicos, que refere, de forma realista, os seus

pontos fortes mas também fracos, é um melhor guia para futuros desempenhos. Para além disso, é mais memorável para o próprio e não fragiliza aqueles que, à volta, não recebem um feedback semelhante. Este encorajamento deve estar mais focado no esforço e persistência, algo que depende mais directamente do controlo pessoal, do que na aptidão ou inteligência. Muitas vezes, estamos a transmitir mensagens sem o sabermos ou mesmo sem o desejarmos. Há, por isso, que ser cuidadoso e estar atento porque as mensagens que são transmitidas, verbal ou não verbalmente, deliberada ou ou não deliberadamente, podem jamais ser esquecidas.

Os pais e professores também não se devem nunca esquecer que estão sempre a servir de exemplo. Quer queiram, quer não queiram, quer saibam, quer não saibam, são eleitos como modelos privilegiados nas experiências vicariantes dos seus educandos. A confiança é contagiosa e é um hábito (ou quem sabe um vício?), pelo que os pais, professores e mesmo escolas, famílias e sociedades mais auto-eficazes criam crianças e jovens também mais auto-eficazes. Ter sucesso ou ganhar é relativamente fácil de digerir, mais difícil será ter fracasso ou perder. Por isso, tão importante como aprender e ensinar a ter sucesso, é aprender e ensinar a perseverar quando se fracassa. Como tivemos oportunidade de referir, esta geração parece particularmente pouco preparada para lidar com contrariedades. Seria bom que os seus educadores soubessem ser modelos de mestria mas também de falibilidade, não quisessem estar sempre certos ou ter sempre razão.

O largamente discutido desfasamento entre as expectativas e a realidade não retira importância à preocupação que os educadores devem ter com a orientação para o futuro. Num mundo cada vez mais competitivo e interdependente, ganha ainda mais relevância o reforço da auto-determinação, a proactividade, a agência pessoal. Ao longo do processo, há que ir moldando a clareza e adequação das expectativas e incentivando a auto-reflexão, sem deixar que esta resvale para a obsessão ou para a auto-centragem. É importante aferir, de modo mais ou menos estruturado, a auto-eficácia dos jovens, porque ela nem sempre é evidente ou manifesta. Quanto mais cedo for avaliada, mais cedo é reflectida. No caso de tratarem de crenças menos adaptativas, torna também mais provável a sua permeabilidade à intervenção. Há que promover o optimismo, uma perspectiva risonha da vida, uma antecipação positiva do

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futuro. Saber onde se quer chegar, visualizar o que mais se deseja, dá propósito à existência. O sonho é que comanda a vida, mas o seu valor motivacional é bastante limitado. Há que decompor os grandes sonhos em pequenas metas, cujo alcance vai sustentando a motivação e alimentando a confiança.

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Los juegos de lenguaje y alfabetización inicial

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ResumoEn este artículo proponemos reflexionar sobre la importancia de los juegos de lenguaje en el aprendizaje del lenguaje oral o escrito y mostrar los procedimientos para jugar con el lenguaje. La reflexión se basa en los datos sobre los juegos lingüísticos como parte del el ambiente del niño: en el habla de la madre, en la sensibilidad mostrada por el bebé y en sus producciones iniciales; así como del folklore infantil de las distintas tradiciones orales del mundo. Además se presentan una serie de procedimientos de juego verbal sobre el sistema de la lengua que pueden servir para crear actividades pedagógicas con los juegos de lenguaje como contenido para aprender la lengua, en particular para aprender el lenguaje escrito.

Ana Teberosky1 e Núria Ribera1

Introducción 1

En Educación Infantil y primeros cursos de primaria hay un consenso entre los educadores sobre la incorporación de juegos verbales en las actividades y entre los materiales de enseñanza. Se considera que es algo que agrada a los niños, los motiva y sirve para fines tales como despertar la imaginación, la creatividad o la participación social. Sin embargo, no se ve en ellos una oportunidad para trabajar el lenguaje, tampoco ha recibido mucha atención en el dominio de la alfabetización (Crystal, 1996).

El primer objetivo de este artículo es reflexionar sobre la importancia de los juegos de lenguaje (JL desde ahora) sobre el aprendizaje y mostrar los procedimientos que se usan para jugar con el lenguaje. El segundo objetivo es presentar situaciones para incorporar los juegos verbales, no sólo por motivos sociales sino como contexto de actividades lingüísticas óptimas para aprender la lengua, en particular para aprender el lenguaje escrito.

Nuestros argumentos se basan, en resultados de estudios empíricos y teóricos que muestran, en primer lugar, que cuando se juega con el lenguaje se están usando procedimientos que forman parte del sistema de la lengua que todos los hablantes

1 Departamento de Psicologia Evolutiva e da Educação na Universidade de Barcelona.

pueden usar; en segundo lugar, que esos procedimientos están en el ambiente lingüístico del niño: en el habla de la madre dirigida al bebé y en sus vocalizaciones iniciales realizadas desde la cuna; que constituyen el folklore de los preescolares en las distintas tradiciones orales para acompañar los juegos motores o para aprender cosas sobre el mundo; y que, como hemos recordado, forman parte de la tradición escolar.

Jugar con el lenguaje es una manera de manipular sus elementos y componentes siguiendo algunas reglas o alterándolas en relación con algún contexto social y cultural. En la definición del juego como manipulación de las reglas coinciden varios estudiosos; coinciden también en que todo el mundo juega con el lenguaje y responde a los juegos. Están de acuerdo en que la función de los juegos es lúdica, por diversión, pero sus consecuencias repercuten sobre el aprendizaje. Crystal (1996), por ejemplo, interpreta el “manipular” literalmente: escogemos una cierta característica lingüística –tal como una palabra, una frase, una parte de una palabra, un grupo de sonidos, una serie de letras- y hacemos con ellos algo que no hacemos frecuentemente, que rompe las reglas de la lengua.

Sherzer (2002) también concuerda en estos dos aspectos: hay manipulación de los elementos de diferentes niveles (desde sonidos a sintaxis, semántica, discurso, y pueden incluir varios idiomas usados en situaciones multilingües) y se alteran las reglas. Los juegos pueden ser con humor o serios, con

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intención o sin ella, pero dado el foco sobre la manipulación, los JL implican algún grado de selección y de conciencia más allá de uso cotidiano del lenguaje.

En lo que sigue vamos a considerar diversas clasificaciones de acuerdo a los procedimientos implicados en los JL para luego resumir los estudios sobre su uso (en el discurso, en el habla materna e infantil y en los juegos preescolares) y encarar la propuesta del trabajo en el aula y en la familia con el objetivo de crear situaciones de aprendizaje del lenguaje y de lo escrito.

1. Clasificación según los procedimientos impli- cados en los JL

Los procedimientos de los juegos son inherentes a la estructura formal del lenguaje, y son también explotados en la retórica, en la poética y en el discurso en general. Por ejemplo, en las formas de asociaciones de palabras, en las repeticiones y paralelismos y en todas las respuestas que implican creatividad. Puesto que se trata de procedimientos sobre los elementos y componentes de la lengua, los juegos resultan un buen instrumento para analizar su estructura y para poner de relieve las varias maneras en que el lenguaje puede ser trabajado.

1.1. Los estudiosos (Cook, 1997; Sherzer, 2002) muestran que dado que el lenguaje implica una relación entre los sonidos y los significados, un procedimiento básico consiste en manipular el significante, como en las rimas, la aliteración y la asonancia. Los procedimientos basados en el significado incluyen figuras retóricas como la comparación, la metonimia y la metáfora. También hay juegos basados en la relación entre significantes y significados, como los retruécanos, los simbolismos sonoros y la poesía visual.

1.2. Cook (1997) clasifica los juegos en dos tipos: i). juegos con la forma de lengua, por ejemplo con los sonidos, con la rima o el ritmo, en la canción, los retruécanos, el paralelismo gramatical, y ii). juegos semánticos, “juego con las unidades de significado, combinándolas de las maneras que crean los mundos que no existen, como las ficciones” (1997, p. 228). Estos dos tipos de juegos o dos variedades forman parte del folklore de los niños en poesías infantiles, poemas, cuentos de hadas y fábulas, etc.

1.3. Yagüello (1981) considera que hay tres tipos de juegos: juegos sobre la forma (oral y escrita), sobre el sentido y juegos sobre los dos a la vez. El juego sobre la forma sonora es esencialmente la rima, la repetición, la aliteración y la asonancia, el acercamiento de parónimos (palabras vecinas fonéticamente), las falsas parejas, contrapets (sustitución de sonidos). El juego con el sentido implica el acercamiento inesperado de palabras, la explotación de la sinonimia, de la ambigüedad en todas sus formas, la violación del sentido propiamente dicho en la alusión o los rodeos. En los niños el juego con los sonidos precede el juego con el sentido.

Estos procedimientos para Yagüello (1981) se encuentran en los JL, en la poesía, en los proverbios, aforismos, folklore infantil, en las fórmulas mágicas y rituales y en los eslóganes publicitarios. 1.4. Por otra parte, la lengua está organizada en niveles: fonético y fonológico, morfológico, lexical, sintáctico, semántico, discursivo. Los juegos pueden operar en estos diferentes niveles. Puesto que también hay relaciones entre estos niveles entre sí y dado que estas relaciones pueden ser ambiguas, inconsistentes y poco regulares; los juegos operan explotando dichas inconsistencias. Chiaro (1992) clasifica los juegos verbales deliberados (por oposición a los involuntarios) de acuerdo con las etiquetas que normalmente se usan en la descripción de los niveles del lenguaje: gráficos, fonológicos, morfológicos, lexicales, sintácticos, etc. Así los juegos se identifican con la forma con la que son construidos. 1.5. Kuczaj (1982), en cambio, enfoca más el proceso de juego y considera que implica tres tipos de comportamiento básicos: modificación, imitación (de otras personas), y repetición (de uno mismo).

1.6. Lantolf (2000), por su parte, considera el juego como un ensayo o como una forma de preparación para usar la lengua. Desde una perspectiva vygotskiana, interpreta que el juego verbal crea una zona del desarrollo próximo en la cual el niño “se comporta más allá de su edad media, sobre su comportamiento diario”.

En resumen, donde unos consideran la oposición forma y sentido, otros siguen los niveles del lenguaje, unos acentúan

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más el aspecto lúdico, otros lo interpretan como ensayo. Pero todos coinciden en sus efectos sobre el desarrollo del lenguaje, así como su potencial educativo para el aprendizaje.

2. Procedimientos

De acuerdo a las propuestas de los anteriores autores, los procedimientos más importantes pueden resumirse de la siguiente forma.

Iconicidad - El procedimiento de iconicidad sonora hace referencia a expresiones que no son totalmente arbitrarias, sino que están motivadas por alguna relación con lo que representan, aunque esas expresiones sean bastante convencionales. - Las actividades pueden consistir en reconocer las unidades que imitan los sonidos, identificar lo que se pretende representar e imitarlas. - El ejemplo más conocido son las onomatopeyas como manifestación de cierto simbolismo sonoro, pero también interjecciones, retahílas y canciones que acompañan la acción realizada por los niños (saltar, correr, comba, etc.).

Reduplicación- Implica la ocurrencia doble o múltiple de sonidos, sílabas o fonemas, de morfemas, de palabras o de frases. - La actividad puede consistir en duplicar o repetir algún elemento de diferentes niveles de lenguaje, con diferentes objetivos, como reciprocidad, intensidad, costumbre o atenuación. - La reduplicación es característica de ciertos registros (como el habla materna a los bebés, el insulto o el lenguaje emocional). Es usada para expresar aumento o disminución y está relacionada con el paralelismo, principal recurso del lenguaje poético. Por ejemplo, en las rimas, jerigonza y canciones infantiles.

Inversión, sustitución y cambios- La inversión se puede hacer sobre una categoría del mundo (por ejemplo, alterar los límites entre categorías, juntando animal y humano) o sobre algún elemento del discurso (fonémico, morfémico o gráfico). La sustitución de algún elemento puede hacerse sobre la sílaba (por ejemplo, la consonante inicial de la sílaba o las vocales) o sobre las palabras, cambiando algunos de esos elementos. - La actividad puede realizarse por selección de vocales, en las

expresiones monovocálicas, por sustitución de sentido en el calambur o en el nonsense, por fusión como en las palabras maleta (con fusión de categorías) y en los cambios de sílabas entre palabras, como en los contrapets, con inversiones como en los palíndromos, etc.

Deletreo- Juegos basados en el deletreo de palabras se dan básicamente en modalidad escrita, pero algunos también pueden realizarse de forma oral. - Por ejemplo, las actividades de juegos con el alfabeto, la charade, los deletreos, anagramas, palíndromos. Aquí se pueden incluir las disposiciones de lo escrito, como los caligramas, las palabras cruzadas, etc.

Paralelismo- Se trata de un principio de equivalencia y de simetría entre diferentes aspectos de la lengua: se puede tratar de paralelismos métricos, semánticos o sintácticos. - Este procedimiento se concreta en actividades que consisten en seleccionar estructuras métricas, establecer paralelismos sintácticos, en repetir o contrastar elementos lexicales y fonológicos, o en organizar de forma deliberada la estructura sintáctica, por ejemplo por medio de combinaciones o de repeticiones.

Incongruencia y ambigüedad - Son procedimientos para establecer varios significados de una expresión. A nivel lexical se suele usar la homonimia o la polisemia. Por ejemplo, las adivinanzas son juegos estructurados generalmente como preguntas, que son dependientes en ambigüedad fonológica, morfológica, léxica, o sintáctica. - La actividad que se puede desarrollar con la incongruencia se basa en la identificación de ésta, con la ambigüedad es más difícil porque para solucionar correctamente una adivinanza los niños deben tener cierta comprensión de la ambigüedad de las palabras. - La mayoría de chistes construidos para niños o imitados por ellos recurren a este tipo de procedimiento semántico de ambigüedad (Sutton-Smith, 1988). Así también los acertijos, las réplicas, los duelos y retruécanos.

Violaciones y manipulaciones del sentido- Las violaciones y manipulaciones afectan a aspectos

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pragmáticos y sintáctico-semánticos y se encuentran en las bromas y retruécanos convencionales. - Las actividades de violación más elementales que realizan los niños suelen mezclar humor verbal y agresión verbal y se expresan en el uso de palabras no permitidas, en insultos o en expresiones emocionales. - Pero, por ejemplo el humor verbal no es fácil de comprender, sólo los adolescentes o los jóvenes pueden llegar a comprender y producir este humor verbal, incluyendo el uso de la ironía y del sarcasmo (Crystal, 1994).

3. Los JL en la adquisición de la lengua

Los JL están presentes de tres formas en la adquisición de la lengua- Como parte del lenguaje que los padres dirigen a sus hijos- Por la sensibilidad y preferencia que los bebés muestran hacia los JL- Como proceso de producción

3.1. Como parte del lenguaje que los padres dirigen a sus hijos

En todas las sociedades humanas la gente modifica su habla normal para hablar con los niños pequeños. Estas modificaciones son sobre todo prosódicas (con acentos, ritmos y entonaciones propias), gramaticales (las frases son generalmente cortas), lexicales (con selección de palabras especiales), fonológicas (con reduplicaciones) y discursivas (mayor proporción de preguntas). La descripción de hechos del ambiente lingüístico de los bebés ha mostrado que ese hablar especial de las madres presenta ciertas características poéticas (Miall & Dissanayake, 2002). Por ejemplo:- los ritmos marcados, - los tonos, - las vocalizaciones, - las frases repetitivas, - los énfasis, - los ritmos y rimas en las canciones que los padres cantan a sus hijos El lenguaje de la madre, ese especial registro en que se habla a los niños, tiene aspectos particulares en relación a la fonología y

sintaxis. La característica más notable es prosódica: la entonación presenta tonos amplios y exagerados. Y desde el punto de vista fonológico hay simplificaciones y reduplicaciones.

Además, las madres y padres tienden a hablar más lentamente, con exagerada y cuidada enunciación, tiene poca fluidez en sus frases y hacen pausas entre las palabras. Los límites entre frases son más marcados, se evitan los comienzos falsos y las interrupciones se reducen.

Ferguson (1978) sostiene que los bebés tienen verdadero placer en participar en esos juegos. Se puede asumir que estas características son universales. En cuanto al léxico se usa una cantidad reducida de palabras, las áreas semánticas típicas son las partes del cuerpo, las funciones, las comidas, los animales y los juegos infantiles.

3.2. Por la sensibilidad y preferencia que los bebés muestran hacia los JL

Un estudio de Glenn & Cunninghan (1983) muestra que los niños prestan más atención a los versos que a otra clase de lenguaje. Pareciera que esta respuesta es también una conducta universal, independiente del ambiente cultural y del aspecto lingüístico. Tendemos a pensar que los géneros del lenguaje están determinados más por la cultura que por la biología. Sin embargo, a pesar de la diversidad cultural, la atracción por algunos de ellos podría ser muy prematura (canciones, narración, verso, chistes, cotilleo, juegos).

Estas formas son muy extendidas, entre ellas el ritmo, puede ser fácilmente discriminado por el niño. Una de las funciones del ritmo parece ser proveer un patrón en el lenguaje. Frederick Turner (1992) sostiene que el ritmo en el lenguaje estimula el cerebro y aumenta el poder de la memoria. El ritmo es constitutivo de la danza, de la música y del lenguaje, aunque los adultos usan y perciben estos tres de forma separada, es probable que para los niños los límites no esté tan claros. Raffman (1993) ha argumentado que la habilidad para discriminar ciertos intervalos musicales, armonías y rimo aparecen junto a la habilidad de distinguir sonidos hablados. Junto con la interacción (Locke, 1993), la mirada, los turnos, el ritmo constituyen los elementos más primitivos de la comunicación social. También hay ritmo en muchas ceremonias, en las paradas militares, en las bodas,

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en el trabajo manual y en los juegos. Es un procedimiento de regulación interna.

3.3. Como proceso de producción

Yagüello (1981) sostiene que en un comienzo el lenguaje no es más que música, juego, lugar de exploración. El juego está en la lengua y recíprocamente. Durante el período de prácticas de balbuceo, que sigue la fase del gorjeo, la palabra es binaria como los muestran las primeras palabras que aprende el bebé: mamá, papá, pipí, caca, bebé, etc.

EstadiosLos estudiosos sostienen que hay varias etapas en el desarrollo del juego con el lenguaje. En un primer momento se trata de un juego fonético aparece como el primer estadio, desde la edad del año. Todo tipo de juegos de modulación, de verbalizaciones ocurren en esta época.

Las verbalizaciones acompañan los juegos motores y se siguen por secuencias melódicas, secuencias de sílabas, tarareo, cantando. En esa época los ruidos representan acciones de ambulancias, policía, teléfono, motores y otras cosas que producen sonidos.

Garvey (1977) es la primera investigadora que estudió los JL en la adquisición. Según Garvey (1977) el nivel más primitivo de JL es el de la fonación o el proceso real de emitir sonidos entre los 6 y los 12 meses. Se trata de un juego no comunicativo. Las vocalizaciones son rítmicas, silábicas y repetitivas; las sílabas y la prosodia de la entonación y el acento proveen del material verbal para los juegos en esta edad.

Entre 2 y 3 años se da un importante avance. Los sonidos más convencionales son aprendidos y usados para identificar ciertos acontecimientos y acciones. Ejemplos de las identificaciones entre sonidos y acciones son “rin-rin” del teléfono, el “rum-rum” del coche, el “ñam-ñam” de la comida, o el “chaf!” de los objetos que caen. La reduplicación de las sílabas es la característica principal de formación de muchos de estos sonidos.

Este período es un de los más ricos en adquisiciones: el juego simbólico y el lenguaje van juntos. El niño o la niña comienzan a ejercitar intercambios conversacionales, preguntas y respuestas,

uso social y de cortesía del lenguaje, y prácticas de contar, listar y denominar. Se trata, dice Garvey, de un desarrollo fonológico, gramatical y semántico junto.A partir de los 3 años se desarrolla el juego social de lenguaje. Garvey sugiere que hay tres tipos de juegos sociales: los juegos de palabras espontáneos y basados en el ritmo, el juego de fantasía y nonsense y el discurso con convenciones. En relación al primero, se ha mostrado la predilección infantil por el ritmo, la rima y la aliteración. Las propiedades fonológicas de la lengua parecen muy disponibles, pero también las propiedades morfológica, como la formación de diminutivos y de aumentativos. En relación al segundo tipo de juegos de fantasía y de nonsense, la dimensión de distorsión del significado convencional y de disparate es una importante fuente de places. Finalmente, el aspecto pragmático de conversación resulta un campo para distorsionar o violar las convenciones conversacionales.

Garvey (1977) sostiene que el lenguaje no es sólo madera para el juego, es también el instrumento para crear otro tipo de juego social y mental, como es el “hacer ver que” o falsa creencia. Al final de esta etapa el niño puede llegar a usar el lenguaje para funciones cognitivas más complejas.

ImportanciaEl juego de lenguaje, en particular los juegos con los sonidos, es importante en la infancia por 3 aspectos: contribuye al sustrato fonético, es un factor en el desarrollo fonológico y forma parte del uso social del lenguaje. Estos 3 aspectos son discutidos en conexión con i). el balbuceo, por ejemplo el juego vocal que contribuye al dominio del sustrato fonético, ii). el juego expresivo de juego de palabras común durante el desarrollo de la organización fonológica entre 2 y 5 años y iii). los JL, por ejemplo los juegos sociales basados en maneras de alterar el lenguaje usados en la infancia y adolescencia entre los grupos sociales.

Por otra parte los JL implican una especie de práctica o de ensayo de ciertos aspectos de la fonología, indicador de la competencia fonológica del niño y comienzo del arte verbal, así como de los otros niveles del lenguaje.

Por ejemplo, juego de lenguaje se desarrolla a nivel segmental de manipulación de sílabas. Estos juegos pueden desarrollarse

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de forma oral, incluso en culturas con lenguas de tradición oral (como ciertas lenguas africanas). La unidad de manipulación es la sílaba y no el fonema. La relación entre unidad y tradición oral avalaría la hipótesis de que el trabajo subsilábico está más en relación con la alfabetización (Campbell, 1986; Ohala, 1986). También a través de los juegos morfológicos se ayuda al desarrollo morfosintáctico. Además, las oposiciones y semejanzas semánticas así como los nonsense ayudan en el desarrollo semántico y pragmático en las interacciones ayudan en el desarrollo del uso social del lenguaje.

4. Los JL y la alfabetización

El juego de lenguaje no es lo mismo que la conciencia metalingüística (que implica reflexión), pero tienen algo en común: ambos implican un distanciamiento del lenguaje. Por ello muchos autores han visto su relación con el aprendizaje de la lectura y la escritura.

Por ejemplo, se ha argumentado que el ritmo y la rima pueden ayudar en la alfabetización, porque la sensibilidad a la palabra, a la sílaba y a la segmentación aumenta con el ritmo y la rima. El niño necesita identificar unidades lingüísticas, necesita también segmentar fonemas, silabas, léxico y unidades gramaticales. La versificación ayuda en esa identificación y segmentación. Otra función de la versificación es la de ayudar a la memorización.El ritmo está también en la base de la rima y la sensibilidad a ambos se relaciona, según algunos autores, con la alfabetización (Bryant, Bradley, Maclean & Crossland, 1989; Goswami & Bryant, 1990; Riley, 1996). 5. Los JL en la familia

La relación entre el aprendizaje de la lectura y escritura en los niños y sus interacciones en el entorno familiar ha sido reconocida por numerosas investigaciones. Un número creciente de ellas ha profundizado en los aspectos relevantes de esta interacción (Dickinson & DeTemple 1998; Whitehurst & Longingan 1998; entre otros) así como en las posibles formas de intervención para optimizar la influencia del contexto familiar en el aprendizaje de la lectura y escritura de los niños (Caspe, 2003; Crawford & Zygouris-Coe, 2006; entre otros). La mayoría de estos estudios se han centrado en la lectura conjunta de cuentos, otros han resaltado la influencia del estilo de lenguaje familiar. Los JL y

las canciones infantiles han recibido menor atención a pesar de que su presencia, en mayor o menor grado, en todas las familias, incluso en aquellas con un bajo nivel de alfabetización. Si bien todos los niños realizan espontáneamente algún tipo de juego con el lenguaje, su impacto en la alfabetización es mayor cuando lo hacen con participación de adultos (Yaden, Rowe & McGillivray, 1999).

En nuestra intervención llevada a cabo en familias de niños de 4, 5 y 6 años de la ciudad de Barcelona hemos podido observar la multiplicidad de canciones y juegos que las familias realizan así como la facilidad con que pueden incrementar su presencia y/o ampliar su variedad. Muchos de los juegos y canciones propuestas, si bien algunas familias no acostumbran a hacerlos con sus hijos, les son conocidos y los habían cantado o jugado en su infancia. Por otra parte, los padres manifiestan que les es útil tener un amplio abanico de juegos y canciones para compartir con sus hijos en momentos de inactividad física forzosa como pueden ser los viajes, las esperas en la consulta del médico, etc.

En general, el trabajo cognitivo requerido en los juegos es de mayor complejidad que el requerido en las canciones. En estas últimas, la repetición y la memorización favorecen el análisis sobre lo escuchado: cualquier canción, por el hecho de ser un lenguaje estable acompañado de música y ritmo, favorece la memorización del texto y con ella el aprendizaje de vocabulario y estructuras lingüísticas diferentes a las usadas en el lenguaje cotidiano. La reproducción del texto, el output, se convierte en input para el propio niño propiciando la reflexión sobre el mismo, es decir, la actividad metalingüística (Elbers, 2000). En los JL el análisis no es sobre un universo dado, sino sobre el conjunto de posibilidades existentes en la mente del jugador y la manipulación de los elementos no viene dada sino que es producida por el propio jugador.

A continuación exponemos algunos ejemplos de canciones y juegos, que se han usado para jugar con niños en los momentos de alfabetización inicial, junto con los procedimientos implicados y su potencial de aprendizaje:

5.1. Canciones y juegos que favorecen el análisis y la manipulación sublexical:

5.1.1. Rimas. Las rimas en versos, canciones y juegos favorecen

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la atención al aspecto sonoro del habla, las comparaciones y asociaciones entre finales de diferentes palabras y con ellos el desarrollo de la conciencia fonológica (Crystal, 1996).

Ej: Debajo del puente Hay una serpiente Se lava los dientes Con agua caliente Juego: producción de rimas y pareados.

5.1.2. Canciones con repetición de la sílaba final o inicial de algunas palabras. Centran la atención en el aspecto sonoro del habla y ejercitan la segmentación silábica.

Ej: debajo un botón ton ton que encontró Martín tin tin… Juego: Encadenamientos de palabras por repetición de la

sílaba final. 5.1.3. Canciones con repetición de la primera letra seguida por

vocales diferentes. Favorecen el análisis silábico y el subsilábico

Ej: Jo sóc un pobre Ma me mi mo músic de carrer Que sempre que jo Pa pe pi po puc toco el que sé… Juego: aliteración de sonido y letra inicial

5.1.4. Canciones, trabalenguas y juegos basados en la alitera- aliteración. Favorecen ladiscriminación de consonantes i grupos consonánticos.

Ej: tres tristes tigresLos juegos pueden consistir en nombrar palabras que empiecen por una determinada consonante, generalmente tienen un ritual de entrada tal como “El abuelo volvió de las Américas en un barco cargado de… patatas” y los participantes añaden nuevos elementos con la misma consonante inicial.

5.1.5. Canciones y lenguajes inventados de tipo monovocálico. La substitución de todas las vocales por una única favo- favorece la discriminación entre vocales y consonantes, el conocimiento del universo cerrado de las vocales y el del valor semántico de las consonantes.

Ej: Le mer estebe serene…

5.1.6. Canciones y juegos que nombran las letras. Ej: El conocido juego de “veo, veo” una cosa que empieza por la pe, o por la eme…

5.2. Canciones y juegos que implican análisis semántico y lexical

5.2.1. Canciones y adivinanzas que cambian el sentido de las

palabras de una frase al cambiar su segmentación o su separación (calambur). Favorece el análisis sonoro de la palabra así como el análisis de la segmentación de los enunciados en palabras.

Ej: A la vuelta de la esquina Me encontré con Don Pinocho Y me dijo que contara hasta ocho Pin una, pin dos, pin tres, pin cuatro Pin cinco, pin seis, pin siete y pin ocho Ej: Oro no es, plata no es, ¿Qué es? PlátanoJuegos: por el mismo procedimiento de unir o separar palabras se puede jugar a las “palabras canguro” que consiste en buscar palabras que contengan a otra en su interior. Ej: Palabras que tengan “mar”: amarillo, martes… Palabras que contengan “pan”: espanto, pantalón…O bien inventar palabras nuevas juntando partes de otras. Ej: ¿Cómo se llamaría un animal que es mitad vaca y mitad cabra? Vacabra

5.2.2. Canciones que suprimen palabras substituyéndolas por gestos. Favorecen la separación del enunciado en palabras.

Ej: Mi barba tiene tres pelos…

5.2.3. Canciones y juegos que amplían el vocabulario de un campo semántico.

Ej: Todas aquellas canciones que mantienen su estructura variando el sustantivo dentro del mismo campo semántico. “El Joan petit quan balla, balla amb el dit/ amb la ma/ amb el cap…“

Los juegos consisten en decir palabras del mismo campo semántico hasta que un participante repite una o no puede decir más.

5.2.4. Adivinanzas, chistes y chascarrillos que juegan con la homonimia. Favorecen la comprensión del sentido en

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función del contexto. Ej.: ¿No nada nada? No traje traje

5.2.5. Juegos, canciones y adivinanzas que desarrollan la definición de palabras en sentido real (propiedades, sinonimia), figurado (metáforas y metonimia) o a partir de contrarios y nonsense.

Ej: El juego de los disparates que consiste en mezclar el sujeto y el predicado de una frase. Juegos de engaño que consisten en representar la acción del predicado cuando el sujeto cumple la condición del mismo. El director del juego puede engañar: producir la acción cuando no corresponde. “Vuelan, vuelan… aviones, pájaros, trenes…

5.2.6. Juegos que favorecen el uso de hiperónimos. Ej: adivinar objetos o personajes que uno de los partici- pantes ha pensado a partir de preguntas. ¿es un mueble? ¿es una fruta?...

5.3. Canciones y juegos que trabajan reproduciendo,mani-pulando o recreando textos.

Toda memorización y reproducción de canciones, poesías, proverbios o cualquier otro texto estable contiene el potencial de aprendizaje de estructuras que pueden ser usadas en otros contextos. La representación de los mismos, con o sin lenguaje, con o sin adivinación por parte de otro jugador, colabora a la incorporación de estructuras. Por otra parte, existen gran cantidad de juegos para trabajar y recrear textos. La mayoría de ellos requieren de la escritura (textos cloze, juegos con matrices, etc.) y por ello no los especificamos en este artículo.

6. Los JL en la escuela

A pesar de las relaciones entre los JL y el aprendizaje de la lectura y la escritura todavía son pocos los libros o los proyectos pedagógicos que incorporan los juegos en los materiales de enseñanza. Crystal (1996) sostiene que apoyándose uno en el otro se puede ayudar al niño en el aprendizaje.

Según Ely & McCabe (1994) un cuarto de todos los enunciados producidos por nos niños preescolares contiene alguna forma de JL. Los niños tratan el lenguaje como tratan otros objetos,

como una fuente de manipulaciones y los juegos espontáneos los lleva a la invención de palabras y a las palabras sin sentido. Esto mismo ocurre en los intentos infantiles de crear poesía. Por ejemplo Dowker (1989) pide a los niños generar poemas en respuesta a imágenes y encuentra respuestas semejantes a las anteriores.

Los niños muestran una tendencia a jugar con los aspectos fonológicos del lenguaje. También demuestran interés en adivinanzas que dependen de aspectos morfológicos, sintácticos o lexicales de ambigüedad.

En resumen y siguiendo la argumentación de Crystal (1996) podemos decir que hay tres razones para promover los JL en la educación lingüística: son naturales, espontáneos y universales. Naturales, porque las gente aprende a jugar con el lenguaje desde pequeño, forma parte de la más temprana interacción madre-hijo y de las primeras producciones infantiles (Garvey, 1977). Espontáneos en el sentido de que la gente los incorpora como conducta sin un proceso educativo especial, no requiere entrenamiento no habilidades específicas. Universales, porque atraviesan las culturas, tal como lo ha mostrado la antropología (Kirshenblatt-Gimblett, 1976).

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PARTE 2

A construção do sucesso escolar

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Systemic educational reform in the United States: the no child left behind act of 2001

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AbstractThe first decade of the twenty-first century has been referred to as the “era of accountability” in American public education. A groundswell of public dissatisfaction with the large number of students who were not being served by public schools caused individual states to first impose proficiency standards and examinations to verify that students were achieving as they progressed in school, particularly in reading and mathematics. These individual state initiatives were designed to improve high school graduation rates and close the “achievement gap” between students who traditionally achieved at high levels and those who did not. The federal law, the No Child Left Behind Act of 2001, established national accountability for public schools in the 50 states, with the goal of ALL children achieving proficiency by 2014. The law requires that students in identified subgroups (students with disabilities, racial minorities, those for whom English is the second language, and students with low socio-economic status) learn and make academic progress in order for schools to remain accredited. Although there is still much work to be done, the law and its sanctions transformed public schools. Teachers and school principals became focused on instruction and learning for all students. Progress has been made in the number of students who are proficient in both reading and mathematics in all identified subgroups.

Michael F. DiPaola1

The United States Constitution is silent on the issue of public education. Individual states assume the responsibility of providing education to its citizens and each state constitution guarantees a free public education for children. It wasn’t until 1965 that the Federal Government had a prominent role in public education. In response to growing demands for access to education by marginalized subpopulations, the Elementary and Secondary Education Act (ESEA) of 1965 was passed and signed into law. It introduced the standard of equity to public education. The ESEA required that the national government would provide states with supplemental funding and programs with the goal of equalizing educational opportunity for poor and minority students. As initially designed and implemented, ESEA was well received by the education establishment and by individual state capitols because it provided federal dollars around the country with few stipulations and virtually no accountability for student achievement.

1 The College of William & Mary School of Education.A correspondência relativa a este artigo pode ser endereçada para: [email protected]

In 1981, The National Commission on Excellence in Education Commission was created to address two issues: i) the widespread public perception that something was seriously wrong with the country’s public educational system and ii) the challenge to the preeminence of the US in commerce, industry, science, and technological innovation by competitors throughout the world. After extensive study, the Commission issued a report in 1983, A Nation At Risk: The Imperative For Educational Reform. The report’s purpose was to generate reform of the educational system in fundamental ways and to renew the nation’s commitment to schools and colleges of high quality throughout the country. However, all the Commission members were politicians or business leaders. Educators were skeptical of the Commission’s political agenda. The educational establishment and teacher unions were able to use their power to preserve the status quo in education by effectively neutralizing many of the major school reform proposals that emerged at the national level, like those proposed by A Nation At Risk.

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Figure 1: Federal Education Spending

Figure 2: Percentage of Fourth Graders Reading Proficiently

Title I Constant Dollars

Even when accounting for inflation, funding has doubled since 1985

20

80

0 1992

40

60

100

1994 1998 2000

From 1985 to 2001, federal funding for public education doubled from five billion to over 10 billion dollars. Yet, during the same time period, the percentage of fourth graders reading proficiently hardly increased (see figures 1 & 2).

2

5

8

0

9

3

6

11

Fund

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2000

2001

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1. No Child Left Behind

Despite the nearly $200 billion in Federal spending since the passage of the Elementary and Secondary Education Act of 1965 (ESEA), many school children were being “left behind”. A bipartisan solution based on accountability, choice, and flexibility in Federal education programs was crafted and resulted in the landmark No Child Left Behind Act of 2001 (NCLB). The new law had two primary goals: to improve the performance of America’s elementary and secondary schools and to close the achievement gap between minority and poor children and their majority counterparts. NCLB requires increased accountability for states, school districts, and schools; greater choice for parents and students, particularly those attending low-performing schools; more flexibility for States and local educational agencies (LEAs) in the use of Federal education dollars; and a stronger emphasis on reading, especially for our youngest children.

1.1. Accountability

The NCLB Act strengthens accountability by requiring states to implement statewide accountability systems covering all public schools and students. These systems must be based on challenging state standards in reading and mathematics, annual testing for all students in grades 3-8, and annual statewide progress objectives ensuring that all groups of students reach proficiency within 12 years by 2014. Poverty, race, ethnicity, disability, and limited English proficiency must be reported in assessment results and state progress objectives to ensure that no group is left behind. School districts and schools that fail to make adequate yearly progress (AYP) toward statewide proficiency goals will, over time, be subject to improvement, corrective action, and restructuring measures aimed at getting them back on course to meet State standards. Schools that meet or exceed AYP objectives or close achievement gaps will be eligible for State Academic Achievement Awards.

1.2. Choices for Parents and Students

The NCLB Act significantly increases the choices available to the parents of students attending schools that fail to meet state standards. Local school districts (LEA) must give corrective action or restructuring the opportunity to attend a better public school within the school district and must provide transportation

to the new school to students attending schools identified for improvement. For students attending persistently failing schools (those that have failed to meet state standards for at least 3 of the 4 preceding years), LEAs must permit low-income students to use funds to obtain supplemental educational services from the public-or private-sector provider selected by the students and their parents. Providers must meet state standards and offer services tailored to help participating students meet challenging state academic standards. To help ensure that LEAs offer meaningful choices, the new law requires school districts to spend up to 20 percent of their federal money to provide school choice and supplemental educational services to eligible students.

In addition to helping ensure that no child loses the opportunity for a quality education because he or she is stuck in a failing school, the choice and supplemental service requirements provide a substantial incentive for low-performing schools to improve. Schools that want to avoid losing students and the portion of their annual budgets provided for those students will have to improve or, if they fail to make AYP for 5 years, they run the risk of reconstitution under a restructured plan.

1.3. Flexibility

The flexibility provisions in the NCLB Act include authority for states and LEAs to transfer up to 50 percent of the funding they receive under 4 major state grant programs to any one of the following programs: Teacher Quality State Grants, Educational Technology, Innovative Programs, and Safe and Drug-Free Schools.

1.4. Reading First

A goal of No Child Left Behind is that every child can read by the end of third grade. To accomplish this goal, the new Reading First initiative significantly increases the federal investment in scientifically based reading instruction programs in the early grades. Parental involvement, especially demonstrating how parents can directly help their children by reading to them from an early age, providing opportunities for children to read, and restricting access to television and other distracters is a key element. One major benefit of this approach is to reduce identification of children for special education services due to a lack of appropriate reading instruction in their early years.

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2. NCLB Revisited

The enactment of NCLB in 2001 addressed the public concerns of low standards and failing schools. NCLB has been successful in focusing educators to work to increase standardized test scores and to force localities to focus on rigorous state standards of learning. Certainly, NCLB ensures that states are focused on improving outcomes and increases accountability for schools that do not show improvement. Educational reform and accountability are hallmarks of the law as both the overall quality of teaching and learning has improved, especially for students who were not achieving prior to its enactment. Furthermore, making schools accountable for the learning of all students has heightened public awareness of the issues related to meeting the needs of students who are members of minority groups (special education, non-English speakers, ethnic minorities, and the poor).

However, while the goals of NCLB are noble and consistent with the outcry for educational reform, a myriad of unintended consequences have resulted. Some educators and policy makers argue that NCLB has led to a narrow-minded focus on achievement on standardized tests and “teaching to the test” that encourages only minimum competency. There is little debate that much of this is occurring in our schools. As a matter of fact, some states publish specific information like “test blueprints” and release test items that help teachers teach to the test. This often results in learning that is rote memorization, surface level skill building, and uninspired. Teachers lose their creativity and forget to make learning fun. Such practice fails to broaden and enhance the various talents that students may have that are outside of the standards-based curriculum. The pressure of high stakes tests can have many detrimental effects beyond just what and how teachers teach; it also affects how teachers feel about teaching and how students feel about learning.

Although NCLB has dramatically increased services and learning opportunities for those students traditionally left behind, it has had an equally detrimental effect on gifted and high ability learners. NCLB challenged the sources of inequity in American schools, but at the same time created inequities for our gifted population. With such a narrow focus on the learning standards being tested, teachers do not take time for the enrichment necessary to challenge high ability learners. While the intense

focus is placed on remediating at-risk students, the high ability learners may be left with an uninspired, unchallenging, un-enriched educational experience. By not addressing the needs of these learners, A Nation at Risk may truly become the state of affairs in America.

Perhaps the largest negative impact of NCLB is on schools who serve a high population of disadvantaged students or schools in urban, low income areas. One consequence of not making AYP, which is a greater challenge for such schools, is the reduction of much needed funding. Obviously, these schools are in most need of resources, so such a sanction is counterproductive and inconsistent with the goals of the Act itself. NCLB must take into account the incremental progress that schools make even though their levels of student achievement do not favorably compare to other schools that do not have so many educationally challenged students.

From the onset, educators have argued that the NCLB goal of 100 percent of students being proficient in reading in mathematics by 2014 is unrealistic and unattainable, especially given the wide range of student abilities and capacities. Another concern is focused on the discrepancy between the “standards” set by individual states. Some states have set lower standards to ensure that more of their students are successful. However, our history of state responsibility and control of education results in persistent resistance to “national” standards. Despite these dysfunctions, NCLB can be a viable solution if careful attention is made in modifying the law so that it builds on the positive outcomes and ameliorates the negatives.

The reauthorization of the NCLB law has been discussed since 2007. More recently, the Obama administration has called for broad changes in how schools are judged to be succeeding or failing, as well as for the elimination of the law’s 2014 utopian goal of bringing every American child to academic proficiency. The proposals for changes in the main law governing the federal role in public schools would eliminate or rework many of the provisions that teachers’ unions, associations of principals, school boards and other groups have found most objectionable. But the proposals do not abandon the law’s commitments to closing the achievement gap between minority and white students and to encouraging teacher quality. The intention is to change federal financing formulas so that a portion of the money

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is awarded to schools based on academic progress, rather than by formulas that apportion money to districts according to their numbers of students, especially poor students. The changes would have to be approved by Congress, which has been at a stalemate for years over how to change the policy.

NCLB should not be viewed as an end but a means to an end. It can be the building block to collect data needed to plan for continued improvement and to provide focus on the challenges ahead. Our continued success in the face of global competition depends on it.

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Envolver a família no e através do Programa Nacional do Ensino do Português

(PNEP)

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ResumoO projecto “A Escrita mensageira entre a Escola e a Comunidade”, teve como objectivo principal promover as competências de literacia familiar, nas famílias das crianças das turmas do 1º CEB, cujo professor estava envolvido na formação do Programa Nacional do Ensino de Português (PNEP). No âmbito deste projecto realizou-se um trabalho colectivo de escrita familiar, comum à nossa comunidade escolar, que permitiu uma reflexão conjunta e a tomada de consciência que a partilha e a cooperação entre a escola e a família são contributos-chave para o desenvolvimento das competências de leitura e de escrita, descobrindo na escola e em família o prazer de ler e de escrever.

Pretende-se nesta comunicação apresentar os principais objectivos, estratégias e produtos desenvolvidos ao longo deste projecto.

Cristina Pinto1

1. Introdução

Falar de literacia no âmbito de um projecto relacionado com o desenvolvimento da literacia familiar implica necessariamente uma abordagem na sua dimensão mais abrangente, com toda a carga de natureza escolar, social e, logo, cultural que traz consigo.

Actualmente, o conceito de literacia apoia-se numa pluralidade de competências, pessoais, familiares e sociais, assim como de aspectos funcionais relacionados com os modos diversos de obter e utilizar a informação na sociedade do conhecimento. Daí que a forma plural – literacias, encontrada actualmente com maior frequência, sirva de imediato como indicador de um conteúdo variado, complexo e flexível, permitindo cada vez melhor a adaptação às necessidades inesperadas e imprevisíveis dos tempos e da sociedade em que vivemos (Strecht-Ribeiro, 2006).1

Hoje, graças à investigação efectuada por Ferreiro e Teberosky (1985), sabemos que a aprendizagem da leitura e da escrita se

1 Formadora Residente do Programa Nacional do Ensino de Português - Agrupamento de Escolas de Condeixa de Condeixa-a-Nova. A correspondência relativa a este artigo pode ser endereçada para: [email protected]

inicia muito antes do início de sua escolarização, pois a escrita, por ser um objecto de função fundamentalmente social, já faz parte do quotidiano dos educandos. Nenhuma criança entra na escola sem nada saber sobre a leitura e a escrita. E, o processo de alfabetização é longo e trabalhoso, independente da classe social ou meio em que a criança vive. Esta mudança de conceitos, práticas e atitudes tem sido desencadeada pela compreensão do erro como erro construtivo e pelo respeito ao processo de aprendizagem de cada educando, seja ele adulto ou criança.

Por todas estas razões hoje urge cultivar e desenvolver a relação escola-família tornando esse envolvimento, de cooperação e parceria de responsabilidades pedagógicas e educacionais, efectivo.

A relação escola-família é uma realidade existente em todas as escolas, ainda que a sua efectivação em termos de envolvimento ou colaboração só se verifique numa pequena percentagem das mesmas. Os estudos conhecidos sobre esta área, quer a nível nacional quer internacional, agrupam-na em categorias como: as associação de pais; as expectativas dos pais face à frequência de contextos educativos formais – a participação dos pais como práticas de cidadania; as expectativas dos professores sobre o envolvimento; a participação dos pais nos órgãos de decisão das escolas, as estruturas de mediação escola-família.

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De acordo com Sarmento e Marques (2006), esta não é a relação que a sociedade de hoje exige. Mas, o que é certo, é que a escola da tradição republicana, não se baseando no multiculturalismo, não se desenvolveu com base e a partir das idiossincrasias locais. Cresceu à revelia das diferenças culturais e sociais, exercendo-se como instrumento político de poder de um Estado centralizado. “O inconveniente de o povo saber ler não estava propriamente no facto em si mesmo, mas no uso perigoso que dele poderia resultar” (Carvalho, 1996, p. 728).

Este período prolonga-se até aos finais dos anos 60, em que o Estado, com forte determinação ideológica, impediu o acesso à escola dos portadores de saberes não-escolares não se colocando, por isso, o problema da definição das relações entre a instituição escolar e a comunidade (Correia, 1999).

Esta era uma escola que defendia uma identidade que se queria nacional e que se impôs e sobrepôs às identidades locais. Assim, enquanto que na Europa do pós-Segunda Guerra Mundial, em contexto de conceptualização e de operacionalização da sinonímia desenvolvimento, como desenvolvimento económico, a educação formal surge como factor fundamental para a promoção da mobilidade social ascendente e, como tal, um direito que se reivindica, em Portugal só em 1960 se institui a escolaridade obrigatória de quatro anos para ambos os sexos, de seis anos em 1964 (Cortesão, 1988) e de nove anos em 1986 (Lei nº 46/86) alargando, deste modo, a base social de recrutamento da escola.

Na actualidade, ainda que essencialmente numa lógica de continuidade a relação dos professores com as famílias dos seus alunos tende a surgir em concomitância um estreitamento de relações potencia um melhor desempenho académico das crianças.

No entanto, estatutariamente possibilitadas de participar na gestão da escola, as famílias fazem-no essencialmente por representação. Os professores olham-nas como recursos a quem solicitam apoio pontual para o desenvolvimento de actividades múltiplas e são alguém a quem, normativamente, precisam de informar sobre as suas intenções de trabalho e sobre o desempenho global dos seus alunos.

Isto é, as relações escola-família e vice-versa, tendem a

pautar-se pela formalidade. A informação prestada, no primeiro caso, não significa uma verdadeira desocultação dos sentidos das intenções educativas dos professores com vista a uma participação pró-activa das famílias, mas tão só um procedimento formal de comunicação de intenções. Porém, tudo isto e apenas isto não chega, a relação escola-família que urge desenvolver configura, não apenas, uma concepção de escola, mas também uma concepção de sociedade

Assim, só é possível entender a existência de relação entre escolas-famílias, num modelo de escola que admita, para lá dos imperativos legislativos, a relevância da acção educativa se inserir num projecto educativo de uma comunidade em que, como tal, todos (pais, professores, alunos, outros actores sociais) tenham espaço de participação, e em que às crianças, particularmente, seja assegurado o direito a uma educação informada, “que assenta na lógica da sua participação com voz nos processos de vida em que se desenvolvem” (Marques, 2005, p. 3). Porque “as crianças, mais do que necessitarem da nossa acção socializadora, necessitam de oportunidades para se exercerem como actores com direito a serem ouvidos e lidos na sua forma de olhar e conceber o mundo” (Garcez, 2001, p. 1).

A presente comunicação centra-se, essencialmente, na apresentação de um projecto educativo, no domínio da Literacia Familiar que visa promover a construção de uma ponte que aproxime efectivamente a escola da família (e vice-versa) na abordagem ao processo de aprendizagem da leitura e da escrita feita pela família e a adoptada pela escola, desenvolvido no ano lectivo de 2008/09, no Agrupamento de Escolas de Condeixa-a-Nova, por um grupo de professores envolvidos na Formação do Programa Nacional para o Ensino de Português (PNEP).

O PNEP é um programa da responsabilidade do Ministério da Educação, desenvolvido em parceria com as Universidades ou Escolas Superiores de Educação.

A orientação deste programa está a cargo de uma Comissão Nacional de Acompanhamento, coordenada pela Professora Dra. Inês Sim-Sim e de uma outra comissão mais alargada da qual também faz parte a Professora Dra. Lucília Salgado. Há em cada núcleo de formação um coordenador regional que faz a ponte entre as diferentes instituições envolvidas, sendo também o responsável pela coordenação da formação dos Formadores

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Residentes e por consequência da formação que se desenvolve nos diferentes agrupamentos abrangidos pelo seu núcleo de coordenação. No nosso caso, é com muito agrado que temos como coordenador regional o Professor Dr. Pedro Custódio.

O PNEP teve o seu início no ano lectivo de 2006/07 e tem como objectivo melhorar os níveis de compreensão de leitura e de expressão oral e escrita em todas as escolas do 1º ciclo, num período entre quatro a oito anos, através da modificação das práticas docentes do ensino da língua. Surge como mais um reforço às medidas urgentes que possam contribuir para a melhoria dos desempenhos dos alunos em competências referentes ao domínio da língua materna, estabelecidas para a União Europeia, na Cimeira de Estocolmo de 2001. Tudo por causa dos resultados obtidos, pelo nosso país, em todos os estudos internacionais de literacia.

Em 2001, a taxa de analfabetismo, no nosso país, era de 9%

e ainda continua a ser uma das mais elevadas. No que diz respeito à dimensão educativa e de acordo com os resultados publicados pela OCDE em 2006, Portugal continua posicionado ao lado dos outros países com níveis de escolaridade mais baixos, designadamente para a população com idades situadas entre os 25 e os 64 anos.

De acordo com o tabela 1, verificamos que Portugal é um dos países que revela índices mais frágeis de qualificação escolar e profissional da sua população adulta e, sobretudo, a mais lenta capacidade de recuperação no conjunto dos países europeus. Cerca de 3.500.000 dos actuais activos têm um nível de escolaridade inferior ao ensino secundário, dos quais 2.600.000 têm um nível de escolaridade inferior ao 9º ano. Mesmo considerando a população mais jovem, cerca de 485.000 jovens adultos entre os 18 e os 24 anos (45% do total) estão a trabalhar sem terem concluído 12 anos de escolaridade, 266.000 dos quais não chegaram a concluir o 9º ano.

HM 25-64 anos 25-34 anos 35-44 anos 45-54 anos

PORTUGAL Sec. Sup. Sec. Sup. Sec. Sup. Sec. Sup.

13,0 11,4 21,2 16,1 13,9 13,9 8,9 8,9

UE15 (2000) 43,0 21,7 48,0 26,8 46,4 22,9 40,7 20,2

Tabela 1: Indicadores socioeducacionais (Cruz, 2005).

Na zona da União Europeia, e no período de 2002-2004, Portugal, juntamente com Malta, apresenta as taxas mais baixas de diplomados com o ensino secundário para o segmento etário dos 20-24 anos (abaixo dos 50%), quando a média da Europa dos 25 se situa acima dos 75% (Comissão Europeia, 2005). Também os dados da OCDE (2005) relativos ao número médio de anos de escolarização da população adulta, em 2003, (média da OCDE = 12 anos) vêm confirmar que o nosso país, com uma média de 8,2 anos de escolarização, se encontra ainda distante

de recuperar a diferença que o separa dos demais países da OCDE (Pinto-Ferreira et al., 2006)

Todavia, perante estes dados do PISA 2006, em que se comparam os desempenhos globais, a literacia de leitura, nos três ciclos PISA, por nível de proficiência atingido pelos alunos portugueses, Portugal continua com níveis abaixo dos desejados em comparação como os resultados dos outros países do espaço da OCDE.

OCDE (2000) Portugal 2000 Portugal 2006

0% Abaixo do nível 1 8,3% 5,8%

22% Nível 3 25,62% 25,62%

29% Nível 4 11,62% 14,9%

9% Nível 5 2,1% 2,8%

Tabela 2: Resultados comparativos dos níveis de literacia (PISA 2006).

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Portugal apresenta ainda uma percentagem superior à da OCDE e à da União Europeia, de 22% de Leitores com muito baixo nível de literacia. Leitores que, acredito, estão nesta condição não por convicção mas porque ao longo do seu percurso académico não tiveram oportunidade de aprender a descobrir o prazer de ler. Também, nos três ciclos PISA, mais de 50% da população portuguesa abrangida neste estudo se encontra ainda no nível 1 e 2, no que diz respeito aos desempenhos globais na literacia de leitura. Em 2007, a EUROSTAT, coloca Portugal em último, dos 27 países que compõe actualmente a União Europeia, quanto à leitura de livros predominando por cá os pequenos leitores, ou seja os que lêem até cinco livros por ano.

Perante esta realidade nacional, o que é facto é que no nosso caso, enquanto professores e profissionais da educação, muito nos temos esforçado para que os objectivos do PNEP sejam realmente atingidos. Na certeza porém que este programa não se esgota em dois anos de formação.

Na verdade, muitas são as razões apontadas, por todos os nossos colegas, para que não tenhamos dúvidas em afirmar que este Programa do Ministério da Educação, para além do seu sucesso, era realmente imprescindível. Acima de tudo porque cativou os professores e lhes devolveu uma boa dose de autoconfiança e segurança pedagógica. Depois porque é consensualmente reconhecido como um impulso e um estímulo positivo à vontade de mudar algumas rotinas pedagógicas enraizadas, até, por alguma negligência política a que esteve sujeita a educação, em geral, e a formação de professores em especial, no que diz respeito ao ensino da língua. Mas, mais importante que o passado é que o PNEP, para além de tudo o que já foi dito, veio contribuir, em muito, para uma tomada de consciência social e educativa, da necessidade de aproximar a escola da família, criando condições efectivas para um maior envolvimento da família nas actividades da escola.

Actualmente, a nossa escola já sente necessidade de um modelo que admita, para lá dos imperativos legislativos, um projecto educativo alargado à comunidade em que pais, professores, alunos e outros actores sociais tenham um espaço de participação efectiva.

O convite permanente à introdução precoce dos livros e à participação das crianças em interacções com os pais

relacionadas com literacia são agora também preocupações pedagógicas diárias. Só tendo os pais e a família como parceiros a aprendizagem da linguagem escrita poderá ser mais natural e significativa.

Tal como considera Miller (1996), os professores e educadores ao iniciarem uma abordagem à literacia, terão que ter em consideração todo o background social e cultural das crianças. Só assim, “conseguirão atribuir valor à literacia desenvolvida pela família e ao contributo que cada criança pode dar para o trabalho desenvolvido na escola ou no jardim-de-infância.” (Mata, 1999, p. 66). Hoje, os pais passaram a ser considerados como elementos fundamentais, cuja participação deve ser mobilizada. “Só tendo os pais e a família como parceiros a aprendizagem da linguagem escrita poderá ser mais natural e significativa.” Hannon (1995, 1996) considera que a importância do papel dos pais no processo de apreensão da linguagem escrita, deve ser considerada quanto a quatro grandes tipos de experiências que podem proporcionar - ORIM:

- Oportunidades para aprender;- Reconhecimento das aquisições da criança; - Interacção em actividades de literacia;- Modelos de literacia

- Oportunidades quando, por exemplo, as levam a contactar e as ajudam a interpretar os escritos do meio; ou quando lhes lêem, por exemplo, histórias, revistas ou notícias dos jornais; ou quando os levam à biblioteca ou mesmo ao possuírem materiais escritos diversificados em casa.

- Reconhecimento e valorização dos avanços que as crianças vão fazendo (estímulo).

- Interacção entre pais e filhos em torno da linguagem escrita em situações do dia-a-dia.

- Modelos de como e quando utilizar a linguagem escrita e, de como valorizar e tirar prazer das actividades de literacia.

Também para o nível de motivação para a leitura, a família possui um papel relevante. As crianças que começam a ler cedo, possuem em casa um ambiente de literacia rico e um maior interesse em aprender a ler e a escrever (Durkin, 1966; cit. in Purcell-Gates, 2000);

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Aquelas que possuem maior interesse na leitura, têm mais livros em casa e os pais lêem-lhes com maior frequência histórias, (Morrow, 1983; Scher & Mackler, 199 cit. por Purcell-Gates, 2000);

Fernandes (2004), em relação às experiências de literacia, comenta que o contexto familiar, tomado como uma só medida, não explica os níveis de desempenho nem o sucesso posterior na aprendizagem da leitura e escrita, porém algumas características de determinados meios ou estratos sociais parecem explicar o processo de aquisição de determinadas competências nesta área nomeadamente:

- Formação Académica - segundo estudos de literacia realizados em Portugal (Benavente et al., 1996 cit. por Fernandes, 2004) o nível de formação académica dos indivíduos é directamente proporcional à variedade, qualidade e quantidade de comportamentos leitores.

- Atitude face à educação - atitude face à educação, e expectativas parentais sobre os filhos.

Num estudo realizado por Fitzgerald, Spiegel & Cunningham (1991), que explorava a percepção parental acerca da aprendizagem da literacia emergente, em pais com baixo e elevado nível de literacia; verificam que os pais em geral concordavam que a aprendizagem da literacia poderia iniciar-se durante a idade pré-escolar, no entanto, o modo como esta se processa, é percepcionado de modo distinto; os pais com nível literário baixo atribuem mais importância à presença de materiais de apoio no lar, preferencialmente aqueles orientados para capacidades; os pais de nível literário elevado percepcionavam-na como uma prática cultural, atribuindo mais importância à modelagem de comportamentos de literacia.

Pode-se, então, concluir que para uns Literacia é uma capacidade de trabalho, a ser adquirida principalmente na escola e para outros é uma transmissão cultural, adquirida de modo indirecto e implícito no lar e comunidade, assim como na escola.

Assim, o que as crianças aprendem acerca da linguagem escrita antes da escola está constrangido pela forma como o impresso é utilizado pelos outros significativos na sua família e comunidade social (Purcell-Gates, 2000).

Por outro lado, de acordo com Leseman e Jong (2001), para o desenvolvimento das competências de literacia as características parentais (o nível vocabular; o nível de educação; o registo linguístico, em casa; o prazer e frequência de leitura); o ambiente linguístico (frequência e duração da leitura conjunta de livros; número de livros em casa; frequência de biblioteca; visibilidade de comportamentos literácitos familiares) e ainda, o ambiente familiar podem contribuir de forma indirecta, através de oportunidades de aprendizagem que podem estimular o desenvolvimento do raciocínio em geral, e as capacidades de resoluções de problemas, promover o reconhecimento de palavras, e promover atitudes sócio-emocionais favoráveis à aprendizagem escolar.

A literacia manifesta-se no ambiente físico, familiar, na comunidade, no trabalho e lazer sendo a sua utilização visível às crianças, consoante os outros significativos recorrem a ela no seu dia-a-dia. Conscientes da importância desta relação, para que o sucesso educativo seja uma realidade, e da necessidade de criar laços efectivos, de cooperação e co-responsabilidade entre a nossa escola e a nossa comunidade, criámos e desenvolvemos, no nosso concelho de Condeixa-a-Nova, um projecto que pretendia despertar, na família, a tomada de consciência das suas competências literácitas e da sua importância para o sucesso escolar, pessoal e social, dos seus educandos.

1.2. Um Projecto – Um contributo para o desenvolvimento da literacia familiar

É com os pais que as crianças começam a aprender e é também com eles que passam mais tempo. Assim, não se pode por um lado, esquecer as suas vivências e as suas experiências de literacia, e por outro lado ignorar estes enquanto parceiros educativos. Contudo, os pais têm que ser tratados como pais, devendo ser incentivados a ler e a desenvolver outras actividades de literacia com os filhos, mas não a ensiná-los no sentido formal do termo. Todas as orientações e intervenções com famílias, com o objectivo de mobilizar e facilitar a sua participação deverão: apoiar-se nos seus interesses, nas suas potencialidades e nas suas vivências; considerar as suas rotinas e hábitos de literacia e também proporcionar oportunidades, recursos e condições para que as estratégias e actividades possam ser postas em prática e nas suas vivências; considerar

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as suas rotinas e hábitos de literacia e também proporcionar oportunidades, recursos e condições para que as estratégias e actividades possam ser postas em prática (Mata, 1999).

Escola e família são parceiros co-responsáveis mas nunca se podem substituir. Se esta cooperação e consciência dos objectivos comuns não for aceite, vai continuar a ser difícil estabelecer uma ponte entre a família e a escola.

Por um lado, a abordagem ao processo de aprendizagem da leitura feita pela família é normalmente diferente da abordagem adoptada na escola. Regra geral, a abordagem que os pais fazem é semelhante à que tiveram quando foram alunos.

Por outro lado, a escola fornece pouca informação sobre as perspectivas com que aborda a leitura. Esta falta de conhecimento mútuo e de informação pode conduzir ao uso de dois diferentes métodos de ensino. Se a escola tem por objectivo desenvolver parcerias com a família, então deverá dar todas as informações relevantes e conhecer as abordagens que a família adopta, encarando-as numa perspectiva positiva.

De acordo com estas considerações, este projecto teve como objectivo geral, promover e criar momentos de leitura e escrita partilhada entre pais e filhos, visando o desenvolvimento de competências de literacia familiar. Tendo como alvos de intervenção crianças e adultos pretendeu-se, mais especificamente, promover:- na criança, momentos de diálogo com os seus pais e contribuir para o desenvolvimento de competências relacionadas com a leitura e a escrita de textos (desenvolver vocabulário, relacionar acontecimentos, desenvolver a imaginação e criatividade, levantar questões, trabalhar conceitos, clarificar e expandir informação, relacionar com experiências pessoais, fazer inferências ...), desenvolver a consciência fonológica e a oralidade.- no adulto, competências para cativar a atenção da criança, proporcionar a leitura e escrita interactiva, apoiar a compreensão da criança, e utilizar estratégias de desenvolvimento da literacia familiar partilhadas com prazer por todos os seus membros.

1.3. Contextualização local

Condeixa-a-Nova, é um concelho da periferia de Coimbra que

de acordo com os dados fornecidos pela Carta Educativa de 2007, tinha, em 2001, cerca de 15.340 habitantes, apresenta uma localização privilegiada no Centro Litoral, à curta distância de 12 km de Coimbra.

A análise da repartição da população activa empregada por sector de actividade económica sublinha a importância que as actividades relacionadas com o sector terciário têm no município, uma vez que este sector representa, no ano mais recente (2001), 69,8% dos empregados.

No que se refere ao sector secundário, actividade com marcada expressão no município, indica-se que apresenta uma estrutura com um número de activos inferior ao registado no Continente em 2001 (28,1% contra 35,5%).

Por último, no sector primário, actividades ligadas à agricultura e principalmente dedicada à produção hortícola, especialmente para auto-consumo, o número de empregados é de apenas 2,2% dos activos, valor inferior ao verificado no Continente (4,8%).

Na leitura da evolução e da estrutura da população residente empregada efectivamente por grupos de actividades, em 2001 tinha o seguinte panorama:- trabalhadores da produção industrial e artesãos 18,9% dos activos empregados, que registou desde 1991 um reforço dos activos (5,0%, de 1191 para 1251 indivíduos), domésticos e trabalhadores similares, que se cifrou em 62,5% (superior ao ocorrido no Continente 18,8%) num contexto também de acréscimo em termos estruturais (de 13,7% para 16,8%).- trabalhadores não qualificados da agricultura, indústria, comércio e serviços tem na estrutura da população residente empregada uma importância também elevada, mesmo tendo ocorrido uma diminuição de 3,1% desde 1991, representando, ainda em 2001, cerca de 14,0% dos empregados.- profissões intelectuais e científicas e empregados administrativos, apresentando importância na estrutura de emprego do município (12,2 e 10,7%, respectivamente), que devem ser entendidas no quadro da dinâmica económica (e demográfica) que descrevemos.

A taxa de analfabetismo no ano de 2001 era de 17,14%, valor acima da média nacional. No entanto, importa referir

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que se observou uma diminuição da taxa de analfabetismo, representando um decréscimo de 2,86% relativamente ao ano de 1991 (20%).

Foi neste contexto social que ousámos apresentar um desafio às famílias, utilizando a leitura e a escrita como pretexto de diálogo entre pais e filhos.

2. Implementação de um projecto de escrita colectiva

2.1. Metodologia

Ao longo destes 22 anos de práticas pedagógicas a defender uma escola aberta à comunidade, em que esta relação se efectivasse em projectos educativos de parceria e cooperação, deparei-me nestes últimos anos com uma realidade um tanto ou quanto diferente. Por isso, e aproveitando a formação do PNEP, resolvi desafiar os meus colegas que faziam parte do meu grupo de formandos a desenvolver um projecto de literacia familiar a que chamámos “Escrita mensageira entre a escola e a família”. Assim, todas as famílias das crianças pertencentes às turmas envolvidas, nesta formação, foram convidadas a participar na elaboração de um texto colectivo, iniciado na sala de aula passando depois de casa em casa, onde cada família, o lia e lhe acrescentava mais um parágrafo contribuindo desta forma para o desenvolvimento da história em construção. A ideia era conseguirmos um conjunto de textos “verdadeiros” e não artefactos escolares. Em que cada família tivesse a espontaneidade, a autonomia, a liberdade para ler o mundo à sua maneira e escrever as suas próprias palavras. Sem a preocupação de usar frases já mecanizadas e, fundamentalmente, sem medo do erro.

No final, compilámos todos os textos, fizemos apenas a sua correcção ortográfica tentando respeitar o mais possível a estrutura do texto original e apresentámos uma maqueta do trabalho à Câmara Municipal de Condeixa-a-Nova que de imediato reconheceu a importância deste trabalho e o apoiou, fazendo a edição de uma pequena brochura que reuniu todos os textos construídos que contou com a participação de cerca de 200 famílias.

O projecto teve a sua mais-valia na aproximação que as escolas

fizeram às famílias propondo-lhes um desafio informal onde todas participaram de uma maneira muito simples e muito peculiar. O que é facto é que para participarem, cada família teve de se organizar, procurar um espaço, no seu quotidiano, para um tempo partilhado de leitura e de escrita. E, este era sem dúvida o grande objectivo deste projecto. Pelo menos durante um momento cada família dedicou à leitura do texto a sua atenção. Juntos tiveram de ler e planear o desenvolvimento que lhe iriam dar, para finalmente serem capazes de acrescentar por escrito o parágrafo que seria o seu contributo familiar.

Na escola, os alunos, todos os dias, disputavam a vez de levar a “Escrita Mensageira” para casa. Pois, nesta actividade eles sabiam que iam dar uma opinião e partilhar com os seus pais um tempo e um espaço familiar de forma entusiasta e descontraída para que o cunho da sua família ficasse patente naquela história.

O mais importante, é que no final, no dia apresentação do projecto, dia 1 de Junho, na Biblioteca Municipal, uma grande parte das famílias esteve presente e quem não esteve fez chegar, até nós, a sua imensa curiosidade em saber qual seria o resultado da história em que tinha participado e o que seria que as outras famílias, das outras escolas teriam feito.

Este projecto foi sem dúvida uma experiência única e diferente para todos os Encarregados de Educação e alunos, tendo sido aceite com muito agrado.

A participação de todos foi um contributo muito enriquecedor para os educandos, no sentido de os despertar, de uma forma diferente, para a escrita. Por outro lado, quando cada um dos professores leu o texto da família da sua turma, foi capaz de reconhecer, apenas pela leitura do parágrafo, a Família que o escreveu. Uns porque se denunciaram através dos seus gostos musicais, do fascínio pela música “pimba”e pelo bairrismo, outros porque aproveitaram para mostrar preocupações sociais e se retratavam numa família altruísta, de poucas posses, desempregada, ou então, numa família numerosa, num desgosto de amor que marcou toda a vida e, porque não também, uma família feliz…. O que é certo é que em todas as histórias havia um cunho familiar facilmente detectável para quem trabalhava naquela escola, com aquele grupo de alunos, daquela comunidade.

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Porém, foi no momento da compilação e correcção dos textos que sentimos maiores dificuldades. Encontrámos, para além dos erros ortográficos, parágrafos completos com marcas de oralidade, estruturas sintácticas complexas e inadequadas e uma falta imensa de coesão textual, com repetições daquilo que atrás já estava escrito sem conseguirem dar continuidade ao desenvolvimento do texto, emaranhados de sucessivos acontecimentos, repentinas alterações do rumo da história e a existência de uma linguagem escrita pouco clara e coerente, principalmente em alguns dos textos construídos.

O que é certo é que todas contribuíram com o seu melhor e o resultado obtido seja motivo de congratulação geral: pais, escolas e comunidade educativa.

Guardámos para nós uma frase que ficou da intervenção de uma mãe e encarregada de educação acerca deste projecto: “Chamem-nos mais vezes à Escola, peçam-nos mais coisas… que nós Pais gostamos!”

Escola Famílias Nº alunos da turma

Anobra 3º e 4º ano 12+4=16Avenal 1º e 3º ano 10+10=20Condeixa 1º A 20Condeixa 1º C e 4º D 12+8=20Condeixa 4º C 21Eira Pedrinha 1º e 4º ano 8+13=21Ega 1º e 2º ano 12+6=18Ega 3º e 4º ano 8+8=16Sebal 1º e 2º ano 9+10=19Sebal 3º e 4º ano 9+10=19Venda da Luisa 3º e 4º ano 6+3=9

Total de Alunos / Famílias 200

Na certeza, porém de que o objectivo fundamental tenha sido o de realizar um trabalho de escrita familiar comum à nossa comunidade escolar que permitisse, no final uma reflexão conjunta e a tomada de consciência que a partilha e a cooperação entre a escola e a família é a chave para ajudar as nossas crianças a desenvolverem as suas competências de leitura e de escrita descobrindo na escola e em família o prazer de ler e de escrever.

3.Projecto: Escrita mensageira entre a escola e a comunidade escolar

3.1. Alvos de intervenção

Incluímos neste trabalho todas as crianças das onze turmas do 1º ciclo do ensino básico, envolvidas na Formação do PNEP, pertencentes a sete Escolas do Agrupamento de Escolas de Condeixa-a-Nova, no ano lectivo de 2008/09A nossa população-alvo distribuiu-se da seguinte forma:

3.2. Estrutura do projecto

O projecto e os seus objectivos foram apresentados aos pais em reunião de escola e o texto em construção era sempre acompanhado por um pequeno texto informativo, comum a todas as escolas, que apresentava algumas directrizes para esta tarefa familiar.

As estratégias usadas para lançamento destes objectivos foram diferenciadas, de acordo com a opção pedagógica de cada professora.

Em duas turmas, as professoras pediram o contributo do Formador Residente do PNEP e a partir da análise das características sócio-familiares da turma preparámos “o

Tabela 3: Alvos de intervenção.

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pontapé de saída” para a história que iria ser construída por aquelas famílias.

Na Escola de Eira Pedrinha: “O tempo estava esquisito e o nosso herói sentia-se submerso numa enorme melancolia…”(Enquanto recordava o seu tempo de criança, resolveu formar um clube de futebol com as crianças que brincavam no recreio da escola que ficava em frente a sua casa)

Na Escola de Condeixa, na turma do 4º C,: “Passaram depressa estes últimos anos, na vida do pequeno Jaime. É o seu último dia de aulas…” Numa outra escola, de uma aldeia onde predominam os pais jovens com baixo nível de expectativas em relação à escola, mas que em número significativo estão agora a frequentar os cursos integrados na Iniciativa Novas Oportunidades, a professora optou por falar com uma família que se disponibilizou a começar a história.

Na Escola de Anobra: “Há muito, muito, tempo dois guerreiros enfrentaram um dragão de três cabeças. Um destes guerreiros seria S. Jorge…”Nas restantes turmas as professoras optaram por propor o desafio à turma e juntos fizeram a selecção duma personagem principal. Depois, alguns deram início à sua caracterização, outros optaram por localizar a acção no tempo…Enfim, foram usadas diversas estratégias e foram feitas opções pedagógicas diferentes. Desta forma, surgiram mais onze motes diferentes que deram origem a histórias completamente distintas.

Na Escola de Avenal a história teve este começo: “Há muito, muito tempo, quando os teus trisavós ainda eram vivos e, em algum lugar, havia um relógio que falava…” (Era um relógio especial companheiro e confidente da sua dona…)

Na escola de Ega – (nas duas turmas): “Numa bela manhã, a Ritinha acordou com uma sensação estranha…” (Uma, é a história do dia-a-dia de uma menina que frequenta a escola - a outra turma uma aventura num dia de escola…)

Na Escola do Sebal, na turma do 1º e 2º anos: “Era uma vez um pónei branco de olhos brilhantes, bem pestanudos, a cauda comprida e muito fofa…” (…que viveu grandes aventuras,

numa floresta mágica à procura de seus pais …)

Também na Escola do Sebal, na turma do 3º e 4º anos, a história começava assim: “Era uma vez dois polícias trapalhões que não sabiam como prender os ladrões…” (prendiam sempre as pessoas erradas e só se metiam em problemas…)

Na Escola de Venda da Luisa: “Era uma vez uma menina que vivia numa casa muito velhinha…” (… mas tinha uma paixão tão grande por livros que, por não ter dinheiro para os comprar, resolveu semeá-los…)

Depois do mote estar dado a história começou a sua viagem de casa em casa e de família em família sempre acompanhada de uma folha que continha as informações necessárias para a continuação do texto, em questão.A verdade é que em cada uma das turmas envolvidas e em cada um dos alunos, se conseguiu criar uma grande expectativa e uma enorme ansiedade para que chegasse a sua vez de levar a história para casa para que a sua família também desse o seu contributo. Mas, o mais importante, para nós é que todos, em todas as escolas e em todas as famílias se mostraram entusiastas e cooperantes durante todo o processo.

3.3. Produto

Finalmente, no dia 1 de Junho de 2009, à noite, na Biblioteca Municipal de Condeixa-a-Nova, através da apresentação de um pequeno livro que reunia os onze textos construídos editado pela Câmara Municipal de Condeixa-a-Nova que desde o início apoiou o nosso projecto, mesmo sem ter muita certeza do seu resultado – tal como nós – demos a conhecer o trabalho final a toda a comunidade.Porém, o que é realmente relevante é que as famílias responderam positivamente ao desafio e o produto conseguido foi de uma extrema riqueza. Principalmente, porque ao longo de todo o processo de construção das histórias foram vários os momentos em que os professores se reuniram e reflectiram sobre o desenrolar deste desafio. Aprendemos imenso.Percebemos que o contributo de um simples parágrafo escrito em família, numa história colectiva, pode ser revelador de uma maneira de ser e estar em sociedade. Pode inclusive ajudar a um desabafo e contribuir para a resolução de um problema pessoal ou familiar.

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Tal como escreveu uma das colegas na sua reflexão “(…) Quando li a história Uma lição de Vida, título escolhido no final pela turma, pela primeira vez, em voz alta, na sala de aula, fiquei perplexa e comovida com o resultado. Em cada parágrafo estava retratada um pedaço de vida de cada família envolvida na sua produção. Todas tão diferentes e tão reais! (…)”Por outro lado, um trabalho assim pode revelar, de alguma forma, a relação que cada família tem com a leitura e com a escrita. Mas, acima de tudo contribui para a aproximação da escola à realidade familiar e isso é sempre um dos factores mais importante. Porque, acima de tudo, nos permite escolher o melhor caminho pedagógico para mais facilmente responder às necessidades educativas de cada uma das nossas crianças e simultaneamente, permite às famílias um sentimento de inclusão que facilita a sua proximidade e confiança, na escola.

4. Considerações Finais

Ao concluirmos a nossa intervenção, diremos que este Projecto de Literacia Familiar, “A escrita mensageira entre a Escola e a Família”, nas escolas do 1º ciclo do ensino básico, do Agrupamento de Escolas de Condeixa-a-Nova, só foi mesmo uma realidade porque contou, com o envolvimento e a cooperação de doze professores que tal como eu acreditaram ser possível, com a participação efectiva de cerca de 200 famílias do nosso concelho que foram sem dúvidas as personagens principais, sem elas nada disto teria existido e, finalmente, com o apoio incondicional da Câmara Municipal de Condeixa-a-Nova. Para todos e a cada interveniente em especial aqui deixamos o nosso agradecimento pessoal.

Por tudo isto, continuamos a acreditar que é possível construir uma escola de qualidade onde cada um – enquanto pessoa e membro de uma comunidade – se sinta verdadeiramente envolvido, essencial e feliz.

Por um lado, é necessário que a família não se demita das suas funções aquando da entrada na escola dos seus educando. Por outro, é necessário que a escola abra efectivamente as portas ao envolvimento das famílias, cooperando e co-responsabilizando-as pelo sucesso escolar de cada um dos seus alunos.

Este foi um desafio que permitiu, a estas famílias, alguns momentos de convívio e descontracção partilhados com a

leitura e a escrita para a construção de uma história colectiva. Foi, apenas, um pequeno contributo para a promoção da literacia familiar porque temos a consciência da sua importância para o sucesso sociocultural e económico do futuro do nosso país.

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EB1 de Condeixa-a-Nova Família da Turma – 4ºC

Anexo 1

Uma lição de VIDA

Passaram depressa estes últimos anos, na vida do pequeno Jaime. É o seu último dia de aulas…Jaime está muito triste. Os seus pais estão desempregados porque a fábrica onde trabalhavam fechou. A

distância entre a casa e a escola é grande e os seus pais não têm dinheiro para lhe pagar o passe do autocarro e as outras despesas escolares. Jaime terá de ajudar os pais na agricultura.

Mas, como todas as crianças, Jaime depressa esqueceu a sua tristeza e o problema, que tanto apoquentava a sua família; até porque, o último dia de aulas anunciava dias de descanso e divertimento na sua aldeia.

Na aldeia do Jaime, para a festa de encerramento do ano escolar, foi convidado um artista local famoso – Toneca Bimba – para dar um concerto de música, que ao saber da situação deste menino resolveu dar à sua família os lucros do evento.

Este foi o impulso que faltava na vida do Jaime. Foi com a doação desse concerto, que o Jaime, passou a ter uma casa decente, um computador, que ele tanto queria, uma playstation para se divertir com os seus amigos. Assim começava o realizar de alguns dos seus sonhos.

Um dos sonhos que o Jaime gostava de ver realizado era que os seus Pais arranjassem um emprego, o que veio a acontecer, porque no concerto da aldeia estava um senhor que tinha um centro hípico e que precisava de um empregado para o ajudar nas tarefas do dia-a-dia.

Jaime, começava a saber o que era ser Feliz. Passados uns meses, sua mãe também arranjou trabalho e as suas vidas melhoravam. Jaime regressou à escola feliz e contente, pois seus pais já lhe podiam dar tudo o que ele tinha direito.

Apesar de andar muito satisfeito com a sua actual sorte, não esquecia os tempos difíceis que vivera. Por isso, na escola, tentava aplicar-se ao máximo, estar com atenção, participar e fazer o seu melhor. Esta atitude não era muito bem vista por alguns colegas, uma vez que ele, para além se ser “o menino bonito” dos professores, nunca “alinhava” nas brincadeiras e ainda por cima tinha o descaramento de lhes dar conselhos: “Sejam responsáveis!”; “Aproveitem a oportunidade que têm!”; “Estudem!”; “A vida dá muitas voltas…” Quem é que ele pensava que era?!

Jaime começava a perceber que as dificuldades por que passara a sua família fizeram com que deixasse de ser criança. A partir desse dia, prometeu a si mesmo que nunca mais rejeitaria uma brincadeira, um jogo ou um convívio, desde que isso não implicasse com o bom andamento das aulas e o seu sucesso escolar. Os problemas seriam para os adultos porque ele não abdicaria da sua infância.

É verdade que, lá no fundo, o Jaime não esquecia as dificuldades por que haviam passado; mas essas memórias contribuíam especialmente para que desse valor a tudo o que no dia-a-dia ia conquistando e experimentando: as brincadeiras e traquinices próprias da sua idade; a Amizade dos seus amigos e companheiros de escola; o Amor dos seus pais e de todos aqueles que, de uma ou de outra forma, iam entrando na sua vida e davam o seu contributo para

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fazer do Jaime aquilo que, afinal ele mais desejava ser: um Homem bom e de nobre carácter.Jaime foi crescendo, tornou-se um adolescente com valores muito próprios, gostava e sentia mesmo uma

enorme necessidade de ajudar as pessoas, talvez por essa mesma razão começou a construir o seu futuro em torno de uma profissão que lhe iria proporcionar a realização pessoal, podendo contribuir para o bem-estar dos outros: decidiu ser médico.

Esta seria a profissão perfeita para poder pôr em prática os seus desejos e concretizar as suas ambições. O seu “samaritanismo” era assim mais fácil de aplicar, a medicina proporcionava-o.

Para conseguir tal objectivo, Jaime teria que estudar cada vez mais. A medicina implicaria excelentes notas para poder ingressar nesse curso. O nosso protagonista está determinado a atingir esta meta. Além disso já tem a sua escolha feita, deseja cuidar e cuidar de crianças. Ambiciona ser pediatra!

Poder vir a ser pediatra fascinava-o. Mas Jaime não queria ser mais um pediatra que trabalha num hospital todo equipado, ou que tem um consultório bonito cheio de brinquedos, o seu desejo era bem maior…

Foi então que Jaime decidiu “arregaçar as mangas”…muitos outros voluntários se juntaram a ele e assim podiam ajudar desde jovens grávidas, crianças desprotegidas e até mesmo aqueles idosos que estavam tão sozinhos. Jaime ajudou muitas pessoas ao longo dos anos, como costumava dizer aos amigos “Somos Todos uma Grande FAMÍLIA!...”

E foi com essa família que o Jaime conseguiu abrir um Centro de Apoio a Crianças, Jovens grávidas e Idosos. Então a população da Vila decidiu dar o nome ao Centro de “Fundação Menino Jaime”.

Sempre preocupado em ajudar os outros, Jaime esqueceu-se de si próprio, de organizar a sua própria vida, de ter a sua própria família, mas, essa situação iria alterar-se. Na Fundação apareceu uma rapariga, entre as muitas que lá chegavam, que lhe chamou a atenção; tinha sido abandonada pelo namorado quando lhe disse que estava grávida e os seus pais, muito conservadores, também não aceitaram o facto e puseram-na fora de casa sem nada…

Mas Jaime, com toda a sua bondade decidiu ajudar a rapariga e acompanhou-a durante a sua gravidez. No momento em que surgiu o rebento, Jaime abraçou a criança como se fosse seu filho e ajudou a educá-lo. Jaime estava pela primeira vez apaixonado…

Pois não teria acontecido isso se não fosse essa rapariga que tanto o fez pensar, e por fim, pensando ainda um pouco mais, decidiu arranjar uma casa, onde pudesse estar junto da sua nova família, que ele tanto gostava.

A rapariga que se chamava Joana, também ficou apaixonada pelo Jaime e começaram a namorar e a criar o bebé. Alguns anos depois casaram e tiveram um filho, o Joel, ficando assim com dois filhos.

E assim a vida continuou… Jaime viveu sempre para além da sua morte. Pois, os seus filhos seguiram os seus passos e continuaram a dar significado à VIDA.

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Escola de Venda Luisa Família da Turma B – 3º e 4º ano

Anexo 2

“A Árvore dos Livros”

Era uma vez uma menina que vivia numa casa muito velhinha. Essa menina chamava-se Daniela, tinha 21 anos, uns bonitos olhos castanhos, cabelos ruivos, lisos e compridos, era alta e um pouco magra.

Gostava muito de estudar e ainda mais de ler. Lia todos os livros que tinha em sua casa. Leu tanto… tanto… tanto… que um dia acabaram os livros...não tinha mais livros para ler.

Então, começou a pensar numa maneira de resolver este problema. Pensou… pensou… pensou… e lembrou-se de começar a cultivar livros. Tirou da estante o seu livro preferido, pegou nas ferramentas necessárias e foi para o jardim.

Abriu um buraco e semeou-o. Todos os dias, a menina regava o livro que tinha semeado. Com a chegada da Primavera, começou a nascer da terra uma pequena planta. Dia após dia, a pequena planta começava a tornar-se numa bela e grande árvore. Certo dia, como de costume, a menina, pela manhã, foi visitar a sua árvore. Os seus olhos castanhos brilharam mais do que o Sol, pois a árvore estava cheia de magníficos livros, que nunca tinha visto.

Sem perder mais tempo, a menina, que estava tão encantada com os livros que a árvore lhe tinha dado, começou a lê-los. Ao ler um dos livros, algo a fez pensar que se calhar havia muitos mais meninos pobres, com interesse na leitura e sem livros para ler. Começou, então, a plantar mais livros para assim poder distribuí-los pelos meninos de todo o Mundo. Passado algum tempo, depois de ter colhido todos os livros, a Daniela resolveu ir pedir à sua melhor amiga, a Rita, que a ajudasse a entregar os livros ao maior número de meninos que conseguissem encontrar.

Começaram, logo, pelos da sua aldeia. Ao entregar o primeiro livro, sentiram-se muito contentes. Pois, sentiram que tinham feito com que alguém ficasse feliz. Apenas com um gesto tão simples, como o de dar, e a felicidade começava a espalhar-se!

Lá continuaram as duas a entregar livros, até à próxima paragem… Algum tempo, depois, a Daniela sentou-se numa pedra, cansada de tanto andar e, aí, acabou por adormecer.

Quando acordou, correu a contar à Rita, uma ideia que tinha tido. Ela tinha descoberto que, afinal, os meninos possuíam a maior riqueza do Mundo, o gosto pela leitura, e elas precisavam continuar a cultivá-lo. No dia seguinte, a Daniela pensou em fazer algo diferente… E, se pensou, melhor o fez, formou um Clube de Leitura. Pois, sabia que o clube também iria ajudar todas as pessoas que não sabiam ler. As duas amigas, escolhiam, todos os dias, uma pequena história e contavam-na para as crianças e idosos. - Os livros dão-nos muita sabedoria - dizia a Daniela. Noutro dia, a Daniela descobriu um livro muito interessante. Tratava-se de uma história romântica. Ela pediu

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à sua amiga Rita que o lesse no Clube de Leitura. O Clube de Leitura tornou-se num local de encontro de todos os habitantes da aldeia onde ouviam as histórias e contavam as suas próprias histórias. E foi através desse clube, e das lindas histórias que a Daniela e a Rita liam, que as pessoas daquela aldeia, aquelas que nunca tinham andado na escola, tiveram uma grande ideia: pedir às duas amigas que as ensinassem a ler e a escrever. Sem pestanejarem, elas aceitaram o desafio. Era maravilhosa, a ideia, e iria dar-lhes muito prazer. Pediram, então, a todos os que quisessem aprender, e também a quem o já sabia fazer, que comparecessem junto à árvore dos livros, todos os dias, depois do almoço. Para espanto delas, logo da primeira vez, toda a aldeia estava presente! A aldeia foi crescendo, construíram-se escolas e até universidades. Todos querem estudar lá. Crê-se que hoje, a aldeia, que entretanto já é uma cidade, é a mais letrada do país, onde o simples acto de ler tornou as pessoas mais felizes e melhores cidadãos.

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Bibliografia

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“ A ler vamos...”: um projecto da Câmara Municipal de Matosinhos

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ResumoA Câmara Municipal de Matosinhos tem vindo a desenvolver um projecto de intervenção que visa a promoção de competências de literacia emergente como estratégia primordial de promoção do sucesso escolar. A Educação Pré-escolar é considerada a etapa fundamental para o início desta intervenção, uma vez que é o contexto inicial e mais precoce com que as crianças se confrontam antes da entrada no ensino formal. A ênfase do projecto é focalizada na aprendizagem da leitura e da escrita, já que este é um domínio transversal e necessário para as restantes aprendizagens. Neste documento são apresentadas as evidências na investigação, a metodologia utilizada no projecto, bem como os resultados encontrados no ano lectivo 2008/09 e as implicações para a prática quotidiana.

Joana Cruz1, Catarina Costa, Célia Silva, Micaela Silva, Patrícia Pinto, Sara Almeida e Tânia Santos

1. Introdução

A leitura e a escrita são competências fundamentais e transversais a todas as áreas do conhecimento. A proficiência nestes domínios é facilitadora do sucesso escolar, desde a entrada na aprendizagem formal (Brandão & Ribeiro, 2009). No entanto, os desempenhos das crianças portuguesas, no âmbito da leitura e da escrita, continuam aquém do expectável e desejável (Santos, Neves, Lima & Carvalho, 2007; Sim-Sim & Viana, 2007). Face ao panorama nacional e à necessidade de promover precocemente o sucesso escolar, a Câmara Municipal de Matosinhos iniciou, no ano lectivo 2005/06, um projecto focalizado na promoção de competências de literacia emergente, ou seja, de competências facilitadoras das aprendizagens da leitura e da escrita. 1

A perspectiva da literacia emergente é recente e baseia-se na noção de que para dominar a linguagem escrita é necessário dominar a linguagem oral (Haney & Hill, 2004; Viana, 2002). A literacia emergente engloba o conjunto de conhecimentos, competências e atitudes que se assumem como precursores do desenvolvimento e da aprendizagem da leitura e escrita, abrangendo igualmente os contextos que facilitam esse desenvolvimento (Whitehurst & Lonigan, 1998). As situações

1 Câmara Municipal de Matosinhos. A correspondência relativa a este artigo pode ser endereçada para: [email protected]

experienciadas pelas crianças em idade pré-escolar, nomeadamente as oportunidades, a quantidade e variedade de leitura, assim como a exploração da linguagem escrita influenciam o desenvolvimento de competências literácitas emergentes.

Investigações realizadas nas últimas décadas têm permitido verificar, relativamente à aprendizagem inicial da leitura e da escrita, que existe uma estreita relação entre o (in)sucesso escolar e três vectores específicos: o desenvolvimento da linguagem oral da criança, mais precisamente no campo lexical e sintáctico; a capacidade que a criança detém para reflectir sobre o conhecimento da sua língua (consciência fonológica, lexical e sintáctica) e os conhecimentos sobre o impresso, potenciados pelo contacto com materiais de leitura e escrita antes mesmo do ensino formal (Fernandes, 2005; Sim-Sim, 2004).

A consciência fonológica pode ser definida como a capacidade de manipulação consciente dos elementos sonoros das palavras (Silva, 2003). Estas competências passam, sobretudo, pela identificação, discriminação e manipulação dos sons da fala e permitem que a criança se aproprie com mais facilidade do princípio alfabético que rege as actividades de leitura e escrita. A literatura revela que a consciência fonológica desempenha um papel importante na aquisição da literacia e na compreensão do princípio alfabético (Martins, Silva e Lourenço, 2009).

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No que concerne ao conhecimento lexical e sintáctico, é essencial que as crianças desenvolvam o conhecimento da língua, a posse de vocabulário e a sua correcta utilização, inicialmente em termos de discurso oral e, posteriormente, em termos de discurso escrito (Viana, 2002). Estas competências de linguagem oral parecem ser fundamentais para a evolução da representação global das palavras e para a sua representação segmental (Whitehurst & Lonigan, 1998), pelo que a exposição a modelos linguísticos orais e impressos de qualidade deve existir desde tenra idade (Lopes, 2004).

Os conhecimentos acerca do impresso (reconhecimento de letras, convenções utilizadas, regras de correspondência grafema-fonema e fonema-grafema) são outras competências pré-leitoras necessárias ao sucesso posterior na aprendizagem formal da leitura e da escrita. A este nível surge também a importância desempenhada pelas escritas inventadas das crianças em idade pré-escolar, que potenciam a aquisição e compreensão do princípio alfabético (Dionísio & Pereira, 2006; Fernandes, 2004).

Embora apresentadas de modo seccionado, as competências supracitadas desenvolvem-se de um modo interdependente e inter-relacionado. Deste modo, as experiências de leitura, as oportunidades de escrita e a proficiência na linguagem oral influenciam-se mutuamente e facilitam o desenvolvimento de cada uma destas competências (Teale & Sulzby, 1989).

Considerando o exposto, a Câmara Municipal de Matosinhos tem vindo a desenvolver uma intervenção com as crianças da educação pré-escolar com o objectivo de promover as competências de literacia emergente. De seguida será apresentada a metodologia utilizada, a abrangência do projecto e os resultados encontrados no ano lectivo 2008/09.

2. Método

2.1. Participantes

O projecto foi implementado em todo o concelho de Matosinhos, não só na rede pública de pré-escolar, como também nas várias Instituição Particular Solidariedade Social (IPSS) existentes, contemplando todas as crianças no último ano da educação pré-escolar. Desta forma, colaboraram com o projecto 10 Agrupamentos Verticais de Escolas, uma Escola

Básica Integrada/Jardim de Infância, e 21 IPSS, perfazendo um total de 1167 crianças de 5 anos avaliadas.

2.2. Instrumentos

No ano lectivo 08/09 foram avaliados os domínios facilitadores da aprendizagem formal da leitura e da escrita, designadamente a linguagem oral, o processamento fonológico e as conceptualizações sobre o impresso. Os instrumentos utilizados foram:- Bateria de provas fonológicas (Silva, 2003);- Avaliação da linguagem oral (Sim-Sim, 2001);- Nome das letras (Silva, 2003);- Convenções sobre o impresso (Teixeira, 1993);- Conceptualizações sobre a linguagem escrita (Ferreiro & Teberosky, 1986).

2.3. Procedimentos

Ao longo do ano lectivo foram efectuados três momentos de avaliação. No primeiro momento, de acordo com o desempenho das crianças, foram criados dois grupos: i) um, cujas crianças apresentavam resultados esperado para a idade – grupo de controlo; ii) outro, com as crianças que necessitavam de intervenção – grupo experimental. Ao longo do ano lectivo o grupo experimental foi alvo de um programa de promoção da literacia emergente, enquanto o grupo de controlo não beneficiou desta intervenção. No final do segundo período as crianças do grupo experimental foram novamente avaliadas. No final do ano lectivo todas as crianças (grupo de controlo e grupo experimental) foram avaliadas. Deste modo, foi analisada a evolução do desempenho das crianças do grupo experimental através de três medidas repetidas no tempo e estudado o impacto do programa através da comparação em dois momentos no tempo entre o grupo de controlo e o experimental, controlando os resultados iniciais, na medida em que no primeiro momento foram criados grupos de acordo com o seu desempenho e, como tal, não eram equivalentes antes da introdução da variável independente.

2.4. Intervenção

Foram seleccionadas algumas obras recomendadas pelo

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Plano Nacional de Leitura e pela Casa da Leitura, bem como dois suportes escritos de natureza informativa (uma notícia e uma receita de culinária). Com base no Programa “Melhor Falar para Melhor Ler” (Viana, 2002), adaptaram-se esses textos e foram criadas sessões de intervenção sistematizadas com enfoque nos diferentes domínios pré-leitores, com uma estrutura que englobava: i) leitura de uma história; ii) exploração do texto; iii) reflexão morfo-sintática; iv) treino da consciência fonológica; v) escrita inventada. Esta intervenção teve um carácter individualizado (grupos com cinco crianças), estruturado e semanal.

Paralelamente à intervenção directa com as crianças foram igualmente realizadas reuniões trimestrais com os Encarregados de Educação, nas quais se pretendeu a partilha de experiências no âmbito da promoção de competências de literacia emergente, bem como o treino parental neste domínio. Concebendo o

papel das educadoras como fundamental no processo de desenvolvimento das competências pré-leitoras e prevendo o efeito multiplicador que uma intervenção conjunta teria na promoção dessas capacidades, foi organizada, em colaboração com a Universidade do Minho, uma acção de formação creditada pelo Conselho Científico-Pedagógico para a Formação Contínua para as educadoras. A acção, cujo objectivo incidiu nos processos de literacia emergente no Jardim-de-Infância, contou com a participação de 55 educadoras, distribuídas por duas edições.

3. Resultados

No primeiro momento de avaliação foram criados dois grupos de crianças consoante o seu desempenho (Figura 1), pelo que com as 478 que apresentavam baixos desempenhos para sua idade, foi iniciada uma intervenção semanal focalizada na promoção de competências pré-leitoras.

Figura 1: Desempenho das crianças sinalizadas vs crianças não sinalizadas no pré-teste.

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Crianças Sinalizadas

Crianças não Sinalizadas

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3.1. Grupo alvo de intervenção

No que se refere à evolução das crianças que foram submetidas ao programa de promoção de competências de literacia emergente, efectuou-se uma análise de medidas repetidas no tempo (com três momentos de avaliação) e verificou-se uma melhoria significativa do desempenho de todas as crianças ao longo do ano lectivo (Figura 2).

Figura 2: Evolução do desempenho das crianças ao longo do tempo.

Foi ainda avaliado o impacto da intervenção para cada uma das competências pré-leitoras, verificando-se um impacto estatisticamente significativo para todas as competências de literacia emergente (cf. Tabela 1).

Tabela 1: Magnitude do efeito para cada competência pré-leitora.

P Magnitude do Efeito

Nomeação F (2; 345) = 5.62, p < .001 .765 Reflexão F (2; 344) = 2.30, p < .001 .572 Classificação Sílaba F (2; 345) = 1.62, p < .001 .484 Classificação Fonema F (2; 345) = 1.10, p < .001 .390 Análise Silábica F (2; 345) = 2.04, p < .001 .542 Supressão F (2; 345) = 3.56, p < .001 .673 Compreensão F (2; 345) = 4.53, p < .001 .724 Reconstrução F (2; 345) = 1.08, p < .001 .385 Conceitos F (2; 345) = 3.10, p < .001 .642 Letras F (2; 345) = 1.78, p < .001 .508 Escrita Inventada F (2; 345) = 3.07, p < .001 .640

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2º Momento

3º Momento

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4. Impacto da intervenção: comparação entre grupo experimental e de controlo

No que se refere à comparação da intervenção entre o grupo experimental e o grupo que não teve intervenção, efectuou-se uma análise de co-variância, no pós-teste, na medida em que os resultados iniciais eram distintos para os dois grupos, devendo, por isso, ser controlados. Verificou-se que (Tabela 2): i) na maioria das competências deixaram de se verificar diferenças em termos do desempenho das crianças, ou seja, as crianças do grupo com intervenção apresentam no final do ano lectivo um desempenho similar às crianças que não precisavam de intervenção; ii) nas competências de Nomeação, Compreensão e Supressão da Sílaba Inicial as crianças do grupo com intervenção apresentaram uma maior evolução do que as que não foram alvo de intervenção; iii) apenas no reconhecimento de letras, o grupo sem intervenção apresentou uma maior evolução, possivelmente explicada pela acção do contexto familiar na promoção desta dimensão.

Dimensão M DP Mestimada Sig.

Nomeação G0 54.30 5.86 49.65.01

G1 49.20 8.73 51.46

Reflexão G0 27.62 7.67 23.58ns

G1 21.89 8.03 23.86

Cla. Sílaba G0 7.16 4.12 6.16ns

G1 5.64 4.07 6.13

Cla. Fonema G0 4.66 3.79 4.07ns

G1 3.23 2.72 3.52

Análise silábica G0 12.71 1.66 12.45ns

G1 12.56 1.50 12.71

Supressão G0 7.98 5.08 7.17 .01

G1 8.11 5.20 8.51

Compreensão G0 22.44 3.82 19.17 .01

G1 18.84 5.19 21.43

Reconstrução G0 9.38 .67 9.21 ns

G1 9.04 1.38 9.12

Conceitos impresso G0 19.82 4.60 17.24 ns

G1 15.57 5.43 16.83

Tabela 2: Análise da co-variância para cada competência.

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5. Discussão e conclusão

A implementação do projecto descrito anteriormente parece demonstrar que as crianças envolvidas melhoram significativamente o seu desempenho. Comparando os resultados encontrados com a implementação do Programa “Melhor Falar para Melhor Ler” (Viana, 2002) assiste-se igualmente à existência de diferenças estatisticamente significativas entre as crianças que foram sujeitas à intervenção e as que não participaram em qualquer programa.

O projecto descrito, à semelhança de outras intervenções/programas de promoção de competências de literacia emergente, parece ter um efeito importante no desenvolvimento literácito das crianças abrangidas. Portanto, a política educativa adoptada pela autarquia parece constituir uma boa aposta na promoção do sucesso escolar, englobando diversos agentes educativos que, articulando as suas acções, contribuem para uma acção coordenada, sustentável e adaptada às necessidades das crianças.Ao analisar o design de intervenção podem ser discutidas diversas ameaças à validade do projecto. No que refere à validade interna foi controlada a mortalidade experimental através do alargamento do projecto a todos os Agrupamentos Verticais de Escolas e IPSS do concelho, no sentido de minimizar o desaparecimento de crianças ao longo do tempo. Ocorreu, no entanto, uma selecção diferencial das crianças na constituição dos grupos experimental e de controlo, uma vez que o objectivo do programa visava a intervenção com crianças em risco. Para salvaguardar esta opção metodológica foram analisados os resultados através da análise da co-variância, sendo controlado o desempenho no primeiro momento de avaliação.

No que concerne à validade externa, procurou controlar-se a validade de tratamento, através da aplicação da variável independente de igual modo pelas nove psicólogas envolvidas no projecto, o que implicou a realização de reuniões periódicas de monitorização da implementação. Uma vez que se trata de uma intervenção alargada a todo o concelho de Matosinhos, verifica-se que ocorreu uma especificidade nos participantes, bem como um enviesamento na selecção das crianças, ainda que o número de sujeitos abrangidos seja abrangente. No entanto, estas opções levantam problemas de generalização dos resultados a outras populações.Finalmente, houve uma preocupação de controlo da validade das conclusões estatísticas do programa, através do cálculo da significância estatística para cada teste utilizado, bem como a análise da magnitude do efeito. Considerando estes parâmetros, verificou-se que, no final do ano lectivo, deixaram de se verificar diferenças significativas em termos do desempenho das crianças, ou seja, as crianças do grupo com intervenção apresentavam antes da entrada no 1º ciclo, um desempenho similar às crianças que não precisaram inicialmente de intervenção. A magnitude do efeito para cada dimensão avaliada foi considerada moderada, na medida em que os resultados variaram entre .39 e .77 (Cohen, 1988).

De um modo geral, o projecto de intervenção “A Ler Vamos…” permite que haja uma estimulação atempada no âmbito da aquisição de competências de literacia emergente por parte das crianças, que facilitem o sucesso escolar.Uma questão que merece uma atenção especial relaciona-se com a influência do projecto na facilitação das aprendizagens formais da leitura e escrita. A investigação tem demonstrado que a implementação de programas específicos de promoção de competências de literacia emergente desde a entrada na educação pré-escolar promove a aquisição de competências facilitadoras do sucesso escolar em momentos posteriores de aprendizagem (Bishop & League, 2006; Fernandes, 2004; Haney & Hill, 2004; Martins & Farinha, 2006; Whitehurst & Lonigan, 1998). Paralelamente, torna-se essencial conhecer as variáveis preditoras do sucesso na aprendizagem da leitura e escrita, pelo que estes constituirão novos desafios da Câmara Municipal de Matosinhos: identificar competências preditoras e analisar o impacto do programa implementado na educação pré-escolar ao longo do 1º ciclo de escolaridade.

Concluindo, a autarquia pretende continuar a apostar na promoção do sucesso escolar, incidindo a intervenção na leitura e na escrita e acompanhando as crianças desde a educação pré-escolar até ao final do 1º ciclo, auxiliando igualmente a transição para o 2º ciclo. A ler vamos…

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Anexo: Participantes no Projecto

Divisão de Educação e Formação – Câmara Municipal de Matosinhos

Vereador da Divisão de Educação e FormaçãoProf. António Correia Pinto ([email protected])

Director do Departamento de Intervenção Económica e SocialEng. Manuel Orvalho ([email protected])

Chefe da Divisão de Educação e FormaçãoDr.ª Fátima Pombal ([email protected])

Técnicas da Divisão de Educação e Formação – Projecto IP

Joana Cruz ([email protected])Patrícia Pinto (patrí[email protected])Marta Almeida ([email protected])Liliana Monteiro ([email protected])Ana Macedo ([email protected])Cristiana Ferreira ([email protected])Elisa Lopes ([email protected])Patrícia Constante ([email protected])Rita Silva ([email protected])

Consultadoria

Iolanda da Silva Ribeiro, CIPSI- Universidade do [email protected]

Agrupamentos e IPSS’s participantes

Agrupamento Vertical de Escolas de S. Mamede de InfestaAgrupamento Vertical de Escolas de PerafitaAgrupamento Vertical de Escolas de CustóiasAgrupamento Vertical de Escolas de Leça do BalioAgrupamento Vertical de Escolas de Leça da Palmeira/Santa Cruz do BispoAgrupamento Vertical de Escolas de LavraAgrupamento Vertical de Escolas de MatosinhosAgrupamento Vertical de Escolas de Matosinhos SulAgrupamento Vertical de Escolas da Senhora da HoraAgrupamento Vertical de Escolas de Irmãos PassosEscola Básica Integrada da BarranhaAssociação Baptista ÁgapeAMAS – Associação Mamedense de Apoio SocialASDG – Associação Social e de Desenvolvimento de GuifõesASSUS – Associação de Solidariedade Social da Urbanização do SeixoCasa do Povo Santa Cruz BispoCentro Cultural de Solidariedade Social GuifõesCentro de Infância, Velhice e Acção Social da S. HoraCentro Infantil Cruz de PauCentro Infantil de S. Mamede de Infesta

Centro Social Leça Balio GondivaiCentro Social Leça Balio MansoCentro Social Leça Balio Recarei Centro Social Padre RamosCentro Social e Paroquial do Padrão da Légua – “Infantário Encanto”Centro Social e Paroquial Padre Ângelo Ferreira PintoCooperativa de Habitação Económica “Aldeia Nova”Irmandade Santa Casa Misericórdia Bom Jesus de Matosinhos – Creche e Jardim-de-Infância da BiquinhaIrmandade Santa Casa Misericórdia Bom Jesus de Matosinhos – Centro InfantilIrmandade Santa Casa Misericórdia Bom Jesus de Matosinhos – ParaísoJardim-de-infância Santa CecíliaJardim-escola João de DeusO Lar do ComércioSolinorte

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PARTE 3

O projecto de escolarização para os filhos e a literacia familiar:

contexto e práticas

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La formation entendue comme processus construit dans l’histoire d’une vie

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ResumoLa formation a toujours sa part de singularité. Elle s’inscrit dans une construction biographique, Les dynamiques d’apprentissage, quels que soient le contexte social et le cadre d’enseignement, correspondent à des processus principalement individuels. Les auteurs travaillant sur l’éducation des adultes ont ainsi toujours insisté sur la part d’autoformation ainsi que sur l’impact des dimensions informelles de l’apprentissage. Il est donc important que l’apprenant adulte ait conscience de sa manière propre d’apprendre, qu’il sache intégrer le temps d’apprentissage dans l’organisation sa vie. Sans minimiser le rôle des acquis du passé scolaire, la clarification du rapport au savoir caractérisant la vie adulte constitue un levier qui va fortement faciliter l’apprentissage, recommandé de nos jours, tout au long de la vie.

Pierre Dominicé1

Il y a une trentaine d’années, lors de ma première visite au Portugal dans le milieu de l’éducation des adultes, un petit avion m’a conduit, avec une délégation du Conseil de l’Europe, à Braganza. Nous avons atterri sur un aéroport qui finissait à peine d’être construit, le taux d’analphabétisme était élevé, des coopératives se créaient, le tourisme rural démarrait. Le Portugal a connu depuis lors un développement considérable. La vitalité du projet éducatif qui vous réunit en fournit un signe évident. D’emblée je tiens à vous remercier de m’avoir invité à participer à votre réflexion. C’est sans doute à travers ce genre de rencontre qui rassemble des acteurs engagés dans le mouvement de l’action éducative, auprès des adultes notamment, que la réflexion sur les processus de formation progresse et que l’Europe se dessine. 1

Les quelques idées et références que je présente sont destinées à contribuer à votre débat. Mes recherches sur l’histoire de vie constituent l’éclairage à partir duquel je m’exprime, en sachant par ailleurs que plus de trente années de pratique dans le domaine de la formation des adultes nourrissent les positions théoriques que je présente. Pendant plus de deux décennies, j’ai proposé aux étudiants de l’un de mes enseignements d’élaborer un récit biographique sur leur parcours éducatif en mettant en évidence les expériences, les connaissances,

1 Universidade de Genebra, Suiça.

les situations et les personnes à partir desquelles ils avaient appris ce qu’ils savaient. Sachant que la formation a toujours sa part de singularité, je me suis constamment interrogé sur les origines biographiques des positions intellectuelles tenues par chacun de mes interlocuteurs. Les diplômes qu’ils ont obtenus ne signifient pas que leurs connaissances soient identiques. En raison de différences découlant de leur âge, de leur insertion professionnelle et de leur contexte socio-économique leurs parcours exercent une influence déterminante sur le rapport qu’ils entretiennent avec le savoir. Quelles que soient les caractéristiques de leurs curriculum vitae, la construction de leur biographie éducative découle de dynamiques individuelles qui donnent forme à ce qu’ils sont et pensent. La formation est donc bien le produit singulier d’un parcours individuel. Telle est la difficulté majeure à laquelle tout formateur est confronté. Il doit travailler en groupe ou enseigner à un public plus ou moins large tout en sachant que ses étudiants, comme ses interlocuteurs de manière générale, vont décoder ce qu’il énonce à partir de présupposés ou d’attentes propres à chacun. Le discours adressé à tous, charpenté sur des principes didactiques, est reçu de manière différenciée. Les résultats obtenus lors de contrôles instituionnels ne restituent qu’une part générale de ce qui est appris. L’essentiel s’inscrit dans un processus que les récits de « biographie éducative » m’ont donné l’occasion d’approcher. Telle est la raison pour laquelle je privilégie l’histoire personnelle. Il ne s’agit nullement de

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céder à un courant de pensée largement inspiré de l’avancée de la société libérale qui aboutit à ce que les sociologues nomment « la société des individus », mais de reconnaître que l’apprentissage de savoirs formels qui a lieu en groupe relève de dynamiques d’appropriation, - je dirais même des dynamiques de sens -, propres à l’apprenant. Les logiques d’enseignement et celles d’apprentissage ne sont pas les mêmes. C’est aussi une des raisons pour lesquelles, en matière d’éducation des adultes, les pionniers de ce domaine ont toujours insisté sur la part d’autoformation du sujet apprenant. Certains ont même présenté à son origine la formation des adultes comme une autoformation assistée. Cette perspective comporte des dimensions interculturelles frappantes. J’ai pu le constater en Chine, pays dans lequel la norme sociale est suivie à la lettre ou en Afrique, région dans laquelle la référence communautaire et souvent familiale est toujours première. Il en résulte une difficulté à accepter la part du sujet que l’apprenant, engagé dans une lecture biographique de son parcours, peine à reconnaître. Le récit que j’ai pratiqué dans ces deux contextes a alors un « effet sujet », c’est-à-dire que l’apprenant prend conscience, dans la démarche biographique, que ce qu’il sait est la résultante de son parcours davantage que le produit des certifications qu’il a obtenues. A Genève, dans une mouvance scolaire marquée par l’effort d’un meilleur accès à l’enseignement supérieur, j’ai pu constater parfois que le détachement avec son milieu d’origine devenait trop fort à tel point que l’apprenant refusait les voies professionnelles auxquelles ses succès scolaires lui permettaient d’accéder. Le cas de cette jeune femme portugaise m’a particulièrement frappé. Excellente étudiante, elle a finalement choisi de devenir enseignante dans les degrés primaires pour que ses parents comprennent à quelle activité reconnue socialement la conduisaient ses études.

Ce constat que tout apprenant a une histoire qui influence très fortement son rapport au savoir m’a conduit à privilégier ce que les américains nomment « l’empowerement » du sujet apprenant. Le cursus scolaire a laissé des traces, souvent des appréhensions, voire des peurs, qui se réactivent dans la phase de vie adulte et viennent perturber l’apprentissage. Le souvenir de l’école, lorsqu’il s’agit d’apprentissage, est souvent marquant. Il y a, comme je l’ai écrit au terme d’une recherche, une « compétence à apprendre » qui a son origine dans la partie scolaire de la biographie. Les matières appréciées des apprenants adultes sont fréquemment celles pour lesquelles ils

ont développé des aptitudes et qui les aident à se lancer dans l’inconnu de connaissances nouvelles. En d’autres termes, contrairement à des représentations erronées, l’apprenant adulte n’est pas plus autonome ou capable de se prendre en charge dans le cadre de l’enseignement que le jeune en situation scolaire. Il présente, à propos de l’apprentissage, une fragilité certaine qui peut même comporter des sentiments de honte. Ce phénomène a lieu à plus forte raison lorsque sa scolarité est limitée et, surtout, lorsqu’il répond aux caractéristiques d’analphabète. Dans la « société de la connaissance », la valorisation du parcours scolaire est considérable et entraîne une sorte de commande à apprendre qui vient renforcer les difficultés éprouvées, voire les échecs obtenus dans le passé. Il est vrai aussi que les exigences cognitives se sont renforcées dans de nombreux secteurs de l’emploi.

Dans une recherche portant sur le bagage de connaissances requises pour l’entrée à l’université pour des apprenants ne disposant pas de diplôme final de l’enseignement secondaire, nous avons essayé de préciser comment les apprenants adultes parvenaient à se mettre à niveau et quelles étaient les compétences mobilisées pour répondre aux exigences des programmes. Ce qui s’est révélé frappant, c’est ce que nous avons appelé « la compétence à vivre », en d’autres termes la capacité d’organiser sa vie comme apprenant confronté à des échéances de travaux à rendre ou d’examens à réussir. Il ne s’agissait pas tellement de puiser dans les connaissances acquises précédemment que de savoir distribuer son temps pour y inclure l’exigence d’apprentissage de connaissances nouvelles. Ce constat met en évidence l’importance de l’accompagnement et, de manière générale, de la socialisation de l’apprenant et non pas uniquement de la didactique. L’adulte qui reprend des études ou se lance dans une démarche comportant des apprentissages formels nouveaux a besoin autant d’encouragements personnalisés que de soutiens intellectuels lui permettant d’identifier sa manière ou son style d’apprendre.

Dans une société dans laquelle le marché de l’emploi est devenu plus compétitif et la soumission à la norme davantage prise en compte dans la sélection, il est vrai que ces comportements évoluent. La difficulté d’assumer son autonomie est remplacée par le souci de répondre adéquatement aux normes attendues, d’avoir des chances d’être retenu pour un emploi qui se fait rare et

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qui devient de toute manière sélectif. J’ai observé ce changement d’attitude parmi les étudiants plus jeunes depuis quelques années. L’appétit d’apprendre diminue. En revanche le souci utilitaire d’obtention des diplômes augmente. Sous l’impulsion des accords de Bologne, la cumulation des certifications est parfois même recherchée comme si ces diplômes assuraient davantage de chance d’accéder à l’emploi ou au maintien d’un poste de travail. Le contexte socio-économique portugais a sans doute ses caractéristiques propres, mais, de manière générale, l’éducation des adultes est prise aujourd’hui dans un circuit de rendement de la formation continue qui a tendance, à mon avis, à disqualifier l’expérience et à donner l’illusion d’une primauté de l’apprentissage formel.

Revenons sur la portée de l’emprise biographique. Quels que soient les justificatifs liés à ce retour vers une conformité de l’apprentissage, vu notamment la place prise par le chômage, et tout en tenant compte de la nécessaire articulation entre certification et emploi, les tactiques personnelles restent centrales. La part du sujet demeure non négligeable. Quelles que soient les conditions dans lesquelles se déroule sa vie, chacun s’efforce de découvrir des issues, de faire face à l’adversité, de se réjouir de moments à vivre. Le récit de vie, selon mon expérience, vient donner une consistance à ce tâtonnement personnel. La narration, comme l’affirme le philosophe Paul Ricoeur, sert de levier à la prise de conscience de son identité. Ricoeur parle en effet fréquemment d’« identité narrative ». Du point de vue de l’éducation des adultes, il importe de sortir les apprenants du silence concernant les voies qu’ils utilisent dans leur rapport à la connaissance, les pistes dans lequel ils se démènent pour avancer là où ils veulent aller. Le récit qui est l’occasion de mettre en forme ces errances participe d’un mouvement d’émancipation et d’ « empowerement » de l’apprenant. Celui-ci parvient, grâce à la narration, à solidifier ce qu’il est et ce qu’il fait, à sortir de normes extérieures pour découvrir ses propres repères. Cette perspective concerne tout apprenant et pas seulement les plus diplômés d’entre eux. Comme je l’ai dit, la « compétence à vivre » est ici première. Se faire confiance n’est pas le propre des savants. C’est une condition de l’apprentissage qu’il s’agisse d’alphabétisation ou d’acquisition de toute connaissance nouvelle.

Il importe de comprendre que l’apprentissage adulte s’inscrit dans le processus de la vie, avec ses aléas et ses moments

forts. Des instances internationales comme l’OCDE ou l’Union Européenne recommandent de se former tout au long de la vie. Essayons, nous les formateurs, de ne pas transformer cette injonction en obligation. Sachons que les adultes se forment malgré comme avec nous. La formation découle de la vie et de la réflexion que les événements marquants suscitent chez ceux qui les vivent. Comme je l’ai écrit dans mon ouvrage publié aux Atats-Unis et portant le titre de « Learning from Our Lives », chacune de nos vies est source d’apprentissage. Pour se former encore faut-il être attentif aux changements qui se produisent tant dans l’environnement que dans sa vie. Les temps plus formels d’apprentissage doivent devenir l’occasion de donner sens à ce qui se passe dans l’existence, en approfondissant les moments vécus significatifs comme invitation à apprendre. Il y a des lieux et des interlocuteurs privilégiés pour cela. Nous, formateurs, pouvons proposer des ressources facilitant ce travail d’apprentissage personnel tout au long de la vie au lieu de nous complaire dans des programmes qui font croire à ceux qui apprennent que nous savons pour eux ce qu’ils doivent apprendre !

Vous m’avez donné la possibilité de profiter de votre réflexion inscrite dans des moments conviviaux. Je vous en remercie vivement.

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Bibliografia

- Dominicé, P. (1990). L’histoire de vie comme processus de formation. Paris: Ed. L’Harmattan.- Dominicé, P. (1998). La contribution de l’approche biographique à la connaissance de la formation. In R. Hofstetter & B. Schneuwly

(Ed.). Le pari des sciences de l’éducation (Raisons Educatives. N° 1999/1-2/2). Bruxelles: DeBoeck.- Dominicé, P., Favario, C., Lataillade L. (2000), La pratique des infirmières spécialistes cliniques, identifier des savoirs spécifiques.

Editions Seli Arslan: Paris- Dominicé, P. (2000) Learning from Our Lives. San Francisco: Jossey-Bass.- Dominicé, P. (2001). Défendre l’indiscipline théorique pour penser la formation. (Cahiers de la Section des Sciences de l’Education

N° 95). Genève: Université de Genève.- Dominicé, P. (2003). Histoire de vie et production de savoir. In H. Lenoir et E. M Lipiansky, Recherche & Innovations en Formation.

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emploi?. In Vandamme M. (ed) Formation Continue Universitaire et parcours professionnelle ( Cahiers de la Section des Sciences de l’Education No 102 ), Université de Genève.

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Momberger Ch. Parcours de vie, apprentissage biographique et formation.- Dominicé, P., Waldvogel F. (2009). Dialogue sur la médecine de demain. Paris: PUF.- Dominicé, P. , Jacquemet S. (2009). Formation et Santé (note de synthèse), Revue Savoirs 19.

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Adultos pouco escolarizados e literacia. Um olhar sobre a literacia em contexto familiar

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ResumoNas sociedades contemporâneas, a literacia constitui uma competência-chave, ou fundamental, para a vida de todos os cidadãos. Os materiais escritos, nos seus múltiplos suportes, estão presentes em diversas situações e contextos do dia-a-dia e a capacidade de os utilizar e interpretar é hoje um requisito básico na vida pessoal, profissional ou social de todos os indivíduos. Isso mesmo tem vindo a ser afirmado e demonstrado num conjunto amplo de estudos. Com diferentes enfoques teóricos, metodológicos e empíricos, a centralidade da literacia nas sociedades contemporâneas têm vindo a ser demonstrada, compreendendo-se cada vez melhor o modo como a leitura e a escrita constituem ferramentas fundamentais no quotidiano de todos os sujeitos.

No âmbito desta comunicação procurar-se-á, num primeiro momento, apresentar alguns elementos de caracterização do perfil de literacia dos adultos em Portugal, destacando, por um lado, a relação entre literacia e escolaridade e, por outro lado, o carácter processual e dinâmico da literacia e a importância das práticas quotidianas de contacto com materiais escritos. Num segundo momento, serão sistematizados alguns resultados de um estudo qualitativo realizado junto de adultos pouco escolarizados recentemente envolvidos em processos de educação e formação; este estudo permitiu perceber a centralidade dos contextos de vida e das redes de relações, em particular as familiares, no desenvolvimento das competências de literacia2.

Patrícia Ávila1

1. Literacia, escolaridade e vida quotidiana resul-tados de estudos extensivos de avaliação de competências 1

O conceito de literacia, tal como tem vindo na ser utilizado em estudos extensivos, nacionais e internacionais, remete precisamente para a utilização de informação escrita para responder às necessidades da vida nas sociedades actuais (Benavente, Rosa et al. 1996; OECD e Statistics Canada 2000; Costa 2003; Ávila 2008). No âmbito destes trabalhos, a literacia é considerada uma competência-chave, ou fundamental, para lidar com grande parte das exigências e desafios das sociedades

1 ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, Departamento de Métodos de Pesquisa Social da Escola de Sociologia e Políticas Públicas, e CIES, ISCTE-IUL.

2 Este texto retoma os resultados de uma investigação mais alargada, os quais se encontram publicados em Ávila, 2008.

contemporâneas, nas quais a informação e o conhecimento, codificados através da escrita, estão presentes nas mais diversas esferas da vida.A participação de Portugal no primeiro estudo internacional de literacia (concluído em 2000) permitiu estabelecer o perfil de literacia da população, comparando-o com o de outros países participantes nessa pesquisa (OECD e Statistics Canada, 2000)3.2Os resultados mostraram que, em Portugal, a grande maioria dos adultos, entre 70 a 80%, se situava nos níveis de literacia mais baixos (níveis 1 e 2), nas três escalas então construídas (literacia em prosa, documental e quantitativa) (Ávila 2008: 166).

3 Embora já com alguns anos, estes dados são, até à data, os únicos disponíveis para comparar, a nível internacional, o perfil de literacia dos adultos portugueses. Está em curso um novo programa internacional neste domínio de investigação, promovido pela OCDE (o PIAAC – Programme for the International Assessment of Adult Competencies), no qual Portugal participa, juntamente com outros 26 países, prevendo-se que os resultados sejam publicados em 2013.

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Figura 1: Competências de literacia (pontuações médias) segundo a escolaridade.

Fonte: IALS, 1998, Base de dados Portugal.

A exploração dos resultados alcançados neste estudo permitiu clarificar alguns elementos fundamentais para análise da literacia. Um deles remete para a relação entre literacia e escolaridade e pode ser visualizado na figura 1. Não sendo uma relação linear perfeita, a intensidade da relação entre os dois indicadores é bastante forte: à medida que aumenta a escolaridade, aumentam também regularmente os níveis médios de competências de literacia (nas três escalas). Clarifica-se, assim, a importância (esperada) da escola enquanto principal contexto de aquisição das competências de literacia.

Porém, quando a leitura da relação entre os dois indicadores é feita tomando como referência a distribuição dos níveis de literacia em cada nível de escolaridade (Figura 2) torna-se evidente que num mesmo grau de escolaridade podem encontrar-se indivíduos com perfis de literacia muito diferenciados. Por exemplo, em Portugal, segundo os dados

apurados no referido estudo, a maioria dos indivíduos com o Básico 3 completo situa-se no nível 2 de literacia (51%), mas cerca de 12% estão abaixo desse nível, enquanto 32% estão no nível 3 e quase 6% estão no nível 4/5. Mesmo no ensino superior observa-se um padrão de distribuição caracterizado pela diversidade: embora seja neste grau de ensino que se observa uma maior percentagem de indivíduos nos níveis 4/5 (27%), a maioria (54%) situa-se no nível 3 e quase 19% estão mesmo abaixo desse nível.

Prosa

Documental

Quantitativa•

B3

MÉD

IAS

Até B2 Secundário Superior

165

210

240

255

285

150

180

195

225

270

280

300

315

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Figura 2: Níveis de literacia (prosa) segundo a escolaridade.

Fonte: IALS, 1998, Base de dados Portugal.

O desfasamento entre escolaridade e competências de literacia pode ter lugar devido a um alargado e complexo conjunto de factores. Podem inventariar-se factores que remetem, em termos gerais, para diferenças ao nível dos contextos de aquisição das competências (sobretudo para o contexto escolar) e outros que remetem para a utilização dessas mesmas competências ao longo da vida, em vários contextos. É sobre este último aspecto que incide, em grande parte, a reflexão a aqui se apresenta, pois pretende-se mostrar que, uma vez adquiridas, as competências de literacia não são estáticas: podem desenvolver-se, mas também podem regredir, para tal contribuindo a utilização que delas for feita no dia-a-dia.

O carácter processual e dinâmico das competências em geral, e da literacia em particular, tem sido destacado nos já referidos

estudos internacionais de avaliação das competências de literacia. As capacidades de processamento de informação estão ancoradas em práticas quotidianas, sem as quais a sua actualização e desenvolvimento não são possíveis. Ou seja, nas sociedades contemporâneas a literacia constitui uma competência fundamental que se desenvolve e actualiza através da prática. Essas práticas têm, ou não, lugar nos diferentes contextos de vida dos indivíduos os quais são, em sim mesmos, entendidos enquanto variáveis decisivas para o entendimento desses mesmos processos.

Um conjunto de análises estatísticas, incidindo sobre os dados de Portugal obtidos no estudo internacional de literacia, permitem de alguma forma evidenciar, empiricamente, aquilo que acabou de ser dito (Quadro 1).

Nivel 4

Nivel 3

Nivel 2

Nivel 1

5,7

3,3

B3

20%

40%

60%

80%

100%

0% Até B2 Secundário Superior

4,0

11,6

70,1

15,4

28,9

50,7

54,2

52,7

27,2

32,0

14,45,7

24,1

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O desfasamento entre escolaridade e competências de literacia pode ter lugar devido a um alargado e complexo conjunto de factores. Podem inventariar-se factores que remetem, em termos gerais, para diferenças ao nível dos contextos de aquisição das competências (sobretudo para o contexto escolar) e outros que remetem para a utilização dessas mesmas competências ao longo da vida, em vários contextos. É sobre este último aspecto que incide, em grande parte, a reflexão a aqui se apresenta, pois pretende-se mostrar que, uma vez adquiridas, as competências de literacia não são estáticas: podem desenvolver-se, mas também podem regredir, para tal contribuindo a utilização que delas for feita no dia-a-dia.

O carácter processual e dinâmico das competências em geral, e da literacia em particular, tem sido destacado nos já referidos

estudos internacionais de avaliação das competências de literacia. As capacidades de processamento de informação estão ancoradas em práticas quotidianas, sem as quais a sua actualização e desenvolvimento não são possíveis. Ou seja, nas sociedades contemporâneas a literacia constitui uma competência fundamental que se desenvolve e actualiza através da prática. Essas práticas têm, ou não, lugar nos diferentes contextos de vida dos indivíduos os quais são, em sim mesmos, entendidos enquanto variáveis decisivas para o entendimento desses mesmos processos.

Um conjunto de análises estatísticas, incidindo sobre os dados de Portugal obtidos no estudo internacional de literacia, permitem de alguma forma evidenciar, empiricamente, aquilo que acabou de ser dito (Quadro 1).

Quadro 1: Factores explicativos da literacia em prosa, documental e quantitativa (regressão múltipla).

Escala de literacia (v.d.)

Prosa Documental QuantitativaSíntese dos resultados do modelo

R2 (% de variação explicada)

R (coeficiente de correlação múltipla)

0,592

0,769

0,531

0,728

0,517

0,719

Contributos das variáveis independentes (beta)

Escolaridade do inquirido

Escolaridade do pai

Idade

Leitura de jornais ou revistas na vida quotidiana

Leitura de livros na vida quotidiana

Escrita na vida quotidiana

Leitura na vida profissional (índice de práticas)

Cálculo na vida profissional (índice de práticas)

0,301*

0,200*

-0,144*

0,250*

0,116*

0,059*

0,089*

-0,014*

0,248*

0,186*

-0,157*

0,259*

0,076*

0,073*

0,127*

-0,053*

0,251*

0,181*

-0,080*

0,313*

0,083*

0,050**

0,112*

-0,001

Fonte: IALS, base de dados Portugal.Variáveis excluídos por multicolinearidade: escolaridade da mãe e índice de práticas de escrita no trabalho.

(*)p 0,01; (**)p 0,05< <

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As análises realizadas (regressões múltiplas) permitem hierarquizar o peso relativo de um conjunto de factores que poderão estar relacionados com perfil de literacia (prosa, documental e quantitativa) dos indivíduos. Os resultados obtidos permitem concluir, em primeiro lugar, que a escolaridade, do próprio e dos pais (contexto familiar de origem), é um dos principais preditores da literacia. Mas não só. Um segundo resultado a destacar é importância da leitura na vida quotidiana, pois, mesmo considerando a escolaridade, o nível de literacia dos indivíduos será tanto mais elevado quanto mais intensas forem, no dia-a-dia, as práticas de leitura e de escrita.

Em síntese, na sociedade portuguesa o perfil de literacia dos indivíduos não pode ser entendido sem atender ao meio familiar de origem, à formação escolar, mas também aos modos de vida quotidianos: apenas a presença na vida diária de actividades de processamento de informação escrita pode impedir a regressão das competências adquiridas e assegurar novas aquisições neste domínio.

Estes resultados vêm reforçar a importância dos processos de aprendizagem informal, não formal e formal que, ao longo da vida, podem ter lugar, e reforçam um entendimento da literacia enquanto competência que se desenvolve e actualiza através da prática: nas sociedades contemporâneas, as capacidades de processamento de informação e escrita estão ancoradas em práticas e hábitos quotidianos, as quais reforçam as disposições e as competências que as sustentam.

2. A literacia na vida quotidiana: resultados de um estudo qualitativo

Num estudo qualitativo centrado nos adultos pouco qualificados que concluíram recentemente processos de reconhecimento, validação e certificação de competências1, foi possível evidenciar, de forma mais aprofundada, a complexidade dos processos que, ao longo da vida, contribuem para o desenvolvimento de competências-chave. Serão aqui apresentados alguns resultados, em particular aqueles que permitem evidenciar a importância

1 Os resultados deste estudo encontram-se sistematizados, de modo exaus-tivo em Ávila, 2008. Os dados aqui retomados decorrem de um conjunto de entrevistas em profundidade realizadas a adultos que haviam sido recentemen-te certificados após frequentarem processos de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC).

analítica dos contextos, das redes sociais (sobretudo das familiares), e das práticas dos indivíduos para a compreensão dos processos de desenvolvimento (ou não) da literacia.

2.1. Obstáculos e resistências

Um elemento que se tornou claro no decorrer da pesquisa tem a ver com o modo como a relação com a escola, e em geral com os processos de aprendizagem, pode ser por vezes, nas várias etapas da vida, fonte de conflito e de tensão, no contexto familiar. Ou seja, não obstante a importância da escolaridade nas sociedades contemporâneas, muitos indivíduos, sobretudo quando oriundos de famílias com baixos recursos educacionais, podem confrontar-se com dificuldades e resistências ao pretenderem desenvolver, ou retomar, um projecto de escolaridade que contraria as (baixas) expectativas familiares nesse domínio.

Para a grande maioria dos entrevistados, sobretudo para os mais velhos, uma escolaridade prolongada não fazia parte do projecto que as suas famílias para eles definiram quando eram jovens. Alguns procuraram contrariar esse projecto, expressando a vontade de um prolongamento da escolaridade para além do esperado (e mesmo desejado) pelas respectivas famílias, mas tal pretensão não pode ser concretizada. A possibilidade de regressar à escola, através das novas modalidades de ensino e formação hoje disponíveis na sociedade portuguesa, representa, para estes indivíduos, uma oportunidade de reconciliação com um projecto adiado, o qual, para muitos, já não era sequer sonhado.

Apesar de o contexto social alargado se ter transformado profundamente quanto à escolaridade da maioria da população (em comparação com o quadro social dominante, quando estes indivíduos eram jovens), em muitos contextos a escola e os processos de aprendizagem formais, especialmente os dirigidos à população adulta, continuam a ser pouco valorizados.

A pesquisa realizada revelou a existência de sinais, às vezes quase imperceptíveis, de resistências2 por parte de familiares próximos

2 A possibilidade de as relações familiares poderem constituir um obstáculo aos processos de educação e formação na vida adulta tem vindo a ser confir-mada noutras investigações (Brassete-Grundy, 2004).

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dos entrevistados relativamente à sua decisão de progressão dos estudos. Como se verá, na maioria dos casos essas resistências são relatadas por parte das mulheres. Muitas contrastam a atitude dos filhos e a do marido. Se os primeiros as apoiam e incentivam (tema a que mais à frente se voltará), os segundos tendem muitas vezes a alhear-se do processo, ou mesmo a manifestar-se contra o regresso das mulheres “à escola”.

“Ele não diz nada. (…). Nem diz para ir, nem para não ir”. Quando compara a reacção do marido e a do filho face ao facto de ter conseguido alcançar o 9º ano, afirma que foi sobretudo o filho quem ficou contente, pois, quanto ao marido, “ele não liga a isso.” (Josefina, 41 anos, empregada de serviços administrativos)

“Os meus filhos incentivaram-me, mas já o meu marido não me motiva! Eu ainda lhe disse: “Tu vens também!”, mas ele disse que nem pensar nisso, que andava cansado do trabalho. (…) Não, ele não me dá (apoio). Os filhos sim, o pai não.” (Teresa, 44 anos, vendedora e proprietária de uma loja de decoração)

“ (…) O meu marido não é muito aberto a este tipo de iniciativas minhas, devo dizer. Ele habituou-se a mim vinte e quatro horas ao lado dele. (…) Ele está habituado a que eu esteja sempre com ele (…). Então não entende como é que eu tenho a necessidade de sair de casa e fazer outras coisas. É escusado perguntar-lhe porque à partida ele é contra e portanto não quer saber.” (Helena, 51 anos, empregada de escritório, reformada)

Não é apenas por parte dos cônjuges que podem surgir manifestações de oposição ao envolvimento dos entrevistados neste tipo de iniciativas. Por vezes surgem também referências à não concordância por parte dos pais dos entrevistados. Embora, por motivos óbvios, esta seja uma situação menos frequente, não deixa de ser de assinalar que alguns pais manifestem, ainda hoje, oposição à continuação dos estudos por parte dos filhos, mesmo sendo estes já adultos.

“A minha mãe como lhe digo não achou graça nenhuma: ‘Ó filha, tu já tens tanto que fazer e tanta preocupação!’. Ela continua na mesma, passados trinta anos continua na mesma.” (Teresa, 44 anos, vendedora e proprietária de uma loja de decoração)

No decorrer da pesquisa foi então possível perceber que, desde o momento da saída da escola, até à própria vivência do

processo de RVCC, existem sinais, mais ou menos explícitos, do modo como os quadros de interacção familiares podem constituir um obstáculo à progressão escolar. Especialmente no caso das mulheres, é de registar a forte oposição que algumas delas sentem, em diferentes fases da sua vida, para poderem progredir em termos escolares. Nesse sentido, as situações analisadas mostram como a formação escolar pode ser objecto de tensão. São forças “invisíveis”, dificilmente objectiváveis, construídas quotidianamente, que podem dificultar o desenvolvimento de competências e a progressão escolar de uma parte da população.

É à luz deste quadro, e atendendo à complexidade das forças que nele se jogam, que podem ser interpretadas as reacções dos indivíduos, após terem alcançado o diploma escolar.

“Sinto que me vinguei! A sério!” (Pedro, 38 anos, chefe de vendas numa empresa multinacional)

“Mudou tudo (com o 9º ano). Concretizei o sonho que tinha de fazer o 9º ano. Posso não fazer mais nada, mas o 9º ano estava aqui atravessado.” (Josefina, 41 anos, empregada administrativa)

“Sinto-me mais realizada porque era um sonho pelo qual eu andava a lutar há já um tempo...” (Maria, 45 anos, auxiliar de acção educativa)

A intensa satisfação que a obtenção do diploma escolar proporciona revela a concretização de uma etapa há muito ambicionada e reforça o modo como a reduzida qualificação escolar até aqui detida potenciou o desenvolvimento de sentimentos de inferioridade social, com reflexos em diferentes esferas da vida. Em si mesmo, o certificado (finalmente) obtido é sentido pelos próprios sujeitos como vindo preencher uma lacuna, uma falha, e sendo por isso mesmo decisivo ao nível da melhoria da sua auto-imagem e auto-estima.

Assim, o reconhecimento do valor social das qualificações escolares na sociedade actual, associado a uma história de vida marcada por dificuldades (e contrariedades) evidentes nesse domínio, fazem com que o diploma escolar alcançado corresponda a um “ajuste de contas” com o passado e à possibilidade de, finalmente, ultrapassar muitas das barreiras e resistências enfrentadas ao longo da vida.

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2.2. Apoios

Tão importante como a localização de sinais de desvalorização da escola e a identificação de factores que terão condicionado e limitado as aspirações e os projectos pessoais dos entrevistados, é a procura dos factores facilitadores de um regresso a um projecto adiado, ou simplesmente facilitadores da sua reformulação e actualização.

A este nível haveria que distinguir vários tipos de factores (Jarvis, 1992), dando particular destaque aos factores institucionais, ou seja, à importância inequívoca que têm hoje em dia, na sociedade portuguesa, as novas modalidades de educação e formação de adultos, em particular os processos de RVCC e também os cursos EFA. Isto porque a mobilização e envolvimento de um crescente número de adultos em processos de educação e formação não pode ser dissociada do alargamento deste tipo de ofertas e da sua adequação à população a que se dirige.

Partindo deste contexto, ou seja, de um quadro social em que os adultos pouco escolarizados têm acesso a um conjunto de iniciativas e programas que eram, até há poucos anos atrás, inexistentes na sociedade portuguesa, pretendem-se destacar outros factores, em particular situacionais e relacionais, considerando-se que estes devem igualmente ser tidos em conta quando se procuram compreender, de forma alargada, as condições que favorecem o envolvimento dos adultos em processos de educação e formação.

Um elemento central que emergiu da análise realizada, comum a praticamente todos os entrevistados, foi a existência de filhos, ou outros familiares próximos, que se encontravam, na data da decisão do “regresso aos estudos”, a frequentar a escola. Ou seja, o universo escolar, e tudo aquilo que ele representa, em termos simbólicos e de rotinas diárias, não era algo distante para os entrevistados; pelo contrário, por via da experiência quotidiana de familiares, a escola estava já, de alguma forma, presente no dia a dia de muitos deles.

A situação mais frequente corresponde à presença no espaço doméstico de filhos que se encontram a estudar. Mas mesmo quando não existem filhos, ou estes já não se encontram no

sistema de ensino, surgem referências ao cônjuge (que pode estar a frequentar outras modalidades de ensino), ou a outros familiares próximos (como é o caso de irmãos que também frequentaram o processo RVCC). Em si mesmo este é um dado importante, pois parece indiciar que os contextos familiares em que a escola já está presente poderão ser particularmente favoráveis ao envolvimento dos adultos em acções destinadas a promover o desenvolvimento de competências e a qualificação escolar.

Ao longo das entrevistas realizadas foi possível perceber alguns dos modos concretos como a “coexistência” ou “partilha” da experiência escolar no espaço doméstico se traduz num importante factor de mobilização dos adultos. Como se verá, tal é particularmente nítido na interacção entre mães e filhos, potenciando o “regresso à escola” das primeiras a emergência de uma nova dinâmica de aprendizagem e de desenvolvimento de competências no contexto familiar.

De um modo geral, os entrevistados referem que os filhos apoiaram a sua decisão de entrar num processo de RVCC.

“Os meus filhos têm-me dado sempre força, sempre força. Um dos meus filhos até dizia muitas vezes: ‘Oh mãe, vai e aproveita que eu vou contigo e faço-te companhia.’ (Maria, 45 anos, auxiliar de acção educativa)

“Comecei a ver os meus filhos na universidade e isso entusiasmou-me e eles também me incentivam: ‘Oh mãe! Estuda, tu tens capacidades!” (Teresa, 44 anos, vendedora e proprietária de uma loja de decoração)

“O meu filho acha bem que eu estude. Mas diz logo: ‘Não é para desistires!’ (Josefina, 41 anos, empregada administrativa)

“O meu filho de início ria-se. E depois deu-me força”. (António, 55 anos, electricista por conta própria)

A importância dos filhos não se limita à opinião favorável que têm quanto à progressão escolar dos pais. Sobretudo quando se encontram a frequentar um grau de escolaridade não muito afastado daquele que também os pais procuram

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alcançar, os filhos acabam por constituir a principal fonte de ajuda nos processos de aprendizagem informal que os pais têm desenvolver3. Embora a ajuda concreta que dão aos pais incida primordialmente na área das Tecnologias da Informação e da Comunicação, surgem igualmente referências a outras áreas, como a Matemática para a Vida. De qualquer forma, como se pode ver pelas declarações que em seguida se apresentam, o apoio dado pode ser também de carácter geral (não incidindo sobre nenhum domínio em especial). Mais do que uma inversão de papéis (em que são os filhos que ensinam os pais), os relatos sugerem que as competências que os pais têm de desenvolver potenciam uma forte, e provavelmente inesperada, aproximação entre dois universos, até aí pouco comunicantes.

Catarina (33 anos, vendedora numa loja, actualmente desem- pregada) contou com a ajuda do filho. Mas não se tratou de uma ajuda pontual e descontinuada. O elevado grau de envolvimento do filho no seu processo de aprendizagem e a proximidade que entre ambos se estabeleceu parece ter sido decisiva.

“Tive a ajuda do meu filho, que me ensinou! Passava horas comigo: ‘Mãe não é assim, mãe é não sei o quê!’ O meu filho tem a capacidade de me ensinar sem humilhar. As dificuldades que eu tenho, são sempre a ele que pergunto, mesmo ao nível de programas e isso assim. Ele também é muito curioso, é como eu. Conversamos sobre um programa, uma doença, um desporto. (…) A ajuda dele foi mesmo muito importante. Eu acho que sozinha não conseguia. Acho que é o que falta às outras pessoas, falta-lhes ajuda.”

Maria (45 anos, auxiliar de acção educativa) refere em concreto a ajuda que lhe foi dada pelo filho no domínio das Tecnologias da Informação e da Comunicação.

“Do Excel não percebia nada, foi o meu filho do meio que me deu as luzes (…). Mas ainda tenho um bocadinho de dificuldade na Internet em determinadas coisas. Para ‘falar com outra pessoa’

3 Embora os processos de RVCC prevejam a possibilidade de os indivíduos po-derem frequentar sessões de formação para desenvolver as competências em falta (a designada Formação Complementar), estas são de curta duração, pelo que surgem sempre referências à necessidade de desenvolver em paralelo, por via informal, processos de auto-aprendizagem. É neste quadro que os entrevis-tados podem fazer referência a pessoas exteriores ao processo que os auxilia-ram: os filhos foram, sem dúvida, aqueles que foram referidos mais vezes.

pedi ajuda ao meu filho, porque eu nunca tinha feito isso (…) E como eu desconhecia como era, foi o meu filho do meio que me ajudou.”

Também Josefina (41 anos, empregada administrativa) men- ciona a importância do seu filho na resolução de diferentes problemas durante o processo.

“O meu filho ajudou-me muito em casa, em muita coisa que eu lhe pedia. E quando eu fazia algum problema dizia-lhe assim: ‘olha isto surgiu-me, vê lá se eu fiz isto mal que eu estou desconfiada que fiz isto mal!’ E às vezes tinha bem, mas outras tinha mal é claro! Nós não fazemos tudo bem, é lógico.”

Ainda sobre este tópico, é importante destacar dois aspectos que atravessam as situações atrás retratadas. Um deles foi já avançado e tem a ver com a importância da proximidade entre, por um lado, a fase do percurso escolar em que os filhos se encontram e, por outro lado, as competências que são requeridas no nível de certificação escolar que os pais pretendem alcançar. Quanto maior for essa proximidade, maior parece ser a probabilidade de existência de uma forte cumplicidade e envolvimento recíproco nos processos de aprendizagem. Pelo contrário, quando os filhos são muito novos, ou quando estão em etapas escolares já muito avançadas (por exemplo na universidade), ou mesmo quando se encontram já fora do sistema de ensino, o distanciamento é mais marcado4.

Um segundo elemento a sublinhar é que, entre os entrevistados, apenas as mulheres mencionam o forte envolvimento e interesse dos filhos pelo seu processo educativo. Nenhum quadro semelhante foi descrito por entrevistados do sexo masculino. Este é um dado que pode ter a ver com a situação familiar da maioria dos entrevistados do sexo masculino5, mas também poderá decorrer do facto, identificado em diversas pesquisas, de serem as mães quem assegura, em geral, o acompanhamento escolar dos filhos (ver, por exemplo, Lahire 1995), o que propiciará uma maioria aproximação e envolvimento destes nos processos de educação e aprendizagem ao longo da vida por elas desenvolvidos.

4 Esta mesma percepção é dada por uma formadora a partir da sua experiência de trabalho num centro de RVCC.

5 Dois dos entrevistados do sexo masculino não têm filhos e um tem um filho já na universidade.

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Embora a relevância dos filhos em idade escolar seja, inegavelmente, o dado mais marcante quando se analisam as redes sociais que se constroem e desenvolvem a propósito da entrada dos adultos no processo de RVCC, a verdade é que essas redes podem, por vezes, ser bastante mais alargadas. Tal pode ser evidenciado continuando a tomar como referência o tema das ajudas concretas de agentes exteriores ao processo que contribuíram, segundo os entrevistados, para a aquisição das competências em falta em determinados domínios. As pessoas referidas vão desde familiares próximos (irmãos, cunhados), a amigos. Um dado importante nestes casos é o facto de as ajudas virem sempre de indivíduos com níveis de escolaridade relativamente elevados.

Rosália (28 anos, técnica de aquacultura) faz referência à ajuda que teve de uma cunhada.

“Houve um trabalho em que eu precisei de ajuda. Porque para mim ainda era muito novo trabalhar em computador e foi ela que me ajudou a fazer isto tudo.”

No caso de Helena (51 anos, empregada de escritório, reformada), as dificuldades e problemas que teve de enfrentar durante o processo passaram a constituir tema de conversa no jantar semanal em que se reúne com os amigos.

“Tive a ajuda dos amigos todos. Olhe um deles, que é médico, esteve até às tantas para fazer uma equação que deu uma dor de cabeça a toda a gente naquele jantar.”

As referências ao envolvimento de pessoas pertencentes a um círculo social alargado e diversificado, e com uma qualificação escolar mais elevada do que a dos próprios, permite colocar a hipótese de essas redes de relações terem sido importantes, não apenas durante o processo, mas terem desempenhado também um papel no desencadeamento da decisão de retomar um percurso de escolaridade. Poderá ser também por referência a esses contextos, e pessoas, que alguns entrevistados desenvolvem a motivação necessária para entrar num processo de RVCC.

2.3. Diploma e competências em uso: a importância do contexto familiar

As consequências associadas ao desenvolvimento de processos de educação e formação que conduzem à melhoria da qualificação escolar da população adulta (em particular da população pouco escolarizada) são múltiplas e entrecruzadas.

Um dos elementos mais destacados pelos entrevistados, aqui já mencionado, é sem dúvida a forte importância simbólica atribuída ao diploma escolar, a qual não pode ser entendida independentemente do valor social que as sociedades contemporâneas lhe conferem e das oportunidades e recursos que a ele estão associados. Mas o que aqui se pretende chamar a atenção é o facto de os reflexos desse crescente valor social poderem ser apreendidos não apenas através das análises que identificam os seus efeitos ao nível das condições de vida (ver Ávila, 2008, p:193-232), mas também em dimensões socialmente menos visíveis, mas igualmente decisivas, que têm a ver, por exemplo, com o modo como os indivíduos se relacionam com os outros6.

Nas diferentes redes e contextos de sociabilidade que fazem parte do quotidiano, ter ou não ter um determinado grau de escolaridade afecta o modo como os indivíduos se auto-posicionam e são pelos outros posicionados. Por outras palavras, com a melhoria da qualificação escolar é o estatuto social que se altera.

“Os meu filhos ficaram muito orgulhosos. Principalmente para o meu filho (…) foi muito importante. Ele queria que eu continuasse, ele gostava que eu fosse professora de Francês: ‘Mãe, tu és capaz, tu vais ver que és capaz!’ Eu pude demonstrar aos dois seres que eu mais amo, não verbalmente, mas na prática, que agora foi o 9º ano e um dia mais tarde pode ser o 12º ano.” (Catarina, 33 anos, vendedora numa loja, actualmente desempregada)

“Acho que pessoalmente foi importante para mim porque consegui, e até talvez em relação ao meu marido, que é contra

6 Outras pesquisas têm vindo a incidir especificamente na investigação desta dimensão, destacando o impacto dos processos de educação e formação da população adulta para além da esfera económica e profissional, nomeadamente ao nível da saúde, das relações familiares e do capital social (Schuller, 2004).

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estas coisas, e acha que não consigo fazer nada. (…) Em relação aos meus amigos deu-me satisfação e eles apoiaram-me.” (Helena, 51 anos, empregada de escritório, reformada)

“Vamos fazer uma inscrição para qualquer coisa, perguntam-nos as habilitações… Sabe muito bem ter o 9º ano. Com a minha idade com 41 anos, já vou a caminho dos 42, o 9º ano era muito importante. (…) Mesmo aqui dentro muda…” (Josefina, 41 anos, empregada administrativa)

É perante os filhos, o marido, ou os amigos, que se sentem “orgulhosos”. Mas não só, mesmo em contextos públicos, ou dotados de maior formalidade, a necessidade de informar terceiros quanto ao grau de escolaridade detido deixa de ser ocultada e passa a ser “exibida” com satisfação. A este propósito é de salientar, uma vez mais, que são sobretudo as mulheres quem mais expressa a importância simbólica do diploma escolar na relação perante os outros.

Associado a esse estatuto social estão novas práticas quotidianas e novas competências. Tomando unicamente como referência o contexto familiar, isso é algo particularmente evidente. Com efeito, os entrevistados referenciam os filhos como tendo sido aqueles que ficaram mais satisfeitos com o nível escolar que atingiram. Para eles, o diploma alcançado pelos pais tem um importante valor, o qual não é apenas simbólico, pois traduz-se, muitas vezes, na utilização de novas competências cujo domínio por parte dos pais se afigura como sendo cada vez mais fundamental no quadro das interacções familiares quotidianas.

Tal acontece numa situação que apela explicitamente à utilização dessas competências: a ajuda e o apoio dado aos filhos no trabalho escolar.

“Os meus filhos agora já me pedem opinião. ‘Oh mãe, como é que isto se faz?’. Agora já falo mais a linguagem deles. (…) Passei a mexer no computador. Agora, quando é preciso fazer alguma coisa para os miúdos eu é que os ajudo, sou eu que estou lá a mexer e escrevo para eles. Trabalhos de casa, trabalhos de grupo, matérias que eles vão dar. Às vezes, estou até às duas, três da manhã com eles a fazer os trabalhos.” (Catarina, 33 anos, vendedora numa loja, actualmente desempregada)

“Tento ajudar o meu filho (…). Quando ele precisa, ajudo. Pelo

menos revi e aprendi algumas coisas que são úteis. Mesmo em relação ao meu neto, ele está muito comigo, mesmo aos fins-de-semana, e às vezes faz lá os trabalhos...” (Maria, 45 anos, auxiliar de acção educativa)

“Acho que desde que tirei aqui o 6º ano tenho conseguido ajudá-la (à filha) um bocadinho mais na matemática. Eu tinha mais dificuldade em ajudá-la em certas coisas, ela sabe que é verdade. Mesmo nos problemas. Já na altura em que andava na escola, para mim, fazer um problema era uma dificuldade. E aqui também ao princípio tive esse problema, mas depois consegui ultrapassar. Ela também teve esse problema, mas agora já está um bocado melhor, já consegue, e a mãe já consegue ajudá-la um bocadinho mais em certas coisas. Por exemplo, ela diz-me ‘Ó mãe ajuda-me aqui!’, posso até nem perceber à primeira, mas se começar a ler sou capaz de lá chegar. É uma questão de a gente puxar mais pela cabeça e começar a pensar. Posso não saber, mas se eu estiver ali de volta dela a tentar puxar pela cabeça, aprendo também.” (Paula, 37 anos, cabeleireira, actualmente desempregada)

O contexto escolar, transposto para o espaço doméstico quase sempre através dos filhos, acaba por ser aquele em que as entrevistadas mais põem em prática as novas competências adquiridas. A utilização das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC), e também a resolução de problemas no domínio da Matemática, constituem os principais domínios em que as novas competências são usadas. Tal situação não deixa de constituir um paradoxo: perante um processo centrado no reconhecimento e desenvolvimento de competências, tomando como referência os diferentes contextos de vida dos indivíduos e, procurando, por essa via, romper com a abordagem escolar, é perante as exigências da escola mais é destacada a possibilidade de utilização das competências adquiridas.

Mas, mesmo assim, não deve subestimar-se o impacto, no contexto familiar, das competências adquiridas. As declarações atrás transcritas mostram que, para os filhos, os novos recursos escolares das mães, e as competências a eles associados, constituem uma forma acrescida (e renovada) de capital escolar e social, com efeitos directos ao nível do apoio e acompanhamento que recebem na realização dos trabalhos escolares. Recorde-se que, durante o próprio processo, o efeito foi em sentido inverso, pois foram os filhos que apoiaram e

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ajudaram as mães em diferentes etapas. Em síntese, o que de mais importante se pode concluir é que, existindo crianças em idade escolar, a entrada das mães em processos de aprendizagem que implicam o desenvolvimento de competências transversais contribui, de forma evidente, para o fortalecimento das relações sociais no espaço doméstico. E isto devido não só à cumplicidade e compreensão mútua que se estabelece, mas também à possibilidade de uma comunicação melhorada, em grande parte devido à partilha de novas linguagens (como é o caso das TIC): as novas competências adquiridas permitem o domínio de novos instrumentos fundamentais, não só na resolução de problemas, como na interacção e comunicação com os mais jovens.

3. A literacia em contexto familiar: uma dupla oportunidade

Do conjunto de elementos apresentados podem destacar-se os seguintes pontos:Em primeiro lugar, a análise realizada permitiu sublinhar, e ilustrar empiricamente, a importância dos contextos e dos quadros de interacção enquanto factores mobilizadores, ou inibidores, do desenvolvimento das práticas e competências dos adultos. A importância do contexto, enquanto elemento analítico central que permite perceber a mobilização, ou não, das competências e disposições dos indivíduos tem sido sublinhada por Bernard Lahire (2003) e tem inequívocas potencialidades heurísticas neste campo de investigação.

Assim, se por um lado algumas redes sociais e contextos de vida podem contribuir decisivamente para criar as condições que favorecem o regresso a um projecto de melhoria de competências e de aumento das qualificações escolares; por outro lado, também é certo que determinadas redes e contextos podem exercer um efeito contrário, inibindo, ou mesmo bloqueando, as possibilidades de formação e aprendizagem. Ou seja, por referência ao tema em análise, fica assim igualmente claro que os efeitos do capital social não são necessariamente positivos, podendo ser também negativos (Portes 2000)7,

7 Ao analisar as origens e aplicações do conceito na sociologia contemporânea, Alejandro Portes chama a atenção, precisamente, para o facto de os efeitos nega-tivos do capital social tenderem a ser “esquecidos” e menos investigados, desig-nadamente em pesquisas como as de Putnam, que apenas pretendem destacar os efeitos benéficos do comunitarismo (Putnam, 2000). No entanto, como afirma

mobilizando ou antes bloqueando o desenvolvimento de determinadas práticas e condicionando as atitudes e mesmo os projectos de vida dos sujeitos.

Em terceiro lugar, foi possível mostrar que, para os adultos recentemente envolvidos em processos de educação e formação, com filhos em idade escolar, o contexto familiar surge como um dos principais contextos mobilizadores das novas competências adquiridas, sendo que os efeitos das novas práticas e dinâmicas aí (re)criadas são múltiplos e cruzados.

Para os adultos pouco escolarizados, a existência de filhos em idade escolar revela-se importante ao longo das diferentes fases do processo analisadas. Na decisão de voltar a estudar e durante o percurso formativo, os filhos surgem, muitas vezes, como a principal fonte de incentivo e ajuda (sobretudo no caso das mulheres entrevistadas). Mais tarde, concluído o processo, o acompanhamento dos filhos revela-se fortemente mobilizador das competências actualizadas no decorrer do percurso formativo; mais do que uma mera aplicação ou transferência dessas competências, o testemunho dos entrevistados mostra como se alterou fortemente a sua relação com a escrita, e, através desta, a sua capacidade de resolução de novos problemas e de aquisição de novos conhecimentos. Parece tratar-se de uma nova atitude, ou mesmo de uma disposição e reflexividade renovadas perante a literacia e a aprendizagem, o que decorre, em simultâneo, das competências desenvolvidas e do efeito subjectivo produzido pelo diploma escolar alcançado (que, como se viu altera fortemente o modo como os sujeitos auto-percepcionam o seu estatuto social).

Por sua vez, relativamente aos filhos, pode colocar-se a hipótese de o envolvimento dos pais em processos formais de aprendizagem ao longo da vida ter efeitos positivos no seu desempenho escolar. Os resultados de alguns estudos internacionais vão precisamente neste sentido, mostrando que quanto maior o nível de escolaridade dos pais, maior a probabilidade de sucesso escolar dos filhos8. Tendo em conta

Portes, os laços sociais podem produzir não apenas “um maior controlo sobre comportamentos desviantes e fornecer acesso privilegiado a recursos; podem também restringir as liberdades individuais e vedar a terceiros o acesso aos mes-mos recursos através de preferências particularistas” (Portes, 2000).

8 Os resultados de importantes estudos, de carácter extensivo, incidindo sobre

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a dimensão do processo de melhoria das qualificações da população adulta actualmente em curso na sociedade portuguesa faz sentido colocar a hipótese de esta ser uma dimensão em que poderão vir a registar-se importantes resultados. Em certo sentido, com o regresso dos pais “à escola”, pais e filhos passam a partilhar um mesmo universo – construído em torno dos processos de aprendizagem – e as interacções que aí se estabelecem poderão produzir efeitos em vários patamares, favorecendo quer a utilização e o desenvolvimento de competências-chave dos adultos, quer o percurso escolar dos próprios jovens.

os jovens que se encontram a frequentar o sistema de ensino (PISA – Pro-gramme for International Student Assessment) vão precisamente neste sen-tido. Antes de mais, porque a qualificação escolar dos pais (em particular das mães) tem, em todos os países participantes no estudo, uma relação com as competências dos filhos: os estudantes cujas mães completaram pelo menos o ensino secundário têm, em média, níveis de desempenho mais elevados nos vários domínios. Além disso, porque o facto de os pais estarem a estudar e partilharem com os filhos algumas das suas dúvidas e problemas contribui para aumentar o nível de comunicação cultural no contexto familiar, o que, segundo o mesmo estudo, também influência positivamente o nível de competências dos filhos (OECD, 2003).

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Bibliografia

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Londres, Routledge-Falmer.

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Conciliação trabalho-família em adultos em formação nos Centros Novas Oportunidades

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ResumoO presente estudo pretende reflectir sobre a problemática da conciliação de papéis familiares e profissionais junto de adultos que frequentaram Centros Novas Oportunidades. Parte dos contributos retirados de 40 entrevistas exploratórias efectuadas no âmbito do Projecto “Centros Novas Oportunidades: da promoção da literacia familiar ao sucesso escolar das crianças”. Na primeira parte faz-se alusão aos estudos efectuados sobre o tema das relações trabalho-família centrando esta temática no conflito de papéis e destacando as diferenças de género para este domínio. Na segunda parte, e na linha dos modelos de análise das relações trabalho-família mais recentes, são apontadas estratégias adoptadas pelos indivíduos que demonstram a existência de transferências positivas no exercício concomitante dos diferentes papéis de vida.

Cláudia Andrade1

1. Introdução1

A percentagem da população portuguesa qualificada permanece bastante baixa, quando comparada como outros países europeus (Martins, Mauritti & Costa, 2005). Este facto tem efeitos directos tanto na qualificação da mão-de-obra portuguesa, como na capacidade do país corresponder às exigências das actuais “sociedades do conhecimento”. Por esse motivo, nos últimos anos tem sido feito um esforço político para trazer de volta para o sistema de ensino indivíduos que já estão no mercado de trabalho, nomeadamente para completar os níveis do ensino secundário. Uma vez que se trata de um fenómeno recente no contexto nacional, poucos estudos se têm debruçado sobre os desafios e necessidades de apoio que são específicos desta população, nomeadamente no que refere à gestão que fazem da sua actividade profissional, o seu papel familiar e a frequência de um sistema educacional como é o caso da frequência de um processo de RVCC. Uma compreensão da forma como estes adultos que são pais gerem os seus múltiplos papéis afigura-se como imprescindível para sustentar o desenvolvimento de políticas e de programas que possam reduzir as barreiras e apoiar os desafios com que se confronta esta população

1 Escola Superior de Educação de CoimbraInvestigadora do Centro de Psicologia da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.

tradicionalmente pouco estudada. Estes programas podem também promover efeitos positivos e duradouros nos filhos destes pais trabalhadores que frequentam o processo de RVCC, ao facilitar mais experiências positivas decorrentes da frequência da formação dos pais e ao aumentar a probabilidade de, eles próprios, progredirem com sucesso na sua escolaridade.

2. Relações trabalho-família: do conflito à concilia- ção de papéis

A literatura sobre as relações família-trabalho tem sido centrada numa perspectiva de conflito de papéis. Apesar do exercício do papel profissional ser indispensável à manutenção económica da família, a gestão das obrigações familiares e profissionais não está isenta de conflitos. Segundo Greenhaus e Beutell (1985), os indivíduos possuem uma quantidade limitada de recursos psicológicos e fisiológicos em termos, por exemplo, de tempo, atenção e energia, o que torna difícil fazer face às diferentes exigências de cada papel, podendo surgir o conflito entre papéis. Mais especificamente, Greenhaus e Beutell (1985), evidenciaram três formas de conflito trabalho-família: conflito baseado no tempo, conflito baseado na tensão e conflito baseado no comportamento. O conflito baseado no tempo implica que os múltiplos papéis que o indivíduo desempenha competem entre si em termos de tempo, ou seja, o tempo dispendido num

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papel interfere com a disponibilidade de tempo para o outro papel. O conflito baseado na tensão implica que a pressão criada no âmbito do desempenho de um dos papéis dificulta o cumprimento das exigências do outro papel. Por exemplo, as pressões para o desempenho, as pressões psicológicas e os problemas interpessoais levam a irritabilidade, fadiga ou apatia, o que afecta, necessariamente, o desempenho do outro papel. O conflito baseado no comportamento corresponde a padrões comportamentais específicos de um determinado papel que podem ser incompatíveis com as expectativas comportamentais de outro papel. Por exemplo, um estilo de comportamento no desempenho do papel profissional que é pautado por poder, autoridade e impessoalidade pode ser incompatível com comportamentos esperados na esfera familiar que exigem afectuosidade, carinho e relações próximas. A maioria dos estudos sobre o conflito de papéis tem centrado a sua atenção na transferência de atitudes ou “estados de humor negativos” de um domínio para o outro, bem como nos efeitos da competição na utilização do tempo disponível para o exercício de cada papel, isto é, no conflito baseado na tensão e no tempo (Edwards & Rothbard, 2000). Greenhaus e Beutell (1985) assumem também uma conceptualização bi-direcional do conflito inter-papéis defendendo a distinção entre a interferência do papel profissional no papel familiar e a interferência do papel familiar no papel profissional. O conflito entre o papel profissional e o papel familiar ocorre quando a participação ou as emoções associadas à actividade profissional têm um efeito negativo no exercício do papel familiar. Pelo contrário, a interferência do papel familiar no papel profissional ocorre quando a participação numa actividade familiar colide com a participação numa actividade profissional (Greenhaus & Beutell, 1985). De um modo geral, as pressões profissionais têm sido identificadas como uma fonte poderosa de conflito trabalho-família, enquanto que as pressões familiares estão mais fortemente relacionadas com o conflito família-trabalho (Frone, Yardley & Markel, 1997a).

No entanto, a investigação tem-se debruçado mais sobre a influência negativa da esfera profissional no desempenho do papel familiar do que o oposto (Frone et al., 1992a; Frone et al., 1997b; Greenhaus & Beutell, 1985; O’Neil, Greenberger, & Marks, 1994). Os autores justificam esta tendência pelo facto das interferências do domínio profissional no domínio familiar serem as mais frequentes (Frone et al., 1992a; Grzywacz &

Bass, 2003; Gutek, Searle & Klepa, 1991), possivelmente devido à permeabilidade assimétrica das fronteiras entre o domínio familiar e profissional (Pleck, 1977 cit. por Frone, Russel & Cooper, 1992b). Isto poderá significar que é mais tolerado que o domínio familiar seja influenciado pelas exigências profissionais, do que o domínio profissional pelas exigências familiares. Tal tolerância é reforçada pelo facto das tarefas de âmbito familiar serem mais flexíveis do que as tarefas do domínio profissional. Com efeito, as tarefas familiares podem ser efectuadas de acordo com horários mais flexíveis ou mesmo não chegarem a ser cumpridas integralmente pelos próprios (por exemplo, a limpeza, o cuidado das roupas, etc.).

Mesmo existindo uma quantidade apreciável de estudos centrados sobre o conflito de papéis e suas consequências, a análise das relações entre papéis profissionais e familiares não se esgota nesta perspectiva. A “Teoria da Valorização do Papel” (Theory of role enhancement) constitui-se como um dos primeiros quadros teórico, que parte do pressuposto de que a actividade profissional pode influenciar positivamente a família, e vice-versa (Sieber, 1974). A tese fundamental do autor baseia-se no princípio segundo o qual o desempenho simultâneo de vários papéis, ou a acumulação de papéis, facilita o acesso a recursos, que podem ser úteis para o desempenho de outros papéis (por exemplo, os recursos económicos provenientes do exercício de uma actividade profissional podem ser utilizados na melhoria das condições de vida familiar). Assim, os recursos obtidos, bem como, as competências individuais desenvolvidas no exercício concomitante de vários papéis, podem desencadear resultados positivos, tanto no domínio familiar, como no domínio profissional. Alguns estudos demonstraram a influência positiva do exercício de uma actividade profissional remunerada, no exercício mais satisfatório do papel parental (Hughes & Galinsky, 1994). Outros estudos comprovaram que os sentimentos de bem-estar físico e psicológico, decorrentes do exercício do papel profissional, têm repercussões positivas na vivência do papel familiar (Barnett & Hyde, 2001). Parece, portanto, que a possibilidade de investir em vários papéis de vida pode ser vista como um estímulo e um desafio, que potencia o desenvolvimento do indivíduo e do casal.

Assim, o conceito de “Equilíbrio de Papéis” (Role balance) de Marks e MacDermid (1996) realça que, apesar do mesmo indivíduo poder estar intensamente envolvido num ou noutro

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papel, consoante as circunstâncias, o “equilíbrio dos papéis” apresenta-se como uma orientação geral, ou corresponde a uma certa predisposição para integrar os múltiplos papéis de vida. Esse equilíbrio organiza-se, deste modo, em torno de comportamentos que actuam transversalmente em todos os papéis de vida e que permitem alcançar um equilíbrio satisfatório, ao nível da concretização de cada um deles (Marks & MacDermid, 1996). De acordo com esta perspectiva, o indivíduo faz ajustamentos constantes, transferindo aspectos positivos de um papel para outro, tanto na profissão como na família, de modo a que o resultado final traduza um sentimento de equilíbrio. Contudo, é de realçar que este equilíbrio é dinâmico e sustentado pelas experiências e aprendizagens que são transferidas do trabalho para a família, e vice-versa (Marks & MacDermid, 1996).

3. Relações trabalho-família durante a frequência dos Centros Novas Oportunidades: implicações pessoais e familiares

Ora, a partir dos resultados de entrevistas2 vamos dar conta, justamente, das articulações entre os papéis profissionais e familiares durante a frequência do processo de RVCC e as estratégias utilizadas para a articulação destes papéis. Iremos ainda debater o modo como a articulação família-trabalho se reflectiu, mais especificamente, ao nível das relações pais-filhos.

Assim, no que se refere à exploração da gestão do tempo para família e para o trabalho durante a realização do processo de RVCC 53% dos entrevistados considerou que, de uma forma geral, conseguiram fazer uma boa conciliação de papéis durante a frequência do processo RVCC e que este não retirou tempo nem para família ou nem para o trabalho. Contudo, 48% considerou ter vivido momentos de conflito de papéis, revelando o processo RVCC lhes retirou tempo para a família ou ao trabalho.

“Meter este trabalho (processo de RVCC) no meio da família, no meio da casa e no meio do emprego, digo-vos foi mesmo complicado em todos os aspectos (…)” (E12; Sexo feminino; Meio Rural; Região Centro)

2 Resultados obtidos com uma amostra de conveniência de 40 indivíduos que terminaram o processo de RVCC e que têm, pelo menos um filho, a frequentar o 1º ciclo do ensino básico.

Dos 53% dos entrevistados que consideram o processo de RVCC não colidiu com a gestão dos papéis familiares e profissionais apontam, como razão principal para o seu sucesso a facto de serem eficientes na gestão do tempo.

“Eu não acho que me tenha roubado algum tempo, se calhar eu aproveitei foi melhor o tempo, deixei de fazer coisas que se calhar não são tão importantes (…)” (E14; Sexo feminino; Meio Rural; Região Centro)

Noutros casos os indivíduos apontam para soluções que implicam uma negociação prévia de actividades na família.

“É assim, também foi falado com a família, porque quando entro nestas acções falo sempre com a família, principalmente com a mulher, para ela também compreender um pouco que eu tenho que desligar (…) refugio-me um pouco ali dentro sozinho, para poder desenvolver os meus trabalhos, os meus projectos, e os meus estudos e tento sempre fazer. (…) Eles aceitaram e pronto! Quando isso acontece peço sempre a opinião da mulher”. (E31; Sexo masculino; Meio Suburbano; Região LVT)

“Também não me roubou tempo nenhum. E como eu já disse. E uma questão de gerir o tempo e dedicava-me a fazer os trabalhos do RVCC quando o meu filho e a minha mulher já estavam a dormir.” (E8; Sexo masculino; Meio urbano; Região Centro)

4. Relações trabalho-família durante a frequência dos Centros Novas Oportunidades: questões de género e relações pais-filhos

Quando evocamos as relações família-trabalho não é possível esquecer que esta questão não tem as mesmas implicações para homens e para mulheres. Na realidade, os estudos sobre as relações família-trabalho surgiram como consequência das mudanças sociais ocorridas nos países industrializados, onde se verificou a entrada da mulher no mercado de trabalho. A presença generalizada, nas últimas décadas, das mulheres no campo laboral teve consequências directas na vida familiar, na medida em que se rompeu, parcialmente, com o modelo de complementaridade entre homens e mulheres. Modelo este que assentava na diferenciação de tarefas entre os dois sexos,

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segundo o qual o trabalho remunerado era da responsabilidade masculina e o trabalho não remunerado, isto é familiar, era da responsabilidade feminina. Este facto criou novos desafios e dilemas para os indivíduos e para as famílias, introduzindo alterações nos papéis de género, tanto no domínio profissional como no familiar.

O estudo da integração harmoniosa das relações trabalho-família tornou-se, assim, particularmente saliente dando origem a um conjunto de quadros de análise conceptual e de estudos empíricos. Estes estudos, salientam, em geral, que as dificuldades sentidas na articulação entre papéis profissionais e familiares são mais intensas e frequentes nas mulheres (Zimmerman, Haddock, Current & Ziemba, 2003). Se actualmente, e para o contexto nacional, as responsabilidades relativas ao trabalho profissional parecem ser partilhadas por homens e mulheres, o mesmo não acontece no domínio familiar: as tarefas domésticas e cuidado dos filhos continuam a ser maioritariamente da responsabilidade feminina (Fontaine, Andrade, Matias, Gato & Mendonça 2007; Torres, 2004; Wall, 2005). Esta realidade coloca obstáculos à conciliação dos dois domínios para as mulheres, podendo mesmo criar um conflito entre papéis profissionais e familiares. Apesar desta realidade, particularmente penalizadora para as mulheres, ter sido documentada por alguns estudos, as mudanças nos papéis de género estimulam também um maior investimento dos homens na vida familiar, nomeadamente ao nível dos cuidados aos filhos, podendo, também para estes, surgir um quadro de conflito de papéis. Apesar do papel evidente que as ideologias de género têm tido na divisão do trabalho familiar e profissional, a análise dos efeitos moderadores do género na relação trabalho-família não têm sido alvo de muita atenção por parte da literatura. Assim, das mudanças sociais que afectam os papéis de género parece que a diferenciação em função do sexo do exercício dos papéis profissionais e familiares é ainda visto como uma base legítima e ideologicamente aceitável para a distribuição dos direitos, poder e responsabilidades (Franks, 1999; Hughes & Galinsky, 1988; Poeschl, 2002). Embora, nos contextos de trabalho actuais, a mulher exerça a sua actividade em quase todos os sectores de actividade e possua horários de trabalho e exigências, na maioria dos casos, idênticas às dos homens (Cabral-Cardoso, 2003; Gutek et al., 1991; Peterson & Gerson, 1993), não se observa uma repartição equivalente das tarefas familiares, entre homens e mulheres. Ou seja, a

participação das mulheres no mercado de trabalho, não tem tido correspondência dos homens na participação no trabalho não pago (Perista, 2002; Stier & Lewin-Epstein, 2000; Torres, 2004). De facto são as mulheres que são maioritariamente responsáveis pelo desenvolvimento emocional e intelectual dos filhos o que poderá implicar que estas sintam, de forma mais activa, sentimentos de “culpa” quando não conseguem integrar de forma harmoniosa as suas actividades fora do lar com o cuidado das crianças.

“Quando nos mandam alguma coisa para casa (…) chateamo-nos e são os pequenos que às vezes ouvem sem terem culpa nenhuma… e depois arrependemo-nos no fim.” (E29; Feminino; Meio Rural; Região Norte)

Apesar de esta realidade ainda estar presente em muitas sociedades a verdade é que as expectativas sobre os papéis parentais têm sofrido também alterações significativas. Assim, um “bom pai” já não e um ganha-pão ausente e benevolente. É esperado cada vez mais que o pai esteja intimamente envolvido nos aspectos da vida da criança, desde o brincar ao cuidar, ao alimentar e ajudar nas tarefas da escola (Jacobs & Gerson 2004). Estes dados parecem ser também válidos em Portugal, onde se considera que o elemento masculino do casal deve também dedicar-se a família, colocando os interesses desta acima de outros assuntos (Andrade, 2006; Poeschl, 2002). Esta realidade encontra-se também expressa nos depoimentos de alguns pais entrevistados.

“ – Oh, eu não faço hoje, vou fazer amanhã porque já chega e já passa do tempo”. Porque estamos a dar uma hora, duas horas àquilo (trabalho) e aquela pessoa (filho) a precisar de nós” (E24; Sexo masculino; Meio urbano; Região Norte)

“Na hora de jantar, que chegava a casa e vinha jantar sozinho, na hora de ir tomar o café, na hora de ir ajudar o meu filho nos deveres, por exemplo havia um dia ou outro que eu vinha para a escola e ele às vezes ainda não estava em casa porque estava em casa do primo ou assim, e quando chegava eu já estava a dormir... esse género de coisas assim.” (E27; Sexo masculino; Meio Rural; Região Norte)

Outro aspecto particularmente relevante para as exigências crescentes da maternidade e da paternidade diz respeito

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ao papel privilegiado que a criança ocupa no contexto da família. De facto, ter uma criança implica actualmente maiores investimentos nos planos afectivos, relacionais e mesmo materiais que possibilitem percursos escolares mais longos tendo em vista a sua futura inserção profissional.

Adicionalmente, a preocupação, em particular dos pais, em promover o desenvolvimento cultural e social das crianças. Nesse sentido a família desempenha um papel fundamental no sucesso escolar das crianças, sendo muitas vezes referenciado pela literatura que os pais são os primeiros professores e que a casa e a primeira escola (Bandura, 1997; Morrow, 1995). De acordo com Epstein (1990), os pais contribuem para o desenvolvimento intelectual das crianças de diversas formas que incluem actividades como preparar os filhos para o ingresso na escola, valorizando a educação e encorajando os filhos a acreditar nas suas capacidades para enfrentar com sucesso as tarefas escolares. Importante é também salientar que estas influências podem ser recíprocas, ou seja, também podem ocorrer de filhos para pais como é caso que se ilustra a seguir.

“Foi muito engraçado, porque eu conseguia com que a minha filha (…) até partilhassem comigo e até estivéssemos mais tempo, porque também me ajudava a fazer o trabalho.” (E4; Sexo feminino; Meio Urbano; Região Centro)

5. Reflexões finais

O interesse pelas relações entre o exercício concomitante de papéis profissionais e familiares surgiu como consequência do aumento do número de mulheres que começou a aliar ao seu papel na família a um papel activo ao nível do mercado de trabalho. Esta realidade alterou o funcionamento familiar, onde o tradicional modelo do elemento masculino como “ganha-pão” e do elemento feminino como responsável pela manutenção da harmonia da família e do lar, deu lugar a um modelo onde ambos os elementos do casal são sustentadores económicos da casa. Este novo modelo familiar levou os cientistas sociais, numa primeira fase, a preocuparem-se com as possíveis consequências negativas da competição, para as mulheres, entre o exercício de uma actividade profissional e a organização da vida familiar, ao nível da execução das tarefas domésticas e do cuidado com os filhos. Assim, os primeiros estudos sobre a

temática salientam as repercussões negativas do conflito entre papéis familiares e profissionais, com especial incidência para o conflito de papéis sentido pelas mulheres. Estes estudos apontaram para a necessidade de se considerar que os domínios profissionais e familiares são interdependentes e estão sob a influência dos papéis de género, dado que estes definem a divisão de papéis, tanto na família como no trabalho.

Nesta linha, a compreensão da forma como os adultos que são pais e que frequentaram o processo de RVCC gerem os seus múltiplos papéis parece imprescindível para fundamentar o desenvolvimento de políticas, programas e recursos que possam apoiar os desafios com que confronta esta população. Para além deste aspecto estes programas e recursos podem promover efeitos positivos e duradouros nos filhos destes pais trabalhadores, ao facilitar mais experiências positivas decorrentes da frequência da formação dos pais e ao aumentar a probabilidade de, eles próprios, progredirem com sucesso na sua escolaridade.

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Bibliografia

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Os adultos no contexto do processo de RVCC: uma abordagem das representações

e práticas da leitura e da escrita

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ResumoEm Portugal, a maioria da população adulta apresenta baixos níveis de escolaridade, acompanhados por níveis de literacia também eles muito reduzidos. Considerando que a qualidade do ambiente familiar de literacia é determinante no processo de aquisição de competências neste domínio e na forma como as crianças se tornam mais predispostas a compreender a natureza da linguagem escrita, é fundamental conhecer as concepções parentais acerca da literacia, bem como os comportamentos e práticas que os pais desenvolvem com os filhos neste domínio.

Tendo em conta que tem havido uma crescente procura de formação, por parte de adultos, nos Centros Novas Oportunidades (CNO), é interessante conhecer e analisar de que modo o processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) efectuado nos CNO facilita o desenvolvimento da literacia familiar e promove a literacia em crianças que frequentam o 1.º ciclo do ensino básico. Deste modo, este estudo centrar-se-á numa breve revisão bibliográfica sobre a literacia no contexto da educação de adultos e a literacia familiar, e dará conta dos resultados e conclusões preliminares do estudo “Centros Novas Oportunidades: uma oportunidade dupla: da literacia familiar ao sucesso escolar das crianças”, no que se refere às mudanças nas representações e nas práticas de literacia.

Carolina Cardoso1 e Joana Ferreira1

1. Literacia no contexto da Educação de Adultos

A aprendizagem da leitura e da escrita era, até aos anos 90, compreendida através da eficácia dos sistemas educativos em dotar os indivíduos do domínio da técnica da decifração da informação escrita, e era medida pelo analfabetismo e taxas de sucesso/insucesso escolar. No entanto, a análise feita a partir destes parâmetros deixava por explicar a aplicação das competências de leitura e escrita nas diversas situações do quotidiano em que elas podem surgir (Gomes, 2005). 1

Assim, a introdução do conceito de Literacia vem, de uma forma mais completa, dar conta da componente comunicativa e funcional da linguagem escrita. Na sociedade actual, a escrita desempenha

1 Escola Superior de Educação de Coimbra.A correspondência relativa a este artigo pode ser endereçada para: [email protected] ou para [email protected]

uma função fundamental, pois são inúmeras as situações da vida quotidiana em que o indivíduo tem que utilizar a informação escrita. Deste modo, o conceito de literacia traduz a capacidade de processamento da informação escrita na vida quotidiana, ou seja, visa “as capacidades de leitura, escrita e cálculo, com base em diversos materiais escritos (textos, documentos, gráficos), de uso corrente na vida quotidiana (social, profissional, pessoal).” (Benavente, Rosa, Costa e Ávila, 1996, p.4)

O conceito de literacia remete, assim, para o uso de competências e não para a sua obtenção, pois não existe necessariamente correspondência entre níveis de literacia e níveis de educação formal. Não obstante, verifica-se que quanto mais elevados forem os níveis de instrução de uma população, maior a probabilidade de que o seu perfil de literacia melhore (Benavente et al., 1996).

No que respeita ao caso português, os recursos escolares e as competências de literacia da maioria dos adultos são escassos,

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considerando que Portugal apresenta elevadas taxas da população adulta com níveis de escolaridade abaixo do ensino secundário (cerca de 78% dos indivíduos com idade entre os 25 e os 64 anos, segundo dados de 2003) (OECD, 2005 cit. por Ávila, 2008) e com 47,3% da população a situar-se nos níveis 0 e 1 de literacia (Benavente et al., 1996). Estes dados são preocupantes pois estas dificuldades vão-se repercutir não apenas na inserção socioprofissional dos indivíduos, como também no acesso à cultura e à informação e, consequentemente, na possibilidade de agir de forma autónoma, limitando o exercício pleno da sua cidadania (Ávila, 2008).

Este novo enfoque dado pela comunidade científica aos fenómenos sociais que resultam do próprio desenvolvimento do sistema educativo, como é o caso da literacia, possibilitou a inovação conceptual e a construção de novos objectos de estudo e o desenho de estratégias metodológicas mais adequadas (Ávila, 2008).

Também na Educação de Adultos, a valorização e entendimento da educação em diversos contextos de aprendizagem passou a contemplar, para além da educação formal, dois outros contextos: a educação não-formal, que se define como qualquer tentativa educacional organizada e sistemática que, normalmente, se realiza fora dos quadros do sistema formal, e a educação de ensino informal, que define os contextos em que a pessoa adquire e acumula conhecimentos, através de experiência diária em casa, no trabalho e no lazer.

Assim, a Educação de Adultos ganhou novos contornos, começando a ser entendida como um processo que se desenvolve tendo em conta o contexto de vida das comunidades/formandos, através de estratégias não-formais que possibilitam reconhecer, validar e certificar as competências adquiridas ao longo da vida.

Deste modo, a educação de adultos pode configurar-se como um espaço de introdução e desenvolvimento de competências de literacia, melhorando o nível de literacia dos adultos e dando lugar à introdução de hábitos e práticas na família.

2. A família como espaço de aprendizagem e de promoção da literacia

A influência da família e do contexto familiar é, nos dias de hoje, cada vez mais valorizada enquanto suporte para as aprendi-zagens das crianças. Esta influência tem sido considerada não

só em contextos de educação formal, mas também durante as aprendizagens informais (Mata, 2006).

A família é um espaço privilegiado e eficaz para as aprendizagens, por possibilitar à criança aprender de forma contextualizada em situações com significado; por ser um espaço em que existe uma extensa variedade de actividades, proporcionando às crianças modelos e oportunidades para aprenderem coisas sobre diversos domínios; por existir uma maior disponibilidade e uma atenção mais individualizada; e por pais e filhos partilharem uma vida comum, facilitando a compreensão do que cada um diz, relacionando acontecimentos passados e presentes, atribuindo-lhes um significado mais vasto (Tizard & Huges, 1984).

Também quanto à aprendizagem da linguagem escrita, existe hoje uma crescente valorização das práticas de literacia desenvolvidas na família, bem como do ambiente e interacções em que ocorrem, sendo as interacções informais, com e sobre o escrito, presentemente consideradas meios importantes para estas aprendizagens (Mata, 2004).

Segundo Morrow, Paratore e Tracey (1994 cit. por Morrow, 2001), a Literacia Familiar é definida por sete princípios básicos: i) esta ser a forma como os pais, crianças e outros familiares usam a literacia em casa e na sua comunidade; ii) ocorrer naturalmente nas rotinas familiares; iii) o facto de, nos vários exemplos de materiais de literacia familiar, se poder incluir o uso de desenhos, escrever para partilhar ideias, compor notas ou cartas para comunicar mensagens, partilhar histórias, etc.; iv) poder ocorrer de forma espontânea ou propositada enquanto os pais e as crianças realizam as suas tarefas do dia-a-dia; v) poder reflectir a etnia, raça ou nível cultural das famílias; vi) estas actividades poderem ser iniciadas por entidades ou instituições externas à família, com o objectivo de apoiar a aquisição e o desenvolvimento de comportamentos de literacia; e vii) as actividades de literacia iniciadas por entidades externas poderem incluir a leitura de histórias nas famílias, a realização de trabalhos de casa, etc.

Tal como foi referido, os valores e a cultura da comunidade na qual as crianças estão inseridas condiciona o modo como estas desenvolvem as suas competências de literacia. Assim, o tipo de experiências que são valorizadas e proporcionadas,

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a frequência, diversidade e qualidade destas experiências e a forma como estas são desenvolvidas variam consoante a cultura, a comunidade e a família a que as crianças pertencem (Mata, 1999).

No sentido de sistematizar a influência dos pais nas concepções e conhecimentos que as crianças desenvolvem durante o processo de aprendizagem da linguagem escrita, bem como as suas experiências de literacia, Hannon (1996 cit. por Mata, 2006) propõe um modelo teórico denominado ORIM (Oportunidades, Reconhecimento, Interacção, Modelos). Este modelo considera que os pais influenciam as experiências de literacia dos filhos através: de oportunidades de aprendizagem, ao facilitar o acesso a materiais escritos existentes em casa, leitura de histórias, revistas e jornais, ou em idas à biblioteca; do reconhecimento e valorização das aquisições que as crianças vão fazendo neste domínio; da interacção com os filhos em actividades de literacia em situações do quotidiano; de os pais reconhecerem a sua importância enquanto modelos de como e quando utilizar a linguagem escrita, valorizando e desfrutando das actividades de literacia, reforçando deste modo não só a funcionalidade e utilidade destas actividades, como também os afectos e sentimentos a elas associados.

Também DeBaryshe, Binder e Buell (2000) referem que o ambiente familiar é um factor relevante para a aquisição da literacia, pois em casa as crianças podem ter oportunidade para: i) tornarem-se familiares com artefactos da literacia; ii) observarem actividades de literacia dos outros; iii) explorarem comportamentos alfabetizados de modo independente; iv) envolverem-se em actividades conjuntas de leitura e de escrita com outras pessoas; e v) beneficiar de estratégias de ensino que os familiares usam quando se envolvem nas tarefas conjuntas de literacia.

Assim, para conhecer a influência da família é necessário caracterizar as práticas de literacia deste ambiente educativo, sendo que a sua caracterização deve envolver vários eixos de análise, como sejam o ambiente físico, as interacções interpessoais, o clima emocional e motivacional (Leichter, 1984). Neste sentido, irá ser feita uma breve apresentação de vários estudos que foram efectuados neste campo.

Anderson e Stokes (1984) realizaram um estudo que permitiu

caracterizar as práticas de leitura e escrita em ambientes familiares e identificar a frequência e a duração das mesmas. Verificou-se que os domínios da vida diária, entretenimento, técnicas e habilidades de literacia e actividades relacionadas com a escola são aquelas que ocorrem com maior frequência.No mesmo sentido, Baker, Serpell e Sonnenschein (1995) verificaram, ao comparar as actividades de literacia desenvolvidas por famílias com crianças em idade pré-escolar com níveis socioculturais diferentes, que todos os pais tinham referido práticas de leitura de histórias. Esta actividade surgia com carácter de actividade diária, de forma significativamente mais consistente nas famílias de estatuto sociocultural médio. Nas famílias de estatuto mais baixo, foram referidas mais frequentemente actividades com objectivo de aprendizagem formal da literacia.

Os resultados dos estudos acima referidos podem ser associados aos obtidos no estudo de Sonnenschein et al. (1997 cit. por Bingham, 2007). Neste, a autora constatou que as mães de estatuto sociocultural mais baixo dão mais importância ao desenvolvimento da literacia a partir de uma perspectiva de competências básicas; já as mães de estatuto sociocultural médio utilizavam mais uma perspectiva de entretenimento. As mães que possuíam mais do que um foco de entretenimento referiam-se com mais frequência a actividades de escrita com os seus filhos do que as mães que utilizavam uma abordagem baseada nas competências.

Na mesma linha de investigação, Purcell-Gates, Allier e Smith (1995) desenvolveram um estudo que pretendeu observar e descrever o tipo de actividades realizadas, quantidade e a frequência por famílias de estatuto sociocultural baixo. As famílias foram divididas em dois grupos quanto ao nível de literacia. Observou-se que as famílias de nível elevado de literacia envolviam-se, por hora, oito vezes mais em actividades deste domínio do que as outras. Nas famílias de nível mais elevado de literacia, as categorias mais desenvolvidas eram a aprendizagem da leitura e da escrita, entretenimento e leitura de histórias; já as famílias de nível mais baixo de literacia apenas desenvolviam actividades relacionadas com as rotinas diárias e entretenimento. Por fim, no estudo de Mata (2006), desenvolvido com famílias de estatuto sociocultural médio e médio-alto com crianças em idade pré-escolar, e que procurou caracterizar as práticas de literacia familiar ao nível da sua diversidade e regularidade,

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observa-se que a maioria dos pais referiu que os seus filhos os vêem a ler e a escrever várias vezes por semana. Quanto às práticas conjuntas, a maioria dos pais referiu ler várias vezes por semana, afirmando como práticas mais frequentes ler histórias e escrever o próprio nome, letras e nomes.

Todos os resultados destes estudos são concordantes na medida em que concluem que há uma grande diversidade e regularidade de práticas desenvolvidas em ambiente familiar. É ainda relevante constatar o facto de que, em ambiente familiar, a abordagem dos pais é diferenciada quer pelo seu nível sociocultural, quer pelo seu nível de literacia.

3. Problemática

Sabendo da importância que a qualidade do ambiente familiar de literacia pode exercer sobre a aprendizagem e sobre a forma como as crianças se tornam mais predispostas a compreender a natureza da linguagem escrita, é fundamental conhecer as concepções parentais acerca da literacia, bem como os comportamentos e práticas que os pais desenvolvem com os filhos neste domínio (Lynch, Anderson, Anderson & Shapiro, 2006). Os pais podem cultivar as competências de literacia dos filhos se: i) de forma contextualizada e em situações com significado, fornecerem uma larga diversidade de materiais de literacia; ii) com frequência, incentivarem as interacções interpessoais durante as actividades de leitura e escrita; iii) permitirem a observação e participação dos filhos nas práticas de literacia do dia-a-dia e em contextos de entretenimento, e se iv) integrarem materiais de literacia no ambiente social e familiar em que estão inseridos.

Neste sentido, e sabendo que no processo de RVCC os adultos mobilizam e desenvolvem as suas competências de literacia, procurou-se com este estudo compreender de que modo o processo de RVCC efectuado por pais nos Centros Novas Oportunidades facilita o desenvolvimento da literacia familiar e promove a literacia em crianças que frequentam o início do ensino básico.

Deste modo, e por não se conhecer estudos que já tivessem abordado esta problemática em específico, realizou-se um estudo de carácter exploratório, através de uma amostra por conveniência composta por 40 adultos que frequentaram o

processo RVCC de nível básico e cujos filhos estivessem a frequentar o 1.º ciclo do ensino básico.

Para a recolha dos dados utilizou-se como método a entrevista semi-estruturada. As questões do guião de entrevista foram definidas através da decomposição em diversas dimensões de alguns conceitos identificados na revisão bibliográfica. Neste artigo apenas será tratado o conceito referente à Literacia. As questões formuladas tinham como objectivos: i) analisar a percepção dos inquiridos acerca das mudanças ocorridas nas suas representações e práticas de leitura e de escrita após frequentarem o processo de RVCC; ii) conhecer a importância atribuída à leitura, bem como os hábitos de leitura dos pais e os contextos em que ocorrem; iii) conhecer as mudanças na frequência e na natureza das práticas de leitura e de escrita que os inquiridos realizam com os filhos e, por fim, iv) conhecer as práticas que incluam a leitura e a escrita que os inquiridos realizam com os filhos, no contexto do dia-a-dia e em contextos de entretenimento e de treino.

Posteriormente, foi feita uma análise de conteúdo às respostas dos sujeitos, de modo a obter uma descrição sistemática e aprofundada do conteúdo das entrevistas, tendo sido o conteúdo codificado e dividido em categorias numa variedade de níveis.Em seguida, serão apresentados os resultados e realizada a análise e discussão dos mesmos.

4. Análise e discussão de resultados

4.1. Representações da leitura e da escrita após a frequência do processo de RVCC

Como já foi referido anteriormente, procurou-se conhecer quais foram as mudanças nas representações sobre a leitura e a escrita motivadas pelo processo de RVCC. Para tal, colocou-se a pergunta: “Considera que a ideia que tinha acerca da leitura e da escrita se modificou após ter frequentado o processo de RVCC?”. A análise dos resultados revela que 70% dos pais inquiridos atribui uma maior importância à leitura e à escrita; 28% respondeu que no seu caso não houve mudança, justificando, na maioria dos casos, que já considerava a leitura e a escrita muito importantes.

A análise das entrevistas evidenciou que os sujeitos

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percepcionam mudanças sobretudo nas suas competências e hábitos de leitura. Verificou-se também que alguns entrevistados referem que não tinham hábitos de leitura e escrita, e que os desenvolveram no decorrer do processo de RVCC.

“(...) eu comecei a ler, agora só estou bem com um livro nas mãos, tenho que andar sempre com qualquer coisa para ler. E a escrita também, tenho muito mais facilidade em escrever. (...) desenvolvi muito mais a escrita, e acho que o facto de ler também me tem ajudado bastante. Sem dúvida.” (E38; Sexo Feminino; Meio Suburbano; Região LVT)

Os sujeitos referem ainda que agora percebem melhor o que lêem e o utilizam em diversos contextos. Alguns dos entrevistados mencionam também que passaram a incutir hábitos de leitura nos filhos, passando a compreender melhor as dificuldades de aprendizagem, o que pode ser importante no apoio escolar aos filhos.

“Sempre considerei importante ler, mas confesso que não lia muito por lazer. Depois de ter feito o processo de RVCC criei hábitos de leitura que não tinha e incuto isso à minha filha, embora ela adore ler.” (E6; Sexo Masculino; Meio Urbano; Região Centro)

4.2. Leitura: importância atribuída e contextos em que ocorre

Quanto à importância atribuída à leitura no dia-a-dia, observou-se que a maioria dos inquiridos (87,5%) considera a leitura uma tarefa importante revelando, ter práticas de leitura com regularidade, sendo os contextos de lazer e de trabalho os que surgem com maior incidência. Os suportes de leitura mais referidos são, por ordem decrescente, os livros, os jornais e as revistas.

Quando comparados estes dados com os resultados do Estudo Nacional da Literacia realizado por Benavente et al. (1996) em que se verifica que 69% da população adulta, entre os 15 e os 65 anos, na auto-avaliação que faz das suas práticas de literacia refere que nunca ou raramente lê livros. É interessante verificar que 87,5% dos entrevistados considera que ler é uma tarefa importante no seu dia-a-dia e que a prática de leitura mais realizada é a leitura de livros.

A informação de que a maioria dos entrevistados refere ter

hábitos de leitura aponta para a existência de um ambiente familiar de literacia mais rico, pois as crianças têm deste modo mais oportunidades em casa para se tornarem familiarizadas com os artefactos de literacia, observarem a literacia dos outros, explorarem comportamentos alfabetizados e envolverem-se em actividades de leitura (DeBaryshe et al., 2000).

4.3. Leitura: importância atribuída aos hábitos de leitura do filho

O conhecimento das concepções parentais acerca da importância dada à leitura é fundamental, pois estas manifestam-se nos ambientes de literacia que os pais proporcionam através das práticas que desenvolvem e da natureza das interacções que têm com os seus filhos (Harkness & Super, 1999 cit. por Weigel, Martin & Bennett, 2006). Assim, e de modo a conhecer a importância atribuída pelos pais aos hábitos de leitura do filho, perguntou-se aos inquiridos “Considera importante que o seu filho tenha hábitos de leitura?”. A análise dos resultados indica que todos os entrevistados consideram que é importante que o filho tenha hábitos de leitura.

É interessante verificar que, mesmo tendo havido 12,5% de entrevistados que declarou que a leitura não era importante para o seu dia-a-dia, todos consideram que os hábitos de leitura são importantes para o seu filho.

Na opinião destes pais, ter hábitos da leitura e de escrita é fundamental para os seus filhos, uma vez que os ajuda a ler melhor, a escrever melhor, a aumentar os seus conhecimentos e cultura e a ter maior facilidade de comunicação, factores estes que constituem competências essenciais na sociedade actual.

“Acho que é essencial, desenvolve muita coisa. Desenvolve a forma de se exprimir, de escrever, que é muito importante, mas principalmente a expressão e a maneira de se exprimir, ajuda a comunicar, melhora bastante a comunicação, acho que isso é muito importante (…)” (E18; Sexo Feminino; Meio Rural; Região Centro)

Consideram ainda que a leitura é fundamental para as aprendizagens escolares do filho e para o sucesso do seu processo de escolarização. Em menor escala, os entrevistados referem a importância da leitura para o desenvolvimento e qualidade de vida dos filhos, nomeadamente no campo dos valores.

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“[a leitura] é um divertimento, ela gosta mesmo, é um prazer, tem sempre o facto de ela se informar.(…) ela faz pesquisas, às vezes quer saber qualquer coisa e vai procurar. (…) ajuda-a no desenvolvimento dela, eu penso que ajuda... em termos culturais, em termos pessoais.” (E33; Sexo Feminino; Meio Suburbano; Região LVT)

Os resultados obtidos levam-nos a considerar que estes pais têm a percepção da importância que as competências de literacia têm, não apenas para um maior sucesso escolar e uma melhor inserção profissional dos filhos, mas também para um mais fácil acesso à cultura e à informação e para que, enquanto cidadãos, os seus filhos possam agir de forma mais autónoma na sociedade actual, exercendo de forma mais plena a sua cidadania (Ávila, 2008). 4.4. Mudanças na frequência e na natureza das práticas de

leitura e de escrita com os filhos

Para conhecer as mudanças na frequência e na natureza das práticas de leitura e de escrita, perguntou-se aos pais se passaram a ler e escrever mais com o filho desde que frequentaram o processo de RVCC, e qual a natureza da leitura e da escrita que realizam. Dos inquiridos, 62,5% respondeu que não considera que o RVCC tenha modificado a frequência com que lê ou escreve com o filho, quer porque já tinham esse hábito, quer porque os filhos já são autónomos na leitura, ou porque a tarefa de ler com o filho fica a cargo do cônjuge. Também há aqueles que responderam que não escreviam antes nem passaram a fazê-lo depois do processo de RVCC.

“Neste campo não posso dizer que o processo RVCC tenha mudado alguma coisa, porque é verdade que eu criei hábitos de leitura mais frequente, mas eu próprio, porque com a minha filha sempre fiz questão de lhe ler uma história ao deitar.” (E6; Sexo Masculino; Meio Urbano; Região Centro)

Os cerca de um terço que passaram a ler e a escrever mais com os filhos referem que, desde que frequentaram o processo de RVCC, passaram a ler mais histórias, a ler e a escrever no contexto dos trabalhos de casa ou em actividades de treino e a incentivar a que os filhos leiam para si.

“Sim, histórias, (…) às vezes os próprios trabalhos ou as notas

que a professora traz, ele quer saber o que é que é, eu leio alto e ele vê o que é que é, que ele também é muito curioso, e isso faz que nós trabalhemos um bocadinho na leitura.” (E17; Sexo Feminino; Meio Rural; Região Centro)

“Sim. Costumamos escrever cartas juntos (…). Escrevo a minha parte e depois ele e o irmão escrevem a parte deles. Se eles derem algum erro eu corrijo e assim vamos treinando todos.” (E7; Sexo feminino; Meio Urbano; Região Centro)

É ainda de referir que praticamente todos os entrevistados lêem com os filhos no contexto dos trabalhos de casa, das pesquisas, quando contam histórias ao deitar, bem como nos jogos e actividades que realizam no computador. Em relação à escrita, alguns entrevistados afirmaram que a observação, por parte dos filhos, das suas próprias práticas de escrita incentiva os filhos a escrever.

Os dados obtidos neste estudo, bem como os resultados de outros trabalhos desenvolvidos nesta área (Anderson & Stokes, 1984; Baker et al., 1995; Mata, 2006; Purcell-Gates et al., 1995), confirmam que existe uma grande diversidade de práticas de literacia que são realizadas pelos pais com os seus filhos em contexto familiar. Dão-nos conta também de que, tal como os estudos indicam, a leitura de histórias é uma das práticas que mais vezes surge em contexto familiar (Baker et al., 1995; Mata 2006; Purcell-Gates et al., 1995), mas que existem outras práticas do quotidiano em que as crianças também vão participando e que incluem a leitura e a escrita.

É ainda interessante destacar que existem muitos pais que referem como exemplos de práticas aquelas que se enquadram numa perspectiva de ensino formal, procurando com os filhos treinar a leitura e a escrita através do apoio na resolução dos trabalhos escolares.

É positivo verificar que os pais entrevistados realizam com os filhos actividades de carácter escolar e leitura de histórias pois, segundo Sénéchal e LeFevre (2001 cit. por Mata, 2006), a incorporação regular em simultâneo destes dois tipos de práticas está associada a benefícios para as crianças, quer seja em termos imediatos, como durante o decorrer do 1.º ciclo do ensino básico.

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4.5. Práticas de leitura e escrita

Sabendo que as crianças desenvolvem a literacia de acordo com os valores e a cultura da comunidade na qual estão inseridas e que o tipo de experiências valorizadas e proporcionadas, a frequência e a diversidade dessas experiências, bem como a qualidade e a forma como são desenvolvidas dependem desse contexto (Mata, 1999), colocou-se como objectivo do trabalho conhecer as práticas de literacia familiar.

Para cumprir com esse objectivo, tivemos por base diversos estudos (Baker et al., 1995; Mata, 2002, 2006; Pucell-Gates et al., 1995), nos quais as actividades de literacia desenvolvidas por famílias foram categorizadas de acordo com o tipo de contexto em que se realizam, tendo sido analisados neste estudo os contextos de entretenimento, de treino e de rotinas diárias. Os resultados obtidos dessa análise serão apresentados em seguida.

4.6. Observação e participação nas práticas quotidianas

Para conhecer de que forma os filhos observam e participamnas práticas quotidianas de leitura e de escrita dos pais, foicolocada a questão: “O seu filho costuma observar ou participar nas suas práticas de leitura e de escrita?”, à qual 87,5% dos inquiridos respondeu afirmativamente, sendo os trabalhos do processo de RVCC, a leitura de jornais e revistas e a leitura e escrita no computador os principais contextos em que a observação/participação dos filhos se verifica.

“ (…) se ponho o jornal de lado, eles pegam logo e vão ver eles o que é que tem. Não, eles são muito curiosos... no computador uma pessoa está a ver os e-mails ou a escrever, eles têm que estar à beira a ver, nunca deixam de estar à minha beira.” (E26; Sexo Feminino; Meio Rural; Região Norte)

Ainda que com menor incidência, foram relatadas situações quotidianas tais como a elaboração de listas de compras, leitura de rótulos ou de manuais de instruções, entre outras.

“(…) algum aparelho que às vezes ele me pergunta como é que funciona eu mando-lhe ir ler o manual e só depois de ele ler o manual é que, se ele ainda não souber trabalhar com aquilo, eu vou lá dar-lhe uma ajuda.” (E39; Sexo masculino; Meio Suburbano; Região LVT)

“Hoje fui dar com ele a mexer na garrafa do azeite. Foi à dispensa, mexeu na garrafa do azeite: «Ó mãe, tenho a mão suja!». «E quem é que te mandou ir ali mexer na garrafa do azeite?» «Eu estou a ler ali azeite suave…»”. (E25; Sexo Feminino; Meio Urbano; Região Norte)

“ (…) Na parte da lista de compras ela gosta muito de ver o que escrevo e depois quando vou às compras tem de levar a lista para ir buscar as coisas” (E33; Sexo Feminino; Meio Suburbano; Região LVT)

Embora a pergunta não remeta para o processo de RVCC, uma grande maioria dos pais refere o interesse e a curiosidade dos filhos no desenvolvimento do portfólio. Nas tarefas de realização dos portfolios, as crianças questionam, participam nas pesquisas, imitam, corrigem os pais e motivam-se para as suas actividades. A conversa, a leitura e a escrita acabam, de diversas formas, por estar presentes em todo o quotidiano familiar.

“Tem, tem. Eu achava piada mesmo quando eu estava a fazer os trabalhos para aqui [RVCC] ele gostava sempre de ir ver o que é que [eu] escrevia.” (E14; Sexo Feminino; Meio Rural; Região Centro)

“Eu noto que as brincadeiras dele são muito idênticas à minha realidade, (…) as brincadeiras dele são um bocado o que ele vê em mim.” (E19; Sexo Masculino; Meio Rural; Região Centro)

Ao referirem de forma espontânea que servem de exemplo para os filhos quando estes os observam em práticas de leitura e de escrita, reforçam a ideia proposta por Hannon (1995 cit. por Mata, 2006) de que os pais têm uma influência muito grande nas experiências de literacia dos filhos, nomeadamente enquanto modelos pois, ao funcionarem como referência, ajudam os filhos a compreender melhor a funcionalidade da linguagem escrita, e ao envolverem as crianças neste tipo de situações despertam-lhes o gosto e o interesse pela leitura e pela escrita.

4.7. Observação e participação em actividades de entreteni- mento

À pergunta “Costuma envolver-se em actividades lúdicas com o seu filho que incluam a leitura e a escrita?”, verifica-se que a

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maioria dos pais (75%) respondeu que se envolve com os filhos em brincadeiras que mobilizam e aprofundam conhecimentos de oralidade, leitura e escrita. Entre as actividades mais correntes, evidenciam-se as que mobilizam conhecimentos de leitura e de escrita. Entre outros, referenciam palavras cruzadas e sopas de letras, Sudoku, bem como jogos como o Monopólio e o Trivial. Outra actividade que ocupa um lugar privilegiado nas brincadeiras com os pais é o uso do computador e das consolas de jogos. Alguns incentivam os filhos a ler as regras dos jogos para compreenderem o seu funcionamento e poderem utilizá-los.

“No Magalhães está a aprender a brincar... ou seja, está-se a aprender a brincar... ele tão depressa diz que está certo como diz que está errado (...) jogamos aos países, às cidades, aos rios (…) no fundo, a brincar a estas situações eles estão a aprender (…), o Monopólio, (...) as consolas que também já têm esse tipo de situações em que nós estamos a brincar e que estamos a aprender.” (E35; Sexo Masculino; Meio Suburbano; Região LVT)

“A Playstation é de trás para a frente, de frente para trás, lê tudo, mesmo em inglês, não faz mal. (...) lê, a nível de computador, de Playstation, isso tudo, ele lê. (...) jogos didácticos... na internet o jogo da forca... há aí um jogo de perguntas, que tem as respostas, A, B, C e D, e então a gente anda lá entretidos a ver quem é que erra mais (...)” (E39; Sexo Masculino; Meio Suburbano; Região LVT)

Muitos deles revelam, claramente, intencionalidade pedagógica no seu envolvimento nestas actividades, procurando dar-lhes significado social. Apesar de ser uma percentagem menor, é importante referir que alguns pais (20%) declaram que não brincam com os filhos por falta de tempo, não deixando de se revelar sensíveis à importância das actividades de lazer.

“Não costumo fazê-lo com muita frequência, porque não tenho mesmo tempo, mas talvez agora nas férias possa conciliar mais essas coisas.” (E11; Sexo Masculino; Meio Urbano; Região Centro)

O facto de a maioria dos pais referir que se envolve em actividades de carácter lúdico no desenvolvimento da leitura e da escrita dos seus filhos indica, tal como diz Baker et al. (1995), que provavelmente estes pais têm uma visão positiva

do processo de aprendizagem da linguagem escrita, estão familiarizados com o jogo enquanto meio de aprendizagem, experimentaram uma abordagem lúdica da literacia e sentem a sua eficácia.

4.8. Observação e participação em actividades de treino

Em relação às práticas de treino de leitura e escrita realizadas com os filhos, 78% dos inquiridos respondeu que costuma treinar com o filho. Um grande número de pais entende o treino da leitura e da escrita com os filhos numa perspectiva de reproduzir o modelo escolar, referindo principalmente o treino da pontuação, caligrafia, escrita e erros ortográficos. Outros crêem que o seu papel deve ser o de complementar o trabalho da escola, procurando proporcionar actividades que facilitem a aquisição e a destreza em tarefas de carácter escolar.

“Quantas vezes ele estava a fazer os deveres e eu chegava ao pé dele e dizia-lhe (…) «Isto não está bem!», e apagava” (E2; Sexo Feminino; Meio Urbano; Região Centro)

“Escrevo, e ele gosta muito de elaborar textos, aliás, ele diz que quer ser escritor (…). Ele às vezes senta-se no computador e escreve, é, às vezes chama-me, «ó mãe, anda cá ver se fica bem assim!». Para além dos trabalhos de casa, ele gosta de escrever e chama-me muito para o acompanhar, e tem lá uma pasta com os textos todos dele, as histórias que ele entende escrever. Como se fosse um diário. Ele gosta muito de escrever.” (E38; Sexo Feminino; Meio Suburbano; Região LVT)

Outros encaram a tarefa de treino da leitura e da escrita numa perspectiva mais abrangente, tendo em conta a sua função social, inserindo-as na vida familiar.

“Sempre fiz questão de lhe ler uma história ao deitar e agora ela lê para mim, mas estou sempre ao lado dela. Costumamos ver alguns filmes juntos, em que ela está a começar a acompanhar bem as legendas (...) se vamos a um restaurante ela começa a ler a ementa, os rótulos (...) e eu ajudo-a e “puxo” por ela. Quanto à escrita, costumamos escrever num quadro pequenino que ela lá tem. Eu invento uma palavra e ela escreve no quadro.” (E6; Sexo Masculino; Meio Urbano; Região Centro)

As razões pelas quais 20% dos pais não se envolvem em

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actividades de treino da leitura e da escrita com os filhos devem-se, em certa medida, ao facto de estes considerarem que não existe essa necessidade porque os filhos têm bons resultados escolares e/ou porque são suficientemente responsáveis.

5. Conclusões

Sabe-se que as representações que os sujeitos têm sobre um determinado objecto vão influenciar de forma decisiva as suas práticas relativas a esse domínio. No caso da literacia, estas manifestam-se nos ambientes de literacia que os pais proporcionam, nas práticas que desenvolvem com os seus filhos, e na natureza dessas interacções. A partir dos relatos dos entrevistados, podemos inferir que as práticas de leitura e escrita com os filhos serão facilitadoras destas aprendizagens nas crianças. Efectivamente, verificou-se que a maioria dos inquiridos declara que ler é uma tarefa importante no seu dia-a-dia e que lê quer por necessidades profissionais, quer em contexto de lazer. Muitos consideram ter agora, uma vez concluído o processo de RVCC, maior fluência na leitura e na escrita, passando a valorizar a leitura como fonte de aprendizagem e de desenvolvimento intelectual e cultural. Para além disso, a leitura e a escrita são consideradas por estes pais como fundamentais para as actividades do quotidiano e para o apoio escolar aos filhos.

Para estes pais, é fundamental que os filhos tenham hábitos de leitura e de escrita e um bom domínio da leitura, o que é revelador da consciência da importância da literacia no mundo actual enquanto veículo de sucesso escolar e de futuro profissional e como promotor de bem-estar pessoal e social.

Estes dados revelam ainda que os pais inquiridos têm, frequentemente, interacções ricas e diversificadas com os filhos (por exemplo: contar histórias ao deitar, fazer actividades de pesquisa), sendo estas assumidas como componente da vida familiar. No campo das actividades de lazer que envolvem a leitura, constatou-se que a maioria dos pais assume uma intencionalidade pedagógica quando, com os filhos, vêem televisão em conjunto, e realizam actividades lúdicas no computador, nas consolas de jogos, e em jogos de tabuleiro.

Constatou-se ainda que os pais referem que as crianças demonstravam curiosidade e interesse em relação às tarefas

que estes efectuavam no âmbito do processo de RVCC. Este interesse manifestou-se não apenas ao nível da tentativa de compreensão e participação nas actividades, mas também na imitação destas, o que reforça a ideia de que os pais podem ser importantes modelos de como e quando utilizar a linguagem escrita e de como valorizar e tirar prazer das actividades de literacia.

De um modo geral, verificou-se que os entrevistados revelam interesse pela aprendizagem da leitura e da escrita dos filhos, embora em graus diferentes de envolvimento. Contudo, ainda que alguns entrevistados tenham declarado que não modifi-caram as suas representações e práticas, uma análise mais detalhada revela que há mudanças de natureza qualitativa pois, apesar de os pais referirem que estas práticas já estavam presentes no seu dia-a-dia antes do processo de RVCC, agora fazem-nas de um modo diferente. De facto, o modo como se processa o envolvimento nas práticas de leitura e de escrita aparece com vários níveis qualitativos, tendo-se neste estudo identificado três. Primeiro surgem aqueles que realizam actividades desta natureza no sentido de tentar reproduzir o modelo escolar, realizando práticas segundo um modelo de pedagogia mais tradicional, como seja a correcção da letra, a correcção da ortografia, entre outras.

Noutro nível encontram-se aqueles pais que, apesar de ainda considerarem que as práticas de leitura e escrita que realizam com os filhos devem ter uma perspectiva escolar, ou seja, de melhorar o seu desempenho académico, consideram que o seu papel deve ser o de complementar o trabalho da escola, procurando por isso efectuar actividades que promovam a aquisição de competências e destreza nas tarefas (por exemplo: composições, resumos, diários).

Num outro nível estão aqueles que, para além de complementarem o trabalho escolar, assumem a educação dos filhos com consciência da sua importância social, na qual englobam a importância das componentes de desenvolvimento cultural e de literacia nos quotidianos familiares. É nesta óptica que se considera que pode ser traçada uma linha “gradativa” de complexidade e da frequência das actividades de conhecimento e de literacia.

Por tudo o que já foi referido, verifica-se que o processo de

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RVCC parece promover a criação ou o desenvolvimento de hábitos de literacia no adulto, mas também que representa na percepção dos sujeitos mudanças positivas nos hábitos de literacia familiar. As mudanças evidenciadas pelos inquiridos são especialmente importantes por se tratar de uma população que, pelo seu baixo nível de escolarização apresenta mais carências nestes domínios.

Visto que foram percepcionadas mudanças a este nível, e que o número de adultos a frequentar actualmente este processo é muito elevado, pode considerar-se que este é um espaço privilegiado que, pelas características que apresenta, pode ser um importante contexto para promover a literacia na vida familiar.

Neste sentido, seria interessante que, de uma forma intencional, e tendo em conta as necessidades e especificidades da população, a literacia familiar fosse objecto de um enfoque mais activo por parte dos Centro Novas Oportunidades, através do desenvolvimento de actividades específicas neste domínio, aproveitando deste modo o potencial e a natureza única da família para reforçar o seu valor enquanto espaço de aprendizagem.

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Os adultos no contexto do processo de RVCC: uma abordagem das representações

e práticas do processo de escolarização

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ResumoO envolvimento das famílias nos processos de escolarização dos filhos apresenta-se como uma condição básica para o sucesso escolar das crianças. Deste modo, se do projecto de vida dos pais fizer parte a escolarização e o sucesso escolar dos filhos, se a ideia que os pais têm da escola for positiva, se integrarem a cultura escolar no meio familiar e tiverem para o seu filho expectativas de sucesso, a criança tenderá a desenvolver atitudes e comportamentos que serão facilitadores do seu desenvolvimento cognitivo e sentir-se-ão mais motivadas, integradas e confiantes no seu desempenho escolar.

Os Centros Novas Oportunidades (CNO) permitiram a muitos pais definir e dar continuidade ao seu próprio projecto de escolarização, procurando o reconhecimento, a validação e a certificação de competências adquiridas ao longo da vida, bem como reciclar e adquirir conhecimentos e competências essenciais a uma melhor integração e adaptação às exigências da sociedade actual.

Com este estudo pretende-se, então, verificar se o adulto que realizou o processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) modifica a sua interacção com os filhos, e em que medida as novas competências e conhecimentos adquiridos permitem aos pais incutirem nos filhos valores que passem pela vontade e interesse pela escolarização.

Com efeito, considera-se pertinente verificar se um novo acesso à escolarização, nomeadamente através do processo de RVCC efectuado nos Centros Novas Oportunidades, cria ou reforça no interior da família a construção de um projecto de vida que passe pelo investimento na escolarização dos próprios e dos filhos.

Joana Ferreira1 e Carolina Cardoso1

1. A Educação de Adultos e o processo de escolarização

Em Portugal, verifica-se que o nível de qualificação escolar da população adulta se encontra muito abaixo da média da maioria dos países europeus, sendo um dos indicadores que é apontado como uma debilidade estrutural do país (Quintas, 2008).1

Esta carência não se reflecte apenas na actividade profissional que o adulto possa exercer, mas também limita o seu acesso à cultura e à informação e a possibilidade de ser um agente activo na construção da sociedade a que pertence.

1 Escola Superior de Educação de Coimbra.A correspondência relativa a este artigo pode ser endereçada para:[email protected] ou para [email protected]

A adaptação a inúmeros cenários e mudanças de carácter social, político, económico, cultural e tecnológico (Canário, 1999) que a sociedade actual impõe aos cidadãos vem afirmar a necessidade de estes adquirirem conhecimentos e competências cada vez mais adaptáveis e transferíveis, bem como uma maior participação nos grupos, na cultura, na vida social e política (Guimarães, Silva e Sancho, 2000). Hargreaves (2003) acrescenta ainda que se espera que, nos dias de hoje, o indivíduo esteja apto a lidar com o incerto e o inesperado, sendo criativo e eficaz nas soluções que encontra para dar resposta às exigências que a sociedade lhe coloca.

Por tudo isto, quer-se que o adulto, para além da sua experiência, adquira continuamente conhecimentos e competências. Neste

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sentido, entende-se que é essencial que o adulto invista e dê continuidade ao seu processo de escolarização, não apenas para aumentar o seu nível de escolaridade, mas principalmente para promover o seu acesso a melhores condições de vida.

As medidas que foram inicialmente implementadas para colmatar os baixos níveis de escolarização da população adulta portuguesa não resultavam em respostas educativas adequadas às características e necessidades formativas da população adulta, dado terem por base os mesmos modelos de programas educativos que se destinavam à formação de crianças e jovens (Quintas, 2008). Surgiu, deste modo, a necessidade de se utilizarem outras abordagens formativas e programas educativos.

O aparecimento de novos conceitos no domínio da Educação de Adultos, dos quais se destacam o conceito de Educação permanente e educação recorrente, permitiram um entendimento mais amplo da educação, reconhecendo-a como um processo que ocorre ao longo da vida. Este entendimento da educação permitiu, assim, considerar vários contextos de aprendizagem, não os reduzindo apenas ao sistema escolar, mas valorizando também os processos educativos que se desenvolvem noutros contextos. Neste sentido, a Educação de Adultos contempla, para além das aprendizagens desenvolvidas nos contextos formais, aprendizagens não-escolares, mais espontâneas e menos sistemáticas e intencionais, que são entendidas como igualmente importantes e interessantes no contexto das aprendizagens adquiridas ao longo da vida. Assim, para além da educação formal, são considerados dois outros contextos educativos: a educação não-formal, que se define como qualquer tentativa educacional organizada e sistemática que normalmente se realiza fora dos quadros do sistema formal, e a educação de ensino informal, que define os contextos em que a pessoa adquire e acumula conhecimentos através da experiência diária em casa, no trabalho e no lazer.

A Educação de Adultos ganhou novos contornos quando, ao passar a ser entendida como um processo que se desenvolve ao longo da vida e em vários contextos, se sentiu a necessidade de reconhecer, validar e certificar competências dos adultos, conferindo valor às aprendizagens e às experiências ocorridas ao longo das suas vidas.

Com vista a responder aos défices de escolarização que afectam a maioria da população adulta em Portugal e as consequências que deles advêm surge, entre outras medidas, a Iniciativa Novas Oportunidades e, com ela, o processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC), levado a cabo por Centros Novas Oportunidades (CNO). Através das aprendizagens adquiridas pelos adultos ao longo da sua vida, este programa procura reconhecer, validar e certificar competências escolares e profissionais de adultos com experiência profissional comprovada (http://www.anq.gov.pt).

Para além destes pressupostos, o processo de RVCC tem ainda por objectivo promover na população adulta o gosto e a necessidade de continuar a aprender, que se concretizam numa procura de formações e/ou no prosseguimento dos estudos. Os ganhos que o adulto pode obter por dar continuidade ao seu processo de escolarização manifestam-se quer ao nível pessoal, como profissional, social e familiar.

Considera-se, por tudo o que acima foi referido, que ter frequentado o processo de RVCC introduz mudanças em todos os domínios da vida destes adultos, e que o reinvestimento na escolarização demonstra, per se, um reforço dado à importância conferida à escolarização. Sabendo que a família tem um papel determinante no sucesso escolar das crianças, importa compreender em que medida esta atitude dos pais perante a sua própria escolarização se reflecte num maior investimento dado ao processo de escolarização dos filhos.

2. Família, educação e processo de escolarização

A família, ao longo de gerações, tem sido considerada uma peça fundamental na educação das crianças. É entendida como uma “instituição fundamental de educação em qualquer cultura. Aí encontramos, simultaneamente, a educação formal e informal. Os pais, pelo simples facto de coabitarem com os filhos, constituem fonte e modelo de educação. Eles são exemplos que os filhos seguem quase instintivamente. Também ensinam quando falam, exemplificam, elogiam ou até punem. A família é a primeira instituição de educação no tempo e, em muitos casos, a mais importante da sociedade” (Frost, 1966).

A família enquanto instituição tem sido constituída como objecto de análise em várias disciplinas científicas, nomeadamente

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pela Sociologia e pela Psicologia. Estas abordagens sociais e humanas de análise da família têm procurado compreender de que modo a educação familiar interage com o comportamento e as aprendizagens das crianças (Neves, 1999).

Considerando que a família tem um papel fundamental no desenvolvimento e inserção dos filhos nos diversos contextos da sociedade, e sabendo ainda que a escolarização é, na sociedade actual, factor determinante para essa inserção, importa compreender de que forma é que os pais, bem como a escola em relação com os pais, promovem e oferecem condições às crianças para que estas se desenvolvam plenamente.

O projecto de escolarização que os pais definem para os seus filhos não é o mesmo para uma família de nível sociocultural elevado e para uma família de nível sociocultural baixo: a primeira está familiarizada com a escola e as suas práticas, permitindo à criança uma inserção mais fácil nos contextos sociais, nomeadamente na escola; a segunda não consegue dar resposta às solicitações sociais porque não domina as regras da escola. De facto, muitas das dificuldades que os alunos de classes populares sentem advêm do facto de, à entrada para a escola, terem de se familiarizar com a cultura escolar e com os numerosos elementos que a caracterizam, visto não terem tido, até então, oportunidade de os conhecer no ambiente familiar (Pourtois, Desmet & Barras, 1994).

Esta falta de domínio do código escolar resulta, em grande medida, do baixo nível de educação e de qualificação dos pais e da pobreza cultural do ambiente familiar, que se manifestam também numa pobreza linguística aos níveis lexical e sintáctico. O capital escolar, ou seja, o nível de instrução que a criança será capaz de adquirir, está fortemente condicionado pelo capital cultural que a família é capaz de transmitir à criança. No entanto, isto não significa que crianças provenientes de meios socioculturais menos favorecidos tenham nascido menos inteligentes; significa, sim, que essas crianças têm menos oportunidades de acesso a determinadas experiências que estimulem e incentivem o seu desenvolvimento intelectual (Diogo, 1998). Entende-se, por isso, que quanto mais rico e variado for o ambiente familiar, bem como as experiências vividas em contextos informais e não formais, maiores são as possibilidades que a criança tem de desenvolver competências e adquirir conhecimentos relevantes para o seu desenvolvimento cognitivo.

A relação entre o insucesso escolar e os baixos níveis socioculturais tem sido amplamente estudada. É frequentemente considerado que crianças que pertencem a uma classe social desfavorecida podem estar em risco de insucesso escolar, dado que o ambiente familiar no qual estão inseridas é, tendencialmente, intelectualmente pouco estimulante (Manning & Baruth, 1995).

Segundo Bourdieu e Passeron (1966), a relação entre o nível sociocultural das famílias e o rendimento escolar das crianças reflecte a reprodução das relações assimétricas de classe, legitimada pelo sistema educativo que procurava garantir apenas à classe dominante a “transmissão hereditária do capital cultural”, perpetuando assim as diferenças de classes. Deste modo, segundo esta teoria, as desigualdades de oportunidades no acesso e prosseguimento no ensino derivam, em grande parte, da estratificação social. No entanto, Diogo (1998) entende que as diferenças na desigualdade de oportunidades no ensino, explicadas pela diferença na qualidade da “herança cultural” em função da classe social, apenas explicam as diferenças no desempenho escolar entre classes sociais distintas, não explicando a disparidade no sucesso escolar no seio da mesma classe. Independentemente do rendimento do agregado ou do nível de instrução dos pais, o modelo cultural e educativo dos pais e as suas representações são variáveis, pelo que devem ser tidas em consideração quando se analisa o desempenho escolar das crianças (Clark, 1983; Pourtois et al., 1994). Um ambiente familiar em que exista o diálogo, o incentivo, a criação/fixação de objectivos e um clima educativo positivo são igualmente condições importantes para se compreender as questões associadas ao sucesso escolar (Clark, 1983).

Tendo em conta que o ambiente familiar e o apoio parental contribuem, em grande medida, para explicar a aprendizagem escolar e o desenvolvimento cognitivo das crianças, Clark (1983) considera como práticas determinantes para o sucesso escolar: i) o desenvolvimento de um sentido de pertença e a valorização da escola; ii) o estabelecimento de rotinas; iii) o estabelecimento e distribuição de tarefas no contexto familiar; iv) a supervisão do tempo que a criança despende nas várias tarefas; v) o incentivo à leitura; vi) a criação de espaços de conversa sobre a importância da aprendizagem e da escola; vii) as visitas à escola; viii) o incentivo à prática de actividades extracurriculares e passatempos; ix) a realização de brincadeiras em conjunto, bem

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como as visitas a espaços culturais. Bloo (1984, cit. por Silva e Martins, 2002) complementa esta ideia acrescentando algumas práticas, tais como: i) o acompanhamento e apoio às tarefas escolares; ii) as actividades que promovam o desenvolvimento intelectual e linguístico; e iii) a explicitação das expectativas e aspirações dos pais em relação aos seus filhos e ao seu percurso educativo, as quais, segundo o autor, também são conducentes ao sucesso escolar. Também Walberg (1984 cit. por Silva e Martins, 2002) define algumas estratégias que os pais podem adoptar na relação com os seus filhos e que podem contribuir para o sucesso escolar: i) conversar com os filhos sobre os acontecimentos do dia-a-dia; ii) incentivar a leitura pelo prazer que lhe está associado; iii) assistir e conversar em conjunto sobre os programas televisivos; e iv) expressar interesse e dedicação pelo desenvolvimento escolar e pessoal do filho.

A representação que os pais têm da escola é influenciada pelo seu próprio percurso de (in)sucesso escolar, e influencia fortemente a representação que a criança terá do seu próprio percurso educativo. Se existir uma forte cultura de escolarização por parte dos pais que passe pela construção de um projecto de escolarização para os seus filhos, se a ideia que os pais têm da escola for positiva e estes tiverem, para os seus filhos, expectativas de sucesso, a criança sentir-se-á segura, motivada e integrada no meio, sentirá confiança no seu desempenho escolar e procurará ir ao encontro das expectativas dos pais.

Os pais funcionam, desta forma, como agentes sociais que têm uma influência determinante na construção das atitudes e comportamentos das suas crianças face à educação e à escola (Mackay & Miller, 1982, cit. por Jodl, Michael, Malanchuk, Eccles & Sameroff, 2001). A família enquanto modelo influencia a criança de acordo com as suas práticas educativas e os seus esquemas culturais. Por conseguinte, a família determina fortemente o desenvolvimento da criança e a qualidade desse desenvolvimento, que se traduzem, na escola, por um bom desempenho escolar (Pourtois et al., 1994).

No estudo realizado por Wang, Wildman e Calhoun (1996) é comprovada a existência de uma relação positiva entre a realização dos alunos e variáveis como as expectativas dos pais, a educação e o suporte fornecido por estes. Segundo Fredricks e Eccles (2002), as percepções que os pais têm das capacidades dos seus filhos é determinante na formação das

crenças e valores que os seus filhos têm acerca das suas próprias competências. Desta forma, verifica-se uma relação positiva entre as expectativas parentais e a performance e motivação para a realização das crianças. Outros estudos (Koutsoulis & Campbell, 2001) demonstram que a pressão exercida e baixos níveis de suporte oferecidos pelos pais desmotivam as crianças e condicionam negativamente o seu desempenho escolar. Entende-se, por isso, que um maior apoio parental e uma menor coerção permitirá um melhor desenvolvimento cognitivo das crianças.

Diversas investigações (Belsky, 1981; Marjoribanks, 1979) têm verificado que a qualidade do clima familiar se relaciona significativamente com variáveis como a inteligência, a motivação para a realização, a auto-estima e o rendimento escolar das crianças.

Nos seus estudos, Katkovsky, Crandall e Preston (1964 cit. por Eccles, Wigfield & Schiefele, 1998) verificaram que quanto melhor for a imagem que os pais têm da sua própria competência intelectual, mais provável será que estes participem nas actividades intelectuais dos filhos e os incentivem.

Deste modo, as representações e as atitudes que os pais têm acerca da escola estão relacionadas com a sua própria experiência escolar, transferindo para os seus filhos, em muitos casos, a sua experiência enquanto estudantes. Assim, os pais que não tiveram um percurso escolar pautado pelo sucesso tendem a ter pouco contacto com a escola dos seus educandos. Todavia, Davies (1989), refere que, quando entrevistados, estes pais manifestam um grande interesse pela educação dos seus filhos, mas não sabem o que e como fazer para participar mais nas tarefas escolares dos mesmos, quer na escola, quer em casa.

3. Relação escola-família

Sabendo que os pais são modelos importantes para a realização e aprendizagem escolar e para o desenvolvimento cognitivo das crianças, pois são as suas representações e expectativas acerca da escola que servem de referência quanto às atitudes, comportamentos e à importância que a criança atribui à escolarização, é fundamental que a escola

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crie condições de relacionamento com todos os pais. Torna-se essencial existir uma cooperação entre a escola e os pais, no sentido de os ajudar a ter um papel mais activo no percurso escolar dos filhos, com vista a um maior e melhor acompanhamento e investimento no processo de escolarização dos mesmos. Se os professores criarem estratégias de envolvimento dos pais promovendo o desenvolvimento de atitudes positivas face à escola e se os ajudarem a integrar a cultura escolar no contexto familiar, as dificuldades sentidas em compreender o código e a cultura escolar por parte de alunos de famílias de baixo nível sociocultural poderão ser atenuadas, criando, assim, condições para que todos tenham sucesso ao longo do seu percurso escolar.

Pelo que foi referido, considera-se que o envolvimento das famílias nos processos de escolarização dos filhos é uma condição-chave para o sucesso escolar das crianças. No entanto, não é suficiente enviar diariamente os filhos à escola para que o processo de escolarização se efective. Entre as necessidades decorrentes do empenho dos pais na escolarização dos filhos, parecem sobressair: a implicação das pessoas significativas na relação pedagógica, a atribuição de sentido às aprendizagens, e a necessidade de uma pedagogia diferenciada (Salgado, 2003).

Os alunos cujos pais e escola trabalham em parceria sentem que há pessoas de ambos os contextos que se preocupam, investem e coordenam tempo e recursos para contribuir para o seu sucesso educativo, o que lhes permite compreender melhor a importância da sua escolarização e sentirem-se mais motivados para nela investirem. As famílias e as escolas que cooperam podem contribuir, assim, para i) melhorar o aproveitamento escolar dos estudantes, ii) elevar a sua auto-estima, iii) criar atitudes positivas face à aprendizagem, iv) promover a sua autonomia e realização pessoal (Diogo, 1998), e v) reduzir conflitos entre a escola e a família, tornando o ambiente escolar mais positivo (Comer, 1984).

Estudos realizados nesta área têm vindo a demonstrar que, da colaboração entre os pais e a escola, resultam inúmeros benefícios e efeitos positivos na vida escolar dos alunos, dos quais se destacam a melhoria do rendimento escolar (Walberg, Bole & Waxman, 1980 cit. por Cavalcante, 1998; Silva & Martins, 2002) e a diminuição do número de faltas e reprovações a redução de problemas comportamentais (Comer, 1980).

No mesmo sentido, um trabalho de investigação-acção que tinha por objectivo incrementar a participação das famílias na vida escolar dos filhos demonstrou existirem ganhos significativos, como sendo o aumento da confiança das famílias enquanto agentes educativos, a partilha de experiências entre os membros das famílias envolvidas, um aumento dos níveis de motivação dos filhos para as aprendizagens escolares e uma atitude mais positiva dos alunos face aos conteúdos programáticos escolares (Silva e Martins, 2002).

As investigações que têm sido realizadas nesta área têm procurado conhecer as variáveis que contribuem para potenciar a relação escola-família, desenvolvendo alguns modelos que permitem compreender que tipo de práticas podem ser desenvolvidas em parceria por pais e professores.

Um dos modelos criados foi a tipologia apresentada por Epstein (1995), que comporta seis modalidades de envolvimento parental, a saber: i) a formação e ajuda às famílias, que se traduz na ajuda prestada às famílias em criar condições de trabalho em casa que suportem as aprendizagens escolares; ii) comunicação entre escola e família, comportando várias práticas e instrumentos de comunicação com vista a reforçar e intensificar a comunicação entre a escola e a família, nomeadamente através de cartas, reuniões, visitas domiciliárias, contactos telefónicos, entre outros; iii) voluntariado na escola, remetendo para a prestação de qualquer tipo de trabalho que os pais, de modo voluntario, queiram realizar na escola, como sendo a ajuda a outros pais, a participação na associação de pais e/ou em actividades desenvolvidas na escola (festas, actividades desportivas, culturais, etc.); iv) envolvimento em actividades de aprendizagem em casa, contemplando as competências que fomentam a interacção, orientação e apoio em tarefas de casa, de enriquecimento e/ou de estudo; v) envolvimento no processo de tomada de decisões, remetendo para a inclusão dos pais nos processos decisórios com vista a uma participação efectiva destes nos órgãos representativos; e vi) colaboração com a comunidade, contemplando e responsabilizando parceiros comunitários nos programas educativos, rentabilizando os recursos da comunidade para o enriquecimento das aprendizagens dos alunos.

De acordo com Epstein (1995), as parcerias que se estabelecem

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entre as famílias e a escola contribuem para melhorar o ambiente escolar, oferecem suporte às famílias, aumentam as competências dos pais, aproximam as famílias da escola e permitem que os pais auxiliem os professores a desempenhar melhor o seu papel de docente.

Por tudo isto, o envolvimento e a cooperação dos pais com a comunidade escolar revela-se fundamental para que a criança se sinta mais motivada e compreenda melhor a importância e a necessidade de investir na sua escolarização, sendo a participação activa dos pais, tanto na relação com a escola como no apoio escolar em casa, fundamental neste processo.

4. Problemática

O nível de qualificação escolar dos adultos está, em certa medida, associado ao domínio da cultura escolar, bem como às representações que o adulto tem da importância da escolarização. É sabido que um percurso escolar de insucesso tem implicações na auto-imagem e na percepção que o adulto tem das suas competências, assim como nas representações e expectativas de (in)sucesso escolar que tem para o seu filho. Porque a família, com as suas representações e expectativas, é determinante na construção de atitudes e na adopção de comportamentos por parte das crianças face às aprendizagens e à escola, é fundamental compreender de que modo o reinvestimento, por parte de adultos, no seu projecto de escolarização, nomeadamente através do processo de RVCC, provocou mudanças na sua vida e se estas mudanças se traduzem num maior investimento e envolvimento no processo de escolarização dos filhos.

Para responder aos objectivos deste estudo, procedeu-se a uma investigação de carácter exploratório, dado não se conhecer estudos que já se tivessem debruçado sobre esta problemática em específico. Deste modo, recorreu-se a uma amostra por conveniência, constituída por 40 adultos que concluíram o processo de RVCC de nível básico e com filhos a frequentar o 1.º ciclo do ensino básico.

Para proceder à recolha dos dados, optou-se pela entrevista semi-estruturada. Esta foi construída tendo por base uma revisão bibliográfica sobre os diversos conceitos abordados neste estudo. Este artigo abordará, especificamente, os

resultados auferidos pela análise dos dados referentes ao conceito de Processo de Escolarização.

O grupo de questões formuladas tinha como objectivo conhecer as mudanças provocadas pela frequência no processo de RVCC quanto: i) às mudanças ocorridas na vida do inquirido; ii) à perspectiva do futuro escolar do inquirido; iii) à importância conferida ao percurso escolar do filho; e iv) à frequência de participação na vida escolar do filho.

De forma a obter uma descrição que dê conta, de modo aprofundado, do teor das entrevistas, procedeu-se a uma análise de conteúdo das respostas dos sujeitos inquiridos, tendo sido codificadas e divididas as respostas em categorias, subcategorias e componentes.

No ponto seguinte, serão apresentados e discutidos os resultados obtidos.

5. Análise e discussão dos resultados

5.1. Mudanças de vida provocadas pelo processo de RVCC

De modo a conhecer as mudanças provocadas na vida dos inquiridos após terem frequentado o processo de RVCC, efectuou-se a seguinte questão: “Ter realizado o processo de RVCC provocou alguma alteração na sua vida? Qual/quais?”. Da análise realizada às respostas dos inquiridos, pôde-se constatar que 82,5% dos entrevistados refere que este processo provocou alterações na sua vida.

Quanto às mudanças que alguns dos entrevistados consideram que o processo de RVCC provocou, destacam-se as referências feitas às mudanças percepcionadas na sua auto-estima, uma vez que lhes foram validados conhecimentos e competências que até então não lhes eram reconhecidos.

“Noto que acabo por ter mais confiança, não naquilo que adquiri, mas naquilo que eu posso mostrar aos outros. (…) Sempre tive o gosto pelo estudo, o que eu não tinha realmente era a certificação (...) Trabalhava numa área que puxava muito mentalmente, como agora, mas depois quando chegava para perguntar: o que é que tens? - 9º Ano. Descia ali não sei quantos degraus, e isso frustrava-me, porque na realidade se

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me metessem à prova, era capaz de fazer muito mais do que a pessoa que tinha o 9º ano e agora isso já não acontece (…)” (E2; Sexo Feminino; Meio Urbano; Região Centro)

Sendo a dimensão familiar um dos aspectos centrais deste estudo, é interessante constatar que há pais que se sentem mais valorizados perante a família, mais especificamente pelos filhos.

“Se calhar as pessoas lá de casa dizem “pai, já tens o nono ano!” (…) A gente sente-se mais valorizados, isso é verdade.” (E28; Sexo Masculino; Meio Rural; Região Norte)

Quanto à auto-estima, salienta-se ainda a importância de terem ganho uma maior consciência das suas competências e uma maior confiança em dar continuidade ao seu percurso educativo.

“Alterou (...) passei a ver as coisas de outra forma (...) fez-me querer atingir objectivos que eu nunca pensei querer vir a atingir novamente.” (E38; Sexo Feminino; Meio Suburbano; Região LVT)

Foi ainda evidenciado por alguns o entusiasmo para investir na cultura e na pesquisa de informação, numa vontade de saber mais.

“Deu-me mais entusiasmo para participar noutras coisas, deu-me mais entusiasmo para eu me desenvolver culturalmente, deu-me mais para pesquisar, deu-me mais para me informar sobre certos assuntos.” (E33; Sexo Feminino; Meio Suburbano; Região LVT)

Das capacidades adquiridas, evidenciam-se as competências de leitura e de escrita e maiores capacidades de comunicação.

“Sem dúvida alguma que mudou um bocadinho na minha maneira de estar na vida, deixa-me muito mais aberto, uma coisa que eu noto sem dúvida alguma é que sei ouvir e o facto de saber ouvir ajuda-me a parar para pensar e quando nós ouvimos bem (...) é muito mais fácil de responder correctamente. (…) O facto de ser mais fácil expressar-me.” (E19; Sexo Masculino; Meio Rural; Região Centro)

É ainda de destacar a aprendizagem de saberes específicos fundamentais na sociedade do conhecimento, nomeadamente na área da informática. O domínio desta ferramenta, para além de permitir uma maior adaptação às exigências da sociedade actual, constitui a possibilidade de aproximação à realidade dos filhos, uma vez que estes instrumentos fazem hoje parte da cultura e identidade dos mais jovens.

“Nem sabia o que era um e-mail, não sabia nada mesmo, não sabia escrever, não sabia fazer aplicações, nem ir à Internet e fazer pesquisas, e acabei por aprender isso tudo.” (E26; Sexo Feminino; Meio Rural; Região Norte)

Alguns referem competências ao nível do trabalho, sendo de salientar, para além das possibilidades de progressão na carreira, a capacidade de assumir adequadamente as suas funções com maior autonomia.

“Mais consciente das minhas capacidades (...) agora estou com a minha carga horária quase sobrecarregada (...) já não mandam no meu trabalho, sou eu que vou gerindo o meu trabalho e o poder transmitir a outras pessoas os conhecimentos de 20 anos, para mim isso é muito importante...foi uma subida muito grande.” (E36; Sexo Feminino; Meio Suburbano; Região LVT)

Assim, as mudanças provocadas na vida destes adultos por terem frequentado o processo de RVCC reflectem-se em benefícios ao nível da auto-estima, numa maior consciência das suas competências e numa maior confiança em prosseguir os estudos. Estes adultos revelam investir mais na cultura e terem agora maior facilidade em pesquisar informação, em parte devido à aquisição ou aprofundamento de competências no domínio da informática. Estes ganhos são ainda mais relevantes quando verificamos que, por terem competências nesta área, se sentem mais próximos e compreendem melhor as actividades e interesses dos filhos. Estes resultados são concordantes com os estudos de Katkovsky, et al. (1964 cit. por Eclles et al. 1998), que verificam que, quanto melhor for a imagem que os pais têm de si e da sua competência intelectual, mais provável será que participem e incentivem as actividades intelectuais dos filhos.

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5.2. Perspectiva do seu próprio futuro escolar num período de 5 anos

Procurando perceber se, após terem completado o processo de RVCC, os inquiridos deram continuidade ao seu processo de escolarização ou têm vontade de o fazer, formulou-se a questão: “Como vê o seu futuro escolar daqui a 5 anos?”. Verificou-se que a maioria (77,5%) refere ter vontade ou sentir necessidade de continuar a estudar, sendo que uma grande parte dos inquiridos tem por objectivo fazer outras formações, e que outros esperam vir a ingressar ou terminar o nível secundário do processo de RVCC ou dos Cursos EFA, ou ingressar no Ensino Superior. Com menos representatividade, surgem ainda aqueles que pretendem terminar o Ensino Superior.

“Vou tirar um segundo curso de informática e vou-me inscrever num curso de inglês, e depois então se achar que estou mais preparada, depois então sou capaz de entrar para o décimo segundo.” (E14; Sexo Feminino; Meio Rural; Região Centro)

“O primeiro objectivo é, sem dúvida, tirar uma licenciatura de engenharia agrónoma (...) e o outro objectivo está entre aspas, talvez seja fazer um mestrado (...) mas parar de estudar não (...) uma coisa que eu faço frequentemente é que todas as formações profissionais que existem ligadas à minha área de trabalho, obviamente que eu estou presente em todas as possíveis.” (E19; Sexo Masculino; Meio Rural; Região Centro)

As razões pelas quais 10% dos entrevistados não tencionam prosseguir os estudos poder-se-ão dever ao facto de a passagem do 4.º ano para o 9.º ano já ter representado um grande esforço e o conseguir de um objectivo que, até à data, ainda não lhes criou a vontade de reinvestir e dar continuidade ao seu processo educativo.

“(…) não penso em fazer o 12º. Para mim, já chega! Já foi um caminho longo da 4ª classe para o 9º ano.”(E7; Sexo Feminino; Meio Urbano; Região Centro)

Deste modo, parece que o facto de terem realizado o processo de RVCC permitiu a estes adultos não só aumentar o seu nível de escolaridade, mas também criar a necessidade e interesse em continuar a estudar, quer para progredir nos estudos, quer para obter mais formação.

O investimento destes adultos na sua escolarização é bastante positivo, pois sabe-se que a qualificação escolar possibilita uma maior e melhor integração e adaptação dos indivíduos às exigências da sociedade actual, que impõe aos seus cidadãos uma constante necessidade de resposta à mudança e à inovação. Através da escolarização, desenvolvem os seus conhecimentos e competências, tornando-se mais autónomos no acesso à informação e à cultura, e melhoram a sua capacidade de participação e intervenção nas várias dimensões das suas vidas (pessoal, profissional, familiar e comunitária).

5.3. O processo de RVCC e as mudanças ocorridas na importância conferida ao percurso escolar do filho

Procurando analisar as mudanças ocorridas após o processo de RVCC, no que concerne a importância conferida ao percurso escolar do filho, colocou-se aos inquiridos a seguinte questão: “Desde que frequentou o processo de RVCC, como vê a importância do percurso escolar do seu filho para o futuro dele? O que mudou?”, tendo-se verificado que 65% dos pais considera que não lhe atribui uma maior importância, por considerarem que sempre investiram e atribuíram muita importância ao processo de escolarização do filho.

“Eu tinha a ideia que hoje tenho. (…) Continuo a achar muito importante que o meu filho tenha um bom percurso escolar e estamos a trabalhar para isso em conjunto, para que o futuro dele seja bom e mais fácil.” (E8; Sexo Masculino; Meio Urbano; Região Centro)

No entanto, apesar de os pais não modificarem o sentido do projecto de escolarização que têm para os filhos, muitos enriqueceram este projecto. Da mesma forma, o facto de estes terem retomado os estudos revela, só por si, que estão conscientes da importância da escolarização, ou seja, reconhecem que é fundamental ter conhecimentos e competências para dar resposta às exigências da sociedade actual.

“A minha maneira de pensar é a mesma, é por isso que eu recorri ao processo RVCC (…). Porque a importância [de estudar] é tão grande que senti necessidade de recorrer (…)” (E5; Sexo Feminino; meio Rural; Região Centro)

Dos 35% entrevistados que consideram que houve mudanças,

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grande parte refere que passou a valorizar mais o percurso escolar do filho como uma forma de este ter mais e melhores oportunidades de emprego; alguns referem ainda que, agora que reinvestiram na sua escolarização, têm uma percepção mais consistente de que estudar possibilita uma maior realização e desenvolvimento pessoal e profissional.

Muitos entrevistados justificam o seu empenho no futuro escolar dos filhos como forma de colmatar o facto de eles próprios não terem continuado os seus estudos, tendo só posteriormente tomado consciência da necessidade da formação para a melhoria das suas condições de vida.

“(…) e eu hoje entendo isso e não quero de forma alguma que aconteça isso aos meus filhos, que é o facto de ter que começar a trabalhar cedo afasta-nos a nossa mente (…) graças ao RVCC, a abrir esta caixa e a soltar toda esta informação que estava guardada, que está cá há muitos anos... e deixa-me muito mais à vontade e isso sem dúvida nenhuma ajuda os meus filhos no processo escolar (…) sempre achei que era importante andar na escola, acredito que hoje dou muito mais importância a esse facto (…)” (E19; Sexo Masculino; Meio Rural; Região Centro)

É também interessante verificar que a maioria dos pais gostaria que os seus filhos estudassem até ao Ensino Superior, revelando interesse em investir no processo de escolarização dos mesmos.

“Acho que é muito importante. Espero que ela chegue ao Ensino Superior. (...) Eu sei que não está fácil arranjar empregos, mas eu como mãe vou fazer de tudo para ela nunca desistir (…) para lhe dar uma formação que eu não tive (…)” (E9; Sexo Feminino; Meio Urbano; Região Centro)

Também é de salientar a consciência de que a escolarização e a formação são hoje fundamentais para qualquer tarefa.

“Eu sempre dei importância a isso, mas agora dou ainda mais porque (…) estamos num mundo muito difícil de viver e até para trabalhar num restaurante, numa pastelaria já estão a pedir o 9º ano e às vezes o 11º até. (...)” (E7; Sexo Feminino; Meio Urbano; Região Centro)

A função mais referida remete para a formação para a vida activa, incluindo a formação profissional. Parecem igualmente relevantes as referências feitas à importância dos estudos para o desenvolvimento pessoal e social dos filhos, quer do ponto de vista das relações pessoais e sociais, quer para melhorar as suas capacidades de comunicação, quer ainda para potenciar as suas capacidades cognitivas.

“Muito importante, (…) os estudos são muito enriquecedores como pessoa, como profissional, como tudo.” (E5; Sexo Feminino; meio Rural; Região Centro)

“Eu sempre tive esses valores e acho que o trabalho dela neste momento e o objectivo principal e único é o percurso escolar.” (E3; Sexo Feminino; Meio Urbano; Região Centro)

Os pais, de acordo com as suas práticas educativas e o seu capital cultural, funcionam como agentes sociais que influenciam e moldam as atitudes e comportamentos que as crianças desenvolvem. Deste modo, a família desempenha um papel determinante, pois é nela que as crianças aprendem a importância da educação e da escola (Mackay & Miller, 1982 cit. por Jodl et al. 2001). Por isso, a representação que os pais têm da escolarização influencia fortemente a percepção que os filhos têm da mesma. Assim, e considerando os resultados obtidos, pode-se depreender que existe uma forte cultura de escolarização por parte destes pais, o que poderá traduzir-se num ambiente familiar rico e variado, em que se aposta no desenvolvimento de competências e na aquisição de conhecimentos fundamentais para o desenvolvimento pessoal e escolar da criança.

5.4. O processo de RVCC e as mudanças ocorridas na fre-quência de participação na vida escolar do filho

Como forma de verificar as mudanças nas práticas de envolvimento na escolarização dos filhos após o processo de RVCC, procurou-se perceber se os entrevistados passaram a participar mais na vida escolar dos filhos, e de que forma o fazem. Neste sentido, à pergunta “Desde que frequentou o processo de RVCC, participa mais na vida escolar do seu filho? De que forma?”, 80% dos inquiridos considerou que não participam mais na vida escolar do filho após o processo de RVCC porque já participavam activamente antes de realizar este

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processo. É interessante verificar que, quanto à importância atribuída à participação na vida escolar dos filhos, a maioria dos sujeitos considera ou já considerava importante essa participação, mesmo antes de terem realizado o processo de RVCC.

“Sempre participei, sempre tive essa noção de que era importante participar.” (E22; Sexo Masculino; Meio Rural; Região Norte)

Apesar de muitos pais já se envolverem e participarem no processo escolar dos filhos, a participação no processo de RVCC parece ter sido uma mais-valia, uma vez que possibilitou o desenvolvimento de competências de comunicação que potenciam e efectivam uma participação mais activa, e também uma maior compreensão e intervenção na vida escolar dos filhos (como seja nas reuniões escolares, festas e outras actividades da escola).

“Vou às reuniões… eu isso sempre fui, mas se calhar participo mais, de uma forma mais coerente, com mais firmeza, não tenho medo de falar. Antigamente ia às reuniões com mais pais, se calhar estava mais num canto, mais calada, a ouvir. Agora acho que já participo (…)” (E4; Sexo Feminino; Meio Urbano; Região Centro)

“Sim, respondo sempre, porque é bom (...) quando foi o dia do pai também fui (...) participo, gosto de participar. Antigamente não, antigamente sentia-me à parte, tomara que não me chateassem, tomara que não falassem comigo, mas agora não. Gosto de participar, e mais para dar força ao meu filho.” (E34; Sexo Feminino; Meio Suburbano; Região LVT)

Tal como Davies (1989) refere, também os pais da amostra em estudo, quando entrevistados, manifestam um grande interesse pela educação dos seus filhos, mas referem que antes de retomarem a sua escolarização sentiam dificuldades em participar na vida escolar dos filhos, tanto na escola como em casa, porque não sabiam como o fazer nem o que fazer. Parece, então, que o processo de RVCC permitiu um aumento e melhoria da qualidade do envolvimento parental nas questões de carácter escolar do seu filho, pois permitiu a estes pais conhecerem melhor a cultura e o código escolar e os numerosos elementos que a caracterizam (Pourtois et al., 1994) e que, até

então, tinham dificuldade em compreender.Podemos concluir ainda que este maior envolvimento dos pais na vida escolar dos filhos leva a que os seus filhos sintam que são investidos tempo e recursos no seu processo educativo, o que lhes permite compreender melhor a importância da escola e sentirem-se mais motivados para aprender, conduzindo a uma atitude mais positiva face à aprendizagem, importante para o investimento por parte das crianças no seu sucesso escolar.

6. Conclusões

Ao tentar compreender quais as expectativas que os pais demonstram em relação ao processo de escolarização dos seus filhos, a reflexão centrou-se em duas direcções de intervenção. Por um lado, o modo como integram o processo de escolarização no projecto de vida que traçaram para os seus filhos, e como começam a concretizá-lo presentemente. Por outro, quais as expectativas que os entrevistados demonstram em relação à continuação dos seus próprios processos de escolarização, explicadas também através das modificações operadas nas suas vidas.

Apesar de a maioria dos inquiridos considerar que não modificou a importância que atribuía ao percurso escolar do seu filho por previamente o considerar já muito importante, estes pais afirmam, no entanto, juntamente com os que consideraram ter havido mudanças durante o processo de RVCC, que têm agora uma percepção mais consubstanciada de que investir no percurso escolar do filho pode trazer ao seu filho mais e melhores oportunidades de emprego, melhores capacidades de comunicação, bem como uma maior realização e desenvolvimento pessoal.

Do mesmo modo, a maioria considera que não alterou a participação que tem na vida escolar do seu filho porque já antes se implicava nas actividades escolares mas, tal como os que referiram ter percepcionado alterações neste domínio, salientam que agora se envolvem com maior frequência e mais activamente nas actividades escolares, quer na escola, quer em casa.

Quanto ao seu próprio processo de escolarização, a maioria dos adultos demonstra vontade de prosseguir os estudos ou de realizar outras formações, referindo sentir que ter retomado

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a sua escolarização beneficiou a sua vida ao nível pessoal, profissional e familiar.

Em suma: ao constituir uma oportunidade para cumprir o projecto de escolarização do adulto, o processo de RVCC parece contribuir para uma maior integração e adaptação dos adultos às exigências da sociedade actual, o que representa para estes indivíduos mudanças profundas na percepção de si próprios e das suas competências intelectuais. Estas mudanças transferem-se também para a sua vida familiar porque, ao terem uma imagem mais positiva de si próprios, estes adultos, enquanto pais, sentem-se agora mais capazes e motivados para participarem e incentivarem os seus filhos nas suas actividades intelectuais. Reconhecem a importância da escolarização dos filhos e sentem que podem ter uma participação mais activa neste processo, tanto em casa como na escola. Esta participação operacionaliza-se com a criação de ambientes de aprendizagem ricos e variados, e incutindo nos seus filhos atitudes e comportamentos positivos face às aprendizagens, motivando-os para investirem no seu processo de escolarização e criando, deste modo, as condições necessárias ao seu sucesso.

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O sistema educativo português tem vindo a apresentar valores que forçosamente se correlacionam com o facto da nossa efectiva escolaridade obrigatória ser também a mais recente do velho continente. Pensávamos então que, com a presença de todas as crianças na escola, os baixos indicadores subiriam e se colocariam ao nível dos que ofereciam, há mais tempo, a escola para todos.

Assim não aconteceu como revelam as elevadas taxas de insucesso das crianças e os baixos níveis de escolaridade e de literacia da população adulta. De facto, a ausência de uma cultura de escolarização no interior de famílias, para quem a escola não teve na vida uma presença significativa, dificulta a construção de um projecto de escolarização para os filhos que lhes permita a necessária motivação e envolvimento nas práticas escolares. Da mesma forma, sabemos hoje que a aprendizagem eficaz da leitura – fundamental para o sucesso escolar – só acontece se a criança a vivenciar com os seus adultos significativos o que não acontece em famílias com baixos níveis de literacia.

Embora não se dispense a escola – e as comunidades envolventes – da necessária adequação aos seus destinatários, desenvolvendo políticas parentais e pedagogias específicas, capazes de proporcionar a aprendizagem de todos, um novo fenómeno começa a desenvolver-se em Portugal contribuindo para a inversão dos nossos baixos níveis de aprendizagem à entrada para escola. A frequência dos Centros Novas Oportunidades por mais de um milhão de adultos com baixas qualificações - onde se encontram incluídos os pais das crianças em idade escolar - demonstra à, partida, um projecto de qualificação escolar que certamente se transmitirá aos filhos ao mesmo tempo que se efectiva a entrada na família de práticas de literacia. Estes factores estão a produzir mudanças que facilitam a motivação escolar, as aprendizagens fundamentais e o envolvimento dos pais num processo com potencialidades de se apresentar bem sucedido.

As comunicações apresentadas num Encontro realizado em Coimbra em Novembro de 2009 foram preparadas de modo a facilitar a organização sistémica de um quadro teórico que permita a fundamentação da hipótese exposta e constituem o conteúdo do presente livro. São os primeiros resultados de um estudo, apoiado pela ANQ, que visa verificar esta hipótese.