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Fisiatria_Avaliacao_Funcional

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Deficiência e incapacidade

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Deficiência e incapacidade faculdade de medicina da universidade de são paulo

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AVALIAÇÃO FUCIONALMarcelo Riberto & Linamara Rizzo Battistella

medicina fisica e reabilitaçãofaculdade de medicina da universidade de são paulo

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AVALIAÇÃO FUNCIONAL

MedicinA de reABilitAção

As origens da Medicina Física remontam à tradição centenária da utilização de

agentes físicos como o calor, o frio e a água com fins terapêuticos, e especificamente à in-

trodução, em 1890, da diatermia terapêutica - uma forma de aquecimento profundo com a

utilização de ondas curtas. Os princípios da Reabilitação Médica foram formulados inicial-

mente durante o tratamento de soldados em 1919, após a Primeira Guerra Mundial. A fusão

destes conhecimentos na Medicina Física e de Reabilitação ocorreu na década de 1920,

ganhou força na década de 30 e foi estimulada pela Segunda Guerra Mundial.

Por volta de 1947 a MFR foi decretada oficialmente como especialidade pela Comissão Ameri-

cana de Especialidades Médicas. No Brasil, a Associação Brasileira de Medicina Física e de

Reabilitação - ABMFR - existe oficialmente desde 1954. A Fisiatria – do grego “physio”, ou

natureza; uma menção aos agentes (físicos) da natureza usados com finalidades terapêuticas

(calor, frio, água, eletricidade) – é o nome abreviado da especialidade e o Fisiatra, um médico

especialista em Reabilitação.

conceitos iniciAis de FuncionAlidAde e incApAcidAde

Qualquer intervenção na área de saúde deve partir de uma avaliação rigorosa e o mais

completa possível do problema a ser manuseado, seja do ponto de vista individual ou cole-

tivo, para que objetivos sejam traçados e estratégias mais adequadas sejam escolhidas.

Na Medicina Física e de Reabilitação (MFR), assim como nas demais especialidades

médicas, o aforismo acima enunciado continua válido e ainda apresenta particularidades adi-

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cionais, pois alguns conceitos relacionados a aspectos abstratos exigem claro delineamento para

que se entenda o âmbito de intervenção da especialidade.

A MFR é orientada por uma abordagem biopsicossocial voltada à deficiência e incapacidade.

Ela se fundamenta num modelo atual que foi desenvolvido em cooperação com organizações que

o utilizam e adotam a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) da

OMS, aprovada pela Assembléia da Organização Mundial de Saúde (OMS) em maio de 2001.

O modelo para entendimento da funcionalidade humana da CIF está representado na figura

1 e permite a visualização da inter-relação dos conceitos apresentados adiante.

O entendimento da funcionalidade humana parte da normalidade fisiológica (funções do

corpo) e anatômica (estruturas do corpo), entendida como a integridade das funções fisiológicas

e das partes anatômicas do corpo, seja do ponto de vista estatístico ou qualitativo, mesmo que a

idéia de “normalidade” seja fruto de contestação ideológica.

De posse de um corpo sadio, o individuo devidamente estimulado poderá realizar tarefas do

seu cotidiano, às quais chamaremos de atividades. Quando houver composição de atividades e a

presença de outras pessoas nas situações de vida, o termo proposto será participação. Com isso,

estão definidos três níveis de observação da funcionalidade humana: o corpo, a individualidade

e a sociedade.

Exemplificando, uma pessoa destra pode ter uma amputação de um dedo da mão esquerda,

não poder mais tocar violino e ser aposentado do seu emprego na orquestra sinfônica. Neste exemplo

simples os problemas são descritos nos diferentes níveis citados no parágrafo acima: a estrutura do

corpo - dedo; a atividade – tocar violino e a participação – trabalhar na orquestra.

Estado de Saúde(distúrbio ou doença)

AtividadeFunções eEstruturas Corporais Participação

FatoresAmbientais

FatoresPessoais

FAtORES CONtExtuAIS

Figura 1 Modelo da funcionalidade humana da CIF

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Os aspectos negativos das funções e estruturas do corpo, são definidos como deficiências,

os problemas para realizar atividades são limitações a atividades e no âmbito das participações

usa-se a expressão restrição a participação. No exemplo mencionado acima, deficiência é a

ausência do dedo, a limitação é não poder tocar o instrumento e restrição é a impossibilidade de

trabalhar.

Classicamente, o conceito de incapacidade referia-se apenas às dificuldades que a pessoa

poderia apresentar para realizar as atividades. todavia, devido a dificuldade para definir precisa-

mente quando se falava de deficiência ou incapacidade, ou quando a incapacidade se referia ao

âmbito pessoal ou social, preferiu-se ampliar o termo incapacidade para todos os aspectos nega-

tivos da funcionalidade, resultantes da interação do indivíduo com fatores de contexto.

Os fatores de contexto são um construto de aspectos da realidade dos indivíduos que não

estão diretamente relacionados ao corpo ou à saúde, mas que interferem de forma decisiva na re-

sultante final de atividade ou participação. Podem ser didaticamente divididos em duas categorias:

fatores pessoais e fatores ambientais.

Os fatores ambientais estão todos componentes do meio exterior ao indivíduo que inter-

ferem na sua funcionalidade, tais como tecnologia, ambiente natural e modificações realizadas

pelo homem, redes de apoio, atitudes das pessoas, serviços públicos, sistemas organizacionais e

políticas.

Por outro lado, os fatores pessoais são as características de uma pessoa que a tornam única

e distinta das demais. São fatores intrínsecos, como aspectos biométricos, sexo, idade. também

incluem aspectos da história de vida pessoal, como formação educacional, experiências prévias,

atitudes e crenças pessoais.

No exemplo acima, suponhamos que o paciente que teve a amputação do dedo tenha um

plano de seguro para as suas mãos e, em virtude de não poder mais tocar o violino, receba uma

indenização para o resto da sua vida. Como conseqüência da amputação também apareceu uma

queixa de dor na mão. Por um tempo, ele ficou deprimido, mas a renda mensal lhe permitiu um

bom nível de vida. O programa de reabilitação, por meio de medicamentos controlou o humor e o

suporte emocional permitiu enfrentar o afastamento do violino. Ele decidiu aproveitar sua afini-

dade com a música e seu perfil de liderança para iniciar a carreira de regente, com o que voltou a

freqüentar os palcos de outrora. Desde a amputação, ele vinha recebendo benefício previdenciário

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de “auxílio doença” e aguardava sua aposentadoria. todavia, mediante a constatação pelo perito

de que ele havia voltado ao trabalho na orquestra, o benefício foi interrompido e a aposentadoria

foi negada. Ele não se importou com a interrupção do benefício, tendo em vista que a renda oriunda

do seguro e do trabalho como maestro o superava muito.

uma nova perspectiva do indivíduo passa a ser percebida quando os fatores de contexto são

considerados. Aspectos pessoais, como a frustração com a amputação e incapacidade causada por

ela, representa uma barreira interna ao desenvolvimento da funcionalidade. todavia, a ressignifi-

cação da situação com a ajuda do suporte psicoafetivo do Programa de Reabilitação e controle da

dor, o aproveitamento das habilidades prévias e da dinâmica pessoal de relacionamento, são facili-

tadores. Ainda, é necessário destacar que o suporte financeiro propiciado pelo seguro, o benefício

previdenciário, o apoio pelo serviço de saúde e atitude sem preconceito da orquestra ao aceitá-lo

na regência são fatores ambientais com claro efeito facilitador.

Os fatores de contexto podem, portanto, atuar como facilitadores ao incrementar as po-

tencialidades do indivíduo para realização de atividades ou participação. Em contraposição, as

barreiras são os aspectos do ambiente e da pessoa que impedem total ou parcialmente essas

realizações e que não estão diretamente relacionados à condição de saúde.

Quando uma pessoa com uma condição de saúde não faz uma atividade no seu dia-a-dia,

mas frente a uma situação de teste ou durante uma sessão terapêutica ela consegue fazê-lo, o

que se observa é a capacidade. Em contraposição, aquilo que ela de fato faz na sua rotina diária é

o seu desempenho. A distância entre a capacidade e o desempenho deve ser sempre observada,

pois destaca a interferência dos fatores de contexto sobre as atividades e participações. Se, por um

lado o tratamento médico e as terapias de Reabilitação atuam aumentando a capacidade (curam

o corpo, ou aumentam a força, a coordenação, a eficiência dos órgãos etc), a identificação dos

facilitadores e barreiras permite intervenções que otimizam o desempenho, tornando-o o maior

possível.

No exemplo com o qual viemos trabalhando, uma barreira importante foi a desestruturação

da auto-imagem e das expectativas do músico que se viu incapacitado. A capacidade para reger

estava presente, mas o desempenho era muito inferior, pois o fator pessoal (forma de enfrenta-

mento do problema) impedia o seu potencial. O suporte psicoafetivo agindo como fator ambiental

facilitador, permitiu o estabelecimento de um novo plano de vida de restauração da capacidade de

trabalho (igualando a capacidade e desempenho).

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O modelo, teoricamente, não privilegia a etiologia e adota uma terminologia aceita mundialmente

para mensurar a funcionalidade no nível do indivíduo e também considera os aspectos socioambi-

entais. Este modelo teórico é útil para a definição e avaliação de qualquer programa e intervenção

de Reabilitação. Ele identifica a patologia subjacente, os problemas no nível do funcionamento dos

órgãos e da estrutura corporal permitindo reconhecer o potencial para restauração / otimização da

funcionalidade do indivíduo. Além disso, este modelo leva em consideração a habilidade de partici-

pação em sociedade, a qual depende não somente da funcionalidade do sujeito, mas também de

fatores contextuais que afetam a vida e o ambiente do paciente e seus familiares.

AvAliAção dA incApAcidAde

Partiremos do modelo de entendimento da funcionalidade humana exposto acima para relacionar

aspectos que devem ser sistemática e rotineiramente observados na pessoa com deficiência.

estruturas do corpo

Partindo do parâmetro anatômico de nor-

malidade, descreve-se a alteração morfológica

atual. São aspectos normalmente observados na

Pessoa com Deficiência motora: a amplitude de

movimento articular, deformidades da coluna e do

esqueleto apendicular, trofismo muscular, aspec-

to da pele e anexos, amputações ou ausência de

membros ou segmentos de membros.

Recursos propedêuticos complementares

à inspeção visual são radiografias e outros recur-

sos de imagem, medidas objetivas como com-

primento, circumetria (facilmente documentados

com uma fita métrica) e registro da movimentação

articular com um goniômetro.

Figura 2 Goniometria do tornozelo

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Funções do Corpo

As primeiras funções a serem

observadas são os aspectos cognitivos,

como o nível de consciência, linguagem,

qualidade de voz, organização do pen-

samento, crítica quanto ao próprio es-

tado de saúde e funcionalidade. Essa

avaliação pode ser complementada por

testes neuropsicológicos de sofisticação

variada que podem ser realizados em

ambiente de consultório ou em situações

mais controladas. Estes aspectos das

funções cognitivas serão aprofundados na aula de Lesões Encefálicas Adquiridas no Adulto. Como

a incapacidade motora é o tema central deste texto, daremos ênfase a descrição da avaliação das

funções fisiológicas mais relacionadas ao movimento:

•Força: avaliada por meio do teste manual de força, que é de fácil realização em consultório

e na beira do leito e serve para avaliação grosseira de segmentos corpóreos com deficiências mais

graves. Outros recursos para quantificação da força são os testes com pesos fixos definindo a carga

máxima para a realização de 10 repetições ou podem ser usados dinamômetros isométricos ou

isotônicos;

•Reflexosetônusmuscular,bemcomosensibilidadesuperficialeprofunda,coordenaçãomotora

e visuo-espacial, percepção visual e auditiva são adequadamente avaliados no exame físico.

•Padrãodemarcha–deveseravaliadopormeiodaobservaçãodopacientenoconsultório

se as dimensões do mesmo assim o permitirem. Avaliações mais precisas podem ser feitas com

sistemas eletrônicos que quantificam parâmetros como:

- Qualidade da marcha: terapêutica, domiciliar, comunitária;

- Necessidade de dispositivos auxiliares de marcha;

- Velocidade da marcha;

- tamanho do passo;

- Cadência;

- Cinemática: a relação entre os segmentos do corpo durante a marcha;

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- Cinética: as cargas e forças aplicadas a cada segmento do corpo durante a marcha;

-Eletroneuromiografiadesuperfície:orecrutamentomuscularemcadafasedociclodemarcha.

•avaliação podobarométrica: é um recurso computadorizado, no qual a pressão nas difer-

entes regiões da planta do pé é obtido por meio de transdutores que podem ser adaptados aos sapatos

e possibilitam a avaliação durante a marcha. É particularmente útil nos quadros dolorosos, defor-

midades dos pés e pés insensíveis.

Outros aspectos relacionados à avaliação global do paciente e que interferem diretamente

sobre a capacidade funcional são aqueles relacionados

ao sistema cardiovascular (pressão arterial, freqüência

cardíaca, débito cardíaco, condicionamento cardiovascu-

lar, condições arteriais periféricas), respiratório (freqüên-

cia respiratória, parâmetros espirométricos), hema-

tológico (anemia), metabólicas (equilíbrio hídrico, salino,

metabolismo de carboidratos, lipídeos e proteínas).

Como parte rotineira da propedêutica, mas com

especial importância na avaliação da Pessoa com Deficiên-

cia, estão a avaliação gastrointestinal (particularmente

Figura 4 Análise cinemática e eletromiográfi ca da marcha

Figura 5 Podobarometria

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com relação a padrão de evacuações, aspectos de fezes e necessidade de laxantes ou outros facili-

tadores) e genitourinário (tanto no desempenho e satisfação com a vida sexual, fertilidade, bem

como controle, aspecto e recursos usados para diurese). Estas avaliações serão exploradas com

mais detalhes na aula sobre Lesão Medular.

AtividAdes e pArticipAções

um conjunto básico de atividades são entendidas como aquelas que são efetuadas quase

pela totalidade das pessoas em condições normais num dado contexto social – a elas atribui-se a

expressão atividades de vida diária (Avd). Nelas estão contidos os seguintes subgrupos:

•Auto-cuidados:alimentação,higienepessoalebanho,vestuário,controleesfincterianoe

uso do vaso sanitário;

•Transferências:consistemdamudançadeposiçãodocorpoedapassagemdeumasuper

fície para outra, como passar de sentado para em pé ou de uma cama para a cadeira;

•Locomoçãonoplano,rampaseescadas;

•Comunicação,incluindoacompreensãoeexpressão,pormeiosverbaisounão-verbais;

•Resoluçãodeproblemasbásicosecomplexos,comaidentificaçãodosmesmos,proposiçãode

soluções e auto-correções.

todavia, outras atividades e participações que exigem a utilização de recursos ou treina-

mentos específicos também são habitualmente realizadas e interferem na funcionalidade como

um todo. também são chamadas atividades de vida prática (AVP) ou atividades instrumentais de

vida diária (AIVD):

•Aprendizadoeutilizaçãodoconhecimento,comoler,escrever,calcularetc;

•Cuidadosdomésticos;

•Vidafinanceira;

•Usodemeiosdetransporte;

•Interaçãointerpessoal,nafamília,comamigos,desconhecidosevidaromântica;

•Trabalhoremuneradoounão;

•Vidacomunitária,entendidaapartirdeatividadesdesocialização,esporte,lazer,partici

pação em associações e vida religiosa.

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Cada um dos tópicos mencionado acima pode ser estudado e quantificado isolado ou em

conjunto com os demais por meio de entrevista, com escalas qualitativas ou quantitativas.

uma dimensão que permeia todas as síndromes incapacitantes é a independência. Em

maior ou menor grau de acordo com o quadro de cada paciente, a possibilidade de definir o curso

a ser dado para a própria vida pode estar comprometido, reduzindo a autonomia na tomada de

decisões. A dependência implica necessariamente na disponibilização de esforço externo ao indi-

víduo para satisfação das suas necessidades.

um dos fatores que destaca a importância da dependência são suas repercussões sobre o

indivíduo, a família e a sociedade. Assim, a pessoa que se torna dependente pode passar a ter uma

pior avaliação do seu valor, comprometendo sua auto-estima e cronicamente resultando em de-

pressão. Por outro lado, é necessário entender que a educação ocidental e urbana reforça a crença

de independência e é de se esperar que ela se torne um valor pessoal, assim como a religião ou

outros princípios pessoais. Desta forma, o comprometimento da independência por conta da in-

stalação de uma deficiência resulta na desestruturação da auto-imagem, agravando ainda mais o

quadro emocional e as perdas.

Para a família, a instalação de uma pessoa dependente exige a disponibilização de recursos

– seja na forma de contratação de mão-de-obra ou eleição de um Cuidador entre os membros da

família – comprometendo a renda ou relacionamentos. A prestação de cuidados a uma pessoa de-

pendente pode ser extremamente desgastante à medida que o Cuidador também perde a sua au-

tonomia e passar a precisar ficar disponível para a pessoa de quem ele cuida. O tempo dedicado

ao outro é uma das maiores fontes de estresse entre Cuidadores.

No âmbito social, a independência está diretamente relacionada à participação, ou seja,

quanto mais independente, maior a participação em atividades sociais, trabalho, lazer etc. toda-

via, essa associação não é absoluta, havendo os felizes exemplos de pessoas que apesar da enor-

midade das suas deficiências e da extrema incapacidade, ainda assim alcançam participações de

destaque em cargos de gestão privada ou pública e na vida acadêmica.

A Medida de Independência Funcional (MIF) é um instrumento de avaliação da quantidade

de cuidados que uma pessoa requer para as AVD. uma série de 18 atividades são avaliadas a partir

da quantidade de cuidados, ou nível de dependência, numa escala qualitativa de 7 níveis. Assim, a

pontuação 18 é a mais baixa e indica maior nível de dependência, enquanto o valor 128 refere-se

a independência completa para as atividades consideradas. A MIF é um instrumento padrão para

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avaliação dos custos associados ao cuidado diário de uma pessoa, especialmente em países nos

quais as pessoas com deficiência podem receber de seus seguros (sociais ou privados) o direito

a ir para instituições especializadas ou obter suporte contínuo de cuidadores pagos. Ela também

permite determinar as intervenções de reabilitação a serem implementadas, pois identifica os as-

pectos mais comprometidos do indivíduo. também possibilita o acompanhamento da evolução

funcional de forma quantitativa. (consultar “Formulário de avaliação da MIF”)

pArticipAção

Reabilitação paRa inClusão soCial

AOrganizaçãoMundial daSaúde, desde o século passado, afirma que saúde não é apenas

ausênciadedoençaeconceituasaúdecomocompleto“bem-estar”biopsicossocial.Estaafirmativa

sinaliza o entendimento da qualidade de vida como fator de importância na percepção do sujeito sobre

sua saúde. A interação com o meio social em que está inserido, o acesso aos bens e serviços disponibi-

lizados aos demais cidadãos, o reconhecimento do seu próprio papel e de sua importância dentro do

núcleo familiar e da comunidade são alguns dos requisitos indispensáveis à qualidade de vida.

Qualidade de vida, na definição da oMs, é a percepção do indivíduo de sua posição na

vida, no contexto de sua cultura e no sistema de valores e em relação às suas expectativas,

padrões e preocupações. A qualidade de vida ou os sentimentos que expressam esta condição –

felicidade e bem-estar – são uma preocupação antiga e muito relevante para as Pessoas com Defi-

ciência.

O acesso à reabilitação é um direito humano básico, garantido pela Declaração das Nações

unidas (1993) e pela 58ª Resolução da Assembléia da Organização Mundial de Saúde (2005). Além

disso, o estado Brasileiro assegura pela legislação o acesso das pessoas com deficiência aos

serviços de saúde.

A igualdade de acesso à Reabilitação e a participação social sem qualquer forma de discrimi-

nação sãoos fundamentosdeuma sociedade justa.AsPessoas comDeficiênciadevemserpartici-

pantes ativos na criação e no desenvolvimento dos serviços de reabilitação. As boas práticas na rea-

bilitaçãogarantemqueaPessoacomDeficiênciaestejanocentrodaabordagemmultidisciplinar e

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seja capaz de fazer escolhas quanto aos objetivos e processos do programa de reabilitação.

A prevalência da incapacidade é aceita na maior parte dos países desenvolvidos como em

torno de 10%. No Brasil, o Censo Demográfico 2000 do IBGE mostrou que 14,5% da população tem

algum tipo de deficiência. As populações estão envelhecendo e isso implica num acréscimo de pes-

soas com incapacidade.

A Reabilitação é eficaz na redução da carga da incapacidade e no aumento das oportuni-

dades de inclusão social para as Pessoas com Deficiência. Prevenir as complicações secundárias

decorrentes da imobilidade, da lesão cerebral e da dor produz muitos benefícios tanto qualitati-

vamente para o completo estado de saúde do indivíduo como quantitativamente em termos de

implicações financeiras para a sociedade.

O objetivo maior da Reabilitação é garantir autonomia e independência funcional às Pes-

soas com Deficiência, consideradas as restrições impostas por deficiências resultantes de doenças

ou lesões. Na prática, este objetivo é atingido mais satisfatoriamente através de uma combinação

de medidas para superar ou trabalhar com as deficiências do paciente e medidas para remover ou

reduzir as barreiras à participação do indivíduo em seu ambiente familiar e social. Os dois resulta-

dos fundamentais da Reabilitação que devem ser demonstrados são o bem-estar da pessoa e sua

participação ativa na sociedade incluindo a profissionalização.

uma variedade de modelos conceituais foi proposta para compreender e explicar a incapaci-

dade e a funcionalidade. Esses modelos podem ser expressos em uma dialética de “modelo clínico”

versus “modelo social”. O modelo clínico considera a incapacidade como um problema da pessoa,

causado diretamente pela doença, trauma ou outro estado de saúde, que requer assistência mé-

dica fornecida através de tratamento individual por profissionais. Os cuidados em relação á inca-

pacidade têm como objetivo a cura ou a adaptação do indivíduo e mudança de comportamento. A

assistência médica é considerada como a questão principal e, em nível político, a principal resposta

é a modificação ou ampliação do acesso à saúde. O modelo social de incapacidade, por sua vez,

considera a questão principalmente como um problema criado socialmente e, basicamente, como

um desafio à inclusão plena do indivíduo à sociedade.

O impedimento não é um atributo de um indivíduo, mas sim um conjunto complexo de con-

dições, muitas das quais criadas pelo ambiente social. Assim, o enfrentamento do problema requer

ação social e é responsabilidade coletiva da sociedade fazer as modificações ambientais necessári-

as para a participação plena das pessoas com incapacidades em todas as áreas da vida social. Por-

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tanto, é uma questão de atitude ou ideológica que requer mudanças sociais que, em nível político,

transformam-se em questões de direitos humanos. De acordo com este modelo, a incapacidade é

uma “questão política”. É preciso considerar o risco de se polarizar ou ideologizar uma questão que

certamente significa agravo à saúde e, portanto, depende de medidas eficientes e cientificamente

comprovadas para o controle e recuperação sem esquecer do impacto traduzido pelo ambiente

hostil e pelas condições sociais inadequadas.

FAtores de contexto

FatoRes ambientais

Os fatores ambientais são classificados em 5 grupos fundamentais:

• Produtos e tecnologia – incluindo os artefatos desenvolvidos pelo homem a partir do

conhecimento tecnológico, conhecidos como ajudas técnicas. Está incorporado aqui quase todo

o armamental terapêutico usado pelo Médico generalista ou especialista, como medicamentos e

dietas, mas também todas as adaptações efetuadas no meio ambiente para aumentar a desem-

penho pessoal, como próteses, órteses, auxiliares de marcha, recursos de acessibilidade física, dis-

positivos de ampliação visual ou auditiva, ergonomia, meios de comunicação, entre outros.

- Próteses: são recursos tecnológicos de substituição de um órgão ou membro. Exemplos de

membros protéticos: pé, perna, membro inferior, mão, dedos, mama, pênis, olho.

- Órteses: são recursos tecnológicos de substituição de uma função ou aumento de desem-

penho. Exemplos de órteses: suropodálica, cruropodália, coletes, posicionamento de punho e dedos.

-Adaptações:sãomodificaçõesdoinstrumentaldetrabalhoparaarealizaçãodeAVDouAVP.

- Meios auxiliares de marcha: são os recursos tecnológicos de suporte ao corpo durante a mar-

cha. Exemplos: muletas, bengalas, andadores.

- Cadeiras de rodas: lembrando que há um sem-número de adaptações disponíveis, podem ser

de propulsão manual ou mecânica-motorizada.

Estas ajudas técnicas devem ser avaliadas com relação ao real impacto que têm sobre o

desempenho. Isso significa verificar se elas são realmente utilizadas. Características como custo

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e disponibilização por recursos públicos interferem no acesso a tais recursos. todavia, não basta

apenas tê-los, é necessário verificar se estão adequadamente adaptados ao corpo, se o peso não é

excessivo, a qualidade e durabilidade do material, pontos de pressão e dor causada pelo uso, outras

formas de desconforto ou irritação da pele.

•Ambiente natural: contempla os aspectos geográficos relativos a relevo, hidrografia,

população, animais e poluição;

•Apoios e relacionamentos: são as pessoas e grupos sociais com quem os indivíduos se

relacionam;

•Atitudes: compreendem os comportamentos, ações e crenças das pessoas ou grupos de

pessoas com quem os indivíduos se relacionam;

•serviços, sistemas e políticas: são as instituições públicas ou privadas e a forma como

elas interferem sobre a funcionalidade das pessoas.

BArreirAs AtitudinAis e inclusão sociAl

uma atitude é uma disposição ou sentimento em relação a uma pessoa ou coisa. No cotidi-

ano, a atitude de um profissional em relação a um paciente ou a uma situação é importante porque

atitudes de superioridade e conceitos incorretos podem ser barreiras em potencial ao diagnóstico

e tratamento bem-sucedidos. A atitude de um profissional é especialmente importante ao tratar

com populações especiais tais como Pessoas com Deficiência. A Deficiência de uma pessoa pode

ser vista pelo profissional como uma característica negativa. Além disso, este profissional pode ter

o sentimento de que uma Pessoa com Deficiência é diferente de uma pessoa normal. Em ambos

os casos, estas atitudes ou reações podem afetar a qualidade do atendimento profissional à Pes-

soa com Deficiência. Por exemplo, um gestor da área de saúde preconceituoso pode efetuar a dis-

tribuição dos recursos de forma a deixar de fora as Pessoas com Deficiência. As atitudes negativas

da mídia podem influenciar de forma contrária a sociedade, compondo o resultado adverso que se

caracteriza como preconceito e discriminação.

O ambiente cultural e social influencia as atitudes das pessoas. É importante mensurar estes

efeitos, avaliar o impacto destas atitudes na alocação de recursos e nas políticas públicas. É fun-

damental a implementação de ações administrativas para reverter estas crenças e oportunizar o

entendimento sobre a diversidade na construção de uma sociedade justa.

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AlocAção de recursos pArA A AssistênciA à pessoA coM deFiciênciA

uma das discussões mais relevantes na definição das estratégias de assistência no âmbito

da Medicina Física e Reabilitação é a questão da alocação de recursos. Freqüentemente se justifica

a dificuldade do planejamento pela falta de informações adequadas; no entanto, a experiência tem

mostrado que os dados do Censo 2000 do IBGE são adequados e suficientes para o planejamento e

estimativa de alocação de recursos.

É preciso romper este círculo cruel que não disponibiliza recursos porque não tem dados, e

por falta de recursos não se implementa uma assistência de qualidade e, a falta de assistência se

reflete na falta de série histórica.

Assim, mesmo considerando-se a possibilidade de equívocos, devemos utilizar a base de dados do

IBGE e propor políticas de operacionalização da assistência. Além dos dados do IBGE, destacamos

a importância dos registros no sistema SIH-SuS decorrentes das internações hospitalares.

As informações do SuS traduzem a urgência do tema e a necessidade de implementação

das boas práticas de reabilitação.

Em 2005, o total de internações do SuS considerando todos os Estados brasileiros correspondeu

a 11.739.975, excluindo-se as internações decorrentes de partos e outras causas maternas (Data

SuS/2005).

O número de internações por acidentes vasculares cerebrais de todos os tipos somou 204.203,

refletindo um percentual de 2,23% (fonte: SIA-SuS, 2005). um número não conhecido de pacientes

com quadros mais leves é atendido nos pronto-socorros e nas unidades clínicas, o que nos permite

inferir que os registros hospitalares são dos casos moderados e graves e, portanto, com risco efe-

tivo de seqüelas. Se 10% desses pacientes - conforme os dados do DAtASuS-Mort - vão a óbito, é

de se supor que tenhamos 20.000 novos casos por ano com necessidade de assistência reabilita-

cional, cuidados médicos, órteses e medicamentos. Na linha das doenças crônico-degenerativas,

os acidentes vasculares cerebrais são os de maior prevalência.

Desde 1980, observa-se uma mudança no perfil de internações e mortalidade por causas

externas.

Em 1980, os acidentes de trânsito assumiam uma grande importância. Na década de 90, a

obrigatoriedade do uso do cinto de segurança, a melhoria do sistema de atendimento pré e intra-

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hospitalar e a introdução em 1998 do novo Código de trânsito Brasileiro foram decisivos para

o declínio observado nessas ocorrências. Entre os acidentes de trânsito, permanecem as altas

taxas de atropelamento e acidentes com moto. No capítulo das causas externas, chama aten-

ção a tendência crescente das agressões e dos ferimentos por arma de fogo.

Malta e colaboradores registram o processo de implantação da política de redução da

morbimortalidade por acidentes e violência; no entanto, os números obtidos nos registros de

internações do SuS ainda se apresentam como um desafio às políticas de saúde e segurança e

um alerta para a Política Nacional de Reabilitação, que tem nesse jovem – preferencialmente

do sexo masculino, vitimizado pela violência – o alvo de sua atenção. Nos mais de onze milhões

de internações no Brasil, o SuS registra:

> 98.977 (1,08%) de pacientes com traumatismo crânioencefálico

> 6.393 (0,07%) de amputações dos membros superiores

> 3.666 (0,04%) de amputações dos membros inferiores

> 3.476 (0,04%) de traumas raquimedulares

Estes números não incluem as doenças que podem evoluir para lesões medulares, ou os

distúrbios metabólicos e plurimetabólicos que podem evoluir para amputações de membros.

A avaliação circunstancial dos números registrados no DAtA-SuS nos remete a uma

situação desafiadora, que é providenciar a necessária infra-estrutura para mais de 300.000

novos pacientes a cada ano, sem considerar a freqüência dos agravos de infância que em

decorrência da anoxia neonatal, das infecções do sistema nervoso central e das malformações

congênitas exigem um atendimento de Reabilitação especializado e articulado com o sistema

formal de educação.

Deficiência e incapacidade faculdade de medicina da universidade de são paulo

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reFerênciAs

1. CIF: classificação internacional de funcionalidade, incapacidade e saúde. São Paulo:

Edusp, 2003. 325 p.

2. European Academy of Rehabilitation Medicine, European Federation of Physical and Re-

habilitation Medicine, European union of Medical Specialists (Physical and Rehabilitation Medicine

Section). White Book on Physical and Rehabilitation Medicine. Madrid; universidad Complutense

de Madrid, 1989.

3. MALtA, Deborah Carvalho, LEMOS, Maria do Socorro Alves, SILVA, Marta Maria Alves, et

al. Iniciativas de vigilância e prevenção de acidentes e violências no contexto do Sistema Único de

Saúde (SuS). Epidemiol. Serv. Saúde, v.16, n.1, p.45-55, mar. 2007.

4. SOuZA, Maria de Fátima Marinho de, MALtA, Deborah Carvalho, CONCEICAO, Gleice

Margarete de Souza, et al. Análise descritiva e de tendência de acidentes de transporte terrestre

para políticas sociais no Brasil. Epidemiol. Serv. Saúde, v.16, n.1, p.33-44, mar. 2007.

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6. Divisão de Medicina de Reabilitação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da

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