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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE – UNIVALE JERUSA FERNANDES DE AMARANTE FISIOPATOGENIA E MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DA DOENÇA DE CHAGAS Governador Valadares Agosto 2011
JERUSA FERNANDES DE AMARANTE FISIOPATOGENIA E MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DA DOENÇA DE CHAGAS
Trabalho de Conclusão de Curso para
obtenção do título de especialista
apresentado ao curso de Análises
Clínicas e Gestão de Laboratório da
Universidade do Vale do Rio Doce.
Orientador: Adelaide Machado Coutinho Cavalcante
Governador Valadares
Agosto 2011
JERUSA FERNANDES DE AMARANTE
FISIOPATOGENIA E MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DA DOENÇA DE CHAGAS
Trabalho de Conclusão de Curso para
obtenção do título de especialista
apresentado ao curso de Análises
Clínicas e Gestão de Laboratório da
Universidade do Vale do Rio Doce.
Governador Valadares, ____ de _______________ de _____.
Banca Examinadora:
__________________________________________________
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................06
2 REVISÃO DA LITERATURA....................................................09
2.1 DOENÇA DE CHAGAS............................................................09
2.1.1 Histórico...............................................................................09
2.1.2 Aspectos epidemiológicos.................................................10
2.1.3 Aspectos fisiopatológicos..................................................11
2.1.3.1 Fase aguda.........................................................................13
2.1.3.2 Fase crônica.......................................................................16
3.METODOLOGIA..........................................................................23
4.DISCUSSÃO................................................................................24
4.1 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL............................................24
4.1.1 Diagnóstico parasitológico.................................................24
4.1.2 Diagnóstico sorológico.......................................................27
4.1.3 Diagnóstico molecular.........................................................30
4.1.4 Exames laboratoriais auxiliares..........................................31
4.1.5 Recomendações do Consenso Brasileiro para doença
de Chagas.......................................................................................34
4.2 TRATAMENTO..........................................................................35
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................38
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................40
ANEXOS.........................................................................................44
RESUMO A Doença de Chagas ou tripanosomíase americana, descoberta por Carlos
Chagas em Lassance, Minas Gerais, em 1909, é uma zoonose que afeta de 12
a 14 milhões de pessoas na América Latina, onde mais de 40 milhões estão
expostos ao risco de infecção. O agente etiológico da doença de Chagas é o
Trypanosoma cruzi um protozoário hemoflagelado cujo ciclo de vida envolve a
passagem obrigatória por hospedeiros mamíferos de várias classes, inclusive o
homem, e insetos hemípteros hematófagos comumente chamados barbeiros.
Nos vertebrados, o T. cruzi circula no sangue e multiplica-se nos tecidos. Nos
barbeiros, o parasita multiplica-se no tubo digestivo e as formas infectantes são
eliminadas junto com as fezes e urina do inseto. A transmissão da infecção
ocorre, principalmente, pela deposição de fezes do vetor sobre os tecidos
cutâneos e mucosas do homem. Embora já existam campanhas de combate ao
inseto transmissor, a doença permanece ainda sendo transmitida por métodos
alternativos como a transmissão congênita, por transplantes e transmissão oral,
constituindo, assim, um dos mais graves problemas de saúde em todo o
continente. A doença de chagas possui duas fases patogênicas distintas,
aguda e crônica, caracterizando, principalmente por intensa cardiopatia,
possuindo cada uma das fases métodos de diagnóstico laboratorial
diferenciados, sendo na fase aguda a pesquisa do próprio parasita no sangue
ou liquor e na fase crônica a pesquisa de anticorpos conta o parasita. A
quimioterapia da Doença de Chagas permanece insatisfatória devido à
toxicidade e baixa efetividade dos fármacos disponíveis atualmente, o
Nifurtimox e o Benzonidazol, sendo por isso, muitas vezes, preferível a terapia
sintomática, aquela que apenas atenua os sintomas causados pela doença.
Palavras-chave: Doença de Chagas, Trypanosoma cruzi, Diagnóstico
laboratorial.
ABSTRACT Chaga’s disease or American trypanosomiasis, discovered by Carlos Chagas in
Lassance, Minas Gerais (1909), afflicts 12 to 14 million people in Latin America
and 40 million people are at risk of acquiring the disease. The aetiological agent
of Chaga’s disease is Trypanosoma cruzi, protozoan which life cycle involves
the passage in mammal hosts, including humans, and hemiptero insects
commonly called barbers. In vertebrates, T. cruzi circulates in blood and
multiplies in tissues. In vector insects, the parasite multiplies in digestive tract
and infective forms are eliminated with stool and urine of insect. The infection
transmission occurs, mainly, by the deposition of vector stool on human skin
and mucous tissues. Although already campaigns of combat to the transmitting
insect exist, the disease still remains being transmitted for alternative methods
as the congenital transmission, for transplants and oral transmission,
constituting, thus, one of the most serious problems of health in all the
continent. The Chaga’s disease possesss two distinct pathogenic phases, acute
and chronic, characterizing, mainly for intense cardiopathy, possessing each
one of the phases differentiated methods of laboratorial diagnosis, being in the
acute phase the research of the proper parasite in the blood or liquor and the
chronic phase the research of antibodies counts the parasite. Chemotherapy of
Chagas. disease is still very unsatisfactory, because the toxicity and the poor
effectiveness of drugs currently available, nitrofurans and benznidazole, being
therefore, many times, preferable the symptomatic therapy, that one that only
attenuates the symptoms caused for the disease.
Key-words: Chaga’s disease, Trypanosoma cruzi, Laboratorial diagnosis.
6
1 INTRODUÇÃO
A doença de Chagas (tripanossomíase americana) é uma
antropozoonose causada por um protozoário flagelado, o Trypanosoma cruzi
(ver figura 1 em anexo A) e transmitida por insetos hematófagos, os
Triatomíneos, também conhecidos por “barbeiros” ou “chupões” (ver figura 2
em anexo A). A enfermidade encontra-se amplamente distribuída em todo
continente americano, desde o Sul dos Estados Unidos até o Sul da Argentina.
Dados recentes da Organização Mundial da Saúde mostram que no continente
americano existem entre 12 e 14 milhões de pessoas portadoras deste parasita
e que cerca de 40 milhões encontram-se expostas ao risco de adquiri-la. No
Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, calcula-se em cerca de 2,5 a 3
milhões o número de infectados, a maioria vivendo nas cidades, em
consequência do fluxo de indivíduos de baixa condição socioeconômica das
áreas rurais para os centros urbanos. A intensa campanha de combate ao
inseto transmissor, desencadeada pelos serviços de saúde do nosso país,
interrompeu a transmissão vetorial em extensas regiões de vários estados da
Federação, assim como também a extensa cobertura de sorologia pré
transfusional praticamente aboliu a transmissão do parasita em bancos de
sangue brasileiros. Todavia, a doença permanece ainda sendo transmitida por
métodos alternativos (congênita, transplantes, oral, etc.). Esta parasitose segue
sendo um dos mais graves problemas de saúde pública em todo o continente
americano, em virtude de sua alta prevalência e expressiva morbidade e
mortalidade (FOCACCIA, 2010).
Em 1908, Carlos Chagas encontrou pela primeira vez os flagelados no
intestino de triatomíneos, em Lassance, Minas Gerais. Suspeitando que esses
insetos hematófagos pudessem transmitir o parasita ao homem ou a outros
animais, fez inocular macacos, que desenvolveram parasitemia e uma doença
febril. Desse modo, pôde descrever não só o agente etiológico em todas as
suas formas evolutivas, como caracterizar a nova moléstia infecciosa que, logo
mais, confirmou ocorrer naturalmente no gato e no tatu (REY, 2008).
Posteriormente, Carlos Chagas encontrou o mesmo parasita no sangue
de uma criança que tinha febre, anemia, linfadenopatia e
hepatoesplenomegalia, e demonstrou ser este parasita a causa de uma doença
7
endêmica muito comum no interior da Brasil. Em abril de 1909, aos 29 anos,
Chagas comunicou em nota prévia, na Revista Brasil-Médico, esta nova
entidade mórbida do homem. É o único caso da história da medicina em que o
agente etiológico de uma doença, seu transmissor e as manifestações clínicas
foram descritos pelo mesmo investigador (FOCACCIA, 2010).
A infecção chagásica, inicialmente, uma enzootia silvestre, transformou-
se em uma antropozoonose quando o homem, ao ocupar o espaço físico com
sua ação predatória invadiu o ecótopo silvestre, desmatando, afastando os
animais silvestres e construindo casas e anexos de fácil adaptação para os
triatomíneos que passaram a utilizá-los e a utilizar os animais domésticos como
sua fonte alimentar, estabelecendo-se três ciclos que se intercomunicam: o
ciclo silvestre, o doméstico e o peridoméstico (ver anexo B) (COURA, 1988).
Alguns animais silvestres como o gambá, um dos mais antigos
reservatórios conhecidos do T. cruzi, pode ter um papel importante na
epidemiologia da infecção chagásica, uma vez que circulam do ambiente
silvestre para o peridoméstico e até mesmo para o doméstico à procura de
alimento. Esses animais, além de portadores de formas tripomastigotas do T.
cruzi na corrente sanguínea, podem albergar pelas glândulas odoríferas o
parasita em todas as suas formas (COURA, 1988).
De modo inverso, os animais domésticos como o cão e gato, podem
invadir o ambiente silvestre para caça, infectando-se por via oral e trazendo a
infecção para o domicílio e peridomicílio (COURA, 1988).
A adaptação dos triatomíneos ao domicílio humano, ao lado da
circulação do T. cruzi entre eles e os animais silvestres e domésticos, são
certamente os determinantes mais importantes para o estabelecimento da
infecção humana. Embora tenha sido especulada a possibilidade de uma
transformação genética para essa adaptação, ela parece primariamente
decorrente da procura pelos triatomíneos de uma nova fonte alimentar, quando
a fonte original se reduz (COURA, 1988).
O inseto vetor natural do T. cruzi ao ingerir sangue de um mamífero
infectado, serve de local para complexas transformações do Tripanosoma as
quais ocorrem no intestino do inseto. Este, de hábitos noturnos, alimenta-se em
áreas expostas do indivíduo dormindo, usualmente a face ou os braços. Ao
8
ingerir sangue, defeca, liberando protozoários no local (tripomastigotas), que
penetram em membranas, mucosas e pequenas lesões da pele (LIMA, 2004).
As formas infectantes não atravessam a pele íntegra, mas o próprio local da
picada do inseto pode constituir a porta de entrada. Feridas ou escoriações
causadas por coçar são outros pontos favoráveis para a invasão (REY, 2008).
Nesse tipo de transmissão considerada natural, cabe uma série de
variáveis que regulam as chances de ocorrer uma infecção, entre as quais se
destacam a idade do triatomíneo (maiores taxas de infecções nos mais velhos),
intensidade do contato entre o vetor e o homem, grau de antropofilia (T.
infestans mais antropofílico que T. sordida e T. pseudomaculata), os índices de
infecção, o tempo entre a picada e a defecação, o número e a quantidade de
evacuações na unidade de tempo, o número de parasitas eliminados, o
percentual de formas infectantes e sua capacidade de penetração, a
intensidade do prurido causado durante a picada, a capacidade de domiciliação
do triatomíneo (T. infestans e T. prolixus, são as espécies com maior
capacidade de domiciliação, portanto responsáveis pelo maior número de
chagásicos), etc (COURA, 1988).
Outras formas de infecção que não são consideradas naturais são a
transfusão sanguínea, a ingestão de material infectado, inclusive o leite
materno, a infecção acidental, a infecção congênita e por transplantes de
órgãos (COURA, 1988).
A maioria dos indivíduos com infecção pelo T. cruzi alberga o parasita nos
tecidos e sangue durante toda a vida, o que significa que devem ser excluídos
das doações de sangue e de órgãos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).
O presente trabalho é uma revisão bibliográfica, sendo limitado à
pesquisa teórica sobre a doença de Chagas, enfatizando seus aspectos
epidemiólogicos, suas fases patogênicas, diagnóstico laboratorial, bem como
os efeitos paliativos do tratamento.
9
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1 DOENÇA DE CHAGAS
2.1.1 Histórico
A história da doença de Chagas se inicia com uma tripla descoberta, no
interior de Minas Gerais. Em abril de 1909, Carlos Chagas (1878-1934),
pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), comunicou ao mundo científico a
descoberta de uma nova doença humana. Seu agente causal (o protozoário
que denominou de Trypanosoma cruzi, em homenagem ao mestre Oswaldo
Cruz) e o inseto que o transmitia (triatomíneo conhecido como “barbeiro”)
também haviam sido por ele identificados, ao final de 1908. O “feito” de
Chagas, considerado único na história da medicina, constitui um marco
decisivo na história da ciência e da saúde brasileiras (KROPF, 2006).
Dedicando sua vida profissional, junto a seus colaboradores, a investigar os
vários e intricados aspectos da nova enfermidade, Chagas deu início a uma
tradição de excelência acadêmica que se espraiaria de Manguinhos para
outros centros científicos no Brasil e no continente americano. Ao mesmo
tempo, chamou a atenção sobre a necessidade do enfrentamento concreto
desta e outras endemias do interior, intimamente associadas à pobreza,
gerando uma mobilização que ocuparia, a partir de então, as tribunas da
política e das instituições de saúde. (KROPF, 2006)
A trajetória da produção de conhecimentos e ações sobre a doença de
Chagas, ainda que iniciada sob a marca do “feito singular” de um cientista, tem
sido, desde 1909, um empreendimento coletivo, a articular, em distintos
contextos históricos e sociais, os cientistas e outros grupos sociais, na busca
por novos conhecimentos e ferramentas para lidar com este importante
problema. Marcado por conquistas e vitórias, mas também por críticas e
incertezas, por conflitos e por acordos, por trilhas abandonadas e outras
continuadas, por continuidades e descontinuidades, o percurso da doença de
Chagas ao longo destes cem anos nos fala das relações entre ciência, saúde e
sociedade (KROPF, 2006)
10
2.1.2 Aspectos epidemiológicos A doença de Chagas constitui pela sua vasta distribuição, altos índices
de prevalência e gravidade de evolução, um dos maiores problemas de saúde
pública em nosso país, bem como de várias repúblicas sul-americanas. Aliás, o
seu descobridor o genial Carlos Chagas já considerava a moléstia que tem o
seu nome “como uma das infecções tropicais mais maléficas, quer como causa
imediata de grande letalidade, especialmente das crianças nas zonas
contaminadas, quer como determinante de uma condição mórbida crônica que
inutiliza o indivíduo para a atividade vital, quer finalmente como um fator de
degeneração humana” (PESSOA, 1969).
Sua distribuição geográfica é condicionada à coexistência, no mesmo
local ou área, do homem ou mamífero infectados pelo T. cruzi e de
triatomíneos transmissores (MORAES, et al, 2008).
No Brasil, Minas Gerais é considerado um dos estados com maior
prevalência da endemia chagásica, tendo sido coincidentemente o palco da
descoberta da doença. A região centro-oeste de Minas Gerais sempre
apresentou elevada endemicidade para doença de Chagas, onde se destaca o
Município de Bambuí, no qual as ações de controle da transmissão vetorial da
enfermidade foram iniciadas na década de 1940. Em que pese toda esta
história o Programa de Controle da doença de Chagas (PCDCh) só foi
sistematizado na forma de programa de alcance nacional a partir de 1975, pela
Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM), posteriormente
Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) (VILLELA, et al, 2007).
A doença de Chagas também é encontrada nos seguintes estados: Rio
Grande do Sul, parte de Santa Catarina e Paraná, São Paulo, Goiás,
Tocantins, Espírito Santo e estados do Nordeste. Na Amazônia, a doença de
Chagas humana é rara, mas muito comum entre os animais silvestres (NEVES,
et al, 2005).
É fácil perceber que as distorções econômicas influenciam fortemente a
distribuição social da parasitose, na medida em que ocorrem deficiências na
qualidade de vida do homem interiorano. Historicamente, em toda a América
Latina, essa qualidade, já se acha profundamente comprometida,
11
especialmente em relação às condições de moradia (que interessam no caso
particular da domiciliação dos triatomíneos), mas também no que concerne à
saúde e à educação, perpetuando inexoráveis ciclos de pobreza/enfermidade
(VINHAES & DIAS, 2000).
Finalmente, não podemos por de lado os prejuízos econômicos
causados pela doença de Chagas, os quais devem ser muito elevados devido
às manifestações da forma crônica, que incapacitam os doentes, se
desenvolverem na segunda metade da vida, fase mais produtiva do homem,
principalmente na zona rural, onde o trabalho exige, em geral, grande esforço
físico. Também deve-se levar em conta os gastos com a hospitalização dos
doentes, bem como de sua reabilitação. (PESSOA, 1969).
2.1.2 Aspectos fisiopatológicos
O T. cruzi, introduzindo-se ativamente no organismo, atinge a derme,
onde tem início sua primeira fase de parasitismo intracelular (MORAES, et al,
2008). As formas tripomastigotas circulam no sangue e podem infectar diversos
tipos celulares, tais como macrófagos, fibras musculares esqueléticas,
fibrocélulas cardíacas e células da glia. Apesar de alguns achados
controversos, a maioria dos parasitologistas aceita o conceito de que o
Trypanosoma cruzi penetra nos macrófagos pelo mecanismo da fagocitose.
Após a interiorização, ficam envolvidos por uma membrana que delimita o
vacúolo fagocitário, mas rapidamente a lisam e escapam para o citoplasma,
onde irão replicar. Este mecanismo é conhecido como fenômeno de “escape”.
Como parasitas intracelulares, os flagelados transformam-se em amastigotas
ovalados, que se multiplicam a cada 12 horas por divisão binária, tornando-se
tripomastigotas novamente, por ocasião da ruptura celular e liberação destes
microrganismos no sangue. O tempo decorrido desde a penetração na célula
até a sua ruptura é de cerca de 3 a 6 dias, de acordo com o tamanho da célula
e a cepa do parasita. O curso da infecção no homem segue, em geral, um
padrão típico: no início, a reprodução do T. cruzi nos tecidos, é exponencial e a
parasitemia aumenta gradualmente, facilitando a visualização do protozoário no
sangue periférico; com a ativação da resposta imune do hospedeiro, ocorre
12
supressão progressiva da parasitemia, que se torna subpatente quando se
instala a fase crônica da enfermidade. Em estados de imunodepressão do
hospedeiro, esta paasitemia crônica pode ser significativamente exacerbada
(FOCACCIA, 2010).
Dois mecanismos patogênicos são conhecidos na infecção pelo T. cruzi:
o primeiro, já descrito desde 1911, consiste na reação inflamatória local, com
necrose, destruição tissular e cicatrização com fibrose; o segundo, mais
complexo no seu entendimento e comprovação, é o mecanismo ou são
mecanismos imunológicos. Anticorpos anti-EVI (endocárdio, vasos e
interstício), anti-nervos e neurônios, antimúsculo e miocárdio, anti-laminina,
entre outros, já foram demonstrados experimentalmente na infecção chagásica;
entretanto, essa auto-imunidade não é suficiente para explicar toda a patogenia
da doença de Chagas. A sensibilização de linfócitos T auxiliares pelo T. cruzi
com desenvolvimento de linfócitos antimiocárdio, associados à migração e
ativação macrofágica com liberação de fatores de agregação plaquetária,
induzindo respectivamente à miocardite chagásica crônica e à lesões
isquêmicas miocárdicas, poderiam explicar lesões encontradas na cardiopatia
chagásica crônica. Estas reações seriam mediadas principalmente por
linfócitos CD4+ e CD8+ e por citocinas, principalmente IL2, IL4 e IFNγ. Por
outro lado, a destruição neuronal do coração, esôfago, cólons e outras vísceras
ocas, poderia ser explicada tanto pelos fenômenos inflamatórios diretos, como
pelos eventos imunológicos e isquêmicos (COURA, 2007).
O parasitismo, que em geral é intenso na primeira fase da doença,
parece desempenhar papel importante na patogênese da resposta inflamatória.
À medida que a infecção evolui, o número de parasitas se reduz
acentuadamente e na fase crônica da doença há desproporção entre o número
de parasitas nos tecidos e a resposta inflamatória. Em virtude da escassez do
parasita nas lesões e das características morfológicas da resposta inflamatória,
levanta-se, há décadas, a suspeita de que a inflamação possa relacionar-se
com mecanismos imunológicos. Deve-se, entretanto, frisar que mecanismos
imunológicos, ao que tudo indica, desempenham papel importante na
patogênese da tripanossomose desde a fase aguda da doença (COURA,
2007).
13
O T. cruzi, quando infecta crianças de baixa idade, determina acidentes
dos mais graves, podendo acarretar a morte por ataque agudo ao coração e ao
sistema nervoso. É por isso que na primeira infância a infecção tem um
prognóstico sombrio, sendo frequentemente mortal; nos adolescentes a doença
ainda que determine casos mortais é, na maioria das vezes, aparentemente,
vencida, mas passa para o estado crônico e determina o T. cruzi, em altas
porcentagens de pacientes, numerosas organopatias, destacando-se as
cardiopatias que muito concorrem para abreviar a vida dos doentes. Os
indivíduos infectados não vivem além dos 50 anos, sendo esta parasitose a
afecção que determina as mais altas porcentagens de mortes súbitas. Um dos
determinantes desta situação é justamente a maior pressão triatomínica, que
resulta sempre em casos agudos mais jovens, nos quais são mais severos e
com letalidade maior. Nos adultos, a doença ainda que raramente mortal e
podendo induzir formas agudas aparentemente graves, devido aos longos
períodos febris, tem a tendência a não evoluir para o estado crônico e a mente
sem mostrar sequelas orgânicas. As variações da mortalidade, a gravidade da
moléstia e as porcentagens de doentes que apresentam organopatias devidas
à infecção, como cardiopatias, mal de engasgo e outras formas nervosas
parecem depender ainda das regiões geográficas onde incidem, das diversas
cepas de tripanosomas inoculados, da oportunidade de sofrerem os pacientes
uma única infecção ou reinfecções múltiplas, dos prazos mais ou menos
longos, referentes a estas reinfecções (PESSOA, 1969).
2.1.2.1 Fase aguda
A fase aguda da doença de Chagas quando aparente, corresponde aos
fenômenos clínicos que se estabelecem nos primeiros dias ou meses da
infecção inicial, sendo diagnosticada pelo encontro do parasita no sangue
periférico. É caracterizada por uma miocardite, na maioria das vezes, só
traduzível eletrocardiograficamente. As manifestações gerais são de febre, mal-
estar geral, cefaléia, astenia, hiporexia, edema, hipertrofia de linfonodos
(adenopatia) frequentemente, ocorre hepatoesplenomegalia. Às vezes,
14
acomete o sistema nervoso central, com acúmulos parasitários nas células
nervosas, a destruição dessas células e a disseminação dos flagelados levam
a uma forma meningoencefálica difusa, com presença de parasitas no liquor,
principalmente nos primeiros meses ou anos de vida, ocorrendo lesões nas
células nervosas. Por vezes, os casos mais graves apresentam
broncopneumonia bacteriana, como complicação (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2005).
Dois tipos de fenômenos edematosos podem ocorrer em pacientes na
fase aguda: o edema local, de porta de entrada do parasita, e o edema
generalizado (o chamado "mixedema"). A patogenia deste último é revista e
sugere-se que ele seja devido a uma hipoproteinemia, este edema
generalizado, ocorre precocemente, é endurecido, elástico, difuso e frio,
podendo ser mais visível no rosto, extremidade e bolsa escrotal. O edema local
parece de natureza inflamatória, podendo ser cutâneo (chagoma de
inoculação) ou ocular (chagoma de Romaña) (VRANJAC, 2005). O chagoma
de inoculação, também chamado de complexo primário da primoinfecção pelo
T. cruzi é uma formação cutânea, proveniente da reação de gânglios próximos
que se tornam tumefatos, é ligeiramente saliente, arredondada, eritematosa,
dura, incolor, quente e circundada por edema elástico, assemelhando-se a um
furúnculo que não supura, mas que às vezes pode exulcerar. É acompanhado
de linfonodos satélites. O sinal de Romaña ou complexo oftalmoganglionar de
Mazza ocorre quando as formas tripomastigotas metacíclicas penetram na
mucosa da conjutiva, formando um edema bipalpebral (que, às vezes, se
expande à face), elástico, indolor, de início geralmente brusco, coloração
roseoviolácea das pálpebras, congestão conjuntival, enfartamento dos
linfonodos satélites (pré-auriculares, parotídeos ou submaxilares) e, com
menos frequência, secreão conjuntival e dacrioadenite (ver figura 1 em anexo
C). (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005). Convém recordar, entretanto, que um
quadro semelhante ao sinal de Romaña pode ser desencadeado pela simples
inoculação de saliva de triatomíneos nas proximidades do olho, como já foi
demonstrado em pessoas sensibilizadas previamente (ou não) pelas picadas
desses insetos (REY, 2008).
Os linfonodos superficiais costumam aumentar de tamanho, mesmo
quando não se relacionam com a porta de entrada da infecção. Esse aumento
15
é discreto e indolor, abrangendo tanto os linfonodos auriculares, cervicais e
submaxilares, como os axilares, epitrocleanos e inguinais. Há proliferação das
células endoteliais dos seios linfáticos, bem como dos histiócitos. Aí,
encontram-se parasitas fagocitados ou livres (REY, 2008).
Outros órgãos também são acometidos, como o fígado e o baço que
aumentam de volume. No fígado ocorre parasitismo, hepatomegalia, congestão
e degeneração gordurosa das células parenquimatosas. O pâncreas também é
invadido, ocorrendo alterações no metabolismo glicêmico (pseudodiabete). A
tireóide também sofre um pequeno aumento de volume, devido ser parasitada,
mas não sofre comprometimento significativo. No sistema nervoso central
pode-se encontrar congestão e edema, com escassos focos hemorrágicos;
discreta infiltração perivascular de células inflamatórias; e formação de
numerosos nódulos disseminados pelo cérebro, cerebelo e pedúnculos
cerebrais, os quais contêm, sobretudo células da microalgia, monócitos e
alguns leucócitos polimorfonucleares. Há também necroses focais. No núcleo
dorsal do vago e do hipoglosso, foram descritas lesões com grande redução do
número de neurônios, com significado particular para fisiopatologia do
megaesôfago. Nos músculos esqueléticos há aglomerados parasitários com
amastigotas, focos inflamatórios e edema difuso. Esse edema inflamatório
encontra-se em quase todos os órgãos e somente regridem quando a
parasitemia cai, por volta de 6 a 12 semanas após o início da doença (REY,
2008).
As lesões iniciais regridem espontaneamente, ao fim de uma ou duas
semanas (REY, 2008).
O envolvimento cardíaco costuma ser muito intenso, há evidências
morfológicas indicativas da participação do sistema imune na ampliação desta
resposta inflamatória, como o achado de linfócitos e macrófagos aderidos, com
fusionamento de membranas em focos de desintegração de cardiomiócitos,
dados morfológicos reveladores de citoaderência e citotoxidade, bem como a
presença de uma microangiopatia. Os sinais clínicos desta miocardite são
taquicardia, pulso rápido, fino e rítmico, a ausculta pode mostrar bulhas
abafadas e eventualmente sopro sistólico de ponta, por lesão oro-valvular ou
consequente à dilatação de anéis valvulares. Eventualmente pode ocorrer
insuficiência cardíaca congestiva (ICC), cujos sintomas são: cansaço fácil,
16
ortopnéia, ritmo de galope (som cardíaco que lembra o som do galope do
cavalo) e aumento da pressão venosa. Ao exame de raio X, pode-se verificar
cardiomegalia global resultante da incapacidade de adaptação do coração às
condições criadas pela desnervação parassimpática, com campos pulmonares
geralmente claros. E nos casos mais graves pode haver também derrame
pericárdico (VRANJAC, 2005). Há casos em que estas lesões cardíacas são
mais leves, nas formas benignas da doença (REY, 2008).
Os casos de doentes chagásicos que não falecem nesta fase evoluem
para remissão de sua sintomatologia clínica com regressão da febre entre duas
e doze semanas após o diagnóstico. A remissão natural do quadro clínico faz-
se lenta e progressivamente, a cardiomegalia, a poliadenopatia, e a
hepatoesplenomegalia, permanecem por até alguns meses, porém alguns
casos, principalmente os que apresentaram grandes cardiomegalias, podem
evoluir diretamente para a fase crônica com insuficiência cardíaca (ver anexo
D) (BERNSTEIN & IANNI, 2001).
2.1.2.2 Fase crônica
Após a fase aguda, os sobreviventes passam por um longo período
assintomático (10 a 30 anos). Esta fase é chamada de forma indeterminada
(latente) e caracterizada pelos seguintes parâmetros: 1) positividade de
exames sorológicos e/ou parasitológicos; 2) ausência de sintomas e/ou sinais
da doença; 3) eletrocardiograma convencional normal, e 4) coração, esôfago e
cólon radiologicamente normais (NEVES, et al, 2005).
Do ponto de vista morfológico, as lesões cardíacas, na sua qualidade
são semelhantes às observadas na forma cardíaca da doença; entretanto,
quantitativamente, são bem menos acentuadas. Há miocardite focal, discreta
em 80% dos casos, e de grau moderado ou intenso em 20%. O comportamento
morfológico do sistema de condução, estudado em poucos casos, revela
discretas lesões inflamatórias e/ou fibróticas ou ausência de alterações. Por ser
a miocardite focal, em geral discreta, não produz alterações funcionais, o que
explica a ausência de sinais e sintomas, e a normalidade do eletrocardiograma
convencional. Não há, tampouco, aumento da área cardíaca, como se
17
comprova ao exame radiológico do tórax. Por outro lado, as lesões explicam os
achados nos exames não invasivos de maior sensibilidade (FOCACCIA, 2010).
A forma cardíaca da fase crônica é a forma mais importante de limitação,
dano e morte, quando comparada com a forma digestiva. Do ponto de vista
clínico, existem desde pacientes assintomáticos, apenas com alterações
eletrocardiográficas, até aqueles com sintomas de insuficiência cardíaca
franca, resultante de um afinamento do músculo cardíaco levando à dilatação
das cavidades do coração, tendo como consequência a incapacidade de
bombear adequadamente o sangue para o organismo, gerando uma
miocardiopatia, incluindo a destruição das fibras cardíacas e substituição por
fibrose cicatricial, associada a um considerável infiltrado inflamatório difuso,
composto por linfócitos T e macrófagos. Fenômenos tromboembólicos se
instalam especialmente nas fases terminais da cardiopatia, devido à dilatação
das câmaras cardíacas e a propagação da inflamação ao endocárdio. Todos
estes fatores resultam em êmbolos e infartos em vários órgãos, os mais
importantes envolvendo o sistema nervoso central; e arritmias, devido à
miocardite se estender ao tecido de formação e condução de estímulo elétrico,
num padrão dos mais variados, com fibrose, ectasia e graus variáveis de
esclerose vascular, em áreas variadas, o que explica o porque da doença
apresentar quase todas as arritmias catalogadas, isoladas ou combinadas,
como em nenhuma outra cardiopatia. Todos estes fatores, geralmente se
encontram associados e seus sinais principais são: palpitação, dispinéia,
edema, dor precordial, dispinéia paroxística noturna, tosse, tontura, desmaios,
acidentes embólicos extra-sistoliais, desdobramento de segunda bulha, sopro
sistólico, hipofonese de segunda bulha. (BERNSTEIN & IANNI, 2001).
As células inflamatórias (linfócitos T e macrófagos) têm sido
consideradas como as efetivas destruidoras do tecido cardíaco, na aparente
ausência do T. cruzi. Já no coração de pacientes da forma indeterminada, sem
sintomas cardíacos, identifica-se uma inflamação bem menos intensa que pode
estar associada com restos parcialmente destruídos do parasita. Utilizando-se
técnicas ultra-sensíveis, como a imuno-histoquímica, encontram-se indícios da
presença do T.cruzi no coração de pacientes com cardiopatia chagásica
crônica (CCC); entretanto, tais indícios também são encontrados no coração de
chagásicos da forma indeterminada, sem alterações cardíacas (NETO, 1998).
18
Além disso, outros órgãos, como os rins, são parasitados pelo T. cruzi
de forma análoga ao coração, sem apresentarem sinais de destruição ou dano
funcional. Em conjunto, esses dados sugerem que a simples presença do T.
cruzi não é suficiente para a indução da miocardite difusa e da destruição do
tecido cardíaco. Há algumas décadas, foi postulada a hipótese auto-imune da
patogênese da CCC, que procurava explicar a agressão ao tecido cardíaco na
CCC na ausência do T. cruzi in situ como um fenômeno secundário a uma
resposta imunológica contra algum antígeno do T. cruzi, que apresentasse
semelhanças antigênicas, ou mimetismo molecular, com um componente
cardíaco. A esse mecanismo - reagir com um antígeno semelhante, porém
distinto daquele que gerou a resposta imune - chama-se reação cruzada
imunológica. Tanto as respostas imunes ao T. cruzi quanto a auto-imunidade à
componentes cardíacos já foram responsabilizadas como desencadeadores do
infiltrado inflamatório e da destruição tecidual na CCC (NETO, 1998).
Na forma cardíaca, os pacientes têm eletrocardiograma alterado,
podendo ou não ter disfunção ao nível da ponta do ventrículo esquerdo,
designada como “lesão de ponta” ou “aneurisma apical”, nesse caso detectada
pelo ecocardiograma. Trata-se de um adelgaçamento, sem fibrose, mas com
atrofia das fibras miocárdicas, e protusão da ponta do ventrículo esquerdo do
coração. Esta lesão tem conexão íntima com o peculiar envolvimento do
sistema de condução do coração na forma crônica cardíaca da doença de
Chagas. É provável que um dos efeitos destas lesões apareça sob a forma de
um retardo na chegada do estímulo elétrico à região da ponta do ventrículo
esquerdo. A pressão da coluna sanguínea a cada sístole, sobre uma zona não
ativada, acaba por provocar uma “herniação” das paredes do ápice do
ventrículo esquerdo (BERNSTEIN & IANNI, 2001).
As principais alterações eletrocardiográficas características da
cardiopatia chagásica são bloqueio completo do ramo direito e hemibloqueio
anterior do ramo esquerdo, bloqueio atrioventriculares do primeiro, segundo e
terceiro graus, extra-sístoles ventriculares, sobrecarga de cavidades cardíacas,
alterações da repolarização ventricular, dentre outras. O raio X de tórax revela
cardiomegalia global discreta, moderada ou acentuada, aumento isolado do
ventrículo esquerdo, aumento biventricular e congestão vascular pulmonar
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).
19
Assim, a cardiopatia chagásica crônica, frequentemente tem um curso
fatal, uma vez que o tratamento é apenas sintomático e a possibilidade de
realização de transplantes cardíacos é bem menor que a demanda. Existem
cerca de 2 milhões de pacientes acometidos de cardiopatia chagásica crônica
em nosso país (NETO, 1998).
A forma digestiva caracteriza-se por alterações ao longo do trato
digestivo, ocasionadas por lesões dos plexos nervosos (destruição neuronal
simpática), com consequentes alterações da motilidade e morfologia ao nível
do trato digestivo, sendo o megaesôfago e o megacólon as manifestações mais
comuns. Os principais sinais e sintomas decorrentes do megaesôfago são
disfagia (sintoma mais frequente e dominante), regurgitação, epigastralgia ou
dor retroesternal, odinofagia (dor à deglutição), soluço, ptialismo (excesso de
salivação), emagrecimento (podendo chegar a caquexia), hipertrofia das
parótidas. No megacólon, que frequentemente está associado ao
megaesôfago, constata-se ainda meteorismo e timpanismo do hipocôndrio
esquerdo; sigmóide palpável, volumoso e com aspecto tumoral (devido aos
fecalomas, nas fases avançadas). Podendo ocorrer constipação intestinal
(instalação lenta e insidiosa) e distensão abdominal (FUNASA, 2002).
As mesmas bases fisiopatogenéticas podem afetar outros setores do
aparelho digestivo, de forma primária ou secundária. Como principal substrato,
a desnervação autonômica produz importantes desordens motoras e
eventualmente a dilatação de outros segmentos. O duodeno é o segmento
mais afetado, depois do esôfago e cólon, apresentando discinesia e,
eventualmente, a dilatação bulbar ou total. No estômago ocorre alterações da
motilidade e da secreção gástricas, há disfunção motora e a musculatura
gástrica torna-se hiperreativa ao estímulo colinérgico: o esvaziamento gástrico
torna-se acelerado para conteúdos líquidos e retardado para sólidos, ocorre
ainda hipossecreção cloridropéptica, paralelamente a um estado de gastrite
crônica ainda não bem definido. Em graus mais avançados, surgem hipertrofia
do piloro e dilatação do estômago. No intestino delgado são muito raros os
casos de “mega”, embora descritos no jejuno, íleo e apêndice, quase sempre
acompanhando, uma esôfago ou colopatia, há distonia nas alças e o trânsito se
apresenta ora lento, ora rápido. Em paralelo há aumento da flora bacteriana e
aumento da absorção de monossacarídeos, como a glicose (este fato
20
explicando a hiperglicemia precoce em chagásicos com insulina normal). Nas
parótidas embora possa ocorrer uma parotidite primária, com desnervação e
hipersalivação, o mais importante e frequente é uma hipersalivação e
hipertrofia de todas as glândulas salivares em consequencia da esofagopatia
chagásica, problemas estes decorrentes do reflexo esofagosalivar de Roger
(FOCACCIA, 2010).
Pode ocorrer também, que o paciente tenha uma associação das formas
cardíaca e digestiva, sendo chamada de forma mista (FUNASA, 2002).
Uma série de alterações na doença de chagas pode dever-se aos
inúmeros mecanismos fisiopatogenéticos da esquisotripanose, através de vias
primárias ou secundárias, o que deve levar o clínico a uma prospecção
cuidadosa do paciente chagásico, não apenas se limitando às esferas
cardiovascular ou digestiva. Em geral se trata de alterações menores, com
sintomatologia vaga, apenas indicadora de tratamento sintomático
(FOCACCIA, 2010).
No fígado ocorre hepatomegalia e tendência à esteatose, decorrentes da
insuficiência cardíaga congestiva. Nas vias biliares e extra-hepáticas têm sido
relatados esporadicamente megavesícula e megacolédoco, sempre associados
à desnervação autonômica. Podem ocorrer hipertonia do esfíncter de Oddi e
discinesias da vesícula biliar (enchimento mais lento). No trato urinário
observa-se presença de “megas” e discinesias nos ureteres e na bexiga
urinária. Infecção bacteriana secundária pode ser resultado de
descoordenação, estase e refluxos. Há evidências sugestivas de alguns
problemas na capacidade de concentração urinária. Uma bronquiectasia
crônica por alterações funcionais da musculatura brônquica tem sido aventada,
mas clinicamente o problema não parece apresentar maior importância. Há
alterações nas glândulas salivares e sudoríparas, com hipersecreção aos
estímulos específicos (alimentares e odoríferos para as salivares, exercício e
calor para as sudoríparas) (FOCACCIA, 2010).
Em termos de sistema nervoso autônomo, além de todas as
observações feitas sobre as formas digestivas e as alterações urinárias e
secretórias, uma série de problemas ao nível cardiovascular e comportamental
tem sido verificada. É inegável que um desbalanço autonômico ocorre no
coração do chagásico crônico, com repercussões hemodinâmicas em alguns
21
casos. Esta falta de autonomia não se constitui em fator único, mas interage
com outros fatores e pode resultar em alterações da frequência cardíaca e na
menor capacidade elevatória da pressão diastólica aos estímulos simpáticos
em pacientes sem ICC. São achados ligados a um progressivo bloqueio de
receptores neurovasculares e neuromusculares e de uma desnervação parcial
de chagásicos crônicos. Ao nível do sistema nervoso periférico, observa a
existência de uma importante redução de unidades nervosas motoras em
músculos das eminências tênares e hipotênares de chagásicos. A função
sensorial, explorada em nervos como o mediano, também mostra respostas
reduzidas entre chagásicos crônicos. Todas estas alterações do sistema
nervoso periférico apresentam pouca significação clínica, em geral. Ao nível do
sistema nervoso central ocorrem alterações nas transmissões nervosas ao
nível do tronco cerebral e do nervo ótico, assim como algumas deficiências
neuropsicológicas, como desempenho cognitivo mais pobre que os controles
normais (FOCACCIA, 2010).
Além das alterações mencionadas, uma série de alterações psicológicas
são observáveis na doença de chagas crônica, como resultado da exacerbação
do simpático frente à desnervação parassimpática predominante. Trata-se de
respostas hiperativas do infectado aos estímulos mais comuns do meio
ambiente e da sociedade humana, como calor, susto e provocações: o
chagásico, por desnervação parassimpática, tende a viver como um simpático-
tônico, ou seja, como um indivíduo em semipermanente estado de estresse
(FOCACCIA, 2010).
Em suma, pode-se resumir as alterações anatomopatológicas da doença
de Chagas do seguinte modo: nas formas agudas, as lesões são de hepatite
nodular, miocardite aguda difusa, celulite aguda difusa, meningites e miosites
agudas múltiplas; nas formas crônicas, as lesões decorrem de repetidas
infecções endógenas e de focos inflamatórios evoluídos para a regressão e
cicatrização. Incluem-se nestas formas a miocardite crônica esclerosa, miosite
crônica, esplenite crônica, congestão hepática com atrofia parenquimatosa e
nódulos gliais pós-inflamatórios do neuraxe (MORAES, et al, 2008).
A imunodepressão em pacientes com infecção pelo T. cruzi pode
resultar em reativação de um processo crônico ou assintomático, que passa a
assumir formas agudas mais graves que as habituais, com parasitemia
22
evidente. Em muitos casos de pacientes submetidos a transplantes de órgãos e
que, por isso, devem receber terapêutica imunossupressora, há ocorrência de
encefalite ou de miocardite grave, com alta letalidade (REY, 2008).
Casos de reativações têm sido observados em indivíduos com
neoplasias hematológicas (leucemias, linfomas), em geral submetidos à
quimioterapia antineoplásica e à corticoterapia, em transplantados renais,
cardíacos e de medula óssea, também em uso prolongado de
imunodepressores para controlar a rejeição do enxerto, e em portadores da
síndrome da imunodeficiência adquirida e virose (FOCACCIA, 2010).
Depois do aparecimento da pandemia da síndrome da imunodeficiência
adquirida (AIDS), devida aos retrovírus HIV, vários casos de ativação da
tripanossomíase foram constatados. Como a imunidade nas infecções pelo T.
cruzi depende, sobretudo da ação dos linfócitos T e são justamente estes os
atingidos seletivamente pelo HIV, é natural que baixe consideravelmente a
proteção do organismo contra os flagelados, que passam a multiplicar-se
ativamente (REY, 2008).
O uso de corticóides como a predinisona, drogas imunossupressoras
também colaboram para a acentuação da parasitemia, do parasitismo tecidual
e da mortalidade, revelando também mudança do tropismo em relação aos
órgãos que o T. cruzi infecta e atenuação do contingente inflamatório (RASSI,
1997).
23
3 METODOLOGIA
Utilizar-se-á a revisão bibliográfica como fonte de estudo, valendo-se de
livros, sites eletrônicos, estudos e artigos científicos no período de abril a julho
de 2011 tendo como palavra- chave doença de Chagas e enfocando conceitos,
aspectos fisiopatológicos e epidemiológicos, o diagnóstico laboratorial e o
controle da doença.
24
4 DISCUSSÃO
4.1 DIAGNÓSTICO LABORATORIAL
Devido à inespecificidade e diversidade das manifestações clínicas, os
métodos de laboratório devem ser utilizados sempre que se queira confirmar ou
afastar o diagnóstico de tripanossomíase (REY, 2008)
No período agudo, em vista da parasitemia ser geralmente alta,
recomenda-se o exame parasitoscópico do sangue, mas também a punção
biópsia de linfonodo (REY, 2008)
Na fase crônica, os métodos parasitológicos não revelam mais que
metade dos casos positivos. Mas, havendo em geral títulos altos de anticorpos
específicos no soro, são mais indicados a imunofluorescência indireta (IFI), a
hemaglutinação indireta (HAI) e a reação imunoenzimática (ELISA) (REY,
2008).
4.1.1 Diagnóstico parasitológico
Do ponto de vista da parasitologia, existem algumas técnicas largamente
utilizadas no exame de sangue e de tecidos com o intuito de detectar a
presença de parasitas. Estas técnicas descritas na literatura apresentam
valores de sensibilidade e especificidades variáveis no que tange à detecção
de formas parasitárias em diferentes tecidos, podendo ser a detecção realizada
de maneira direta ou indireta. A seguir são descritos alguns métodos e
soluções utilizados na rotina dos laboratórios com o objetivo de detectar
parasitas no sangue ou tecidos (UFSC, 2008).
Dentre as diversas técnicas, a mais simples é a microscopia direta sobre
a gota fresca de sangue. Para realização desta técnica, uma pequena gota de
sangue obtida por punção da polpa digital ou de sangue venoso colhido com
anticoagulante é examinada entre a lâmina e a lamínula, com ocular 10 e
objetiva 40. O exame deve ser minucioso e abarcar toda a lamínula, sendo
positivo, quando se encontra o parasita (geralmente em movimentação
25
serpenteante entre as hemácias e leucócitos) com sua forma alongada, grande
cinetoplasto e flagelo muito móvel (ver figura 1 em anexo E). Entretanto, face
aos pequenos volumes de sangue examinados a cada vez, o método deve ser
repetido várias vezes ao dia ou mesmo em dias consecutivos para que o
parasita possa ser detectado. Desde os anos 1960, o diagnóstico
parasitológico direto da doença de Chagas aguda vem sendo aperfeiçoado
com procedimentos de enriquecimento, sendo as mais empregadas, as
técnicas de microhematócrito e de Strout. Estes testes são chamados de testes
de concentração e apresentam 80 a 90% de positividade, são recomendados
como testes de escolha na fase aguda tardia (mais de 30 dias), devido à queda
na parasitemia e também no caso de forte suspeita de doença de Chagas
aguda e negatividade do teste direto a fresco. (UFSC, 2008).
O microhematócrito é uma técnica de concentração que tem como
finalidade aumentar a sensibilidade da pesquisa do T.cruzi. Após centrifugação,
em tubo capilar, o sangue apresenta-se em três fases: na parte inferior estarão
as hemácias; na interfase os leucócitos (creme leucocitário), plaquetas e
parasitas (se presentes); na parte superior, o plasma. Esta interfase pode ser
observada em microscópio, mas alternativamente, este tubo poderá ser cortado
ao nível da interfase, sendo observado o creme leucocitário assim obtido, entre
lâmina e lamínula. Este procedimento apresenta risco de contaminação para o
operador, que deverá extremar as medidas de biossegurança. Esta técnica
deve ser considerada de escolha para diagnosticar a infecção congênita, em
vista da escassez de flagelados no sangue durante o período perinatal (MAIA,
et al, 2009).
Dentre os métodos de concentração, o de Strout é o que apresenta os
melhores resultados, alcançando uma média de 96,2% de positividade nos
casos agudos. O método é realizado através da coleta de 5 a 10ml de sangue.
Após a retração do coágulo o soro coletado é centrifugado e em seguida o
sobrenadante também é centrifugado em alta rotação. Uma gota desse
sedimento é analisada entre lâmina e lamínula ao microscópio para a
observação de tripomastigotas (MAIA, et al, 2009).
Também se pode usar a técnica de gota de sangue espessa corada, em
que o esfregaço delgado e a gota espessa devem ser preparados pelo método
de Giemsa ou Leishman. O exame do material corado permite, além da
26
detecção, a diferenciação morfológica entre formas tripomastigotas sanguíneas
de diferentes parasitas. Porém, essa técnica é bem menos sensível que o
exame a fresco, pois requer elevada parasitemia para evidenciação do
parasita. No entanto, a utilização de diferentes métodos parasitológicos
isolados ou combinados, pode levar à detecção rápida e precoce da infecção.
A propósito, não muito raramente, tem ocorrido o diagnóstico ocasional de
doença de Chagas aguda pelo achado do parasita em esfregaços corados para
contagem diferencial de leucócitos e em hemogramas de pacientes febris
(UFSC, 2008).
Os métodos convencionais indiretos para a identificação do T. cruzi,
xenodiagnóstico e hemocultura, assim como o método direto da gota fresca
também apresentam alta sensibilidade na fase aguda e nas reativações, porém
são mais indicados quando os exames diretos tenham sido negativos. Esses
métodos indiretos consistem no enriquecimento da amostra de sangue,
possibilitando a multiplicação do parasita existente; são exames com 100% de
especificidade (SANTOS, 2005).
A técnica do xenodiagnóstico consiste em verificar se barbeiros puros e
isentos de qualquer infecção por flagelados, provenientes de criação de
laboratório, infectam-se após haverem sugado sangue de um suposto portador
da doença de Chagas (PORTELA-LINDOSO, 2003). Para a realização do
xenodiagnóstico, alimenta-se cerca de 20 a 40 ninfas de triatomíneos com
amostras senguíneas procedentes de pacientes sob suspeita. Se o T. cruzi
estiver presente, irá multiplicar-se no tubo digestório do inseto. Após 30 e 60
dias do repasto sanguíneo, examina-se, por microscopia, amostras de fezes e
do conteúdo abdominal total dos triatomíneos, respectivamente. A observação
microscópica dos parasitas flagelados tem sido o método tradicional para
avaliar a infecção em vetores (BRAZ, 2006).
Para a positividade desse exame deve-se levar em conta as diferentes
espécies dos barbeiros e a repetição do exame. O emprego rotineiro dessa
técnica fica restrito devido sua sensibilidade e limitações inerentes à técnica
tais como: tempo pronlogado para o resultado final de até 90 dias, necessidade
de criação de triatomíneos em laboratório, perdas dos insetos durante o
período de teste e rejeição do paciente à aplicação repetida do exame
(PORTELA-LINDOSO, 2003).
27
O xenodiagnóstico é uma técnica perfeitamente aplicável para a
pesquisa de campo e/ou isolamento de amostras de T. cruzi de pacientes e/ou
animais. Entretanto, sua utilização em pacientes pode ocasionar com certa
frequência reações alérgicas decorrentes da saliva dos triatomíneos levando à
rejeição do exame pelo paciente (UFSC, 2008). Porém o emprego da técnica
“in vitro” ou artificial traz melhoria da condição psicológica e maior adesão dos
pacientes aos protocolos experimentais. Então, mesmo existindo várias
técnicas disponíveis para o diagnóstico da doença de Chagas, o
xenodiagnóstico continua sendo útil, especialmente em ensaios clínicos, na
seleção e acompanhamento de pacientes e verificação da eficácia de fármacos
tripanossomicidas (FRANCO, 2002).
A técnica de hemocultura consiste em coletar cerca de 10 ml de sangue
venoso do paciente com anticoagulante e semear alíquotas de cerca de 1 a 2
ml de sangue total em tubos contendo 5ml de meio LIT (Liver Infusion
Tryptose). As culturas são mantidas a 28 ºC e examinadas em intervalos de 15
dias até um total de 4 meses. A associação da hemocultura ao
xenodiagnóstico, empregados repetidas vezes, elevam a sensibilidade dessas
técnicas, melhorando a positividade dos métodos (UFSC, 2008).
Na fase crônica da doença o diagnóstico parasitológico torna-se
comprometido em virtude da ausência de parasitemia e alto nível de
anticorpos. Somente em pacientes imunodeprimidos ou no controle pós-
terapêutico os métodos parasitológicos indiretos são mais utilizados, já que as
provas sorológicas são inconclusivas (PORTELA-LINDOSO, 2003).
4.1.2 Diagnóstico sorológico
A presença de anticorpos anti-trypanossoma cruzi da classe IgM no
sangue periférico é considerada indicativa da fase aguda, particularmente
quando associada a alterações clínicas e epidemiológicas sugestivas
(SANTOS, 2005).
Considerando a dificuldade de se realizar sorologia em pacientes na
fase aguda, por falta de Kits comerciais registrados na ANVISA (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária) e carência de controles positivos, recomenda-
se que a pesquisa de IgM anti-T. cruzi seja realizada apenas em laboratórios
28
de referência como a Fundação Ezequiel Dias – FUNED, em Minas Gerais, que
é o laboratório de referência nacional para doença de Chagas (SANTOS,
2005).
O diagnóstico da fase crônica tem como base os exames sorológicos,
devido à alta quantidade de anticorpos que existem nesta fase. De acordo com
o Ministério da Saúde, considera-se infectado o indivíduo que tenha anticorpos
anti-T. cruzi da classe IgG, característicos da fase crônica, detectados por pelo
menos dois testes sorológicos de princípios metodológicos distintos ou com
diferentes preparações antigênicas. Ou deve utilizar um teste de elevada
sensibilidade em conjunto com outro de alta especificidade. Os mais
recomendados são o ELISA (Enzyme Linked Immuno Sorbent Assay), HAI
(Hemaglutinação Indireta) e o RIFI (Reação de Imunofluorescência Indireta)
(SANTOS, 2005).
O ensaio imunoenzimático (ELISA) é a metodologia de escolha para a
triagem sorológica de doadores de sangue. Este teste se baseia na interação
antígeno – anticorpo revelada por um cromógeno ativado pela reação
específica entre enzima e substrato. Nesta técnica antígenos do T. cruzi são
adsorvidos em poços de placas de microtitulação, o soro diluído (amostra) é
adicionado posteriormente e a placa é incubada. Os anticorpos presentes na
amostra se ligarão aos antígenos da placa e serão revelados pela adição de
anticorpos anti-imunoglobulinas conjugados a uma enzima que em contato com
seu substrato doa elétrons fazendo o cromógeno adicionado mudar de cor. O
método possui uma sensibilidade de 97,7 a 100% e especificidade de 93,3 a
100%. Além disso, possui característica de, ser de fácil realização e necessitar
de pequena quantidade de amostra. Sua leitura é feita através de
espectrofotometria, onde a intensidade da coloração é proporcional a
quantidade de anticorpos específicos presentes na amostra. A possibilidade de
automação é uma das suas maiores vantagens técnicas, pois, desta forma, é
possível testar várias amostras ao mesmo tempo (ver figura 2 em anexo E)
(MAIA, et al, 2009 ).
Para o diagnóstico de casos individuais (não doadores), a reação de
imunofluorescência indireta (RIFI) é o método de escolha para o diagnóstico da
infecção pelo T. cruzi, sobretudo quando os títulos são elevados (> ou = 1/80).
Títulos inferiores a 1/40 podem indicar reação cruzada com outros
29
tripanossomatídeos. Este método possui alta sensibilidade, porém apresenta
reações cruzadas com outras doenças, sobretudo com as leishimanioses. Este
teste é baseado na interação das formas epimastigotas de T. cruzi com
anticorpos específicos anti-T. cruzi. As formas epimastigotas de T. cruzi são
fixadas numa lâmina de vidro, em seguida é adicionada a amostra diluída que,
podem ou não, conter antígenos específicos. Estes quando presente, se ligam
ao anticorpo específico para T. cruzi. Em seguida, adiciona-se o conjugado
composto de anti-imunoglobulina humana ligada ao isoticionato de fluoresceína
que servirá como revelador da reação antígeno-anticorpo. Esta reação é
evidenciada pela fluorescência do parasita observada por um microscópio para
detecção de fluorescência. Este teste, por apresentar grande número de
etapas, apresenta também grandes possibilidades de erros técnicos. Além
disso, a leitura é subjetiva sendo imprescindível o microscópio de fluorescência
para sua realização (ver figura 3 em anexo E) (MAIA, et al, 2009).
A hemaglutinação indireta (HAI) deve ser usada apenas como um
segundo teste de triagem. Esta técnica baseia-se na aglutinação de hemácias
de mamíferos ou aves previamente sensibilizadas com antígenos anti-T. cruzi
em presença de soro contendo anticorpos específicos. Feito em placas
plásticas de microtitulação. Se a amostra for positiva, os anticorpos anti-T. cruzi
ligam-se às hemácias formando uma rede homogênea em forma de tapete
ocupando uma área maior que 50% do fundo da placa. Se o resultado for
negativo, as hemácias se acumulam em forma de botão. Qualquer padrão
diferente desses citados é dito que a amostra é indeterminada. O método é
bastante difundido devido a sua facilidade de execução, rapidez de leitura e de
não necessidade de equipamentos adicionais. No entanto, a utilização do 2-
mercaptol-etanol (2ME) em amostras reagentes para eliminar anticorpos
inespecíficos de classe IgM que podem induzir resultados falso-positivos é uma
desvantagem da técnica, devido à sua toxicidade. Além disso, a HAI tem
demonstrado baixa sensibilidade quando comparado ao ELISA e ao RIFI (ver
figura 4 em anexo E) (MAIA, et al, 2009 ).
Todos estes testes empregam extratos antigênicos brutos e estão
disponíveis em kits padronizados. Quando três ou mais são empregados, a
sensibilidade aproxima a 100%, entretanto a especificidade tende a cair. As
principais desvantagens provenientes destes métodos são as reações falso-
30
positivas que ocorrem, em virtude de determinantes antigênicos comuns entre
T. cruzi e outros parasitas; resultados inconclusivos, principalmente em bancos
de sangue, levando ao descarte desnecessário de bolsas de sangue. Além
disso, alguns empecilhos operacionais também podem estar envolvidos
durante a realização da técnica, levando à necessidade de ajuste técnico e/ou
modificações nas preparações antigênicas (MAIA, et al, 2009).
Para a confirmação dos testes inconclusivos, o TESA-blot ou Western-
blot (WB) é a técnica de escolha, já que a reação em cadeia da polimerase
necessita de protocolos padronizados (ver figura 8 em anexo 1). O TESA-blot é
um tipo de eletroforese bidimensional que utiliza antígenos excretório-
secretório de tripomastigotas de T.cruzi da cepa Y transferidos à membrana de
nitrocelulose, onde anticorpos da amostra podem ligar-se e serem revelados
pela adição de anticorpos anti-IgG conjugados a enzima. O TESA-blot foi
definido como um método sensível nos casos de doença de Chagas aguda e
congênita apresentando 100% de sensibilidade e 96% de especificidade
(MAIA, et al, 2009).
4.1.3 Diagnóstico molecular
Na reação em cadeia da polimerase (PCR), ocorre amplificação de
fragmentos do DNA genômico do parasita ou do DNA de minicírculos do
cinetoplasto do parasita. Este procedimento pode ser aplicado em amostras de
sangue e fezes de triatomíneos ou em outros materiais biológicos, com elevada
sensibilidade, permitindo detectar o equivalente a um parasita ou frações do
mesmo, com ausência de reações cruzadas (BRAZ, 2006).
A partir do material obtido do paciente é feita uma extração do DNA.
Este DNA é submetido então a PCR utilizando iniciadores (primers)
complementares à sequencia de interesse no KDNA alvo na presença da
enzima Taq DNA polimerase e desoxirribonucleotídeos fosfatados (dNTPs). A
amplificação do seguimento de DNA ocorre em um aparelho termociclador. As
cópias de DNA aumentam exponencialmente a cada ciclo da reação e podem
posteriormente ser visualizadas em eletroforese em gel poliacrilamida
31
(revelados por coloração com Nitrato de Prata) ou em gel agarose, corados
pelo Brometo de Etídio e visualizados em luz ultravioleta (NEVES, et al, 2007).
A alta especificidade da PCR indica que ela pode ser usada como
método de confirmação nos casos de diagnóstico sorológico inconclusivo,
assim como no controle pós-terapêutico da doença de Chagas, quando
comparada às técnicas sorológicas e parasitológicas (BRAZ, 2006).
Mais recentemente, a PCR sofreu um extraordinário avanço, com o
desenvolvimento de métodos quantitativos automatizados, baseados em
sondas fluorescentes e de aparelhagens capazes de monitorar em tempo real a
reação de amplificação. O sistema TaqMan de PCR em tempo real fornece
dados quantitativos precisos sem necessidade de análise bioquímica posterior
dos produtos amplificados, evitando desta forma os riscos de contaminação
laboratorial pelos amplicons, um dos problemas inerentes à tecnologia de PCR.
Os fundamentos apresentados levam à hipótese de que ensaios moleculares
de PCR em tempo real são úteis na demonstração dos níveis absolutos de T.
cruzi circulantes em indivíduos infectados, permitindo descrever uma possível
associação entre a carga parasitária e formas clínicas da doença de Chagas.
Além disso, ensaios de PCR em tempo real são mais vantajosos em relação ao
PCR convencional, no que tange a: maior rapidez na obtenção dos resultados
(eliminação da etapa de detecção dos produtos pós-PCR); eliminação da
possibilidade de resultados falso-positivos decorrentes de contaminação com
produtos previamente amplificados (elimina a manipulação de amplicons);
possibilidade de análise de um grande número de amostras em um único
ensaio; possibilidade de detecção não apenas do patógeno, mas também a sua
quantificação absoluta (MAIA, et al, 2009).
4.1.4 Exames laboratoriais auxiliares
Não constituem rotina na prática corrente, mas exames histopatológicos
podem ser úteis em algumas circunstâncias, inclusive como achados
ocasionais de prospecção de casos clínicos de etiologia obscura. Trata-se da
detecção do T. cruzi em biópsias geralmente praticadas em lesões
dermatológicas em esclarecimento, ou em linfonodos infartados de pacientes
febris. Quando positivas, correspondem ao achado de formas amastigotas do
32
parasita no interior de células do sistema macrofágico mononuclear,
geralmente ocorrendo infiltrado linfo-monocitário. No passado, alguns autores
recomendavam biópsias musculares (panturrilha) em casos suspeitos de
doença de Chagas aguda, prática invasiva hoje totalmente abandonada, por
sua complexidade e baixa sensibilidade. Já em necropsias esclarecedoras, nos
casos de doença de Chagas aguda, na maioria das vezes se detecta o parasita
e os infiltrados característicos ao nível do miocárdio, também eventualmente do
sistema nervoso central (quando ocorre meningoencefalite). Também podem
detectar-se sinais ativos de comprometimento do sistema nervoso autônomo,
principalmente ao nível do miocárdio e plexos intramurais do tubo digestivo,
com destruição neuronal, ganglionite e peri-ganglionite. Resta mencionar que
em casos de reativação da doença de Chagas em indivíduos
imunossuprimidos, soe ser frequente o achado de grandes quantidades do
parasita em lesões dermatológicas, no miocárdio e no sistema nervoso central
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).
Através do hemograma, observa-se leucocitose e linfocitose, com
linfócitos atípicos e eosinofilia discreta ao final da doença, o que pode
diferenciar da febre tifóide, mononucleose infecciosa e linfomas. Pode observar
também neutropenia, plasmocitose, aumento da velocidade de
hemossedimentação (VHS), anemia discreta ou série vermelha normal
(VRANJAC, 2005).
A proteína total é diminuída, com elevação da alfa-2 globulina e
gamaglobulina, o que diferencia da leishimaniose visceral aguda. O nível de
mucoproteínas é normal, e o fator anti-núcleo é ausente, diferenciando das
colagenopatias e doenças reumáticas. Os valores das enzimas transaminase e
creatina fosfoquinase (CPK) são normais ou discretamente elevados,
diferenciando de exantemas com compromisso hepático (VRANJAC, 2005).
No exame de urina observa-se albuminúria discreta e bilirrubina ausente,
que ajuda no diferencial de afecções renais e doenças hepáticas,
respectivamente (VRANJAC, 2005).
Na análise de líquor, observa-se líquor claro, com células normais ou
levemente aumentadas, podendo conter os parasitas (ver figura 6 em anexo E)
(VRANJAC, 2005).
33
A pesquisa de anticorpos heterófilos é positiva, diferenciando da
mononucleose (VRANJAC, 2005).
A pesquisa de antígeno na urina tem sido proposta como outro exame
parasitológico na fase crônica, embora não seja um exame realizado na prática
diária (FOCACCIA, 2010).
A técnica de lise de tripomastigotas mediada por complemento procura a
presença no soro dos pacientes de anticorpos líticos. A mesma foi utilizada no
passado, sendo substituída pela citometria de fluxo em casos de seguimento
de pacientes tratados, porém não é utilizada na rotina (FOCACCIA, 2010).
Como sumário geral do tema do diagnóstico, considerando-se os
conhecimentos atuais e a disponibilidade habitual de nossos sistemas de
saúde, os procedimentos mais indicados seriam bastante simples e de máxima
racionalidade, aptos a serem realizados na rede básica de saúde e em
pequenos municípios. Neste sentido, o ponto de partida será o médico
atendente, apoiado em laboratório básico que conte com microscópio
bacteriológico de luz, sendo excelente que se possa ainda subsidiar o exame
com microhematócrito, hemograma e eletrocardiograma. Evidentemente, na
ausência de mínimos recursos, pacientes com quadros clinicamente sugestivos
devem ser trasladados tão logo possível para municípios ou unidades de saúde
mais capacitados e equipados (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).
O esquema prático do procedimento diagnóstico frente a um caso
suspeito de doença de Chagas em serviços de rede básica de saúde é pensar
em doença de Chagas aguda frente a situações clínicas e epidemiológicas
sugestivas, tais como febre prolongada de etiologia obscura, sinais de porta de
entrada (Romaña e outros), sinais de comprometimento miocárdico, recém
nascido febril com hepatoesplenomegalia (filho de mãe chagásica),
antecedente de vivenda infestada por triatomíneos e/ou transfusão de sangue
recente, etc; realizar exame a fresco imediato, repetindo três a quatro vezes ao
dia durante alguns dias face a resultados anteriores negativos; procurar
enriquecer a pesquisa direta realizando concomitantemente a técnica de
microhematócrito; se não se dispuser de microscopia no local, pode-se colher
gota espessa para exame em município vizinho, num esquema similar ao do
exame a fresco; colher sangue venoso (ou capilar, em papel de filtro) para
realizar imediatamente a pesquisa usual de anticorpos da classe IgG por
34
técnicas convencionais como imunofluorescência (RIFI), hemaglutinação (HAi)
e ELISA, repetindo este exame três semanas após: uma “viragem” do resultado
indicará doença aguda. Se o primeiro exame for positivo, pode tratar-se de um
momento tardio de fase aguda ou de um paciente já com doença de Chagas
crônica, uma dúvida que eventualmente pode ser dirimida através da clínica, da
epidemiologia e de outros exames de laboratório (especialmente
parasitológicos diretos); se possível, tentar pesquisa de anticorpo anti T. cruzi
da classe IgM. Se positivo, o resultado será bastante sugestivo de doença de
Chagas aguda, especialmente quando a clínica e a epidemiologia forem
compatíveis; sempre subsidiar o estudo do caso com eletrocardiograma e
hemograma completo, idealmente semanais; realizar outros exames
específicos para afastar outras etiologias face a doenças agudas com febre
prolongada (diagnóstico diferencial) (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2004).
4.1.5 Recomendações do Consenso Brasileiro para Doença de Chagas
I) O diagnóstico na fase crônica é essencialmente sorológico, devendo
sempre utilizar pelo menos um teste de elevada sensibilidade (ELISA
com antígeno total ou RIFI);
II) Sugere-se não utilizar métodos rápidos para diagnóstico da infecção
chagásica crônica;
III) Não se recomenda a utilização de reações em elautos de sangue
coletado em papel para fins diagnósticos, podendo-se utilizar este
material em triagens de inquéritos epidemiológicos;
IV) A reação de Guerreiro & Machado ou fixação de complemento para
doença de Chagas, já em desuso, deve ser abandonada;
V) Os métodos parasitológicos indiretos (xenodiagnóstico e
hemocultura) apresentam baixa sensibilidade para diagnosticar a
fase crônica;
VI) Um exame negativo não afasta a possibilidade da infecção, mas um
positivo tem valor diagnóstico absoluto;
VII) Para diagnosticar a infecção congênita deve primeiro confirmar a
infecção materna;
35
VIII) Realizar o exame parasitológico (pesquisa direta de T. cruzi) do
recém-nascido. Se for positivo, a criança deve ser submetida ao
tratamento etiológico imediatamente;
IX) Os filhos de mães chagásicas com exame parasitológico negativo
devem realizar testes sorológicos para pesquisa de anticorpos anti-T.
cruzi da classe IgG entre seis e nove meses. Se a sorologia for
negativa, descarta-se a transmissão vertical. Os casos positivos
devem ser tratados, considerando-se a alta taxa de cura nesta fase;
X) Face ao elevado número de falso-negativos em transmissão
congênita, não se recomenda a pesquisa de anticorpos anti-T. cruzi
das classes IgM e IgA (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005).
4.2 TRATAMENTO
Para efeitos práticos, o tratamento desta doença pressupõe uma
terapêutica específica (contra o parasita, visando eliminá-lo) e uma sintomática
(para atenuação dos sintomas) (DIAS, 1999).
Quase uma centena de drogas já foram testadas contra o Trypanosoma
cruzi em infecções experimentais de animais de laboratório. Poucas foram
testadas no homem, com resultados de baixa eficácia. No final da década de
1960, surgiram, respectivamente, o nifurtimox e o benzonidazol, as primeiras
drogas efetivas para o tratamento da fase aguda e recente da infecção
chagásica humana, mas com índices de cura muito baixos na fase crônica da
doença. O seu emprego, em esquemas de duração prolongada (30 a 60 dias),
causa importantes efeitos colaterais indesejáveis (COURA, 2003).
Assim sendo, o tratamento sintomático, aquele que não elimina o
parasita, mas diminui a sintomatologia é o mais benéfico, por isso o mais
utilizado. Vale ressaltar que o início precoce e um tratamento bem conduzido
beneficiam significativamente o prognóstico de grandes parcelas de pacientes,
que podem não só aumentar sua sobrevivência como ter uma melhor qualidade
de vida, desenvolvendo suas atividades habituais desde que não redundem em
grandes esforços físicos. As drogas utilizadas são as mesmas que se usam em
outras cardiopatias: cardiotônicos, diuréticos, antiarrítmicos, vasodilatadores,
etc. Em alguns casos, indica-se a implantação de marcapasso, com resultados
36
bastante satisfatórios, na prevenção da morte súbita. Na forma digestiva,
dependendo do estágio em que a doença é diagnosticada, indica-se medidas
mais conservadoras (uso de dietas, laxativos ou lavagens). Em estágios mais
avançados, impõe-se a dilatação ou correção cirúrgica do órgão afetado
(FUNASA, 2002).
Outro fármaco testado recentemente foi o halopurinol, que apresenta
alguma ação contra o T. cruzi in vitro, não se mostrando eficaz em vários
experimentos na doença de Chagas aguda ou crônica. Uma nova perspectiva
que se abre vem de antifúngicos de última geração, capazes de inibir a síntese
de esteróis pelo parasita, como o Posaconazole, de muito bom efeito contra o
T. cruzi em trabalhos experimentais, que proximamente deverá entrar em
pesquisa entre humanos (FOCACCIA, 2010).
Na fase aguda, em situações de maior gravidade em que a miocardite é
extrema, um recurso heróico e excepcional é associar corticoesteroidoterapia
com o tratamento específico, com isto diminuindo o componente inflamatório do
quadro (FOCACCIA, 2010).
As indicações do tratamento específico da doença de Chagas foram
estabelecidas pelos pesquisadores brasileiros em 1985 (II Reunião de
Pesquisa Aplicada, Araxá, MG), podendo ser assim resumidas: 1) em todos os
casos agudos e congênitos; 2) como quimioprofilaxia em casos de acidentes
com T. cruzi e em transplantes com doador infectado e receptor suscetível; 3)
em pacientes com infecção recente e crônicos de baixa idade (menores de 15
anos); 4) em pacientes na forma crônica indeterminada, em caráter
experimental; 5) em pacientes com formas clínicas benignas e iniciais, em
caráter experimental (FOCACCIA, 2010).
Já como critério de cura da doença de Chagas, o que se admite é que
tenha que ocorrer a erradicação completa do parasitismo, traduzida na
negativação total e permanente das provas parasitológicas (xenodiagnóstico e
hemocultura) e imunológicas (sorologia convencional e testes especiais, como
a dosagem de anticorpos líticos). O critério clínico é secundário, funcionando
como suporte apenas na fase aguda (FOCACCIA, 2010).
Nas últimas décadas, o transplante de órgãos, tem-se apresentado
como opção terapêutica para portadores da doença cardíaca em fase
avançada. Este procedimento encontra-se disponível há pelo menos 30 anos,
37
mas a indicação mais frequente do procedimento só ocorreu após o advento de
avanços que contribuíram para a viabilidade clínica do mesmo. Dentre esses
fatores pode-se citar o uso da ciclosporina como terapia imunussupressora, e o
aperfeiçoamento da técnica de biópsia transvenosa de endomiocárdio, que
permitiu tanto a detecção quanto o tratamento precoce de crises de rejeição do
órgão transplantado (BRAZ, 2006).
38
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A doença de Chagas ainda representa importante problema médico e
social nos países afetados. Em alguns deles, a extensão da doença segue
desconhecida e programas de controle não foram implantados, mas, em
outros, a endemia foi efetivamente minimizada mercê de controle e mudanças
sociais e econômicas. Nesses casos, uma vigilância epidemiológica
participativa e permanente sobre as formas de transmissão constitui, hoje, o
horizonte operacional. Isso requer pesquisa aplicada e profundas
reformulações no sistema de saúde, objetivando uma vigilância duradoura,
eficiente e auto-sustentável, capaz de controlar, em especial, os triatomíneos
em baixa densidade e presentes no espaço peridomiciliar. Por outro lado,
remanesce uma população significativa de já infectados, a requerer atenção
médica e previdenciária, tudo isto geralmente localizado em regiões e/ou
populações mais pobres. Face ao desmonte progressivo de instituições
federais como a Fundação Nacional de Saúde, no Brasil, em nome do
processo de descentralização, instituições locais e regionais, bem como a
comunidade, precisam assumir essa vigilância de maneira compartida e eficaz,
o que pressupõe maturidade social e política dos novos atores envolvidos.
No Brasil, com a progressiva melhora do Sistema Único de Saúde,
houve avanços consistentes em relação à atenção aos pacientes chagásicos.
Tanto no que se refere ao tratamento dos cardiopatas, quando indicado, quanto
às intervenções cirúrgicas e colocação de marca-passo em cardíacos, os
resultados trouxeram maior conforto às pessoas portadoras das formas clínicas
graves da doença. Torna-se claro que um conjunto de ações profiláticas
governamentais, divulgadas pelo Ministério da Saúde, associadas à elevação
de padrões sociais da população, pode controlar a transmissão da doença a
médio e longo prazo. Mas resta muito a ser feito, sobretudo em relação a
populações vivendo distantes de qualquer atenção à saúde ou possibilidade de
tratamento e acompanhamento de seus problemas e dificuldades. Ainda há um
contingente significativo de pessoas infectadas por T. cruzi, assintomáticos ou
oligossintomáticos, cujas manifestações clínicas poderão surgir no futuro em
uma fração desse grupo. Deve-se ressaltar que seu diagnóstico precoce é
importante, pois há medicamentos eficazes para tratamento dos sintomas.
39
Por fim, é importante destacar que a vigilância epidemiológica em
doença de Chagas é viável e necessária, mas ainda não está terminada em
sua formulação. As principais perspectivas residem hoje na inserção dessa
vigilância nos sistemas locais e regionais de saúde, amparada por efetiva
participação comunitária. Os maiores problemas residem especialmente na sua
continuidade, desde que, com o tempo e a esperada redução dos índices de
transmissão, diminuem o interesse e a prioridade. Por outro lado, a
implantação e o bom funcionamento dos sistemas de saúde em áreas
deprimidas são complexos e a população tende a ficar desamparada com o
desmonte das tradicionais estruturas mais centralizadas que se encarregavam
do controle da doença de Chagas. O impasse está criado, prevendo-se
recrudescência do triatomismo domiciliar e da incidência da doença nas áreas
mais pobres e menos organizadas. Por tudo isso, cabem ainda várias
investigações, ao lado de um esforço adicional pela reorganização da vigilância
possível, em cada país afetado.
40
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44
ANEXOS
ANEXO A
Figura 1 – Representação esquemática de um tripanosomo, supondo que a
metade superior de sua região posterior tivesse sido removida para mostrar as
estruturas de suas várias organelas.
Fonte: REY, 2008
45
Figura 2 – Triatoma infestans, Panstrongylus megistus, Triatoma sordida,
respectivamente.
Fonte: SUCEN, 2009
46
ANEXO B
Representação esquemática dos três ciclos epidemiológicos que asseguram a
circulação do Trypanosoma cruzi nos ecossistemas silvestres, paradomésticos
e domésticos, apontando suas relações de origem e suas possíveis influências
no desenvolvimento da endemia chagásica.
Fonte: REY, 2008.
47
ANEXO C
Figura 1 – Paciente com chagoma de inoculação (sinal de Romaña), onde o
edema bipalpebral e unilateral comunica à fácies chagásica um aspecto
característico.
Fonte: REY, 2008
48
ANEXO D
Esquema geral e a história natural da doença de Chagas humana.
Fonte: FOCACCIA, 2010.
49
ANEXO E
Figura 1 – Forma tripomastigota em sangue periférico.
Fonte: FOCACCIA, 2010.
A
B
Figura 2 - A) Esquema da reação de ELISA. B) Resultados do ELISA.
Fonte: MAIA, et al, 2009.
50
A
B
Figura 3 - A) Reação do teste RIFI. B) Formas epimastigotas evidenciadas pela
RIFI.
Fonte: MAIA, et al, 2009.
51
A
B
Figura 4 - A) Reação de Hemaglutinação Indireta (HAI). B) Resultados
visualizados pelo HAI.
Fonte: MAIA, et al, 2009.
52
Figura 5 - Fluxograma para a realização de testes laboratoriais para doença de
Chagas na fase crônica.
Figura 6 - Forma tripomastigota de T. cruzi (próxima a linfócito) em líquor.
Coloração de Leishman (1000X)
Fonte: OLIVEIRA, et al, 2010.