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FORMAÇÃO DE PROFESSORES E CONSTRUÇÃO DE SUBJETIVIDADES: O ESPAÇO ESCOLAR E O TORNAR-SE EDUCADOR

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES ECONSTRUÇÃO DE

SUBJETIVIDADES: O ESPAÇOESCOLAR E O TORNAR-SE

EDUCADOR

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORAFACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Juiz de Fora2006

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E CONSTRUÇÃO DE SUBJETIVIDADES:O ESPAÇO ESCOLAR E O TORNAR-SE EDUCADOR

Érica Aparecida de Sá

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ÉRICA APARECIDA DE SÁ

FORMAÇÃO DE PROFESSORES E CONSTRUÇÃO DESUBJETIVIDADES: O ESPAÇO ESCOLAR E O TORNAR-SE EDUCADOR

Juiz de Fora2006

Dissertação apresentada ao Programa dePós-Graduação em Educação daUniversidade Federal de Juiz de Fora, comorequisito para obtenção do grau de Mestre emEducação.Orientadora: Profa Dra Sônia Maria Clareto.

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Folha de Exame

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DEDICATÓRIA

Para Edna e Anadir,

“Por ser inexato,O amor não cabe em si.Por ser encantado,O amor revela-se.Por ser amorMe invade e fim”

Djavan.

Para Soninha,

“Verdadeiros mestres foram aqueles que nos marcaram por meio de suaradical novidade na maneira de pensar, que foram capazes de tocar, ao mesmo

tempo, nossas dificuldades e nosso entusiasmo”Deleuze.

Para Diretora, Professores, Funcionários e Alunos da escola Experimentar – porterem me ensinado que,

“Eles [nós] não sabem [não sabemos] nem sonham [nem sonhamos]Que o sonho comanda a vida.Que sempre que um homem sonhaO mundo pula e avançaComo bola coloridaEntre as mãos de uma criança” António Gedeão.

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AGRADECIMENTOS

Ao sentimento que não se traduz em palavras... A esta força estranha que

sinto e, por agora, chamo de DEUS.

À mamãe Edna Maria de Sá e ao papai Anadir Ferreira de Sá. Mãe,

admiro sua força, sua coragem, sua inteligência. É tão prazeroso e menos árduo viver

quando nos sabemos amados incondicionalmente. Eu também te amo assim, amor de

minha vida. Pai, aprendi com você – ainda na infância – a lutar pelo que acredito. Queria

lhe dizer que tenho profundo respeito por sua trajetória de operário e sindicalista. Amo-

te.

À Soninha, que me dá um nó na garganta de tamanha emoção em não

saber como agradecer a orientação do trabalho de pesquisa, a amizade sincera, o respeito

às minhas limitações e diversidades, o carinho e ternura no tratamento diário... Soninha,

o caso é o seguinte: eu gosto de ser gente para encontrar, conviver e aprender com

gente como você. Admiro-te como educadora, como pessoa. Obrigada por tudo!

À minha querida Cidinha que um dia, em 2005, quando estava voltando

para João Monlevade (MG) sem terminar um sonho, deixou de lado todos os seus afazeres

para me dizer/ensinar que não se desiste de um sonho, pois não existe apenas um

caminho, muitos são os caminhos, e que, talvez, apenas o caminho em que estava não

era o meu... Obrigada de coração.

Ao professor Jader Janer pela sua colaboração inestimável ao trabalho

de pesquisa desenvolvido (principalmente, por ter coordenado um grupo de estudos a

meu pedido) e, prioritariamente, pelo seu testemunho de competência, humildade e

generosidade com que o educador se faz no dia a dia.

À professora Léa pela sensibilidade e generosidade de compreender

momentos difíceis na caminhada do mestrado. Por ter orientado meu estágio-docência,

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por sempre me presentear com palavras de carinho, incentivo e respeito, em nossos

encontros nos corredores da Faculdade de Educação.

Ao professor Roberto Alves Monteiro por seu apoio e contribuição no

desenvolvimento da pesquisa, por nossas conversas sobre a vida e também pela

existência do Núcleo de Educação em Ciência, Matemática e Tecnologia/NEC/UFJF.

À professora Maria Helena e ao professor Tiago Adão Lara pelos “cafés

filosóficos”, pelos livros emprestados, indicados e/ou presenteados. Ao Tiago,

especialmente, pelo grupo de estudos que coordenou a meu pedido (que tanto me ajudou

na aventura de arriscar uma incursão necessária a um terreno até então desconhecido

por mim: a filosofia). À Maria Helena que, com gentileza e carinho (como de costume),

aceitou participar de minha banca. Enfim, pela oportunidade de conviver.

Ao meu irmão Vanderson, simplesmente, porque o amo.

À Fernandinha, uma pessoa admirável pela capacidade que possui de

ajudar ao outro, de ser amiga em todos os momentos (felizes e tristes) e, principalmente,

por me fazer compreender e vivenciar o texto de Vinícius de Moraes, intitulado “Precisa-

se de um Amigo”, que termina assim: “Para saber que a vida tem valor e que você tem

valor diante da vida”. Obrigada, Nanda, pela força sempre.

Ao querido Sebastião Marcos da Silva (Marquinhos) pela amizade sincera,

pelo socorro técnico repleto de carinho. Marquinhos, obrigada de coração pela sua

contribuição, principalmente, na fase de encerramento da pesquisa.

À “Escola Experimentar” em geral – diretora, professores, alunos, alunas

e funcionários – que me fizeram recordar palavras de um velho amigo: “Gosto de ser

gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é

um tempo de possibilidades e não de determinismo” (Paulo Freire).

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Ao Getúlio, secretário do Mestrado, e à Dona Rita, sua mãe. Com você,

querido Getúlio, aprendi como é bom ser bem tratada nas solicitações diárias que lhe

fazia e, também, admirar seu destemor, sua força frente às intempéries da vida e, por

isso, descobrir um pouco o que é viver. À senhora, Dona Rita, agradeço os abraços

diários e calorosos em tempos de conflitos e inseguranças e, ainda, uma certa panqueca

que comi com gosto.

À professora e atual coordenadora do mestrado Diva Chaves Sarmento

por ter, em momentos difíceis, me escutado/auxiliado com respeito e paciência.

Ao Grupo de Estudos e Pesquisas “Espaço e Educação Escolar:

múltiplos olhares”, aos coordenadores e membros, pelas tardes de sextas-feiras que

testemunhavam a possibilidade do trabalho acadêmico ser prazeroso e, principalmente,

coerente na relação teoria e prática.

Ao Núcleo de Educação em Ciência, Matemática e Tecnologia/NEC/

FACED/UFJF, espaço de formação não apenas da pesquisadora, da professora, da

mestranda, mas da PESSOA Érica. A vivência cotidiana no NEC me fez refletir sobre a

importância da relação com o outro, respeitando suas diversidades. Registro minha

relação de afetividade com este núcleo de estudos e pesquisas, no qual trabalhei, estudei,

pesquisei e fiz com alegria amizades sinceras. Assim, estendo o agradecimento aos

integrantes do NEC, ao professor Vicente, à minha amiga Marina, ao meu amigo Martinelli

e, ainda, à querida Jussara.

À Fundação de Apoio a Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG), pelo apoio

financeiro.

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SUMÁRIO

A CONSTITUIÇÃO DE UMA PROPOSTA DE PESQUISA NO FLUXO DA VIDA ........19

ENTRE CAMINHOS: MEU CAMINHO ........................................................................27

Humano, Demasiado Humano ................................................................................27

Escola Experimentar ..............................................................................................39

O Encontro .............................................................................................................39

Apresentação Possível ...........................................................................................40

O Perceber-se em Crise.........................................................................................42

ESPAÇO/ESCOLA E ESPAÇO/CASA: TRANSFERÊNCIA DO COLETIVOESCOLAR PARA UM ESPAÇO ESCOLAR PROVISÓRIO ........................................47

ESPAÇO COLETIVO E PARTICIPATIVO ...................................................................57

Espaço Coletivo .....................................................................................................57

Espaço Participativo – A Escola que Construo Com... ............................................60

Alunos ....................................................................................................................60

Comunidade, Professores e Direção .....................................................................63

ORGANIZAÇÃO CURRICULAR ALTERNATIVA .........................................................72

Relações Étnico-Raciais ........................................................................................73

Diversidade ............................................................................................................75

Outras Possibilidades de Ensinar e Aprender.........................................................76

Materiais Auxiliares ................................................................................................79

DISCIPLINA ...............................................................................................................81

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PRÁTICA AVALIATIVA ..............................................................................................84

ESCOLA E COMUNIDADE .......................................................................................91

EVENTOS DA ESCOLA ............................................................................................97

Sete de Setembro ..................................................................................................97

Dia da Consciência Negra na Escola ...................................................................100

O ESPAÇO ESCOLAR COMO ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DESUBJETIVIDADES ..................................................................................................104

ESCOLA COMO ESPAÇO DA CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADEEDUCADOR............................................................................................................109

POR QUE CONCLUIR? PROPICIAR NOVOS INÍCIOS... .........................................125

REFERÊNCIAS .......................................................................................................130

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LISTA DE FOTOGRAFIAS

FOTO 1 – Escola Experimentar: entorno do prédio antigo .................................................................... 49

FOTO 2 – Escola Experimentar: fachada do prédio antigo ................................................................... 50

FOTO 3 – Escola Experimentar: visão frontal do prédio escolar provisório ............................................ 52

FOTO 4 – Escola Experimentar: visão posterior do prédio escolar provisório ........................................ 52

FOTO 5 – Sala de Aula: 2ª Etapa do 1º Ciclo ...................................................................................... 58

FOTO 6 – Blusa de Uniforme: inscrição e desenho .............................................................................. 62

FOTO 7 – Escola Experimentar: apresentação artística no Espaço Mascarenhas ............................... 77

FOTO 8 – Escola Experimentar: exposição artística no Espaço Mascarenhas .................................... 78

FOTO 9 – Escola Experimentar: exposição artística no Espaço Mascarenhas .................................... 78

FOTO 10 – Escola Experimentar: exposição artística no Espaço Mascarenhas ................................... 78

FOTO 11 – Escola Experimentar: exposição artística no Espaço Mascarenhas ................................... 79

FOTO 12 – Desfile de Sete de Setembro: alunos da escola Experimentar .......................................... 97

FOTO 13 – Desfile de Sete de Setembro: alunos de outro espaço escolar ........................................... 98

FOTO 14 – Desfile de Sete de Setembro: mãos dadas ........................................................................ 98

FOTO 15 – Desfile de Sete de Setembro ............................................................................................. 99

FOTOS 16, 17, 18 – Encenação do Auto do Boi Bumba ....................................................................101

FOTO 19 – Convite da Mostra Fotográfica ...........................................................................................102

FOTO 20 – Cantigas de Roda .............................................................................................................103

FOTO 21 – Sala de aula (1º andar) ...................................................................................................... 112

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LISTA DE DESENHOS

CROQUI 1 – Localização dos espaços escolares (antigo e provisório) ................................................. 48

CROQUI 2 – Desenho Espaço Escolar Antigo ..................................................................................... 51

CROQUI 3 – Desenho Prédio Escolar Antigo ...................................................................................... 51

CROQUI 4 – Desenho Espaço Escolar Provisório ............................................................................... 53

CROQUI 5 – Desenho Prédio Residencial Térreo ................................................................................ 54

CROQUI 6 – Desenho Prédio Residencial Andar Superior ................................................................... 55

DESENHO 1 – “Escola do Sonho”: Eleonora ...................................................................................... 66

DESENHO 2 – “Escola do Sonho”: Maria ............................................................................................ 67

DESENHO 3 – “Escola do Sonho”: Luis Henrique ............................................................................... 67

DESENHO 4 – “Escola do Sonho”: Júlia ............................................................................................. 68

DESENHO 5 – “Escola do Sonho”: Lívia ............................................................................................... 69

DESENHO 6 – “Escola do Sonho”: Ana .............................................................................................. 69

DESENHO 7 – “Escola do Sonho”: Ana .............................................................................................. 70

DESENHO 8 – “Escola do Sonho”: Ana .............................................................................................. 70

DESENHO 9 – “Escola do Sonho”: Ana ............................................................................................... 71

DESENHO 10 – Livro “O Homem Aranha” ............................................................................................ 88

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RESUMO

Nesta pesquisa investiguei a formação de professores através de suas vivências do eno espaço escolar. No entanto, busquei um direcionamento não usual em literaturaespecífica da área e que considero de grande relevância: a questão do espaço escolarcomo espaço de vivências, de inter-relações e de múltiplas possibilidades na formaçãodo professor. Para realizar tal empreendimento, recorri às idéias de Friedrich Nietzscheacerca de sua noção de “formação” ou, ainda, do “Tornar-se o que se é” nietzscheniano.As discussões se apóiam na compreensão de conhecimento como subjetivo,absolutamente parcial e inevitavelmente impregnado do sentir de quem “conhece” – noçãoessa também inspirada no pensamento filosófico de Nietzsche. A vivência desse processoinvestigativo possibilitou-me problematizar noções já estabelecidas de espaço escolare formação de professores, no sentido de compreendê-las como resultado provisório deum jogo de forças, portanto, abriu possibilidades para pensá-las numa perspectiva dedevir.

PALAVRAS-CHAVE:

Formação de Professores – Espaço Escolar – Subjetividade.

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ABSTRACT

In this research I studied teacher’s experience of school’s space, within this very space,aiming at understanding their professional education. Considering the existing field’sliterature I should highlight the unusual path adopted in this study since the school’s spacewas focused as housing the living experiences of teachers and their interrelationship andopening multiple possibilities for their formation. In order to do that I used Nietzche’sideas of ¨formation¨ and his concept on ¨becoming what one is¨. Also, inspired by aNietzschenian philosophy, the arguments around the subject of teacher’s formation in thisstudy are based upon theunderstanding of knowledge as being subjective, absolutely partialand inevitably pregnant of the knower’s feelings. The investigative process in this studyallowed me to question already established notions regarding school’s space and teacher’sformation. As a consequence those dimensions were understood as provisory results withina frame of interplaying forces thus opening a chance to think about school’s space andteacher’s formation as a permanent becoming.

Keywords

teacher’s formation – school’s space – subjectivity

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CENÁRIO INTERPRETATIVO

A “idéia” do filósofo alemão Friedrich Nietzsche acerca de “Como Alguém se Torna

Aquilo que é” constitui-se como a força, em um jogo de forças, que atravessa e

propõe uma determinada configuração ao texto dessa dissertação. No plano das

forças informes que nos atravessam e nos constituem, sublinhei três fluxos narrativos,

a partir dos quais, constitui a narrativa dissertativa que aqui apresento: 1. narrativa

pessoal, 2. narrativa da escola e 3. narrativa dos professores. Destaco, ainda, o co-

egendramento desses fluxos – são três fluxos que se interpenetram. A princípio

destaco: “Que Alguém se torne o que se é pressupõe que não suspeite sequer

remotamente o que é” (NIETZSCHE, 2004 [original 1888]).

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Narrativa Pessoal

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A CONSTITUIÇÃO DE UMA PROPOSTA DE PESQUISA NO FLUXO DA VIDA

Aquele que, no trato com homens, eventualmente nãopercorre as muitas cores da aflição, que não enrubesce eempalidece de nojo, fastio, compaixão, tristeza, isolamento,não é certamente um homem de gosto elevado; mas seele não assume voluntariamente todo esse fardo edesgosto, sempre se esquiva dele e permanece, como foidito, quieto e orgulhoso em seu castelo, uma coisa é certa:ele não foi feito, não está predestinado para oconhecimento.

NIETZSCHE

Do lugar em que estou, a partir das experiências que vivenciei, seleciono

episódios de minha trajetória de vida que me permitem compreender o processo de

constituição da proposta de investigação desta pesquisa. Compreendo assim, quero

registrar, que este empreendimento é antes um trabalho de construção do que o simples

relembrar o vivido. Nesta incursão em minha história de vida procuro responder ao seguinte

questionamento: como a problemática da formação e atuação de professores assumiu

uma certa centralidade na minha trajetória de formação profissional?

Pareceu-me apropriado começar o relato pelo curso de graduação em

Pedagogia, realizado na Universidade Federal de Viçosa, no período de 1998 a 2002.

Durante os quatro anos e meio em que realizei o curso de graduação, vivenciei uma

série de experiências que me propiciaram cada uma a seu tempo problematizar, a partir

de várias perspectivas, a temática da formação e atuação docente.

Enquanto aluna da graduação em Pedagogia, a questão da dicotomia entre

teoria e prática na formação de professores se fez presente. Recordo-me das inúmeras

conversas travadas com meus companheiros de turma (muitos já professores atuantes),

cujos discursos1 apontavam o “abismo” que visualizavam entre as teorias com as quais

1 Utilizo, ao longo da dissertação, o termo “discurso” num sentido específico: “A noção de discurso aqui usadanão é a da lingüística, na qual a preocupação principal é com a estrutura da linguagem. Em vez disso, o termo‘discurso’ é usado aqui como o é por Foucault e pelo pós-estruturalismo: o foco está muito mais no conteúdo e nocontexto da linguagem. Os discursos, no contexto de relações de poder específicas, historicamente constituídas,e invocando noções particulares de verdade, definem as ações e os eventos que são plausíveis, racionalizadosou justificados num dado campo. Portanto, ao fazer referência a discursos, minha intenção é a de assinalar umapreocupação não tanto com o que as palavras significam quanto com a forma como as palavras, conjuntos desentenças e práticas relacionadas funcionam” (GORE, 1995, p. 9-10).

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estavam tendo contato na academia e suas práticas cotidianas na escola. Ou seja, a

legitimidade do curso de formação de professores era questionada por aqueles que já

exerciam a profissão.

Lembro-me, ainda, dos discursos veiculados nas aulas de graduação sobre

a necessidade de se romper com uma perspectiva prático-utilitária do processo de ensino-

aprendizagem, na qual o professor assume o papel de transmissor de conhecimentos e

o aluno a postura de receptor destes conhecimentos. E, também, da necessidade de

ruptura com a própria noção de conhecimento como sendo estável, pronto e acabado.

No entanto, destaco que nós éramos “in-formados”2 em termos teóricos acerca desta

questão, pois com raras exceções vivenciávamos, em termos práticos, essa outra

concepção de ensino em nossas aulas de graduação.

Durante a graduação em Pedagogia, realizei estágios em escolas públicas

da cidade de Viçosa (MG). Foi opção pessoal – intencional, eu diria – dedicar-me com

ênfase a espaços escolares das camadas populares. As duras condições de vida, às

quais está submetida a maioria das crianças e adolescentes que freqüentam essas

escolas e, principalmente, a vontade de interferir nesse contexto constituiram-se como

justificativas desta minha escolha. Porém, ao vivenciar o cotidiano nestes espaços

escolares, localizados na periferia da cidade de Viçosa – conhecer crianças e

adolescentes que trazem marcas inscritas em seus corpos do processo de marginalização

no qual estão inseridas – causou abalos em meu propósito. Descobri que interferir

naqueles contextos, tendo em vista transformar as condições de vida dos alunos, não era

tarefa simples. As dificuldades e limitações cotidianas eram enormes e as situações

vivenciadas, por vezes, dolorosas.

2 Neologismo. A grafia tradicional seria – informados – ou seja, que como alunos do curso de Pedagogiativemos acesso a informações acerca da questão discutida. Porém, ao utilizar o neologismo “in-formados”trago uma semântica contraditória que me pareceu oportuna por expressar a dimensão ambígua dasituação descrita, qual seja: em termos teóricos tivemos acesso a uma maneira diferenciada decompreender o processo educacional, paradoxalmente, não vivenciamos esta outra compreensão deeducação no referido curso de formação.

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Esclareço, ainda, que minha trajetória de estudante constituiu-se em escolas

públicas. Sou natural de uma cidade do interior de Minas Gerais, João Monlevade. Porém,

as condições de vida dos alunos das escolas públicas nas quais estudei não eram – ou

assim pareceu-me na época – tão perversas como as que tive contato nos estágios que

realizei em espaços escolares da periferia da cidade de Viçosa. Era grave, no meu

entendimento, a compreensão a partir da vivência nestes espaços escolares de que a

escola pública não estava contribuindo para melhorar as condições de vida dos discentes

das camadas populares. Ao contrário, com altos índices de evasão e repetência, a escola

estava legitimando o processo de aligeiramento destes.

Nestes espaços escolares, encontrei educadores cansados, desanimados

e tristes. Eram professoras e professores munidos de argumentos sobre a impossibilidade

de transferir as “inovações teóricas” que tinham acesso nos cursos de formação (inicial e

continuada) para o dia a dia das escolas. Por “inovações teóricas”, estavam se referindo

a questões tais como: – no que se refere à organização do ensino: avaliação continuada,

sistema de ciclos de ensino, pedagogia de projetos etc; – no que se refere à formação

de professores: a necessidade de constituir-se em professor reflexivo e, ainda, da escola

propiciar momentos de reflexão coletiva para os docentes.

A “realidade”, na perspectiva destes docentes, era determinada pelas

condições infraestruturais insuficientes das escolas nas quais exerciam a docência e,

ainda, pela desvalorização do trabalho do professor, principalmente, os baixos salários

– que os faziam trabalhar em três turnos diariamente, muitas vezes, em instituições

diferentes, e tendo como conseqüência o prejuízo que esta necessidade acarretava à

qualidade do trabalho realizado.

Outra experiência significativa, na época da graduação, foi minha primeira

experiência como professora, mais especificamente, como professora de história numa

turma de educação de adultos. Ao exercer o papel de “ser professora”, identifiquei-me

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com o discurso da relação dicotômica entre a teoria e a prática no dia a dia do exercício

docente. Essa percepção do meu exercício cotidiano constituiu-se a partir de situações

vivenciadas como professora de adultos no Núcleo de Educação de Jovens e Adultos

(NEAd)3 .

Recordo-me que se constituíam como “palavras de ordem”4, em várias

disciplinas do curso de Pedagogia, advertências quanto à postura que um “professor

crítico”5 deveria adotar, dentre as quais cito: – procurar escutar seus alunos com respeito

e atenção; – romper com uma certa organização espacial das carteiras (em fileiras),

dispondo-as em círculo (o que ajudava a romper – segundo autores educacionais com

os quais tínhamos contato – com uma relação hierárquica na sala de aula e auxiliava em

estabelecer o diálogo como princípio do ato de educativo).

Porém, ao seguir as recomendações expressas – no início do meu exercício

como professora de adultos – aproximadamente um terço da turma, com a qual trabalhava,

desistiu de continuar o curso de história que ministrava no NEAd. Fiquei intrigada com o

fenômeno, pois observava, no dia a dia do Núcleo, que os mesmos alunos que desistiram

da disciplina que eu ministrava, continuavam a freqüentar o NEAd para ter aulas de outras

disciplinas. Então, eles desistiram das minhas aulas. Nossa! Fiquei abalada, triste,

impotente porque não compreendia o motivo da aversão.

3 O Núcleo de Educação de Jovens e Adultos (NEAd), da Universidade Federal de Viçosa (MG), constituiu-se num projeto de formação de adultos – coordenado pelo Departamento de Educação – que, por umlado, configura-se como espaço de formação de professores de jovens e adultos para estudantes docurso de Pedagogia e, por outro lado, configura-se como espaço de formação para os funcionários dauniversidade que almejavam começar e/ou terminar os estudos correspondentes à educação básica.

4 Expressão coloquial utilizada por sua força semântica: no sentido de expressar que uma ordem deveser obedecida sem questionamento e relativizações; o que, ao prosseguir do texto dissertativo, apontapara uma contradição na sua utilização, pois seguir as tais “palavras de ordem” seria pressuposto paraconstituir-se um professor crítico – ou seja, aquele que não se conforma a um padrão.

5 O termo “professor crítico” está vinculado a uma corrente de pensamento pedagógico, a Teoria Crítica daEducação, que chegou ao Brasil com força na década de 80. Essa corrente de pensamento, ainda nosdias de hoje, tem ampla influência na área educacional e compreende que o conhecimento e o saberconstituem fontes de libertação, esclarecimento e autonomia do sujeito. “Ser professor crítico” é estarem condições de exercer seu trabalho, tendo por objetivo formar uma certa compreensão de sujeito“liberto”, “esclarecido” e “autônomo”.

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Ponderei que seria necessário me aproximar dos alunos para compreender

o que estava acontecendo. Criei momentos durante as aulas para conversar com os

discentes acerca de assuntos cotidianos. Depois de alguns meses – em uma conversa

informal –, alguns deles me contaram que seus colegas desistentes e também muitos do

que permaneceram, achavam estranha minha maneira de conduzir a aula. Disseram que

ficavam desconfiados da seriedade com a qual exercia meu trabalho, pois eu era uma

“professora que não ordenava a sala como ela deve ser” (referindo-se à organização

das carteiras em fileiras, uma vez que eu as organizava em círculo) e, ainda, minha postura

de escutar e incentivar a participação dos alunos, sendo que estes eram “tão burros

quanto eles”.

Fiquei perplexa. O motivo da aversão de alguns alunos às minhas aulas

era uma organização do ensino diferente da expectativa deles. Hoje, recordando esta

vivência, percebo que naquele dia minha compreensão de diálogo como princípio

educativo foi problematizada – escutar o outro não consistia em apenas ouvir respostas

a perguntas previamente formuladas.

No período de 2000 a 2002, realizei duas pesquisas de Iniciação Científica

cuja temática orientadora dos estudos era questões da formação e atuação docente6.

No primeiro ano da pesquisa, investiguei a compreensão de professoras

sobre o “ser professor” e as possíveis implicações desta compreensão em suas práticas

políticas e pedagógicas. Pesquisa com abordagem qualitativa realizada numa escola

da rede municipal e que teve como participantes do estudo quatro professoras do ensino

fundamental (1a à 4a séries). Utilizei como instrumentos de pesquisa: questionário,

entrevista e situações de ensino. As construções interpretativas da investigação

6 Estou aqui me referindo a pesquisas desenvolvidas com bolsa de Iniciação Científica do PIBIC/UFV/CNPq – de agosto 2000 a agosto de 2002 – tendo como orientadoras a Dra Alvanize Valente Fernandes(2000-2001) e Dra Rita de Cássia Alcântara Braúna (2001-2002), professoras do Departamento deEducação (DPE) da Universidade Federal de Viçosa (UFV).

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apontaram: 1. que em sua maioria, as professoras que participaram do estudo,

compreendiam o “ser professor” numa perspectiva prioritariamente técnico-instrumental

(na qual o processo de ensino aprendizagem é compreendido como processo de

transmissão de conteúdo); 2. a compreensão da construção da identidade profissional

numa perspectiva individual (em detrimento a uma perspectiva coletiva); 3. a

desvalorização do trabalho docente (péssimas condições infraestruturais e baixos

salários) como fator determinate na adoção de uma postura de acomodação e desânimo

das professoras frente às intempéries da profissão.

Já na segunda pesquisa, procurei compreender práticas pedagógicas

cotidianas de professoras do ensino fundamental. Pesquisa com abordagem qualitativa

realizada numa escola da rede estadual de ensino. Através do exercício de observação,

acompanhei a prática pedagógica cotidiana de duas professoras que ministravam aulas

para a mesma série (2a série do ensino fundamental) em turmas diferentes na referida

instituição escolar. Além da observação, utilizei, também, entrevista e situações de ensino

como instrumentos de pesquisa. Interpretei que as professoras, participantes do estudo,

mantinham uma relação de exterioridade com os “saberes acadêmicos”, porém, que os

re-significavam, tendo em vista os “saberes da experiência”7. A pesquisa apontou, então,

a necessidade de investigar os “saberes da experiência” das professoras como

possibilidade de problematizar a questão da relação dicotômica entre teoria e prática na

formação de professores.

A partir das experiências descritas, ao final da graduação em Pedagogia na

Universidade Federal de Viçosa (2002), a discussão acerca da problemática da formação

e atuação docente havia perpassado toda minha trajetória de formação. Era sim, pedagoga

formada, estava habilitada a exercer a profissão, mas também, estava imersa em inúmeras

dúvidas, incertezas e inseguranças... Ao final da graduação, ao contrário de minha

7 Na referida pesquisa utilizei como referencial teórico as compreensões de TARDIF; LESSARD; LAHAYE(1991) acerca dos saberes docentes.

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expectativa ao iniciar o curso de Pedagogia, constatei que não tinha “descoberto a fórmula”

de como exercer a profissão docente. Não sabia ser a “professora ideal” para atingir meus

propósitos de transformação social através do exercício da profissão.

Nesse contexto e com essas inquietações, ingressei em 2004 no Programa

de Pós-graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Juiz de Fora

(UFJF). Apresentei como proposta de pesquisa compreender como professoras do ensino

fundamental re-significavam os “saberes acadêmicos”, tendo em vista suas práticas

pedagógicas cotidianas. Minha intenção era montar grupos de reflexão, nos quais eu

(pesquisadora) em conjunto com as professoras (participantes do estudo), refletíssemos

acerca das práticas pedagógicas cotidianas, problematizando-as8.

Porém, ao ingressar no mestrado, fui incluída num grupo de estudos e

pesquisas já constituído que trabalhava com a mesma perspectiva teórica da expressa

em meu projeto de pesquisa, no entanto, com inquietações diferentes na área da formação

de professores. Redirecionei, então, minha proposta de investigação para atender as

especificidades da pesquisa em desenvolvimento no referido grupo. Após um ano de

ingresso e de vivências no curso de mestrado, percebi que estava em crise.

Num primeiro momento, pensei em desistir do mestrado. Porém:

Apenas a grande dor, aquela que não tem pressa, na qual somosqueimados com madeira verde, por assim dizer, obriga a nós,filósofos, a alcançar nossa profundidade extrema e nos desvencilharde toda a confiança, toda a benevolência, tudo o que encobre,tudo o que é brando, mediano, tudo que púnhamos talvez nossahumanidade. Duvido que uma tal dor “aperfeiçoe” – mas sei quenos aprofunda. (NIETZSCHE, 2005 [original 1882-1887], p.13).

Num segundo momento, pus-me em transformação, movimento. Abandonei

a proposta de pesquisa a qual havia me dedicado durante um ano e, em abril de 2005,8 Esta proposta de pesquisa que apresentei no processo de seleção do Mestrado estava vinculada a uma

corrente de pensamento e estudos de expressiva ressonância na área de formação de professores noBrasil, principalmente, a partir da década de 90 até os dias atuais, que propõe mudanças na estruturada formação de professores, tendo em vista formar profissionais reflexivos.

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ingressei num grupo de estudos e pesquisas que estava propondo investigar a noção de

espaço na educação escolar. O referido grupo constituiu-se como uma das ações do

projeto de pesquisa, então, em andamento no Núcleo de Educação em Ciência,

Matemática e Tecnologia (NEC)9, intitulado: “Noções de Espaço e Educação Escolar:

múltiplos olhares”10. A inserção neste grupo de estudos e pesquisas foi singular para a

constituição da proposta de investigação desta pesquisa. No decorrer dos encontros e

discussões desse grupo, delineou-se a necessidade de se repensar a escola como um

espaço de construção de subjetividades, ou seja, de questionar como na escola

vivenciamos situações que nos “educam”, que nos produzem como “sujeitos”.

Na elaboração do projeto de qualificação do mestrado, em junho de 2005,

realizei um primeiro exercício neste sentido, qual seja: busquei investigar como construí, durante

minha trajetória de formação profissional, uma maneira de compreender o “ser professor”.

A partir desse exercício inicial, pareceu-me relevante compreender o espaço

escolar como espaço de vivências intersubjetivas, de construções múltiplas, de

enfrentamentos diversos e de convivências, portanto, como espaço formativo. Propus,

então, investigar a formação de professores através de suas vivências do e no

espaço escolar. Ou seja, investigar o espaço escolar como espaço de produção

de subjetividades, mais especificamente, da subjetividade-educador.

9 O Núcleo de Educação em Ciência, Matemática e Tecnologia (NEC) é um núcleo de estudos e pesquisaslocado na Faculdade de Educação da UFJF. O Núcleo vem se organizando desde 1980 em torno dequestões relativas à educação. Ainda sobre o NEC: “Decididamente de formação multidisciplinar o NECvem se dedicando a abordagens epistemológicas, filosóficas e metodológicas alternativas ao modelocientífico acadêmico vigente. O Núcleo é composto por professores, pesquisadores e estudantes quemantém vínculos diversos com a UFJF. (...) com uma estrutura bastante flexível, o NEC procura ser umespaço de inovação educacional, acadêmica e científica, abrindo espaço para alunos de graduação, depós-graduação e para professores da rede pública de ensino e outros interessados em questões derelevância do Núcleo” (CLARETO, 2006, p.9).

10 Projeto de pesquisa financiado pela Fundação de Amparo a Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG),pela Pró-Reitora de Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora e coordenado pela professoradoutora Sônia Maria Clareto.

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ENTRE CAMINHOS: MEU CAMINHO

Humano, Demasiado Humano11

Por muitos caminhos diferentes e de múltiplos modoscheguei eu à minha verdade; não por uma únicaescada subi até a altura onde meus olhos percorremo mundo. E nunca gostei de perguntar por caminhos– isso, ao meu ver, sempre repugna! Prefeririaperguntar e submeter à prova os próprios caminhos.Um ensaiar e perguntar foi todo meu caminhar – e,na verdade, também tem-se de aprender a respondera tal perguntar! Este é o meu gosto: não um bomgosto, não um mau gosto, mas meu gosto, do qualjá não me envergonho nem o escondo. “Este – é meucaminho, – onde está o vosso?”, assim respondia euaos que me perguntavam “pelo caminho”. O caminho,na verdade, não existe!

NIETZSCHE.

Assumo, nesta pesquisa, uma perspectiva de conhecimento diferente da

noção que se tornou hegemônica na modernidade12, qual seja: não estou compreendendo

conhecimento como objetivo, neutro ou imparcial, ao contrário, estou o compreendendo

como subjetivo, absolutamente parcial e inevitavelmente impregnado do sentir de quem

“conhece”13.

Estou aqui me opondo a compreensão de que o processo de produção do

conhecimento deva ocorrer tendo em vista um caminho traçado a priori – compreensão

essa de grande ressonância nos trabalhos acadêmicos contemporâneos. Essa noção

de “o caminho” que conduz à verdade está expressa na obra “Discurso do Método” (1999

[original 1637]) de René Descartes, quando este autor aponta “o caminho” “para bem

conduzir a própria razão e procurar a verdade nas ciências”. Neste sentido:

11 Expressão cunhada pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche em Humano, Demasiado Humano, obraoriginalmente escrita em 1878.

12 Modernidade aqui se refere a um período histórico com início na Europa Ocidental do século XVII,aproximadamente, mas, sobretudo, a um modo de vida que se instala a partir daí, com grandestransformações sócio-estruturais e intelectuais e com o avanço do iluminismo (BAUMAN, 1999, 299-300).

13 Para maiores informações acerca desta outra perspectiva de compreender conhecimento, consultarClareto (2005).

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Descartes parece dizer-nos: a verdade só se revela em suaplenitude ao homem que conseguir atingir a situação de calar seusinstintos, suas paixões, suas relações com o mundo, para fechar-se em si mesmo, enquanto racionalidade pura (LARA, 2006).

Conhecer, na perspectiva apontada por Descartes, consiste em adequar

verdades previamente constituídas a realidades.

Busco auxílio em Nietzsche e na crítica que este pensador alemão faz à

noção de verdade assumida por Descartes:

O que é então a verdade? Uma multidão movente de metáforas, demetonímias, de antropomorfismos, em resumo, um conjunto derelações humanas poeticamente e retoricamente erguidas,transpostas, enfeitadas, e que depois de um longo uso parecem aum povo firmes, canônicas e constrangedoras: as verdades sãoilusões que nós esquecemos que o são, metáforas que foramusadas e que perderam a sua força sensível, moedas que perderamo seu cunho e que a partir de então entram em consideração já nãocomo moedas, mas apenas como metal (NIETZSCHE, 1978, p.94).

Assim, compreendo que “(...) não há fatos puros, sejam eles empíricos ou

de razão, mas apenas apropriação humana de certas experiências a este título”

(PIMENTA, 2000, p.74-75). Ou seja, entendo que não há uma realidade distinta de mim

para que eu a conheça. Compreendo o conhecimento como “humano, demasiado

humano”. Assumo o entendimento da produção de conhecimento como perspectival,

como sendo um ato de construção interessada, uma interpretação...

Optei, então, por realizar uma pesquisa qualitativa de cunho

etnográfico14. Mais especificamente, uma pesquisa interpretativa:

Tal denominação encontra apoio na noção de conhecimento comoatividade humana comprometida, ou seja, o conhecimento não éneutro, não se distingue em uma esfera totalmente isolada douniverso humano: ela está sempre impregnada de emoções, paixões,ódios, preconceitos, vontades e crenças... O conhecimento não éuma busca de adequações de verdades a realidades, mas umainterpretação. O conhecimento é perspectival... (CLARETO, 2005).

14 Numa pesquisa qualitativa de cunho etnográfico atribui-se ênfase ao processo de investigação: “No casoda educação, a investigação qualitativa visa compreendê-la em termos de seu processo e da experiênciahumana vivida que este envolve” (MONTEIRO, 1998, p.7).

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Considero, ainda, relevante apontar uma postura adotada na construção

deste texto dissertativo na dimensão forma/conteúdo, que tem por base a noção de

compreender as proposições teóricas numa perspectiva de relação de forças. Neste

sentido, tenho encontros com autores e seus “escritos”. Ressalto, assim, que neste trabalho

de pesquisa não me interessou interpretar as vivências advindas do processo investigativo,

“encaixando-as” nas teorias explicativas dos teóricos com os quais trabalho: “A

importância dada por Nietzsche à teoria prévia é nula: ele despreza a teoria como base

sólida para atingir o conhecimento” (CLARETO, 2005).

Esclareço que as construções interpretativas que realizarei adiante – tendo em

vista o experenciado na realização do trabalho de campo da pesquisa – foram constituídas

reconhecendo-me na figura de excursionista, em detrimento da personagem do andarilho: “O

excursionista passeia sem princípios rígidos e acolhe sua experiência sobre várias visadas, ao

passo que o outro [o andarilho] só é capaz de reconhecer indícios que coincidam com aquilo

que desejava demonstrar de início” (PIMENTA, 2000, p.80). Interpretar, nesta perspectiva, constitui-

se como “(...) um ato de construção, que às vezes exige desconstrução. É um ato de violência”

(CLARETO, 2005). Talvez, por isso, a elaboração das construções interpretativas deste estudo,

por um lado, tenha sido um processo difícil, lento e, muitas vezes, doloroso (implicações do ato de

desconstruir); mas, por outro lado, criativo, prazeroso e entusiasta (implicação do ato de construir).

Ou seja, as construções interpretativas foram processuais:

A investigação como interpretação é um processo dinâmico, ummovimento. As investigações vão se desdobrando ao longo desteprocesso. Talvez, investigar seja mesmo um desdobrar deinterrogações que ora estão mais claras, ora obscurecem... Porvezes parecem próximas, outras muito distantes... É um processocaótico, cheio de meandros, de avanços e retrocessos, de idas evindas, no qual distante e próximo, claro e escuro sãocomplementares entre si, não opostos: entram na composição domesmo movimento, o movimento investigativo (CLARETO, 2005).

A ênfase dada ao processo de investigar – tendo em vista a noção de

pesquisa adotada – levou-me a assumir uma postura em que era meu interesse a

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descrição das contradições, dos conflitos diários, nos exercícios interpretativos que

realizei. Interessava-me interpretar para além da relação de causa e efeito, ou seja, não

era de meu interesse as regularidades, mas sim os “monstros”15.

Tendo em vista estas resoluções, apresento, a seguir, diretrizes gerais da realização

do trabalho de campo da pesquisa. Teve início na segunda quinzena do mês de junho de 2005 e

término em dezembro de 2005. Minha inserção no dia a dia da escola Experimentar16 foi

relativamente tranqüila, uma vez que diretora, professores, alunos e funcionários – apesar do

desconforto inicial de uma “pessoa estranha” compartilhar a convivência na escola – desde o

início se mostraram receptivos ao trabalho de pesquisa proposto. Ao longo da investigação de

campo, fomos estabelecendo relações de amizade, respeito e confiança mútua – que subsidiou

a superação de medos iniciais, tanto de minha parte quanto do coletivo escolar. Utilizei como

instrumentos de pesquisa: observação participante, análise documental, entrevista não-estruturada

e a ação de fotografar espaços/tempos vivenciados e interpretados.

No período de observação participante – que teve início na segunda

quinzena de junho de 2005 e se estendeu até novembro de 2005 – a convivência com o

cotidiano escolar foi diária e intensa. Acompanhei as atividades durante o segundo turno

da escola (vespertino), além de participar de festas e comemorações, atividades de

planejamento e, também, das reuniões de professores e com os pais. Informo que no

turno vespertino são ministradas aulas para a 1a, 2a, 3a Etapas do 1o Ciclo e, ainda, para

1a Etapa do 2º Ciclo17. Esclareço que meu exercício de observar o cotidiano não se

15 Acerca dos “monstros” esclareço: “Ora esta insistência em criar categorias para “classificar” nossos“dados de campo”, em “organizar” e “ordenar” as idéias e “achados” vem da noção de que a cultura queestá sendo investigada forma um todo compreensivo, coerente, inteiro, epistemologicamente, contínuo,sem rupturas ou incompreensões, passível de ser abordado por uma “Teoria Unificada”... Mas, éexatamente nas fendas, nas rupturas, nas rachaduras, nas incompreensões – ou seja, onde os monstroshabitam – que a diferença e, portanto, o ‘outro’, se manifesta. É desde estas fendas que as culturas, o‘outro’, tornam-se minimamente audíveis” (CLARETO, 2005).

16 Experimentar é o nome fictício da escola campo investigativo da pesquisa. Escola da rede municipal deensino da cidade de Juiz de Fora (MG) – localizada na periferia urbana da cidade.

17 Apesar de constituir-se como maneira diferenciada de organizar o ensino as etapas dos ciclos queobservei no turno da tarde na escola Experimentar “corresponderiam”, no sistema de seriação do ensino,à educação infantil e ao ensino de 1a à 3a séries.

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restringiu à observação das aulas dos participantes do estudo. Minha busca – apesar de

incorporar também esse momento – foi o de observar o espaço escolar em seus diversos

ambientes, nas diversas situações (entendendo-as como espaços educativos), buscando

compreender esse espaço escolar como potencializador de construção de subjetividades

e, portanto, de formação.

Concomitantemente, ao período de observação participante, fui tendo acesso aos

documentos da escola e, agora percebo, ao registro sistemático do processo de transformação

na proposta pedagógica desse espaço escolar. Estou compreendendo aqui como “documentos

da escola” os textos produzidos pelo coletivo escolar que registram suas opções cotidianas,

tendo em vista a adoção de uma organização alternativa do ensino. A análise de documentos

compreendeu os seguintes textos: Projeto Político Pedagógico (ano 2000), Projeto Político

Pedagógico (ano 2002), projeto maior da escola intitulado África-Brasil (2004), projeto de pesquisa

elaborado pela equipe diretiva da escola e enviado ao Fundo de Apoio à Pesquisa na Educação

Básica/FAPEB18 (ano 2003-2004) intitulado “Estudos Étnicos-Raciais e Organização Curricular”,

além de artigo redigido e apresentado, também pela equipe diretiva, num congresso internacional

que ocorreu na UFJF (ano 2005) denominado “Relações Étnico-Raciais, Diversidade e Cotidiano

Escolar: um jeito de caminhar”.19

No turno vespertino, estreitei relações com quatro professoras regentes,

uma professora responsável pelo projeto implantado na escola denominado “Virando o

Jogo”20, um professor de “antropologia”21 e, ainda, com a diretora da escola.

18 Vinculado a Secretaria Municipal de Educação de Juiz de Fora (MG).19 Esclareço que os documentos mencionados não constam das referências bibliográficas devido ao

compromisso ético assumido com a escola e com os participantes da pesquisa de preservar ocultasuas identidades.

20 O Projeto Virando o Jogo consiste numa experiência vivenciada na escola cujo objetivo é oferecer oportunidadesoutras de aprendizagens às crianças que apresentam dificuldades e/ou possuem tempos diferenciados da turmana qual estão inseridas. As atividades do projeto são realizadas na biblioteca da escola e há uma professoraespecífica para trabalhar com essas crianças, atendendo-as individualmente ou em pequenos grupos. Os discentesque participam do projeto vivenciam um tempo escolar alternativo, no qual há momentos de compartilhar aconvivência e as atividades com a turma da qual fazem parte e há momentos em que, participando do projeto,vivenciam outras experiências, que os ajudam a melhor compreender os conhecimentos e habilidades que estãotendo alguma dificuldade de construir (Nota de Campo).

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Apresento, então, os “participantes da pesquisa”22. As professoras regentes

são: Ana (professora da 1a etapa do 1o ciclo), Maria (professora da 2a etapa do 1o ciclo),

Joana (professora da 3a etapa do 1o ciclo) e Júlia (professora da 1a etapa do 2o ciclo).

Lívia – professora responsável pelo projeto da escola “Virando o Jogo”, professor Luis

Henrique responsável pelas aulas de antropologia e Eleonora – diretora da escola23.

Convivi diariamente com essas pessoas nas mais diversas situações e

ambientes da escola Experimentar. Foram, também, esses educadores que entrevistei.

As entrevistas foram todas realizadas na escola, sendo quatro realizadas no turno matutino

(Maria, Júlia, Joana e Luis Henrique), duas realizadas no turno vespertino (Lívia e Eleonora)

e uma realizada ao final das aulas no turno da tarde (Ana) 24. Todas as entrevistas foram

gravadas e transcritas – tiveram em média 2 horas de duração.

Utilizei a entrevista não-estruturada. Minha intervenção durante a

entrevista foi apenas para esclarecer dúvidas e aprofundar as questões abordadas pelos

entrevistados, tendo em vista o relato desses acerca da temática proposta.

No que se refere às professoras e ao professor, solicitei que fizessem um

relato acerca de suas trajetórias de formação profissional. Meu interesse era compreender

21 No final do ano de 2002, o coletivo escolar elaborou um projeto de ação pedagógica para focalizar asrelações raciais na escola e na vida social que, por sua vez, serviu de base para o planejamento dasações desenvolvidas no ano de 2003, sendo uma dessas ações a inclusão dos estudos antropológicosno currículo escolar (Documento: A Reflexão Étnico-Racial e a Diversidade Cultural como PráticaPedagógica).

22 Utilizo o termo “participantes da pesquisa” para me referir às professoras, ao professor e à diretora comos quais estreitei relações no processo desta investigação. Porém, preciso destacar que me parece“pobre” a semântica implícita no termo, pois não expressa minha compreensão acerca da relaçãoestabelecida com estas pessoas – que me pareceu ocorrer numa perspectiva além de participar, qualseja: entendo que elas, ele, assim como eu, vivenciamos a pesquisa. Cogitei utilizar o termo “vivenciantesdo estudo”, mas acabei optando por utilizar “participantes do estudo”, porém, atribuindo ao termo aqueleoutro sentido.

23 Todos os nomes expressos no texto dissertativo são codinomes. As professoras, o professor e adiretora da escola escolheram os próprios codinomes. Eu escolhi o codinome da escola e, também,dos demais participantes que aparecem no texto dissertativo – referentes a outras pessoas que vivenciaramsituações e acontecimentos descritos.

24 Entrevistei a professora Lívia no dia 21/09/2005, o professor Luis Henrique no dia 27/09/2005, Eleonora,também, no dia 27/09/2005, a professora Júlia e a professora Ana no dia 28/09/2005, a professora Mariaem 30/09/2005 e a professora Joana em 22/11/2005.

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as construções interpretativas que os participantes da pesquisa fazem de “como se

tornaram aquilo que são” – com destaque para suas vivências cotidianas na escola

Experimentar como elemento constituinte deste “tornar-se o que se é” 25.

A professora Ana contava 34 anos em 2005. É natural de Juiz de Fora

(MG). Trabalhava na escola Experimentar desde 2002. Graduou-se em Pedagogia numa

faculdade da rede particular de ensino da cidade de Juiz de Fora. É pós-graduada no

Curso de Especialização Arte na Educação Infantil - ministrado na Faculdade de Educação

da Universidade Federal de Juiz de Fora. Lecionava desde 1995.

Ao descrever sua trajetória de formação profissional, a professora Ana

destacou sua trajetória de estudante como importante na constituição do seu “tornar-se

professora”. Expressou que o começo de sua intimidade com o espaço escolar aconteceu

na primeira infância, quando assistia às aulas de sua irmã numa escola situada na zona

rural, ao lado de sua casa. Destacou que sua inserção na escola Experimentar

problematizou sua compreensão do trabalho docente numa perspectiva essencialmente

individual e a fez refletir sobre a necessidade e relevância de pensá-lo numa perspectiva

coletiva.

A professora Maria contava seus 31 anos. É natural de Santos Dumont

(MG). Trabalhava na escola Experimentar desde fevereiro do, então, corrente ano de

2005. Cursou Magistério (à distância), graduou-se em Pedagogia na Universidade

Federal de Juiz de Fora. Realizou o Seminário em Pedagogia Waldorf26. Possuía 10

anos de experiência profissional.

25 O sentido desta expressão será discutido ao longo desta dissertação e tem como referência o livroEcce Homo, do filósofo alemão Nietzsche (2004 [original 1888]), cujo subtítulo é “Como alguém setorna o que é”. O texto de Nietzsche e Educação (LARROSA, 2004 [original 2002]) traz uma importantecontribuição para esta discussão.

26 A Pedagogia Waldorf baseia-se no conhecimento do ser humano a partir da Antroposofia, ciênciaespiritual configurada por Rudolf Steiner no início deste século XX, sendo que sua principal meta éproporcionar a criança e ao jovem o desabrochar harmonioso de todas as suas capacidades, interligandoa esfera física, emocional e espiritual em sua concepção da integralidade do homem. Para maioresinformações consultar Lanz (1990).

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Ruptura. Assim começou o relato da professora Maria acerca de sua

trajetória de formação profissional: abandonou o curso de jornalismo no último ano. Decidiu

“ser professora” . Destacou uma concepção peculiar sobre educação que problematiza

uma concepção centrada no desenvolvimento apenas cognitivo do aluno – apontou a

arte como possibilidade de realizar este intento. Em todo seu relato, expressou de maneira

recorrente a compreensão da necessidade e relevância de pautar o exercício docente a

partir do respeito incondicional as diversidades das crianças. As vivências na escola

Experimentar têm desafiado a professora Maria descobrir no dia a dia como vivenciar

esta sua compreensão do processo educacional, tarefa que não tem sido fácil.

A professora Joana contava 41 anos. É Natural de Faria Lemos (MG).

Trabalhava na escola Experimentar desde 2003. É graduada em Pedagogia, numa

faculdade da rede particular de ensino da cidade de Faria Lemos, e pós-graduada no

curso de Especialização em Psicopedagogia numa faculdade da rede particular de ensino

da cidade de Juiz de Fora (MG). Possuía 18 anos de experiência profissional.

Ao relatar sua trajetória de formação profissional, destacou que entre os

cursos de formação que realizou, aqueles que cursou quando já era professora atuante,

auxiliam-na a exercer o magistério no dia a dia, ao contrário, da sua percepção acerca

de seu curso de formação inicial. Sua experiência profissional é maior em espaços

públicos (com destaque para aqueles nos quais os alunos estão submetidos a duras

condições de existência, sendo muitos desses jovens nomeados como “jovens em

situação de risco”), em contraposição a sua trajetória de estudante que se constituiu em

instituições de ensino privado. Joana estava em crise e sua narrativa foi perpassada por

este acontecimento, sendo que expressou a incerteza de continuar a exercer o magistério.

A professora Júlia contava seus 29 anos. É natural de Juiz de Fora (MG).

Trabalhava na escola Experimentar desde 2004, sendo que a escola constituiu-se como

primeiro espaço escolar em que exerce sua profissão. Cursou o Magistério no ensino

médio e graduou-se em Pedagogia na Universidade Federal de Juiz de Fora (MG).

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Formada em Pedagogia, trabalhou em outra área durante dez anos, no

entanto, relatou sua persistência (através de concursos públicos) durante todo esse período

para exercer a profissão. Em sua narrativa, atribuiu valor secundário aos cursos de

formação institucionais (inicial e continuada) na constituição do seu “tornar-se professora”.

Em contrapartida, narrou vários espaços vivenciados cotidianamente na escola

Experimentar (primeira escola em que exerce o magistério), que tem auxiliado na

constituição de sua trajetória de formação profissional.

A professora Lívia contava seus 41 anos. É Natural de Juiz de Fora (MG).

Trabalhava na escola Experimentar desde 2003. Fez magistério e, em 2005, era aluna

de um Curso Normal Superior numa faculdade da rede particular de ensino de Juiz de

Fora (MG). Possuía 23 anos de experiência profissional.

A professora Lívia narrou diversos espaços por ela vivenciados e

interpretados como espaços formativos, por serem provocadores diários de sua maneira

de ser e estar professora. Ou seja, destacou sua atuação diária no espaço escolar

como singular na constituição do seu “tornar-se professora”. Nesse sentido, assume lugar

singular em sua trajetória de formação profissional o trabalho em escolas situadas na

zona rural. Trabalhou durante 15 anos numa escola cujo espaço escolar era um vagão de

trem abandonado. A inserção de Lívia no cotidiano da escola Experimentar impulsionou

a professora realizar um curso superior.

O professor Luis Henrique contava 30 anos. É natural de Pelotas no Rio

Grande do Sul (RS). Trabalhava na escola Experimentar desde fevereiro do, então, corrente

ano de 2005. Realizou curso de Magistério (à distância), era estudante de graduação do

curso de História da Universidade Federal de Juiz de Fora. Realizou o Seminário em

Pedagogia Waldorf. Em 2005 o professor estava iniciando o exercício da profissão na

escola Experimentar.

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Luiz Henrique apontou de maneira recorrente em sua narrativa a irrelevância

dos cursos de formação inicial , até mesmo, uma certa “aversão” a esses tipos de cursos

e, ainda, denunciou a relação dicotômica entre teoria e prática. Porém, citou o Seminário

em Pedagogia Waldorf como exceção. Justificou que percebeu nesse curso um

descentramento de numa perspectiva técnico-instrumental - sendo o voltar-se para as

necessidades da criança - o fundamento da formação no Seminário de Pedagogia

Waldorf. Já as vivências cotidianas na escola Experimentar têm abalado profundamente

o “tornar-se professor” de Luis Henrique, uma vez que ele afirmou em vários momentos

de seu relato, que não tem conseguido ser um “professor ideal”. Por isso, pensava em

desistir da profissão.

No período de observação participante, destacou-se o envolvimento

de Eleonora com o processo de transformação na proposta pedagógica da escola

desde os “primórdios” até os dias atuais. Ao buscar compreender este espaço

escolar como espaço de construção de subjetividades, compreender a proposta

educativa adotada pela instituição assumiu importância singular. Assim, resolvi

entrevistar Eleonora. Solicitei que a diretora da escola, na entrevista, falasse sobre

a escola Experimentar.

Eleonora contava 45 anos. Natural de Santos Dumont (MG). É

Pedagoga e Mestre em Educação. Trabalhava na escola Experimentar desde

1999. Eleonora relatou o processo de transformação na proposta pedagógica da

escola, pormenorizadamente, isto é o perceber-se em crise na escola, as opções

e rupturas do espaço escolar, no que concerne a decisão por uma organização

alternativa do ensino, e ainda os desafios que o coletivo escolar tem enfrentado

no dia a dia da escola.

Sua trajetória de formação profissional – tendo em vista sua narrativa – foi/

é profundamente constituída, a partir de suas vivências do processo de transformação

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na proposta pedagógica da escola Experimentar. Eleonora expressou uma postura de

abertura ao “devir”, no que concerne ao seu “tornar-se educadora”, quando afirmou que

sente que nenhum lugar que transforma tem pessoas que já vêm prontas, mas que a

transformação ocorre no espaço e nas pessoas.

Já a ação de fotografar espaços/tempos vivenciados e interpretados

teve o propósito de utilizar imagens como textos... Descentrar das palavras aquilo que

vivenciei, buscando abrir, fazer explodir outros sentidos acerca das questões que

problematizo ao longo do texto dissertativo. As imagens são detentoras de emoções...

Era meu interesse trazer a emoção como elemento constitutivo das interpretações acerca

do vivenciado.

Quero aqui destacar que as fotografias apresentadas no decorrer deste

texto dissertativo foram realizadas por mim. Organizei um acervo fotográfico pessoal

acerca do cotidiano na escola Experimentar27.

27 Exceto duas fotografias realizadas por um fotógrafo profissional, cuja autoria é indicada em nota derodapé – quando da utilização destas no texto da dissertação.

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Narrativa da Escola

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ESCOLA EXPERIMENTAR

O Encontro

Em junho de 2005 – após o exame de qualificação – meu primeiro desafio

foi o de procurar uma escola para ser o campo investigativo da pesquisa. Registrei em

nota de campo e transcrevo, a seguir, o encontro com a escola Experimentar.

Ao entrar no ônibus, pergunto ao trocador qual é o ponto mais próximo da

Escola Experimentar. Ele me informa que é o ponto de parada final, daquela linha de

ônibus. Chego na escola já no horário de término das aulas do turno da tarde. Uma jovem

mulher, no portão de entrada da escola, orienta a saída das crianças e se despede de

cada uma delas. Explico o motivo de minha visita – queria fotografar o espaço escolar. A

jovem mulher se apresenta, diz seu nome: Eleonora. Informa que é a diretora da escola e

pede que eu aguarde o término de sua tarefa – o despedir-se das crianças – para

conversarmos com calma.

Assim, transcorridos alguns minutos voltamos a conversar. Diante de minhas

intenções, fotografar espaços escolares da rede municipal de ensino da cidade de Juiz

de Fora (MG), mais especificamente, do bairro São Pedro e entorno – para posterior

desenvolvimento de pesquisas28 – afirma que a escola está à disposição. Informa, no

entanto, que o coletivo escolar acabara de mudar de prédio, uma vez que a sede da

instituição de ensino em questão seria reformada. Por este motivo, a escola

provisoriamente funcionaria naquela “granja”29, na qual nos encontrávamos.

28 Esta ação de fotografar espaços escolares da rede municipal de ensino tinha como propósito fazer um mapeamentodos espaços escolares do município para posterior escolha de escolas como locus de pesquisas, tanto para odesenvolvimento de minha dissertação de mestrado, como também, para o projeto de pesquisa do Grupo deEstudos e Pesquisas “Espaço Escolar e Educação Escolar: múltiplos olhares”.

29 Granja é a denominação comumente dada pelos habitantes da cidade de Juiz de Fora a uma espécie de“casa de campo”.

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Perguntei, então, quanto tempo a escola se situaria nesse espaço

provisório. A diretora me informou que a previsão da Secretaria de Educação do município

era de um a dois anos. A diretora expressou uma dúvida que naquele momento também

era minha: – Será que deveria fotografar um espaço escolar provisório? Refleti sobre a

questão e respondi que sim. A diretora, então, me autorizou a fazer as fotografias. O sim

era fruto da reflexão de que o espaço escolar era “provisório”, no entanto, seria a escola

que crianças e adolescentes teriam acesso durante um ou dois anos. E, ainda, sendo do

meu interesse e do grupo de estudos e pesquisas, ao qual pertencia, compreender

relações entre espaço escolar e educação escolar, uma mudança de espaço físico poderia

favorecer um certo “afloramento” dessas questões para o coletivo escolar envolvido no

contexto da mudança. Ao contrário de minha impressão primeira, num segundo momento,

pareceu-me claro que aquele espaço era propício e fértil no que concernia à minha

proposta de investigação. Assim, encontrei-me no campo investigativo da pesquisa.

Apresentação Possível

A escola Experimentar foi inaugurada em 1969 e durante muitos anos fez

parte das escolas de zona rural, sendo que o trabalho desta instituição era coordenado

pelo Departamento de Educação para o Meio Rural, da Secretaria Municipal de

Educação. A partir de 1995, a escola passa a contar com o trabalho de uma diretora, um

secretário e uma supervisora. No ano de 1997, começa a atender alunos da pré-escola

à 5a série, e no ano seguinte até a 6a série. No entanto, em função do número restrito de

alunos de 5a à 8a série, a Secretaria Municipal de Educação, o coletivo escolar e a

comunidade consideram ser pertinentes o fechamento das turmas. Em 2000, a escola

atendia alunos de 1a à 4a séries. A partir de 2003, há uma expansão progressiva da rede

de ensino da escola, sendo que, no ano de 2005, passa a atender crianças e adolescentes

até o que “corresponderia” à 7a série do ensino fundamental.

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Quando da realização do trabalho de campo da pesquisa, a escola

Experimentar atendia alunos da educação infantil e do ensino fundamental, perfazendo

um total de cento e noventa crianças e adolescentes, entre cinco e quinze anos. Tinha um

corpo docente e uma equipe diretiva formada por dezenove profissionais de ensino, e

um secretário, além de contar com duas auxiliares de serviços gerais. As famílias dos

discentes pertenciam à população de baixa renda, recebendo em média um salário

mínimo por mês, cuja forma de inserção no mercado de trabalho é a do trabalho doméstico

em espécie de chácaras e pequenos sítios da localidade.

A escola se organizava através de ciclos de formação e desenvolvimento,

rompendo com uma estrutura seriada do ensino. A organização curricular da instituição

era perpassada por dois eixos temáticos: que se referem às questões das relações

étnico-raciais e da diversidade. Quanto à avaliação, a escola rompeu com sistemas de

notas e conceitos e adotou relatórios de observação, construídos a partir de: itens de

habilidades e conhecimentos a serem desenvolvidos em cada ciclo de formação; fichas

de acompanhamento do desempenho escolar registrando os avanços individuais com e/

ou sem ajuda dos colegas e professores; fichas de acompanhamento para as produções

coletivas; e documentação de experiências de registros do desenvolvimento conceitual,

formal e estético. Enfim, a escola Experimentar configurava-se como uma proposta

alternativa de organização do ensino. Constituía-se como um projeto experimental, tendo

o aval da Secretaria Municipal de Educação de Juiz de Fora (MG). Esta é uma

apresentação possível deste espaço escolar.

Porém, a proposta desta pesquisa é investigar a escola como um espaço

de produção de subjetividades, mais especificamente, da subjetividade do educador, ou

seja, pensar o espaço escolar como um espaço de vivências intersubjetivas, de

construções múltiplas, de enfrentamentos diversos, de convivências. Nesta perspectiva,

não era de meu interesse traçar um quadro estático do que a escola é, mas sim, tentar

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compreender como cotidianamente a escola constrói “aquilo que é”. Nesta perspectiva:

“(...) realidade não é um dado externo a ser acessado pela razão, mas é, sim, o resultado

de uma construção interessada” (VEIGA-NETO, 2003, p.60).

Compreendi, então, que se fazia necessário ler a escola Experimentar de

outra maneira, sendo que, “ler” aqui está sendo tomado no sentido expresso por Larrosa,

baseando-se em Nietzsche: “A experiência da leitura não consiste somente em entender

o significado do texto mas, em vivê-lo” (LARROSA, 2004, p.17). Estava feito o convite

para minha imersão no cotidiano da escola.

O Perceber-se em Crise

Apesar de ter realizado o trabalho de campo da pesquisa em 2005, minha

imersão no dia a dia da escola começa em 1998. Por quê? Porque as vivências

cotidianas, que mais adiante vamos compartilhar, tiveram seus “primórdios” em meados

deste ano, quando a escola começou a negar “aquilo que até então era”...

Em meados de 1998, o coletivo escolar se pôs a pensar sobre a “realidade”

na qual estava inserido e percebeu a urgência em transformar essa “realidade”. A escola,

nessa época, estava perpassada por problemas administrativos, pedagógicos e

infraestruturais. Existia uma grande instabilidade de permanência dos profissionais de

ensino na instituição, altos índices de reprovação e de evasão de alunos, além de

péssimas condições de trabalho – em termos de infraestrutura física e de falta de material

didático pedagógico. O espaço escolar estava imerso numa crise e era cogitada a

possibilidade de seu fechamento.

Neste contexto – no período de 1999 a 2001 – a então coordenadora

pedagógica da escola (quando da realização do trabalho de campo desta pesquisa, era

diretora da escola: Eleonora) desenvolveu uma pesquisa de mestrado nesse espaço escolar

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e traçou um diagnóstico sistematizado de sua “realidade”. Buscou compreender a construção

da identidade de crianças negras na escola. De acordo com as construções interpretativas

explícitas na dissertação de Eleonora, a pesquisadora constatou que a maioria dos alunos

da escola é negra e sofria, no seu dia a dia, situações de discriminação e preconceito que

os levavam a construir uma baixa auto-estima, uma imagem negativa de si. Essa situação,

dentre outros fatores, parecia ser um empecilho para o bom desempenho escolar dos

alunos. A investigação apontou, ainda, as imensas dificuldades e/ou omissão da escola

em lidar com essa questão.

A percepção do quadro desolador da “realidade”, na qual a escola estava

imersa, sensibilizou educadores deste espaço escolar no sentido de catalisar ações

para transformar esta “realidade”. Eleonora destacou, em entrevista, a mobilização do

coletivo escolar como condição primordial para iniciar o processo de transformação na

proposta pedagógica da escola:

Os professores e a diretora me diziam: “então, tá, se você estádescobrindo todas essas questões de identidade, de discriminação, depreconceito, de exclusão e das dificuldades da escola lidar com isso,qual é sua proposta para a escola?” (Trecho da entrevista de Eleonora).

Tendo em vista a problemática apontada, diretora e professores, redigiram

o Projeto Político Pedagógico da escola no final de 2001, com a proposta de refletir e

agir quanto aos problemas detectados. Três questões orientaram a elaboração do

documento:

Qual é a escola que queremos? Que tipo de criança nós queremosformar? O que eu penso ser necessário para transformar o contextodesta escola? (Trecho da entrevista de Eleonora).

As questões foram respondidas coletivamente. Decidiram que queriam uma

escola feliz, mais especificamente, uma escola que:

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Sendo séria, não é chata, sendo rigorosa, não seja enfadonha; queseja o lugar da autoridade, mas não do autoritarismo; que viva aliberdade, sem ser licenciosa; que seja exigente, mas que provoquealegria... Uma escola contente, menina, viva, uma escola queamadurece, mas que não envelhece (Citação de Paulo Freire nodocumento Relações Étnico-Raciais, Diversidade e Cotidiano Escolar:um jeito de caminhar)30.

E decidiram, também, que queriam crianças felizes:

Uma criança que não espera que lhe digam o que sentir, o que fazer eo que pensar. Uma criança capaz de intervir, de resistir e de participardos contextos sociais, seja pela rebeldia, pela negação, pelo silêncio,pelo olhar distante, pelo choro, pelo riso, pelas demonstrações de alegriae de tristeza (Documento – Estudos Étnico-Raciais e OrganizaçãoCurricular).

Essas noções (de escola e criança) ajudaram a detectar, no cotidiano da

escola, o que seria necessário para transformar o seu contexto. Então, este espaço escolar

começou a propor ações para viabilizar as proposições do documento e percebeu a

urgência de pensar outras possibilidades de organização do ensino.

A partir desse contexto, a escola Experimentar rompeu com a organização do

ensino através da seriação, buscando respeitar os diversos ritmos de aprendizagem dos

seus alunos. Promoveu a organização do tempo escolar em ciclos de formação do ensino.

Rompeu, também, com uma orientação curricular nacional pré-definida e

propôs uma organização curricular alternativa31. Almejando tornar o currículo escolar mais

interessante para o contexto social, cultural e histórico de seus alunos, a escola

estabeleceu os seguintes eixos temáticos de sua organização curricular alternativa: as

30 FREIRE, Paulo. A Pedagogia do Oprimido. 17 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.31 A opção pela expressão organização curricular se sobrepondo ao currículo tem um objetivo semântico

e conceitual, pois a idéia de organização evoca a configuração de uma rede, de detalhes entrelaçados,de sentidos e de significados, indo bem além da idéia de currículo atrelada a uma grade, compartimentadapor conteúdos estanques, desnaturalizados (Documento – Relações Étnico-Raciais, Diversidade eCotidiano Escolar: um jeito de caminhar).

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relações étnico-raciais e a diversidade. No que se refere às relações étnico-raciais, a

escola justifica:

Tal escolha se deu pela necessidade de dar visibilidade às crianças eadolescentes afro-descendentes, que são maioria na escola, de discutirformas de preconceito e discriminação raciais existentes dentro e forada escola, de desvelar o mito da democracia racial no Brasil e de abrira porta para discussão sobre outras formas de preconceito ediscriminação e de outras etnias (Documento da escola – África-Brasil).

Quanto ao eixo temático diversidade:

Nossa escolha é por uma escola que consiga refletir sobre a diversidadehumana em todas as suas dimensões e saber fazer dela uma bandeirade luta em prol do saber e da construção de uma realidade melhor(Projeto Político Pedagógico da escola, ano 2000).

A organização do processo de construção do conhecimento na escola

passou a ocorrer a partir do projeto maior da instituição, intitulado África-Brasil, e de

projetos de turma, inscritos nesse projeto maior de escola32. A escola Experimentar, então,

definiu um princípio norteador de sua proposta pedagógica:

A gente tem que procurar ter uma postura em relação ao conhecimento.Na forma de conhecer. Se a gente parte do pressuposto que as pessoassão diferentes, elas vão aprender de formas diferentes. Se elas vãoaprender de formas diferentes, a gente tem que dar espaço paracompreender essas formas. Senão, a gente vai massificar (Trecho daentrevista de Eleonora).

Nos diversos documentos da escola, nas falas da equipe diretiva em

eventos, enfim, em vários momentos significativos desse espaço escolar, a seguinte frase

do sociólogo Boaventura Sousa Santos é utilizada para expressar o princípio norteador

da escola em relação ao processo educacional:32 O viés dos projetos supõe pensar na escola como um espaço de criação e recriação (Projeto Político

Pedagógico da escola, ano 2000).

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As pessoas têm direito a ser iguais sempre que a diferença as tornarinferiores; contudo, têm também direito a ser diferentes sempre que aigualdade colocar em risco as suas identidades (Citação do BoaventuraSousa Santos no documento – A Reflexão Étnico-Racial e a DiversidadeCultural como Prática Pedagógica)33.

Contextualizando a frase do sociólogo, tendo em vista a realidade da escola

Experimentar, Eleonora explicou:

Uma criança de seis anos que tem uma auto-estima baixa porque énegra, porque se sente diferente do outro, ela tem que ser trabalhada deuma forma diferente de uma criança que se acha linda e que todo mundodiz que ela é linda, né? É aí que acho que uma postura é importante. (...)Todas as crianças são diferentes. Mas se, por exemplo, a diferença emrelação à marca de origem, que é a cor, se ela é para diminuir, excluir, ouservir para essa criança construir uma auto-estima negativa, a gentetem que fazer um trabalho para se buscar as mínimas possibilidades(...) Essa criança tem que sair dessa auto-estima baixa, ela tem que seachar bonita, ela tem que ser valorizada, ela tem que ser vista, ela temque ser ouvida, entende? Para que ela consiga se sentir no mesmo estadode direito da outra. Então, eu penso que se a gente tem uma posturaassim, não importa se você está trabalhando com a criança o livro A ouo livro B ou o livro C, ou tá colocando para ela a proposta A ou a propostaB, a proposta C. A gente parte de um princípio que tudo o que ela faz éimportante, que tudo o que ela pensa sobre ela mesma é importante.Então, a gente tem que conseguir atuar nisso, por isso que é uma questãode postura. Não que a gente, que eu desvalorize o estudo sobre as formasde ensinar. Eu acho importantíssimo. Mas, acho importante a gente teruma postura frente ao conhecimento e frente à constituição de si mesmo(Trecho da entrevista de Eleonora).

Decorrente de sua opção curricular, a escola Experimentar questionou

também a prática avaliativa compreendida na perspectiva de sentença:

A avaliação na escola carrega um significado muito diferente daavaliação no nosso dia a dia. Atos diários da vida nos levam a refletirpara mudar. Se a avaliação na vida tem gosto de recomeçar, de partirpara melhor, de fazer muitas outras tentativas, porque, na escola semantém o significado de sentença, de constatação, provas de fracasso,periodicidade rígida? (Projeto Político Pedagógico da escola, ano 2000).

33 Santos, Boaventura de Sousa. As tensões da Modernidade. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/boaventura/boaventura4.html. Acesso em: 11/11/2005.

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Buscando compreender a avaliação como parte integrante do processo

pedagógico, o espaço escolar rompeu com o sistema de notas e conceitos e adotou relatórios

de observação como forma de registros sistematizados do desenvolvimento dos alunos:

É importante não homogeneizar a classe. As crianças são diferentesno início e serão diferentes no final do processo educativo. As relações,os direitos, as oportunidades é que têm de ser iguais, não os gestos,os comportamentos, os pensamentos e as opiniões. (Projeto PolíticoPedagógico da Escola, ano 2000).

O desafio da escola, então, tem sido vivenciar cotidianamente a proposta

pedagógica que adotou. Busquei, com a realização do trabalho de campo da pesquisa,

compreender como o coletivo escolar tem vivenciado, no dia a dia, o processo de

transformação em sua proposta pedagógica.

ESPAÇO/ESCOLA E ESPAÇO/CASA: TRANSFERÊNCIA DO COLETIVO ESCOLAR

PARA UM ESPAÇO ESCOLAR PROVISÓRIO

Como já mencionei, o coletivo escolar estava em processo de mudança

para um espaço escolar provisório [quando comecei o trabalho de campo da pesquisa].

A mudança de espaço escolar se fez necessária e em caráter emergencial, devido às

péssimas condições infraestruturais do, até então, prédio sede e, também, devido à falta

de espaço físico para atender à demanda, cada vez maior, por vagas solicitadas pela

comunidade atendida pela escola.

A transferência do coletivo escolar para uma espécie de “casa de campo”

foi uma atitude paliativa adotada pela Prefeitura Municipal de Juiz de Fora que, ao mudar

a escola para um espaço escolar provisório, obtivera um tempo maior para resolver o

problema apontado pela comunidade escolar, qual seja: a necessidade de reforma da

sede da escola Experimentar ou a construção de um novo espaço escolar.

Inicialmente me interessou compreender como era o espaço escolar da

antiga sede da escola Experimentar, então, o visitei e fotografei. Considero importante

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destacar que o antigo prédio escolar é muito próximo – em termos de localização – ao

espaço escolar provisório e, ainda, que o bairro no qual os dois espaços escolares (antigo

e provisório) estão localizados não é o bairro no qual a maioria dos alunos da escola

Experimentar reside – informações que podem ser observadas no croqui 1.

CROQUI 1 Localização dos espaços escolares (antigo e provisório)34

34 Os croquis apresentados no decorrer deste texto dissertativo – referentes ao espaço escolar antigo eao espaço escolar provisório da escola Experimentar – foram gentilmente desenhados, a meu pedido,pelo professor Luis Henrique (participante da pesquisa). O croqui 1 diz respeito à localização próximados dois espaços escolares (antigo e provisório) – um em relação ao outro – e ainda, a posição destesespaços escolares em relação ao bairro no qual a maioria das crianças e adolescentes que freqüentama escola Experimentar reside.

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O antigo prédio escolar localiza-se ao final de uma rua composta de “casas

de campo”, nas quais há uma área considerável reservada para o jardim – que preenche

as residências com o colorido de variadas árvores e plantas. Pareceu-me estratégico a

localização da escola ao final da rua, uma vez que sua arquitetura e péssimas condições

infraestruturais destoava dos imóveis vizinhos.

O muro que cercava a escola era tão alto que – ao observar a escola numa

perspectiva frontal (foto 2) – era possível visualizar apenas a parte superior do prédio

escolar. O espaço escolar antigo não era diferente dos outros espaços escolares com

os quais já havia deparado em minha trajetória de vida.

Foto 1 - Escola Experimentar: entorno do prédio antigo

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Era composto por prédio escolar e área externa (destaque para encosta

de terra, barranco).

A área externa da sede antiga da escola é constituída de: quadras de

esportes, árvores, corredor (que se formou entre o prédio residencial e o muro da escola),

e que o professor Luis Henrique denominou no croqui 2 “bicicletário”, caixa d´água e

barranco.

Já o prédio da sede antiga da escola Experimentar é constituído de: corredor

central (liga o prédio à área externa da escola), banheiro masculino, banheiro feminino,

secretaria/direção, banheiro dos professores, salas de aula, refeitório, cozinha, biblioteca,

almoxarifado.

Seguem dois croquis do espaço escolar antigo:

FOTO 2 - Escola Experimentar: fachada do prédio antigo

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Na visita, confirmei os problemas infraestruturais do espaço escolar que

deram origem à transferência do coletivo da escola para outro espaço, principalmente,

as inúmeras infiltrações nas paredes da escola e, conseqüente, mofo. O colorido dos

desenhos pintados em algumas paredes da escola (decoração) me pareceu ofuscado

diante das infiltrações e da umidade do ambiente.

Ao contrário do espaço escolar antigo, o espaço escolar provisório que a

escola Experimentar ocupava – quando da realização do trabalho de campo da pesquisa

– não correspondia ao modelo de prédios escolares com os quais eu estava acostumada,

era uma espécie de “Casa de Campo”.

CROQUI 3 Desenho Prédio Escolar Antigo36CROQUI 2 Desenho Espaço Escolar Antigo35

35 O croqui 2 intitulado pelo professor “Escola de Cima” constituiu-se como desenho dos diversos ambientesque compõem o espaço escolar antigo da escola Experimentar.

36 O croqui 3 constituiu-se como desenho dos diversos espaços escolares que compõe o prédio escolarda sede antiga.

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Era um espaço/casa que estava sendo organizado, provisoriamente, como

um espaço/escola. Que ambientes constituíam, então, este espaço escolar provisório?

O espaço escolar provisório era constituído de um prédio residencial de dois andares e

terreno ao redor do prédio residencial – constituído por uma parte gramada e por outra

cimentada.

FOTO 3 - Escola Experimentar: visão frontal do prédio escolar provisório

FOTO 4 - Escola Experimentar:visão posterior do prédio

escolar provisório

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A parte gramada possui árvores, algumas flores e parquinho (com

escorregador e gangorras). A parte cimentada é composta por área localizada na entrada

da escola, outra área externa coberta com telhado e sem paredes (utilizada como sala

37 O croqui 4 intitulado por Luis Henrique de “Escola de Baixo” (“Granja”) constituiu-se como desenho dosdiversos ambientes que constituem o espaço escolar provisório.

CROQUI 4 Desenho Espaço Escolar Provisório37

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de artes/ refeitório). Além desses espaços, há uma piscina (que no período de observação

não foi utilizada) e, também, terreno anexo lateralmente à escola (sendo que, havia um

projeto de se construir uma horta em conjunto com os alunos).

O Térreo é composto de: entrada posterior ao prédio residencial – recepção;

sala de visitas (sala de aula com ambiente anexo utilizado como depósito); escada (acesso

CROQUI 5 Desenho Prédio Residencial Térreo38

38 O croqui 5 intitulado de “Térreo” constituiu-se como desenho dos diversos espaços escolares queconstituem o térreo do prédio residencial do espaço escolar provisório.

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ao andar superior); quarto (sala de aula); cozinha (cantina); área de serviço/copa (com

ambiente anexo utilizado como despensa), banheiro (intitulado pelo professor, no desenho,

de banheiro dos professores, mas que no dia a dia do período de observação foi utilizado

por todo o coletivo escolar: alunos, professores, funcionários e visitantes) e duas varandas

(utilizadas nas aulas de dança e de educação física).

CROQUI 6 Desenho Prédio Residencial Andar Superior39

39 O croqui 6, “Andar Superior”, constitui-se como desenho dos diversos espaços que constituem o andarsuperior do espaço escolar provisório da escola Experimentar.

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O Andar Superior é composto de: cinco quartos (duas salas de aulas –

uma contendo ambiente anexo utilizado como depósito, biblioteca, sala da direção e

secretaria, sala de vídeo e leitura); dois banheiros e, ainda, uma varanda ao redor do

segundo andar do prédio residencial.

No decorrer do processo de investigação que realizei na escola

Experimentar, fui tendo a sensação de que a arquitetura escolar diferenciada do

espaço escolar provisório constituía-se como metáfora da vivência cotidiana do

processo de transformação na proposta pedagógica da escola. Sensação - acredito

- que não era só minha. Durante uma reunião com professores, a diretora da escola

afirmou acerca da transferência para um espaço/casa: “A gente nunca teve cara de

escola mesmo”.

Escola tem “cara”? Que “cara” tem uma escola? Quem não saberia

descrever ambientes e situações que são comuns as mais diversas instituições escolares?

Acredito que a maioria de nós não teria dificuldades de responder a estes

questionamentos e, ainda, que a escola que descreveríamos apesar de pequenas

diferenças quanto aos detalhes, seria muito parecida em termos de estrutura e

funcionamento. Porém, a escola Experimentar - durante a realização do trabalho de campo

- constituiu-se como uma “escola estranha”. Estou aqui compreendendo “estranho” da

seguinte maneira:

Para entendê-lo melhor [o estranho], recorro à idéia de ordem,vista como toda situação em que cada pessoa e cada coisa seacham em seus devidos lugares, nem sempre ocupados por livree espontânea vontade. À idéia de ordem articula-se a de pureza.As coisas “fora do lugar” compõem o oposto da pureza,correspondendo ao “sujo”, ao “imundo”, aos ”agentes poluidores”.As coisas são sujas ou puras, então, mais em decorrência dolugar que ocupam em uma ordem de coisas (formulada pelos queprocuram definir e garantir a pureza), que por característicasinternas. O fator determinante é, em síntese, a localização noespaço social, é a situação mais ou menos “adequada”, é a maiorou menor conformidade com regras e normas estabelecidas,empregadas para apartar indivíduos e coisas (BAUMAN apudMOREIRA, 2005).

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Ao vivenciar o dia a dia da escola Experimentar estranhei algo que me

parecia familiar: o espaço escolar. “O fato é que as coisas que eu via não pertenciam ao

meu mundo. Nunca as havia visto daquele jeito” (ALVES, 2004, p.29).

ESPAÇO COLETIVO E PARTICIPATIVO

Pareceu-me que a transferência do coletivo escolar para um espaço escolar

provisório potencializou condições para a escola constituir-se como um espaço coletivo

e participativo. Descrevo, assim, alguns espaços-tempos vivenciados-interpretados, que

me pareceram apontar nesta direção.

Espaço Coletivo

Era recorrente, no dia a dia da escola observar, os transtornos advindos

das situações adversas enfrentadas pelo coletivo escolar, devido às condições

infraestruturais inadequadas do espaço escolar provisório, tais como: salas de aula lotadas,

excesso de calor, mobiliário inadequado, mofo nas paredes advindo de infiltrações, reflexo

da luz do sol no quadro de giz. Registrei em nota de campo:

Ao entrar na sala da professora Maria, provoco, sem querer, omaior alvoroço. Maria já estava tendo dificuldades de arranjar umlugar para um de seus alunos se sentar. A sala estava repleta. Euera mais uma pessoa a ser acomodada. Com boa vontade – daprofessora e dos alunos – eu e o aluno somos acomodados nasala. A aula começa. Percebo que há um espaço mínimo entre oespaço ocupado pelas carteiras e o quadro de giz. O espaço entreas fileiras de carteiras é quase inexistente. Durante o decorrerda aula a professora tem dificuldade de se movimentar entre ascar te i ras dos a lunos, uma vez que procura aux i l iá - losindividualmente. Observo, também, que não há uma mesa e nemuma carteira para a professora. Apenas, num canto da sala, háum armário, no qual a professora guarda os materiais que utilizaem aula. Tendo em vista a necessidade de acomodar todas ascrianças no espaço físico restrito da sala, as menores ocupam

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cadeiras e mesas utilizadas na educação infantil (apesar de tratar-se da turma de alfabetização). Alunos e alunas, durante todo operíodo da aula, reclamaram da falta de espaço físico e, também,do reflexo da luz do sol no quadro de giz (Nota de Campo).

Estas condições inadequadas geravam mal estar e desconforto e,

conseqüentemente, prejudicava o trabalho no dia a dia da escola. Porém, quero aqui enfatizar

como a escola Experimentar tem enfrentado as condições infraestruturais inadequadas em

seu dia a dia, destacando as astúcias da escola para enfrentar tais problemas.

O coletivo escolar buscava re-significar e re-elaborar os ambientes

escolares. Observei que a professora Maria, no evento descrito, pouco utilizou o quadro,

sendo que privilegiou folhas mimeografadas e livros (literatura) para trabalhar com as

FOTO 5 - Sala de Aula: 2ª Etapa do 1º Ciclo40

40 Esclareço que a sala de aula expressa na fotografia foi a primeira sala que a turma da professora Maria(2a Etapa do 1o Ciclo) ocupou no espaço escolar provisório. Ao longo do trabalho de campo esta turmafoi transferida para outra sala, devido às condições inadequadas. Porém, no dia em que observei aaula, acima descrita, a referida turma de alfabetização ainda ocupava aquela primeira sala.

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crianças. A professora, ainda, utilizou a área externa da escola para desenvolver algumas

atividades em grupo41.

Os diversos ambientes escolares, que constituem o espaço escolar

provisório, eram insuficientes para atender, separadamente, à demanda por sua utilização.

Portanto, o espaço tinha de ser necessariamente compartilhado com outros. Nesse

sentido, a sala de educação infantil do turno vespertino era, muitas vezes, utilizada como

sala de vídeo por outras turmas da escola – por ser a maior sala do espaço escolar

provisório. Os três banheiros da escola eram utilizados por todo o coletivo escolar –

alunos, professores, funcionários, direção e visitantes – não havia separação42. Também,

não havia uma sala específica para os professores, assim, no horário do recreio, estes

eram encontrados em diversos ambientes que constituem este espaço escolar, com

destaque para a cozinha da escola – o que favorecia o encontro com outros e uma relação

mais próxima, principalmente, com os alunos.

Outra necessidade advinda, ainda, das condições infraestruturais

insuficientes era a questão dos diversos ambientes que compõe o espaço escolar

serem utilizados numa perspectiva multifuncional. A sala de artes, no horário do recreio,

era utilizada como refeitório; o espaço da biblioteca era utilizado como sala para desenvolver

as atividades do projeto “Virando o Jogo” e a área externa da escola era utilizada, como

“sala de aula” em alguns momentos e como área de recreação em outros momentos.

41 Considero importante destacar o projeto “Leva e Trás” como uma das atividades desenvolvidas pelaturma da professora Maria na área externa da escola. O projeto “Leva e Trás” consiste numa atividadeproposta pela professora em um dia da semana, na qual as crianças – na área externa da escola –escolhem livros (que são trazidos numa mala de viagem toda decorada pela professora Maria) paralevarem para suas casas. Uma criança é sorteada ou se candidata a contar a história do livro queescolheu na semana seguinte. Interessante me pareceu – de acordo com orientação da professora aosalunos – que a criança sorteada poderia ler a história em casa, pedir alguém para ler a história para elaou, ainda, inventar uma história, tendo em vista as ilustrações do livro (Nota de Campo).

42 A fascinação das crianças e adolescentes pelos banheiros da “escola/casa” nos primeiros dias emcampo chamou minha atenção. Recordo a admiração dos alunos em relação, principalmente, ao boxedo chuveiro – muitos desconheciam. E, ainda, a reclamação que a funcionária da escola responsávelpela limpeza fez a Eleonora – contou que alguns alunos estavam utilizando o bidê como vaso sanitário.Foi, assim, necessário explicar aos alunos que o bidê e o vaso sanitário eram instalações com utilizaçãodiferenciada.

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Interpreto – a partir das descrições das maneiras através das quais a escola

tem utilizado seu espaço físico – que as vivências cotidianas nesse espaço escolar não

corroboram com a noção de espaço, geralmente, vinculada às escolas que freqüentamos

como estudantes e como professores, qual seja: a noção do espaço escolar como algo

fixo, esquadrinhado e hierárquico, no qual “cada indivíduo no seu lugar e, em cada lugar

um indivíduo” (FOUCAULT, 2004 [original 1987], p.123). Essas outras maneiras de

vivenciar os vários ambientes, que compõem o espaço escolar provisório, pareceram-

me potencializar uma noção de espaço escolar que celebra a coletivização das pessoas

que convivem na escola.

Espaço Participativo – A Escola que Construo Com...

A escola que construo com... Essa foi à sensação que tive, a partir de

construções interpretativas, tendo em vista vivências cotidianas na escola Experimentar.

Descrevo, a seguir, alguns episódios a partir dos quais interpreto como alunos, comunidade,

professores e direção estão envolvidos no processo de construção diária do espaço escolar.

Alunos

O primeiro episódio refere-se à questão da decoração da escola

Experimentar. Quando comecei a realizar o trabalho de campo da pesquisa, o coletivo

escolar havia se mudado do prédio antigo para o espaço escolar provisório há apenas

dois dias. No entanto, as paredes da instituição estavam já repletas com os trabalhos

realizados pelas crianças e adolescentes – o que chamou minha atenção, principalmente,

porque o próprio mobiliário da escola ainda não estava completo.

Ao observar as atividades expostas nas paredes das salas de aula, nos

diversos ambientes que compõem o espaço escolar e, ainda, nos muros da escola, era

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possível ler a postura adotada pela instituição em relação a sua organização curricular

alternativa. As atividades expostas denunciavam duas temáticas recorrentes – a questão

das relações étnico-raciais e a questão da diversidade. Denunciavam, também, outras

maneiras de ensinar e aprender na escola, tendo em vista a ampla utilização de artes

como estratégia de ensino.

Ao fotografar os trabalhos expostos, vários foram os momentos em que alguns

alunos vieram me dizer: “Oh tia, este trabalho fui eu quem fiz”. A meu pedido, as crianças

relatavam o trabalho por elas realizado. Observei que os alunos sentiam orgulho de serem

autores das atividades que constituem a decoração da escola. Interpretei que o coletivo

escolar com essa atitude aproximou essas crianças da escola, mobilizou-as no processo de

transformação de sua proposta educativa e, principalmente, criou espaço para que os alunos

se constituíssem como autores da escola que freqüentam.

Destaco, ainda, que a decoração da escola não era fixa, mas se renovava

em poucos dias diante de novos trabalhos realizados pelas crianças e adolescentes. É

como se as atividades expostas nas paredes e muros da escola fossem metáforas da

construção diária do referido espaço escolar, o que conferia a sensação de uma escola

viva, que se transforma a cada dia.

“O espaço educa, possui uma dimensão educativa” (FRAGO, 2001,

p.74). Percebo, assim, que a decoração como dimensão constitutiva do espaço

escolar era como uma forma silenciosa de ensino, que, em termos simbólicos, neste

caso, pareceu-me apontar para a construção coletiva e, principalmente, participativa

do espaço escolar.

Um outro episódio fala das mesmas questões: o processo de confecção

da nova blusa de uniforme da escola Experimentar.

Conversando com a professora Maria, durante o recreio, ela me contou

que houve um concurso na escola, para a eleição do desenho e de uma frase para a

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confecção da blusa de uniforme. A frase e o desenho deveriam expressar a escola que o

coletivo escolar estava buscando construir, tendo em vista tantas mudanças na maneira

de organização do ensino.

Assim, as crianças e os adolescentes apresentaram propostas, dentre as

quais, foi eleita a inscrição “Escola Feliz e Feliz Escola” e, ainda, o desenho do globo

terrestre repleto de pessoas – com enfoque em suas diversidades – como elementos

constituintes da blusa de uniforme.

Após o relato da professora, aproximei da aluna, cujo desenho da blusa

era de sua autoria, e elogiei sua criatividade. A aluna chamou minha atenção para seu

nome registrado na blusa de uniforme que a identificava como autora do desenho. A

criança questionou-me: “Você gostou, tia?”

FOTO 6 - Blusa de Uniforme: inscrição e desenho

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O relato da professora Maria acerca do processo de confecção da blusa de

uniforme da escola e a atitude da criança demonstrando sua satisfação em ser autora do

desenho me potencializou perceber que as crianças e os adolescentes estavam co-

engendrados no processo de participação da construção da então denominada Escola Feliz.

Comunidade, Professores e Direção

O relato de uma sucessão de eventos, a seguir, aponta para a participação

decisiva da comunidade, dos professores e da direção no processo de reivindicar, junto

aos organismos competentes, a resolução do problema de espaço físico da escola

Experimentar.

No início do mês de agosto de 2005, o coletivo escolar promoveu reuniões

com os pais dos alunos da escola e um assunto polêmico foi recorrente nesses eventos:

a questão de qual seria a opção mais adequada para a resolução do problema de espaço

físico da escola.

Eleonora informou aos pais que o prédio antigo – de acordo com laudo de

especialistas da Prefeitura Municipal – não oferecia condições para a reforma solicitada

pelo coletivo escolar. Então, o impasse era sobre qual seria a reivindicação do coletivo

escolar para solucionar o problema de espaço físico: se optariam por reivindicar junto à

Secretaria Municipal de Educação a reforma da “casa de campo” que provisoriamente

ocupavam, ou ainda, se a reivindicação seria a construção de um novo espaço escolar.

A diretora da escola e algumas professoras opinaram a favor da reforma

da “casa de campo”. Argumentaram que tinham receio, caso optassem pela construção

de uma nova escola, que essa fosse construída, tendo em vista um “modelo padrão” de

construção de escolas – uma “escola caixote” 43 – que, por sua vez, representa o “ideal

43 Expressão utilizada pelos participantes do estudo (Nota de Campo).

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de escola” tradicionalmente constituído e orientador da construção de espaços escolares

pelo poder público.

No entanto, era uma reivindicação antiga da comunidade a construção de um

espaço escolar no bairro no qual a maioria das famílias reside e não em um bairro próximo

como acontecia até aquele momento. “A escola não está no coração do bairro” – afirmou

uma mãe durante uma reunião de pais. Outras mães argumentaram, ainda, que caso a escola

ficasse mais próxima da comunidade – em termos de localização geográfica – talvez, isso

possibilitasse uma maior integração entre a escola e as famílias dos discentes.

Eram pontos de vista contrários. Mas, apesar da discordância inicial, ficou

decidido que o coletivo escolar reivindicaria a construção de um novo espaço escolar no

bairro no qual a maioria das crianças e adolescentes reside44. Astutamente decidiram

combinar que – comunidade, alunos, professores, funcionários e diretora – estavam

comprometidos a pensar e fazer reivindicações específicas no que concerne a planta do

espaço escolar a ser construído, no sentido dessa atender às especificidades da proposta

pedagógica da escola.

Em 30/09/2005, uma comissão composta pela diretora da escola, por

duas professoras, uma funcionária e quatro mães (representantes da comunidade no

colegiado da escola e de posse do abaixo-assinado), reuniu-se com a então secretária

municipal de educação e uma engenheira da prefeitura para reivindicar a construção

de um espaço escolar no bairro no qual a maioria dos alunos da escola reside.

Reivindicaram os seguintes ambientes para constituir o espaço escolar45:

no que se refere ao prédio escolar – nove salas de aula, duas salas multiusos (artes

44 Cabe ressaltar que mães de alunos que participaram das reuniões de pais ficaram responsáveis porpromover um abaixo-assinado na comunidade reivindicando a construção de um novo espaço escolarno bairro no qual residem, sendo que o documento depois de pronto contou com, aproximadamente,400 assinaturas (Nota de Campo).

45Informações registradas na agenda da diretora da escola Experimentar e copiadas com a autorização damesma, durante a entrevista que realizei com Eleonora.

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46 Eleonora esclareceu - ao explicar as reivindicações que o coletivo escolar fez em relação à planta deconstrução do novo espaço escolar - que a sala de apoio pedagógico e a sala de informática foramsugestões, respectivamente, da engenheira da prefeitura e da secretária de educação. A fala da diretorapareceu-me apontar para a questão de que estes espaços ressaltados não se constituíam comonecessidades primeiras da escola Experimentar.

47 Eleonora esclareceu, ainda em entrevista, que a postura adotada pelo coletivo escolar de procurardivulgar a proposta pedagógica da escola nos eventos que organiza e/ou participa (buscando registrar,valorizar e consolidar a proposta pedagógica) ajudou a escola a argumentar a favor da construçãode um novo espaço escolar e, também, a documentar as argumentações acerca da necessidade deter especificidades na planta de construção deste novo espaço. Neste sentido, registro a confecçãode um DVD produzido na Escola Experimentar intitulado “Escola Feliz, Feliz Escola”, cuja temáticaé a vivência cotidiana da organização curricular alternativa que a escola adotou. O DVD teve ofinanciamento do Fundo de Apoio à Pesquisa da Educação Básica (FAPEB) da Prefeitura Municipalde Juiz de Fora, sendo o roteiro e direção assinados pelo secretário da escola e o texto peladiretora, além de contar com depoimentos de professores, alunos, comunidade, entidadesgovernamentais e não governamentais acerca do trabalho cotidiano da escola.

em geral e artes cênicas), seis banheiros, dois banheiros adaptados (para alunos

portadores de necessidades especiais), uma biblioteca, uma secretaria, uma sala para

administração, uma sala para a coordenação pedagógica, uma sala de apoio pedagógico

(sugestão da engenheira), uma sala de informática (sugestão da secretária de educação),

refeitório para cem alunos, cozinha e dispensa; no que se refere à área externa: quadra

poliesportiva coberta e com vestiário, pátio com área aberta, área para horta, área verde

com parquinho de madeira e, ainda, a construção de um bebedouro de alvenaria46.

Durante a entrevista que realizei com Eleonora, a diretora ressaltou que as

reivindicações foram feitas dentro de um “certo limite”, pois a construção da escola não

podia destoar muito do “padrão de escolas” que são construídas pelo poder público,

devido a probabilidade maior de não ser aprovada a construção de um novo espaço

escolar, principalmente, se os custos financeiros fossem maiores que as “construções

padrões” de prédios escolares47.

Parece-me oportuno trazer aqui desenhos realizados, a meu pedido, pela

diretora, professor e professoras – com os quais estreitei relações durante o trabalho de

campo da pesquisa – que expressam a “escola dos sonhos” destes.

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Interpretei que os desenhos podem ser divididos em dois grupos.

O primeiro grupo é composto com os desenhos de Eleonora, Maria e

Luis Henrique, uma vez que estes desenhos possuem semelhanças marcantes, tais

como: espaço escolar sem muro (o de Eleonora possui uma pequena cerca), imerso

em área verde, com ruptura da noção de construção de um prédio escolar central

(compartimentado em vários espaços de maneira a favorecer a individualização das

pessoas); ao contrário, em seus desenhos destacam-se espaços independentes, mas

que favorecem a coletivização – galpão de artes, refeitório, quadra de esportes, forno

à lenha, horta.

48 Considero relevante relatar, pormenorizadamente, a explicação de Eleonora acerca do desenho de sua“escola do sonho”. O referido desenho e explicação me chamaram atenção por se distanciar dacompreensão “padrão”, geralmente, vivenciada e veiculada de espaço escolar. De acordo com Eleonora:“É uma escola com uma área de administração e chalés organizados numa área verde muito grande.Que não seja um prédio todo terminado. Mas, com chalés independentes para que a gente pudessetrabalhar numa perspectiva de educação por oficinas (...) E que as crianças pudessem trabalharindependente da idade, mas pelo gosto, pelo gosto de conhecer. (...) Eu penso, assim, uma escola quenão tenha muro, que não seja dividida, como aquela que a gente tem lá, né? (referência a sede antigada escola Experimentar). Ou que os muros sejam baixos, uma escola onde o acesso para a rua seja...Que as pessoas vejam o que está acontecendo lá dentro. Uma escola sem muro”. (Trecho da entrevistade Eleonora).

Desenho 1 - “Escola do Sonho: Eleonora48

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DESENHO 2 – “Escola do Sonho”: Maria

DESENHO 3 – “Escola do Sonho”: Luis Henrique

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O segundo grupo de desenhos, isto é, o das professoras Júlia, Ana e Lívia,

também, trazem semelhanças marcantes. A principal semelhança se refere à construção

dos desenhos ter como base – assim interpretei – o espaço que o coletivo escolar

provisoriamente ocupa. Ou seja, as professoras englobaram em seus desenhos as

especificidades do espaço escolar provisório (espaço/casa) – especificidades que

acreditam contribuir para uma “melhor” realização de seu trabalho. Reivindicaram,

também, em seus desenhos, espaços que suas experiências diárias apontam que fazem

falta no espaço escolar provisório49. No entanto, ao contrário do primeiro grupo, o prédio

residencial ocupa um lugar de destaque nas “escolas dos sonhos” dessas professoras.

DESENHO 4 – “Escola do Sonho”: Júlia

49 Neste sentido, pareceu-me que os desenhos, especialmente, de Lívia (no qual percebe-se a reivindicaçãoda professora para a construção de um salão de festas com cobertura; construção de uma sala para asaulas de artesanato, construção de uma sala específica para realização de oficinas de artes, teatro edança) e os de Ana (no qual percebe-se a reivindicação da professora para a construção de uma salaespecífica para o desenvolvimento das atividades do projeto “Virando o Jogo”, também, de uma salapara as aulas de artesanato e artes, sala de espelhos, quadra poliesportiva e área externa coberta).

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DESENHO 5 – “Escola do Sonho”: Lívia50

DESENHO 6 – “Escola do Sonho”: Ana

50 Lívia, durante a entrevista, ressaltou que na sua compreensão a “escola do sonho” era uma escola semmuro, cujo espaço escolar estivesse imerso em área verde (natureza). Porém, seu desenho apresentauma noção de espaço escolar diferenciada de sua explicação oral.

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DESENHO 8 – “Escola do Sonho”: Ana

DESENHO 7 – “Escola do Sonho”: Ana

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Voltando à questão da reivindicação de especificidades na planta do novo

espaço escolar para a escola Experimentar – quando da reunião do coletivo escolar

com a secretária de educação e com a engenheira– percebo que prevaleceu a “escola

dos sonhos” do segundo grupo de professoras – conforme já assinalado anteriormente,

por esse “modelo” ser mais próximo do “modelo padrão” de construção de espaços

escolares.

A partir da descrição desta sucessão de eventos, percebo a escola

Experimentar como um espaço participativo e formativo para a comunidade, professores,

direção e poder público. As reuniões de pais e a reunião na Secretaria Municipal de

Educação constituíram-se como espaços, nos quais essas pessoas tiveram a

oportunidade de se reconhecerem como partícipes do processo de construção (literal)

da escola.

Desenho 9 - Escola do Sonho: Ana

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Percebo que essas reuniões, vivenciadas pelo coletivo escolar,

constituíram-se como espaços da multiplicidade. Pontos de vista diferentes da questão

entraram em confronto. Do conflito, não houve subjugação – no caso da reunião de pais

especificamente – de uma opinão (das mães) sobre outra (da diretora e das professoras)

mas sim, decisão por uma postura (reivindicar a construção de um novo espaço escolar)

e, ainda, a produção de algo novo (problematizar, junto aos pais e ao poder público, a

noção tradicional de espaço escolar como “escola caixote”).

Interpreto, também, que as dificuldades e limitações cotidianas para

reivindicar uma “escola do sonho” não foram compreendidas como elementos de

frustração e estagnação – tendo em vista buscar um espaço escolar que consideram

melhor para exercer seu trabalho. Fizeram concessão no “ideal”, mas não deixaram de

reivindicar aquilo que lhes parecia importante mudar no modelo de construção de espaço

escolar impregnado tradicionalmente.

ORGANIZAÇÃO CURRICULAR ALTERNATIVA

Ao optar por adotar uma organização curricular alternativa, tendo as

temáticas das relações étnico-raciais e da diversidade como orientadoras do currículo,

a preocupação maior da escola era em assumir uma postura frente ao conhecimento –

conforme afirmou Eleonora em entrevista.

Nesta perspectiva, procuro, a seguir, descrever situações nas quais

pareceu-me emergir espaços de vivências acerca das temáticas orientadoras da

organização curricular alternativa da escola. Parece-me oportuno advertir, ainda, que

nos episódios descritos não procuro compreender como a escola trabalha

“conceitualmente” essas temáticas, mas sim, como no dia a dia da escola constituem-se

espaços de vivências, nos quais essas questões surgem – assim interpretei – com força

e caráter formativo.

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Relações Étnico-Raciais

Um episódio que presenciei na cozinha da escola, quando participei dos

preparativos da festa junina no, então, corrente ano de 2005, pareceu-me emblemático

no sentido de expressar como a escola cotidianamente se constitui, também, como um

espaço de contradição, de conflitos mediante seu propósito de vivenciar transformações

em sua proposta pedagógica.

Estávamos na cozinha da escola trabalhando nos preparativos da festa

junina: eu, uma mãe de aluna, duas alunas do turno matutino, uma professora de artes da

escola e suas duas filhas, a cantineira e a funcionária responsável pela limpeza do espaço

escolar. A cantineira preparava as comidas que seriam vendidas na festa. A professora

de artes e suas filhas pintavam caixinhas de madeiras que, também, seriam vendidas no

evento com o objetivo de arrecadar fundos para a escola. As alunas confeccionavam os

“rostos” nas bandeirolas – colavam “olhos”, ”boca”, ”nariz” e ”cabelos” feitos de papel

color 7. Eu e a funcionária preenchíamos sacos de papel com brindes a serem entreges

na barraca da pescaria51. Concomitantemente a realização das tarefas descritas

conversávamos de maneira alegre e descontraída. Vários foram os assuntos abordados,

porém, um especialmente me chamou atenção.

Entre risos, surge o comentário acerca dos filhos gêmeos e negros de uma

personagem de novela52. A mãe de uma aluna da escola fez o seguinte comentário sobre

as referidas crianças da novela: “Ôh, crioulinhos feios”. Uma das alunas presentes

(negra) reage à fala da mãe (também negra): “Ôh tia, isso é preconceito seu”. A mãe,

então, que havia feito o comentário argumentou: “Não é preconceito, não. Os crioulinhos

da novela são feios” e, ao notar o descontentamento da menina, complementou: “Mas

você, Janaína, é uma crioulinha bonitinha”.

51 Destaco que as bandeirolas e os sacos de brinde da pescaria foram confeccionados pelos própriosalunos da escola Experimentar.

52 Referência a uma novela, na época (em junho/2005), em exibição numa emissora de televisão brasileira.

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Percebendo a evidente expressão de descontentamento e indignação

da menina/aluna/negra com sua fala, a referida mãe busca auxílio da professora de

artes e pede que ela explique à menina que o que disse não era preconceito. A

professora, então, afirmou que não era preconceito da mãe dizer que os filhos da

personagem eram crioulinhos feios, porque segundo a professora: “Existem crioulinhos

feios e crioulinhos bonitos. Nem todo negro é bonito, assim como, nem todo branco

é bonito também”.

Após a explicação da professora de artes notei tristeza e decepção não

apenas nos olhos da menina que havia questionado a fala da mãe de uma colega sua,

mas também, nos olhos de sua companheira na tarefa de confeccionar “rostos” para as

bandeirolas. Sucederam minutos de silêncio.

A vivênvia deste episódio me suscitou algumas questões: 1. a indignação

demonstrada pela menina/aluna/negra – perante a fala da mãe de uma colega sua – foi

potencializada por suas vivências na escola Experimentar acerca da questão das relações

étnico-raciais?; 2. ao demonstrarem sentir tristeza e decepção com os comentários da

mãe e, também, da professora de artes, as alunas não apontam uma construção

interpretativa diferenciada da mãe e da professora de artes acerca da questão?; 3. Não

foi, principalmente, nas relações que estabeleceram ao longo de suas vidas que esta

mãe e esta professora de artes constituíram maneiras para interpretar no que consiste

“ser crioulo”, “ser feio”?; 4. Assim, a situação vivenciada pela mãe e pela professora de

artes não problematizou concepções já estabelecidas das mesmas acerca da questão?

Percebo que a escola Experimentar tem se ocupado de um trabalho que

problematiza questões referentes às temáticas das relações étnico-raciais e da

diversidade e, ainda, que busca oferecer espaços para que as pessoas envolvidas no

dia a dia deste espaço escolar tenham outras perspectivas de interpretação acerca destas

questões. No episódio descrito, a contradição, o conflito, a coexistência de diferentes

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perspectivas de interpretação acerca da questão apontada, se fizeram presente na

construção diária deste espaço escolar.

Diversidade

Descrevo aqui algumas situações vivenciadas em campo, nas quais darei

destaque às decisões cotidianas do coletivo escolar em relação a um aluno que a escola

recebeu no primeiro semestre de 2005 – um aluno que já havia sido expulso de outras

escolas e estava disposto a novamente sê-lo53.

A escola Experimentar recebeu Renato e, em sua dinamicidade, o colocou em

uma sala de alunos maiores, mais próximos à sua idade, apesar deste aluno ainda não ser

alfabetizado. Isto causou estranheza e agrado ao discente54. Percebi, assim que houve uma

flexibilização na compreensão de espaço escolar para atender as especificidades desse

aluno. Renato passou a receber uma atenção especial de todo o coletivo escolar55.

Além da flexibilização do espaço, percebi, também, uma flexibilização do

tempo, pois o aluno não conseguia permanecer na escola por mais de duas horas. A escola

o aceitou, assim, na sua diferença: ele era encaminhado para casa após o período de

duas horas. Esta atitude da escola, num primeiro momento, causou-me espanto. Pensava

53 Renato é o codinome do aluno, ao qual estou me referindo. Este aluno foi encaminhado à escolaExperimentar pelo Juizado de Menores. Órfão, o menino que contava 10 anos em 2005, mora com suaavó em um bairro de periferia. Apresenta diagnóstico médico de distúrbio de comportamento e tomaremédio controlado todos os dias.

54 Registrei em nota de campo a importância atribuída por Renato a esta atitude da escola, transcrevo:Renato saiu da sala de aula descontrolado. Agrediu verbalmente sua professora, seus colegas de turmae funcionárias da escola. Eleonora veio ao seu encontro, segurou seu braço e conseguiu com muitoesforço que o aluno a acompanhasse até sua mesa para que pudessem conversar. Durante a conversaque tiveram, a diretora inferiu o motivo da agressividade, da inquietação de Renato – ele não haviatomado o remédio que faz uso diário. Porém, chamou minha atenção a preocupação demonstrada porRenato quando já estava mais calmo. Ele perguntou se iria ser expulso da escola, afirmou que nãoqueria que isto acontecesse, pois, assim, ele teria que voltar a estudar com crianças pequenas emoutros espaços escolares (Nota de Campo).

55 Neste sentido, destaco a atenção dispensada pela professora Lívia – responsável pelo projeto “Virandoo Jogo” – que trabalhava com Renato no dia a dia da escola atividades voltadas para seu processo dealfabetização, num trabalho cooperativo com a professora Júlia – professora regente na classe na qualRenato foi inserido.

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que este aluno necessitava de mais tempo na escola, uma vez que estava “defasado” em

sua aprendizagem, estava “atrasado”. Ao contrário desta minha compreensão, num segundo

momento, percebi que ao respeitar o tempo, o ritmo de Renato, a escola, de fato, o recebeu.

Ele foi acolhido e cuidado. Aos poucos, o tempo de permanência deste aluno na escola –

quando da realização do trabalho de campo – estava se ampliando.

A professora Júlia – responsável pela turma na qual Renato foi incluído (1a

Etapa do 2o Ciclo) – abordou, na entrevista que realizei com esta professora, uma situação

conflituosa que vivenciou com sua turma devido às especificidades de Renato. Júlia contou-

me que foi questionada por seus outros alunos porque apenas Renato podia permanecer

somente duas horas na escola. Sobre como vivenciou esta situação, Júlia esclareceu:

Eu tive um conflito muito grande comigo. Por que deixar ele fazer certascoisas e os outros não? Mas eu tinha que pensar e os meninos tinhamque pensar também, que ele era diferente nessa questão, porque elenunca ficou na escola igual aos meninos que estão aqui desde o pré.Pra ele o tempo de ficar dentro de sala, não é igual ao dos meninos queestão acostumados desde o pré. Porque até, então, ele nunca freqüentoua escola no horário normal. Querer que ele ficasse aqui quatro horas,era pedir demais. Ele nunca freqüentou, ele tem que começar aospouquinhos pra ele adaptar. Até o momento em que ele vai ficar. Igualtem dia que ele quer ficar e fica (Trecho da entrevista de Júlia).

Interpretei – a partir do descrito – que a escola Experimentar tem tomado

decisões que se propõem a lidar, efetivamente, com a diferença, com a mobilidade

humana, com as mudanças, com o devir. Pensa o mundo e se pensa no mundo como

sempre aberta, sempre fazendo-se, sempre em movimento.

Outras Possibilidades de Ensinar e Aprender

O conhecimento é trabalhado numa outra perspectiva na escola. Nesse

sentido, percebi uma especificidade da proposta pedagógica, que é: arte em geral –

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especialmente, música, dança, teatro, desenho, brincadeiras, jogos – não são momentos

à parte do fluxo do processo de ensino-aprendizagem, mas são elementos que constituem

a tarefa educativa. O educar/aprender – assim interpretei – rompe com a preocupação

em desenvolver apenas dimensão cognitiva do aluno – que tem na razão seu emblema –

e, agora, perpassa os sentidos.

A arte surge como uma perspectiva, como um ponto de vistaatravés do qual a aprendizagem vai ser concebida. Entendida soba perspectiva da arte, a aprendizagem possui características quenão foram consideradas no âmbito da psicologia tradicional. Desaída, o desempenho de uma atividade artística como tocar uminstrumento, pintar um quadro ou escrever um poema não seenquadra no modelo de adaptação ao mundo externo. Oaprendizado de uma arte não se submete aos parâmetros dasolução de problemas e da adaptação, mas envolve umaaprendizagem permanentemente criadora e um direito aoinacabamento que é sua marca. O aprendizado da arte não seesgota na aquisição de respostas e de regras cognitivas. Oaprendiz-artista não é aquele que repete mecanicamente umamesma resposta ou uma regra definida, mas aquele que é capazde reinventar-se permanentemente, inventando simultaneamentenovos mundos. A aprendizagem da arte desenvolve-se numa tensãopermanente entre a invenção de problemas e a solução deproblemas. O direito ao inacabamento aponta para um processode aprendizagem permanente, mas também de desaprendizagempermanente, pois o verdadeiro artista é aquele que jamais abandonaa sua condição de aprendiz (KASTRUP, 2005, p.1280).

FOTO 7 – Escola Experimentar: apresentação artística no Espaço Mascarenhas

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FOTO 8 – Escola Experimentar: exposiçãoartística no Espaço Mascarenhas

FOTO 9 – Escola Experimentar: exposiçãoartística no Espaço Mascarenhas

FOTO 10 – Escola Experimentar: exposição artística no Espaço Mascarenhas

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Interpreto que esta postura da escola Experimentar potencializa uma ruptura

com a noção de processo de ensino-aprendizagem, prioritariamente, como “transmissão de

conhecimento”. Ao contrário, a adoção das artes como parte integrante do processo

educacional favorece a produção de efeitos de sentido sobre o vivenciado no espaço escolar.

Materiais Auxiliares

Trabalhar o conhecimento numa outra perspectiva – buscando ter uma

postura perante o ato de conhecer – exigiu, também, o suporte de “materiais pedagógicos”

FOTO 11 – Escola Experimentar: exposição artística noEspaço Mascarenhas56

56 As fotografias foram realizadas em evento promovido pela Secretaria Municipal de Educação no EspaçoMascarenhas (espaço cultural localizado no centro de Juiz de Fora) em 23/11/2005. Na oportunidade,algumas escolas do município apresentaram números de dança e expuseram trabalhos desenvolvidospelos alunos em Mostra cuja temática orientadora era “Arte na Escola”. Os alunos da escola Experimentarapresentaram três números de dança (sendo as músicas e as danças relacionadas com a propostapedagógica – o que diferenciou a apresentação da escola das outras apresentações dos outros espaçosescolares). A escola expôs, ainda, desenhos inspirados na arte africana (que foram emoldurados para aexposição), esculturas de bustos africanos e, também, calendário africano – todos trabalhos realizadospelas crianças e adolescentes que freqüentam a escola.

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diferenciados dos, até então, comuns no espaço escolar. Esses materiais foram sendo

adquiridos aos poucos, conforme se faziam necessários57.

Devido à importância atribuída à brincadeira de faz de conta na

educação infantil, a escola adquiriu algumas fantasias que ficam penduradas num

cabideiro num canto da sala de aula e podem ser utilizadas livremente pelas

crianças, quando estas brincam. Adquiriu, ainda, bonecas de pano com diferentes

“cor de pele”: brancas, morenas e negras. A escola, também, tem se dedicado a

montar um acervo de livros cujas temáticas são voltadas para artes em geral

(literatura, pintura, escultura, música e dança – principalmente, da cultura africana

e, mais recentemente, sobre os saberes populares). Durante o período de

observação em campo, percebi que esses livros são utilizados no dia a dia da

escola com diversas finalidades. No que se refere às apresentações artísticas

dos alunos da escola Experimentar, principalmente, as danças, a escola conta

com um acervo de vestimentas e adereços tipicamente africanos, além de

instrumentos musicais.

Enfim, são materiais auxiliares ao ato de educar, que foram e são escolhidos

não por sua função em si, mas por se relacionarem com a proposta pedagógica da

escola58. São materiais que perpassam as relações que se estabelecem no processo

educativo, portanto, integram o processo de subjetivação das pessoas que convivem na

escola. Aqui, quero reforçar uma diferença que me parece importante: estes materiais

não são usados numa perspectiva técnico-instrumental simplesmente, eles são

vivenciados.

57 Registro as dificuldades que a escola enfrenta cotidianamente para armazenar os “materiais auxiliares”que adquire e fabrica, devido à falta de espaço físico adequado para guardar o acervo no espaço escolarprovisório.

58 Cabe ressaltar que há dificuldade da escola adquirir esses materiais auxiliares, pois não são classificadoscomo “materiais didáticos pedagógicos” e com isso não podem ser adquiridos com verba municipal,uma vez que não se encaixam nos formulários de prestação de contas da Prefeitura Municipal.

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DISCIPLINA

Descrevo, a seguir, um episódio referente a uma discussão em torno da

questão disciplinar no espaço escolar. O episódio refere-se aos portões da escola: um

conflito quanto à permanência dos portões abertos ou seu fechamento.

Tendo em vista uma fala de Eleonora, “descobri” que a escola mantinha

seu portão de entrada aberto. Os discentes em fila, após o recreio, escutam a diretora

questionar a atitude de alguns alunos terem se ausentado do espaço escolar no horário

da recreação. Eleonora assinalou que a escola mantém o portão de entrada aberto e

que, assim continuaria sendo, pois os discentes precisavam compreender que não é o

fato de fechar o portão que indicaria que eles não poderiam sair sozinhos e quando

quisessem daquele espaço escolar, mas sim a compreensão, por parte deles, que esta

atitude os colocava em perigo.

Porém, outro dia de observação no campo e um olhar atento ao diálogo

entre uma professora e uma funcionária da escola demonstraram uma outra compreensão

para a mesma questão. Incomodada com o fato dos alunos correrem, durante o recreio,

dentro do prédio residencial (no qual se situam as salas de aulas) e, também, por considerar

perigoso as corridas desses discentes pela escada que leva ao segundo andar do prédio,

uma funcionária trancou a porta. Ao ser questionada pela professora sobre a porta fechada

(uma vez que não se constituia como prática comum) explicou seus motivos: afirmou que

não adiantava falar com as crianças e que, assim, o problema estava resolvido.

Questiono: não há toda uma pedagogicidade implícita nestas posturas

diferenciadas em relação ao permanecer em abertos ou fechados os portões da escola?;

Essas situações não são espaços formativos, tanto para os alunos quanto para os

professores? Quero ressaltar, neste episódio, a leitura que faço da escola Experimentar

como espaço de contradições, de conflitos.

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A questão da disciplina na escola, também, era um assunto polêmico nas

reuniões do coletivo escolar. Relato discussão suscitada durante uma reunião de

professores, na qual perspectivas contraditórias de compreender a questão da disciplina

no espaço escolar foram confrontadas.

Um grupo de três professoras – todas do turno matutino – reivindica uma

postura entendida como “mais enérgica”, no que se refere à questão da disciplina no

espaço escolar59. Essas docentes solicitaram o estabelecimento de normas mais rígidas

de conduta a serem seguidas pelos discentes, dizendo o que pode e o que não pode ser

feito pelas crianças e adolescentes na escola, além do estabelecimento de punições

para possíveis infrações a essas normas.

A direção e alguns professores – tanto do turno da tarde como da manhã –

reagiram com veemência a esse apelo, argumentando quanto à incoerência de tal

reivindicação com a proposta pedagógica da escola. Eleonora argumentou: “Eu acho

complicado uma escola que tem essa postura de educar, de conversar, agora punir,

instituir ocorrências, suspender o aluno”. A essa fala reage uma professora da manhã,

ao afirmar que: “Se a gente não pune agora, quero ver o que vai dar no futuro(...)”. Ao

que outra professora contrapõe: “Acho que não deveríamos ficar imaginando o que vai

dar no futuro. Temos que trabalhar com o presente”.

Ou seja, alguns professores e a diretora da escola não concordavam com

o estabelecimento de normas de condutas a serem seguidas pelos alunos que – se não

cumpridas – levariam a punições. Esse grupo insistiu na postura do diálogo com as

crianças e adolescentes como maneira apropriada para lidar com a questão da disciplina

no espaço escolar. No entanto, castigos, suspensão e expulsões eram providências

59 Esclareço que apesar de meu exercício de observar o cotidiano da escola ter se “limitado” ao turnovespertino – nos eventos realizados pela escola ou naqueles que a instituição participou (reuniões,festas, comemorações etc) – entrei em contato com professores do turno matutino que ministramaulas para a 2a e 3a Etapas do 2o Ciclo e, também, para 1a e 2a Etapas do 3o Ciclo – que “corresponderia”ao ensino de 4a à 7a séries.

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requeridas por outros professores desse mesmo espaço escolar, que argumentavam

ser necessário manter a ordem na instituição.

O grupo que reivindicava uma postura “mais enérgica” em relação à

disciplina no espaço escolar argumentou que conversar nem sempre resolve o problema

da indisciplina. Porém, estes professores foram questionados – pelo grupo que defendia

a postura do diálogo – acerca da garantia de eficácia da atitude da escola estabelecer

normas de condutas para garantir a disciplina na escola.

A polêmica perdurou por algum tempo e, apesar de protestos, ficou acertado que

todo o coletivo escolar deveria pensar maneiras educativas de lidar com a questão da disciplina.

Os episódios, acima descritos, me remeteram à seguinte fala de Foucault:

(...) a arte de punir, no regime do poder disciplinar, não visa nem aexpiação, nem mesmo exatamente a repressão. Põe emfuncionamento cinco operações bem distintas: relacionar os atos,os desempenhos, os comportamentos singulares a um conjunto,que é ao mesmo tempo campo de comparação, espaço dediferenciação e princípio de uma regra a seguir. Diferenciar osindivíduos em relação uns aos outros e em função dessa regra deconjunto – que se deve fazer funcionar como base mínima, comomédia a respeitar ou como o ótimo de que se deve chegar perto.Medir em termos quantitativos e hierarquizar em termos de valoras capacidades, o nível, a “natureza” dos indivíduos. Fazer funcionaratravés dessa medida “valorizada”, a coação de uma conformidadea realizar. Enfim traçar o limite que definirá a diferença em relaçãoa todas as diferenças, a fronteira externa do anormal... A penalidadeperpétua que atravessa todos os pontos e controla todos osinstantes das instituições disciplinares compara, diferencia,hierarquiza, homogeniza, exclui. Em uma palavra, ela normaliza.(FOUCAULT, 2004[original 1987], p.152).

Questiono: quando aprendemos em nossa trajetória de formação de

professores a lidar com a questão da disciplina na escola? O modelo de punir, instituir

ocorrências, de suspender o aluno não foi vivenciado por muito de nós ainda quando

estudantes? Não reproduzimos, muitas vezes, no dia a dia da escola as relações de

poder às quais fomos submetidos?

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Pareceu-me claro, nessas passagens cotidianas descritas, o desenho do

espaço escolar como um espaço de vivências e, por isso, de enfrentamentos, de conflitos.

As perspectivas distintas de compreensão do que constitui a disciplina na escola se

enfrentam revelando o lugar da multiplicidade neste processo. As pessoas envolvidas

vão tendo subsídios a partir dos quais podem construir posturas outras perante questões

que emergem ao vivenciarem seu cotidiano.

PRÁTICA AVALIATIVA

Considerei interessante iniciar a discussão acerca da vivência cotidiana

da prática avaliativa na escola Experimentar com a seguinte anotação de campo:

“Não é progressão automática. É sistema de ciclos. A avaliação queos professores realizam na escola é mais difícil que dar nota. A gentenão quer uma escola que só valorize os alunos ótimos” – afirmouEleonora em uma reunião com pais de alunos. A diretora estavaargumentando a favor da opção da escola em adotar o sistema deciclos de ensino. Uma mãe de aluna havia dito na reunião que a escolaestava “mal falada” no bairro no qual reside, uma vez que não tinhareprovação de alunos na instituição (Nota de Campo).

A organização do ensino em ciclos de estudo na escola Experimentar –

assim interpretei – constituiu-se numa outra possibilidade na maneira de experenciar o

tempo neste espaço escolar, ou seja, problematizou uma certa “idéia de tempo”.

Parece-me oportuno partir da descrição dos mitos gregos de Cronos e

Kairós para discutir a temporalidade diferenciada da proposta pedagógica vivenciada

na escola Experimentar. O Mito de Cronos:

Segundo a mitologia grega, Cronos é filho de Urano e Gaia. Uranoocultava sistematicamente seus filhos, ao nascerem, no corpo deGaia. Revoltada, ela convence Cronos a enfrentar Urano. Ao lutarem,Urano acaba sendo castrado por Cronos, que assume o poder.Ele se casa com Réia e têm vários filhos. Mas, ao tornar-se o

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soberano, Cronos aprisiona seus irmãos e passa a devorarsistematicamente seus próprios filhos logo após terem nascido,por receio a uma profecia lançada por Urano, segundo a qual Cronostambém seria destronado por um filho. Entretanto, um dos filhosde Cronos, Zeus, nasce e refugia-se em uma gruta, onde cresceem segurança. Mais tarde, Zeus enfrenta Cronos, e o faz libertaros outros filhos que havia engolido (GARCIA, 2005).

Garcia (2005) nos chama atenção para a metáfora subjacente ao mito de

Cronos, no sentido desta nos potencializar compreender uma certa noção de tempo

(cronológico) que tem preponderado na organização curricular das instituições que muitos

de nós freqüentamos como estudantes e professores.

A noção de tempo cronológico tem sido utilizada nas instituições escolares

como instrumento de poder (Cronos assume o poder ao derrotar Urano). A compreensão

de tempo numa perspectiva cronológica – tendo em vista as dimensões de passado,

presente e futuro – implica no estancamento da intuição e da criatividade (implicações

simbolizadas pela castração de Urano) e, ainda, a busca por preservar o poder, avaliando

possibilidades e estabelecendo limites para o futuro (no mito atitudes simbolizadas pelas

ações de Cronos prender seus irmãos e devorar seus filhos).

Nas instituições escolares que vivenciamos – organizadas em séries,

bimestres e horas-aula – o planejamento do que deve ser ensinado em um determinado

“espaço de tempo” não é minuciosamente realizado a priori? (nesta perspectiva, não há

espaço para a criatividade, para a intuição). E, ainda, a prática avaliativa nestas

instituições não “reifica” os resultados como determinantes acerca daquilo que os

discentes podem aprender no futuro? (aqui estou me referindo a compartimentatização

do conhecimento em disciplinas, em níveis de complexidade – que tem como pressuposto

o aprendizado de determinados conteúdos antes de outros).

Pareceu-me que a noção de tempo escolar implícita na reivindicação da

mãe – explicita no trecho da nota de campo acima (volta ao sistema de seriação do

ensino) – é a do tempo cronológico e suas características básicas, quais sejam:

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linearidade, progresso constante e homogeneidade. Em outras palavras, que as crianças

e adolescentes que freqüentam a escola Experimentar deveriam estar aprendendo do

mesmo modo e ao mesmo tempo, tendo em vista os padrões socialmente estabelecidos.

A vivência na escola Experimentar me fez questionar essa noção de tempo

cronológico como única possibilidade de se perceber a temporalidade no espaço escolar.

Prosseguindo com a compreensão de Garcia (2005) acerca do mito de Cronos, o autor

nos chama atenção para a questão de que não há controle total sobre o futuro (na narrativa

mitológica, compreensão simbolizada pela atitude de Zeus que no momento oportuno

enfrenta Cronos). Outra noção de tempo emerge: o tempo compreendido como

acontecimento. Recorro ao mito de Kairós para expressá-la:

Na mitologia grega, Kairós é um atleta de características obscuras,que não se expressa por uma imagem uniforme, estática, maspor uma idéia de movimento. Metaforicamente, ele descreve umanoção peculiar de tempo, uma qualidade complementar em relaçãoà noção de temporalidade representada por Cronos. Kairós refere-se a uma experiência temporal na qual percebemos o momentooportuno em relação a determinado objeto, processo ou contexto.Em palavras simples, diríamos que Kairós revela o momento certopara a coisa certa. Kairós simboliza o instante singular que guardaa melhor oportunidade, ele é o momento crítico para agir, a ocasiãocerta, a estação apropriada (GARCIA, 2005).

Vivenciei essa outra percepção de tempo quando, ao optar por uma

organização curricular alternativa, o coletivo da escola Experimentar decidiu ter como

pressupostos orientadores de suas atividades cotidianas as seguintes noções: 1. todos

são capazes de aprender e 2. todas as pessoas são diferentes. Minha vivência diária na

escola me permitiu experenciar como estes pressupostos têm alterado as maneiras

através das quais o coletivo escolar estabelece relações com seus alunos.

Neste sentido, pareceu-me a iniciativa da realização do projeto “Virando

o Jogo” na escola Experimentar. Ao acompanhar a professora Lívia e as crianças, em

suas atividades, percebi que esse espaço se constituía como um dos espaços/tempos

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que vivenciei e interpretei potencializadores do intuito da escola de materializar esta

postura diferenciada perante o aluno em relação ao processo de ensino-aprendizagem.

A professora Lívia trabalhava, neste projeto, com as crianças de maneira individual e/ou

em pequenos grupos, o que a possibilitava planejar as atividades a serem desenvolvidas

pelos alunos com os quais trabalhava de maneira a atender às dificuldades escolares

específicas de cada discente. Além disso, notei que as atividades elaboradas pela

professora buscavam despertar a curiosidade e o desejo das crianças, e, também, sua

imaginação e criatividade.

Uma máquina de escrever antiga era objeto de desejo dos alunos que

participavam do projeto – muitos em fase de alfabetização queriam escrever seu nome

utilizando a máquina de datilografar. O “jogo com material dourado”60 permitia a professora

trabalhar com um pequeno grupo de alunos (2 ou 3). O jogo envolvia as crianças e a

professora, sendo que além do material dourado eram utilizados, também, dois dados.

As crianças e/ou professora jogavam os dados, num primeiro momento, tinham que somar

o valor numérico dos dados, em seguida, coletar em “cubos” o valor correspondente. A

cada 10 cubos tinham o direito de trocar por uma barra e a cada 10 barras tinham o

direito de trocá-las por um quadrado. Unidade, dezena e centena eram noções, assim,

trabalhadas com as crianças.

Outra atividade que chamou minha atenção foi à confecção de “livros” pela

professora Lívia na forma da temática de uma pequena história. Alguns livros continham

pequenas histórias que deveriam ser ilustradas pelas crianças em cada página e, em

outros livros, a criança deveria inventar sua própria história.

60 O material dourado é um material didático pedagógico que auxilia o professor a trabalhar a noção devalor numérico com as crianças. O material é composto de cubos, de barras (compostas de 10 cubos“colados” em uma fileira) e quadrados (dez barras de fileiras de cubos “coladas”).

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Observei o entusiasmo dos alunos com as atividades diversificadas, com as

quais tinham contado no projeto “Virando o Jogo”. Crianças com dificuldades mostravam-se

empolgadas em “arriscar a aprender” porque sem o “peso”, “a obrigação” e, ainda, “a

comparação com outro” – características, geralmente, constituídoras do processo de ensino-

aprendizagem nos espaços escolares com os quais tive contato em minha trajetória de vida.

Nesta perspectiva, ainda, registrei o seguinte episódio em nota de campo:

Estava na biblioteca acompanhando as atividades do projeto “Virandoo Jogo” quando, de repente, entra Gabriela (aluna da professora Júlia)correndo e pedindo ajuda à professora Lívia. Gabriela explica a Líviaque Júlia havia proposto uma atividade em sala de aula e ela estavanervosa porque não estava conseguindo realizar a atividade sozinha.Descreveu a proposição da atividade nos mínimos detalhes para queLívia a ajudasse. Fiquei boquiaberta com a correta compreensão deGabriela do que a professora Júlia havia proposto em sala de aula, poisquando do início da realização do trabalho de campo da pesquisa haviapercebido as dificuldades de Gabriela de expressar seus sentimentos,de interagir em diálogo com o outro (Nota de Campo)61.

DESENHO 10 – Livro “O Homem Aranha”

61 A atividade proposta pela professora Júlia consistia em quatro retângulos com gravuras dispostos emfileiras numa folha de papel A4, sendo que a seqüência de gravuras sugeria a possibilidade de construçãode uma história. Assim, Júlia pediu que as crianças, num primeiro momento, narrassem a história“inventada” oralmente e, em seguida, escrevessem a história narrada.

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Gabriela conseguiu contar a história, oralmente, à professora Lívia, mas

teve dificuldades de reproduzir a história numa linguagem escrita. Percebi entusiasmo e

pré-disposição da aluna para aprender mesmo com suas dificuldades. A criança, ainda,

não havia concluído seu processo de alfabetização, porém, seu processo de

desenvolvimento me pareceu excepcional.

Percebi, assim, que no espaço/tempo do projeto “Virando o Jogo”

compreender o que é importante aprender para aquela criança que participa do projeto

é uma ação cotidiana. Não há pré-estabelecido o que ensinar e o que aprender. Quero

reforçar aqui algo que me parece importante: as atividades elaboradas por Lívia no projeto

“Virando o Jogo” eram pensadas tendo em vista as dificuldades específicas dos alunos

com os quais trabalha. Há um abrir-se às especificidades das subjetividades ali em

formação.

Antes das atividades começarem – quando observava as aulas do projeto

– inúmeras foram às vezes que escutei o “desabafo” das crianças acerca de suas tristes

e duras histórias de vida, suas dificuldades do dia a dia62. Lívia as escutava com respeito,

procurava contar as dificuldades que também enfrentou/enfrenta em sua vida. Aqui percebi

novamente um descentramento do ato educativo apenas do aspecto cognitivo, conferindo

espaço para o reconhecimento do aspecto emocional como dimensão a ser trabalhada

no processo de desenvolvimento da criança.

Faço aqui uma ressalva que me parece importante: ao descrever duas

possibilidades de experienciar o tempo escolar (Cronos e Kairós) não o faço no sentido

de sobrepor uma perspectiva em relação à outra. Ao contrário, estou apontando a

potencialidade da coexistência das duas maneiras de vivenciar o tempo no espaço

escolar.62 Estou me referindo aqui a problemas comuns vivenciados por muitos alunos da escola Experimentar,

tais como: casos de alcoolismo na família, violência, fome etc. A fala da professora Joana, na oportunidadeda entrevista, pareceu-me forte e propícia. A professora disse: “Eu não ia dá conta de viver na realidadeque eles vivem, cada caso... Um pior que o outro (..)” (Trecho da entrevista da professora Joana).

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Quero destacar também, que a construção de possibilidades outras de

vivenciar a prática avaliativa na escola Experimentar, não tem ocorrido sem entraves,

sem conflitos.

Durante a reunião de professores, ao final do primeiro semestre de 2005,

a questão da problemática acerca da construção dos relatórios de observação do

desenvolvimento dos alunos foi expressa pelos professores e, também, pela diretora da

escola.

A noção de prática avaliativa como parte integrante do processo de ensino-

aprendizagem, isto é, ênfase no processo e não no resultado, pareceu-me compreensões

adotadas pela maioria dos professores da escola. Porém, suas dificuldades residiam

no que concerne ao registro do desenvolvimento do aluno, uma vez que, conforme

advertido por Eleonora na oportunidade da reunião, não adiantava mudar o instrumento

de avaliação, caso não se mudasse também os critérios para realizar a prática avaliativa.

Enfim, não adiantava romper com notas e conceitos se a racionalidade orientadora da

construção dos relatórios fosse a mesma. Professores expressaram compreender a

advertência de Eleonora, mas confessaram seus medos e inseguranças em realizar a

tarefa de construir os relatórios de observação de seus alunos, afinal, as escolas que

vivenciaram como estudantes e professores não tinham por hábito fazer uma avaliação

contínua.

O que esta discussão – acerca da elaboração de relatórios de observação

do desenvolvimento dos alunos – me potencializa pensar acerca da noção de prática

avaliativa vivenciada cotidianamente na escola Experimentar? Interpreto que a escola

está em movimento no que se concerne à questão da avaliação. Apenas a ruptura com

notas e conceitos não foi suficiente para que ocorresse uma prática avaliativa contínua

no cotidiano deste espaço escolar. Não há uma resposta pronta e acabada para resolver

esta problemática com a qual se depara. O coletivo escolar, de maneira geral, está

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percebendo que terá de criar no dia a dia uma prática avaliativa – mais especificamente,

critérios para a construção dos relatórios – que seja condizente com a postura diferenciada

que optou por assumir perante o processo pedagógico. Quero destacar aqui a

configuração deste espaço escolar como espaço de devir.

ESCOLA E COMUNIDADE

As coisas têm que mudar. Eu penso, assim,queremos contar com os pais para defenderemo nome da escola.

Eleonora63

Observei que a comunidade demonstra, no cotidiano da escola, atitudes

de desconfiança e receio em relação ao processo de transformação na proposta

pedagógica deste espaço escolar. Nesse sentido, registrei em nota de campo:

Eleonora, ao se juntar aos professores na cozinha, com uma expressãoperplexa relata um comentário de uma mãe de aluno: “Gente! A Valériaobservando a aula de dança [que estava acontecendo na área externa]me disse que o que mais gosta na escola é o jeito que tratamos nossosalunos, no entanto, complementou: ‘pena que não ensina’ ” (Nota deCampo).

Neste e em outros momentos de vivências em campo percebi que, de

maneira geral, a comunidade gosta da maneira como o coletivo escolar se relaciona

com seus filhos, tendo em vista um profundo respeito que percebem que a escola dedica

as crianças e aos adolescentes. Porém, parecem acreditar que essa atitude implica

63 Trecho da entrevista de Eleonora.

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numa exigência menor, no que se refere à aprendizagem dos alunos, em relação a outros

espaços escolares.

No episódio descrito, a mãe estranha à freqüência com que os alunos

permanecem em outros ambientes do espaço escolar, que não a sala de aula, pois

compreende que tal situação representa um menor tempo dedicado ao processo de

ensino-aprendizagem. Ou seja, há uma concepção de espaço escolar subjacente a tal

questionamento: um espaço entendido como continente, fixo, esquadrinhado e

individualizado, no qual cada um ocupa um lugar específico – sendo que a sala de aula,

nesta compreensão de espaço escolar, assume centralidade, pois é entendida como o

lugar por excelência da atividade educativa.

Quando esta mãe percebe que na escola Experimentar há uma outra noção

de organização do espaço, na qual os vários ambientes são utilizados de maneiras

diferentes e por todos, por desconhecer a racionalidade desta outra organização espacial,

ela nega tal organização e entende que a escola não está exercendo sua função da

“maneira correta”.

Os parâmetros que a comunidade tem do que seja uma escola são outros

e, definitivamente, estes parâmetros não têm auxiliado os pais das crianças e

adolescentes a lerem e reconhecerem a escola Experimentar com o “ideal de escola”

que possuem. A professora Maria expressou esta compreensão em entrevista:

No imaginário das pessoas, o que eles querem pros filhos deles, é aescola que eles não tiveram, né? Então, é essa escola da tabuada, aescola do decorar, escola de provas. Esta escola que eles queriam tere não tiveram, né? E aí, estar entendendo uma nova proposta... isso éo que eu acho assim, né? Eu acho que entra um pouco em choque(Trecho da entrevista de Maria).

E que parâmetros são estes? Eu diria que são aqueles que trazem em seu

bojo a noção da missão civilizadora da educação – compreensão que emergiu com

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força quando da generalização da instrução pública, advinda de um contexto histórico-

social específico64.

O ideal da missão civilizadora da educação se definiu por um duplo intuito:

1. levar o educando – supostamente idealizado como ocupando uma posição de carência

ou falta, portanto, significado negativamente – àquilo que o educador/civilizador acredita

que detém; 2. consolidar o caráter universal da educação – a tarefa educativa deveria

ser propagada, levada homogeneamente a todos os lugares e povos, tomada como una

(COSTA, 2005, p.1261-1262).

A ação educativa, nesta perspectiva, consiste em converter o educando

(“outro”) à imagem e semelhança de quem educa (civilizador). Costa (2006) esclarece

que personagens encarnariam as figuras do “educador/civilizador” e do “outro”. No que

concerne ao educador/civilizador:

A figura do “educador” seria encarnada por uma cultura européiahumanizada que celebrava a emergência de um novo homem. Umhomem que se pensava e que se queria individualizado, racional,livre, esclarecido, empreendedor. Um indivíduo que, embora aindamuito sensível aos valores e à moral do Deus cristão e de suaigreja, atrevia-se a contrariá-los, desvendando e dominando ossegredos de um universo cada vez menos divinizado, tornado infinitopelo conhecimento que, então se passava a ter da matemática eda geometria. Um homem que, por intermédio das leis e dasinstituições, acreditava ter encontrado uma base racional e sólida,garantidora de uma sociabilidade justa e fraterna entre seus pares.Um homem, enfim, que de tão vaidoso de si, de seusconhecimentos, valores, técnicas, e de sua ciência, queria estender-se e estendê-los para além de seu velho continente, até as “novas”terras, domínios e povos com os quais passava a ter contato, pormeio de suas audaciosas navegações e de sua irrefreável sede deriquezas (COSTA, 2005, p.1263).

Já o “outro”:

O “outro”, por sua vez, seria essa estranha e ambígua figura do“selvagem”, habitante dos trópicos, que tanto encantava e causavaespanto aos primeiros viajantes europeus que, por sua vez, aqui

64 Estou me referindo aqui ao início do que se convencionou chamar de Modernidade. Para maioresinformações consultar a nota nº 12.

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chegaram, com sua “ingenuidade”, sua “pureza”, sua “indolência”,sua vida dita “primitiva”, sua “falta de pudor”, sua “preguiça”, suacrença e costumes exóticos etc. O “outro” seria tupi, seria guarani,mas também seria maia e asteca. E, ainda, os aboríginesaustralianos, os negros do Continente Africano, os árabes esarracenos, ou mesmo estranhos povos do Oriente, versões outrasda alteridade (COSTA, 2005, p.1263).

Qual foi o legado de imagens sobre o que é ensinar e aprender que esta perspectiva

de compreender educador/civilizador e o educando/“outro” nos deixou como herança?

(...) Ensinar seria “passar adiante”, transmitir, tal e qual, o queanteriormente já havia sido pensado, “descoberto”, feito, cultivadoe praticado por outros homens, por suas instituições, pela culturaetc., em suma, tudo aquilo que, nestes termos, teria assumido osentido de exemplar, modelar. A aprendizagem, por seu turno,estaria vinculada a recognição, isto é, ao reconhecimento e arepetição do que havia sido ensinado, transmitido. Assim, tanto aprática do ensino quanto à prática da aprendizagem foramassociadas à reprodução e à repetição do mesmo, do igual, dosemelhante. (COSTA, 2005, p.1264).

A escola Experimentar percebeu-se em crise e buscou transformar sua

proposta pedagógica devido à constatação da ineficiência desse “modelo ideal e

universal” do que consiste ensinar e aprender para suprir as especificidades da

comunidade que atende. Destaco aqui os altos índices de reprovação e evasão que a

escola possuía em 1998 – quando iniciou o processo de transformação em sua proposta

pedagógica.

Esse espaço escolar percebeu a necessidade de abrir-se para as

diversidades de seus alunos. Essa postura do coletivo escolar – assim interpreto –

potencializou uma ruptura na maneira de compreender a relação entre educador e

educando – uma vez que ensinar, nesse espaço escolar, não está sendo compreendido

como suprir uma falta ou carência do educando (sendo que, ao final do processo, este

deveria assemelhar-se ao educador, reproduzindo respostas). Ao contrário, na escola

Experimentar o relacionar-se com o “outro” tem se constituído como princípio educativo,

assim, ensinar consiste em inventar possibilidades e oportunidades para que o educando

invente a si mesmo e ao mundo que o cerca.

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Interpreto, ainda, que a dificuldade da comunidade vivenciar tais

transformações reside naquilo que Nietzsche chama de “vontade de verdade”, qual seja:

“Necessidade não de algo seja verdadeiro, mas que seja tido como verdadeiro. A questão

não é propriamente a essência da verdade, mas a crença na verdade”. (MACHADO,

1999, p.75). Assim, se a escola tem problemas no dia a dia, é preciso encontrar uma

resposta “verdadeira” para “superar” os problemas. A comunidade atendida pela escola

Experimentar parece acreditar que a “resposta adequada” aos problemas que identifica

na escola seria à volta ao que compreende como um “modelo ideal de escola”.

Em contrapartida, observei, também, que esse espaço escolar inventa

cotidianamente espaços para uma maior aproximação com a comunidade. Nesse

sentido, a principal estratégia adotada pela escola foi começar a se relacionar com os

pais de seus alunos numa outra perspectiva. Não se trata de uma relação baseada em

direitos e deveres – tão comum nos espaços escolares que conhecemos. Ao contrário, a

escola abriu-se às especificidades da comunidade, procurando envolvê-la no processo

de transformação de sua proposta pedagógica. Portanto, a escola busca promover ou

participar de eventos, sendo que as atividades e apresentações das crianças e

adolescentes, nestas situações, estão sempre relacionadas com a proposta curricular

alternativa que adotou, como é o caso do desfile de sete de setembro e da comemoração

do dia da consciência negra na escola.

No início do trabalho de campo, estranhei a atitude de algumas professoras

de não “cobrar” que as crianças trouxessem os “deveres” prontos de casa. Observei, por

conseguinte, que nesse espaço escolar não se exige que mães – muitas analfabetas –

auxiliem seus filhos corrigindo o dever de casa. Como dar aquilo que não se tem? Porém,

esta escola não ignora aquilo que as mães e pais podem contribuir no dia a dia do

espaço escolar. Nesse sentido, observei que as roupas para a festa junina foram feitas

por uma mãe de aluna. A mãe cobrou um preço mais acessível:

Cheguei na porta da diretoria/secretaria e observei que Eleonora estavaexperimentando o vestido que utilizaria na festa junina. A costureira eramãe de aluna da escola e também estava na sala. Eleonora nosapresentou. A mãe costurou vestidos para a diretora, para a filha da

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diretora e para algumas crianças – cujas famílias não têm condiçõesde providenciar as vestimentas para festa. A diretora pechinchou commãe o preço dos vestidos. A mãe fez um desconto, porém, menor doque pedido pela diretora, afinal de contas, comentou a mãe: “A vida tádifícil, né?” (Nota de Campo).

Em entrevista, Eleonora acrescentou que alguns pais confeccionam os

materiais de carpintaria que a escola precisa, tendo em vista os materiais auxiliares

específicos que a escola utiliza no processo de ensino-aprendizagem.

Percebo que esses espaços de relação com mães e pais acontecem numa

perspectiva de cooperação. Os pais precisam de trabalho, a escola precisa de quem

realize trabalhos dos quais necessita no dia a dia e, ainda, a escola aproveita a

oportunidade para aproximar-se da família.

Outra astúcia utilizada pelo coletivo escolar para aproximação com a

comunidade é dar prioridade às festas que os pais gostam de participar, assim,

acompanhei a expectativa e o entusiasmo com que a comunidade esperou a realização

da festa junina na escola em 2005. Houve uma mobilização coletiva nos preparativos da

festa. As crianças e adolescentes produziram a decoração da festa, algumas mães

freqüentaram o espaço escolar – dias antes da festa – para ajudar nos preparativos;

outras mães contribuíram com alimentos e prendas para serem vendidos durante o evento

e arrecadar fundos para a escola. No dia da festa Junina uma avó de aluna comentou

comigo: “Neste bairro aqui (no qual se localiza a escola) quase não tem festas, então,

quando há uma festa como esta (festa junina) eu fico até o último sair” (Nota de Campo).

Interpreto, a partir deste contexto, que a relação da escola com a

comunidade é perpassada por conflitos (os pais desconfiam da seriedade da proposta

pedagógica da escola). Porém, numa outra perspectiva, esse espaço escolar tem criado

oportunidades para que as famílias conheçam e tenham outros subsídios que as permitam

repensar suas compreensões acerca da proposta de educação alternativa que a escola

Experimentar tem procurado construir no seu dia a dia.

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EVENTOS DA ESCOLA

Sete de Setembro

Moço, esse negócio de marchar não combinacom a gente (...).

Eleonora65

Ao chegar na Avenida Rio Branco, esperei, aproximadamente, meia hora

até a chegada de um ônibus que trouxe o coletivo da escola Experimentar (alunos, quatro

mães, duas professoras e diretora) para o desfile de sete de setembro, em 2005. Fiquei

emocionada logo que avistei crianças e adolescentes. Os meninos e as meninas da escola

Experimentar vestiam trajes típicos dos povos dos quais nós brasileiros descendemos:

índios, portugueses, africanos; ao contrário das outras crianças e adolescentes de outros

espaços escolares que, seguindo a tradição, vestiam os uniformes de suas escolas.

65 Resposta de Eleonora há um funcionário da Secretaria Municipal de Educação que ligou para escolacom intuito de agendar uma data para os alunos aprenderem a marchar, tendo em vista o desfile de setede setembro, em 2005 (Nota de Campo).

FOTO 12 – Desfile de Sete de Setembro: alunos da escola Experimentar

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Em alguns momentos do desfile as crianças e adolescentes da escola

Experimentar deram-se as mãos. Ao invés da marcha, uma caminhada, movimentos de

dança.

FOTO 13 – Desfile de Sete de Setembro: alunos de outro espaço escolar

FOTO 14 – Desfile de Sete de Setembro: mãos dadas

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O desfile dos alunos da escola Experimentar parecia provocar o público,

que, por sua vez, manifestou-se com aplausos calorosos emocionados ou, ao contrário,

gritando de maneira pejorativa “índios”, “macacos”. Em cada manifestação do público,

observava a reação dos meninos e meninas da escola, que, em sua maioria, pareceram-

me satisfeitos com suas vestimentas típicas.

No evento em que anualmente comemoramos a data de independência do

país, qual a simbologia implícita às rupturas que o desfile da escola Experimentar realizou

com algumas tradições, tais como, utilizar uniforme escolar e marchar durante todo o desfile?

Uma leitura possível – ruptura com a pretensa homogeneização dos sujeitos. Somos todos

diferentes, multiculturais, híbridos, não andamos no mesmo ritmo, numa mesma direção.

O desfile de sete de setembro pareceu-me constituir-se como espaço de

Foto 15 - Desfile de 7 de Setembro

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vivenciar a diversidade. As crianças e adolescentes da escola tiveram a oportunidade

de construírem outras interpretações possíveis para “como elas se vêem”. Participar do

desfile contribuiu para que os alunos da escola construíssem outras interpretações de

“ser negro”, de “ser índio”, enfim, de “ser brasileiro”. Interpretações que problematizam a

leitura que cotidianamente fazem de si mesmas.

Dia da Consciência Negra na Escola

A escola Experimentar comemorou o Dia da Consciência Negra66 na escola

convidando a comunidade para: 1. assistir à encenação realizada por alunos do Auto do

Boi Bumba67; 2. observar a exposição dos trabalhos desenvolvidos pelas crianças e

adolescentes ao longo do ano de 2005 e 3. visitar uma Mostra Fotográfica que retratou o

cotidiano na escola Experimentar.

A encenação realizada por alunos da escola Experimentar do Auto do Boi

Bumba havia sido apresentada alguns dias antes no Cine Teatro Central – localizado no

centro da cidade de Juiz de Fora. Na oportunidade várias escolas do município

apresentaram danças e outras atividades artísticas no evento organizado pela Secretaria

Municipal de Educação. A apresentação da escola Experimentar foi destaque devido à

pertinência da temática, à empolgação e ao envolvimento das crianças e, ainda, à beleza

estética do espetáculo apresentado68.

66 O Dia da Consciência Negra na escola foi comemorado em 19 de novembro de 2005.67 O coletivo escolar – durante o período do trabalho de campo – repensou os eixos temáticos orientadores

de sua organização curricular alternativa e acrescentou a questão dos saberes populares. Expandiu,assim, a proposta do projeto África-Brasil para África-Brasil-Brasileiro, tendo a encenação do Auto doBoi Bumba (festa típica da região Amazônica) como marco nesta nova orientação.

68 O evento foi registrado em notícia de jornal de grande circulação no município, tendo como ilustração edestaque no texto da reportagem, respectivamente, uma foto realizada durante a encenação das criançasda escola Experimentar no palco do Cine Teatro Central e elogios à performance das crianças e dosadolescentes desse espaço escolar.

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Porém, muitos pais não puderam assistir a apresentação de seus filhos,

uma vez que a encenação ocorreu no centro da cidade – distante do bairro no qual residem.

Devido à ressonância da apresentação, o coletivo escolar refletiu que seria relevante

realizar a encenação para a comunidade atendida pela escola.

Essa decisão me pareceu constituir-se como um espaço, uma oportunidade

para as famílias dos alunos terem contato com a proposta pedagógica da escola. Percebi

que essa atitude do coletivo escolar buscava a valorização e consolidação de sua proposta

de educação alternativa.

Na comemoração do Dia da Consciência Negra na escola, crianças e

adolescentes encenaram o Auto do Boi Bumba:

FOTOS 16, 17 e 18 – Encenação do Auto do Boi Bumba

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Na oportunidade, a escola também expôs os trabalhos que haviam sido

desenvolvidos pelas crianças e adolescentes ao longo do ano de 2005 e que tinham,

como eixo-central, a questão das relações étnico-raciais e a questão da diversidade. A

comunidade teve, assim, a oportunidade de compreender como a escola trabalha com

os eixos-temáticos orientadores do seu currículo no dia a dia e, ainda, como a escola

acompanha o desenvolvimento de seus filhos – registrado nos trabalhos expostos.

Foi promovida, também, uma Mostra Fotográfica acerca do cotidiano da

escola. As fotografias do dia a dia na escola Experimentar foram realizadas por um

fotógrafo profissional contratado com recursos do Fundo de Apoio a Pesquisa na

Educação Básica (FAPEB) da Prefeitura Municipal de Juiz de Fora. As fotografias foram

ampliadas e emolduradas em quadros para serem expostas na Mostra Fotográfica.

Foto 19 – Convite da Mostra Fotográfica69

69 Fotógrafo: Abílio Maiworm Weiand.

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Observei que a exposição constituiu-se de: – fotografias dos vários espaços

que compõem a escola Experimentar (percebi o destaque dado nas fotos à arquitetura

diferenciada do espaço escolar provisório, escola/casa); – fotografias das crianças e

adolescentes que freqüentam a escola (com destaque para os traços tipicamente africanos,

penteados e roupas típicas da cultura africana); – fotografias retratando a relação com o

outro (entre professores, professoras, alunos, alunas, funcionários e diretora) em diferentes

ambientes do espaço escolar (com destaque para a área externa da escola). E, ainda,

chamou minha atenção a ênfase dada pelo fotógrafo ao encontro de olhares entre adultos

e crianças, também, uma fotografia em especial, que registrou um costume peculiar do

cotidiano da escola Experimentar – a reunião do coletivo da escola no início do turno

vespertino para cantar e dançar cantigas de roda70.

70 Por várias vezes participei deste “costume” do coletivo da escola Experimentar. A sensação que tinha, nestasocasiões, era a de que a música tomava a escola e que as pessoas que compartilhavam a atividade estavamem comunhão, no sentido de relacionar-se com outros. Sensação muito diferente das que vivenciei em outrosespaços escolares que perpassaram minha vida, nos quais era preponderante a postura de segregar aspessoas, individualizar – seja por idade, por série ou por função que desempenhavam no espaço escolar.

71 Fotógrafo: Abílio Maiworm Weiand.

FOTO 20 – Cantigas de Roda71

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Muitos foram os intempestivos que vivenciei durante o trabalho de campo

da pesquisa neste espaço escolar. Intempestivo aqui como: “(...) uma experiência, um

acontecimento, (daqueles que) interrompem a história, a revolucionam, criam uma nova

história, um novo início” (KOHAN, 2004, p.60). Porém, no dia de comemoração do dia

da consciência negra na escola, vivenciei uma situação que considero emblemática da

especificidade da proposta pedagógica desse espaço escolar. Ao chegar na entrada da

sala, na qual estava sendo organizada a Mostra Fotográfica, vejo Beatriz – aluna portadora

de necessidades especiais72 – diante da porta olhando boquiaberta, maravilhada a

fotografia de abertura da Mostra: era uma fotografia sua, debaixo de uma árvore (na

área externa da escola), com uma boneca negra nas mãos. Observei seus olhos

marejados, que denunciavam um misto de admiração e orgulho de ser quem é. Impressão

que foi confirmada quando Beatriz me avistou, pegou em minha mão e disse: “Olha só,

tia. Tia, eu sou bonita”.

Quando Beatriz olhou sua fotografia na abertura da Mostra Fotográfica e

admirou-se, não estava diante de uma maneira diferente de compreender suas

necessidades especiais? De compreender a si mesma? Aqueles que participaram e

visitaram a mostra também não tiveram a oportunidade de construir outras compreensões

de si e do outro?

O ESPAÇO ESCOLAR COMO ESPAÇO DE CONSTRUÇÃO DE SUBJETIVIDADES

A imersão no cotidiano da escola Experimentar – através das vivências de

diversas situações e acontecimentos – possibilitou-me perceber que nesse espaço

escolar, alunos, professores, funcionários, comunidade, diretora, visitantes, eu

74 Beatriz era aluna da professora Maria. A criança tinha sete anos, mas devido a um problema motor queretardava seu desenvolvimento físico, sua estatura e seu peso eram muito abaixo do que seria padrãopara sua faixa etária. A menina utilizava constantemente aparelhos ortopédicos que a auxiliavam aandar.

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(pesquisadora) – estavamos todos diariamente, reitero diariamente, sendo desafiados

a realizar um movimento incessante de desconstrução/construção “daquilo que somos”.

A proposição de transformação na proposta pedagógica deste espaço escolar

adveio da constatação de que seus alunos, em sua maioria, “se viam” como pessoas

inferiores, pouco inteligentes e fadadas a viver em contextos de miséria e violência, devido

à sua condição sócio-econômica desfavorecida e, também, pela cor de sua pele ser

negra. Minha vivência do processo de transformação na proposta pedagógica da escola

– quando da realização do trabalho de campo da pesquisa – propiciou-me perceber

que os alunos estão fazendo outras leituras de si, quando sentem orgulho de usarem as

vestimentas africanas nos eventos da escola, quando incorporam músicas da cultura

africana em suas brincadeiras, quando conseguem olhar para si, para suas diversidades

e se reconhecerem nelas.

Percebi, também, que pensar outras possibilidades de ensinar e aprender,

de compreender o conhecimento, de lidar com as questões da avaliação e disciplina no

dia a dia da escola e de relacionar-se com a comunidade têm colocado as subjetividades

ali em formação em “maior instabilidade”. Interpreto, assim, que a escola Experimentar

tem fomentado novas formas de subjetividade não apenas para os alunos, mas sim,

para todos que participam no dia a dia da escola: professores, diretora, funcionários,

comunidade, pesquisadora. Relacionar-se com o outro tem se constituído como princípio

básico do processo educativo neste espaço escolar. Esta postura da escola – assim

pareceu-me – problematiza a noção de subjetividade já e para sempre constituída.

Porque a idéia do que é uma pessoa, ou um eu, ou um sujeito, éhistórica e culturalmente contingente, embora a nós, nativos deuma determinada cultura e nela constituídos, nos pareça evidentee quase “natural” esse modo tão “peculiar” de entendermos a nosmesmos (LARROSA, 1995, p.40-41).

Interpreto, também, que a percepção da noção de subjetividade como em

construção – como processo – é potencializada a partir das vivências dos espaços

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formativos “inventados” diariamente na escola Experimentar. Aqui estou compreendendo

por espaços formativos, dentre outros, as reuniões com pais e professores, os eventos

que a escola organiza e/ou participa, a convivência nos diversos ambientes da escola

etc. Nessas oportunidades, percebi que na relação com o outro se constitui à

multiplicidade. Observei, assim, que distintas trajetórias coexistem nesse espaço escolar,

sendo que uma afeta a outra e, por vezes, esse embate faz explodir conflitos, contradições,

desacordos – há possibilidade da existência de mais de uma voz. Assim, não há “a

verdade” acerca da maneira de ensinar e aprender, de compreender conhecimento,

disciplina, avaliação, da maneira de relacionar-se com a comunidade.

Do encontro e/ou do desencontro de múltiplas maneiras de ser e estar na

escola, surge abertura para a transformação daquilo que a escola tem sido, daquilo que

cada um de nós envolvidos no dia a dia do espaço escolar estamos sendo... “Nada é

desde sempre nem para sempre. Também não há um método único nem receitas

infalíveis” (KASTRUP, 2005, p.1287). Assim, o processo de construção das subjetividades

nesse espaço escolar é sempre devir, nunca está finalizado.

Estas reflexões acerca da possibilidade de compreensão da subjetividade

como em constante processo de fazer-se me potencializa pensar que: as subjetividades

se constituem como relações de forças que se estabelecem no, e constituem o

espaço, ou seja: espaço e subjetividades são partes integrantes do mesmo

processo, são produtos e produtores mútuos, se constituem mutuamente. Essa

formulação tem inspiração em Nietzsche, em suas concepções de relação de forças:

E sabeis sequer o que é para mim “o mundo”? Devo mostrá-lo avós em meu espelho? Este mundo: uma monstruosidade de forças,sem início, sem fim, uma firme, brônzea grandeza de força, quenão se torna maior, nem menor, que não se consome, mas apenasse transmuda, inalteravelmente grande em seu todo, uma economiasem despesas e perdas, mas também sem acréscimo, ourendimento, cercada de “nada” como de seu limite, nada deevanescente, de desperdiçado, nada de infinitamente extenso, mascomo força determinada posta em um determinado espaço, e nãoem um espaço que em alguma parte estivesse “vazio”, mas antes

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como força por toda a parte, como jogo de forças e ondas de forçaao mesmo tempo um e múltiplo, aqui acumulando-se e ao mesmotempo ali minguando, um mar de forças tempestuando e ondulandoem si próprias, eternamente mudando, eternamente recorrentes,com descomunais anos de retorno, com uma vazante e enchentede suas configurações, partindo das mais simples às maismúltiplas, do mais quieto, mais rígido, mais frio ao mais ardente,mais selvagem, mais contraditório consigo mesmo, e depois outravez voltando da plenitude ao simples, do jogo de contradições devolta ao prazer da consonância, afirmando ainda a si próprio, nessaigualdade de suas trilhas e anos, abençoando a si próprio comoAquilo que eternamente tem que retornar, como um vir-a-ser quenão conhece nenhuma saciedade, nenhum fastio, nenhum cansaço(...) quereis um nome para esse mundo? Uma solução para todosos seus enigmas? Uma luz para todos nós, vós, os maisescondidos, os mais fortes, os mais intrépidos, os mais da meia-noite? – Esse mundo é à vontade de potência – e nada alémdisso! E também vós próprios sois essa vontade de potência – enada além disso! (NIETZSCHE, 1999 [original 1884/1888], p. 449-450).

Inspirada nesta cosmologia arrisco pensar que as subjetividades, como

relação de forças, são constituídas no e constituidoras do espaço. Estou assumindo,

conforme Massey (2004, p. 8), três proposições sobre o espaço que, tomadas

conjuntamente, interpenetrando-se, parecem dar um pouco desta noção de espaço que

estou aqui discutindo: 1. é um produto de inter-relações; 2. constitui-se como possibilidade

da existência da multiplicidade; 3. está sempre em processo, é devir, está sempre sendo

construído.

As compreensões aqui expressas, de subjetividade e de espaço –

inspiradas/constituídas a partir das vivências cotidianas na escola Experimentar –

embasam a discussão, a seguir, acerca da escola como espaço da construção da

subjetividade do educador.

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Narrativa dos Professores

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ESCOLA COMO ESPAÇO DA CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE EDUCADOR73

Isso que somos e que temos que chegar a serestá claramente do lado da invenção. O homemé um animal da invenção.

Larrosa.

Pareceu-me que o professor e as professoras – com os quais estreitei

relações no processo de pesquisa – perceberam-se em crise, tendo em vista suas vivências

cotidianas do processo de transformação na proposta pedagógica da escola Experimentar.

As experiências do dia a dia no referido espaço escolar têm questionado a

idéia de “professor ideal” que prevalecia na interpretação destes sobre o “ser professor”.

Percebem ou já desconfiam que não há um “modelo de ser professor” capaz de responder

definitivamente suas dúvidas e incertezas diárias. Assim, o professor e as professoras

estão sendo obrigados a desmanchar suas compreensões do que consiste “ser

professor” e tendo de construir cotidianamente outras maneiras de “ser professor”, tendo

em vista a vivência de situações e acontecimentos desafiadores.

Porém, desconstruir a noção de “professor ideal” que possuem não tem

sido tarefa fácil. Eles não foram formados para a dúvida, para a incerteza... Percebo que

é dentro dessa perspectiva de interpretação que sentimentos como os de frustração,

medo, insegurança foram expressos em suas entrevistas para traduzir o descontentamento

desses com uma prática cotidiana incerta. É a partir desta crença de que há um “jeito

certo de ser professor”, que o professor e as professoras fazem construções interpretativas

acerca das vivências cotidianas de seu trabalho e percebem-se em crise.

Nessa perspectiva, o professor Luis Henrique e a professora Joana

expressaram o desejo de desistir da profissão. Luis Henrique não conseguindo representar

73 As discussões apresentadas neste tópico foram publicadas de maneira sucinta no formato de artigo emlivro composto por coletâneas de textos acerca da temática formação de professores no mundocontemporâneo. Consultar CLARETO; SÁ (2006, p.19-38).

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o papel do professor que ele mesmo – a partir de suas vivências, experiências e estudos

idealizou, disse: “eu não sou professor”. Questionado sobre qual seria o motivo de tal

afirmação, respondeu: “eu faço tudo errado, na minha cabeça eu sei o jeito certo de

fazer, mas na prática dá tudo errado, você viu” e, ainda, “tem... tudo tem uma forma

ideal, né?” 74. Já a professora Joana – com a voz embargada e com lágrimas escorrendo

pelo rosto – argumentou que as crianças das camadas populares estão imersas numa

situação de pobreza absurda e, ainda, que não vislumbra que a inserção dessas no

espaço escolar público contribua para melhorar suas condições de vida. Esta situação

descrita – segundo Joana – a faz pensar em desistir da profissão, pois:

É tudo muito difícil... Eu falava com mais empolgação [no início dacarreira]. Eu acho que a educação tá ficando muito difícil, porque asala de aula tá difícil, as turmas estão difíceis, as crianças estão muitodifíceis (Trecho da entrevista de Joana).

Já a professora Maria declarou ter medo de não estar fazendo “o melhor”

no exercício diário de seu trabalho como professora alfabetizadora:

Ontem eu até chorei. Ah... Porque é a tensão, né Érica? De ver assim...De medo de não estar fazendo a coisa certa com as crianças,entendeu? Tenho muito medo, eu tenho essas cobranças assim. Temcriança que não lê, né? Eu sei que todo mundo passa isso, isso énormal. Mas, não sei, assim... dá o maior medo, né? De que você estáfazendo as coisas erradas, de que você poderia estar fazendo melhor.De repente agora, no final do ano, você descobre como você podia terfeito, né? (Trecho da entrevista de Maria).

74 Registrei em nota de campo: As aulas do professor Luis Henrique, quase sempre, utilizam a áreaexterna da escola. Seu trabalho com as crianças descentra o processo educacional do aspecto cognitivodos alunos e perpassa, também, o trabalho com o corpo, um processo educacional que trabalha ossentidos e não apenas a razão. Assim, as crianças, geralmente, vivenciam práticas culturais africanas:brincadeiras, danças folclóricas, costumes. As crianças acham esquisito, estranho e, muitas vezes,não se concentram nas atividades propostas pelo professor. Pareceu-me que os alunos menores nãocompreendem as proposições do professor como sendo aula e, assim, dispersam e se recusam a fazeras atividades propostas. Diante dessa situação, não é raro o conflito entre professor e alunos. LuisHenrique fica irritado com a postura das crianças e, geralmente, perde o “controle” da turma. Estasituação problemática no dia a dia de sua prática pedagógica traz um sentimento de frustração aoprofessor em relação ao trabalho que exerce no dia a dia da escola – conforme já expresso em outrasnotas de campo (Nota de Campo).

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Júlia expressou que se sente angustiada – seja com a ineficiência de uma

prática disciplinar que a escola adotou para impor limites ao comportamento de um aluno

ou, ainda, com as dificuldades e dúvidas que enfrenta em lidar diariamente com a

diversidade de outro aluno. No que se refere à prática disciplinar:

Eu penso muito nesta questão da disciplina, dela ser uma coisa muitoautoritária, né? Eu acho que não funciona... Acho que não funciona.Igual o dia que Eleonora deu suspensão para Camilo, porque eleaprontou... Você sabe o que ele falou dentro de sala de aula? “Há quebom... Eu vou ficar em casa”. (...) Você vai ficar colocando o meninotoda hora para fora? Mandando o menino toda hora para casa?Suspendendo toda hora? Sabe o que a mãe dele falou com Eleonora?Eu vou tirar ele de lá (da escola), eu vou tirar ele de lá (da escola). (...)Então, não resolveu. Então, se toda hora que ele me enfrentar eu dersuspensão para ele, para ele tá ótimo, ele vai fazer isso para ficar emcasa75 (Trecho da entrevista de Júlia).

Quanto às suas dificuldades e limitações em lidar com as diversidades de

outro aluno76, Júlia contou: “Renato é um caso muito específico (...) A questão dele é que

ele tem um distúrbio de comportamento (..) Ninguém sabe como lidar (...). Porque eu

tava muito nervosa, não sabia como lidar com ele, o que fazer, o que falar tem hora”.

A professora Ana relatou suas limitações de vivenciar o dia a dia numa

escola que está sempre em processo de transformação. Conta suas dificuldades de

trabalhar com um espaço escolar alternativo:

Sala de aula pra mim, por exemplo, ali onde eu dou aula, eu acho queé o local que a sala fica, eu e as crianças, nós ficamos muito expostos,né? Até tá lidando com isso, com a exposição, né? De alguém tápassando e tá observando você dá aula, né? Ou até você tá vendo algoacontecer lá fora e você ficar na sua, né? 77 (Trecho da entrevista deAna).

75 Considero interessante destacar que a atitude de suspender o aluno – durante o período de observaçãoparticipante – sempre foi evitada pelo coletivo escolar, ou seja, não se constituía como prática comum.

76 Para maiores informações sobre o aluno consultar nota de rodapé número 53.77 A sala de aula, na qual a professora Ana trabalha com a turma de educação infantil, localiza-se na

entrada do prédio residencial à esquerda de quem entra, sendo que por se tratar de uma sala de visitas(que é utilizada como sala de aula) não possui porta, conforme assinalado na fotografia na próximapágina. A exposição a qual a professora se refere deve-se a esta questão.

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E, ainda, relatou seu temor inicial em trabalhar com uma maneira

diferenciada de organizar o conhecimento na escola Experimentar, “Temia tanto, e uma

das coisas que eu aprendi a trabalhar foi através de projeto, né?” A professora ponderou

acerca de suas dificuldades “Mudança não é uma coisa que me agrada muito não”.

Ou seja, o professor e as professoras percebem-se em crise porque suas

vivências cotidianas na escola Experimentar assinalam que eles não alcançaram um

“jeito ideal de ser professor” 78.

O caos horroriza-nos. A multiplicidade, ou melhor, as reaisdiferenças incomodam-nos. Queremos o mesmo, a identidade, oplanejamento que a assegure: o controle, se possível absoluto, doacontecer do ser (LARA, 2006).

FOTO 21 – Sala de aula (1o andar)

78 Implícito as falas dos participantes da pesquisa do “jeito ideal de ser professor” está, também, anecessidade de ter “condições materiais ideais” para exercer o trabalho da maneira que acreditam sera “certa”. Para essa perspectiva, pareceram-me apontar, principalmente, as falas de Joana e Ana.

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Ou seja, como o professor e as professoras interpretam “quem são” tem

relação com um modelo, um padrão que esses têm para interpretar o que é “ser professor”.

E no que consiste essa noção de “professor ideal” subjacente aos discursos dos

participantes da pesquisa? Eu diria que consiste na crença de que há uma subjetividade

professoral pronta, correta, verdadeira: uma subjetividade substancial, centrada na

racionalidade, permanente, sempre igual a si mesma.

Esta crença numa subjetividade professoral pronta constitui-se como

principal pressuposto de uma determinada idéia de formação – que aqui denomino de

clássica. Por “idéia de formação clássica” estou me referindo a uma compreensão – que

se tornou hegemônica na tradição ocidental no período que se convencionou chamar de

Modernidade – de formação como momentos da produção do professor, ou ainda, como

momentos de fabricação de um “jeito ideal de ser professor”. Questiono: não é essa

noção de “formação clássica” que tem embasado nossas compreensões e estudos acerca

da formação de professores – inicial e continuada?

Quando falamos em formação inicial, normalmente nos referimos àquela

oferecida pelos cursos de licenciaturas e magistérios. É um ponto inegavelmente aceito

hoje – e isso é estabelecido como verdade para, basicamente, todas as profissões –

que essa formação deva ser inicial, considerando a dinâmica profissional, ou seja, ela

não se encerra ali. Porém, no caso da formação do profissional da educação, mais

especificamente do professor, quando a “formação inicial” tem seu início? Acredito que

ela se inicia na própria escola quando, ainda criança, o futuro professor toma contato,

mais diretamente, com o espaço escolar. Ou, conforme analisa Foucault, referindo-se à

formação de chefes para a colônia Mattray;

E para a formação destes chefes fora organizada na colônia umaescola especializada. O elemento essencial de seu programa erasubmeter os futuros administradores aos mesmos aprendizadose às mesmas coerções que os próprios detentos: eram

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“submetidos como alunos à mesma disciplina que deveriam comoprofessores impor mais tarde”. Era-lhes ensinada a arte dasrelações de poder (FOUCAULT, 2004 [original 1987], p. 244-245).

Ora, todos nós que passamos pela escola fomos, de algum modo,

“submetidos como alunos à mesma disciplina que deveríamos mais tarde impor”. Isso marca,

definitivamente a formação do professor. Luis Henrique expressou esta compreensão:

Configuro uma proposta de trabalho, que é aquilo que a gente achaque deve ser feito. Mas eu não consigo chegar... Não consigo muitochegar dentro desta proposta, eu mesmo não consigo chegar, não sãoas crianças. Por causa do... Do padrão mesmo, né? Do padrão. Sei láse é inconsciente, o que é isso? Mas eu tô na escola... Eu estou naescola, né? Mas estou na ES-CO-LA. (...) É uma “memória do hábito”,né? (...) É uma memória da experiência, né? É porque você tem anose anos e anos de uma experiência de escola, né? Então de uma certamaneira, o corpo sente, sabe, o que é uma escola (Trecho da entrevistade Luis Henrique).

Sendo assim, quão inicial é nossa “formação inicial de professores”?

Acredito – e isso não chega a ser uma novidade entre pesquisadores e estudiosos da

área de formação de professores – que a formação do professor se inicia ao se entrar

na escola, às vezes, antes disso. Vamos, como alunos, construindo modelos de

profissionais da educação que iremos, mais tarde, negar, ou, mais comumente, neles

nos apoiar.

Mas essa disciplina não marca também a formação de outros profissionais?

Acredito que sim, sem dúvida, mais do que isso: marca definitivamente o “tornar-se o

que se é” de cada pessoa, na construção das subjetividades. Porém, no caso da formação

do professor, a explicitação do modelo de operação, da racionalidade técnica, é mais

evidente e, às vezes, inevitável.

Diferentemente de outras profissões, o professor, é incorporado por toda a

sociedade: todos julgam saber o que é melhor para a escola; toda a sociedade julga

saber quais são os conteúdos, os procedimentos e as didáticas necessárias, importantes

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ou fundamentais para os alunos: os pais, o “mercado”, profissionais ligados a outras

áreas (especialmente, hoje em dia, profissionais da área médica) opinam, têm sugestões,

quando não imposições, a fazer à escola. Portanto, percebo as manifestações de

desconfiança e o receio da comunidade atendida pela escola Experimentar em relação

ao processo de transformação na proposta pedagógica da escola.

A comunidade possui uma certa noção de escola que não corrobora com a

noção de escola que está sendo construída no dia a dia deste espaço escolar.

Concepções de ensinar e aprender, de avaliar e de disciplina são dicotômicas com um

“ideal de escola” que os pais construíram ao longo de suas trajetórias de vida. Em

anotações de campo registrei:

Estava no ponto de ônibus em frente à escola Experimentar. Umasenhora se aproxima e pergunta se sou uma nova professora da escola.Esclareço que estou realizando um trabalho de pesquisa. A senhora,então, identifica-se como mãe de aluna e me faz um relato de suasdiscordâncias com a atual proposta pedagógica adotada pela escolaExperimentar. Disse que gostaria que a escola voltasse a ter nota e terreprovação. Esclareceu que sua filha (que estuda no turno matutino daescola) anda com más companhias porque a escola não a ocupa osuficiente. A mãe afirmou: “Porque no meu tempo a escola era diferentee a gente não tinha tempo para vagabundar” (Nota de Campo).

Ressalto que ponderações como essa, da mãe de uma aluna acerca da

escola Experimentar, perpassou todo o trabalho de campo da pesquisa. Em vários

momentos, os conflitos, os desacordos, os erros diários eram tributados à maneira

diferenciada da organização do ensino. Mas, a escola não se aventurou a transformar

sua proposta pedagógica por não estar satisfeita com “aquilo que até então era”?

Reivindicar a volta ao que a escola era não parecia um contra-senso?

Por outro lado, me parece fecundo refletir também acerca da idéia de

“formação continuada”. O que subjaz ao termo continuada? Creio que, na absoluta maioria

dos casos, quando se fala em formação continuada, está se falando em uma continuidade

progressiva, temporalmente linear, mas, contraditoriamente, com momentos descontínuos

destinados a esta formação.

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Assim, o professor dedicará “momentos” para se reciclar, se especializar,

se aperfeiçoar... para que suas aulas e sua atuação profissional melhorem,

progressivamente. A racionalidade que se impõe aqui é a do progresso continuado: vamos

sempre melhorando, crescendo, ampliando... Esta é a utopia da racionalidade moderna:

eliminar do mundo as contradições, as lutas, as divergências, construindo um mundo no

qual tudo segue o mesmo caminho, já traçado a priori, num progresso linear e pleno:

chegaremos todos ao mesmo ponto, homogeneamente, numa mesma ordem, sem

antagonismos.

Essa concepção de continuidade, mesmo que aparentemente contraditória

com a lógica operatória da formação continuada, ou seja, isolar momentos específicos

destinados a esta formação, está em perfeita harmonia com ela, uma vez que, nesses

momentos, refletindo sobre a sua prática, o professor conseguiria, sendo ajudado por

profissionais preparados para isso, melhorá-la, progressivamente.

Os retrocessos, os desentendimentos, os descompassos sempre presentes

em qualquer processo são elementos de frustração, quando o processo não é pensado

como, propriamente, processo – com avanços, retrocessos, zigue-zagues, idas e vindas,

tropeços, quedas, recomposições... –, mas como continuidade. Aí vêm as perguntas:

“por que não está dando certo? Parecia tão boa esta metodologia, este procedimento: o

que foi que deu errado?”. As respostas, comumente são: “porque os professores são

mal formados, não têm acesso às tecnologias educacionais, não têm as leituras

necessárias. Precisam ser ‘reciclados’! Precisam de um momento específico para estudar,

para refletir sobre suas práticas...”. Não estou negando a relevância de tais estudos, de

tais momentos, estou, somente, colocando em questão a racionalidade que os impulsiona,

que os move.

As construções interpretativas do professor e das professoras, participantes

da pesquisa, acerca de suas vivências conflituosas na escola Experimentar não têm

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subjacente à compreensão de formação como continuidade em detrimento a noção de

processo? Eles não se reconhecem como “seres adultos” que passaram por cursos de

formação profissional e, por isso, deveriam saber exercer no dia a dia da escola o “ser

professor” da maneira que interpretam ser a adequada, porque isenta de conflitos,

contradições, erros e inseguranças?

Além disso, uma questão bastante relevante, acredito, ainda aparece, tanto

na formação inicial quanto na continuada: a dicotomia entre teoria e prática. É comum

ouvirmos coisas do tipo: “a teoria na prática é outra coisa”; ou: “é tudo muito bonito na

teoria, mas na prática não funciona”... Tendo em vista esse tipo de afirmações interpretei

as falas da professora Joana e da professora Júlia:

A formação acadêmica é o seguinte, é a teoria. Você tá na faculdade,tá estudando teoria, tem que fazer desse jeito, uma aula tem que serdada dessa forma, conforme ensinou na teoria e tudo, só que você vaivivenciar a prática, o manejo na sala de aula, é uma coisacompletamente diferente (Trecho da entrevista de Joana).

Porque o curso de Pedagogia, eu nem acho que foi tão importante,porque eu acho que a experiência em sala, eu acho que é maisimportante. Eu acho, porque aqueles cursos de filosofia, de sociologia,aquela parte teórica toda, aquilo ali, eu nunca usei em sala de aula. Ocurso de Magistério e o de Pedagogia fez algum sentido... É... Só nasdisciplinas que eram... Tipo metodologia, matemática, ciências,português, essas coisas assim. Agora, aquela parte teórica, filosofia,sociologia, essas coisas assim, até hoje eu fico pensando por que quetem que ter. Eu não conseguia ver... (Trecho da entrevista de Júlia).

O que está na base dessas afirmações? Acredito que, fundamentalmente,

isso se apóie na racionalidade hegemônica na modernidade que separa e opõe o dentro

e o fora, o certo e o errado, a essência da aparência, o teórico do prático, a razão dos

sentidos, o subjetivo do objetivo...

Para Nietzsche, antes desta racionalidade, que teve início comSócrates, no mundo grego e nasce com a própria filosofia, o quehavia era o pensamento da complementaridade, com lutas,

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antagonismos e disputas, mas forças complementares entre si.Com o nascimento da filosofia grega, começa a haver separaçãoe oposição destas forças complementares: Apolo (deus da clareza,da harmonia e da ordem) e Dionísio (deus da exuberância, dadesordem e da música) e, com isso, foi promovida a “separaçãoentre o trabalho manual e o intelectual, entre o cidadão e o político,entre o poeta e o filósofo, entre Eros e Logos” (LEBRUN, 1999, p.6). Com essa separação, o mundo grego – e de resto todo o mundoocidental herdeiro de suas tradições – teria inaugurado “a épocada razão e do homem teórico” (p. 9). (CLARETO, 2003, p.36-37).

A escola tem sido o espaço privilegiado de divulgação deste homem teórico,

desta racionalidade. Toda a lógica de composição da escola tenta separar e eliminar as

contradições, as desordens. Há um privilégio da teoria sobre a prática, da razão operacional

ou técnica sobre as artes, sobre a criação... O professor é formado para esta escola.

Entretanto, a escola não obedece a essas regras, a vida não se deixa

aprisionar por essa racionalidade. Então, o que encontramos na escola são pessoas

concretas vivendo, sentindo, criando... O que encontramos são contradições, desordens,

balbúrdia. Assim, todas as “teorias” parecem não fazer sentido, não serem operatórias

para aquela realidade.

Certo é que as vivências cotidianas na escola Experimentar, dos

participantes da pesquisa, têm abalado a crença desses na existência de um “jeito ideal

de ser professor”. Seus discursos – assim interpretei – apontam que a noção que possuem

de “ser professor” já não responde mais aos seus anseios e, por esse motivo, estão em

movimento, em busca constante do “tornar-se professores”, pois “Que alguém se torne

o que é pressupõe que não suspeite sequer remotamente o que é” (NIETZSCHE, 2004

[original 1888], p.48).

Percebo, assim, que a escola Experimentar tem se constituído como um

espaço de formação do professor e das professoras ao propiciar condições para que

estes questionem “aquilo que são” 79. As vivências conflituosas no dia a dia da escola e,

79 O termo “formação”, nesta frase, não foi utilizado em sua acepção clássica, mas sim, conforme aproposição de compreensão de formação que, em seguida, tratarei e que defendo nesta dissertação.

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principalmente, as decisões diárias e peculiares do coletivo escolar para lidar com essas

questões, criam espaço para que professor e professoras construam outras

possibilidades de “ser professor”, numa perspectiva de devir:

O conceito de “devir” procura dar conta de um movimento involutivo(Deleuze & Guatari, 1997), que opera um desmanchamento dasformas, relançando-as no plano das forças informes. Nesta medida,o devir corresponde a um momento de dessubjetivação, que écondição para que o processo de produção de subjetivação semantenha em curso. (KASTRUP, 2005, p. 1276).

Descrevo, então, alguns espaços formativos que vivenciei durante o período

de convivência na escola Experimentar e que interpretei como espaços propiciadores

do devir professor.

A proposição da escola de uma recolocação funcional no quadro de ensino

para o professor Luis Henrique e para a professora Joana me pareceu constituir-se como

um espaço formativo. O professor Luis Henrique passou a trabalhar com crianças mais

velhas, pois, segundo a avaliação dele, conseguia desenvolver “melhor” o seu trabalho

com essa faixa etária. Joana expressou, durante sua entrevista, o desejo de realizar um

trabalho diferenciado na escola: “eu acho que eu gostaria, até falei com Eleonora, de

pegar uma turma mais tranqüila, sei lá, até sair um pouco da sala de aula”. Em março

de 2006 – quando retornei a escola Experimentar para esclarecer dúvidas emergidas no

processo de elaboração da dissertação – entre as novidades – a professora Joana me

relatou sorrindo: “neste ano estou trabalhando como professora de apoio às professoras

regentes”.

A situação de problematizar, através da convivência no espaço escolar, os

parâmetros através dos quais a professora Maria avalia seu trabalho, também, me pareceu

potencializar o devir professor. Registrei em nota de campo:

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Cheguei na escola Experimentar um pouco antes da aula começar noturno vespertino. Na porta de entrada, surpreendi uma conversa entreEleonora e a professora Maria. Maria expressou sua angústia em relaçãoao seu trabalho com sua turma de alfabetização. Afirmou que estavano final do ano e que alguns alunos seus ainda não tinham concluído oprocesso de alfabetização e isso de certo modo a fez refletir sobre otrabalho que estava realizando. Disse: “talvez, eu devesse ter insistidomais em atividades em sala de aula”. Eleonora, imediatamente a falade Maria, questionou: “Você acha que eu preferiria que essas criançasestivessem lendo e escrevendo, porém, mecanicamente – repetindoque nem papagaio tudo que a professora escreve no quadro comoacontece em muitas turmas de alfabetização?” E repetiu: “Você acha?”.Maria sorriu para Eleonora e o assunto se encerrou, pois elas meavistaram e ambas vieram me cumprimentar (Nota de Campo).

A vivência de situações desafiadoras na escola Experimentar permitiu à

Júlia construir outras noções acerca da questão disciplinar no espaço escolar e, ainda,

em como lidar com situações imprevistas no seu cotidiano.

Júlia, ao perceber a ineficiência da suspensão de Camilo para mudar seu

comportamento, contou-me uma astúcia que utilizou com o menino e que, em sua

interpretação, não resolveu o problema definitivamente, mas parece ter surtido mais efeito

que a suspensão:

Aí eu converso, ele gosta muito de jogar futebol, aí eu falei com ele:“você tem vontade de jogar futebol profissionalmente?”. Ele falou:“tenho”. Aí eu falei: “você acha que lá você vai poder fazer o que fazaqui, na hora que você quer?”. “Não” (resposta do aluno) “Porque vocênão vai poder” (fala da professora para o aluno). “Porque senão eu vouser expulso de lá, ninguém vai me querer” (fala do aluno). Então eufalei: “mas se você não conseguir respeitar aqui, você também não vaiconseguir lá”. “Ah,é!” (fala do aluno). (...) Você tem que tá a todo omomento aberta a conversar (Trecho da entrevista Júlia).

Júlia contou-me, ainda, o que aprendeu em sua convivência com o Renato:

Igual a questão do Renato, eu até comentei com meu médico, tavacontando pra ele das experiências que eu tava vivendo com o Renato.Aí ele falou, e agora, como você tá? No início, eu tava muito atacada,parecia que eu ia dar um treco de nervoso. Aí eu falei: “não, agora eurelaxei”. Eu aprendi que com ele: eu tenho que viver cada dia é cada

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dia. Porque às vezes eu pensava: “ele vai ta lá, o que eu vou fazer?” Aíele vinha e fazia tudo numa boa. Aí eu me preocupava à toa. Aí eupensei: “porque eu tô me preocupando?” Cada dia é cada dia e eu tôme preocupando à toa. E tá funcionando (Trecho da entrevista de Júlia).

Aprendi muito com esse menino, eu sempre fui toda a minha vida assim,se eu tivesse um compromisso amanhã, eu vivia aquilo no dia anterior,ficava nervosa, ansiosa, não dormia. A situação de vivência dele comigo,mudou esse meu jeito (Trecho da entrevista de Júlia).

Ou seja, o dia a dia na escola Experimentar tem propiciado à Júlia

experenciar situações, nas quais ela percebe o “tornar-se professora” como processo

que nunca se finda, com idas e vindas, com erros e acertos.

A imersão nesta escola – eu diria nômade, porque sempre aberta à

transformação, à mudança – provocou na professora Ana a possibilidade de compreender

o espaço escolar e o exercício de seu trabalho numa perspectiva coletiva:

Eu acho que eu amadureci muito nessa questão de escola, porquehoje eu vejo o espaço da escola como um espaço coletivo, não comoalgo individual, né? Então, isso foi bom. Porque eu sempre fui muitoagarrada com as minhas coisas, eu falo que meu menino mais velhome puxou, ele é assim. Eu até tava lendo um ditado popular outro dia,eu não lembro dele na íntegra, mas que dizia: não adianta você terlivros, livros guardados não formam letrados. E eu tenho um poucodisso, de ter minhas coisas organizadas, de saber se alguém mexeu,uma coisinha fora do lugar, eu sei. Mas aí eu aprendi a lidar com isso,de tá cedendo, de tá fazendo essa coletividade (Trecho da entrevistade Ana).

A vivência no dia a dia do processo de transformação na organização do

ensino na escola Experimentar provocou a professora Lívia a buscar subsídios – através

de um curso de formação em nível superior – para interpretar, ler de outras maneiras

este espaço escolar que não já não lhe parecia familiar. A professora afirmou, em

entrevista, que sentiu vontade e necessidade de estudar novamente – após 23 anos de

exercício do magistério – ao participar das reuniões de professores na escola

Experimentar, pois nessas ocasiões ela sentia necessidade de, em suas palavras: “ter

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novas visões, né?”

A escola Experimentar - nas situações descritas - abriu-se para as vivências

e especificidades das subjetividades ali em formação.Desse ponto de vista possuem sentido e valor próprios até osdesacertos da vida, os momentâneos desvios e vias secundárias, osadiamentos, as “modéstias”, a seriedade desperdiçada em tarefasque ficam além d’a tarefa (NIETZSCHE, 2004 [original 1888], p.48).

O que essas outras vivências do professor e das professoras no espaço

escolar me potencializam pensar acerca da formação de professores? Eu diria que

apontam para a necessidade de pensar outra maneira de compreender formação.

Para realizar tal empreendimento, recorro a compreensão nietzschiana da

“idéia de formação”, da “idéia de Bildung”. Chamo, para me ajudar a expressá-la, Larrosa

que, ao falar da compreensão nietzschiana de bildung, afirma:

a bildung poderia ser entendida como a idéia que subjaz ao relatodo processo temporal pelo qual um indivíduo singular alcança suaprópria forma, constitui sua própria identidade, configura suaparticular humanidade ou, definitivamente, converte-se no que é(LARROSA, 2004, p. 52).

Aqui é bom deixar claro, conforme Larrosa aborda amplamente, o “alcançar

sua própria forma”, o “definitivamente, converter-se no que é”, não é estático, ou “definitivo”:

é sempre dinâmico, é um processo sempre inacabado. A “constituição da própria identidade”

e a “configuração da particular humanidade” nunca se conclui. É, pois, processual, devir.

Portanto, converter-se no que se é, constituir sua própria identidade, nunca é definitivo: é

sempre processual, é sempre devir, sempre inacabado, em via de fazer-se80...

Nesse sentido, “formar” o professor significa, fundamentalmente,

criar condições para que o interessado em “ser” professor alcance sua própria80 O “tornar-se o que se é” nietzschiano se revela distinto do “conheça-te a ti mesmo” e do “mergulhar no

profundo do seu eu”. Fundamentalmente, não se pretende, no pensamento de Nietzsche, descrever ouconstruir um caminho seguro para se chegar à verdade do que se é, ao modo da racionalidade cartesiana;nem, tão pouco, se baseia em uma observação introspectiva de si mesmo. Para Nietzsche “não há umeu real escondido a se descobrir” (LARROSA, 2004, p. 76).

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forma, constitua sua própria identidade ou converta-se no que é. Assim, a

formação nunca se conclui, é sempre processo. O conflito, as inseguranças, as

incertezas, os medos fazem parte deste caminhar, desta aventura.

O que existe neste caminho é somente inventividade, criação. Esse

processo criativo, é uma poética81, ou auto-poética (autocriação, autoprodução) que não

se guia por uma racionalidade do tipo técnica, guia-se, ao contrário, pelos instintos, pela

força organizadora, por outras racionalidades. Ou seja,

a trama do relato de formação é uma aventura que não está normatizada pornenhum objeto predeterminado, por nenhuma meta. E o grande inventor-experimentador de si mesmo é o sujeito capaz de assumir a irrealidade de suaprópria representação e de submetê-la a um movimento incessante ao mesmotempo destrutivo e construtivo (LARROSA, 2004, p. 67).

O sujeito aqui, constituidor de sua própria formação, é “ (...) um sujeito que

não se concebe como substância dada, mas como forma a compor, como uma

permanente transformação de si, como o que está sempre por vir” (LARROSA, 2004, p.

67).

Não é exatamente essa compreensão de formação que o professor e as

professoras, participantes da pesquisa, têm vivenciado cotidianamente na escola

Experimentar? Acredito que sim.

81 Criar, inventar, gerar (CERTEAU, 2004).

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Narrativa Pessoal

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POR QUE CONCLUIR? PROPICIAR NOVOS INÍCIOS...

(...) o que agora me importa é algo muitocompreensível, a saber, explicar comopodemos nos formar, todos nós, contra nossaépoca...

NIETZSCHE

A vivência do processo desta investigação apontou-me a fecundidade de

problematizar as noções de sujeito, educação e espaço escolar que têm preponderado

nas escolas que vivenciamos na contemporaneidade.

Que noções são essas? A noção de sujeito e de subjetividade, para

sempre e desde já constituídas; a noção de educação, como tendo a importância

extraordinária de conduzir alguém à excelência ou à própria virtude; e, a noção de espaço

escolar que se configura como locus da realização de uma macropolítica, na qual “(...) o

possível é o que antecipa o real e o real é o que atualiza o possível a partir de um

projeto político, ou político educacional. Nela (na macropolítica), o possível é anterior

ao real e dá sentido há uma prática política” (KOHAN, 2004, p.62).

Tendo em vista essas noções de sujeito, educação e espaço escolar, tem-

se constituído tradicionalmente o discurso pedagógico, sendo que:

O discurso pedagógico está cheio de pessoas e idéias bemintencionadas, que buscam formar crianças para que elas adquiramas habilidades, capacidades e valores que as constituam empessoas melhores e façam do mundo um lugar melhor para viver(KOHAN, 2004, p. 63).

Questiono: - não é este discurso pedagógico que está subjacente as

construções interpretativas que por vezes realizamos, nós, professores, para expressar

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nossas inseguranças e angústias diárias advindas de nosso descontentamento com a

escola que vivenciamos e suas condições inadequadas e, ainda, com nossas práticas

pedagógicas que interpretamos como “não ideais”? Nestas nossas interpretações não

expressamos “nosso desejo” de formar o “sujeito ideal”, de vivenciarmos espaços

escolares também “ideais”, nos quais possamos exercer nosso trabalho de maneira

“ideal”?

Parece-me fecundo apontar as questões ontológicas e políticas subjacentes

a essas construções interpretativas que, por vezes, realizamos acerca das questões

assinaladas:

As questões ontológicas dizem respeito a não percepção das forçasque fazem com que sejamos o que somos e a ilusão – haverá dequalificá-la de iluminista, antropocêntrica ou moderna? – de que ohomem é o centro do mundo e, portanto, o artesão privilegiado eautoconsciente do homem. O mito de Frankenstein, o homem quefabrica o homem, ilustra a ilusão do homem pseudo-artífice de seupróprio destino e o mito da educação como fabricação (Meirieu, 1996,p.15s). As questões políticas derivam, em parte, das ontológicas e, auma só vez, as alimentam: sob os efeitos da forma Homem, no mundoconcêntrico da escola, nos ideais unificantes do bom pastorpedagógico, opera toda uma mutilação das forças que poderiam estara serviço da criação de outros mundos (KOHAN, 2004, p. 65).

Percebo, assim, que esta perspectiva de interpretação, por vezes, nos faz

devir burros, camelos:

Devir burro ou camelo é agenciar-se à vida pela falta, pela carência,na medida em que os olhos, as aspirações, as motivações ereferências para a ação se encontram aprisionados à entidadesou a valores idealizados (puros modelos de perfeição), vinculado aum além da vida. Nesse movimento, a vida que efetivamente temose levamos é desvalorizada (pois assumi-la consiste em carregarfardos) em proveito de outra, improvável, que sequer se pode nosdar à experiência (COSTA, 2005, p.1270).

Ou seja,

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Nestes termos, devir burro, ou camelo, implica deixar-se tomar eguiar por atitudes reativas, sempre segundas (condicionadas aoutras), o que caracteriza a incapacidade de afirmar a si mesmo ea vida com um Sim substancial, ativo, primeiro, vital – aquilo queNietzsche chama de amor fati (COSTA, 2005, p.1271).

No entanto, minhas vivências no Núcleo de Educação em Ciência,

Matemática e Tecnologia (NEC) e na escola Experimentar - quando imersa no processo

de pesquisa - mais especificamente, os “estranhamentos” que estes espaços causaram-

me tiveram um caráter formativo, pois potencializaram-me pensar outras noções de sujeito,

educação e espaço escolar.

Meu encontro com o NEC ocorreu num período doloroso, de crise. Já havia

vivenciado um ano do e no mestrado e estava tomada por uma sensação de falta de

sentido pessoal, para as tarefas que realizava. Não consegui ser a “professora ideal” -

ao finalizar o curso de Pedagogia - e, tampouco, a “pesquisadora ideal” - enquanto aluna

do curso de Pós-Graduação em Educação. Porém, minha vivência no NEC propiciou

criar fendas - ruptura - naquilo que antes compreendia como estrutura rígida do mestrado.

Nesse núcleo, espaços constituíram-se para atender minhas necessidades específicas:

já havia concluído as disciplinas do mestrado, no primeiro ano do curso; porém, ao mudar

toda a proposta de investigação fizeram-se necessárias outras incursões no plano teórico,

incursões realizadas através dos grupos de estudos criados para me auxiliar - grupos

que foram coordenados por minha orientadora e por professores pesquisadores

associados ao NEC. Nesse espaço, fui acolhida e cuidada no processo de constituir-me

pesquisadora.

As vivências na escola Experimentar - tendo em vista toda a narrativa da

escola e dos professores - também problematizaram incessantemente compreensões já

estabelecidas acerca das noções de espaço escolar e da formação de professores.

Ou seja, nestes espaços (NEC e escola Experimentar) as contradições

com o padrão se fizeram presentes e “É justamente nas contradições que podemos

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pensar, se é que pensar tem haver com criar e não apenas com reproduzir o já pensado”

(KOHAN, 2004, p. 56).

Assim, compreendi, tendo em vista os espaços/tempos vivenciados e

interpretados no NEC e na escola Experimentar, a fecundidade de pensar a noção de

sujeito, de subjetividade, como em permanente processo de fazer-se, como devir...

(...) o devir não é imitar, assimilar-se, fazer como um modelo,voltar-se ou tornar-se outra coisa num tempo sucessivo. (...) Deviré um encontro entre duas pessoas, acontecimentos, movimentos,idéias, entidades, multiplicidades, que provoca uma terceira coisaentre ambas, algo sem passado, presente ou futuro; algo semtemporalidade cronológica, mas com geografia, com intensidadee direção próprias. Um devir é algo “sempre contemporâneo”,criação cosmológica: um mundo que explode e a explosão de ummundo. (DELEUZE E PARNET apud KOHAN, 2004, p. 64).

Que projeto educacional possível estes espaços educativos (NEC e escola

Experimentar) provocam? Que novas possibilidades de vida? Nessas instituições

educativas vivenciei a política do acontecimento, uma micropolítica, qual seja:

Na micropolítica, o possível é o resultado da política, seu produto.Uma política do acontecimento, revolucionário, não é aquela queatualiza um projeto possível, a experiência; ela cria novos possíveis,novas possibilidades de vida, uma vida nova, uma nova política(ZOURABICHVILI apud KOHAN, 2004, p. 62).

Assim, percebo o NEC, ao me acolher em meio as turbulências que estava

vivenciando no mestrado. Tendo um tempo exímio para a conclusão do trabalho de

pesquisa, o núcleo voltou-se para minhas especificidades, criando espaços/tempos

provocadores de minhas potencialidades.

Percebo, também, que a escola Experimentar – campo investigativo da

pesquisa – tem criado, em diversos momentos, condições para uma abertura de

potencialidades por se constituir como “projeto experimental” e assumir-se como sempre

em mutação, em “experimentação”. Mas, o que uma escola deveria ser senão

“experimentação”? Espaço de Experienciação? Espaço de experiência?

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Experiência é um passo, uma passagem. Contém o “ex do exterior,do exílio, do estranho, do êxtase. Contém também o “per” depercurso, do “passar através”, da viagem, de uma viagem na qualo sujeito da experiência se prova e se ensaia a si mesmo. E nãosem risco: no experiri está o periri, o periculum, o perigo.(LARROSA, 2004, p. 67).

Sendo assim, a escola como espaço de experiência e experimentação

envolve risco, perigo, ou seja, envolve a vida. Como diria Riobaldo, personagem-narrador

de Grande Sertão: Veredas: “viver é negócio muito perigoso...” (GUIMARÃES ROSA,

1988, p. 3). Como ter vida na escola sem correr perigo? Sem assumir riscos?

Ao investigar a escola como espaço de construção de subjetividades, mais

especificamente, da subjetividade-educador, compreendi que:

Talvez, possamos pensar a educação de outra forma. Quiçáconsigamos deixar de nos preocupar tanto em transformar ascrianças em algo distinto do que são, para pensar se acaso nãoseria interessante uma escola que possibilitasse às crianças, mastambém aos adultos, professoras, professores, orientadores,diretores, enfim, a quem seja, encontrar esses devires minoritários82

que não aspiram a imitar nada, a modelar nada, mas a interrompero que está dado e propiciar novos inícios. Quem sabe possamosencontrar um novo início para outra ontologia e outra política dainfância que já não se busca normatizar o tipo ideal ao qual umacriança deva se conformar, ou o tipo de sociedade que uma criançatem de construir, mas que busca promover, desencadear, estimularnas crianças, e também em nós mesmos, essas intensidadescriadoras, disruptivas, revolucionárias, que só podem surgir daabertura do espaço, no encontro entre o novo e o velho, entre umacriança e um adulto. (KOHAN, 2004, p. 66).

Essa citação pareceu-me metáfora oportuna de minhas vivências no

decorrer deste processo de investigação. Sinto, então, que não estou concluindo este

texto dissertativo, mas propiciando novos inícios em busca do “tornar-se aquilo que sou”,

sempre provisório, sempre devir...

GORE, Jennifer M. Foucault e Educação: fascinantes desafios. In: SILVA, Tomaz Tadeu (82 O autor compreende que as “minorias” são potências não numeráveis ou agrupáveis em conjuntos; elas

não têm modelos estão sempre em processo, ao contrário, das “maiorias” que não se definem pelonúmero ou pela quantidade, mas porque são modelos ao qual há que se conformar.

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