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A DOR DE PENSAR “Ela canta, pobre ceifeira” “Leve breve suave” “Não sei se é sonho, …” “Liberdade”

FP-DOR DE PENSAR

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A DOR DE PENSAR

“Ela canta, pobre ceifeira”“Leve breve suave”

“Não sei se é sonho,…”“Liberdade”

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A DOR DE PENSAREla canta, pobre ceifeira,Julgando-se feliz talvez;Canta, e ceifa, e a sua voz, cheiaDe alegre e anónima viuvez,

Ondula como um canto de aveNo ar limpo como um limiar,E há curvas no enredo suaveDo som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,Na sua voz há o canto e a lida,E canta como se tivesseMais razões p’ra cantar que a vida

Ah, canta, canta, sem razão!O que em mim sente ‘stá pensando.Derrama no meu coraçãoA tua incerta voz ondeando!

Ah, poder ser tu, sendo eu!Ter a tua alegre inconsciênciaE a consciência disso! Ó céu!Ó campo! Ó canção! A ciência

Pesa tanto e a vida é tão breve!Entrai por mim dentro! TornaiMinha alma a vossa sombra leve!Depois, levando-me, passai!

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A DOR DE PENSAREla canta, pobre ceifeira,Julgando-se feliz talvez;Canta, e ceifa, e a sua voz, cheiaDe alegre e anónima viuvez,

Ondula como um canto de aveNo ar limpo como um limiar,E há curvas no enredo suaveDo som que ela tem a cantar.

Ouvi-la alegra e entristece,Na sua voz há o canto e a lida,E canta como se tivesseMais razões p’ra cantar que a vida

Ah, canta, canta, sem razão!O que em mim sente ‘stá pensando.Derrama no meu coraçãoA tua incerta voz ondeando!

Ah, poder ser tu, sendo eu!Ter a tua alegre inconsciênciaE a consciência disso! Ó céu!Ó campo! Ó canção! A ciência

Pesa tanto e a vida é tão breve!Entrai por mim dentro! TornaiMinha alma a vossa sombra leve!Depois, levando-me, passai!

F. Pessoa

1º momento- objecto de análise: a ceifeira

2º momento- Objecto de análise: o sujeito poético

- ceifeira: instintivamente alegre-Descrição objectiva

se…“talvez”“pobre”“anónima viuvez”- Inconsciência da ceifeira é a única razão da sua alegria

-Análise mais subjectiva

-Emoção do sujeitoface à canção inconscientemente alegre da ceifeira

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A DOR DE PENSAR

• Estrutura Interna – divisão

• O poeta sente a “dor de pensar” e deseja libertar-se dela

Paradoxo aquele que mais se serviu da inteligência sentiu-se sempre um ser torturado por ser um ser pensante. Daí a sua aspiração pela alegre inconsciência da ceifeira

1ª parte (est. 1, 2, 3) 2ª parte (est. 4, 5, 6)

- Apelo à ceifeira para que continue a cantar;

- As emoções obrigam-no a pensar e a desejar ser ela - sem deixar de ser ele;

Isto é:aspira ao impossível

- Poeta tem consciência da impossibilidade do seu desejo;

- Ele lança apóstrofes aos elementos da Natureza (céu , campo) e à canção;

- Deseja que eles (personificados) entrem nele e o transformem na sombra deles e o levem para sempre.

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A DOR DE PENSAR

• CARACTERIZAÇÃO DAS PERSONAGENS:

• O POEMA TEM DUAS LINHAS ESTRUTURADORAS:

CEIFEIRA POETA

cantapobrecheia de alegre e anónima viuvez (voz)incerta vozalegre inconsciência

O que em mim sente ‘stá pensando

Ah, poder ser tu, sendo eu!Ter a tua alegre inconsciênciaE a consciência disso!

OBJECTIVIDADE SUBJECTIVIDADE

A ceifeira em si mesma - A visão que o poeta tem da ceifeira- O que o poeta pensa de si próprio

BINÓMIO SENTIR/PENSAR

CEIFEIRA: sensação pura POETA: pensador puro

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A DA DOR DA DE PENSAR• O canto da ceifeira seduz porque é perfeito.

ELEMENTOS QUE TRADUZEM ESSA PERFEIÇÃO

• Qual é o verso que melhor caracteriza o sujeito poético?v. 14 “O que em mim sente ‘stá pensando”

o poeta é incapaz de permanecer ao nível das sensações, transforma-as de imediato em ideias.

• De que é símbolo a ceifeira?R.: Ela é símbolo de harmonia, inconsciência e tranquilidade.

ELEMENTOS LEITURA

A rima (externa e interna) musicalidade: ei/ei; an/an; ão/ão; ai/ai…

O ritmo ondular sons nasais; sugestões verbais (2ª est.)

A repetição das vogais u, e, a equilíbrio entre sons abertos e fechados

Aliterações c, v, l, m, n harmonia sonora

Os transportes v. 3/v. 4; v. 20/v. 21; v. 22/v. 23

a riqueza fónica da 2ª est. enriquecida por metáforas e comparações

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A DOR DE PENSARIntertextualidade:1- compara o pedido contido na composição de F. Pessoa com o que é feito pelo sujeito poético do poema de Florbela Espanca.

RÚSTICA

Ser a moça mais linda do povoado,Pisar, sempre contente, o mesmo trilho,Ver descer sobre o ninho aconchegadoA bênção do Senhor em cada filho.

Um vestido de chita bem lavado,Cheirando a alfazema e a tomilho…Com o luar matar a sede ao gado,Dar às pombas o sol num grão de milho…

Ser pura como a água da cisterna,Ter confiança na vida eternaQuando descer à “terra da verdade”…

Meu Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!Dou por elas meu trono de Princesa,E todos os meus reinos de Ansiedade.

Florbela Espanca, Sonetos

R.: Os pedidos são semelhantes: Pessoa deseja a inconsciência da ceifeira , e Florbela pede a felicidade rural.

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A DOR DE PENSAR

Foi depois de ler “Folhas Caídas” de A. Garrett que Pessoa começou a escrever poesia em português.

Garrett e Pessoa aproximam-se:- pela grácil delicadeza dos motivos;- o desenho estrófico;- a melodia do verso de 2 a 7 sílabas a sugerir a própria leveza e fluidez da alma;- a linguagem simples, íntima, sóbria, nobre.

No Pessoa ortónimo, o ritmo alicia, as próprias vivências são muitas vezes de essência musical; instintiva ou calculadamente, de qualquer modo apoiado à nossa melhor tradição lírica, Pessoa tira das combinações de sons efeitos muito felizes.

Jacinto do prado Coelho, Diversidade e Unidade em F. Pessoa

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A DOR DE PENSAR

Leve, breve, suave,Um canto de aveSobe no ar com que principiaO dia.Escuto, e passou…Parece que foi só porque escuteiQue parou.Nunca, nunca, em nada,Raie a madrugada,Ou ‘splenda o dia, ou doire no declive,TivePrazer a durarMais do que o nada, a perda, antes de eu o irGozar.

O processo é característico de Pessoa: primeiro a imagem-símbolo, depois a reflexão que lhe extrai o sentido. Vejamos um exemplo em “Leve, breve, suave”:

O 1º verso, só constituído por adjectivos(sugestivo de um som esguio e docepelas duas pausas entre os 3 dissílabos,rigorosamente monossílabos, terminadosem fricativa, e ainda pela rima interior),contém o que mais importa: a ideia daleveza, da brevidade, da suavidade domomento psicológico simbolizado pelo canto,cujas curvas descritas no ar parecem serreproduzidas pelo desenho estrófico,com versos de tamanho muito desigual erimas suaves em –ave e –ia.

O súbito desaparecimento do canto (v. 5)

O eu consciente do poeta intervém equebra o encanto do momento inefável.

A sintaxe de coordenação e a linguagem viva e espontânea, descrevem melhor a rapidez com que o canto se esvaiu.

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A DOR DE PENSARGato que brincas na ruaComo se fosse na cama,Invejo a sorte que é tuaPorque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fataisQue regem pedras e gentes,Que tens instintos geraisE sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,Todo o nada que és é teu.Eu vejo-me e estou sem mim,Conheço-me e não sou eu.

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A DOR DE PENSARin

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- A ilustração de Rinoceronte remete para o tópico pessoano da “dor de pensar”: • não a coisa que invade a sua mente e o impede de viver plenamente a vida (a intelectualização de emoções, a perturbação que motiva o desejo da fuga);

• mas a maneira como Pessoa observa as coisas fúteis da vida.

- Na poesia do ortónimo, há:• a investigação solene, a análise e a exaltação das coisas simples (gato), • a busca da inocência, da alegria, da bruteza do gato (aspiração impossível;• a aspiração à felicidade esbarra na sua condição de ser um ser pensante.- A imagem mostra um ser em mutação:• cabeça (poeta) – o ser que pensa;• corpo (gato) – o ser que sente;- Elo de ligação:• a caneta (símbolo da actividade artística)

Assim, a ilustração sugere que- a falta de preocupação do ser "bruto“ (o gato) espanta Pessoa e intriga-o fazendo nascer nele um misto de admiração e inveja.- Pessoa não tem só os "instintos gerais“, que regem o gato - que sente "só o que sente" e nada mais. Tem a consciência que o impede de ser plenamente gato.

• pela palavra…- o poeta reconstrói-se;- busca o auto-conhecimento;- evade-se no imaginário;- deseja e inveja a felicidade alheia

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A DOR DE PENSAR• "Gato que brincas na rua” - análise do poema:

Podemos imaginar Fernando Pessoa do alto da sua janela, num qualquer dos seus quartos alugados, vendo o rebuliço normal da cidade e, sobretudo, o pormenor indecifrável das pequenas coisas. Entre elas estaria o pequeno gato a brincar na rua que dava para a sua casa.

Se, por um lado, a "dor de pensar" é uma coisa que invade a mente de Pessoa e o impede de viver plenamente a vida, não parece que este poema aborde essa dor, mas antes a maneira como Pessoa observava as coisas fúteis da vida: é nos pormenores ínfimos que a análise filosófica de Pessoa se extrema e encontra os maiores significados. Ao ponto de ele mesmo se exaltar enquanto "investigador solene das coisas fúteis" (Álvaro de Campos, no poema "Passagem das Horas").

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A DOR DE PENSAR

Este poema lembra “Tabacaria”, quando o sujeito poético direcciona a sua atenção para a rapariga que come chocolates, absorta do resto do mundo. É esta falta de preocupação (o ser "bruto", que aparece, por exemplo, em Ricardo Reis) que espanta Pessoa e o intriga - sendo que também faz nascer nele a inveja.

Gato que brincas na ruaComo se fosse na camaInvejo a sorte que é tuaPor que nem sorte se chama

análise do poema (cont.)

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A DOR DE PENSAR

Pessoa inveja realmente "a sorte" do gato, que é a sorte de ser inconsciente e poder brincar sem pensar em mais nada - brinca na rua "como se fosse na cama".

Bom servo das leis fataisQue regem pedras e gentes,Que tens instintos geraisE sentes só o que sentes.

análise do poema (cont.)

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A DOR DE PENSAR

O gato é "bom servo das leis fatais", ou seja, cumpre o seu destino sem se opor minimamente a ele - cumpre o desejo mais alto de Reis, que é o de sentir o destino como coisa inevitável enquanto se cumpre.

O assumir deste destino universal, que rege "pedras e gentes" é um motivo de alta nobreza. Mas o homem é incapaz (a menos que seja "bruto") de ter esta atitude, porque alguns homens (como Pessoa), não têm apenas os "instintos gerais", que regem o gato - que sente "só o que sente" e nada mais.

És feliz porque és assim,Todo o nada que és é teu.Eu vejo-me e estou sem mim,Conheço-me e não sou eu

análise do poema (cont.)

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A DOR DE PENSAR

A razão da inveja de Pessoa, mais do que inveja pela falta de preocupação, é inveja pela simples felicidade que existe quando se vive plenamente as coisas sem pensar. "És feliz porque és assim" é uma expressão de profunda miséria, de quem observa e tem a consciência plena que é infeliz. Embora o gato seja apenas "o nada", ele é-o plenamente, enquanto Pessoa sente que se conhece e conhece a sua situação, mas não consegue ser feliz assim.

análise do poema (cont.)

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A DOR DE PENSAR

O paradoxo pensar/viver parece aqui encontrar novo poiso privilegiado. Pessoa inveja a felicidade alheia, seja de pessoas ou animais, porque a felicidade alheia é inatingível e baseada em princípios que ele sente nunca poder alcançar. Sobretudo aqueles princípios de simplicidade, acessíveis apenas aos "brutos", ou aos animais, como o pequeno gato que brinca tranquilo na rua. Pessoa sabe que nunca poderá ser apenas um "bruto", muito menos um animal - é este peso enorme que esmaga a sua esperança em ser feliz.

Eu vejo-me e estou sem mim,Conheço-me e não sou eu.

análise do poema (cont.)

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A DOR DE PENSAR

“Não vale mais o bem-estar físico do gato que brinca, obedecendo às leis universais do instinto? Para quê esta trituração mental que não conduz a nada?”

Jacinto do Prado Coelho, Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa, Verbo

sedução

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A DOR DE PENSAR - continuação“Pouco a pouco… tenho vindo erguendo os meus propósitos e as minhas ambições cada vez mais à altura daquelas qualidades que recebi.

Ter uma acção sobre a humanidade, contribuir com todo o poder do meu esforço para a civilização vêm-se-me tornando os graves e pesados fins da minha vida.

E, assim, fazer arte parece-me cada vez mais importante coisa, maus terrível missão – dever a cumprir arduamente, monasticamente, sem desviar os olhos do fim criador-de-civilização de toda a obra artística.

E por isso o meu próprio conceito puramente estético da arte subiu e dificultou-se; exijo agora de mim muito mais perfeição e elaboração cuidada.”

Fernando Pessoa, in António Quadros- Fernando Pessoa: Vida, Personalidade e Génio

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A DOR DE PENSAR - continuação

• “O mistério da vida dói-nos e apavora-nos de muitos modos. (…)Mas este horror que hoje me anula é menos nobre e mais roedor. É uma vontade de não querer ter pensamentos, um desejo de nunca ter sido nada, um desespero consciente de todas as células do corpo e alma.É o sentimento súbito de se estar enclausurado numa cela infinita. Para onde pensar em fugir, se só a cela é tudo?”

Fernando Pessoa – Bernardo Soares, Livro de Desassossego

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O ESPELHO DOS PENSAMENTOS

Intertextualidade

Tudo o que sou não é mais do que abismoEm que uma vaga luzCom que sei que sou eu, e nisto cismo,Obscura me conduz.

Um intervalo entre não-ser e serFeito de eu ter lugarComo o pó, que se vê o vento erguer,Vive de ele o mostrar.

Fernando Pessoa

Bóiam leves, desatentos,Meus pensamentos de mágoa,Como, no sono dos ventos,As algas, cabelos lentosDo corpo morto das águas.

Bóiam como folhas mortasÀ tona de águas paradas.São coisas vestindo nadas,Pós redemoinhando nas portasDas casas abandonadas.

Sono de ser, sem remédio,Vestígio do que não foi,Leve mágoa, breve tédio,Não sei se pára, se flui;Não sei se existe, ou se dói.

Um dos malefícios de pensar é ver quando se está pensando.Os que pensam com o raciocínio estão distraídos.Os que pensam com a emoção estão dormindo.Os que pensam com a vontade estão mortos

Eu, porém, penso com a imaginação, e tudo quanto deveria ser em mim ou razão, ou mágoa, ou impulso, se reduz a qualquer coisa indiferente e distante, como este lago morto entre rochedos…

Fernando Pessoa – Bernardo Soares, Livro de Desassossego

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O ESPELHO DOS PENSAMENTOSTudo o que faço ou meditoFica sempre na metade.Querendo , quero o infinitoFazendo, nada é verdade.

Que nojo de mim me ficaAo olhar para o que faço!Minha alma é lúcida e rica,E eu sou um mar de sargaço

Um mar onde bóiam lentosFragmentos de um mar de além…Vontades ou pensamentos?Não o sei e sei-o bem.

Fernando Pessoa, Cancioneiro

AUTO-ANÁLISE

Eu que analisa Eu que é analisado

Desdobramento

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O ESPELHO DOS PENSAMENTOS“Não sei se é sonho, se realidade”

CertezaNão é com ilhas do fim do mundo,

É em nós que é tudo. É ali, ali,Que a vida é jovem e o amor sorri

DesalentoMas já sonhada se desvirtua

Só de pensá-la cansou pensar,

EsperançaÉ a que ansiamos. Ali, ali,

A vida é jovem e o amor sorri

-Tensão entre o apelo do sonho e o peso da realidade;

- Caracterização do sonho – símbolos:“terra de suavidade”“ilha extrema do sul”“palmares”“áleas longínquas”;

- A realidade impõe-se com o seu peso e impede a materialização do sonho;

- Tristeza do poeta (semelhante à do poema da ceifeira);

- A «dor de pensar» possui completamente o poeta.

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A DOR DE PENSAR• Liberdade

Ai que prazerNão cumprir um dever,Ter um livro para lerE não o fazer!Ler é maçada,Estudar é nada.O sol doiraSem literatura.

O rio corre, bem ou mal,Sem edição original.E a brisa, essa,De tão naturalmente matinal,Como tem tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.Estudar é uma coisa em que está indistintaA distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quando há bruma,Esperar por D. Sebastião,Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...Mas o melhor do mundo são as crianças,Flores, música, o luar, e o sol, que pecaSó quando, em vez de criar, seca.

O mais do que istoÉ Jesus Cristo,Que não sabia nada de finançasNem consta que tivesse biblioteca...

Fernando Pessoa

- Tópico Temático: a «dor de pensar»

- Texto diferente, na construção e na leveza.- Humor e ironia na apresentação do tema.- Irregularidade estrófica e métrica de acordo com o título.

- 1º momento: poeta contrapõe a obrigação dos deveres à naturalidade das coisas.- 4ª estrofe: faz a transição e, ironicamente, denuncia uma das características dos portugueses: esperar pelo «messias» salvador.- 2 últimas estrofes: a subjectividade do poeta enumera realidades de forma eufórica.- crianças, flores, música, luar, sol, Jesus Cristo são palavras portadoras de carga simbólica.- Última estrofe: ironia muito expressiva (crítica aos poderosos que impõem os seus caprichos).

- Para a realização do tema são importantes:os transportes; a rima; as sonoridades vocálicas…

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O TEMPO – factor de desagregação• Já não me importo

Já não me importoAté com o que amo ou creio amar.Sou um navio que chegou a um portoE cujo movimento é ali estar.

Nada me restaDo que quis ou achei.Cheguei da festaComo fui para lá ou ainda irei

IndiferenteA quem sou ou suponho que mal sou,

Fito a genteQue me rodeia e sempre rodeou,

Com um olharQue, sem o poder ver,Sei que é sem arDe olhar a valer.

E só me não cansaO que a brisa me trazDe súbita mudançaNo que nada me faz.

Fernando Pessoa

Não sou nada.Nunca serei nada.Não posso querer ser nada.à parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.

Álvaro de Campos - Tabacaria

O tempo pessoano: elemento constituído por uma série de momentos que não se excluem, que aparecem em simultâneo, na sua memória – a saudade traz o passado, que se torna presente.

“Vivo sempre no presente. O futuro não o conheço. O passado, já o não tenho. Pesa-me um como a possibilidade de tudo, o outro como a realidade de nada. Não tenho esperanças nem saudades. (…) O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua mas não o texto.”

Fernado Pessoa-Bernardo Soares, Livro do Desassossego