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Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

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Page 1: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

O ~bjetivo principal desta obra é permitir a compreensão da c ftncia e da pesquisa.. As noções fundamentais da pesquisa científica são :-tpresentadas de modo significativo e não­técnico, sem prejuízo da profundidade e da exatidão. O autor mostra, com bastante clareza, como são feitas as pesquisas em várias áreas de estudo, como a Psicologia, a Educação e a Sociologia, embora sua preocupacão seja a de aproximar os princípios de todas as ciências.

São discutidos desde tópicos de caráter geral, como a natureza da ciência e da pesquisa cien­tífica, conceitos e definições de variáveis, problemas, hipóteses, probabilidade e estatís­tica, até tópicos mais específicos, como inves­tigações sociológicas, computação, análise fatorial etc.

Os conceitos básicos de metodologia da pes­quisa são ilustrados com a descrição de pes­quisas reais, acompanhadas da teoria em que se baseiam. A obra é complementada por um Apêndice, onde são tratados outros tipos de pesquisa não abordados no corpo do livro, bem como métodos de observação e coleta de dados e testes de significância estatística.

ISBN 85-12-60340-2

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Metodologia da Pesquisa em Ciências Sociais

Um tratamento conceitual

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Page 3: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte Câmara Brasileira do Livro, SP

Kerlinger, Fred Nichols, 1910-K47m Metodologia da pesquisa em ciências wctats:

um tratamento conceitual f Fred N. Kerlinger; [tradução Helena Mendes Rotundo; revisão técnica José Roberto Malufe]. São Paulo: EPU.

Bibliografia.

1. Ciências sociais - Metodologia 2. Pesquisa 3. Pesquisa social I. Título.

80-1332

lndices para catálogo sistemático: 1. Metodologia: Ciências sociais 300.18

CDD-300.72 -300.18 -507.2

2. Pesquisa cientifica 507. 2 3. Pesquisa comportamental: Ciências sociais 3üp. 72 4. Pesquisa social: Ciências sociais 300.72

Fred N. Kerlinger Universidade de Amsterdã

Metodologia da Pesquisa em Ciências Sociais

Um tratamento conceitual

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Tradução do original em inglês: Behavioral Research - a conceptual approach Copyright © 1979 by Holt, Rinehart and Winston

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Tradução: Helena Mendes Rotundo

Revisão técnica: José Roberto Malufe Professor-Assistente de Metodologia da Pesquisa em Educação, na PUC/SP

1 0" reimpressão, 2007

ISBN ISBN

978-85-12-60340-7 85-12-60340-2

©E. P. U. -Editora Pedagógica e Universitária Ltda., São Paulo, 1980. Todos os direitos reservados. A reprodução desta obra, no todo ou em paite, por qualquer meio, sem autorização expressa e por escrito da Editora, sujeitará o infrator, nos termos da lei n° 6.895, de 17-12-1980, à penalidade prevista nos aJtigos 184 e 186 do Código Penal, a saber: reclusão de um a quatro anos.

E. P. U. - Telefone (0++ ll) 3 168-6077 - Fax. (0++ li ) 3078-5803 E-Mail: [email protected] Site na Internet: http://www.epu.com.br

Rua Joaquim Floriano, 72 - 6o andar- conjunto 65/68 - 04534-000 São Paulo - SP Impresso no Brasil Printed in Brazil

Para William Clark Theodore M.

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Sumário ..__

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:;: "''-::) ................................................ Prefácio XV

1 . A natureza da ciência e da pesquisa científica . . . . . . . . . . . . 1

2. Conceitos comportamentais científicos e definições . . . . . . . . . . 22

3. Problemas, hipóteses e variáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33

4. Relações e explicações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

5. Probabilidade e estatística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 4

6. O delineamento da pesquisa experimental: delineamentos de uma só variável. ............. . ......... . .............. ·. 94

7. Delineamento da pesquisa experimental: delineamentos fatoriais 105

8. Pesquisa experimental e não-experimental . . . . . . . . . . . . . . . . 120

9. Observação e mensuração de variáve1s .................. 144

10. Investigação sociológica, levantamentos e ~nálise de freqüências 162

11 . A abordagem multivariada: regressão múltipla e partição da

variância ................ ... , . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179

12. A abordagem 'multivariada: análise fatorial .............. 202

13. A abordagem multivariada: correlação canônica, análise dis-

criminante e análise de estruturas de covariância .. . . . . . . . . . 235

14. O computador ................ . .. .. .. ·.· .............. 271

15. Concepções errôneas e controvérsias: questões metodológicas 296

16 . Concepções errôneas e controvérsias: pesquisa e prática . . . 317

·Apêndice - Tipos de pesquisa, métodos de observação e testes de

significância estatística . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 347

Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 363

fndice onomástico

1ndice analítico

369

372

VII

)

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\

Sobre o autor

Fred N. Kerlinger, nascido em 1910, é professor convidado do Laboratório de Psicologia da Universidade de Amsterdã, Holanda, desde 1975. Doutorou-se em 1953, pela Universidade de Michigan, Estados ·,,-_; Unidos, em psicologia educacional. Foi professor de psicologia educa- ~~ cional na Universidade de Nova Iorque de 1960 a 1975, e dirigiu a . .,_ Divisão de Ciências Comportamentais dessa universidade de 1968 a :.:; ;: 1971. Kerlinger é autor do já clássico Foundations of Behavioral Re- ~ r­search (2.a ed.) e co-autor, juntamente com E.J. Pedhazur, de Multiple ' ""';. Regression in Behavioral Research. O presente volume, seu mais recente ~ --~ trabalho, figura entre os melhores livros já escritos no gênero. ·~• ~

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Prefácio

O propósito deste livro é auxiliar as pessoas a compreenderem a ciência e a pesquisa científica. Embora focalize a ciência comportamental e a pesquisa psicológica, sociológica e educacional, sua preocupação central é a abordagem e os princípios básicos de todas as ciências. As disciplinas científicas diferem em conteúdo e substância, mas sua abor­dagem ampla à investigação é, no geral, a mesma. E é neste núcleo de semelhança que se concentra este livro.

Uma das grandes necessidades do momento é a de que as pessoas .. · compreendam a ciência. Existe, naturalmente, muita popularização da ciência e das realizações científicas, nos meios de comunicação. Há tam-bém livros tentando explicar a ciência. Entretanto, a maioria dos espe- , 1

cialistas, provavelmente, concordaria que é preciso fazer ainda muito.~. -. mais para tornar a ciência compreensível para um maior número deb= "M

pessoas, e os próprios cientistas devem assumir uma parte da responsa-.;; bilidade por tais esforços. 5

O objetivo específico de Metodologia da. Pesquisa em Ciências So­ciais: Um Tratamento Conceitual é explicar as complexidades abstratas da pesquisa científica de modo significativo e não-técnico, sem sacrificar a profundidade e a exatidão. O livro tenta conseguir isto concentrando-se nas bases conceituais da ciência e da pesquisa, e limitando as discussões técnicas e metodológicas a umas poucas áreas e temas básicos. Tenta também explicar o que a ciência é, e o que não é; quais os seus propósi­tos e como funciona.

Outro objetivo do livro é preencher o hiato de compreensão entre o cientista comportamental e o não-cientista. A natureza abstrata da ciência e as tecnicidades da pesquisa podem ser obstáculos à compre­ensão. Além disso, podem obscurecer sua simplicidade essencial e econo­mia de propósitos. ~ uma séria deficiência educacional o fato de que muitas pessoas, talvez a maioria, sabem pouco a respeito do que é um experimento, para que serve, a respeito de mensuração, sua natureza e propósitos, ou a respeito da função e lugar da estatística na pesquisa. A pessoa que tiver lido atentamente este livro deverá ter uma sólida compreensão conceitual da ciência comportamental e da pesquisa com­portamental - dó ponto de vista do pesquisador.

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Uma terceira finalidade do livro é definir e explicar algumas das principais questões controvertidas associadas à pesquisa sócio-científica. As controvérsias surgem e multiplicam-se devido a conflitos e diferenças de valores. Às vezes, entretanto, nascem de concepÇOes errôneas a respeito dos problemas que estão subjacentes a elas. Para que serve a pesquisa? Por que fazer pesquisas? O que é objetividade? Por que a objetividade é considerada tão importante pelos cientistas? O que são pesquisa básica e pesquisa aplicada? Pode-se medir a inteligência humana? Como os valo­res afetam a ciência e a pesquisa? Mal-entendidos sobre tais problemas dificultam a compreensão da ciência e da pesquisa. O presente livro, portanto, tenta analisar e colocar esses problemas em perspectiva, embora não pretenda resolvê-los.

Há dois públicos que são especialmente visados por este texto. O primeiro é formado por aqueles que desejam conhecer algo da natureza e dos problemas da ciência e da pesquisa em psicologia, sociologia, educação e outras disciplinas comportamentais. O que significa, por exemplo, estudar cientificamente a inteligência e o preconceito? Como são abordados problemas assim tão complexos e difíceis de apreender?

O segundo tipo de público é o formado por estudantes universitários que estão terminando seus cursos de graduação, ou iniciando a pós­graduação, em praticamente qualquer disciplina, inclusive disciplinas não-científicas, e que necessitam compreender a ciência e a pesquisa comportamentais. Os estudantes de ciências comportamentais acharão o livro particularmente pertinente e útil. Entretanto, eu o concebi como um texto geral e um guia para estudantes de várias disciplinas, ainda que sua ênfase seja psicológica, sociológica e educacional.

O livro tem três partes principais. Na primeira parte, que abrange os capítulos 1, 2 e 3, é discutida a natureza da ciência e da pesquisa científica. Os termos necessários são definidos, as idéias fundamentais são explicadas e ilustradas, e são introduzidos um ou dois pontos contro­vertidos - por exemplo, a questão da objetividade. Os capítulos 1 e 3 são, provavelmente, os capítulos mais importantes do livro, porque discutem qual é a meta da ciência e por que, e revelam a essência e o propósito dos problemas e hipóteses da pesquisa científica. Esta parte, portanto, poderia ser chamada de fundamentos conceituais do tema.

A segunda parte - capítulos de 4 a 13 - trata dos aspectos técnicos da p<:squisa comportamental que são, em minha opinião, os mais importantes. Ninguém pode compreender realmente a ciência e a pesquisa comportamental sem compreender pelo menos as mais funda­mentais das idéias técnicas. Por exemplo, a idéia de aleatoriedade é fundamental. Não se pode compreender experimentos ou ter qualquer tipo de idéiP- clara do que seja estatística e delineamento de pesquisa sem com}Jfeender funções e processos aleatórios e o seu uso na pesquisa

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contemporânea. A cobertura desta parte é ampla e diversificada. Inclui relações, probabilidade, delineamento de pesquisa, mensuração e análise multivariada. É o núcleo técnico do livro, mas na sua maior parte expresso em linguagem não-técnica.

O capítulo 4 estabelece a base: examina relações e explicações e tenta mostrar como estão subjacentes a todo o empreendimento científico. O capítulo 5 apresenta uma abordagem intuitiva à probabilidade e à estatística. A importância da idéia de aleatoriedade, mencionada acima, é fortemente enfatizada. Os capítulos 6, 7 e 8 formam uma unidade sobre experimentação e delineamento de pesquisa. Os delineamentos de pesquisa têm o propósito essencial de fornecer quadros de referência que tornem possível responder diferentes questões de pesquisa. Os capítulos 6 e 7 esboçam os princípios de tais quadros de referência. O capítulo 8 mostra as semelhanças e diferenças entre a pesquisa experimental e a não-experimental. Raramente essa distinção tão importante é discutida na bibliografia. Considero-a suficientemente importante para justificar um capítulo inteiramente dedicado a ela. A distinção e as suas con­seqüências, tais como apresentadas no capítulo 8 e em outros trechos do livro, podem ser questionadas. Todavia, por mais corretas ou incorretas que sejam julgadas a definição, as distinções e as conseqüências, não há dúvida de que o tema requer divulgação e compreensão.

Mensuração é a principal preocupação do capítulo 9. Assim como a estatística, a mensuração psicológica é uma das maiores conquistas de nossos tempos. Embora tenha ainda um longo caminho pela frente, boa parte deste já é conhecido, e uma parcela do núcleo desse conhecimento está condensada no capítulo 9. A despeito de ser uma grande realização, a mensuração tem sido também o calcanhar de Aquiles de grande parte da pesquisa comportamental. O capítulo ajuda a esclarecer suas forças e fraquezas.

O capítulo 10 procura descrever um volumoso e importante tipo de pesquisa - em termos gerais denominado "investigação sociológica" -cujas principais características são suà natureza não-experimental, sua mensuração e seus modos de análise. Temos este tipo de pesquisa quando, por exemplo, os pesquisadores estudam principalmente o que pode ser chamado de "variáveis sociológicas" - classe social, status ocupacional, sexo, preferências religiosas e políticas, e assim por diante - e quando o método predominante de observação é a contagem, geralmente a conta­gem de características " sociológicas" de indivíduos. O capítulo ocupa-se de suas características e de seu uso na pesquisa comportamental.

A inclusão dos capítulos 11, 12 e 13, sobre a abordagem multi va­riada, é essencial em um livro sobre a pesquisa comportamental contem­porânea. Alguma~ pessoas poderão achar que o assunto é muito complexo para um livro deste tipo. Como se poderia explicar análise fatorial,

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regressão múltipla e análise discriminante de modo preciso e não-técnico? Essa é uma boa pergunta, e para a qual não existe uma resposta pronta e fácil. O problema é que, se não forem discutidc>.s as abordagens multi­variadas à pesquisa e à análise de dados, deixa-se uma grande lacuna no conhecimento e na compreensão que terá o leitor sobre a pesquisa com­portamental. A pesquisa comportamental passa, atualmente, por uma verdadeira revolução, a meu ver, precisamente por causa, em grande parte, da abordagem multivariada e do ultra-rápido computador moderno. Problemas de pesquisa, que antes não poderiam ser contemplados por uma incapacidade de se fazer as complexas análises envolvidas, são hoje abordados quase rotineiramente. Assim, decidiu-se incluir o assunto, a um nível conceptual e semitécnico. Há a conseqüente supersimplifica­ção, ignorando-se diversos problemas importantes. Os riscos, entretanto, talvez sejam compensados por uma imagem melhor e mais completa que

• o leitor poderá adquirir. Pelo menos, estes capítulos poderão aumentar o .· interesse e difundir uma abordagem fascinante, com muitas probabili­

dades para a teoria e a pesquisa significativas e criativas.

A terceira parte do livro, capítulos 14, 15 e 16, discute e explora diversos problemas controvertidos e mal compreendidos, que trazem considerável preocupação à ciência e aos cientistas. Um deles - feliz­mente, relativamente fácil de manejar - é a natureza e a finalidade do computador. Não há dúvida de que o computador foi e é uma das influências mais fortes na pesquisa comportamental contemporânea. Esta influência é examinada no capítulo 14. Os notáveis poderes do com­putador são descritos e analisados com o propósito de se compreender o que o computador pode fazer e, o que é praticamente tão importante quanto isso, o que o computador não pode fazer . Depois de estabelecida essa base, procurou-se também esclarecer um ou outro mal-entendido sobre o computador e o seu lugar na pesquisa e na ordem das coisas.

Os dois últimos capítulos do livro, capítulo 15 e 16, exploram basica­mente um certo número de problemas mal compreendidos e contro­vertidos, que intrigam e desorientam os pesquisadores e os indivíduos que observam a ciência e a pesquisa. Por exemplo, a questão de para que serve a ciência é atacada diretamente, e são tiradas conclusões que poderão desconcertar alguns leitores. Qualquer atividade humana com­plexa é controvertida. A ciência não é excecão . Decidi portanto que alguns dos mal-entendidos mais perturbado;es e impo;tantes sobre a ciência e a pesquisa teriam que ser abordados. Naturalmente, ao se fazer isso, há um risco considerável. Poderá parecer que se está tomando partido em um debate. Na realidade, o que se está assumindo é menos um partido em um debate do que uma posição baseada no que se considera ser a natureza da ciência. Novamente, isto se torna um obstáculo à compreensão. Por exemplo, muitas pessoas acreditam que o

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propósito da pesquisa científica é aumentar o bem-estar humano. Quando isso é categoricamente negado, e se afirma que o propósito da pesquisa científica é a teoria, ou a compreensao e explicação, não é de se admirar que surjam dificuldades . Pretende-se, entretanto, explicar de tal maneira as coisas, que as razões para as afirmações feitas possam ser compreendi­das e, pelo menos, consideradas. Assim, os últimos dois capítulos do livro exploram controvérsias e mal-entendidos. Tentam colocar em perspectiva três ou quatro das maiores questões, em parte filosóficas, da ciência e da pesquisa.

Embora possa ser considerado metodológico, num sentido amplo, este não é um livro de métodos. Não se tenta ensinar como fazer pesquisa .. ~­Toda a ênfase é posta em compreender pesquisa. Na verdade, é provavel- -.~ mente impossível compreender qualquer assunto complexo sem trabalhar··~ ativamente {:Om ele, Para compreender realmente a estatística, a maioria'=2 das pessoas precisaria trabalhar com problemas estatísticos, por exemplo. ~ ~· · Todavia, um nível substancial de compreensão pode ser alcançado por:.'? -uma forma vicária de trabalhar com os problemas. Muitos de tais \ "trabalhos vicários" são dados no livro. Por exemplo, uma característica ·· importante do livro é a descrição de pesquisas reais, geralmente acom-. ·, panhada da teoria em que se baseiam os estudos, bem como as questõe& ~; -colocadas pelos pesquisadores. Assim, o livro descreve a maneira pelá~ -qual as pesquisas têm sido feitas e é, portanto, numa certa medida'·' -~ metodológico. Mas deixa quase que completamente de lado os métodos::-~ reais de fazer observações. medir variáveis, analisar dados e assim po;,-: diante. A necessidade de informações sobre esses tópicos é atendida, numiP certa medida, pelo Apêndice, no qual são discutidos tipos de pesquisa diferentes dos tratados no texto, bem como alguns métodos de observação.

Embora saiba o quanto me ajudou, não creio que minha mulher compreenda realmente até que ponto ela é uma parte importante deste livro. Em todo caso, por suportar minhas rabugices e frustrações, deixando de lado o que ela considerava obstáculos menores, dando-me apoio e ânimo, eu lhe agradeço.

Amsterdã, Holanda junho de 1978 Fred N. Kerlinger

XV

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1. A natureza da ciência e da pesquisa científica

Corno "conhecemos" o mundo? Como conseguimos entender as pessoas e o que elas fazem? Podemos ler a respeito do mundo e das pessoas e aprender muita coisa. Por exemplo, o conhecimento das pes­soas, de seus motivos e comportamento, pode ser tirado de poemas, novelas e textos de psicologia. Para investigar mais profundamente os sentimentos e motivação das pessoas, podemos ler Freud e Dostoievsky. Outra maneira de nos informarmos a respeito do mundo é ouvir os outros. Pais e professores descrevem o mundo para as crianças. Políticos, jornalistas e professores estão constantemente nos dizendo o que eles acham que deveríamos saber. Tal conhecimento é derivado da autori­dade; alguma fonte que aceitamos como digna de crédito nos dá esse conhecimento.

Outro caminho importante para o conhecimento é a observa­ção. Observamos o mundo e outras pessoas durante toda a nossa vida. Usamos nossos sentidos para receber e interpretar as informa­ções que recebemos de fora. Vejo um carro vindo em minha direção à grande velocidade. Fuio dele. Observei o carro em velocidade, inferi perigo e agi. A observação é então, obviamente, uma importante fonte de conhecimento.

Infelizmente, a observação comum e a autoridade nem sempre são guias de toda confiança. Populações inteiras de indivíduos lêem, ouvem e acreditam no que dizem os demagogos. Há muito se sabe que a maioria das pessoas são más observadoras até dos fenômenos mais simples. Por exemplo, duas pessoas observam uma terceira fazer gestos; pergunte-lhes o que o indivíduo fez. Se ambas concordarem em sua observação, será incrível. Se concordarem na interpretaçãc do que o indivíduo fez, mais incrível ainda. Uma das dificuldades é que nenhum acontecimento é tão simples assim. Outra é que os observadores interagem com e afetam o que observam. Assim, a observação é um processo ativo que raramente é simples.

A ciência se desenvolveu, em parte, pela necessidade de um método de conhecimento e compreensão mais seguro e digno de confiança do que os métodos relativamente desprovidos de controle geralmente usados. Foi preciso inventar uma abordagem do conhecimento, apta a permitir

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informação válida e fidedigna sobre fenômenos complexos, inclusive o complexo fenômeno do próprio homem. Era preciso superar explicações absolutistas, metafísicas e mitológicas de fenômenos naturais - ou pelo menos suplementá-las - com uma abordagem até certo ponto exterior ao homem O sucesso da ciência como abordagem do conhecimento e compreensão de fenômenos naturais tem sido notável. Mas a compreen­são da ciência e da abordagem usada pelos cientistas tem sido conside­ravelmente menos notável. Pode-se dizer que a ciência é seriamente mal compreendida.

O objetivo básico deste livro é ajudar o leitor a compreender a abordagem, o pensamento e os métodos da ciência e da pesquisa cien­tífica. Seu foco especial se dirigirá para a pesquisa em psicologia, socio­logia e educação. A abordagem geral é a mesma, ou pelo menos basica­mente semelhante, em todas as ciências. Estudaremos esta abordagem muito cuidadosamente. Entretanto, há dificuldades e problemas especiais na ciência e pesquisa comportamentais que precisamos conhecer se qui­sermos entender tal pesquisa. 1 Em outras palavras ,a abordagem geral do conhecimento e compreensão da física e da psicologia é a mesma, mas os detalhes da teoria e investigação são muito diferentes. Por exemplo, a complexidade e a ambigüidade do comportamento humano, geralmente considerado como mais complexo e ambíguo do que os objetos do mundo físico, criam grandes problemas de observação e inferência válidas e fidedignas. Medir aspectos do comportamento humano - agressividade, preconceito, preferências políticas e realização escolar, por exemplo -é geralmente mais difícil do que medir as propriedades dos corpos físicos.

É grande a necessidade de compreender a ciência e a abordagem científica. Esta necessidade é grande pr.incipalmente na psicologia, socio­logia e educação, dada a urgência dos problemas humanos e sociais que os pesquisadores estudam, e dada a natureza controvertida de alguns dos problemas e métodos das ciências comportamentais. Este livro se concentra nesta necessidade.

1 As ciências comportamentais são as que estudam e procuram entender o homem, as instituições humanas, ações e comportamentos humanos: sociologia, psicologia, antropologia, economia, ciência política. O termo "ciências sociais" é também usado, mas "ciências comportamentais" parece um termo mais geral, mais abran­gente. Esta definição é correta apenas no plano geral. Embora as disciplinas com­portamentais possam ser claramente definidas, muitas vezes as distinções entre elas são atenuadas na teoria e na pesquisa reais. Sociólogos e psicólogos, por exemplo, freqüentemente penetram uns no campo dos outros. Além disso, outros cientistas comportamentais, apesar da definição da pesquisa comportamental, estudam animais, às vezes com grande impacto no conhecimento científico do comportamento.

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Natureza geral da ciência

A ciência é um empreendimento preocJ.lpad_o_exclusiyallltnt~ com o con ecffii~nt2 _e a çompr..eensão de fenômenos naturais. Os cient istas desejam conhecer e compreender as coisas. Eles querem poder· dizer: se fizermos isto aqui, acontecerá aquilo ali. Se frustrarmos as crianças, provavelmente elas agredirão outras, seus pais, seus professores e até a si próprias. Se observarmos uma organização com regras relativamente rígidas a restringir seus membros, digamos, os professores de uma escola, poderemos esperar encontrar considerável insatisfação entre eles.

Os cientistas então, uerem~onhe_ç~ " os_[en.ôiD~nos. Eles querem saber, entre outras coisas, o que produz o comportamento agressivo em crianças e adultos. Querem saber se a frustração conduz à agressão. Querem saber os efeitos dos meios restritivos ou permissivos de admi­nistração sobre os membros de uma organização. Em resumo, querem '.:.C..omp.r.eende " e_ q_ue_ maneira.._s.e elacionam os fenômenos psicoló- · ~icos, socioiógicos .e educacionais. - -·

Dois exemplos de pesquisa

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Para termos algo específico com que trabalhar, examinemos dois ~ estu~os. Um é ~m experimento, o outro não é. Por enquanto, vamos > considerar expenmento um estudo no qual se fazem coisas diferentes z:. com grupos diferentes de sujeito - pombos, ratos, crianças, adultos - :::;. para ver se o que se faz com eles produz efeitos diferentes nos diferentes grupos. Por exemplo, um pesquisador educacional pode pedir a professo-

. res que escrevam notas elogiosas nos testes de um grupo de alunos e nada nos testes de outro grupo de alunos. (Ver Page, 1958). 2 Então, o pesqui­sador ~ê como esta " manipulação", como é chamad&, afeta o desempenho dos dOis grupos em testes subseqüentes.

_ :,or ~utro, lado, e~ um :studo não-experimental, não há " manipu­l~çao , nao ha tentativa deliberada e controlada de produzir efeitos diferentes através de diferentes manipulações. As relacões entre fenô­menos são estudadas sem intervenção experimental. Ás características dos sujeitos, "como eles são", são- observadas e as relacões entre as caract~~ísticas avaliadas sem tentar mudar nada. Por exe~plo, quando os socwlogos estudam a relação entre classe social e realizacão escolar eles tomam a classe social e a realização escolar "como eles são". Mede~ as duas "va~áveis", como são chamadas, e então estudam as relações entre elas. Nao procuram mudar uma das variáveis para estudar o efeito

2 As referências citadas desta maneira são dadas no fim do livro.

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da mudança sobre a outra variável. Estas idéias devem ficar claras depois \ de lermos a discussão dos dois estudos que vêm a seguir.

.1. Um experimento: recompensa maciça e aproveitamento na leitura

Muitas pesquisas vêm se devotando a entender como o homem e os animais aprendem. Uma das descobertas mais bem documentadas é que a recompensa aumenta a aprendizagem. Se as respostas forem recom­pensadas de alguma forma, as mesmas respostas, ou respostas seme­lhantes, serão repetidas quando ocorrerem condições semelhantes nova­mente. Se, por exemplo, a criança é elogiada quando pronuncia uma palavra corretamente, a pronúncia correta tenderá a ser lembrada e usada subseqüentemente. (Os resultados não são tão previsíveis quando se usa punição.) A teoria por detrás da pesquisa, chamada teoria do reforçamento, está sendo aplicada agora na educação, às vezes com resul­tados gratificantes. 3

Clark e Walberg (1968) desejavam saber se a recompensa maciça ajudaria a dar melhores resultados na leitura entre alunos potencialmente reprovados. Criaram um experimento simples para testar esta idéia. Usa­ram crianças negras de 10 a 13 anos e com um atraso de vida escolar de um a quatro anos.

Dois grupos foram formados de tal maneira 4 que se poderia admi­tir serem aproximadamente iguais em características que pudessem afetar o resultado. Sabe-se, por exemplo, que a inteligência afeta o trabalho escolar, como leitura e aritmética. Os pesquisadores devem, portanto, tentar formar grupos iguais em inteligência antes de começar o estudo. Do contrário, o resultado pode ser devido não ao que for feito no experimento, mas ao fato de um grupo ter em média um nível de

3 Se o leitor acha que o princípio do reforçamento positivo é óbvio, deve levar em consideração que ele não era usado em escolas de outras épocas, exceto, naturalmente, por professores muito compreensivos. Antes, a punição era eviden­temente o princípio fundamental. Esperava·se que as crianças tivessem uma con· duta correta e que estudassem, e eram punidas se não o faziam . Sem dúvida, o castigo ou reforçamento negativo é ainda um método amplamente usado na motivação escolar. 4 Reuniram as crianças. em dois grupos "ao acaso". Uma das maneiras de fazer isso é atirando uma moeda para cada criança. Se der cara, coloque a criança em um grupo. Se der coroa, coloque a criança em outro. O princípio é que o acaso governa a formação dos grupos, e nada mais. Há vários outros métodos, por exemplo, tabelas de números equiprováveis. Todos os métodos são inspirados pelo mesmo princípio. O objetivo básico da divisão ao acaso é "igualar" os grupos experimentais. Desde que Clark e Walberg usaram a escolha ao acaso, podiam admitir que os grupos eram iguais antes do experimento. Discutiremos essa questão do acaso ·num capítulo posterior.

4

lntcligência superior ao do outro. No tipo de pesquisa em que se usam I is grupos e um tratamento especial é aplicado a um deles, este grupo

freqüentemente chamado "grupo experimental". O outro, ao qual não su faz nada em especial, chama-se "grupo de controle" .

No início do experimento, todos os alunos foram elogiados por seu trabalho. Isto foi usado para estabelecer médias de recompensa para os professores das crianças. (Naturalmente os professores diferem quanto à recompensa que usam.) Depois de seis sessões, as médias de recom­pensa ficaram estabilizadas e o experimento propriamente dito começou. Os professores do grupo experimental, das crianças a. receberem trata­mento éspecial ou experimental, foram avisados para dobrarem ou tripli­carem a recompensa, enquanto os professores do grupo de controle foram avisados para "manterem o trabalho em ordem". No fim de um período de três semanas foi feito um teste de leitura com as crianças.

A análise dos resultados dos testes mostrou que o grupo experi­mental ou da "recompensa maciça" fez o teste melhor do que o grupo de controle. Esta conclusão foi inferida de um teste estatístico da dife­rença entre a média de pontos de leitura entre os dois grupos: a média do grupo experimental foi maior do que a média do grupo de controle. Mais tarde explicaremos o princípio que rege tais testes estatísticos. Por enquanto, pode-se dizer que a recompensa maciça teve resultados aumentando a contagem de pontos do grupo experimental em compa­ração com o número de pontos feitos pelo grupo de controle. Se se pode dizer que recompensas maciças . funcionam com crianças negras carentes e que possam oú devam ser usadas com elas, dependerá de outras pesquisas, destinadas a averiguar se os mesmos resultados são obtidos repetidamente - isso se chama replicação - e testando o reforçamento em geral com diferentes tipos de crianças. Em outras palavras, os resultados de um estudo são sugestivos, embora não conclu­sivos. Talvez as crianças negras carentes necessitem de reforço maciço - mas talvez não.

2. Um estudo não-experimental: classes sociais e tipos de criação

Vamos examinar agora um estudo não-experimental. Sabemos que em tal estudo não há manipulação experimental; não há tratamento diferencial de grupos de sujeitos. Tomamos pessoas e grupos "como eles são" e estudamos as supostas influências das variáveis em outras variá­veis, as relações entre variáveis. ("Variável" é definida no capítulo 2. Por ora, é o tempo usado para significar um conceito psicológico ou sociológico no qual pessoas ou coisas diferem ou variam, por exemplo, sexo, classe social, habilidade verbal, realização.) Uma "relação" em ciência sempre significa uma relação entre vari'áveis. Quando dizemos

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que as variáveis A e B estão relacionadas, queremos dizer que existe algo em comum entre as duas variáveis, alguma ligação entre elas. Suponhamos que os dois círculos da figura 1.1 representem essências do que sejam A e B. Isto é, A representa a essência do que seja a va­riável A. É a substância de A. O círculo B, naturalmente, representa a essência de B. Observe que os círculos A e B se sobrepõem e que a superposição é indicada por traços horizontais. Isso indica que algo das essências de A e B é compartilhado. Uma parte de A é igual a uma parte de B e vice-versa. Esta faixa compartilhada, indicad~ pel.a Aár~a de traços finos, representa a relação entre A e B. A pode ser mtehgencw e B aproveitamento escolar. A superposição na figura 1.1 é a relação entre as duas. O que é esta propriedade dividida? É difícil dizer sem outras evidências. Pode ser aptidão ou habilidade verbal; pode ser o que se denominou inteligência geral. Mas voltemos ao nosso exemplo.

Os psicólogos e sociólogos fizeram grande número de pesquisas sobre classes sociais e descobriram sua importância para a explicação de diferentes tipos de comportamento: recreação, eleições e criação dos filhos, por exemplo, são fenômenos associados às classes sociais. Miller e Swanson (1960) levantaram a hipótese, entre outras coisas, de uma relacão entre a classe social dos pais e o tempo que levavam para des~amar os filhos. Foi perguntado a uma amostra de 103 mães dfl classe média e da classe trabalhadora de uma grande cidade do meio-oeste como estavam criando seus filhos. O resultado de uma per­gunta sobre o tempo do desmame é apresentado na tabela 1.1. Os números nas casas representam a quantidade de mães que eram da classe média ou da classe trabalhadora e que haviam desmamado os filhos mais cedo ou mais tarde.

O estudo dos números nas diferentes casas da tabela indica que as mães da classe média parecem desmamar os filhos mais cedo do que as mães da classe trabalhadora. Das 55 mães de classe média, 33 des­mamavam cedo enquanto 22 desmamavam tarde; das 48 mães da classe

B

Figura J. l

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Tabela 1.1 Classe social e tempo de desmame, estudo de Miller e Swanson (1960) . •

Classe social Desmame

Cedo Tarde

Classe média 33 22 (0,60) (0,40) 55

Classe trabalhadora 17 31 (0,35) (0,65) 48

50 53 103

• As entradas nas casas são freqüências: número de mães. As cifras entre parên­teses são proporções! por exemplo, 33/ 55 = 0,60. Se as proporções forem multi­plicadas por 100, obtêm-se as porcentagens: (33/55) (100) = (0,60) (100) = 60 por cento, ou 60 por cento das mães da classe média disseram que desmamàram seus filhos cedo.

trabalhadora, 17 desmamavam cedo e 31 desmamavam tarde. 5 Há, apa­rentemente, uma relação, embora não muito forte, entre a classe social e o tempo do desmame. As mães da classe média desmamavam seus filhos mais cedo; as mães da classe trabalhadora desmamavam mais

. tarde. Se se calcularem as proporções e porcentagens, o que acabou de ser dito torna-se um pouco mais claro: 33/55 = 0,60, 22/55 = 0,40, 17/48 = 0,35, 31/48 = 0,65 (multiplicando cada um destes por 100 obtém-se a porcentagem). Essas proporções estão na tabela, no canto inferior direito das casas. Observe que eles exprimem mais claramente a relação sob discussão do que as freqüências (os números originais). Podemos dizer que há uma tendência entre as mães da classe média a desmamar seus filhos mais cedo e entre as mães da classe trabalha­dora, mais tarde. Sempre que pudermos fazer urna afirmação "se-então", temos uma relação. Neste caso, podemos dizer, embora cautelosamente: se mãe classe média, então desmame mais cedo e se mãe classe traba­lhadora, então desmame mais tarde. Naturalmente não se pode dizer que esta tendência se apresenta entre todas as mães classe média e mães classe trabalhadora. Esta é apeú.as·uma amostra e a tendência pode ou

5 Não se preocupe muito se não conseguir entender completamente como se deve ler e enteder esta e. outras tabelas. As tabelas estão sendo usadas apenas com o objetivo de ilustrar. O entendimento maior virá mais tarde.

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não estar presente entre todas as mães. f. necessário mais pesquisa para reforçar a afirmação e a certeza que se pode ter quanto à sua "verdade".

Estes dois estudos têm um bom número de aspectos que são caracte­rísticos da pesquisa comportamental. Primeiro, um é um estudo experi­mental, o outro não-experimental. Segundo, eles ilustram a objetividade, uma característica da pesquisa científica que logo examinaremos. Ter­ceiro, seu uso de análise quantitativa elementar irá nos ajudar a apro­fundar mais na análise e estatística. Por exemplo, no estudo de Clark e Walberg, foram calculadas e comparadas as médias e no estudo de Miller e Swanson, foram tabuladas e comparadas as freqüências. Estes são dois dos modos mais comuns de se fazer análise quantitativa. Quarto, os problemas, relações e metodologia de ambos os estudos são simples e claros; serão úteis para ilustrar colocações a serem feitas em discussões subseqüentes.

Mais pertinentes ao tema principal deste capítulo é o que os estudos tentaram fazer, quais foram seus objetivos. Um dos objetivos do estudo de Clark e Walberg foi compreender e explicar o aproveitamento, ou antes, um certo aspecto do aproveitamento, o chamado subaproveita­mento. Um dos objetivos do estudo de Miller e Swanson foi explicar o desmame, que é, naturalmente, um aspecto do trabalho de cuidar de uma criança. As palavras "compreender" e "explicar" devem ser interpretadas num sentido amplo. Quando dizemos que "compreendemos" um fenô­meno, queremos dizer que conhecemos suas características - pelo menos algumas - o que o produz e quais as suas relações com outros fenômenos. Queremos dizer que tentamos "explicar" o fenômeno. Po­demos dizer o que provavelmente o tenha causado, o que o influencia agora, o que o influenciará e no que ele influencia. É importante obser­var aqui que nossa compreensão de um fenômeno é sempre incompleta, parcial e probabilística. Sem dúvida, muito do nosso conhecimento do mundo, especialmente do fenômeno social e humano, é parcial c até falho.

A realização é um fenômeno importante no mundo ocidental. Quando dizemos que procuramos "compreendê-lo", em parte queremos dizer que desejamos saber por que certas pessoas conseguem grandes coisas, enquanto outras conseguem muito pouco. Ou, mais ambiciosa­mente, queremos saber por que certos grupos conseguem tanto e outros tão pouco. Por exemplo, McClelland ( 1961), num livro estimulante, The Achieving Society, relatou uma pesquisa voltada para uma questão geral: Como e por que as pessoas de diferentes países diferem em sua motivação para a realização? É possível se estender muito discutindo um conceito tão rico quanto o de realização. O núcleo da idéia de com­preensão e explicação, entretanto, é que explicamos um fenômeno espe­cificando o que está relacionado a ele.

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Clark e Walberg se interessaram por explicar um aspecto relativa­mente limitado da realização. Eles desejavam explicar e compreender a realização em leitura, de crianças negras que eram geralmente defi­cientes, na realização escolar. Queriam saber se o reforçamento maciço da realização iria afetá-la positivamente. Estudaram, então, a relação entre o reforçamento e a realização em leitura. Conseguiram mostrar que o reforçamento maciço afetava positivamente a realização das crianças em leitura. Eles, até certo ponto, "explicaram" a realização por­que mostraram uma coisa que a afetou. 6

O fenômeno ''explicado" por Miller e Swanson foi o desmame, ou, talvez mais exatamente, a técnica de cuidar de crianças, que inclui entre outras coisas métodos disciplinares, tipos de recompensas usadas e mé­todos para induzir à obediência. Eles mostraram, por exemplo, que mães da classe média e da classe operária diferem nas suas práticas de des­mame. Assim estabeleceram uma relação, por um lado, entre classes sociais e por outro, no método de desmame. Mostraram que algumas diferenças observadas no desmame eram devidas à classe social, em outras palavras. Assim, até certo ponto, eles "explicaram" as diferenças nas práticas de desmame.

Vamos interromper nossa discussão a respeito das metas e propó­sitos científicos para discutirmos duas características importantíssimas da ciência. A primeira, objetividade, é uma característica metodológica controvertida e difícil de entender. A segunda é a natureza empírica da ciência. Após discutirmos estas características, estaremos em melhor posição para continuar a discussão principal. Pode ser dito clara e categoricamente que sem o "método" ou "critério" de objetividade, ou sem a abordagem e a atitude empírica, a ciência como é conhecida no mundo moderno não seria possível. O que significa esta afirmativa? E o que ela tem a ver com a natureza da pesquisa científica?

Objetividade e pesquisa científica .

Embora fácil de definir, a objetividade não é fácil de ser com­preendida por causa de sua sutileza e de suas implicações complexas. B um aspecto metodológico muito importante da Ciência, especialmente da psicologia, porque sua implementação possibilita aos cientistas testa­rem suas idéias fora de si próprios. Eles montam seus experimentos " lá fora". Os experimentos acontecem, por assim dizer, fora deles, de

6 Eles esclareceram um pouco mais outro fenômeno importante, o reforçamento. Parece que mostraram que, c.om algumas crianças, quantidac153 comuns de elogio e encorajamento noo são suficientes; tais crianças evidentemente exigem grandes quantidades de ambos - pelo menos no que diz respeito à realização em leitura.

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sua influência e predileções. Em vez de estarem em suas cabeças , al\ idéias testadas são objetivadas, feitas objetos "do lado de fora", objetos que têm uma existência, por assim dizer, separada de seus inve~tores. Qualquer um pode observar um experimento e como ele é feito; é coisa pública.

Todo conhecimento do mundo é afetado, e até distorcido de certa form~, pelas predisposições dos observadores. Quanto mais complexas as observações, mais se afastam da realidade física, e quanto makre:, as inferências feitas, maiores as probabilidades de distorção. Quando 0

cientista físico lida com pesos, por exemplo, há uma baixa probabilidau.; de distorção: existem pequenas oportunidades para pontos de ~ist · pessoais, inclinações e prenoções entrarem no processo. Mas considererr, se as possibilidades de distorção no estudo e mensuração de autoritaris­mo, dogmatismo, inteligência, nível de aspiração, realização, classe social, ansiedade e criatividade.

Tomemos apenas uma destas vanaveis, a criatividade. Embora concordemos que vamos estudar e medir a criatividade, podemos ter idéias muito diferentes do que seja a criatividade. Essas idéias diferentes, estas percepções diferentes, podem influenciar nossas observações de, digamos, criatividade em crianças. Um ato comportamental que para um indica criatividade pode não indicar criatividade para outro e essas diferenças em percepção podem afetar nossa mensuração. Em outras palavras, as verdadeiras observações do comportamento criativo podem ser muito diferentes, dependendo de quem observa, a não ser que se concorde em adotar um método de observação - e se ater rigidamente a ele.

Objetividade é um acordo entre juízes "especialistas" relativo ao que é observado, ou o que deve ser ou o que foi feito em pesquisa. Suponhamos que um cientista observe alguma coisa e anote essa obser­vação, digamos, em forma numérica. Outro, de igual competência, observa a mesma coisa, independentemente, e registra sua observação. Se o processo puder ser repetido com resultado idêntico ou parecido - isto é, se há acordo entre as observações dos cientistas - consegue-se objetividade. Em algumas áreas da ciência, como na química e física, por exemplo, a objetividade não é problema sério, graças aos instru­mentos de alta precisão, como os microscópios eletrônicos. Tais instru­mentos aumentam a probabilidade de acordo entre os juízes, porque, ao usá-los, juízes diferentes provavelmente obterão e anotarão os mesmos resultados. Além disso, a máquina tem menos possibilidade de influen­ciar observações e de ser influenciada pela natureza do que estiver sendo observado.

A definição de objetividade como acordo entre juízes não deve ser interpretada com estreiteza: é bastante ampla. O que significa isto?

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A condição principal para satisfazer o critério de objetividade é, ideal­mente, que quaisquer observadores com um mínimo de competência concordem em seus resultados. Em psicologia e educação, por exemplo, usam-se testes e escalas objetivas. São chamados "objetivos" porque qualquer pessoa, devidamente orientada, pode avaliá-los e obter os mes­mos resultados (com pequena margem de erro) . A expressão ''testes objetivos" não significa que os testes sejam em si mesmos "objetivos". Eles o são porque a contagem de pontos é a mesma, não impor­tando quem os avalie. Por outro lado, a correção de respostas em redações depende muito mais do julgamento pessoal do juiz, enquanto tais julgamentos são virtualmente excluídos em testes objetivos. (Deve ser notado, entretanto, que a avaliação de redações pode ser feita de maneira muito mais objetiva do que geralmente se faz .)

Mudemos um pouco a perspectiva. No estudo Clark e Walberg a mensuração do aproveitamento em leitura foi mais objetiva do que a mensuração de tempo de desmame no estudo de Miller e Swanson por­que o primeiro foi medido com um teste de tipo objetivo, enqu~nto o segundo foi medido através de entrevistas. Qualquer u~1 que av~ltasse o teste de leitura obteria os mesmos resultados. Mas dms entrevistadores poderiam mostrar diferenças na mensuração de tempo de desmame, no caso por dois motivos . O primeiro acaba de ser dado: juízes diferentes podem interpretar as respostas do entrevistado diferentemente. Uma mãe pode dizer que desmamou seu filho quando a criança tinha entre 7 ,e 9 meses. Um entrevistador pode se satisfazer com esta resposta e anota-la, mas outro pode querer se aprofundar mais ·e acabar descobrindo que a mãe desmamou o filho aos seis meses. O segundo motivo se deve à falta de memória da mãe: ela pode simplesmente não se lembrar quando desmamou o filho e dizer que foi aos dez meses, quando de fato foi aos oito. Não existe tal ambigüidade com mensuração de tipo objetivo (embora não esteja isenta de outros tipos de dificuldades). Um teste de leitura de tipo objetivo, por exemplo, tem regras explícitas para a ava­liação das respostas. A resposta a qualquer pergunta só pode ser ou cor­reta ou incorreta: há pouca margem para a iniciativa ou o julgamento do avaliador.

A importância da objetividade exige mais explicação ainda. Embora seja aplicada geralmente a observações e mensuração científicas, a idéia é mais ampla. Quando os psicólogos fazem experimentos, lutam por objetividade. Isso significa que fazem sua pesquisa controlando de tal modo a situação experimental e descrevendo de tal modo o que fazem que outros psicólogos poderão repetir ó experimento e obter resultados iguais · ou semelhantes. Em outras palavras, a objetividade ajuda o pes­quisador a "sair". de si mesmo, ajuda-o a conseguir condições publica­mente replicáveis e, conseqüentemente, descobertas publicamente averi-

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guáveis. A ciência é um empreendimento social e público, como tantos outros empreendimentos humanos, mas uma regra importantíssima do empreendimento científico é que todos os procedimentos sejam objetivos - feitos de tal forma que haja ou possa haver acordo entre juízes especialistas. Esta regra dá à ciência uma natureza distinta, quase remota, porque quanto maior a objetividade mais o procedimento se afasta das características humanas - e de suas limitações. Por exemplo, a obje­tividade quase glacial de partes das ciências naturais, cujos experimentos são feitos em laboratórios e em circunstâncias altamente controladas, cujas observações são feitas quase inteiramente por máquinas de alta precisão e fidedignidade, parece coisa muitíssimo distante de gente e de suas preocupações sociais e pessoais. (Isto não significa que os cientistas que pesquisam e -controlam as máquinas sejam imunes a erros.)

Comparem-se agora os procedimentos em psicologia e educação. O cientista físico pode "sair de si mesmo" mais facilmente do que o cien­tista comportamental, porque é mais fácil para ele preparar uma pesquisa e testar hipóteses ''fora" e longe de suas próprias predileções e inclina­ções e de outros. Isto acontece porque os procedimentos são mais fáceis de ser " objetivados". Uma vez que o funcionamento de um processo físico fique compreendido, pode ser repetido e medido pela maioria de técnicos e cientistas competentes, Em outras palavras, há uma replica­bilidade relativamente alta.

Em pesquisa sociológica, psicológica e educacional, entretanto. isto é verdadeiro em grau muito menor. A manipulação de variáveis psicoló­gicas, como a coesão de grupo, a atmosfera em sala de aula, estilos de liderança e ansiedade, é muito mais difícil de ser feita objetivamente por causa da maior complexidade, amplitude de variação e acessibili­dade a influências outras que as do pesquisador. Igualmente, a mensu­ração de variáveis comportamentais, tais como inteligência, realização, atitudes, classe social e motivação é mais sujeita a influências sistemá­ticas e casuais, tornando mais difícil - embora não impossível. como pretendem alguns críticos - vários observadores concordarem em suas observações e mensurações. Isto não significa, entretanto, que os proce­dimentos do psicólogo não sejam objetivos. Na verdade, eles freqüente­mente podem possuir um nível de objetividade relativamente alto. Eles são simplesmente menos objetivos do que os do cientista físico.

Não há qualquer diferença de princípio, por outro lado. entre o uso do critério de objetividade pelo cientista físico e pelo cientista com­portamental. A única diferença está no grau de objetividaqe. Já foi dito que as ciências comportamentais não podem ser verdadeiramente cientí­ficas porque não podem usar os métodos das ciências físicas. Isto não é assim, a não ser num sentido puramente literal. Em todas as ciências são usados a mesma abordagem e os mesmos métodos gerais. Assim está

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longe de ser impossível chegar-se à objetividade nas ciências comporta­mentais; isto já foi conseguido com sucesso, muitas vezes. :f: apenas mais difícil.

Objetividade e explicação

À medida que avançarmos veremos que a objetividade, tanto ex­pressa quanto implicitamente, estará presente em toda a nossa discussão e estudo. t preciso que assim seja. Sem objetividade a ciência e a pesquisa científica perdem se á er único e es ecial. Sem dúvida, ,~

• "l n-ªº- a'i.ena-cl.ellcJa- sem_ob.Jethddade, COJIIO já ficou dito . Deve-se acres-centar, entretanto, que objetividade em e põr sí- propria tem pouca ...., importância. Isto é, o objetivo bástco a ciência é a exp tcaçãõã- feflÕ· ~ ... menos naturais; não é sim12lesmerife e:r::nbjeti a. _ j~tivi a e é im- -~e poâe~iar -ª._fornecer explicações mais exatas dos : fenômenos naturais. Ser apenas objetivo não significa ser científico. -um ,::.. pfõêedimento pode ser altamente objetivo e conter observaÇões engano- ,:.. sas e conclusões falsas. Um pesquisador pode, por exemplo, faz(!r um -estudo que seja um modelo de objetividade mas cujos resultados sejam ~~ enganosos. Pode haver testado o que julgou ser a influência de A sobre B - -'"' e obtido resultados que parecem mostrar que A, sem düvida, influenciou c_: .x:. B. Ele não percebe outra influência: K foi a "verdadeira" causa da ~ mudança em B. Sua manipulaçãO de A ativou K, qtÍe produziu a mu-5 dança observada em B. Isto é mostrado na figura 1.2. A seta interrom-pida mostra a influência de A sobre B, que· o pesquisador estava estu­dando; ele pensou que A tivesse influenciado B. A seta contínua indica a verdadeira influência: A ativou K, que influenciou B.

Objetividade, além disso, não significa importância. Uma pessoa pode ser muitíssimo objetiva com problemas mais triviais do que com problemas mais importantes. Podemos, por exemplo, estudar a relação entre o número de carteiras nas classes e o aproveitamento verbal das crianças. Tanto o número de carteiras quanto o aproveitamento verbal podem ser medidos com um alto grau de objetividade. Mas e daí? A

Figura 1.2

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objetividade, entretanto é u cterística_in_çli§.12W.§_ável e inseEarável a c1enc1a e da pesquisa científica.

Objetividade como característica e como procedimento

Antes de deixarmos o assunto objetividade, tentaremos esclarecer e corrigir uma importante concepção errônea. Muitas pessoas, mesmo alguns cientistas comportamentais, pensam que objetividade refere-se a uma qualidade ou característica de pessoas. Embora provavelmente seja verdade que os indivíduos diferem em grau de objetividade - consi­derando objetividade como um traço que o indivíduo possua - isto tem pouco ou nada a ver com objetividade em ciência. Ob'etivid e~m ctencia é um p edimento, um método, uma maneira- de dirigir _um ass-to científico. Não quer ·tzer que pessoalmente os cientistas sejam mais objetivos que outras pessoas, embora muitos deles possam sê-lo.

Esta concepção errônea infelizmente cria confusão. Certos críticos da ciência dirigem sua crítica principal à objetividade, dizendo, por exemplo, que a distância e a frieza da ciência destroem valores humanos e assim a ciência é fundamentalmente prejudicial. Esta distância e frieza, dizem, levam à desumanização do cientista e das pessoas afetadas pela dência - todos nós. Os cientistas são até descritos como monstros, ainda mais perigosos porque aparecem envoltos em um manto de virtude.

O argumento é totalmente sem sentido. É verdade - não à ma­neira romântica dos críticos, porém - que a ciência é distante e talvez fria. lsjQ._de.riy..a..._de_sua.meta- de abstração e de seu critério de objetivi­_dade. Leis gerais, enunciados gerais de relações são necessariamente abstratos porque têm que se aplicar a muitos casos específiços. A lei científica ideal é uma equação matemática, não porque os cientistas amem símbolos misteriosos e esotéricos e a matemática (alguns, sim, claro) , mas porque a equação matemática é altamente abstrata e geral. Se válida empiricamente, ela pode explicar muitas manifestações dife­rentes da lei ou enunciado de relação. "A frustração leva à agressão" é um amplo enunciado geral de relação. Tem valor porque abrange muitas, senão todas as manifestações de frustração e agressão. 7 É tam­bém distante e talvez mesmo um pouco frio comparado à descrição de um menino ou menina agressivos feita por um professor ou um terapeuta.

7 Tais enunciados não podem ser gerais demais porque, se forem, não podem ser refutados. Como veremos mais tarde, os enunciados científicos têm que ser pas­síveis de serem submetidos a teste e acessíveis a serem mostrados como falsos se realmente o forem.

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\ está sem re distante das

pt• cu a ões comuns e o _ calor o . ~e . ~cfQ_IJ.amento uman~. 1st~ po~ tJ flnição; é arte da riatu~~d~cta. S~m tal abstraçao~ _nao _ha ·I ncia. O mesmo quanto a objetividade, que também tende a fãzer a ciência parecer fria e distante. Parece distante e fria porque os testes das proposições científicas são feitos "lá fora",. o mais. lon~e possível das pessoas e suas emoções, desejos, valores e atitudes, mcl~mdo os do próprio cientista. Mas é is~o y:ecisamente o que deve ser .~ett?. Deve-se obedecer ao cânone da 9-_bjehvtdade - ou abandop.ar 3t c_tencta. ---- --O caráter empírico da ciência

O caráter empírico da ciência é muito mai~ fácil de compreender do que a objetividade, talvez porque esteja _associado ao que se ~ornou quase um estereótipo do cientista: um esmmçador de fatos vesttdo de branco. É verdade que a maioria dos cientistas vive preocupada com "fatos", mas devemos substituir idéias estereotipadas pela compreensão das razões da preocupação com a evidência fatual. Por esta altura o leitor já terá percebido que o ponto de vista deste _livro é ~ortt:mente influenciado pelo cuidado e preocupação c9m _a teorta- e exphcaçao. Os não-cientistas podem dizer que também eles estão muito preocupados com teorias e explicações. E assim é. O filósofo, por ~xempl?, procur~ explicar como sabemos das coisas. O historiador deseJa exphcar a on­gem de movimentos e fatos históricos, por exemplo, as ca~s.as e co_n.se­qüências da Guerra Civil ou . da Revoluç~~ · Russa. ~c~p-~o p~plk.ação ara movtm~E_S?_ltttc~~·- comQ_ ~-mfluenc~~ _do pensamento conservador s9J2re _os_atos _de_parJtdos_sm ftgur~ pohhcas.

A explicação, como ex licacão, nãão é, ois, prerrogativa únic~ da ciência. Nem a ên ase científica sobre a evidência uma obsessão exclusiva. Historiadores e teóricos políticos, entre outros, invocam a evidência para apoiar suas explicações de fenômenos históricos e polí­ticos. Então, qual é a diferença? Por que a ciência é peculiar? Grande parte deste livro é dedicada a responder a estas perguntas. Mas podemos agora pelo menos começar a explicação.

A maior parte da ciência comportamental moderna é caracterizada por uma forte atitude e abordagem empíri.cas_. . Infelizme~.te ~ palavra "empírico" foi usada de duas formas com stgmftcados mmto dtferentes. ~Jl,_'~empírico" significa guiado pela experiência prát~ca -~ obse~­vação e não pela ciência e pela teoria. Este é um ponto de vtsta pragma­ftco que afirma qÚe "se funciona, está certo". Os motivos não importam; o que importa é que funcione . Este· não é o. significado de "em?í;ico" usado pelos cientistas (embora eles não detxem de ser pragmatlcos). Para o c·e tis.ta,~'empírico.:: significa guiado pela evidência obtida em

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pesqui~ c~l!tífica sjstemática e: cQ.ntrolada. Aqui está um exemplo que \ rf s ajuaará a compreender o que "empírico" significa para a ciência.

Uma pesquisa científica foi feita para determinar se é possível animais e seres humanos aprenderem a controlar reações do sistema nervoso autônomo. Podem, por exemplo, diminuir as batidas cardíacas ou aumentar a secreção da urina à vontade? (Miller, 1971, caps. 55, 56). Tanto velhas quanto novas crenças dizem que isso não é possível. Então, a generalização é: as pessoas não conseguem controlar reações gover­nadas pelo sistema nervoso autônomo. Acontece que a afirmação talvez não seja verdadeira: descobriu-se que animais (e talvez pessoas) podem ser treinados para fazerem coisas tais como aumentar e diminuir as batidas cardíacas, aumentar e diminuh sua secreção urinária e até alterar sua pressão sanguínea (Miller, 1971, Parte XI). Um enunciado empiri­camente orientado seria: os animais podem, dentro de certos limites, controlar reações do sistema nervoso autônomo, recebendo "instrução" apropriada. Os animais podem ser ensinados a, por exemplo, aumentar ou diminuir as batidas cardíacas e aumentar ou diminuir sua secrecão urinária. Não é fácil, mas já foi feito. São afirm~ivas __ empír_icall., já que estão baseadas em _e_vidência científica. ~- -· - -

Por ser empírica, não significa necessariamente que uma afirma­tiva seja verdadeira. Se baseada em pesquisa científica e evidência, é mais provavelmente verdadeira do que uma afirmativa baseada intei­ramente . em crenças. Entretanto, pode ainda não ser verdadeira. A afirmativa acima, de que é possível aprender a controlar o sistema ner­voso autônomo até certo ponto, embora apoiada pela evidência da pes­quisa científica, pode acabar sendo refutada a longo prazo. Pode não ser possível obter os mesmos resultados no próximo ou no ano seguinte, ou na Austrália assim como na América. É possível que as descobertas de pesquisa apoiando o enunciado fossem o resultado de alguma causa temporária e não reconhecida, característica apenas da situação parti­cular em que foi feita a pesquisa. Não obstante, a probabilidade de uma afirmativa baseada em evidência empírica ser verdadeira é maior do que a probabilidade de uma afirmativa não-empírica ser verdadeira. Evi­dência empírica cuidadosamente obtida, como veremos, é um corretivo saudável e necessário para as crendices do homem e um meio salutar de diminuir sua ignorância. Evidência não-empírica, por outro lado, pode e às vezes ajuda a perpetuar a ignorância, como fazem os velhos provérbios. E, em resumo, a evidência empírica freqüentemente controla nossa mania desenfreada de fazer afirmações sobre as coisas, afirmações que podem ou não ser verdadeiras. ·

A palavra "empírica" então é imporVmte porque mostra uma ma­neira de olhar o mundo e as pessoas profundamente diferente da maneira tradicional, que procura explicações apelando para a autoridade,

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senso comum, ou para a razão. O homem é basicamente egoísta? Po­demos citar a Bíblia, Freud ou Shakespeare; podemos dizer que é auto-evidente ou óbvio que o homem é basicamente egoísta ou não­egoísta; ou podemos raciocinar cuidadosamente na base da autoridade e da observação e concluir que o homem é basicamente egoísta ou não-egoísta. Esta é mais ou menos a maneira tradicional.

Os cientistas, entretanto, não estão satisfeitos com essa maneira. Se acham que a questão é cientificamente respondível- muitas questões não podem ser respondidas cientificamente - então eles abordam o problema diferentemente. Embora possam apresentar uma explanação teórica, sempre fica em suas cabeças uma pergunta a importunar: O que dirá a evidência científica? Decidindo primeiro como definir e medir o egoísmo, o cientista preparan1 um estudo ou uma série de estudos para tentar determinar até onde o egoísmo motiva o comporta­mento humano e como isto é feito. Fará, então o estudo sob condições controladas e, depois de analisar os resultados obtidos, chegará a con­clusões que parecerão saltar da evidência. A evidência, então, é o centro de todo o processo. Sem ela as conclusões geralmente não têm valor científico.

Alguns leitores podem ficar em dúvida quanto à importância desta distinção entre abordagens empíricas e não-empíricas. Podem dizer que é óbvio, até auto-evidente, que procuramos evidências para as afirma­tivas que fazemos. Pessoas racionais sempre farão isto. Mas a questão é justamente esta: às vezes fazem, mas muitas vezes não. Nossos siste­mas de crenças - religiosas, políticas, econômicas, educacionais - são sem dúvida poderosos e freqüentemente guiam nosso comportamento , não a evidência. Parece que é muito difícil usar a evidência empírica como hábito. Se não o fosse, muitos dos problemas sociais que enfren­tamos poderiam ser resolvidos, admitindo-se a existência de boa vontade e motivação adequada. Para compreender a ciência e a pesquisa cientí­ficas, portanto. e necessário um esforço contínuo e consciente, nada fácil, porque a necessária atitude empírica exige no mínimo uma suspensão temporária de poderosos sistemas de crenças. Em outras palavras, a primeira e última corte de apelação da ciência é a evidência empírica.

O objetivo da ciência: teoria e explicação

O objetivo da ciência já foi determinado. Precisamos agora rea­firmar este objetivo formalmente e tentar dissipar certas noções equi­vocadas sobre suas metas. O propósit_o da- ciência é a teoria. Examine­mos esta afirmativa simplese um bocado controvertid~. Uma teoria é uma exposição sistemática das relações entre um conjunto de variá­veis. f: uma ~J?licaçªo _geralmente de um fenômeno particular, ainda

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Figura 1.3

que amplo. Um psicólogo poderá propor uma tec:ria da lid~ran_:;a em grupos e organizações ou, como Freud, uma teona da motlVa~ao hu­mana ou como o influente sociólogo europeu, Weber, uma teona para

. escla:ece; o capitalismo moderno ou, como o psicólogo suíço, Piaget, uma teoria do conhecer humano. Tais teorias são tentativas sistemáticas de "explicar"' os vári~s fenômenos, postul~ndo as re~;açõ~~ e~tre os_ fe­nômenos a serem exphcados e um certo numero de vanavets exphca­tivas" que também estão relacionadas ent~e s_i de modo sistem~tico. ? propósito básico da ciência é chegar à teona, mventar e descobnr explt­cações válidas de fenômenos naturais.

Para tirar um pouco do mistério da palavra, vamos examinar um exemplo fictício de uma "peque!la teoria", cujo p;o~ósito ~ ex~li,car. a realização escolar. Vamos relac10nar quatro v~na~ets - mteh~enc~, situacão econômica familiar, classe social e motlvaçao para a reahzaçao - c;m realizacão escolar de tal forma a "explicá-la" satisfatoriamente. Para isso, vaffi'os usar a idéia de influências diretas e indiretas. Os estudantes universitários diferem muito quanto ao sucesso na faculdade e queremos explicar essas diferenças. Por que alguns estudantes se saem bem e outros nem tanto? Suponhamos que podemos medir todas as variá'reis satisfatoriamente. A "pequena teoria" é dada em forma de diagrama na figura 1.3. 8

8 Este exemplo é parcialmente realista, parcialmente fictíc!o. O leitor. não dever~ tomá-lo como "teoria estabelecida". Embora se saiba n:mto .a re~pelto ~e r~ah­zação, em cursos superiores e em outros contextos, mmta co1sa at~da nao f1cou compreendida. As teorias na ciência comportamental podem se: c~nsl~e:a.das tenta­tivas de desbastar nossa ignorância. Neste sentido o exemplo nao e artlftcral.

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\ Na teoria, duas vanaveis, inteligência e motivação para a realiza­ç 10 são influências diretas ; acredita-se que ambas influenciem a reali­i': lÇão escolar sem passarem pelas outras variáv~is. ~s,tas. influên~ias dlretas são mostradas pela figura 1.3: as setas de mtehgencta e mottva­ção para a realização vão para realização na univers~dade . . Acredit~-se que as outras duas variáveis, situação econômica famihar e classe soctal, tenham influência indireta na realização escolar; elas "atravessam" a motivação para a realização. Acredita-se, por exemplo, que em. ger_al ,

uanto mais afluente a família, maior a motivação para a reahzaçao. Igualmente a classe social influencia a motivação para a realizaçã?: ra- ·, pazes e moças da classe média têm maiores motivo~ pa~·a, d~seJar~m progredir que os jovens das classes trabalhadoras. A mtel1g~nc1a .. ale~ ~ de sua influência direta na realização escolar - quanto mawr a mtelt- ..• gência, maior a realização - tem in~luê~cia indireta n.a real~zaç~o, es~o- ...,. lar através da motivação para a reahzaçao: quanto mawr a mtel!gencta, maior a motivação para a realização. .

Temos então uma teoria da realização escolar, que pode ser boa , .-. _ , ou niá, dependendo de quão bem explique a realização escolar. B bas- :~­tante testável. Todas as variáveis são suscetíveis de mensuração satisfa- 1 ~ • _

tória (embora uma teoria não tenha necessariamente que ter apenas ·;: variáveis mensuráveis) e há técnicas analíticas que podem permitir testes · !_, bastante claros das relações especificadas na teoria. ; ;·

Outras finalidades da ciência, além da teoria e explicação, foram ·.::' propostas. Não precisamos elaborar as mais técnicas destas, pois geral­mente já são dedutíveis da teoria como propósito. Há um alegado pro­pósito da ciência, entretanto, que dá muitos problemas e que confundiu um bocado a compreensão clara da finalidade da ciência. Essa alegada finalidade está contida em afirmações como as que se seguem, todas elas estreitamente relacionadas: "A finalidade da ciência é . melhorar c destino do homem"; "A finalidade da psicologia e sociologia é ajudar a melhorar a sociedade humana"; "A finalidade da pesquisa educacional é melhorar a prática e o pensamento educacional". Sem dúvida, os sentimentos por detrás de tais afirmativas· são fortes - e não é de se admirar. Parece óbvio que a finalidade da ciência é melhorar o destino do homem; parece tão auto-evidente!

A confusão, sem dúvida, surgiu porque os efeitos dos progressos científicos muitas vezes aumentaram o bem-estar do homem - mas também feriram o bem-estar humano - principalmente através de aper­feiçoamentos tecnológicos possibilitados por pesquisas e descobertas científicas desinteressadas. Mas isto não significa que o propósito da ciênica seja melhorar o bem-estar humano, assim como seu propósito 11ão é ajudar a promover guerras. Uma interpretação mais exata é que a melhoria da vida .pode ser subproduto da ciência, um produto afortu­nado, emb01a não necessário das descobertas e do trabalho científico.

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Há um parodoxo aqui. Parece óbvio que o propósito da ciência é melhorar a humanidade. Entretanto, é uma posição perigosa porque conduz, entre outras coisas, a distorções. As distorções resultam de duas ou três razões. Uma, a mistura de forte compromisso e a exigência de programas sociais e políticos, por um lado, e a pesquisa científica de problemas de tais programas, por outro, parecem induzir preconceitos e o que foi chamado percepção seletiva. Isto significa que vemos o que desejamos ou precisamos ver em vez do que realmente existe. ·Esta tendência é tão forte que quase cheguei ao ponto de pensar que cien­tistas comportamentais não deveriam pesquisar coisas que advogam apaixonadamente. Ou melhor, quando pesquisarem, devem criar e usar salvaguardas excepcionalmente elaboradas contra suas próprias incli­nações.

Uma segunda razão para distorções é que tendemos a confundir missões sociais e científicas e isto leva a distorcer o que vemos, a des­gastar nossa objetividade e, mais importante, nosso compromisso com a objetividade. O desgaste do compromisso com a objetividade é peri­goso para um cientista, pois, como já ficou dito, ~objetividade é uma caract~_!:!êtica __ científicajnconfl,lJlilivel § indispensável. .Sua per_d~trói a prójrrja ciêqcia. ·

Voltando ao argumento principal, uiência_e _a _P..esquis~ científica s~Q.t~_m..s;p.te_neutras. Os resultados de pesquisas científicas poaem e são usados tanto para bons propósitos quanto para maus. Fazemos uso de bombas atômicas, instrumentos de destruição baseados na teoria científica, pesquisa em física e campos relacionados; usamos também descobertas atômicas para a dessalinização da água, para a criação de energia praticamente ilimitada, e assim por diante. Bondade e maldade, melhora e deterioração, felicidade e sofrimento humanos, são assuntos para as pessoas que resolveram fazer certas coisas que têm boas ou más conseqüências, que melhoram ou pioram as coisas, que promovem a felicidade humana ou que aumentam seu sofrimento. Naturalmente os resultados da ciência podem ser usados para ajudar a tomar tais deci­sões, e os cientistas, como seres humanos, podem participar na tomada de decisões, mas a ciência em si, estritamente falando, não tem nacla a ver com as decisões. Isto porque a preocupação da ciência - e é a única atividade humana em larga escala cuja preocupação é tão desin­teressada - ~diz ~~p~ito apenas à compreensão e explicação de_jepô­menos naturais .

............. ' . --Enfatizo fortemente a finalidade da ciência desta forma porque a

concepção errada exposta acima, levada ao extremo lógico de colocar o bem-estar humano como finalidade fundamental da ciência, conduz finalmente a um desgaste da própria ciência e à conseqüente diminuição da compreensão dos fenômenos físicos e humanos. O último capítulo

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d te livro examinará novamente este problema com mais detalhes. O lll tivo por que o propósito da ciência como teoria foi enfatizado aqui ' que a tentativa de sua aceitação a esta altura muito nos ajudará a · mpreender o conteúdo deste livro. Esta ênfase nos manterá ligados à

sência e à natureza da ciência e não nos permitirá sermos distraídos por considerações estranhas. Por exemplo, se falarmos do chamado ubaproveitamento de crianças brilhantes, vamos poder focalizar a com·

preensão do aproveitamento ao invés de remédios específicos para o Jl'Oblema. Ao fazer isto, naturalmente, já teremos assumido que a com­I reensão científica do problema pode aumentar as possibilidades nossas

dos outros de encontrar soluções práticas para o problema.

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2. Conceitos comportamentais científicos e definições

Uma das maiores dificuldades ao abordar um assunto novo é o seu vocabulári~. Não se in-ventam e se usam palavras novas apenas; velhas palavras sao usadas de maneira nova e diferente. Este naturalmente é o caso_ na ciência. Teremos que nos familiarizar com te;mos e expressÕes que sa? usados ~on~tantemente na pesquisa psicológica, sociológica e educaciOnal. A fmahdade deste curto capítulo é promover esta fami-liaridade. ·

As definições raramente são interessantes para o leitor mas são essenciais porque é virtualmente impossível conversar inteliientemente sobre ciência e pesquisa - ou sobre qualquer campo complexo - sem usar termos abstratos e técnicos desconhecidos do leitor. Os cientistas comportamentais usam termos como "amostra casual" , " variável inde­pendente", "manipulação experimental" e "significância estatística". Ao passo que tais expressões são familiares e fáceis para o cientista, podem ser estranhas, perturbadoras e mesmo assustadoras para o leigo. Assim, elas poderão ser uma forte barreira para a compreensão de um livro con:o. este. O tru_que d.e costume, usado para resolver o problema, é defmu os termos a med1da que forem aparecendo. Na pesquisa compor­tamental, entretanto, há termos demais, usados quase todos de uma vez. Assim, além de definirmos os termos à medida que formos avancando incluímos este capítulo de definições no início do livro. • '

Variáveis

· A ~ termo "variável" tal~ez seja o mais usado na linguagem da c1encia comportamental. É literalmente impossível escapar dele. Por exemplo, pretendi escrever o capítulo 1 sem nenhum termo técnico. Não foi possível: tive que usar "variável" junto com uma ou outra palavra técnica. O termo "variável" é um conceito ou "constructo" como dizem os psicólogos. Um conc~ito, naturalmente, é um substanti~o que repre­senta uma classe de objetos: homem, sexo, agressão, habilidade verbal classe social, inteligência e conformidade, são exemplos. É fácil percebe; que "homem" significa organismo de duas pernas, que fala, escreve e

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1lgumas vezes exibe inteligência. Não é fácil ver o que "agressão" repre-·nta. Para o psicólogo, "agressão" pode significar um estado interior

que predispõe a pessoa a certos tipos de comportamentos chamados "ngressivos". Para o pesquisador psicológico, entretanto, "agressão" ·ignifica tipos diferentes de comportamentos que têm as características de ferir outros ou a si próprio, física e psicologicamente. Devem ser bastante específicos; devem definir "agressão" especificando de alguma forma o que são comportamentos "agressivos". Fazem isto para poderem medir ou manipular a "agressão". A idéia de "variável" deve ficar clara depois que examinarmos tipos e exemplos de variáveis.

Variáveis categóricas, medidas e manipuladas

Quando alguma coisa pode ser ·classificada em duas ou mais cate­gorias, pode ser uma variável. "Sexo" é uma variável, o tipo de variável mais simples porque existe apenas em duas categorias, mascuJina e femi­nina. "Preferência religiosa", "preferência política", e "classe social" são variáveis com mais de duas categorias. Tais variáveis são chamadas variáveis categóricas. Têm por característica o fato de todos os membros de uma categoria - todos os do sexo feminino, por exemplo - serem considerados iguais no que diz respeito àquela variável. Outros exemplos são nacionalidade, raça, escolha ocupacional.

Se uma propriedade de objetos pode ser medida, ela pode ser uma variável. Ser "medida", por ora, significa que algarismos podem ser atribuídos a pessoas diferentes ou objetos diferentes com base na posse de quantidades de alguma propriedade ou característica. Altura e peso são exemplos fáceis e óbvios. Mas podemos atribuir os algarismos 1, 2, 3, 4 e 5 a determinadas crianças com base em sua suposta ansie­dade, 5 significando muita ansiedade, 4 uma boa quantidade de ansieda­de e assim até 1, que significa pouca ansiedade. Se pudermos fazer isso, temos a variável "ansiedade". Em termos de senso comum, variável é algo que varia. Ou pode ser dito que uma variável é uma propriedade que assume valores diferentes. Um psicólogo, por exemplo, pode atribuir a diferentes crianças valores diferentes, dependendo de sua posse de quantidad_es diferentes de habilidade verbal. Para isso ele pode usar um teste de habilidade verbal e atribuir à criança números de 10 a 50. sendo que 10 significa baixa quantidade de habilidade verbal e 50, alta quantidade. A variável "sexo" foi mencionada acima: pode-se atribuir 1 ou O aos indivíduos, dependendo de serem . homens ou mulheres. Mesmo atribuindo-lhe somente dois algarismos, 1 e O, sexo é uma variável. ·

Na discussão. do estudo de Clark e Walberg no primeiro capítulo, o reforçamento foi "manipulado" como uma variável experimental, dando

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a um grupo de crianças um reforçamento maciço e a um ségundo grupo, reforçamento regular. Esta manipulação, com efeito, cria uma variável. Sempre que os pesquisadores preparam condições experimentais, eles criam variáveis. Nós chamamos tais variáveis variáveis experimentais ou variáveis manipuladas. Pode-se demonstrar que elas satisfazem a defini­ção dada acima, embora não façamos isto aqui.

Há, então, três tipos gerais de variáveis na pesquisa comporta­mental: variáveis categóricas, variáveis medidas e variáveis experimen­tais ou manipuladas. O reforçamento, no estudo de Clark e Walberg, é, como ficou dito, uma variável experimental. Classe social (classe média e trabalhadora) no estudo de Miller e Swanson sobre classe social c criação dos filhos, descrito no capítulo 1, é uma variável categórica. Exemplos de variáveis medidas são inteligência, ansiedade, autoritarismo,

'l' aptidão verbal e realização escolar. São chamadas variáveis medidas porque são "medidas" com um teste ou outro instrumento que produz resultados que vão de altos a baixos.

Variáveis dependentes e independentes

Dois termos que são bastante usados em pesquisa comportamental e neste livro são "variável independente" e "variável dependente". Uma variável independente é uma variável que se supõe influenciar outra variável, chamada variável dependente. Quando dizemos: "O reforça­menta aumenta a aprendizagem."; reforçamento é a variável indepen­dente e aprendizagem a variável dependente. Os cientistas fazem pre­dições a partir de variáveis independentes para variáveis dependentes. Eles dizem, por exemplo, "Se os professores elogiarem as crianças, o trabalho escolar das crianças melhorará".

A variável independente numa pesquisa é o antecedente; a variável dependente é o conseqüente. Os termos vêm da matemática. Sempre que uma equação matemática ou estatística é escrita, a variável depen­dente fica à esquerda da equação e a independente à direita. Por exem­plo, uma equação muito usada pelos pesquisadores comportamentais: y = a + bx. Aqui y é a variável dependente e x a independente. É como dizer, embora mais precisamente, "Se x, então y". Com o problema de Clark e Walberg, diríamos "Se reforçamento (x), então realização (y)". (a e b na equação são constantes cujos valores são determinados pela pesquisa. Seu significado e uso serão explicados mais adiante.) Quando são desenhados gráficos, como veremos mais adiante, a variável independente é o eixo horizontal (das abscissas) e a variável dependente o eixo vertical (das ordenadas).

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Outros tipos de variáveis

Há outras classificações de variáveis, mas geralmente não são tão im­portantes quanto as dadas no item anterior. Mas já que são usadas na bi-. bliografia e na conversação dos pesquisadores comportamentais, os leito-res devem se familiarizar com elas. A primeira destas classificações carac-teriza variáveis de acordo com o campo em que são usadas: variáveis psicológicas, variáveis sociológicas, variáveis econômicas e assim por diante. Inteligência, ansiedade e conformidade são variáveis psicológicas; classe social, escolaridade (número de anos de freqüência à escola, por -~ exemplo) e profissão do pai, são variáveis sociológicas; renda, produto :5 nacional bruto e lucros são variáveis econômicas. Outras possibilidades ") são variáveis políticas, antropológicas e fisiológicas. As variáveis na 'J < pesquisa educacional são principalmente psicológicas, sociológicas e ( ~­sócio-psicológicas. Por exemplo, a realização, a aptidão verbal, motivação para a realização e nível de aspiração são psicológicas; classe social, ~ escolaridade dos pais, nível de escolaridade e profissão do pai são sacio- ~ ;_: lógicas. 1- .... -.:;

Outra maneira de distinguir as variáveis é através de disciplina ::1 ::; de um campo. Em psicologia, por exemplo, ouve-se falar de variáveiiQ ~ de personalidade (introvertido-extrovertido, agressividade, autoritari~ mo), variáveis fisiológicas (reflexo psicogalvânico, transpiração palma9: batida cardíaca), variáveis sócio-psicológicas (conformidade, pressãõl grupal, coesão) e assim por diante. Mas tais distinções não parecem muito importantes. Sem dúvida, algumas . vezes é difícil classificar as variáveis desta forma porque elas podem pertencer simultaneamente a duas ou três categorias.

Normalmente não é possível estudar fenômenos e relações entre fenômenos sem definir e usar diversas variáveis. Para estudar a realiza­ção escolar de crianças, por exemplo, os pesquisadores precisam "criar" a variável "realização". Isso significa que eles precisam definir e medir essa variável; devem atribuir algarismos ao aproveitamento escolar de crianças diferentes. A importância da idéia de variável e da idéia conco­mitante de variabilidade, variação ou variância (ver abaixo) não pode ser superenfatizada.

Uma variável, então, é _y~ons.tructo,_um conceito com um signi­ficado es ecificadÕ "construído" dado por um pesq!lisador. Uma variá­vel pÕde também ser vista_ com_9_ u!!l_~~ê ou um símbolo ao qual se atribui valores, os vªlQres diferentes indicalldÕ quantiêlaâesõugraus ·da variável descrit;-pelo nome ou símbolo. Assim,- inteli-gência e êonfor­Itíismo e X ey são Vélriáveis se se atribuírem valores (algarismos) a eles istematicamente.

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Relações

"Relação" provavelmente é a palavra mais fundamental em ciência. Ela será usada amplamente em todo este livro. Grande parte do capí­tulo 4 será dedicada a definir o termo, explicando seu significado e dando exemplos de seu uso. Por enquanto, usaremos uma definição mui­tíssimo simplificada. R.!!_lação _é um "ir junto" de duas variáveis: é o que as duas variáveis têm em comuffi. -A idéia-é comparativa: uma relação é_ u~Q, uma lii@_Ção entre dois_fenÔglynJl~, dtg~s ~veis. Dizemos que há uma relação positiva entre, por exemplo, inteligência e realização escolar ou entre classe social e renda, ou ainda entre auto­ritarismo e preconceito. Isto significa que crianças de maior inteligência se saem bem na escola e crianças menos inteligentes tendem a se saírem menos bem (embora haja muitas exceções); que as classes sociais mais altas recebem maiores rendas que as mais baixas; e que quanto maior o autoritarismo, maior o preconceito. Há, então, uma ligação, um elo, entr~ estes três pares de variáveis. Em cada par, uma porção de êada variável é comum a ambas. Voltando à figura 1.1, podemos ver o de­senho da idéia da parte comum de duas variáveis. A parte superposta dos dois círculos mostra que há algo em comum nas duas variáveis.

Estudos e experimentos

Quando os cientistas fazem determinada pesquisa, diz-se que fize­ram um "estudo". Estudo, então, é uma palavra geral abrangendo qual­quer tipo de pesquisa. Diz-se, por exemplo, "Fizeram um estudo sobre inteligência e realização escolar na Inglaterra, França e Estados Unidos"; "Ele estudou a influência da ansiedade no desempenho de crianças su­burbanas em testes"; "Ela fez um estudo sobre os fatores de autorita­rismo e dogmatismo"; "O estudo experimental de Clark e Walberg sobre o efeito do reforcamento na realizacão em leitura entre criancas negras foi severamente ~riticado". Observe' então que "estudo" se ref~re tanto a investigações experimentais quanto não-experimentais e a tipos diferentes de pesquisa.

A maioria das pessoas pensa que sabe o que é um experimento: é uma coisa que os pesquisadores fazem em laboratórios com equipa­mento esotérico. A verdadeira natureza do experimento é obscurecida por idéias vagas e estereotipadas como esta. Embora os experimentos sejam feitos na maioria em laboratórios, podem ser feitos em outros lugares - em escolas, lares, fábricas e até nas ruas. Mais importante, um experimento propriamente dito tem duas características básicas. Uma delas é uma característica que todo experimento deveria ter: designação aleatória dos sujeitos para os diferentes grupos experimentais. Isto quer

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dizer, simplesmente, que os SUJettos são designados para os grupos •x perimentais de tal forma que qualquer um possa se tornar membro de qualquer grupo, sem ser possível dizer de qual grupo ele participará. • possível fazer-se um experimento sem designação aleatória, embora

não seja desejável. Vamos deixar o assunto de designação aleatória para o capítulo 6, porque o assunto exige explicações mais completas e detalhadas.

A segunda característica básica de um experimento foi mostrada no capítulo 1 - manipulação. Agora podemos ser mais precisos: mani­pulação de variáveis independentes. (Variáveis dependentes quase nunca são manipuladas.) Repet11 •rlo: isto siRniticll cme o pesquisador faz coisas diferentes com grupos diferentes de indivíduos. Suponhamos que eu ensine quatro grupos de alunos do quarto ano com quatro métodos dife­rentes. Isto é uma manipulação. Suponhamos que eu queira estudar os efeitos dos tipos de tomada de decisão na produtividade do grupo. Tenho um grupo de 90 pessoas que divido em 3 grupos de 30, denominando-os A,, A2 e A3. As pessoas do grupo A1 terão o máximo de oportunidades de participar das decisões do grupo (as quais são uma parte da manipu­lação), as do grupo A2 uma ou outra oportunidade de participar, e as do grupo A3 nenhuma oportunidade. Isto também é uma ma­nipulação.

A manipulação experimental varia da mais simples à mais com­plexa. A manipulação da variável independente de Clark e W alberg foi simples: dois grupos , um recebendo reforçamento maciço, o outro, re­gular. Para que o leitor não pense que toda ou mesmo a maioria das manipulações se limitam a dois grupos, examinemos uma ligeira exten­são da manipulação até três grupos. Aronson e Mills (1959), num inte­l'essante experimento sócio-psicológico, testaram a idéia de que quanto mais dificuldade se encontrar para entrar em um grupo, mais os mem­bros deste grupo darão valor a ele. Os membros de um grupo receberam uma iniciação severa. os de outro, uma iniciacão suave e aos membros do grupo restante não se exigiu nada para ~e tornarem membros do rupo (o "grupo de controle" ). (A manipulação incluiu a leitura, por

jovens do sexo feminino, de palavras que variavam em termos de bscenidade.) Foi predito que os membros do primeiro grupo valoriza­

riam mais a participação no grupo, os membros do segundo, um pouco menos, e os do terceiro - o grupo de controle - valorizariam menos oinda. (A exoectativa foi rnntlrmada pelns resultados.) Isto também é uma manipulação: foram feitas coisas diferentes sistematicamente com s três grupos. As virtudes e outras características deste poderoso método

de obter conhecimento serão exploradas mais tarde . Veremos também 1ue é perfeitamente possível manipular mais do que uma variável inde-

1 cndente por vez.

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Há vários tipos de estudo científico. Um experimento é apenas um deles. Todos os outros são não-experimentais. Um levantamento de opiniões é não-experimental. Assim é toda a investigação das relações entre variáveis quando não há manipulação. O estudo de Miller e Swanson sobre classe social e criação de filhos é um exemplo. Não foi um experimento porque não houve manipulação de uma variá­vel independente. Freqüentemente a distinção é mal entendida. Estudos que são não-experimentais são às vezes chamados experimentos. Entre­tanto, a distinção é muito importante porque as conclusões de um expe­rimento bem conduzido geralmente são mais fortes do que as conclusões de um estudo bem conduzido que não seja um experimento. Voltaremos a esta distinção no capítulo 8.

Dados

Os cientistas usam comumente a palavra " dados" (data) e sabem muito bem o que ela significa. 1 O leigo poderá se confundir com a palavra, porque nem sempre fica claro o que se quer dizer com ela. A palavra "dados" significa alguma coisa dada ou aceita como dada, da qual se podem fazer inferências. Por exemplo, alguém me diz que 60 por cento do povo da Bélgica é a favor do Mercado Comum, mas que apenas 40 por cento do povo da Inglaterra é a favor. Então tenho dados que me permitem fazer uma inferência ou duas e até mais: o povo da Bélgica aprova o Mercado Comum mais do que o povo da Inglaterra (outras coisas sendo iguais, claro); o apoio ao Mercado Comum não é muito forte na Bélgica e Inglaterra. Neste exemplo, as percentagens definidas são dados que permitem certas inferências. Mas dados não se limitam a resultados númericos ou estatísticos. Material verbal, como editoriais de jornais ou redações infantis, podem ser consi­derados dados.

Os cientistas, então, geralmente usam a palavra "dados" para se referirem a resultados obtidos em pesquisas, embora nem sempre resul­tados numéricos e estatísticos, dos quais tiram conclusões e inferências. Eles podem dizer: "Os dados indicam que, quanto mais severa a inicia­ção, mais as pessoas valorizarão sua participação no grupo". Querem dizer que alguma espécie de resultados quantitativos - por exemplo, as médias dos pontos nos três grupos do experimento de Aronson e Mills - foram tais que permitiram fazer a afirmativa.

T "Data" é uma dessas palavras curiosas que é realmente plural - o singular é " datum" - mas às vezes é tratada como singular. O uso no plural é sempre preferível.

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Apesar de seu uso específico, "dados" também se refere a quase qualquer evidência obtida em pesquisas. Pode-se até afirmar que_"dad?s" c "evidência" são usados quase como sinônimos. As observaçoes feltas por ministérios de educação e anotadas sob determinada forma são cha­madas "dados". Saídas de computador são chamadas "dados". Pontos obtidos em testes são chamados "dados".

Medid.as, pontos, testes, escalas

Constantemente os cientistas comportamentais precisam obter esti­mativas quantitativas das magnitudes de propriedades ou características apresentadas por grupos ou indivíduos. Eles obtêm tais estimativas, em primeiro lugar, para poderem avaliar a magnitude de relações entre as variáveis. Dados brutos- respostas a perguntas, descrição do compor­tamento das pessoas através da observação, coisas deste tipo - geral­mente precisam, de alguma forma, sérem convertidos em números. Os números, que presumivelmente mostram os dados brutos de forma redu­zida, são, então, tratados de forma que as relações entre os números e assim entre as características possam .ser estudadas.

Estimativas quantitativas da magnitude de uma propriedade ou ca-. racterística de grupos ou indivíduos sãó chamadas ·medidas. Medidas obtidas em testes são chamadas pontos (scores). "Medida" é uma palavra mais abrangente do que "ponto", embora pontos sejam medidas.

Um teste é um procedimento sistemático no qual os indivíduos são colocados diante de um conjunto de estímulos construídos. chamados itens, aos quais reagem de uma forma ou de outra. As respostas possibi­litam ao aplicador do teste atribuir pontos individuais ou números indi­cando o grau em que o indivíduo possui certo atributo ou propriedade ou até que grau "conhece" a coisa que foi testada. Falamos sobre testes de inteligência, testes de realização, testes de aptidão e muitos outros tipos.

Uma escala é como um teste, só que lhe falta o aspecto competitivo do teste. A palavra " teste" tem um sabor de sucesso ou fracasso: a pa­lavra "escala", não. ~ um instrumento construído de modo que números diferentes podem ser atribuídos a indivíduos diferentes para indicar quantidades diferentes de algum atributo ou propriedade. Há escalas para medir atitudes, valores, compu1sividade, rigidez, interesses, precon­ceito e muitas outras.

Variação e variância

Um conceito estatístico fundamental na pesquisa científica é "va­dRncia". :e fundamental porque os fenômenos só podem ser comparados

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Page 25: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

e relacionados através das suas variações. O que significa esta afirmação ligeiramente estranha? Virtualmente nenhum conhecimento científico

1.

seria possível se o fenômeno não variasse. O psicólogo não poderia estudar a inteligência se a inteligência das pessoas não variasse. O soció­logo não poderia estudar classes sociais e suas relacões com outras variáveis se as pessoas e grupos não diferissem em class~s sociais. Diz-se que um grupo de pessoas, por exemplo, alunos de quarta série, é alta­mente variável em inteligência. Outra maneira de dizer isto é: a variância de inteligência da classe é grande. Por outro lado, a variância de inteli­gência de um grupo de candidatos ao doutorado pode ser pequena. Se por ora o leitor puder confiar na veracidade destas afirmacões sobre variação, vamos apoiar esta .-.onfiança con. razões em u~ capítulo posterior. . Embora não se discuta bastante estatístlca neste livro, é imperativo

que conheçamos alguns termos estatísticos e seu significado geral. "Variância" é um termo tanto estatístico quanto geral. Ê geral enquanto significa a variabilidade do fenômeno, como discutido acima. Os cien­tistas comportamentais usam-no muito desta forma. "Variância" é tam­bém uma medida estatística que expressa a variabilidade de qualquer conjunto de medidas, e, assim, indiretamente, de qualquer conjunto de indivíduos. 2 Os cientistas comportamentais falam muito sobre a va­riância de um fenômeno ou sobre a variância de uma variável afetada pela variância de outra variável. O pesquisador educacional poderá per­guntar: "Quanto da variância de realizacão é devida à variância de inte­ligência, à variância de motivação, à varÍância de background familiar? " Isto é simplesmente uma maneira resumida e semi técnica de dizer: "As crianças de alto grau de inteligência têm alta realização e as crianças de inteligência inferior têm baixa realizacão? As criancas com alta motiva­ção se saem bem e as crianças com b~ixa motivaçã; não se saem bem? Crianças de ambiente familiar favorável se saem bem, enquanto crianças de ambiente familiar desfavorável não se saem bem?

Esta é uma maneira de dizer que as variáveis cavariam, variam juntas de modos sistemáticos. Assim, os pesquisadores falam freqüente­mente em covariância, um termo técnico que significa a variâncía com­partilhada por duas ou mais variáveis. Olhe novamente para a figura 1.1. A parte sombreada representa a covariância ou a variância compartilhada pelas duas variáveis.

Olhe os números na tabela 2.1. Os dois grupos de números em I covariam perfeitamente. Os dois grupos de números, a e b, são os mesmos: para um número alto em a, há um número alto em b; para

2 Uma ·discussão técnica e geral do termo, das idéias por detrás dele e de como é usado, pode ser encontrada em Kerlinger (1973, cap . 6).

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'l'nbeLa 2.1 Três conjuntos de pares de postos * expressando covariâncias e I' loções diferentes. ·

ti

I 2 i 4

5

Alto Positivo

b

1 2 3 4 5

II

a

2 3 4

5

Alto Negativo -- ···--

III

b a b

5 3 4 2 5 3 3 2 4 4

5 2

Baixo

" "Posto" (rank): lugar em uma ordenação. O posto 1 corresponde ao primeiro colocado, o posto 2 ao segundo, e assim por diante. (N. do Revisor Técnico.)

um número baixo em a, há um número baixo em b. Há uma relação alta e positiva entre os dois grupos de números . Os grupos de números sob II também covariam perfeitamente- mas em direções opostas: para um número alto em a há um número baixo em b, ·e para um número baixo em a há um número alto em b. Há uma relação alta e negativa entre a e b. Vejamos agora lll. Não é possível fazer qualquer afirmativa sistemática sobre a relação entre a e b. Elas estão, como se diz, não­relacionadas. Ou se diz que a relação é bai~a, o que significa, aliás, a incapacidade de dizer alguma coisa sobre os. números b, conhecendo os números a. O leitor deverá tentar traduzir estes grupos de números para um exemplo realista. Por exemplo, fazer afirmativas sobre I, II e lU, usando inteligência e realização em vez de a e b.

A palavra " variância" é muito usada na moderna ciência compor­tamental e vamos ter que usá-la muito neste livro. O motivo é simples: não é possível esclarecer e compreender modernas abordagens à pesquisa e análise sem a idéia básica geral de variação e a idéia mais técnica de variância.

Probabilidade

Um dos maiores bloqueios à compreensão e apreciação da pesquisa comportamental é uma espécie de anseio geral por certeza. Viver com a incerteza parece muito duro para nós. Infelizmente o anseio pela certeza ajuda demagogos, pessoas autoritárias, falsos religiosos e predadore> famintos a prosp~rarem, porque eles oferecem certeza. Eles freqüente­mente nos dão a oportunidade de escaparmos da insuportável sensação

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de desassossego e ansiedade em nós induzidos pela incerteza do nosso mundo. Eles nos oferecem um credo ou uma pessoa a seguir cegamente, com promessas de grandes recompensas.

A ciência e a pesquisa comportamental não nos oferecem certeza. (Nem a ciência natural!) Não oferece nem mesmo certeza relativa. Oferece apenas conhecimento probabilístico: Se A for feito, então pro­vavelmente B ocorrerá. A afirmativa usada antes, " A frustração leva à agressão.", é na verdade incorreta. Uma afirmativa mais correta é: "A frustração provavelmente leva à agressão". Uma maneira de definir a pesquisa comportamental pode ser dizer que ela é um meio de ajudar a reduzir a incerteza. A pesquisa empírica jamais pode nos dizer que alguma coisa é certamente assim. Pode, entretanto, dizer: " As probabi­lidades de tal coisa ser assim ou _ '-'~sado são de 70 para 30".

A probabilidade e o pensamento probaoliisL{-:.o são o núcleo da moderna ciência e pesquisa comportamental. Infelizmente, é difícil defi­nir a probabilidade satisfatoriamente. Vamos usar uma abordagem intuitiva, como sempre, mas o leitor fica avisado de que pode desa­gradar os especialistas. A probabilidade de um acontecimento é o número de casos "favoráveis" dividido pelo número total de casos (igualmente possíveis). ("Caso favorável" significa qualquer resultado estipulado ou previsto.) Seja f = número de casos favoráveis. E p = número de casos favoráveis dividido pelo número total de casos, N. Seja o caso favorável à ocorrência de cara no lançamento de uma moeda. Então p é a proporção de caras em N lançamentos, ou p = f/N. Já que há duas possibilidades no lançamento de uma moeda, p = 1/2. O caso ou evento favorável pode ser o 6 do dado. Então, p ;::: 1/6: a probabilidade de ocorrer um 6 é 1/6. Se houver 50 homens e 50 mulheres em determinada amostra de 100 pessoas, a probabilidade de escolher um homem (ou mulher) é 50/100 = 1/2 (num processo de seleção imparcial).

Isto tudo é muito simples. Mas a probabilidade pode ser complexa. Nossa preocupação aqui, entretanto, é apenas com a compreensão preli­minar e intuitiva. Em geral, o leitor precisa compreender que todos os enunciados científicos são probabilísticos. Sempre há incerteza. As ciên­cias naturais oferecem maior certeza do que as comportamentais. Aliás, todas as disciplinas científicas são mais ou menos incertas. Todas as afir­mativas, em outras palavras, vêm acompanhadas com um valor p implícito ou explícito. É por isso que a bibliografia da ciência comportamental fala tanto em "tendências".

O leitor não deverá ficar muito preocupado se não apreendeu com­pletamente os termos e expressões dados acima. Leva-se tempo para acostumar-se a eles. O que precisamos a esta altura é uma familiaridade geral. As lacunas serão preenchidas mais tarde. Em todo caso, agora temos suficientes definições para continuarmos com a discussão principal.

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3. Problemas, hipóteses e variáveis

.- __ ..,.. __ _ UNfVERS!O.'.r.~D~<~;LJ)0~~J,:-1 B!~!. h:• f1.:..{" _ " .• !'rRt~

Ao tentar resolver um problema, procuram-se soluções alternativas, .--1: meios diferentes de chegar-se ao núcleo do problema. Este processo de ,:5 -pensamento geralmente é incipiente, vago, confuso até. Geralmente não se sabe para onde se virar, o que fazer. Esperam-se idéias, principal-mente uma boa idéia. O mesmo acontece na pesquisa. .~

Para entender o que é um problema na pesquisa científica com- · ~ .. portamental, vamos primeiro ser negativos. Consideraremos problemas ~·: ::_ que realmente não são problemas no sentido científico. Eles podem ser :3 ~ chamados problemas de valor ou de engenharia. Eis alguns exemplos: ê:; -~: Como se pode conseguir melhorar a integração? Qual é o melhor j .:::. caminho para se conseguir igualdade de oportunidades educacionais?:?.: Qual é o meio mais eficiente de se construir uma rede de rodovias em.~ determinado estado? Como podemos ajudar a melhorar a sorte dos pobres da cidade? O que torna um professor bem sucedido? Como estão relacionadas a auto-atualização e a ma!uridade da personalidade? A razão principal por que nenhum destes é problema científico é que nenhum deles, como propostos, pode ser testado empiricamente.

"Como cons~guir a integração?" é um problema de engenharia. O interlocutor quer saber como fazer alguma coisa. A construção de rodovias e a questão dos pobres também são questões de engenharia. A ciência não pode resolvê-las porque sua forma e substância são tais que não é possível testá-Ias: elas não afirmam nem implicam relações entre variáveis. Elas perguntam, antes como fazer as coisas. A ciência pode fornecer sugestões e inferências sobre possíveis respostas, mas jamais poderá responder a essas questões diretamente. A igualdade de oportunidades educacionais é uma mistura de questão de valor e ques­tão de engenharia: Qual é o melhor caminho para se conseguir igualdade de oportunidades educacionais?

Enquanto uma questão de engenharia pergunta como fazer alguma coisa, uma questão de valor pergunta qual de duas ou mais coisas é melhor ou pior que outra, ou se alguma coisa sob consideração é ,boa, má, desejável, indesejável, ou moralmente certa ou errada. Questões de valor contêm palavras como "bom", " mau", "melhor", "desejável",

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"precisa", "deve". Elas pedem julgamento das coisas a serem avaliadas. "Qual é o melhor (mais eficiente, mais desejável e assim por diante) jeito de fazer isto ou aquilo?" é uma questão de valor. Assim como "O método A é melhor que o método B para alcançar igual oportunidade educacional?" As proposições ou enunciados de valor são semelhantes, só que são sentenças afirmativas em vez de interrogativas. Exemplos : "A avaliação dos professores, pelos alunos, ajudará a melhorar o ensino"; "É errada a discriminação contra as minorias"; "Não matarás"; "O professor precisa compreender as necessidades do aluno" . A quali­dade de julgamento e os imperativos morais contidos nestas afirmativas são óbvios. Mais importante, não há modo de testar tais afirmativas empiricamente. O enunciado "É errada a discriminação contra as mino­rias", por exemplo, não afirma relação ou implicação de relação entre variáveis que possa ser testada; apenas dá um julgamento moral sobre uma prática social.

A ciência, como ciência, não pode então dar respostas a questões · de engenharia e valor porque não pode testar tais proposições e mostrar sua correção ou inconeção. Quando alguém me diz que religião é uma boa coisa, eu só posso concordar ou discordar - amar ou odiar meu interlocutor, fazer paz com ele ou lutar. Não posso, como cientista, sujeitar a afirmativa a um teste empírico, principalmente porque ela contém um julgamento humano - algo é "bom" - e a ciência é e sempre foi estúpida em questão de julgar qualquer coisa.

Pode ser dito, por enquanto, que proposições testáveis contêm variáveis que podem ser medidas ou manipuladas ou que implicam tais medições e manipulações de variáveis. Aqui estão três proposições testá­veis, uma delas já bem familiar: "A frustração produz agressão"; ''Quanto maior a coesão de um grupo, maior influência tem sobre seus membros"; "As condições das favelas produzem delinqüência". Observe que estes enunciados têm variáveis que podem ser medidas ou mani­puladas: frustração, agressão, coesão de grupo, influência, condições de favela, delinqüência . Quando se diz que estes enunciados são testáveis, isso não implica que eles são "bons" enunciados que levam à " boa" pesquisa científica. A única coisa que se quer dizer é que de alguma forma são capazes de ser provados corretos ou incorretos, pela evidência.

Proposições de valor e de engenharia, então, não são cietificamente testáveis. Há outros tipos ele · proposições que não são testáveis e que são muito difíceis de ser categorizadas . Sua característica comum parece ser a falta de clareza e uma espécie de virtude. Eis alguns exemplos: "A doença é uma manifestação da vontade de Deus"; "As práticas e as instituições democráticas combinam peculiarmente com o ethos do povo americano"; "A harmonia racial depende da compreensão mútua"; "A maturidade humana depende da auto-atualização". Para o cientista, tais

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enunciados têm pouco nu nenhum significado. Naturalmente, têm signi­ficado para religiosos, políticos, pais, professores e novelistas, mas se mantêm além do a1cance da ciência.

Tais questões, propostas desta forma, não são testáveis, ou porque lhes falta a forma de questões ou proposições testáveis (que discutire­mos mais tarde) ou porque a linguagem em que são expressas é tão vaga que as torna cientificamente intratáveis. Eis outro exemplo da educação. É um problema que, embora tenha intrigado e importunado os pesquisadores de educação durante meio século, é virtualmente irrespondível cientificamente, pelo menos desta forma: "O que faz um professor bem sucedido?" Para muitos educadores, isto pode não parecer um problema. Eles acham que sabem a resposta; acham que sabem o que é um professor bem-sucedido. Até agora, entretanto, o problema não foi resolvido - num sentido científico.

Há diversas razões pelas quais ainda não foi resolvido. Para come­çar, a questão é inútil porque não há o enunciado de uma relação entre variáveis. Portanto, não pode ser testada ou respondida cientificamente. (Com toda a honestidade, talvez jamais seja respondida.) Por outro lado, o problema é extremamente complexo: tem inúmeras facetas que não são imediatamente aparentes, tornando-se difícil lidar com elas. Por exemplo, o que se quer dizer com "bem sucedido"? Bem sucedido em conseguir que os alunos aprendam, será? Aprender o quê? O que signi­fica " aprender"? O "sucesso" está ligado a certas características pessoais e profissionais dos professores? Ao que os professores realmente fazem em classe? Às suas atitudes? "Bem sucedido" também implica "mal sucedido". O que significa um professor mál sucedido? Este "mal su­cedido" significa o oposto de "bem sucedido"? Ou é diferente apenas? Ou "mal sucedido" é uma idéia tão complexa quanto "bem sucedido"?

Em resumo, temos aqui uma questão complexa cuja dificuldade ~.th:rioi-p·er-G~ É de se admirar, então, que não tenha sido resolvida?

( ( Problemas _) .

Enrsentido geral. um problema é uma uestão ue mostra uma situação necessitada de di c ss.ã_o ioxestigacão, decisão ou soluç-ªo. En­quan o esta definição geral carrega um significado que a maioria de nós consegue entender, é insatisfatória para finalidades científicas por­que não é suficientemente definida. Não diz ou implica o que os pesqui­sadores devem fazer para responder à questão que o problema apresenta. Uma definição mais satisfatória é: "Um problema é uma questão que pergunta como as variáveis estãÕ rêlãciônaaas". J -

o estudo de Clark e W alberg delineado no capítulo 1, o problema de pesquisa pode · ser apresentado: " O reforçamento maciço aumenta a

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realização em leitura entre crianças negras carentes?" O problema geral do estudo de Miller e Swanson pode ser colocado: "Mães de diferentes / classes sociais usam tipos diferentes de criação?" Um problema mais específico (Ver tabela 1.1) é: "O tempo de desmame de crianças difere nas classes média e trabalhadora?" Estes problemas são bem específicos; e, naturalmente, podem ser apresentados de maneirr. mais geral.

Há muitos anos Hurlock (1925) perguntou: " Qual é o efeito de diferentes tipos de incentivo no desempenho dos alunos?" Este problema é mais geral. Eis outro (Etzioni, 1964): "O conflito aumenta ou impede a eficiência de organizações?" Um interessante problema sócio-psicoló­gico foi apresentado por Frederiksen, Jensen e Beaton (1968): "Como o clima organizacional afeta o desempenho administrativo?" Berkowitz (1959) fez esta importante pergunta: " Sob condições de deflagração de hostilidade, como o anti-semitismo influi no deslocamento da agres­são?'" Ou, quando frustradas, pessoas altamente anti-semitas exibem comportamentos mais agressivos em relação aos outros, que pessoas menos anti-semitas?" Em seu importantíssimo estudo inter-cultural sobre "categorias naturais" de cognição, Rosch (1973) fez a seguinte pergunta: "Protótipos naturais de cor e forma facilitam a aprendizagem de cate­gorias de cor e forma?" 1

_ ~ ~petindo, um problema de pesquisa científica em primeiro Jugar ''!í"y-- · é uma questão, u s.e.t:1te.n<ra-em- torma___tnferrogauva. ~egundo. uma

questao que geralmente pergunta alguma coisa a respeito aas relaçõ-es eótreÍenômenos ou variáveis. !). resposta à guestão é 2rocur.ada na pes-

_qu1sa. C ark e Walberg·, baseando-se em suas descobertas, puderam a ir­mar que o .reforçamento maciço melhorava a leitura de crianças negras carentes. Miller e Swanson puderam afirmar que as mulheres da classe média tinham tendência a desmamar seus filhos mais cedo que as mães da classe trabalhadora.

Três critérios de bons problemas de pesquisa e proposições de pro­blemas podem ajudar-nos a compreender problemas de pesquisa. Pri­meiro, o problema deve E .pre;ssa uma__t:elação ~nt.r.e_ duas ou mais variáveis. ·Perguntã: "Á está relacionado com B?" "Como A e B estão relacionados com C?" Embora ha@_exc..e..ç.fí_es-Ueste_cr.itifiQ., são raras.

[. Segundo, ~- pr~çleve ser apresentado em for_ma inte!!ogativa. A interrogação tem a virtude de apresentar o problema diretamente. No exemplo de Hurlock, dado acima, o problema é apresentado diretamente pela pergunta sobre a relação entre incentivos e desempenho.

~ O terceiro critér~o ~ é ~ais com lexo. E~o-~r~~lema ~eja _ ... ..--tal que implzque poss1o1haa es e testagem empmca. (VeJa O Carater

1 Estas proposições de problemas nem sempre são apresentadas nas palavras de seus autores originais.

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Empírico da Ciência" no capítulo 1.) Testagem empmca significa que seja obtida evidência real sobre a relação apresentada no problema. Obter evidência na questão incentivos-desempenho de Hurlock signi­fica manipular (ou medir) incentivos, medir o desempenho do aluno e ava­liar o suposto efeito do _incentivo sobre o desempenho. Às vezes é difícil dizer claramente que o problema tem implicações de testagem empírica. Entretanto, é preciso fazer a distinção para que a pesquisa tenha possi­bilidade de dar certo. As principais dificuldades com questões não-tes­táveis são o fato de não serem enunciados de relações ("O que é o conhecimento?" " Como se deve ensinar a ler?"), ou seus constructos ou variáveis serem difíceis ou impossíveis de definir de maneira a poderem ser manipulados ou medidos. Isto geralmente funciona com questões de valor e moral, questões que indagam sobre o certo e o errado das coisas, suas qualidades ou defeitos ou sua desejabilidade ou indesejabilidade. Vamos nos concentrar novamente em juízos de valor. Tomemos afirma­tivas como: "A democracia é o melhor de todos os sistemas de governo"; "Igualdade é tão importante quanto liberdade" e "O casamento é bom". São juízos de valor; não são testáveis cientificamente. A não-testabilidade ~Y de juízos de valor já foi discutida, mas a distinção entre jÜízoSêle valõr ~ e enunciados empíricos ou testáveis é tão importante- que dev-em-os exa­miná-la de n-ovo um pouco mais- anãliticamenk.

- rJizerque-alguma coisa é bo;-~u má-:-melhor ou pior, é dar um julgamento humano. Só o homem pode dizer que uma coisa é boa ou má - e não se discute. Nenhum rocedimento científico ode conter ~.v, ~a resposta sobre a relahva eseÉlbilidade. de uma coisa. As afirma- 'V' tivas científicas dizem simplesmente: "Se isto for verdaae, então pro­vavelmente acontecerá aquilo"; "Se se frustram as pessoas, elas prova­velmente agredirão outras, agredirão objetos ou elas próprias". Tais afirmativas não têm comprometimento com virtude ou defeito, desejabi­lidade ou indesejabilidade, valor moral ou falta de valor moral. Nem podem fazer tal comprometimento. Na verdade, o cientista, como pessoa, pode fazer tal julgamento - e pode ser sábio ou tolo como qualquer um - mas ao fazer isto ele sai fora de seu papel de cientista.

É neste sentido que a ciência é neutra. Não é neutra por haver alguma virtude especial em ser neutra. É simplesmente a natureza da ciência, que está em testar relações empíricas entre fenômenos ou variá­veis - e, para fazer isto, exige que o fenômeno seja de natureza a ser observado, manipulado ou medido. Enqyanto o cientista pode estudar val01:es ,~ como valores, e sua relaçlÚ com_ outros enômenos_ - - p.or exemplo, ele p~~omo a posse de certos_v.alor.es econômicps inf uencia a maneira de as pessoas votarem "O ca italismo é bom", "'!\ propriedade "P'fiva a e sagra a") - ele não pode estudar proposi­ções que incluam julgamentos éticos ou morais. Simplesmente não há

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Page 29: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

maneira de chegar aos referentes empíricos de palavras como "deveria", "conviria", "bom", "mau" e "precisaria".

Hipóteses

_l.Jrpa hipótese é um en]lnciaili!_g mjetural das~lªçô~s-.~~uas ou mais variáv~is. Hipó!~~~()- ~entenç_a:L deç@rativas~ e r_elacioill!..m de a!guma forma variáveis_ a variáveiª. 2 <São_ enunciados ~e relações, e, cQmo-:-9s P!obl~mai_devem implicar a testagem das !elaçõ~s ~nunc:J9.das . Problemas e _ hipóteses sã_o_ st;.melhantes. Ambos enunciam relacões, só que o s probl~mas ,_§ão s~entenças interrogativas e as , hipóteses s~nJ..enças afirmativas. As vezes são quase idênticos em substância. Uma diferença importante, entretanto: as hipóteses geralmente são mais específicas do que os problemas; geralmente estão mais próximas das operações de te§te e pesquisa. Muitos exemplos esclarecerão isto pelo livro afora, embora não seja fácil colocar regras estritas.

Eis algumas hipóteses: "Quanto maior a coesão de um grupo, maior sua influência sobre seus membros" (Schachter, Ellertson, McBride & Gregory, 1951); "Aprender coisa nova interfere com a lembrança de coisas já aprendidas" (Lindsay & Norman, 1977, pp. 320-324); "Pri­vação na infância resulta em deficiência mental mais tarde" (Bennett, Diamond, Krech & Rosenzweig, 1964). Observe que todas estas três hipóteses são relações e que sua testagem empírica está claramente im­plicada porque as variáveis l_2ÇLdem...ser-lllanipuladas_(lnte.rfer~nciaJ coesão de grupo e até privação na infância) ou medidas (influêl}cia, lembranca, deJíêLênciamenTiil) ou ~ ambas. · '

Vamos tomar à última: "Privação na infância resulta em deficiência mental .mais tarde". "Privação na infância" é a variável independente. Pode significar falta de alimento nos primeiros anos. Ou pode significar uma falta prematura de amor ou afeição. Ou pode significar falta de estimulação adequada - conversa, brinquedos, outras pessoas ou outros animais, e assim por diante. Observe qtie pode ser uma variável mani­pulada: os animais podem ser privados sistematicamente de alimento, afeto ou estímulo. Pode ser também uma variável medida: determina­mos, por exemplo, a magnitude de privação que teve uma criança ou um adulto nos seus primeiros anos, talvez perguntando a ele e a seus pais. Evidentemente, "privação nos primeiros anos" é acessível empiricamente. "Deficiência mental" é também acessível empiricamente. Pode ser me-

2 Como já fo~ ·mencionado, há exceções ao requisito de relação. Por exemplo, algumas pesqu1sas procuram descobrir as dimensões ou fatores subjacentes a muitas variáveis. Hipóteses re!acionais podem não ser usada em tais pesquisas.

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I dida com um ou mais dos muitos testes disponíveis de capacidade mental ou de deficiência mental. Naturalmente pode surgir um problema difícil em decidir o que é ou não é "deficiência". Mas o que interessa aqui é eterminar s 3-\éat:.iáw±--pede- ser- medida. -A_ hipótese "Privação na infância rod . deficiência mental mais tarde" é uma hip~t'<§.ç: _.porque enuncia um~-reiaç,ão- con.jetw:aLentre variáveis ~12ode ser mani ~:~la das ou me9idas. A relação é expressa pela palavra ·~~~:;. Uma palãYrilõiieXpressão de relação une de alguma forma as variáveis: "produz", "está positivamente relacionada a", "é uma função de", e assim por diante. Um modo melhor de com­preender todas estas afirmativas, entretanto, é traduzi-las todas para enunciados "se-então". Embora não haja regras fixas para se escrever hi­póteses - há várias espécies, todas legítimas e úteis - a maioria pode ser colocada na forma se-então: "Se p, então q", p e q sendo contructos ou variáveis. ' ·Se frustracüo. então agressão"; " Se priv;;~ção na infância, então deficiência na realização escolar mais tarde"; "Se reforçamento, então aumento na aprendizagem". Em todos estes enunciados duas va­riáveis estão ligadas entre si como as palavras '-se" e "en(ào". Colocado muito simplesmente, l:!Q!'!. bJp_9~s~e._é .quase se~Q~ l}m enunciª do_ de u2:1a rel~ão, _l!__natureza da relação sendo especificada até certo QOnto pe a estrutura se-então do enunciado. - -Conside;;mos hipóteses com duas variáveis apenas. Na pesquisa comportamental moderna, entretanto, é mais provável haver mais de duas variáveis. As hipóteses serão então: "Se p, então q, sob as condi­ções r e s". Se incentivo positivo (p), entãQ aprendizagem aumentada (q), dado sexo feminino (r) e classe média (s). Outra maneira de simbo­lizar esta hipót~s~ é: "Se p , e P2 e pa . então q"; "Se incentivo positivo (~ , ) e sexo :~mmmo (p2) e cl~sse média (pg), então aumento na apren­dtzagem (q) . Voltaremos mats tarde aos problemas multivariáveis, ou "multivariados". São muito importantes.

E.E!._~O hipóteses são enunciados conjeturais .de relacões e são estas conjeturas que são testadas na pesquisa. Vejamo-: ãgo~ -por que as hipóteses são importantes. - ·

O valor das hipóteses

As hipóteses são muito mais importadtes na pesquisa científica do que parece, quando se considera apenas o que são e como são cons­truídas. Elas têm o objetivo profundo e altamente significativo de tirar o ~ornem de si mesmo, por assim dizer . Isto é, sua formulação apro­pnada' e. seu uso ~apaci!am o homem a testar aspectos da realidade c,om um mtmmo de d_tstorçao causada por suas predileções. Elas sã_ uma parte da metodologia_da ciência associada ao critério de objetividade

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discutido no capítulo 1. Isto quer dizer que as hipóteses são uma fer­ramenta poderosa para o avanço do conhecimento porque, embora for­muladas pelo homem, podem ser testadas e mostradas como provavel­mente corretas ou incorretas à parte dos valores e crenças do homem. Naturalmente, os cientistas querem que suas idéias sobre a realidade concordem com a "realidade".

Um psicólogo social, por exemplo, pode acreditar que um método por ele criado de lidar com o preconceito, chamado método K, seja mais eficiente do que outros em diminuir. o preconceito. Ele acha que se K fosse usado sistematicamente em escolas de segundo grau e em univer­sidades, ajudaria a reduzir o preconceito contra as minorias onde quer que fosse usado. Ele está dizendo que o método K é mais eficiente do que outros métodos e mais eficiente do que não fazer nada. Se ele for testar sua crença cientificamente, ele terá que achar um meio de ficar de fora de sua crença, saindo para fora de si mesmo. As hipóteses aju­dam a fazer isto. O psicólogo social pode formular uma hipótese de que o método K, depois de uso suficiente, resultará em maior diminuição de preconceito do que, digamos, os métodos L e M (e talvez outros mé­todos ou nenhum método).

A hipótese agora é uma afirmativa "lá fora", independente do pes­quisador. Está "fora dele" no sentido de que, apesar de sua crença pessoal, predileções e inclinações - sua aversão pelo preconceito, por exemplo - pode ser testada fora de suas crenças, predileções e viéses. Embora esteja pessoalmente a favor do método K, sua crença de que o método K seja superior não pode afetar o teste da hipótese e o resultado. ~im, as hipóteses são meios espeeialmente potentes de preencher o~e­tivamente as lacunas entre uma crença pessoal e a re.ali.da.de empírica.

-são ferramentas para testar a realidade e podem ser mostradas como provavelmente corretas ou incorretas, independentemente do investigador.

As hipóteses têm outras virtudes. Uma delas é que podem ser, e freqüentemente são, deduzidas da teoria. Qualquer teoria de importância terá um número de implicações empíricas que podem ser deduzidas dela. Foi escrito um livro inteiro (Dollard, Doob, Miller, Mowrer & Sears, 1939) sobre as implicações da hipótese geral de que a frustração produz agressão. Na verdade, esta hipótese geral é bastante ampla para ser o enunciado básico de uma teoria, a teoria da agressão. Tem implicações empíricas. Por exemplo, se frustrarmos as crianças, elas agredirão outras crianças, adultos ou elas próprias. Dollard e seus colegas até salienta­ram que se podem deduzir im licaçõcs marxistas da hipótese geral: "Se o trabalhado o.r-ex.plmado (recclJenâo salários _ baixos, trabalhando horas extras e ~por diante) , ele ficará frustrado. Se continuar frus­trád_Õ_ or _um longG períedo, ele acabarª"' s_ç_ revoltando e destruindo seu frÜstrador, a burguesia". A questão é que qualquer teoria, se realmente

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for uma teoria, terá muitas implicações para serem testadas; ela gerará (com ajuda, naturalmente) muitas hipóteses testáveis. Sem dúvida é assim que as teorias são testadas.

Hipóteses e testabilidade

Esta linha de pensamento nos leva a outra idéia importante sobre hipóteses. Para serem cientificamente úteis, elas recisam ser testáveis, ou no mínimo conte · plica.ções r-àra t~~e. ma hipótese ~ão-testável não tem utilidade científica. Isto é, é preciso identificar clara e inteira­mente as variáveis de uma hipótese - ou é preciso deduzir suas impli­cações em forma de variáveis ~ e depois ter um meio operacional de manipular ou medir as variáveis para poder estudar as relações entre elas. A hipótese agressão-frustração é um bom exemplo: já demos duas ou três possibilidades de teste - e há muitas mais. A teoria do reforça­menta, muito da qual se concentra na recompensa ou reforçamento posi­tivo, gera muitas hipóteses em campos diferentes e com tipos diferentes de organismos. Um de tais exemplos foi dado ao discutir o estudo de Clark e Walberg no capítulo 1. Lembre-se de que foram testados os efeitos relativos do reforçamento maciço e do reforçamento regular na realização em leitura. Teorias de mudança de atitude, teorias de pro­cesso de grupo, teorias da aprendizagem e teorias de status ocupacional, todas geraram hipóteses testáveis.

Algumas teorias e enunciados teóricos, por outro lado, são não­testáveis - pelo menos com os meios de que ·dispomos hoje. Assim, elas se colocam além da abordagem científica. Um caso clássico é o de algu­mas teorias freudianas. Por exemplo, a teoria de Freud sobre a ansiedade é não-testavel, pelo menos como Freud a formulou, em parte porque inclui o constructo da repressão. Por repressão Freud quis dizer o ato de forçar idéias inaceitáveis no inconsciente. Deduções empíricas da teoria terão, naturalmer.te, que incluir o constructo de repressão, que está ligado ao construto de inconsciente. Embora seja possível enunciar rela­ções entre as variáveis da teoria de ansiedade, definir os constructos de repressão (no sentido pretendido por Freud) e inconsciente, com o fim de medi-los, é extremamente difícil, se não impossível.

Para usar um constructo no teste de uma hipótese, deve-se deduzir, pelo menos até certo ponto, as implicações empíricas ou o significado do constructo. Quando se faz isto, tem-se a chamada definição opera­cional, idéia explicada em detalhe mais .adiante neste capítulo. No caso do constructo de repressão, isto é difícil de fazer por que as manifesta­ções comportamentais de repressão são difíceis de compreender. O pró­prio Freud dá várias. Uma famosa é o " lapso de língua". Mas será que todo lapso de língua indica uma repressão? E como podemos medi-los,

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·I

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assumindo que indiquem repressão? Embora o assunto seja muito mais complexo, espero que um pouco da essência da dificuldade tenha sido transmitido.

As relações da teoria, então, não podem ser testadas satisfatoria­mente, pelo menos por enquanto, porque os constructos que entram nas relações, os p e q dos enunciados se p, então q, não podem ser levados ao nível de operação empírica. Isto não significa, como já se disse, que as idéias de Freud não sejam científicas. Tal enfoque é simplificado demais. Pode-se deduzir muitas hipóteses testáveis da teoria de Freud. E talvez até os conceitos freudianos mais difíceis finalmente se renderão à habilidade científica.

Exemplos de problemas e hipóteses

A díscussão até aqui foi quase toda sobre problemas e hipóteses. É aconselhável dar mais exemplos. Lembre-se, primeiro, de que proble- . mas são. perguntas a respeito de relações entre variáveis. O treino em uma fun.ção mental melhora a aprendizagem futura dessa função mental? (Gates & Taylor, 1925). Este problema é velho e conhecido. Se você treinar memorização, pode melhorar sua memória e sua futura memori­zacão? (A resposta parece ser desanimadora.) A obediência forçada incluz à mudança de crença? É um problema importante. Depois da Segunda Grande Guerra, os Aliados ocuparam o Japão. Os japoneses foram forçados - embora esta palavra fosse usada raramente - a obedecer às ordens aliadas. Esta obediência mudou as crenças japonesas? As autoridades, por exemplo, foram comandadas a dirigir seus negócios políticos e econômicos de maneira democrática. Eles se tornaram mais democráticos? (A resposta parece ser Sim.) Os soviéticos e os chineses, entre outros, há muito usam obediência forçada para mudar estruturas de crença. Funciona? (Novamente a resposta parece ser Sim.)

As mulheres difíceis são mais desejáveis para os homens do que as ansiosas por uma ligação? (Walster, Walster, Piliavin & Schmidt, 1973) . Este problema vem do folclore sobre as mulheres: as que são relativamente inacessíveis são mais desejáveis. As variáveis são inaces­sibilidade, "difíceis" e desejabilidade. O problema é muito interessante porque a pesquisa feita por W alster e seus colegas parece tocar um velho mito. Walster et al. começaram testando a hipótese de que os homens preferem mulheres difíceis. Eles até formularam uma elaborada e engenhosa justificativa teóriCa para explicar a relação. Mas quatro experimentos não conseguiram apoiar a hipótese. Numa declaração clás­sica, os autores disseram: "Abandonamos nossa hipótese? Céus, não! Afinal ela foi desconfirmada só quatro vezes" (Walster et al., 1973, p. 115). Daremos a resposta ao problema mais tarde.

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A semelhança de crenças influi mais em · aceitar os · outros que a semelhança de raça? (Rokeach & Mezei, 1966). Este problema tão controvertido, pergunta, com efeito, se a semelhança de crença é mais poderosa do que a semelhança (e diferença) de raça em influenciar as pessoas a aceitarem outras. Se um branco concorda com as crenças de um negro, ele irá aceitá-lo mais do que aceitaria um branco de cujas crenças ele discordasse? Se for conservador, por exemplo, ele aceitará os conservadores negros em geral mais do que aceitaria brancos liberais? São perguntas fascinantes, difíceis de responder. Temos aqui um pro­blema que é enunciado implicando termos quantitativos, já que vamos usar "mais". (Parece que a resposta é Sim, crença é mais importante do que raça, mas não em todas as circunstâncias.)

Já foi dito que muitos, talvez a maioria dos problemas da pesquisa comportamental, têm mais que uma variável independente. Aqui está um enunciado de problema com três variáveis independentes: Como a aptidão acadêmica, a realização no ginásio e o nível de aspiração influen­ciam a realização acadêmica? (Worell, 1959). Tais problemas com múl­tiplas variáveis estão mais próximos da realidade psicológica e social; eles refletem com mais nitidez as complexas estruturas causais dos fenô­menos, neste caso, a realização acadêmica.

Eis uma hipótese derivada do primeiro problema dado acima. "A prática em uma função mental não tem efeito sobre a futura aprendiza­gem desta função mental" (Gates & Taylor, 1925). Observe a estrutura se p, então q da hipótese: "Se prática numa função mental, então (não) futura aprendizagem da função mental". Observe também a forma nega­tiva da hipótese: "A prática (treino) não tem efeito". Isto é raro. A maioria das hipóteses especifica alguma direção do . efeito. (A hipótese foi corroborada.)

Uma hipótese mais convencional: "Indivíduos que têm papéis ocupacionais iguais ou semelhantes terão atitudes semelhantes em rela­ção a coisas significativamente relacionadas ao papel ocupacional". Isto significa, por exemplo, que os médicos manterão crenças e atitudes semelhantes em relação a assuntos médicos. Se a hipótese for apoiada pela evidência, concluímos que a maioria dos médicos pensa igual no que se refere a cuidados médicos.

Nossa hipótese final é uma hipótese que vem sendo cada vez mais testada na pesquisa comportamental contemporânea: "Pessoas anti-semi­tas deslocarão agressão para outros quando sua hostilidade estiver deflagrada" (Berkowitz, 1959). Aqui há duas variáveis- anti-semitismo e deflagração de hostilidade - que leva!!!-a.e--de-s1õeamento da agressão. A hipótese diz que o anti-semitismo 'produzirá;Y agressão deslocada apenas sob a circunstância de deflagração de-hü"Sfilidade: Isto é, a estru­tura do argumento é: Se p, então q, dado r; ou Se anti-semitismo, então

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Page 32: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

Figura 3.1

agressão deslocada, dado deflagração de hostilidade. O argumento é mos­trado na figura 3.1 (A). Na figura B está q argumento mais simples da hip~tese · imediatamente precedente sobre papel ocupacional e atitude. Vemos que em (B) o papel ocupacional influi diretamente sobre a atitu­de. Em (A), entretanto, o anti-semitismo produz agressão deslocada só quando a hostilidade é deflagrada. Isto é chamado uma interação, que significa que duas (ou mais) variáveis trabalham juntas; elas interagem para produzir um efeito. Veremos este fenômeno interessante com mais detalhes num capítulo mais à frente.

Variáveis

Uma das palavras-chave na literatura das ciências comportamentais é "variável". fá demos seu significado e muitos exemplos, mas agora é necessário sermos mais .sistemáticos e precisos em relação ao termo e sua definição. Esperamos que a precisão tenha a virtude de nos livrar de grande parte da ambigüidade que muitas vezes acompanha a palavra e seu uso.

Definição geral de variável

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que medimos a variável "nível de aspiração". Embora intuitiv:~e~te atraente, até instrutiva, esta definição não é realmente uma dehmçao. E também não é exata.

Uma variável é um símbolo ao qual são atribuídos algarismos. Exemplos de tais símbolos são A, x, M ou inteligência, nível de aspira­ção, ansiedade. A variável x pode assumir um conjunto dé valores numé­ricos, por exemplo, pontos obtidos em um teste de inteligência ou de leitura. A variável A pode assumir os valores a,, a2 e a.1, e assim por diante, que podem representar os valores numéricos obtidos por uma médida de atitude feita com uma escala de sete pontos. Podemos obter bs resultados de atitude de quatro indivíduos: a, = 6, a2 = 3, as = 5, a" = 4. A é uma variável. Se quisermos, podemos dar-lhe o nome de Atitude em relação às mulheres.

Esta definição de variável é simples e geral, embora um pouco afastada do senso comum. É geral porque abrange todos os casos conce­bíveis e tipos de variáveis. E, embora seja um tipo de definição que não pertence ao senso comum - pode parecer estranho até - não é nada complicada e é fácil de entender. Há símbolos que podem ser let.ras de alfabeto, palavras ou expressões curtas: X, Y, A, K, inteligência, atitudes em relacão às mulheres, ansiedade, classe social, nível de aspiração, retenção: preferência religiosa, renda e assim por diante. Logicamente, variáveis são propriedades que tomam valores diferentes. Algumas variá­veis podem ter muitos valores, até um número infinito (teoricamente; por outro lado, variável podem ter um mínimo de dois valores. 3 Inteli­gência, retenção, atitudes em relação às mulheres, podem ter vários valo­res. Sexo tem apenas dois valores, geralmente 1 e O, 1 sendo designado para um sexo e O para o outro. Morto-vivo, empregado-desempregado são também variáveis de dois valores ou dicotômicas. Classe social, geralmente, tem dois, três ou quatro valores. Preferência religiosa é um tanto diferente. Embora seja uma variável chamada nominal ou cate­górica (veja abaixo), os valores a ela atribuídos são invariavelmente 1 e O, mas por enquanto não vamos mostrar oomo isso é feito.

Antes de mudarmos de assunto, devemos observar que variáveis são também conceitos e constructos. Um conceito é, nãturaiinenté, um t-ermc- geral que êxpréssa a suposta idéia central por trás de objetos particulares relacionados. Quando os cientistas falam sobre os conceitos usados em seu trabalho, chamam-lhes freqüentemente " constructos". "Constructo" é um termo útil porque indica a natureza sintética das variáveis psicológicas e sociológicas. Expressa a idéia de que os cientistas

3 f; possível. oor definição, uma variável ter só um valor. Nestes caso é chamada constante. Lidamos. quase que exclusivamente com variáveis de dois ou mais valores.

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Page 33: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

freqüentemente usam termos de acordo com a necessidade e exigências de suas teorias e pesquisas. Inteligência, aptidão, ansiedade, Locus de controle, agressão, autoritarismo, classe social sexo e realizacão são todos constructos. Se a definição de "variávei" dada acima p~de ser satisfeita - isto é, se algarismos puderem ser atribuídos a objetos de acordo com regras - então. podemos chamar de variável um cons­tructo. O leitor encontrará freqüentemente estes termos na bibliogra­fia da psicologia e educação, mas eles nem sempre serão usados pre­cisamente. Entretanto, deve ser lembrado que há diferenças entre eles. Por exemplo, é bom saber que, embora seja teoricamente possível transformar a maioria dos constructos em variáveis, nem sempre é pra­ticamente possível fazê-lo. Um exemplo, a repressão de Freud, foi dado

, anteriormente.

Definições operacionais

Há dois tipos de definição: constitutiva e operacional. Uma defi­nição constitutiva define palavras com outras palavras: " peso" é a "qua­lidade de um objeto pesado"; "ansiedade" é "apreensão ou um vago medo". Definições constitutivas são definicões de dicionário e natural­mente, são usadas por todo mundo, inclusi~e pelos cientistas. E~tretanto, são insuficientes para propósitos científicos. Suponhamos que vamos definir inteligência como "acuidade mental", "a habilidade de pensar abstratamente", ou coisa parecida. Observe que estamos usando outros conceitos ou expressões conceituais em lugar de "inteligência". Natural­mente não se escapa à necessidade de usar tais definícões dentro e fora da ciência. Mas os cientistas têm que ir adiante. P;ecisam definir as variáveis que usam nas hipóteses de maneira tal que as hipóteses possam ser testadas. Fazem isto usando o que é conhecido como definicão operacional. •

As definições operacionais surgiram de um novo modo de pensar: em vez de pensar apenas constitutivamente, os cientistas também pensam operacionalmente. Uma definição operacional é uma ponte entre os conceitos e as observações. Este é um meio de pensar e operar radical­mente diferente, um meio que revolucionou a pesquisa comportamental, especialmente a pesquisa em psicologia e educação.

Uma definição operacional atribui significado a um corrstructo ou variável especificando as atividades ou "operações" necessárias para medi-lo ou manipulá-lo. Uma definição operacional, alternativamente, especifica as atividades do. pesquisador para medir ou manipular uma variável. É como um manual de instruções para o pesquisador: Diz, com efeito, "faça assim e assado, desta e daquela maneira". Um exemplo bem conhecido, embora extremo, é: Inteligência (ansiedade, realização e

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I 11 lm por diante) é o resultado no teste de inteligência X, ou inteligência

ue o teste de inteligência X mede. Esta definição nos diz o que l'lli': r para medir a inteligência. Diz ao pesquisador para usar o teste d • inteligência X. Realização pode ser definida citando um teste padro­ll lt.lldo de realização, um teste feito pelo professor, ou notas dadas pelos 1 I' fessores. Aqui temos três maneiras diferentes de definir operacional­li! nte o mesmo constructo. O leitor não deverá se preocupar com esta 111ultiplicidade de definições operacionais; faz parte de sua flexibilidade 1 r rça. Afinal, um constructo como realização tem várias facetas em < 111 mentos diferentes. Consideremos até o exemplo óbvio de diferentes -:; I' as de realização: leitura, aritmética, artes e assim por diante. ~

Vejamos um exemplo mais difícil. Suponhamos que queiramos ~ ~ d finir a variável " consideração". Pode ser definida operacionalmente -' III'I'Olando-se comportamentos de crianças que são presumivelmente com-i> rtamentos que expressam consideração, e fazendo os professores obser- " vurem e classificarem os comportamentos das crianças numa escala de •lnco pontos. Tais comportamentos podem ser: quando uma criança diz u outra: "com licença", "desculpe"; quando uma criança entrega um . ] brinquedo pedido a outra; ou quando uma criança ajuda outra errf uma tarefa. - "'

~

O tipo de definição discutido pode ser chamado uma definiçã:_,.. peracional medida. Ela mostra ao pesquisador como medir (e observar-­

mna variável. Lembre-se das variáveis de Miller e Swanson, classe cial e tempo de desmame. Há também definições operacionais experi­

mentais que mostram ao pesquisador como manipular uma variável. Por xemplo, o reforçamento pode ser definido ·operacionalmente dando os I talhes de como os indivíduos devem ser reforçados - como Clark

W alberg fizeram. No estudo sobre os efeitos dos diferentes incentivos bre o desempenho de alunos em aritmética, já mencionado, Hurlock

(I 25) elogiou algumas crianças, criticou outras e ignorou outras. A I'I'LLStração pode ser definida como um impedimento de alcançar uma meta, uma definição constitutiva com implicações claras para a manipu­ltção experimental. Isto foi muito bem realizado por Barker, Dembo e l,.cwin ( 1943), que definiram frustração operacionalmente descrevendo •J'Íanças em uma sala de jogos " com um número muito grande de brin­qu dos muito atraentes, mas inacessíveis." (Os brinquedos foram deixados utrás de uma tela de arame; as crianças podiam vê-los, mas não tocá-los.)

Como outras idéias apresentadas neste livro, a definição operacional uma invenção notável. Como ficou dito no início deste tópico, é uma

1 onte entre conceitos ou constructos e observações, comportamentos e ltividades reais. Para esclarecer, veja a figura 3.2. A figura mostra os

cl is níveis nos quais os cientistas operam: o nível dos constructos e hipóteses (I) e o nível da observação e manipulação (11). Os dois níveis

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(I)

Definição operacional

(11)------___.1_ _____ _

Observações

figura 3.2

são ligados por uma definição operacional. Quando o pesquisador em psicologia diz: "Frustração produz agressão", ele opera no nível I; para testar a hipótese, ele tem que trabalhar no nível li: deve realmente manipular (ou observar, ou medir) a frustração e medir a agressão. Para trabalhar no nível II, ele deve primeiro conseguir um meio de lá chegar. O meio é a definição operacional, que faz a ponte do nível constructo­hipótese para o nível da observação. O pesquisador então vai e volta entre os dois níveis. As opiniões sobre os cientistas, como pessoas que fiam teorias confusas divorciadas do mundo real (nível I), ou que apenas manipulam as coisas, fazem observações e medem as coisas (nível 11), são ambas igualmente estereotipadas e divergentes da realidade científica. Virtualmente todos os cientistas operam em ambos os níveis.

Os dois exemplos seguintes de definições operacionais podem ajudar a solidificar as idéias apresentadas. Em pesquisas sobre educação secun­dária e superior, a "realização'', muitas vezes, é definida operacional­mente como média de notas, ou MN. Holzman e Brown (1968), num estudo dos prováveis efeitos dos hábitos e atitudes de estudo na reali­zação de alunos do segundo grau, definiu da seguinte maneira: "O critério da realização escolar, média de notas ... era · obtido geralmente atribuindo pesos de 4, 3, 2, 1 e O aos conceitos A, B, C, D e F, respecti­vamente". Em outras palavras, os números foram atribuídos às notas dos professores. Esta é uma definição operacional de realização: dava um "significado" concreto e específico ao construeto "realização". Observem, entretanto, que há outros meios de definir realização opera­cionalmente. Um deles seria pedir aos professores que fizessem uma classificação da realização geral de seus alunos, atribuindo um número de um conjunto de números (ou letras por categorias) a cada aluno. As

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I d11 1 definições operacionais. entretanto, podem dar resultados dife­' nl · . Se ambas forem "boas" definições operacionais, devem estar em lll'l'f i to acordo.

· m um interessante estudo mencionado anteriormente, Walster e a11 1l1' ' (1973) definiram uma de suas principais variáveis com muita hul llidade. Tentaram, em sua pesquisa, encontrar a resposta para uma 11111 gn pergunta: "As 'mulheres difíceis' são mais atraentes para os luull ns do que as mulheres não tão difíceis?" Sujeitos do sexo masculino 1 ·r bcram cinco pastas contendo informações sobre uma mulher. Três drl 1s continham "formulários para a seleção de candidatos", contendo 11' p ssíveis reações da mulher a cinco homens seus prováveis candidatos. h ns reações eram anotadas como marcas feitas pela mulher numa escala pu1·tindo de "escolhido com toda certeza". Ou seja, cada "mulher" li t. r , presumivelmente, cinco marcas em cinco pastas, e estas marcas h1dicavam-na como "fácil" ou "difícil". Por exemplo, a que marcasse l'lll todas as escalas "escolhido com toda certeza" era uma mulher " f cil". Se, por outro lado, ela não se entusiasmasse com nenhum dos ·nnclidatos, era "difícil". A categoria mais interessante e decisiva foi a IIIUiher "seletivamente difícil": ela não desejava nenhum dos outros homens além de você (uma das pastas referia-se ao sujeito). Este proce­dimento, então, era a definição operacional de " dificuldade" da mulher, uma definição muito habilidosa.

Nos exemplos acima, observe que a definição operacional mostra \' 0111 bastante detalhe o que o pesquisador deve fazer para medir as vuriáveis. Holtzman e Brown especificamente relataram como a média de notas seria calculada, e Walster e outros detalharam o procedimento p 1ra obter medidas de " dificuldade". Igualmente, em situações experi-111 •ntais, as definições operacionais especificam o que os experimenta­dores devem fazer para manipular uma ou mais variáveis independentes. 1\lus cião as operações envolvidas.

Nada, entretanto, ficou dito sobre a qualidade das definições opera­d nais. Como as definições constitutivas, elas podem ser boas ou más, h m ou mal concebidas. Tem havido críticas às definições operacionais ( · à filosofia do operacionalismo que as inspirou), que erraram comple­tumente. o a_lvo. Foi dito, por exemplo, que nenhuma definição opera­·1 na! Jamais pode expressar o significado completo e a riqueza de conceitos como agressão, repressão, ansiedade, autoritarismo, aprendi­zngcm, realização e assim por diante. Exatamente. Jamais poderá. Mas uuontece o mesmo com as definições constitutivas! Definições operacio­na~s . são , de~inições limita?as freqüentemente muito limitadas, cujo objetivo e ajudar o pesquisador a chegar a aspectos da "realidade" c mportamental. Há sempre o perigo de fracionar de tal modo um conceito que este passe a ter pequena relevância para o seu "verdadeiro"

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significado. Isto não implica, contudo,. que seja imposs.íve~ .inv~ntar e usar definicões operacionais que aprox1mem aspectos s1gmflcat1vos da "realidade'; conceitual. Difícil , mas não impossível. Sem dúvida, o sucesso científico em inventar e usar definições tão limitadas tem sido gratificante. A medida que avançarmo~ ~U: nosso est~do .veremo.s exe~­plos cada vez mais marcantes de def1mçoes operacwnms e o 1r e v1r entre os dois níveis de operação da ciência.

: /

50

4. Relações e explicações

Suponhamos que eu seja um cientista social interessado em proble.:-S mas de grupos minoritários. Venho estudando em minha pesquisa várias ~ relações, com o intuito de me aprofundar na compreensão dos proble-.... mas de grupos minoritários e dos problemas de preconceito e discrimi-"5 ; nação. Uma dessas relações é a que existe entre a discriminação contra.( r­

grupos minoritários e a tendência à violência dos grupos minoritários.: Acredito, por exemplo, que quanto mais o grupo for discriminado, mais ' seus membros apelarão para a violência. Coletei dados sobre oito grupos~ e posso classificá-los em duas variáveis: discriminação e violência. Espe~ cialistas classificaram os oito grupos conforme os graus de discriminaçãO: - ' usados contra eles, 1 significando a maior discriminação e 8 o mínimõi ~ de discriminação. Obtive também estatísticas do total de violência q~~ c:;

caracterizou os oito grupos nos últimos cinco anos. (Não vamos nós; preocupar agora de como isso foi feito.) A partir dessas estatísticas; classifiquei os oito grupos de alto a baixo em violência, 1 significandõ' alta violência e 8 baixa.

Os dois conjuntos obtidos estão na figura 4.1 A figura expressa uma "relação". Faz isto porque mostra dois conjuntos de números que foram sistematicamente emparelhados: o primeiro grupo minoú tário, o que foi mais fortemente discriminado e que portanto recebeu o posto 1, t•ecebeu um posto 2 em violência. O segundo grupo, o segundo mais fortemente discriminado (posto 2) teve o terceiro (3) lugar em violência c assim por diante com os grupos restantes. Em resumo, os dois con­juntos de postos colocados em relação entre si, como na figura 4.1, expressam uma relação.

Pode parecer um pouco estranho chamar os dois conjuntos de números uma "relação". Mas não é. Aliás, é muito preciso e claro, como veremos. Todas as relações podem ser expressas de algum ieito, embora nem sempre seja preciso usar números. O caso é que os dois conjuntos de números, considerados conjuntamente como na figura 4.1 , são uma relação. Mais adiante veremos que as relações têm direção e magnitude. No caso presente, a direção é positiva: os dois conjuntos de números " vão juntos" um com o outro : os postos baixos em discriminação ten­dem a emparelhar-se com postos baixos em violência e postos altos com 1 ostos altos. A magnitude da relação será discutida mais adiante neste capítulo.

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1 2

2 3

3

4 5

5 6

6 8

7 4

8 7

/ Discriminação Violência

Figura 4.1

No capítulo 2 dissemos que "relação" provavelmente seja o termo mais fundamental em ciência. Isto acontece porque a compreensão e explicação de um fenômeno é a meta básica da ciência e os fenômenos podem ser compreendidos somente através de suas relações com outros fenômenos. Não existe isso de "conhecer" uma coisa perfeitamente em e por si mesma. Não podemos contemplar e estudar, digamos, a delin­qüência por si mesma. Podemos compreendê-la e explicá-la somente após estudar o que está relacionado a ela, quais as variáveis sociológicas e psicológicas que nela influem. Só então poderemos ter uma pista de como e por que ocorre a violência.

Mas o que é uma relação? Quando se fala sobre relações acredita-se que o interlocutor saiba do que se está falando: que uma coisa esta relacionada a outra coisa. Mas isto é muitíssimo vago; realmente nãG nos diz nada do que sejam relações. Até a definição do dicionário é insatisfatória. Uma tal definição poderia ser: "Uma relação é um elo, uma ligação entre pessoas ou coisas; é uma associação lógica, natural ou sintética entre fenômenos". Infelizmente isto não ajuda muito. Apesar de a definição nos dar uma idéia do que seja uma relação, ela continua muito vaga para a ciência; Felizmente é fácil definir relações sem ambigüidade e com precisão, contanto que tenhamos um background elementar na teoria dos conjuntos. Faremos, então, una breve digressão para examinar conjuntos.

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onjuntos

Um conjunto é uma coleção bem definida de objetos ou elementos (Kemeny, Snell & Thompson, 1966, p. 58). "Bem definida" quer dizer que deve ser possível dizer se determinado objeto, numa coleção de

bjetos sob discussão, pertence ou não pertence ao conjunto. Termos orno "grupo", "classe", "bando" e "família" indicam conjuntos.

Há duas maneiras de definir um conjur.co. Primeiro, podemos fazer uma lista de todos os membros do · conjunto. Daí é fácil dizer se deter­minado objeto pertence ·ao conjunto. Por exemplo, suponhamos que temos uma lis::a dos nomes dos países membros das Nações Unidas. Para determinar se um país é membro do conjunto Nações Unidas, implesmente corremos a lista de todos os países membros. A própria

lista é a definição do conjunto. E: muito precisa e exata, mas nem sempre é útil em pesquisa. Listas · de membros de conjuntos freqüente­mente são longas demais para serem práticas - os moradores de Madri, por exemplo -, não estão disponíveis ou são difíceis de con­seguir ou, mesmo se se conseguir, podem ter mudado depois que correr­mos toda a list.a.

O segundo meio e mais útil de definir conjuntos é dar uma regra que nos diga se determinado objeto ou iiidivíduo pertence ou não á

determinado conjunto. Muitas das chamadas "definições por regra" são fáceis. Ao definir a variável preferência política, por exemplo, a regra pode ser esta: registrado no Partido Republicano oU no Partido Demo-

rata. Outra regra simples, embora mais falível: -pergunte a determinado indivíduo se ele é republicano ou democrata. As "regras" para a maioria das variáveis da ciência comportamental são, entretanto, mais complexas.

m grande parte, talvez na maioria das pesquisas comportamentais, são usadas definições por regra para definir os conjuntos de objetos -pessoas, pombos, números, palavras - em estudo.

Relações

Na figura 4.2 damos dois conjuntos que foram encerrados em for­mas ovais para indicar que são conjuntos. O primeiro, chamado A, é um conjunto de cinco crianças, três meninos e duas meninas. Vamos admitir que as crianças foram escolhidas de alguma forma sistemática para fins de pesquisa. Vamos supor, por exemplo, que sejam uma amos­tra de crianças de sexta série da escola K de Amsterdã, Holanda. 6 cgundo conjunto, chamado X, é um conjunto de cinco resultados em

um teste de inteligência, obtidos pela testagem de cinco crianças. As linhas ligando os nomes aos pontos indicam simplesmente que, com base

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Page 37: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

Marie ---'1----------131

Jacob 127

Annie --+------+-­Pieter .;__+-----4---

Jan-~----~~

A X

Figura 4.2

no teste, Marie recebeu 131, Jacob 127 e assim por diante. Temos, então, dois conjuntos, uni de cinco nomes representando as cinco crianças e um de cinco números representando os pontos feitos pelas crianças em um teste de inteligência.

Talvez possamos tornar o exemplo um pouco mais interessante. Estude a figura 4.3. O conjunto dos cinco resultados no teste de inteli­gência, X, está à esquerda. O conjunto da direita, S (de "sexo"), tem dois membros, M e F, significando masculino e feminino. Os membros dos dois conjuntos, X e S, estão ligados por linhas, assim: se um resul­tado em X é de um menino, trace uma linha até M; se o resultado for de uma menina, trace uma linha até F. Desta forma mostramos a relação entre os resultados e as letras M e F, ou, mais geralmente, uma relação entre inteligência e sexo. Púdemos acreditar que as meninas (nesta amostra, ou talvez em Amsterdã) são mais inteligentes que os meninos. Para testar isto podemos calcular a média de pontos dos meninos e meninas e compará-las. As médias são 125 para as meninas e 110 para os meninos. Podemos concluir que as meninas são mais inteligentes do que os meninos, sem dúvida uma conclusão arriscada! A questão agora não é a adequação da conclusão mas o uso de conjuntos para estudar uma relação.

Esta discussão bastante óbvia de conjuntos pode ser estendida a números maiores de casos e variáveis mais complexas. Não importa quantos casos e quão complexas as variáveis, os princípios básicos e as regras são as mesmas. Mais objetivamente, definimos uma relação, uma

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t'Olnção entre inteligência e sexo. Como? Ligamos simplesmente os m mbros de um conjunto, X, aos membros de outro, S, usando a r gra simples para traçar as linhas, dada acima. Agora damos uma ú finição abstrata de "relação" que é completamente geral e que se uplica a todos os casos.

Uma relação é um conjunto de pares ordenados. Um par ordenado o dois objetos de qualquer espécie em que há uma ordem fixa para

os objetos aparecerem ou para serem colocados. Na figura .4.2, Marie, l31 é um par ordenado. O conjunto de pares ordenados são os dois onjuntos na figura 4.2, colocados juntos, os nomes em primeiro lugar

os pontos em segundo: i (Marie, 131), (Jacob, 127), (Annie, 119), (Pieter, 108), (Jan, 95) ~· Em outras palavras, "ordenado" significa tomar os membros de um dos conjuntos, primeiro, e os membros do utro, depois. O conjunto de pares mencionado é uma relação. Pode

nilo ser interessante, importante ou mesmo significativo, mas é uma r lação.

Na figura 4.3 também foi dada uma relação, embora um pouco mais difícil de se ver. Se apresentarmos a relação de outra forma, como na figura 4.4, é mais fácil ver. De novo temos um conjunto de pares rdenados: i (131, F), (127,M), (119, F), (108, M), (95, M) ~- Esta é,

por definição uma relação. Neste caso, entretanto, é um pouco mais lgnificativa: o conjunto de pares ordenados expressa uma relação entre

os pontos do teste de inteligência e o sexo dos participantes, ou, mais lmplesmente, entre inteligência e sexo.

X s

1•/gura 4.3

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Page 38: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

131-..._ ____ __,~- F

-4---~----~--M

-4------+__..:...-F

--+-----1--M __,~-------~-M

X s

Figura 4.4

A definição de relação como conjunto de pares ordenados é com­pletamente geral, bastante precisa e muitíssimo útil. Com ela eliminamos a ambigüidade das definições de dicionário. Observem que a definição não diz absolutamente nada sobre o interesse, importância ou valor de uma relação. Diz apenas o que é uma relação. E isto é o bastante, porque sabemos que .se a ciência é em grande medida um estudo das relações, então, é em grande medida um estudo de con.iuntos de pares ordenados. Além do mais, permite-nos estudar e entender a substância, direção e magnitude das rel~ções. Antes de mergulharmos nessas idéias, vejamos uma relação onipresente, o casamento.

Se o casamento é uma relação, então é um conjunto de pares orde­nados. Esta maneira de encarar o casamento pode ser um pouco curiosa, mas é útil na pesquisa. Tome todos os maridos e mulheres de uma comunidade em pares, com os maridos (ou as mulheres) colocados sem­pre primeiro em cada par. Isto é visto na figura 4.5, onde os maridos, H1, Hz, .. . , Hn são dados no conjunto chamado H, e as mulheres M,, Mz, ... , Mn são dadas no conjunto chamado M. 1 Os pares orde-nados, com H sempre em primeiro lugar, são unidos por linhas, forman­do um novo conjunto de pares, indicado pela linha interrompida dese­nhada à volta de ambos os conjuntos e denominada C; esta é, por definição, uma relação. Podemos chamá-la "casamento".

I O~ símbolos H•, H: e Hn e M•, M· e Mn significam marido t, marido 2 e mando n e mulher 1, mulher 2 e mulher n; n é o último marido e a última mulher. Os algarismos neste simbolismo são chamados subscritos· eles definem simplesmente o número de um indivíduo ou um par em um conj~nto.

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Figura 4.5

Relações na pesquisa comportamental

A definição de relações como conjuntos de pares ordenados é sim­ples e poderosa conceitualmente, mas um pouco árida para o leigo. Podemos agora considerar o que pode ser mais interessante: o uso das r· !ações na pesquisa científica comportamental. Antes, porém, precisa­mos saber que há aspectos da ciência e da pesquisa nos quais as relações parecem não ser estudadas. Por exemplo, boa parte da pesquisa I m função taxionômica e descritiva. Um estudo . pode tentar apenas descobrir as características de determinada população ou amostra: a ncidência relativa de nascimentos, mortes, suicídios, casamentos e

11 im por diante, em São Francisco. Pouca ou ne11huma tentativa se furá para relacionar as variáveis entre si. Tal trabalho é legítimo e muitas vezes importante.

Igualmente, os pesquisadores freqüentemente agrupam observações l características de pessoas e coisas, em categorias. Isto é taxionomia,

ou o trabalho de classificar coisas em agrupamentos sintéticos ou natu­l'lli . Grande parte do trabalho psicológico, por exemplo, foi dirigido puta classificar indivíduos em categorias: introvertidos e extrovertidos; dominadores e submissos; independentes e dependentes. Embora impor­lnntc e essencial, o trabalho taxionômico e descritivo, estritamente fui ndo, é suplementar no estudo de relações. Em todo caso, a maior purte da discussão deste livro considerará a ciência como preocupada mn o estudo das relações. Vamos abordar tal estudo um pouco mais de

1 r't , examinando primeiro a direção e a magnitude das relações.

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A direção e a magnitude das relações

Vamos supor, novamente, que eu esteja estudando discriminação e violência e que durant(( um determinado estudo, obtive os dois con­juntos de postos dados ria· figura 4.1. Vamos supor também que estou testando a hipótese de que a discriminação contra minorias está associada à violência. A hipótese pode ser expressa quantitativamente: Quanto maior a discriminação contra grupos minoritários, maior a violência dos grupos minoritários. (Supomos que discriminação e violência estejam adequadamente definidas e medidas.) Perguntamos: "Os dados da figura 4.1 apóiam a hipótese?" Para responder precisamos saber a direção e a magnitude da relação expressa pelos dois conjuntos de postos.

A direção é determinada facilmente. Simplesmente examinamos os-...____ postos para ver se eles varecem "caminhar juntos" e como eles seguem juntos. Os postos no conjunto da esquerda (Discriminação) variam de 1 a 8 em perfeita ordem. Os postos da direita (Violência) não seguem esta ordem perfeita. Será que, no entanto, eles em geral seguem a ordem dos postos à esquerda? Isto é, os postos altos em Discriminação são acompanhados, em geral, por postos altos em Violência, o mesmo ocor­rendo para os postos baixos? Se for assim, então a direcão da relacão é positiva. Neste caso, a resposta é sim: postos altos de D,iscriminaçã~ em geral são acompanhados por postos altos de Violência, e postos baixos de Discriminação são acompanhados por postos baixos de Violência. A relação é positiva.

Mas qual é a magnitude da relação? Sabemos que a relação é positiva, mas não conhecemos a extensão do acordo que há entre os pares de postos, Há diversos meios para avaliar a magnitude das relações e vamos examinar três ou quatro deles, apesar de desejarmos evitar complexidade técnica em nossa busca de clareza conceitual. Primeiro, fazemos um gráfico das relações da figura 4.1. O gráfico é dado na figura 4.6. O eixo horizontal é geralmente chamado X e o vertical, Y. X é a variável independente, Y a variável dependente, ou X = Discri­minação e Y = Violência. Os oito postos foram indicados em cada eixo e os oito pares de postos assinalados como indicado: (1,2), (2,3), . . . , (8,7). Por exemplo, o valor 1 de Discriminação na figura 4.1 está referido ao X ou o eixo de Discriminação da figura 4.6, e o valor 2 de Violência é referido ao Y ou eixo de Violência da figura. Coloca-se uma cruz na junção dos dois valores e marca-se ( 1 ,2). Os outros valores da figura 4.1 são igualmente representados. Foi traçada uma linha através dos pontos representados, de sorte a ficar o mais próxima pos­sível de todos eles simultaneamente. Esta linha expressa a relação da mesma forma que os pontos. Chama-se "linha de regressão", embora possamos chamá-la uma "linha de relação". Voltaremos a estas utilís-

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(6, 8) X

X/ (8, 7)

(7, 4) X

11 3

> 2 X

(1, 2) X (3, 1)

6 7 8

= Discriminação

fllgura 4.6

imas linhas mais tarde, quando veremos como elas expressam relações ·Iara e sucintamente.

Os pontos representados e a linha de regressão indicam que a hipótese é apoiada por estes "dados"? A resposta é sim - indicam. Os pontos representados indicam que grandes valores de X, Discriminação,

o acompanhados por grandes valores de Y, Violência, valores médios de X por valores médios_ de Y e valores baixos de X por valores baixos de Y. O enunciado "Se discriminação, então violência" parece estar · rreto. Especificamente, os grupos minoritários que sofreram a maior llscriminação foram os mais violentos, e os grupos minoritários que

I' ceberam menos discriminação foram os menos violentos. A relação 111 o é perfeita - há exceções, por exemplo (3,1) e (7,4) no gráfico -mas em geral se mantém.

Mas ainda não discutimos diretamente a magnitude da relação. I l semos que os valores altos de Y "acompanham" os valores altos d X e valores menores de Y "acompanham" valores menores de X. N tturalmente, este é um enunciado de magnitude, mas desejamos ser 1110is precisos. Queremos saber até que ponto a relação é " forte" ou " ft·aca". Se a direção da linha de regressão for da esquerda inferior pnra a direita superior no gráfico e todos os pontos se encontrarem pre-1 umente sobre a linha, a relação é "perfeita" e positiva. Tais relacões

1 l'feitas quase rmnca acontecem na pesquisa comportamental. As v~zes tod s os pontos · te!_)resentados ·se aproximam da linha. Quando isso

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Page 40: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

acontece, a relação é "forte". Quando não, quando se encontram dis­persos relativamente longe da linha, a relação é " fraca" ou até se aproxima de zero. (No último caso, a própria linha seria horizontal, ou quase. Explicaremos isto mais adiante.)

Há meios ainda mais precisos de expressar a direção e magnitude . das relações. Um meio muito usado é através da correlação e do chama~o coeficiente de correlação. "Correlação" significa exatamente o que d1z a palavra: a co-relação entre dois conjuntos de valores ou a variação conjunta dos valores de X e Y, como já foi explicado. " Coeficiente de cor~elação", um termo muito usado na pesquisa, é uma medida da inter­dependência, da variação conjunta, do aumento ou decréscimo simultâ­neo de dois conjuntos de valores numéricos. Por sua grande importância na pesquisa, estudemos as idéias de relação, correlação, direção e magni-tude mais profundamente. "'---

Embora do ponto de vista definicional seja correto dizer que uma relação é um conjunto de pares ordenados, tal definição apenas esclarece a idéia de uma relação. Não ajuda os cientistas a tirarem conclusões a partir dos dados. Eles desejam saber a direção e a magnitude das rela­ções, como já ficou dito. A direção de uma relação é ela ser positiva ou negativa (ou mais complexa). Se os dois conjuntos de medidas de um conjunto de pares ordenados variam juntos - os pesquisadores dizem "cavariam"- na mesma direção, a relação é positiva. Se variam simul­taneamente (juntas) na direção oposta, a relação é negativa.

Na tabela 4.1 são apresentados três conjuntos de pares ordenados. No conjunto A, os valores de X e Y têm a mesma ordem de postos. 2

Tabela 4.1 Três Conjuntos de pares ordenados mostrando diferentes direções de relações.

(A) (B) (C)

X y X y X y

2 8 4

2 4 2 6 2 8

3 5 3 5 3 5

4 6 4 4 4 2

5 8 5 2 5 6

2 Os valores da tabela 4.1 não são postos. Entretanto, podem ser facilmente convertidos em postos; por exemplo, os postos dos valores de Y em A são 5, 4, 3, 2, 1.

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Por outro lado, no conjunto B a ordem de postos dos dois conjuntos de valores é oposta, isto é, os valores altos de X são acompanhados por valores baixos de Y [por exemplo (5,2), (4,4) ] , e os valores baixos de X são acompanhados por valores altos de Y [por exemplo (1 ,8), (2,6)]. Os pares de conjuntos de pares ordenados mostrados em C não têm direção discernível; os dois não mostram tendência sistemática a variar de uma ou outra forma . O conjunto foi incluído na tabela para ilustrar o caso de "nenhuma relação", ou, mais precisamente, relação zero, e para contrastá-lo com os conjuntos A e B.

A magnitude de uma relação é a extensão na qual dois conjuntos de medidas variam simultaneamente (cavariam) positiva ou negativa­mente. No conjunto A da tabela 4.1 , a magnitude da relação é alta porque as ordens de postos de X e Y são idênticas. Igualmente alta é a relação de B porque as ordens de grau são completamente opostas. Entretanto, os dois conjuntos de números variam juntos: os números mais baixos de Y acompanham os números mais altos de X, e os núme­ros mais altos de Y acompanham os números mais baixo~ de X. No conjunto C, entretanto, não se percebe variação sistemática simultânea dos dois conjuntos de números. É como se os números do segundo con­junto fossem incluídos ao acaso (e foram). Em tais casos, costuma-se dizer que " não há relação" entre os conjuntos. É óbvio qt1e esta é uma maneira meio inexata de falar, porque qualquer conjunto de pares ordenados é uma relação. Entretanto, na linguagem corrente da pesquisa, os pares ordenados do conjunto C seriam mencionados como não mos­trando relação alguma. A expressão correta ~ "relação zero" .

Será possível ser mais preciso sobre as magnitudes das relações dos conjuntos de medidas da tabela 4.1? Felizmente sim. Uma medida muito útil da magnitude das relações é o coeficiente de correlação, que já foi mencionado e explicado ligeiramente há pouco. É simples­mente um índice, em forma decimal, que indica a direção e a magnitude da covariação de dois conjuntos de valores. 3

Tais índices variam de - 1 ,00, passando por 0,00, até + 1 ,00. + 1,00 indica uma relação positiva perfeita, - os dois conjuntos de

3 !ndice é um número usado para caracterizar um conjunto de números e geral­mente é calculado com uma fórmula, a partir de dois ou mais números diferentes. A média, ou média aritmética, é um índice que indica a tendência central de um ·onjunto de números. A amplitude, o número mais alto menos o número mais baixo, é um índice. QI (quociente de inteligência) é um índice : idade mental (calculada por teste) dividida pela idade cronológica. O coeficiente de correlação 6 um índice muito complexo que expressa com precisão o "caminhar junto" de dois conjuntos de pontos. É uma estatística muito usada em razão de sua força descritiva e porque conjuntos de coeficientes de correlação podem, por sua vez, er analisados com ô uso de métodos poderosos.

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pontos têm exatamente a mesma ordem de postos, por exemplo, como em A da tabela 4.1 - e - 1,00 indica uma relação negativa perfeita, como em B da tabela. O (zero) , naturalmente, indica "nenhuma relação", ou "relação zero". Todas as frações decimais entre - 1,00 e + 1,00 são possíveis: -0,78; - 0,51; -0,08; 0,12; 0,42; 0,83; e assim por diante. Muitos coeficientes ou índices de relações como estes são usados nas ciências comportamentais, mas neste livro estamos preocupados prin­cipalmente com a compreensão e interpretação de tais índices e não com seu cálculo. 4

Gráficos de relações

Na figura 4.6 fizemos um gráfico da relação entre os postos da figura 4.1. Para uma compreensão intuitiva mais profunda das relaçõe~ quantitativas, vamos fazer gráficos das três relações da tabela 4.1. Isto será mostrado na figura 4 .7. Os valores de X serão indicados pelo eixo X e os valores de Y pelo eixo Y. Os pares - (1,2), (2,4), (5 ,8), e assim por diante, serão indicados por cruzes: a cruz para o par (4,6) em A, por exemplo, está colocada no ponto de interseção entre 4 uni­dades em X e 6 unidades em Y. Está situado dentro de um círculo. Linhas foram traçadas através dos pontos para que possam correr o mais próximo possível de todos eles. Ao discutir a figura 4.6 dissemos que tais linhas são chamadas linhas de regressão, que são traçadas de sorte a ficarem o mais próximas possível de todos os pontos represen­tados e que elas expressam a relação entre os valores de X e os de Y. Observe que as linhas traçadas em A e B se aproximam muito de todos os pontos. A linha traçada em C, entretanto, não pode se aproximar de todos os pontos. O melhor que se pode fazer é, sem dúvida, traçar uma linha quase horizontal próxima da média (média aritmética) dos pontos Y.

Talvez a interpretação mais importante das três situações seja a que se segue. Em A, a relação positiva alta significa que, à medida que os valores de X aumentam, aumentam os valores de Y. A relação alta negativa de B, por outro lado, significa que, à medida que os valores de X aumentam, os de Y diminuem. Não é possível fazer tal afirmação sistemática em C: não se pode prever a magnitude dos valo­res de Y a partir da magnitude dos valores de X. Em ciências avançadas como a física - e às vezes em psicologia e educação - pode-se fazer afirmativas. mais precisas de magnitude; por exemplo, quando X

4 O leitor interessado poderá consultar um livro de estatística elementar à procura de instruções de como calcular tais índices. Ver, por exemplo, Edwards (1973).

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v y y

9 9 9

6 ; ·

8 X 8

7 ;· 7 \ 6 6

'\ 5 5 5 ·----4 X 4 4

3 I 3 3

2 X 2 X 2

X _L_L....LX X 1 2 3 4 5 6 7 1 2 3 4 5 6 7 1 2 3 4 5 6 7

(A) Relação alta positiva (B) Relação alta negativa (C) Relação alta neutra

Fígura 4.7

aumenta uma unidade, Y aumenta duas unidades, ou quando X aumenta uma unidade, Y diminui meia unidade.

Talvez possamos ajudar o leitor se vestirmos estas relações nuas e stes gráficos com a roupagem das variáveis. Em A d~ figura 4.7, sup~­

nhamos que X seja escolaridade ou anos de escolandade, e Y rendt­mentos. A relação de A, então, significaria que, à medida que a educa­ção aumenta, aumentam os rendimentos. Isto é assim, mas ~- re.lação não é tão alta quanto o gráfico indica. Usando as mesmas vanave1s em D teremos uma relação improvável que a evidência da pesquisa não apóia: à medida que aumenta a escolaridade, diminuem os rendimentos. Em C não é possível nenhuma previsão sistemática dos rendimentos a partir da escolaridade. Conhecer a escolaridade não nos capacita a dizer ttte os rendimentos aumentam ou diminuem sistematicamente. Mas con­lderemos um exemplo mais interessante.

Um exemplo de direção e magnitude de uma relação

Suponhamos que um pesquisador desconfie que o preconceito ntra grupos minoritários seja em parte resultado do autoritarismo. 5

Jl i descoberto, digamos, que algumas pessoas têm um tipo de persona­lidade denominada autoritária. Algumas características dos autoritários

agressividade, tendência a serem punitivos, convencionalidade, sub­mi são sem crítica à autoridade e líderes e hostilidade generalizada em r• !ação a grupos diferentes dos seus. O pesquisador raciocina, na base

li ta é uma hipótese famosa para a qual há considerável evidência (Adorno, l1 11kei-Brunswick, Levinson & Sanford, 1950).

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Page 42: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

de uma teoria do preconceito, que essas características se combinam para produzir o preconceito contra membros de grupo!> minoritários.

O pesquisador tem vários meios de descobrir até onde está correto. Suponhamos que ele construa uma escala para medir a extensão em que os indivíduos possuam as características dadas acima. Chamemos isto Escala A. Ele usa também outra escala, a escala AS, que pesquisas anteriores mostraram medir o anti-semitismo, ou o preconceito contra os judeus. Ele está estudando, então, um aspecto da relação entre autori­tarismo e anti-semitismo. Ele poderia, naturalmente, ter medido as ati­tudes dos sujeitos em relação a negros, estrangeiros, índios e outros grupos minoritários. Entre as várias pessoas que responderam às duas escalas, suponhamos que foram selecionadas 10 para representar todo o grupo e que os dez pares de pontos sejam os da tabela 4.2. (Dez conjuntos de pares ordenados dificilmente bastariam para avaliar uma relação com fid~dignidade. Geralmente os cientistas comporta~.entais usam muitos mais. Entretanto, o princípio é o mesmo, quer se usem 10 ou 10.000 conjuntos de pares.)

O pesquisador quer saber a direção e a magnitude de sua relação: seu sinal, positivo ou negativo, e até onde os dois conjuntos de valores cavariam. Primeiro, os dois conjuntos de valores, com os de autoritaris­mo sempre em primeiro lugar e os de anti-semitismo em segundo, são um conjunto de pares ordenados e, portanto, uma relação. É fácil ver a direção da relação: é positiva porque há uma tendência marcante dos valores altos de A serem acompanhados por valores altos de As -por exemplo, (6,2; 5,7), (5,9; 5,3)- e igualmente para valores A e AS baixos - por exemplo, (3,5; 4,0), (3,9; 3,5).

Não é tão fácil avaliar a magnitude da relação, isto é, até onde é pronunciada a tendência de os valores de A e AS "caminharem juntos": alta com alta, média com média e baixa com baixa. O exame de con­juntos de pares ordenados parece indicar que a covariação dos pontos, seu "caminhar juntos", é pronunciada. Para ver isto mais claramente, os postos dos v;1lores, postos de 1 a 10, com 1 indicando o valor mai1; alto e 10 o mais baixo, estão indicados na tabela 4.2 ao lado dos pontos de A e AS (entre parênteses). Observe que em geral os postos vão juntos: os postos baixos de A combinam com os postos baixos de AS, acontecendo o mesmo com os postos médios e altos. Resumindo, a relação entre autoritarismo e anti-semitismo, nesta amostra, é positiva e "substancial". É "substancial" até onde? É possível e aconselhável calcular os índices da magnitude das relações. Tais índices são chamados coeficientes de correlação, como já ficou sabido. 6

6 Para o leitor curioso, o coeficiente de correlação dos pontos A e AS da tabela 4.2 é 0,7, que indica que a relação é substancial.

64

Tabela 4 2 Dez valores fictícios de autoritarismo e anti-semitismo tleci~nados dt: um grande grupo de tais valores, com a ordem de postos dos va ores ·

Autoritarismo (A)

6,2 (1) 5,9 (2) 5,7 (3) 5,1 (4) 4,8 (5) 4,5 (6) 4,2 (7) 4,1 (8) 3,9 (9) 3,5 (10)

· Anti-Semitismo (AS)

5,7 (2) 5,3 (3) 4,7 (5) 5,8 (1)

4,4 (7) 4,5 (6) 3,9 (9) 4,8 (4) 3,5 (10)

4,0 (8)

a Os números entre parênteses são os postos dos valores, com 1 sendo alto e 10 baixo.

Exemplos de diferentes tipos de relações

A descrição e discussão dos estudos de Clark e Walberg, _Miller '..: Swanson, no primeiro capítulo, e a descrição acima das relaçoes entre anti-semitismo e autoritarismo já devem ter-nos dado um pouco do gosto da pesquisa psicológica e educacion.al c?nt:~porânea ~ da natu­reza das relacões. Agora precisamos ser mais espectflcos. ~ara I.sso vamo.s delinear rapidamente uma relação hipotética entre inteltgência e re~h­zação escolar e depois estudar três tipos diferentes ou formas de relaçao, usando outra vez exemplos hipotéticos.

Inteligência e realização escolar: um exemplo hipotético

Quando há uma relação entre dois fenômenos, duas variáveis, e~~s varia~ juntos. Coloquemos assim: " Se há uma relação entre duas vana­veis, quando uma delas muda, a. out;a tamb~m ~~da'_'· Supon~1am~s que tenhamos um meio de medir, digamos, mtehgencia. e reahzaçao escolar e que observemos os valores de ambas as medtdas em u~a amostra de crianças. Na medida em que os valores de uma delas vana ou "vai junto com" os valores da outra, nesta medida, as d~as ~e relacionam. Na medida em que os valores observados d~ re~h:aç~o escolar mudam quando mudam os valores obs~rvados de mtehge~ci~, nesta medida, as duas estão relacionadas. A Isto se chama vanaçao concomitante.

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5 X

L

"' o 4 {.) C/) Q)

o 3

'"' (.lo

"' 2 N

ro Q)

a:

2 3 4 5 Inteligência

Fie,!Jra 4.8

Estude o gráfico da figura 4.8, que mostra uma relação hipotéti~a entre inteligência e realização escolar. Alguns pares de valores foram incluídos no gráfico. O primeiro par de valores (na extrema esquerda) é (1 ,2), isto é, o número de pontos de inteligência da criança é 1 e sua realização é 2. Os pontos da criança seguinte são (2,2). O par de pontos da última criança é (5,4). O princípio é: "Assim como os pontos de inteligência variam, também variam os pontos de realização" . Os dois conjuntos de pontos em geral variam juntos - neste caso aumentam juntos. Foi traçada uma linha entre os pontos marcados de sorte a ficar o mais próxima possível de todos eles. Indica a direção da relação: positiva porque pontos baixos de inteligência são acompanhados por pontos baixos de realização, enquanto pontos altos de inteligência vêm acompanhados de pontos altos de realização.

Exemplos hipotéticos de relações com direções e magnitudes diferentes

Suponhamos que um -professor tenha os pontos (sob a forma de Ois) do teste de inteligência e os pontos do teste de realização de sete alunos e queira saber alguma coisa sobre a relação entre os dois conjun­tos de pontos. Os pontos são os do quadro da página seguinte. O pro­fessor marca os pontos em um gráfico, como na figura 4.9. Ele quer saber a direção e a magnitude aproximada da relação.

É óbvio que a: relação é positiva. Em geral, Ois altos tendem a ser acompanhados por pontos mais altos de r~:alização, e Ois mais baixos por pontos mais baixos em realização. A magnitude da relação é mais difícil de entender pelo gráfico. Mas podemos observar que é substan­cial. Se a realização fosse tão alta quanto possível, os pequenos círculos estariam todos em linha reta partindo da esquerda inferior para a direita superior. Quanto mais se afastam da linha reta, mais baixa a relação.

66

Realização

145 51 125 57 118 60 110 48 100 54 97 35 90 32

mbora os sete círculos não se tenham colocado na linha reta que passa mais próximo possível de todos os círculos simultaneamente - a linha

traçada no gráfico - eles se mantêm bastante perto dela. (Lembre-se de que esta linha se chama linha de regressão.) Outro meio de ter algt~ma idéia da magnitude da relação é . comparar os postos dos dois conjuntos de pontos, como já fizemos. Isto fica para o leitor como um exercício.

Agora suponhamos que tomamos tima relação com direção negativa o consideravelmente menor em magnitude. Tal relação é mostrada no gráfico da figura 4.10. Suponhamos que ela mostre a relação entre a afluência de um bairro e a delinqüência. Novamente temos sete pontos. Desta vez, entretanto, estão mais espalhados; estão mais distantes da linha traçada, o mais próxima possível de todos os pontos. Além disso, a direção da linha, que agora corre da esquerda superior par~ a direita inferior do gráfico, é diferente. Indica que a relação é negativa: à

o

30

25.L_ __ L_ __ L_ __ L_ __ L_ __ L_ __ L_~

80 1 00 11 o 1 20 130 140 150 Inteligência (OI)

I/ ura 4.9

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medida que o bairro se torna mais afluente, há menos delinqüência. Mas agora a relação é muito mais fraca do que era na figura 4.9 , onde os pares de pontos estavam mais perto da linha de regressão . Observe que quatro dos pontos (os pequenos círculos) estão bem distantes da linha. Em suma, a relação é negativa e não é muito forte.

6

5 o

m o 'õ c:

<Q)

'5- 3 c:

(i) o o

o

2 3 4 5 6 7

Afluência Figura 4.10

o o o

00 o O o o o

o o o o o

o o o o 8 o

o o o o o o o

o O:> o o o o o

o o o o b o o

o o

o o o o

o o o o o o o

o o o o o o

s o o o o o o

o o o o o O o

o o o §o

o o o

o 10 20 30 40 50 60 .

Figura 4.11

68

Muitas variáveis, naturalmente, não têm nenhuma relação entre si, n nuo ser por acaso: sua relação é zero ou próxima de zero. Isto quer dizer que o conhecimento de uma variável não contribui para o conhe­·lmcnto de outra variável. Não se pode dizer, por exemplo, que enquanto uma variável aumenta a outra variável aumenta ou diminui. Tal situa­~~ é mostrada na figura 4.11, onde 100 pares de números entre O e 100 f ram marcados. Os números foram obtidos de duas colunas de números t' Juiprováveis de um ou dois algarismos, numa tabela maior de tais n(tmeros (Kerlinger, 1973, pp. 715 e 717, duas últimas colunas de números de dois algarismos). 7 Casualidade e números aleatórios, um Importante desenvolvimento técnico e científico moderno, serão expli­<' dos no capítulo S. f: suficiente dizer, por enquanto, que números alea-1 rios são como o resultado do jogo de dados ou de moedas: não há ordem dedutível ou previsível de espécie alguma nos números. Não se p de predizer - já que ambos os conjuntos de números são casuais -nenhum número a partir de outro. Se aparecer um 90 em uma coluna, pilo se pode dizer que é provável que um número alto o acompanhe na

Lltra coluna, o mesmo para números baixos e médios. Em linguagem comum, os números dos pares estão todos misturados: todas as combi­nações possíveis podem ocorrer, mas não se pode prever um número n partir de outro.

Compare a figura 4.11 com as figuras 4.9 e 4.10. Nas duas últimas houve um "caminhar junto" sistemático dos números, embora tenha havido consideravelmente menos "caminhar junto" na figura 4.10 do que na 4.9. Mas pode-se ver que os círculos da figura 4.11 estão por lodo o gráfico e, mais importante, não há ordem discernível ou "caminhar junto". Este é um estado de relação zero.

Ainda temos muito o que dizer sobre relações neste livro. Elas são recheio e o núcleo da ciência . Compreender que o objetivo maior da

·iência é a explicação e que a explicação vem principalmente do estudo das relações é compreender a base da ciência. Agora vamos tentar umarrar as idéias de explicação e relações e, já que estamos no assunto, fnlar da importante idéia de teoria.

Explicação científica, teoria e relações

Embora relações, teoria e a explicação fossem discutidas no pri­meiro capítulo, sua importância exige exame mais profundo. A ciência stá constantemente preocupada em explicar as coisas. "Explicar" uma • isa significa dizer o que é esta coisa. Mas é virtualmente impossível.

1 · stes números foram criados por um programa especial em um computador ,f grande porte.

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• ..

pelo menos neste mundo, dizer-se diretamente o q~e uma coisa é. T,aT?aís poderemos chegar à ",e~sência" tot~} d~ alguma cmsa (em?ora os n;1shco~ nos digam o contrano). Em c1encm queremos exphcar fenomeno~ naturais. Por exemplo, queremos explicar "preconceito", o qll:e quer dizer que vamos dizer como nasce, por que nasce, como cammha, o que o afeta, o que ele afeta e assim por diante.

Explicar alguma coisa, pelo menos satisfatoriamente, c~rtamen~e é uma das tarefas mais difíceis que podemos empreender. Ma1s que tsto, é literalmente impossível explicar tudo sobre algum fenô~eno, ou sobre conjuntos de fenômenos. E explicar tudo sobre precon~elto, por exem­plo, simplesmente não é possível, prin~ipalmente ~e A qu~sermos, ~ue boa parte de nossa explanação venha apmada em ev1denc1~ emp1,nca. Em outras palavras, a "verdade" absoluta é para sempre tm~osstvel. Mas

· aproximações razoáveis a explicações de fenômenos naturais podem s~ dadas de maneira científica satisfatória.

O único meió então, de explicar alguma coisa, é determinar de que maneira esta c~isa se relaciona com outras coisas. ~ssim a exp~ica­cão do preconceito significa descobrir como o preconceito se relacwna ~om outros fenômenos naturais. Se estivéssemos interessados apenas no c:le~P.nvolvimento do preconceito em crianças •. A ter!amos" que saber pe~? menos em que idade as crianças tomam cons~tenc1a de outro~ Agr~pos A relação seria entre a idade e conhecimento ou consc1enc1a de outros grupos.

Já disserr.os que a ciência lida apenas co~ fenômenos na!urais e explicações "naturais" de tais fenômenos. Exphcar o preconcetto,. po.r exemplo, dizer que ele faz parte da natureza hur::ana, que tod~ o mdt­víduo é "naturalmente" preconceituoso em relaçao a grupos diferentes do seu, não é uma explicação no sentido científico por~ue us~ un: termo "natureza humana", que é tão vago que se torna macess1vel a

' " 1 "? Como observacão científica. Onde encontramos natureza 1Un:ana · podemo~ medi-la? Ou pode-se dizer: "De~s fe: g:upos d1ferentes_ e as diferencas levam à hostilidade". Isto tambem nao e uma explanaça? no sentido' científico. invocar Deus como a causa das diferenças, retlra a afirmativa do âmbito da preocupação científica. Mais ainda, pode-se retorquir que Deus fez todos os h~men~ iguais. Dizer que diferenças levam à hostilidade, embora uma af1rmat1va melhor porque pelo menos implica a possibilidade de observação, ainda é vago demats para a obser­vação científica. Todas as diferenças de grupos? .Algum~s ~penas? Q~e espécie? Que espécie de hostilidade? Sob que cucunstanc1as? E ass1m por diante.

Naturalmente há muitas "explicações" para o comportamento ~u­mano e para fenômenos. "Doença é castigo pelo peca~o"; ':~s de~resso~.s econômicas são devidas aos judeus"; " Os pretos sao mus1cos matos ·

70

Tais "explicações" são cientificamente sem valor porque não podem H r submetidas a investigações científica e a testes. Sem dúvida, uma

I' ande contribuição da ciência é sua rejeição de "explicações" que real­mente nada explicam. A explicação pode referir-se apenas a fenômenos uaturais, e "fenômenos naturais" significam ocorrências no mundo bservável. Qualquer fenômeno, para ser um fenômeno natural, precisa r observável, potenCialmente mensurável ou manipulável. Não é neces­rio ser visto diretamente. Mas precisa haver alguma evidência de suas·<

manifestações no mundo empírico. "Preconceito", neste sentido, implica -~ ·m certo tipo de comportamento.

Como, então, a ciência explica o preconceito - ou qualquer outro ' f nômeno natural? Repetindo, pode ser explicado apenas pelas suas rela- -) .M ...

ções com outros fenômenos. Necessariamente tais explicações são sempre _J lt 1 tu·ciais e incompletas. Foi descoberto, por exemplo, que o autoritarismo

tá positivamente ligado ao preconceito (Adorno e outros, 1950): 1~ ssoas muito autoritárias tendem também a ser preconceituosas contra judeus, negros e estrangeiros. Descobriu-se também que se a maioria das ·. pessoas de determinado grupo de indivíduos tem crenças estereotipadas .~ ·"" (crenças relativamente fixas e rígidas) sobre membros de outro grupo, elas : "3 ntão tenderão a ter atitudes negativas em relação aos membros do.c ~ utro grupo. Ficou dito também - e provado por evidência (Dollard e:_) utros, 1939) - que a frustração leva à agressão, que muitas pessoas

são social e economicamente frustradas e dirigem a hostilidade resultante 1 ra outros grupos. Temos aqui, então, fenômenos relacionados com o pt'econceito: autoritarismo, estereotipia e frustração. Assim, temos uma

plicação parcial de preconceito.

Preconceito é um conceito ou constructo bastante difícil. Vamos mar um fenômeno ou variável igualmente complexp, mas talvez mais

f tcilmente ilustrável, realização, e sintetizar uma explicação. Fazemos I to usando um exemplo de uma explanação teórica semelhante àquela d 1da quase no fim do capítulo 1. A importância das idéias justifica 1 exemplo adicional. Suponhamos que queremos saber por que certos ulunos não se saem bem na escola. Já sabemos que inteligência é uma vnriável explanatória: crianças abaixo de um certo nível de inteligência tt•ndem a não se sair bem na escola. 8 Mas muitas dessas crianças se

11 m bem - e muitas crianças de nível superior de inteligência não saem bem. Apenas inteligência, então, é uma explicação parcial.

nb -se também que crianças de classes sociais mais baixas não se saem I bem na escola, comparadas às crianças de classe média. Há muito se

• mo a natureza de nossa tarefa neste livro é esclarecer a ciência e a pesquisa 1 h ntffica, não tentaremos discutir os aspectos controvertidos de conceitos como lnt llgêncía. Acreditamos, quando usamos uma variável como inteligência, que jiiiMi ll ser medida validamente. Naturalmente, podemos estar errados.

71

Page 46: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

pensa também, embora sem apoio muito forte de ,evidência~ ,que .a mo­tivação - desejar ou não desejar sair-se bem - e uma vanavel Impor­tante que influencia a realização escolar.

Agora vamos colocar uma "explicação" de realização escolar com as três variáveis que acabamos de mencionar. Tenha em mente que este exemplo é muito simplificado. A realização escolar é um fenômeno com­plexo, cuja explicação ainda confu~de cie?. ti~tas e educa.do~s. Es~a~os dando uma explicação apenas parctal e lumtada com fim pedagogtco. Em todo caso, a "explicação" está representada 1_1a figura ~.12. As seta: indicam as relações ou influência. Uma seta de lmha contmua e uma so ponta indica "influência"; uma seta de linha interrompi~a e.?uas ~on.ta,~ indica uma influência mútua, ou simplesmente uma relacao. ( Influencia geralmente implica um efeito numa só direção; "relação" implica que a influência pode ser numa direção ou noutra, ou em ambas.)

A explanação assim representada indica que inteli?ência e ~o~iva­ção influenciam diretamente na realização escolar. As cn~nças ma1s m~e­ligentes tendem a fazer melhor o trabalho e~colar, ~ as cnança~ que estao mais interessadas no trabalho escolar e ma1s desejosas de faze-lo, fazem um trabalho melhor. Inteligência e classe social e inteligência e motivação influenciam-se mutuamente. Crianças de classe média, por exemplo, têm em média pontos mais altos em testes de inteligência, .e as. cri~n~as. mais altamente motiváveis são, em média, crianças de ma10r mtehgencw. A motivação é influenciada diretamente pela classe social. Crianças das classes trabalhadoras não se interessam tanto pelo trabalho escolar como as de classe média, talvez porque o ambiente menos . afluente ,não ~on­duza à aceitação entusiástica do aprendizado e do estudo. (Alem dtsso,

Inteligência

Figura 4.12

72

o escola norte-americana é uma instituição de· classe média.) A classe ocial não exerce efeito direto sobre a realização escolar, então, influen­

cia a realização apenas indiretamente, através da inteligência e da moti­vação.

O objetivo deste exemplo não é sua adequação ou validade. Antes, objetivo é mostrar como é uma explicação comportamental científica

de um fenômeno e como as relações são o recheio de tal explicação. O fenômeno da realização escolar é "explicado" pela relação entre, de um lado, inteligência, motivação e classe social, e, de outro, realização escolar - e também pelas relações entre inteligência, motivação e classe ocial.

Todo o conjunto de variáveis e as relações especificadas entre elas podem ser chamadas uma "teoria". Naturalmente, esta deveria ser chamada uma "pequena teoria", ou o embrião de uma teoria, porque um fenômeno tão complexo quanto realização escolar dificilmente pode­ria ser explicado por três variáveis. Entretanto, a maioria das teorias científicas consiste em tais relações sistemáticas entre variáveis. Uma teoria, então, é um conjunto de constructos inter-relacionados (variáveis), definições e proposições que apresentam uma visão sistemática de um problema especificando relações entre variáveis, com a finalidade de explicar fenômenos naturais.

Esta discussão sobre "explicação" em· ciência foi necessária para tirar o mistério da explicação e da teoria científicas. Toda explicação, naturalmente, usa relações. A diferença entre explicações científicas e explicações não-científicas de fenômenos, entr~tanto, é profunda. :É inse­parável das palavras "sistemática", "controlada" e "empírica." A dife­tença deve ficar mais clara à medida que continuarmos discutindo.

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Page 47: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

5. Probabilidade e estatística

Vivemos num mundo probabilístico. Num mundo onde quase nada é absolutamente certo. Muita coisa é relativamente certa, claro. É quase certo que choverá em Nova Iorque ou Amsterdã durante os próximos 30 dias. É quase certo que algumas pessoas farão ainor amanhã na Califór­nia! Mas nunca se garante certeza absoluta. Há limites nas certezas: algumas coisas são virtualmente certas, como as que menciona111os. Entre­tanto, outras estão longe disso. Falamos probabilisticamente o tempo todo, embora freqüentemente vivamos como se os acontecimentos da vida fossem infalíveis. Os cientistas, entretanto, não apenas falam probabilisticamente; eles vivem probabilisticamente em seu mundo de pesquisas.

Uma das principais diferenças entre os vários ramos da ciência é o grau de certeza dos acontecimentos e relações. Nas ciências naturais, por exemplo, o grau de certeza é muito alto. Um físico pode expor uma lei física e pôr alta confianca no comportamento de corpos físicos e em acontecimentos. Aliás, muiÍas relações em física são chamadas "leis", em parte pelo alto grau de certez::~ a elas associado. Entretanto, sempre há margem para erro, embora a literatura popular e o próprio homem pareçam confiar plenamente nas leis físicas e no comportamento de objetos e acontecimentos.

Os acontecimentos e relacões das ciências comportamentais são muito menos certos. Um químic~ diz que, se certa quantidade do produto químico A for juntada a certa quantidade do produto químico B, ~~verá uma explosão. A afirmativa e probabilística, embora sua probabdtdade de estar correta (na maioria dos casos) seja muito alta. Os psicólogos, por outro lado, podem dizer que se as cria?ças ~orem frustradas :Ia~ mostrarão agressão, mas a probabilidade da aftrmatlva estar correta nao e tão alta assim. Quando um cientista político diz : "Quem é conservador vota nos republicanos.", a afirmativa é empiricamente válida porque ~s pessoas com tendências conservadoras quase sempre votai? nos republt­canos. Mas a afirmativa tem probabilidades bastante batxas em casos partiCulares. Em média, os cientistas políticos pro~avelme~te est~jai? corretos. Mas se tentarem predizer quantos votos tera determmado mdt­víduo, freqüentemente errarão.

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A despeito das diferenças de graus de certeza: é importante com­JI' ender que todas as ciências são probabilísticas. O pensamento do d ntista em todos os campos é fundamentalmente o mesmo. Entretanto, t cientistas discordam radicalmente nos níveis de probalidade que comu­m nte se associam aos fenômenos e relações com que trabalham. Se (Ulsermos compreender ciências como a psicologia e a sociologia, é

t Hnbém importante termos capacidade de pensar e viver em paz com as 1flrmativas probabilísticas. Precisamos entender perfeitamente que cada

11 serção, cada afirmativa de relação vem acompanhada de uma "etique­ta" probabilística. Sempre que dizemos "Se p, então q", o que dizemos é 11Se p, então provavelmente q". O que acontece na vida se repete na ·lência: a certeza é um mito, para sempre fora do nosso alcance.

A estatística é uma filha da probabilidade. Em parte é um instru­mento que mostra aos cientistas em que medida o resultado de suas 1 esquisas é seguro, e, assim, quanto suas asserções são dignas de con­fiança. O principal resultado de Clark e Walberg, a diferença média de I' alização em leitura entre os grupos experimental e de controle, provou

ue sua hipótese sobre o efeito do reforço maciço no aproveitamento m leitura de crianças carantes negras foi "empiricamente válido".

("Empiricamente válido" significa que a evidência da pesquisa apóia uma asserção sobre uma relação.) A única maneira, pelo menos que conhecemos hoje, pela qual poderiam avaliar a validade empírica da afirmativa foi usar o raciocínio estatístico e probabilístico e métodos statísticos de avaliação. O que significa isto?

Quando obtemos o resultado de uma pesquisa, queremos saber se podemos confiar nele. Se repetirmos o experimento várias vezes, obtere­mos os mesmos resultados a cada repetição? Se a resposta for sim, os t·esultados são confiáveis. A diferença entre a média de pontos de leitura dos grupos de Clark e Walberg é confiável? Podemos acreditar que se Clark e W alberg tivessem feito o mesmo experimento ou experimento cmelhante três, quatro ou mais vezes, eles teriam conseguido os mesmos u resultados semelhantes: as mesmas ou diferencas semelhantes entre a

tnédia de pontos de leitura do grupo experimental ~ do grupo de controle? Um teste estatístico de seus resultados pode responder a esta pergunta. Umbora a finalidade deste livro não permita entrar nos detalhes de tais testes estatísticos, precisamos ter uma compreensão geral de como estatís­tica e probabilidade "funcionam", como usam as idéias de acaso e casua­lidade para ajudarem os cientistas a chegarem a conclusões sobre os resultados de suas pesquisas.

Probabilidade e estatística são temas interessantes, intrigantes e até fascinantes. Apesar das concepções errôneas associadas à sua natureza e uso, ambas estão próximas da realidade porque se assemelham à natureza

modelo de nossas vidas e penetram a essência de nosso pensamento e

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Page 48: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

comportamento. Tomemos como exemplo uma tomada de decisão. Constantemente tomamos decisões sobre o que fazemos. Os resultados, naturalmente, nunca são certos. Somos, então, calculadores quase esta­tísticos e probabilíticos - embora muita gente pudesse se irritar com a idéia de que suas vidas e decisões têm natureza estatística. Afinal, a estatística trabalha com números e minha vida não se baseia em números! Mas nossas vidas são baseadas em números, explícita ou implicitamente. Sempre há probabilidades numéricas a~sociadas a~s r~sultados de nos~~s atos e decisões, embora raramente smbamos qua1s sao essas probablli• dades.

Eis um paradoxo. A estatística e a probabilidade lidam essencial­mente com incertezas; na pesquisa, entretanto, elas nos ajudam a ter mais certeza dos resultados que obtemos! Isto não significa que podemos ter certeza dos próprios resultados, dos resultados em si, mas que pode­mos atribuir graus de certeza aos resultados com bastante precisão. Se fiz uma experiência com um grupo experimental e um grupo de controle, por exemplo, e obtive a diferença entre os dois grupos na direção pre­vista, posso garantir que esta diferença seja suficientemente grande para justificar minha confiança de que é uma "diferença verdadeira"? Poderei dizer algo como: "A probabilidade de que a diferença de média de pontos dos dois grupos não é fortuita, não é devida ao acaso, é alta. Há apenas uma possibilidade em cem de que a diferença seja devida ao acaso". Embora probabilística, é uma afirmativa forte .

Probabilidade

Probabilidade e acaso são dois poderosos conceitos inventados para ajudar-nos a esclarecer a ordem e a confusão do mundo. São também conceitos frustradores porque não sabemos ao certo do que estamos falando quando os discutimos. Isto soa estranho. Parece verdade, entre­tanto, que as idéias aparentemente mais simples transformam-se em complexas e confusas depois de cuidadoso exame. Probabilidade e acaso são dois bons exemplos. Ambas são difíceis de definir. Felizmente, em nosso caso, não há muito problema. Sabe-se muito bem como funcionam os procedimentos de casualização e probabilidade - e um pouco deste saber servirá nosso objetivo.

Probabilidade: uma definição

Embora definida no capítulo 2, precisamos agora expandir e elucidar , aquela discussão. A probabilidade (p) de um evento é o número de casos "favoráveis" do evento dividido pelo número total de casos (igualmente

76

p ssíveis). ("Favorável" significa favorável a um acontecimento cuja probabilidade estamos avaliando.) Isto é expresso pela equação:

número de casos favoráveis p (evento)

número total de casos possíveis

Esta é uma definição teórica ou a priori, como é chamada. 1

Jogue uma moeda uma vez. A probabilidade de dar cara é 1/ 2, pois há duas possibilidades: / C, c/. Agora jogue duas vezes. Qual é a proba­bilidade de duas caras? Precisamos tomar cuidado. Há quatro possibili­dades. Da primeira vez pode dar cara ou coroa. Da segunda, cara ou coroa. O número total de possíveis resultados é 4: [ (C1, C2), (Ct, c2) (c1, C2), (Ct, c2) ] , onde C1 = cara na primeira jogada, c2 = coroa na egunda jogada e assim por diante. O denominador da fração de proba­

bilidade é 4. Já que há apenas uma possibilidade de duas caras, (C1, C2), probabilidade de duas caras em duas jogadas é de 1/4.

Vamos mudar um pouco e ampliar o problema. Qual é a probabili­dade de saírem três caras em três jogadas? As possibilidade são dadas na árvore da figura 5 . 1. As possibilidades de duas jogadas no problema acima são dadas nos primeiros dois estágios da árvore, a "Primeira Jogada" e a "Segunda Jogada". As probabilidades dos resultados estão ossinaladas também: são todas de 1/2. A terceira Jogada simplesmente acrescenta possibilidades. Para listar todos os rêsultados possíveis das três j gadas, procure-os nas ramificações do gráfico: f(Ct, C2, C3), (Ct, C2, ca), . .. , (c1, c2, ca)]. Há oito desses resultados,

assim o denominador da fração de probabilidade é 8. Portanto, a proba­bilidade de três caras em três jogadas é de 1/ 8, já que há apenas um · so de três caras: (C1, C2, Ca) .

As probabilidades de outros eventos - qualquer resultado definido chamado um evento - podem ser determinadas com facilidade. O

d •nominador é sempre 8. Qual é a probabilidade de duas caras e uma c roa? A probabilidade é de 3/8, porque há três desses eventos no n'ifico. (Conte-os. Eles estão marcados na figura 5. 1.) Pode-se também •nlcular a probabilidade de qualquer evento multiplicando as probabili-

utra conhecida definição é chamada a posteriori, ou definição de freqüência. rll'ma que, numa série -de tentativas, a probabilidade é a razão entre o número

d vezes que um acontecimento ocorre e o total do número de tentativas. Aqui fazem alguns testes, contando o número de vezes que determinado aconteci­

lU nto ocorre, calculando depois a razão. O resultado do cálculo é a probabili­dud áo acontecimento. Usamos as duas definições, mas principalmente as de tlrl a priori.

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dades ao longo de qualquer uma das ramificações do gráfico. Por exemplo, a probabilidade de três caras é: 1/2. 1/2. 1/2 ==----l_/8. A proba­bilidade d'e C1, c2, cs, é 1/2 . 1/2. 1/2 = 1/8. Neste exemplo, a proba­bilidade é a mesma em cada ramificação porque a probabilidade de C ou c é sempre 1/2. Em muitos problemas, entretanto, haverá probabilidades diferentes e o cálculo não é tão simples assim. No próximo exemplo que estudarmos as probabilidades não serão de 1/2.

O principal problema em cálculos de probabilidade é determinar o número total de possibilidades, depois de cuidadosa conceituação do pro­blema. Mas por que trabalhar com um problema tão trivial quanto este jogo de moeda? Nós o escolhemos porque o raciocínio e o método são semelhantes na maioria dos problemas de probabilidade. Naturalmente entram outras complexidades nos problemas reais. Por exemplo, con­cluímos que no jogo da moeda as probabilidades de cara e coroa são iguais. Nos problemas reais isto pode não acontecer. Além disso, há invariavelmente muito mais possibilidades. Entretanto, as mesmas idéias permeiam a maioria dos problemas de probabilidade.

Tomemos um exemplo mais realista. Suponhamos que temos uma amostra de 100 eleitores, 60 democratas e 40 republicanos. Se pusermos

Terceira jogada

Segunda C jogada 112 __...- ' c,__..

Primeira ------ "--112 jog~1/2 --c,J

/

c, ____ __ c, v'

1/2---- 1/2 1/2 c ---

/ ,..___1/2--c,

Início · - ""-.. --c,.;

""' --1/2 112 _...--c,.............._ ~ -----1/2 1/2........._c c,----

1/2----- 1/2--c, c---2---1/2 ........._c,

Figura 5.1

78

11 11 mes dos eleitores (em pedaços de papel) numa urna, misturá-los I 111 c tirarmos um, qual é a probabilidade de sair um republicano? · d' 40/100 = 0,40. (Costuma-se expressar probabilidades em forma

dt •I mal.) Isto é óbvio e não é preciso nenhuma elaboração. Mas suponha­llllll que vamos precisar de 30 pessoas para uma pesquisa. Quantos d 111 cratas e quantos republicanos vamos ter se tirarmos 30 pedaços dt J)apel da urna? Devemos ter 60/100 x 30 = 18 democratas e ~0/ I 00 x 30 = 12 republicanos. Teremos exatamente estes números? ~ l'lllV velmente não. Mas teremos números aproximados deles se mistu- i: 1111 111 s bem os pedaços de papel depois de cada vez que tirarmos. -, I lt v' ser algo assim: (18, 12), (19, 11), (20, 10), (17, 13), (16, 14), e por ~ ur vnl. Estas são as possibilidades mais prováveis. Se tirássemos 10 demo- < 1 1111ns e 20 republicanos, ou 1 democrata e 29 republicanos, ficaríamos .4.

1111tllo surpresos. A primeira combinação é improvável, a segunda alta- ) 11\!:Jlle improvável.

--::::

-· r•a o ·' ....._:: .;:: (.._.

Precisamos fazer um desvio na discussão para apresentar uma idéia~ h lca subjacente à moderna estatística e ao pensamento estatístico: oS ltl' 1 o, Infelizmente não parece possível definir acaso sem ambigüidade. t 11110 definição de dicionário- aleatório, acidental, sem rumo ou direção

não nos ajuda muito. Sem dúvida os cientistas são muito sistemáticos 1111 r·el11cão à casualidade: escolhem cuidadosamente amostras ao acaso 1 1 l onej~m procedimentos casuais em experimentos.

'uponhamos que um ser onisciente possua um enorme livro enci­l lupédico. Cada acontecimento e cada detalhe de cada acontecimento -d11 pnssado, de amanhã, depois de amanhã e assim por diante - são 1 11 ludosamente anotados no livro. Não há nada desconhecido. Natural­"' nto não há acaso, porque se alguém sabe tudo não pode haver casuali­dml '· E possível adotar a . posição de que nada acontece ao acaso, de qu para cada acontecimento há uma causa. O único motivo de se usar n p11lavra "acaso" é que os seres humanos não sabem o suficiente. Sob

11 nspecto, casualidade é ignorância, claro.

Pegando uma deixa deste argumento, podemos definir o acaso de 1111111 maneira um tanto desajeitada: eventos são casuais se não podemos Jlll v r seus resultados. Pot· exemplo, não se conhece um jeito de ganhar 1111 J go de moedas. Se não existe sistema para o jogo que garanta ganhar-1111 u perdermos, então, o resultado do jogo é casual. Colocado mais lt11 tn lmente, casualidade significa que não há lei conhecida, capaz de ser

1 1' 'Sa na linguagem, que descreva corretamente ou possa predizer os Vl'lll s e seus resultados (Kemeny, 1959, pp. 68-75).

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Page 50: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

Um conjunto de 100 números, de O a 9, é dado na tabela 5. 1 em conjuntos de dez cada. Estes ~úmeros foram t!r~dos ~e um enol'flle con­junto de tais números aleatónos. (Esqueça a ultima lmha da tabela por enquanto.) Estude os números. Você terá dificuldade de encontrar qual­quer forma de regularidade ou sistema ~eles. Não .~! ~úmeros pares ou ímpares sucessivamente r~cor~entes;. ~a~ há sequenc1as reguia:~s de números. Eles são, com efeito, Imprev1Slveis. (Se alguém levar suÍlclente­mente longe a busca, sempre acabará encontrando alguma coisa).

Resumindo, quando os eventos são aleatórios, não podemos pre­dizê-los individualmente. ~ estranho, entretanto, podermos predizê-los· com ótimos resultados no total. Isto é, podemos predizer os resultados de grande número de eventos. Embora não possamos prever, ao jogar uma moeda, se vai dar cara ou coroa, podemos, atirando-a mil vezes, predizer com considerável exatidão o número total de caras e coroas. Se tirarmos uma amostra de 100 crianças de uma população de 400, 200 meninos e 200 meninas, não podemos predizer se uma determinada criança será menino ou menina, mas podemos predizer com bastante .

· exatidão o número total de meninos e meninas em nossa amostra - neste caso, 50 meninos e 50 meninas - contanto que a amostragem seja casual e a amostra numerosa.

Uma manifestação importante da segurança de previsão estatística do comportamento de grandes conjuntos de números é dada na parte inferior da tabela 5. 1. São médias aritméticas. Cada média é calculada para 10 números aleatórios. Sempre podemos predizer com considerável exatidão que os valores dessas proporções estarão próximos do "valor teórico" da média dos números de O a 9.. Esta média teórica é

Tabela 5.1 Conjunto de 100 números aleatórios, de O a 9, e médias calcuhidas de subconjuntos dos números.

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

9 o 8 o 4 6 o 7 7 8

7 2 7 4 9 4 7 8 7 7

6 2 8 1 9 3 6 o 3 9

7 9 9 6 4 9 4 7 7 3 3 1 4 I o 3 9 4

8 9 2 1 3 9 6 7 7 3

4 8 3 o 9 2 7 2 3 2

1 4 3 o o 2 6 9 7 5

3 I 8 8 4 5 2 1 o 3

2 4 8 9 2 9 3 o 1

Média 5,0 3,9 5,3 2,4 . 5,7 3,8 5,2 4,4 5,0 4,9 Média total = 4,56

80

O + 1 + ... 9)/10 = 4,5. Observe que seis das 10 médias estão ucima de 4,5 e quatro abaixo de 4,5.

Só uma, a quarta, 2,4, afasta-se muito de 4,5. Quanto mais números usar para calcular as médias, mais próximas elas provavelmente

ficarão da média teórica. Se, por exemplo, calcularmos a média de todos s 100 números na tabela 5.1, teremos 4,56, muito perto de 4.,5. Tal

comportamento 'regularmente previsível de grandes conjuntos de números muito útil em pesquisa. Da ao cientista um quadro de referência para

uvaliar resultados no sentido de que ele possa conferir os resultados ubtidos confrontando-os com os resultados "teoricamente" esperados ou baseados no acaso.

Probabilidade, acaso e pesquisa comportamental

Pode parecer um salto muito grande entre atirar moedas e números casuais para o uso da teoria da probabilidade em pesquisa real. E é de um ponto de vista: os "eventos" na pesquisa real são muito mais com­plexos. Mas as idéias básicas são as mesmas, ou pelo menos bastante ·emelhantes. Tentaremos mostrar isto com um exemplo hipotético inspi­rado por um experimento psicológico bem conhecido. 2 Vamos então reforçar as idéias voltando ao conceito de acaso.

Suponhamos que eu faça um experimento com três grupos de jovens. Quero saber, se puder, se a crescente dificuldade de entrar para um grupo aumenta a atração e valor desse grupo. A hipótese é que a dificul­úade de iniciação dentro de um grupo aumenta o valor do grupo aos olhos de seus membros. Suponhamos que alguns suburbanos desejem pertencer a um clube de campo. O pensamento por detrás do experi­mento é que quanto mais difícil for entrar para o clube - taxa de jóia, mensalidades altas, uma longa espera na fila de admissão para sócio

ser considerado da cor de pele "certa", da religião "certa" e do • njunto "certo" de pontos de vista sociais, por exemplo - , mais os membros valorizarão o clube e o fato de serem seus sócios.

Para testar a hipótese fiz três grupos de indivíduos passarem por I r s graus diferentes de dificuldades para pertencerem ao grupo. Vamos upor que isto foi feito sob condições cuidadosamente controladas; os

membros de um grupo, A1, submeteram-se a duro sofrimento para ntrarem no grupo, os de outro grupo, A2, um pouco menos, e os do

t •rceiro, A3, nenhum sofrimento. No fim do experimento fiz todos os lll us sujeitos experimentais responderem a um instrumento que media

A idéia para este experimento hipotético foi tirada de um experimento real de Al-onson e Mills (1969) no qual foi testada a hipótese acima. Acompanho o 11 quema de Aronson _e Mills de perto, mas fabrico os resultados para nosso 11hj tivo - probabilidades .

81

Page 51: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

o desejo percebido de pertencer ao grupo. Suponhamos que as três médias dos três grupos nesta medida fossem, A1 = 5,2; A2 = 4,7; A3 = ~· (Os resultados refletem uma escala com 7 pontos, 1 .sig?~ficando muito pouca exibição de desejo de entrar para o grupo e 7 stgmftcando enorme desejo.) . .

Essas médias apóiam a hipótese. Será? A1, o grupo mats sofndo, teve a média mais alta; A2, que sofreu menos, chegou em segundo lugar; e A3, que nada sofreu, recebeu a média mais baixa. Mas supond~ que alguém objete, dizendo que este resultado foi .casual, que podena ter acontecido facilmente se os membros do grupo tivessem tirado os pontos de um chapéu ou - aliás, a mesma coisa - tivessem respondido ao instrumento simplesmente escrevendo quaisquer respostas às ~erguntas . Como posso saber que estas três médias não são um dos mmtos resul­tados que poderiam facilmente ter sido obtidos por acaso? Como poss.o "testar" as três médias para avaliar seu suposto afastamento de tms expectativas baseadas no acaso?

Para acalmar momentaneamente a curiosidade do leitor, mas talvez não satisfatoriamente, pode ser usada uma técnica estatístic~ conhecida como. análise de variância para testar com precisão os resultados e seu afastamento da expectativa baseada no acaso. Suponhamos, entretanto, que eu não saiba nada a respeito de análise de variância. Me~m~ asssim posso testar a hipótese? Sim, mas não tão bem. Vamos entao mventar um teste. Embora não seja grande coisa, é melhor que teste nenhum e tem a virtude de demonstrar de maneira simples como funciona e é aplicada a teoria das probabilidades.

A hipótese apresentada acima implica numa ordem de. postos das médias dos três grupos experimentais. Ela prediz, com efetto, ,q_ue. os membros de A1 , o grupo que mais sofreu, acharão o grupo mmttsstm~ desejável; que os membros de A2, o grupo que sofreu menos, achara o grupo desejável mas não lhe dará tanto valor quanto At; e qu.e o~ membros de A3, o grupo que não sofreu, darão o menor valor. A~s1m e prevista uma ordem de postos pela hipótese: os pontos de At serao em média maiores que os de A2 e os de A2, maiores do que os de A3. Se aceitarmos a média dos grupos como indicativa da avaliação do ~r~po sobre ser membro do grupo e deixar At, A2 e A3 representarem as medtas, então a hipótese pode ser escrita simbolicamente: A1 > A; > A3, ()nde > significa "maior que". Então essa ordem de postos e: 1 2 3. Uma vez que as médias obtidas foram A, = 5,2: A2 = 4,7 e A3 = 3,5; a hipótese parece confirmada, como ficou indicado. Mas talvez este resultado tenha acontecido por acaso.

Aplique a teoria das probabilidades. Quais são as possibilida,des? Queremos testar a hipótese com uma fração, cujo denommador tera um número que expresse todas as possibilidades. Quantas possíveis ordens de postos de três médias podem ocorrer? Anote-as:

82

1

1

2

2

3

3

2

3

1

3

1

2

3

2

3

1

2

1

I lá seis possíveis ordens de postos. Então o denominador da fração de (robabilidade é 6. O 1 2 3 obtido é um destes. Qual é .a probabilidade de ter ocorrido por acaso? Qual é a probabilidade, vendo de outra forma, de que esta particular ordem de postos, que reflete a ordem de postos prevista pela hipótese, possa ocorrer simplesmente como uma das mãos de um jogo de cartas onde as pessoas recebem cartas marcadas com 1, 2 e 3?

Afinal, não temos maneira de saber ao certo se a ordem de postos das três médias realmente reflete a influência dos variados graus de seve­ridade de iniciação por que passaram os três grupos. A única coisa que podemos fazer, se a ordem de postos das médias resultar, como dissemos que resultaria, é inferir que a hipótese está correta. E a maneira de fazer isto é avaliar os resultados experimentais obtidos comparando-os com os resultados que poderiam ter ocorrido por acaso - dando cartas de um baralho bem embaralhado, por exemplo.

O resultado de nosso experimento hipotético, 1 2 3, concorda com a hipótese. Este resultado pode ocorrer por acaso uma vez em seis, já que é uma das seis ordens possíveis de postos. Portanto, a probabilidade da ordem de postos das médias, 1 2 3, é 1/6 = 0,17. Uma interpretação deste resultado é que se eu fiz este experimento 100 vezes e a manipu­lação experimental não teve efeito - isto é, as condições de sofrimento, u severidade de iniciação não tiveram influência no desejo percebido

de fazer parte do grupo - a ordem de postos 1 2 3 teria ocorrido cerca ue 17 vezes. Nesta base, poderemos dizer que a manipulação experimental leve algum efeito e que a hipótese ficou confirmada? Dificilmente. Afinal, não se está muito garantido, quando as possibilidades são 1 em 6, ou 17 em 100, de obter tal resultado apenas pelo acaso. Entretanto, este é um teste estatístico e me diz alguma coisa sobre os meus resultados.

Este teste não é muito bom, então. Se eu tivesse testado quatro grupos e previsto a ordem de postos das médias como 1 2 3 4, e tivesse sido isto que aconteceu no experimento, então eu teria confiança consi­deravelmente maior na validade empírica da hipótese. Isso porque com quatro médias haveria 24 ordens de postos possíveis das médias: I 2 3 4; 1 2 4 3; 1 3 2 4; 1 3 4 2; e assim por diante até 4 3 2 1.

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Assim, a probabilidade de obter 1 2 3 4 é de 1/24 = 0,04, que significa que há cerca de 4 possibilidades em 100 de obter 1 2 3 4 apenas pQr acaso - e é uma boa margem de segurança. Seu eu disser que minha hipótese é 1 2 3 4, e é isto que obtenho, posso ficar bastante seguro de que meu resultado não é casual e que as condições de sofrimento sem dúvida influenciaram a percepção do desejo de ser membro do grupo. (Sugere-se que o leitor verifique todas as possíveis ordens de postos para perceber a validade deste raciocínio.)

Este teste ainda não é muito bom, contudo. Aqui ele foi usado com um exemplo realístico para ilustrar a idéia de probabilidade. No entanto, testes estatísticos mais poderosos são baseados em raciocínio semelhante. A medida que avançarmos, tentaremos mostrar o raciocínio atrás de tais testes, mesmo que não descrevamos como fazer os testes.

Uma concepção probabilística errônea e independência

Existe no senso comum uma idéia totalmente errônea e confusa das probabilidades dos eventos. Comumente está contida na expressão "a lei das médias", que diz mais ou menos o seguinte: se houvér um grande número de ocorrências de um evento, a probabilidade desse evento será menor no experimento seguinte. Suponhamos que se jogue uma moeda cinco vezes, dando cara em todas elas. A idéia de senso comum da "lei das médias" levaria a acreditarmos que há maior possibilidade de dar coroa da próxima vez - ou menor possibilidade de dar cara. Mas não. A probabilidade de cara na próxima jogada é a mesma que nas jogadas anteriores: 1/2. As probabilidade não mudam sejam quais forem os resultados anteriores. Diz-se que cada evento é independente.

Que relação tem essa idéia errônea com a compreensão da pesquisa, com a maneira de os pesquisadores trabalharem e com os resultados esta­tísticos e sua interpretação? Para aplicar as idéias da teoria das proba­bilidades aos dados de pesquisa, deve-se assumir, quase sempre, que as observações e os· dados resultantes da observação sejam independentes. Independência significa que a ocorrência de um evento, A, de forma alguma afeta a ocorrência de outro acontecimento, B. Isto quer dizer que a probabilidade de B não é afetada por A. "Evento" deve ser inter­pretado de modo amplo. Pode significar qualquer tipo de ocorrência definida: o lançamento de uma moeda, a ocorrência de caras, a escolha de um caminho em um labirinto, por um rato, a resposta oral ou escrita de uma criança a um item de um teste, a manipulação de uma variável por um cientista.

Não é fácil demonstrar a independência, em parte porque a falta de independência pode ser muito sutil. Tomemos o exemplo comum de um

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I' quisador manipulando duas variáveis ao mesmo tempo para estudar 11 efeito separado e possivelmente conjunto sobre uma variável depen-

1 ntc. Suponhamos que um educador tenha motivos para acreditar que 111 todos diferentes de ensino da leitura funcionem diferentemente com tlp s diferentes de material de leitura. As duas variáveis devem ser mnnipuladas ou manejadas de sorte que o manejo de uma não influencie 11 utra por causa do manejo ou manipulação ou por causa da natureza du, variáveis. Suponhamos que o pesquisador usou dois métodos para o

n ino da leitura, A1 e A2, e dois tipos de material de leitura, Bt e B2, ll l'l'espondentes a material difícil e material fácil. Suponhamos ainda que 11 método At leve muito mais tempo para aplicar que o método A2, e Jll o espaço de tempo gasto em ensinar reduza a dificuldade de qualquer

rnnterial de leitura. Haveria, então, uma falta de independência, porque n método At traz em si, por assim dizer, um fator relacionado com a dificuldade do material (variável B). Em outras palavras, o método At t nderá a funcionar melhor com material de leitura mais difícil, não por •ousa da natureza do método, mas simplesmente porque exige mais t mpo de ensino do que o método A2. Há, então, falta de independência ntre as variáveis A e B, já que um aspecto extrínseco da varíavel A, paço de tempo de ensino, está relacionado com a variável B, dificuldade

d material. Outro exemplo de falta de independência encontra-se na mensura­

I o. Se, digamos, dermos um teste com dez itens a certo número de ·rlanças e depois somarmos os pontos de cada criança nos dez itens pnt'a obter o total - um procedimento comum - estamos assumindo JUe os dez itens são independentes e suas respostas também indepen-

d ntes. Esta suposição é satisfeita razoavelmente em muitos testes e lll didas e o procedimento é útil e válido. Mas suponhamos que pedísse-111 s às crianças que numerassem os dez itens por ordem de importância (uu qualquer outro critério). Os itens e suas respostas já não são mais Independentes, porque antes que o item 1 seja escolhido como o mais llllportante, há 10 escolhas. Depois da primeira escolha, restam nove I ns a serem escolhidos. Depois de escolher os nove primeiros itens

r· ta apenas um - e não há escolha. As respostas a itens posteriores, 111 outras palavras, serão afetadas pelas escolhas anteriores. Isto é falta I temática de independência. Tal falta de independência afeta a esta­

tf llca e sua interpretação. Isto não quer dizer que a ordem de postos e 111 t dos semelhantes não possa ser manuseada probabilística e estatisca-111 nte. Aliás, mostramos como um simples problema de ordem de postos pocl ser resolvido usando a teoria das probabilidades. Ela simplesmente llu tra a falta de independência. Em suma, muitas técnicas estatísticas upõcm independência e seu uso e interpretação com fenômenos ou pro­dimentos não-independentes pode nos confundir.

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Page 53: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

Fizemos esta digressão sobre a independência para tentar esclarecer a concepção probabilística errônea esboçada antes. Os resultados ~e eventos casuais anteriores não afetam os resultados de eventos subseqüen­tes - ou talvez devêssemos dizer que não devem afetar eventos subseqüentes. Se a probabilidade de sair cara no primeiro lançamento de moeda é de 1/2, será de 1/2 no décimo, no vigésimo, no qüinquagésimo, sejam quais forem os resultados anteriores. Isto acontecerá a não ser que se tenha feito alguma coisa para mudar a moeda ou o jogo, ou que tenha havido alguma influência extrínseca atuando, como no experimento sobre os métodos de ensino da leitura mencionado acima.

Acaso e pesquisa

Agora devemos estar em melhor postçao para estudar o acaso e sua relação com a pesquisa. Por que a idéia de acaso é tão importante na pesquisa? Como é usada? Como ajuda os pesquisadores? Parte da resposta já foi dada, mas precisamos continuar. Os resultados dos experi­mentos, por exemplo, têm que ser avaliados. O pesquisador tem que perguntar: "Os resultados confirmam a hipótese?" Suponhamos que eu obtenha médias, num experimento com dois grupos de sujeitos, de 52,40 e 42,25 e que estejam na direção prevista pela hipótese. Devo também ter um meio de avaliar o "tamanho" da diferença entre eles. Afinal, esta pode ser uma das muitas diferenças que poderiam ter ocorrido por acaso. Dificilmente alguém quer basear conclusões científicas em resultados fortuitos ou ao acaso!

Imagine o que poderia acontecer sob condições puramente casuais. Isto significa que não há nenhuma certeza; que não há influências siste­máticas em ação, ou, se houver influências sistemáticas, elas estão tão misturadas que uma anula a outra, por assim dizer. É tudo uma mixórdia. Se não houvesse nenhuma influências sistemática agindo no experimento de Clark e Walberg, então a média de pontos nas repetições (replicações) do experimento teria flutuado de maneira imprevisível. Tais médias pode­riam parecer-se com as da tabela 5 . 2, que mostra as médias dos grupos experimental e de controle de cinco replicações hipotéticas do experi­mento, junto com as médias reais obtidas por Clark e W alberg (última linha da tabela). As médias das primeiras cinco linhas de dados da tabela foram inventada para parecerem médias calculadas a partir de números aleatórios cujas magnitudes eram iguais às das médias de Clark e Walberg.

Nos experimentos 1, 2 e 5, as médias do grupo experimental são mais altas que as do grupo de controle, mas nos experimentos 3 e 4, são mais baixas. Além disso, as médias não diferem muito uma da

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outra. A falta de resultados sistemáticos e a insignificância das diferen­ças entre as médias estão mostradas na coluna denominada " Diferenca". Tais resultados são característicos de resultados obtidos em bases ,for­tuitas ou casuais. Compare-os com as médias reais de Clark e Walberg e a diferença entre elas ( + 4,76). A estatística, então, ajuda-nos a deter­minar ou avaliar se os resultados obtidos "realmente" diferem dos " resultados" que seriam obtidos sob condições de acaso.

T_abela 5.2 Médias de oontos de leitura de cinco replicações hipotéticas do expe­nmento de Clark e Walberg sob condições de acaso - e médias reais obtidas.

:xperimento Grupo Grupo experimental controle Diferença

I 27,42 26,50 + 0,92 2 28,10 26,95 +2,15 3 26,18 27,05 -0,87 4 27,41 28,56 -1,15 5 28,64 27,90 +0,74

Clark e Walberg 31,62 26,86 + 4,76

Tabela 5.3 Vinte pares de médias aleatórias e as diferenças entre médias.

M,

ttl, 4 t,n

1,()7

111, 8

M~

50,06

53,95

53,61

49,31

49,16

50,22

58,36

49,57

55,44

49,43

Diferença

1,78 - 7,75

-5,92

2,52

4,05

- 1,35

-8,72

1,80

- 10,37

- 0,15

Ml M2 Diferença •

48,87 48,52 0,35

53,08 52,94 0,14

56,79 46,79 9,72

47,99 48,33 -0,34

49,37 47,29 2,08

49,02 55,51 -6,49

45,68 52,39 -6,71

47,04 49,95 - 2,91

53,51 46,00 7,51

52,74 47,65 5,09

s últimas três colunas são simplesmente uma continuação das três primeiras.

IIm pequeno estudo de diferenças casuais

Vamos explorar um pouco mais o acaso, continuando com a idéia diferenças casuais entre grupos. Ainda estamos falando de uma base

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casual para avaliar os resultados de dados obtidos na pesquisa. Um conjunto de 20 pares ele médias e as diferenças entre as médias é mos­trado na tabela 5. 3. Estas médias foram obtidas por um processo ca~al. Um computador gerou 4.000 números aleatórios de O a 100. Depois foram calculadas as médias de 40 conjuntos de 100 números cada um. Essas médias foram emparelhadas, pondo-se a primeira média com a vigésima primeira média, a segunda com a vigésima segunda, e assim por diante. 3 As diferenças, sob a coluna "Diferença", foram calculadas subtraindo em cada par a segunda média da primeira média.

Concentremo-nos nas 20 diferenças. Elas vão de - 10,37 a 9,72. Há 9 diferenças positivas e 11 negativas. Isto se aproxima da expectativa de casualidade, pois com números aleatórios esperamos aproximadamente igual número de diferenças para mais ou para menos. (Deixemos os sinais de mais ou de menos por ora, para simplificar a discussão.)

Suponhamos que fizemos um experimento com dois grupos e obtivemos médias de 52,40 e 42,25. A diferença entre estas médias é 52,40 - 42,25 = 10,15. Usando as diferenças entre as médias da tabela 5. 3 com base casual, desejamos avaliar a chamada "significância estatística" da diferença 10,15. Um resultado "estatisticamente signifi­cante" é o que se afasta "suficientemente" da expectativa de acaso ou de uma base casual. Os 10,15 obtidos diferem tanto do acaso? É um resul­tado estatisticamente significante?

Voltemos às diferenças da tabela 5. 3. As duas maiores diferenças são 10,37 e 9,72. Isto significa que 10 por cento (2/20 = 0,10) das 20 diferenças são maiores do que 9. Se quisermos aceitar cerca de 10 por cento de risco de estarmos errados, podemos dizer que a diferença obtida no experimento, 52,40 - 42,25 ou 10,15, excede à expectativa de acaso. (Se tivéssemos levado em consideração os sinais das diferenças, o risco teria sido menor. Por quê?)

Suponhamos, entretanto, que não estamos satisfeitos com 10 por cento de risco. Queremos ter mais certeza de que nossa diferença experi­mental de 10,15 seja um afastamento "real" da expectativa casual. Em outras palavras, queremos diminuir a probabilidade de fazer um erro e aceitar o que realmente é uma diferença casual como uma "verda­deira" diferença. Assim dizemos que a probabilidade deve ser de 0,05, ou 5 por cento, em vez de 0,10, ou 10 por cento. Cinco por cento de 20 é 1: 20 x 0.5 = 1. Neste caso tomamos apenas uma diferença, a mais alta, 10,37. Conforme as diferenças dadas na tabela 5.3 , há uma probabilidade em 20, ou 5 por cento - a probabilidade é 0,05 - de

3 O conjunto completo de 4.000 números e as quarenta médias são dadas em Kerlinger (1973, pp. 714-718).

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obter uma média de 10,37 ou maior, por acaso. Obtivemos a diferença de 10,15. Já que há só uma diferença tão grande na tabela, podemos dizer que o resultado experimental obtido, a diferença entre a média do grupo de controle e experimental, provavelmente não seja resultado do acaso. Em outras palavras, há apenas uma possibilidade em 20, ou uma probabilidade de 1/20 = 0,05, de que nossa diferença seja uma diferença casual. Concluímos, então, que a média do grupo experimental é estatisticamente maior que a do grupo de controle. Dizemos que a diferença entre as médias é "estatisticamente significante".

O leitor deve saber que este procedimento - chamado procedi­mento Monte Carlo- não é o meio pelo qual os pesquisadores costumam avaliar a significância estatística de seus resultados. A demonstração foi feita apenas para mostrar a natureza do pensamento, para manufaturar, por assim dizer, uma base casual com a qual avaliar um resultado experimental particular. Mas a idéia por detrás dos métodos mais sofisti­cados atualmente usados é muito parecida. Outra falha de nossa demonstração foi usar apenas 20 pares de médias. Um procedimento Monte Carlo melhor teria usado 2.000 ou 20.000 médias e fa.ria o computador emparelhar as médias ao acaso. Entretanto, a essência da idéia esteve presente: foi avaliado um resultado experimental confron­tando-o com uma base causal.

Populações, amostras, estatísticas

Até agora a discussão focalizou apenas ou· principalmente o uso da probabilidade e da estatística para avaliar a confiabilidade dos resulta· dos da pesquisa. A leitura inteligente e a compreensão da literatura da pesquisa experimental, entretanto, exige aprendizado relacionado a apli­cações diferentes das idéias estatísticas. Consideremos, portanto, a defi­nição e explicação de certos conceitos importantes usados na maioria da pesquisa comportamental contemporânea, começando com a própria "estatística".

Estatística é a teoria e o método de analisar dados quantitativos btidos de amostras de observações com o fim de resumir os dados e

aceitar ou rejeitar relações hipotéticas entre variáveis. Esta definição ·ugere dois propósitos da estatística: reduzir grande quantidades de dados

11 forma manuseável e ajudar a fazer inferências seguras a partir de dados quantitativos. O primeiro propósito vem ilustrado com o seguinte exem­plo. Vamos calcular, digamos, uma média de 100 resultados. Com a juda de uma medida de variabilidade apropriada - uma medida que xpresse a dispersão, ou a amplitude dos · resultados - esta média xpressa a tendêm;ia central dos 100 resultados. Em outras palavras, I "escreve" um aspecto dos resultados. O primeiro propósito, então .• é

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descrição. Temos pouco interesse nele neste livro. O segundo propósito é comparativo e inferencial. A média pode ser comparada às médias de outros grupos. Médias de grupos diferentes, então, podem ser compa­radas com o fim de testar hipóteses e inferir se as hipóteses são ou rlão confirmadas. Outras estatísticas além das médias podem ser igualmente comparadas, naturalmente.

Uma estatística é uma medida calculada de uma amostra, como ficou claro. Uma estatística é uma medida resumida: ela sumariza, ou expressa em forma resumida, algum aspecto de uma amostra. A média expressa a tendência central dos pontos, seu nível geral. Esta propriedade tem grande utilidade, principalmente na pesquisa experimental, onde freqüen­temente são comparadas as tendências centrais de grupos de resultados. Lembre-se que foram comparadas as médias de grupos de reforcamento maciço e regular no estudo de Clark e W alberg. O chamad; desvio padrão, outra estatística, expressa a variabilidade de um conjunto de pontos; é uma expressão resumida de quanto é heterogêneo um conjunto de pontos. Entre outras coisas, usando-a, pode-se avaliar a homogen,ei­dade ou heterogeneidade de diferentes conjuntos de pontos.

Uma população é um conjunto de todos os objetos ou elementos sob consideração. Todas as crianças de 8 anos de Genebra, Suíca, são uma população. Todos os homens de um exército são uma população. Amostra é uma porção de uma população, geralmente aceita como representativa da população. Para estudar e testar uma hipótese de Piaget sobre um aspecto do pensamento das diferenças de 8 anos, podemos tirar uma amostra de 100 dessas crianças da população de crianças de oito anos de Genebra. Uma medida calculada dos resultados de todos os membros de uma população é chamado um valor de população. Se calcularmos uma média de todos os resultados de teste de inteligência de todas as crianças de oito anos de Genebra, a média é um vàlor de população. Se, entretanto, calcularmos a média da amostra de 100 criancas tiradas da população, a média é uma estatística. Há muitas estatística: das quais estudaremos algumas.

As idéias de valores de população e estatísticas e de população e amostra, parecem confundir as pessoas, parcialmente, imagino eu, porque a diferença entre elas é às vezes arbitrária, uma questão de defínicão. ~~~o acontece particularmente na pesquisa comportamental porque ·fre­quentemente as populações são inacessíveis - até o recenseamento dos Estados Unidos não pode cobrir todos os norte-americanos - e porque as amostras podem ser tratadas como populações para propósitos de pesquisa. Um exemplo simples é sexo. Homens e mulheres são amostras de todos os seres humanos. Digamos que a população seja o conjunto de todos os seres humanos de San Francisco. Os homens e as mulheres de San Francisco são amostras dessa população. Mas o pesquisador pode

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ter um bom motivo - seu problema pode incluir só mulheres - para estudar as características e comportamento somente das mulheres. As mulheres de San Francisco, então, tornam-se a população. Agora, suponhamos que o pesquisador use um instrumento psicológico destinado n medir as atitudes em relação às mulheres com todas as mulheres que vivem em San Francisco. Ele calcula a média e o desvio padrão dos resultados da medida de atitude de todas essas mulheres. A média e o desvio padrão são valores de população.

f: muito pouco provável, entretanto, que até o pesquisador mais cuidadoso possa ou queira estudar todas as mulheres de qualquer cidade. l1 muito mais provável que ele queira estudar uma amostra de mulheres escolhidas em uma população. Suponhamos, neste caso, que a amostra consista de 700 mulheres de San Francisco. Se o pesquisador aplicar a escala de atitudes às 700 mulheres e calcular a média e o desvio padrão, estes serão estatísticos, porque foram calculados a partir de amostras.

O segundo propósito da estatística, ajudar a fazer inferências segu­ras a partir de dados de observação, centraliza-se nas palavras "inferên­cia" e "segura". Uma inferência é uma proposição ou generalização deri­vada pelo raciocínio, de outras proposições, ou da evidência. Na estatís­tica, as inferências podem ser tiradas de testes do que é chamado hipó­teses estatísticas. Da diferença de médias entre o grupo experimental e o de controle do estudo de Clark e Walberg, do uso apropriado de um teste estatístico e do raciocínio, "concluímos" que a média do grupo experimental é maior que a média do grupo de controle. Isto é, temos duas estatísticas, duas médias, calculadas dos r~sultados do grupo experi­mental e do grupo de controle. Subtraímos uma média de outra, neste caso a média do grupo de controle da média do grupo experimental. Se a diferença for "suficientemente grande", o que quer dizer maior do que nlguns valores concebidos como expectativa baseada no acaso, concluímos tjUC o grupo experimental obteve pontos mais altos de leitura em média.

Tal uso inferencial da estatística é o núcleo da estatística na pesquisa • mportamental contemporânea. A palavra " segura", citada acima, refe­l' '·se à estabilidade dos resultados obtidos e assim à estabilidade das Inferências feitas a partir dos resultados. Se obtivermos uma certa dife-1' ·nça entre as médias dos dois grupos, diferença igual ou semelhante IIP recerá outras vezes se o experimento for várias vezes repetido? Se llvcrmos um certo conjunto de freqüências em um cruzamento de vutiáveis ou tabulação cruzada, como no exemplo de Miller e Swanson, no capítulo 1, obteremos padrões semelhantes de freqüências - e iguais uf ' tamentos das expectativas baseadas no acaso - se o estudo for 1 pctido? A estatística nos ajuda a responder tais perguntas, dando-nos 11 lm meios poderosos de avaliarmos a estabilidade a validade empírica d nossas inferências a partir de dados.

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Concepção errônea da estatística

f. comum encontrarmos concepções errôneas da estatística. Muita gente acha o assunto desagradável. Ouve-se pessoas educadas dizet@l: "Eu simplesmente não consigo entender a estatística"; "Posso lidar per­feitamente com as palavras, mas quando se fala de estatística ... " Expressões como estas mostram uma a1íenação profunda em relação a números e conceitos quantitativos. f. verdade que muitas pessoas não conseguem lidar facilmente com conceitos estatísticos e matemáticos. Mas a maioria das pessoas instruídas pode e deve ser capaz de trabalhar com idéias e operações estatísticas - uma vez que tenham motivação e se esforcem para isso. Podem aprender a se interessar e até se apaixo­nar pelo poder e beleza dos métodos analíticos usados nas ciências com­portamehtais. Certamente há de chegar o dia em que educadores e leigos instruídps não mais poderão se dar ao luxo de ignorar ou fugir da necessidade de entender as idéias básicas por detrás da probabilidade, da estatística e dos modernos métodos de análise.

o estudo estatístico, sem a compreensão das idéias básicas, é uma provação dispensável para o espírito - uma chatice e uma carga. Vinte ou trinta anos atrás havia bons motivos para evitar-se o estudo da estatís­tica. O ensino e os livros enfatizavam os cálculos, as derivações, ou ambos. Hoje, entretanto, o quadro mudou. O ensino e os livros enfatizam as idéias e o raciocínio por trás dos cálculos e do pensamento. Nem por isso o assunto ficou mais fácil. Não vou tentar embrulhar o leitor dizendo que estatística é fácil. Mas não é tão difícil quanto se pensa. Pode ser muito bem aprendida e posta em uso prático. E, o que é mais importante, se estudada de maneira correta, com ênfase constante em idéias básicas, pode se tornar uma preocupação emocionante.

Infelizmente há uma concepção errônea ainda mais séria que, se sustentada, pode ser ainda mais prejudicial. Bons professores podem convencer as pessoas mais medrosas, levando-as a um ponto de compe­tência funcional. Mas pouco ou nada podem fazer, entretanto, com esta concepção errônea, que é difícil de descrever, talvez por ter diversas facetas e algo parecido com um fervor religioso. Sua essência parece ser que a estatística tem pouca ou nenhuma relação e importância para a "realidade". Diz-se que os pesquisadores fazem operações complexas e confusas com números, derivados de formas misteriosas do que as pessoas dizem, dando conclusões que são distorções da "realidade". Por exemplo, um pesquisador aplica testes de inteligência e realização em crianças, calcula as médias, compara-os com médias nacionais e descobre que as médias são mais altas ou mais baixas do que deveriam ser. Mas, diz-se, estas médias têm pouca relação com a realidade, com a complexidade e individualidade de crianças reais. São abstrações sem significado, pelo

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menos no que se refere a cada criar1'.(a individualmente. Assim, todo o procedimento é irrelevante à inteligência e realização de crianças verda­deiras. Argumentos semelhantes aplicam-se a toda a amplitude das ope­rações estatísticas.

É claro que este erro de concepção está baseado em idéias imper­feitas dos propósitos e usos da estatística. Todas as estatísticas são abstra­ções. Qualquer estatística em particular pode não corresponder aos resul­tados de um indivíduo em particular. Mas nem deveria! Seus propósitos são muito diferentes. Adeptos dessa concepção errônea parecem querer que a estatística mostre a "verdadeira realidade", que faça alguma coisa mágica, enfim. Como toda a criação do homem, ela pode fazer apenas o que lhe foi destinado, e isto sempre se limitou a aspectos especiais de uma "realidade". Uma média estatística é apenas uma média estatística, mais nada. Não pretende ser "igual" a qualquer indivíduo. Mas pode ter um poder explanatório considerável, até grande, quando usada e interpre­tada adequadamente.

O propósito da estatística, então, não é mostrar a chamada realidade ou refletir as idiossincrasias dos indivíduos. Antes, seu principal propósi­to é ajudar os pesquisadores a chegarem ao significado de conjuntos de dados. Assim, é de ajuda indispensável na interpretação de dados. Pode-se dizer que a estatística disciplina os dados, agindo sobre eles de sorte a se tirar inferências seguras de observações empíricas. Sem dúvida seria difícil conceber a pesquisa comportamental moderna sem ela. Natural­mente, há perigos em seu uso. Pode-se ter dados inadequados e se acomo­dar numa espúria sensação de suficiência, m~rgulhando em cálculos e

perações estatísticos. Pode-se generalizar além dos dados e usar a estatística para acreditar e fazer os outros acreditarem que tal generali­zação é conveniente e correta quando, de fato, é inconveniente e errada. A despeito dos perigos e dificuldades, a estatística, a teoria das probabili­uades por trás dela e a idéia fundamental e fecunda de acaso são ferra­mentas úteis e poderosas, cujo grande valor é nossa tarefa apreciar.

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6. O delineamento da pesquisa experimental: delineamentos de uma só variável

O plano e a estrutura da pesquisa são comumente chamados o deli­neamento da pesquisa. Da forma que a usamos aqui, a palavra " delinea­mento" focaliza a maneira pela qual um problema de pesquisa é concei­tuado e colocado em uma estrutura que se torna um guia para a experi­mentação, coleta de dados e análise. Definimos então delineamento de pesquisa como o plano e a estrutura da investigação, concebidos de forma a obtermos respostas para as perguntas da pesquisa.

Pesquisa experimental

As modernas concepções do delineamento de pesquisa são baseadas na pesquisa experimental, que já foi discutida, embora superficialmente. As características essenciais dos experimentos não foram sistematica­mente definidas nem discutimos os diferentes delineamentos de experi­mentos. Focalizaremos as principais características da pesquisa experi­mental e os principais tipos de delineamentos usados nos experimentos, neste capítulo e no próximo.

Um experimento é uma pesquisa, onde se manipulam uma ou mais variáveis independentes e os sujeitos são designados aleatoriamente a grupos experimentais. Alguns especialistas podem discordar desta defi­nição, dizendo, entre outras coisas, que a designação aleatória não é absolutamente condição necessária em um experimento. De certa forma, têm razão. Pode-se fazer um experimento sem se designar aleatoriamente os sujeitos para os grupos experimentais. O experimento, entretanto, será muito mais fraco do que outro com designação aleatória. Em todo caso, deixaremos a definição como está, porque, no sentido estrito, a designa­ção aleatória é um aspecto necessário aos experimentos. (O significado de " designação aleatória" será discutido depois.) • A S~ponhamos que vamos pesquisar a idéia de que a privação na mfanc1a afeta o desenvolvimento mental posterior. Temos duas condicões experimentais e 40 ratos. Estes serão designados aleatoriamente a dois grupos. Podemos fazer isto jogando uma moeda cada vez que escolhermos ~m rato. Se der cara, o rato irá para o primeiro grupo; coroa, o rato 1rá para o segundo. Aplicaremos um tratamento experimental a um dos

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grupos, digamos de "privação", também ao acaso. O outro grupo não ofrerá "nenhuma privação". A definição de experimento está satisfeita.

Haverá manipulação experimental e os sujeitos serão designados para os grupos experimentais ao acaso.

Em princípio não faz diferença onde e como será feito o experi­mento. Muita gente acha que todos ou que a maioria dos experimentos são feitos em laboratórios. Muitos são, mas muitos não. f: até possível, embora difícil, fazer-se um experimento em uma grande área geográfica. Muitos experimentos da pesquisa comportamental são chamados experi­mentos de campo. Quer dizer simplesmente, feitos fora do laboratório, "no campo". Embora haja diferenças importantes entre experimentos de laboratório e experimentos de campo, sua concepção essencial é a mesma.

Delineamentos de uma só variável independente ("one-way")*

O experimento de Aronson e Mills, descrito no capítulo 5, é um modelo "de mão única" ("one-way"). Isto quer dizer que tem somente uma variável independente. Os sujeitos foram designados aleatoriamente para três grupos experimentais, A1, A2 e Aa. Os sujeitos designados para o grupo A1 sofreram uma iniciação severa a fim de se juntarem a um grupo hipotético, os sujeitos do grupo A2 uma iniciação suave e os sujeitos do grupo Aa não sofreram qualquer tipo de iniciação. A variável mani­pulada, então, foi iniciação ou severidade de iniciação. (Lembre-se que "manipulação" significa fazer coisas diferentes com grupos diferentes.) 1

O delineamento de experimento se pareceria com o "modelo" dado na tabela 6 . 1. Um delineamento deste tipo mostra simplesmente as con­dições ou manipulações da variável ou variáveis independentes. f: empres­tado de um esquema de análise de dados. Isto é, é conveniente dispor os dados de um experimento em uma tabela como a tabela 6 . 1. Neste caso haveria 20 resultados em cada uma das condições experimentais incluídas nas colunas da tabela. Tal esquema mostra claramente o delinea­mento geral da pesquisa e também sugere a análise dos dados. (Para mais facilidade e clareza os resultados das variáveis dependentes foram sugeridos na tabela.)

• A expressão "one-way designs", que traduzimos por "delineamentos de uma só variável independente", está associada, em inglês, à expressão "one-way analysis O/ variance", que designa a análise de variância com um critério de classificação, método estatístico associado a tais delineamentos. (N. do Revisor Técnico) I Uma concepção errônea comum em relação ao experimento psicológico é que ns pessoas são manipuladas - uma idéia muitíssimo distorcida e errada que causou

nin_da causa problemas para os pesquisadores em psicologia. Embora seja possível mampular pessoas em experimentos, isto não tem nada a ver com a natureza dos xperimentos em que se manipulam variáveis. A manipulação em experimentos mpre e simplesmente significa fazer coisas diferentes com grupos diferentes;

11 manipulação reflete uma ou mais variáveis independentes.

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Tabela 6.1 Delineamento do experimento de Aronson e Mills (1959).

Severidade de iniciação

Ar Severa

A2 Suave

A a Nenhuma

Resultados na variável dependente (percepções do valor do grupo)

O delineamento do experimento de Clark e W alberg é dado na tabela 6 . 2. É um pouco mais simples do que o modelo de Aronson e Mills, porque há apenas duas condições experimentais, reforçamento maciço e reforçamento regular. Contudo, os dois modelos têm a mesma base conceitual.

Os modelos das tabelas 6. 1 e 6. 2 podem ser chamados delinea­mentos de uma só variável independente. Não são limitados a duas ou três condições experimentais: pode haver, de fato , qualquer número de condições. Isto está expresso na tabela 6. 3, onde k variáveis indepen­dentes estão sugeridas. Haveria grupos de sujeitos e assim k colunas de resultados na variável de dependente na tabela. A análise estatística dos dados testariam as diferenças previstas pelas hipóteses (e outras) entre os k grupos.

Se um psicólogo fosse fazer o experimento implicado pela tabela 6. 1, ele escolheria sujeitos adequados e os designaria aleatoriamente a três grupos experimentais. Um modo eficiente, embora trabalhoso de fazer isto, é usar uma tabela de números aleatórios. Suponhamos que haja um total de 60 sujeitos . Designa-se um número de 1 a 60 a cada um dos sujeitos (de maneira arbitrária). O psicólogo então abre a tabela de números aleatórios em qualquer página e em qualquer ponto - erguendo um lápis e deixando-o cair de sorte que o lápis aponte um dos números -lê e copia os 60 números sem repetição. Os primeiros 20 números formam um grupo, os segundos 20 outro e os terceiros 20 mais outro. Os números, então, são designados aos sujeitos de qualquer maneira conveniente (veja abaixo). Temos, então, três grupos experimentais constituídos de sujeitos designados aos grupos ao acaso. Logo discutiremos a importância de fazer as coisas desta forma.

Tabela 6.2 Delineamento do experimento de Clark e Walberg (1968).

Tipos de reforçamento

At Maciço

Resultados na variável dependente (realização em leitura)

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Tabela 6.3 Delineamento experimental de uma só variável independente generalizado

C ndições experimentais

Resultados na variável dependente

O psicólogo agora designa os três tratamentos experimentais aos três grupos, ao acaso. Este é outro cuidado que se deve adotar no procedimento. Evita possíveis preferências do pesquisador. O procedi­mento como um todo é chamado "casualisação" . Depois disto, o pesqui­sador faz o experimento. Neste caso, ele manipula a variável indepen­dente, severidade de iniciação, fazendo os membros de A1 se submeterem a rigorosa iniciação e os membros de Az a iniciação menos rigorosa. Os membros de Aa são o grupo de controle, cujos membros não serão submetidos a qualquer iniciação; são submetidos a atividades sem relação com a iniciação. Poder-se-á pedir-lhes que leiam poesia, por exemplo. (Por que preocupar-se com que façam alguma coisa?)

Depois da manipulação experimental, o psicólogo mede a variável dependente, as percepções de todos os membros do grupo sobre seu desejo de fazer parte do grupo. Finalmente, ele analisa os dados, as medidas da variável dependente e tira conclusões. Já vimos como se faz isto no capítulo 5: ele determina se as médias dos três grupos são as previstas pela hipótese.

O delineamento de um experimento e casualização

Precisamos nos aprofundar nas idéias de delineamento e designação aleatória. A descrição do experimento acima foi apenas um esboço de todo o procedimento. A seguir focalizaremos a escolha casual e o principal motivo para usá-la. No capítulo 5, diferenças casuais entre grupos foram discutidas e ilustradas . Nessa discussão tentamos mostrar a natureza das diferenças casuais em contraste com as diferenças obtidas experimental­mente. Agora vamos usar as mesmas idéias, mas especificamente para esclarecer a relação entre o delineamento de experimentos e a designação aleatória de sujeitos para grupos experimentais.

Todo experimento tem uma idéia fundamental por detrás: testar o efeito de uma ou mais variáveis independentes sobre uma variável dependente. 2 Os experimentadores testam implicações de afirmativas tipo "se p, então q". Mas vamos tomar o caso mais simples possível.

2 f: possível ter mais de uma variável dependente em um experimento. Aqui, entretanto, daremos mais importância a pesquisas com uma variável dependente apenas. Mas em outro .capítulo discutiremos pesquisa e análise multivariada por sua crescente importância entre as disciplinas comportamentais.

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Page 59: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

Suponhamos que um educador queira testar a eficácia relativa de dois métodos de ensino de certas operações aritméticas. A variável indepen­dente é métodos de ensino e a dependente a realização em aritmética. Digamos que o experimentador disponha de um bom teste de realiza_cão aritmética, a medida da variável dependente. Ele especifica cuidadosa­mente o que fará com os dois métodos de ensino - denominando-os método A1 e método A2. Isto é, ele define operacionalmente Y, a medida de realização em aritmética e as condições experimentais, A1 e A2. Nada disto é novo para nós.

Agora, entretanto, ele precisa dar um jeito de preparar dois grupos de alunos e deve fazer isso de tal forma que possa assumir que, antes do experimento começar, os grupos sejam estatisticamente "iguais" em todas as variáveis possíveis que possam afetar a variável dependente, realização em aritmética. Se ele não puder garantir que os grupos sejam iguais antes de começar o experimento, as conclusões que tirar depois serão questionáveis. Se os grupos não forem iguais, então o resultado final poderá ser devido a outra influência ou influências outras que a manipulação da variável independente. Suponhamos que a inteligência afete a realização matemática - o que de fato acontece - e que um dos dois grupos, sem o conhecimento do pesquisador, tenha crianças que em média sejam mais inteligentes do que as do outro grupo. Daí, depois de feito o experimento, suponhamos que a média de realização aritmética do primeiro grupo seja maior do que a média do segundo grupo. Esta média mais alta pode ser devida à inteligência superior do grupo e não à manipulação experimental. Efeitos indesejáveis como este devem ser controlados se o pesquisador quiser chegar a resultados em que possa confiar.

Suponhamos ainda que inteligência e sexo afetem a realização em aritmética. Um meio usado para "equalizar" grupos experimentais, para controlar efeitos indesejáveis, foi "equalizar" os grupos designando-lhes sujeitos sistematicamente de sorte que as variáveis indesejáveis ficassem distribuídas igualmente entre os grupos. No caso particular de sexo e inteligência, por exemplo, o pesquisador pode medir a inteligência das crianças com um teste de inteligência e distribuir as crianças de inteligên­cia comparável entre os dois grupos, igualmente. Se ele tiver um total de seis crianças (muito pouco, claro), e seus Qls forem 121, 119, 106, 109, 94 e 95, ele poderá colocar as de QI 121, 106 e 94 em A1 e as de QI 119, 109 e 95 em A2. Com isto os grupos ficarão aproximadamente iguais em inteligência. Depois, poderá distribuir meni­nos e meninas igualmente entre os grupos. Naturalmente ele poderá ter que mudar a primeira distribuição com base na inteligência, já que é possível que as medidas de inteligência das meninas sejam maiores (ou as dos meninos), tornando impossível equilibrar os dois grupos na base de ambas as variáveis.

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Este método de designação de sujeitos a grupos está sendo abando­nad~ ~or ~ausa de uma grande limitação: controla apenas duas variáveis, In tehg~nCI,a. e sexo . . E _as outr~s. variáveis que possam afetar a realização m antmetica: aptldao numenca, classe social, atitudes e assim por

<liante? Tais variáveis continuam sem controle. O que se pode fazer?

Designação aleatória e casualização

O método de designar sujeitos a grupos experimentais que (teorica­mente, pelo menos) evita as dificuldades que acabamos de discutir é a lcsignação aleatória. Se há apenas dois grupos, pode-se jogar uma moeda

I ara escolher cada um dos membros: dando cara, grupo A1; dando · roa, grupo A2. Isto deve funcionar se se jogar a moeda adequada­rn~nte. _!v1as o método de números aleatórios, já discutido, funciona com dois, tres ou qualquer número de grupos. Encontram-se facilmente tabe­las de .números a!eatórios e, ~ealmente, elas se tornaram indispensáveis m mmtas operaçoes de pesquisa. 3 Os números aleatórios têm a caractc­

rfstica essencial de serem imprevisíveis: se são aleatórios, não há maneira de yrever s~a seqüê~cia, se são pares ou ímpares, sua magnitude e a.ssm;t por diante. Assim, eles são usados pelos cientistas para diversas ftnahdades, que, como discutimos no capítulo 5, quase se resumem em fornecer uma base casual com a qual comparar resultados obtidos

u qualquer tipo de fenômeno observado.

O princípio básico dos testes estatísticos, como já sabemos, é: ·omparar os resultados obtidos com os esperados pelo acaso. O uso de númer~s aleatórios para designar sujeitos para grupos experimentais ao tcaso e baseado no mesmo princípio geral, só que os números aleatórios ao usados para designar sujeitos para grupos. Outro exemplo esclarecerá

I to.

Suponhamos que eu queira fazer um experimento testando três Jltétodos de ensino, A1, A2 e Aa. A1 pode ser um método de exercícios A2 .um n:_étodo de discussão e Aa um método combinado de exercício~

drscussao. Tenho 30 crianças de quem conheco o sexo e sei 0 número du po?tos, d~ inteligência. Acredito que inteligência e sexo podem, em

de SI pr?pnos, a~etar o resultado- o resultado ou variável dependente, 11 ~ual, di~amos, e uma ~orm~ de ~res?lução de problemas. Então quero IIH.: . ?ar~ntlr q~e. as po~sivel mfluencias dessas duas variáveis e outras VUI'laveis possiveis estejam sob controle. Na tabela 6.4 são dados os O pontos e ~s i~d!ca?ões de sexo, masculino (M) e feminino (F). J pontos de mtehgencia são dados em ordem de postos, do mais alto

1 Hncontram-se tabela~ de números aleatórios em vários textos. Veja por exemplo 11 decore Cochran (1967, pp. 543-546). ' '

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Page 60: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

ao mais baixo. Os números de 1 a 30 foram designados às crianças e são dados também na tabela (coluna da esquerda).

Quero ter certeza de que os três grupos são estatisticamente iguais em todas as variáveis independentes possíveis que possam afetar a solu-ção de problemas. Assim, distribuo as crianças ao acaso usando Un\a tabela de números aleatórios. t o mesmo que considerar as 30 crianças como uma população e tirar três amostras de 10 cada ao acaso. Amostra-gem casual é o método de tirar uma porção ou amostra de uma população

Tabela 6.4 Pontos de teste de inteligência (por ordem de postos) e sexo de 30 crianças, com números aleatórios atribuídos a todas as crianças.

Ponto Número Ponto Número Número intel. Sexo casual Número intel. Sexo casual

147 F 26 16 108 F 3 2 141 F 13 17 104 M 22

3 137 M 29 18 104 M 23

4 136 F 11 19 103 M 21

5 132 M 19 20 102 M 19

6 128 M 14 21 101 F 5

7 128 M 10 22 101 M 17

8 126 F 27 23 99 F 24

9 125 F 4 24 95 F 8

10 122 M 6 25 94 M 12

11 118 M 30 2J 92 F 18

12 115 F 7 27 90 F 16

13 115 M 2 28 90 M 20

14 110 F 28 29 89 M 25

15 109 F 15 30 87 F

de sorte que as amostras possíveis de tamanho n tenham a mesma proba­bilidade de ser escolhida. Há muitíssimas amostras possíveis de tamanho 10 que podem ser tiradas de uma população de 30 (cerca de 30 milhões!) e todas têm igual probabilidade de ser escolhida - se a amostragem for casual. Na designação aleatória usamos a mesma idéia e, com efeito, tiramos três amostras de 10 cada. As primeiras 10 são designadas a um grupo, as segu1 das a outro grupo e as terceiras a um terceiro.

Tirei os 30 números aleatórios de uma tabela, restringindo minha escolha a números de 1 a 30, ignorando quaisquer números acima de 30. Uma maneira mais. simples e menos trabalhosa seria instruir um computa­dor para gerar 30 números aleatórios: (Uma pessoa levaria 20-30 minu-

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tos, talvez mais, para fazer isto. Um computador leva um ou dois segun­dos! Naturalmente, é preciso que se escreva o programa para dizer ao omputador o que deve fazer. Isto leva mais tempo, mas póde ser usado

para outros problemas !5e~elhantes.) Os números que tirei da tabela, na ordem em que foram brados, são dados nas colunas da esquerda da tabela 6.5 (30, 13, 16, ... ; 4, 25, 2, ... ; 19, 17, 18 ... ). Os três 8l'Upos experimentais foram designados At, A2 e As. O OI e sexo de ca?a ~ujeito. ~o dados ao lado dos números aleatórios. Por exemplo, o pr1me1ro suJeito da tabela 6. 5 foi o décimo terceiro na tabela 6 .4. Uma olhada na última tabela mostra que este sujeito· tinha um OI de 87

era mulher. O segundo sujeito da tabela 6.5 era número 13 na tabela .4 .e t~nha um Q~ de 115 e era homem. Os 30 sujeitos, então, foram

d!stnburdos aleatonamente a três grupos, junto com seus Ois e designa­ções de sexo.

Será que consegui misturar os sujeitos de sorte a poder assumir que os grupos sejam estatisticamente "iguais"? Jamais saberei exata­mente, mas posso verificar até certo ponto. Primeiro calculo as médias dos números dos sujeitos em cada grupo. Estas médias são dadas no fim da tabela 6.5. São 14,7; 17,5; 14,3. A média dos números de 1 a 30 é 15,5. As discrepâncias são relativamente pequenas: 0,8; 2,0 - 1,2.

tabela 6.5 Dados da tabela 6.4 rearranjados em ordem casual.

Al A2 As

Número QI Sexo Número QI Sexo Núm.ero QI Sexo

30 87 F 4 136 F 19 103 M 13 115 M 25 94 M 17 104 M 16 108 F 2 141 F 18 104 M 9 125 F 6 128 M 23 99 F

21 101 F 15 109 F 29 89 M 10 122 M 27 90 F 1 147 F 12 115 F 22 101 M 8 126 F 24 95 F 26 92 F 14 110 F 5 132 M 20 102 M 3 137 M 7 128 M 28 90 M 11 118 M

NNo. 14,7 17,5 14,3 MQI 112,80 108,30 113,70 Mt=l11,67 Maaculino 4 5 6 15

emlnino 6 5 4 15

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(Se eu tivesse 50 ou 100 números em cada grupo, p:o~avelmente elas seriam menores. Por quê?) Segundo, calculo as m~dtas de, OI, um cálculo importante porque quero "igualar" a inteligêncta no.s tres grupos. A média dos 30 Qis é de 111,67. Esta, então, é a expectativa para ~ada grupo. As médias calculadas p ara os. gru~os são de 112,80, 108 •. 3a:,e 113 70 As discrepâncias da expectativa sao -1,13, -3,37, 2,03, sao peq~en.as. Finalmente, conto os homens (M) e mulheres .<F) d~s ~rup<:_s· Os números são dados no fim da tabela. Outra vez as dtscre~anctas sao pequenas. Portanto, a casualízação "aconteceu": os gru~os sao bastante "iguais" em inteligência e sexo. Assumo que eles tambem são "iguais" em outras possíveis variáveis influentes.

Este processo de designar sujeitos ale.ator~amente . a g:upos exp~r~­mentais é um aspecto importante da casuahzaçao. Aqu.t esta uma defm~-

ão um bocado formal e rígida do que acaba de ser t!ustrado. Casualt­~acão é a designação de objetos (sujeitos, tratan~entos, grupos) de um un'iverso a subconjuntos do universo de tal manetra que.' para .qual.quer designação dada a um subconjunto, todo I?emb!o do_ um~erso ,em tgu?l probabilidade de ser escolhido para a destgnaçao. Nao ha tot~l. garantia de que a casualização "igualará" os grupos, mas a probabtltdade de igualar é relativamente alta.

Há outra forma de expressar esta idéia, citando .um princípio_ f_un­cional, 0 princípio de casualízação: já que, em pt:~cedtmentos aleato~ws, todo membro de uma população tem igual probabtltdade de ser escolhtdo, membros com certas características distintas - homem ou mul~e_r, alto ou baixo grau de inteligência, republicano ou democrata, dogmatlco ou não-dogmático, e assim por diante - se selecionados, provavelmente serão contrabalancados a longo prazo pela seleção de outros membr?s da população c01~ a quantidade ou quaHd.ade " opostas" da ~a.racte:I~­tica. Isto não é uma lei da natureza. f: simplesmente uma . aftrmattva do que acontece mais freqüentemente quando se usam procedunentos de casualização.

Outra visita a Aronson e Mills

Voltemos ao experimento de Aronson e Mills para reunir as idéias discutidas e ilustradas neste e no capítulo 5. Agora, entretanto, a~r~sen­taremos o experimento real e alguns de seus resultados. A lupotese testada foi: a dificuldade de entrar para um grupo aumenta se~ va~or aos olhos dos membros elo grupo. Por exemplo, muitas, o~gamza~oes põem dificuldades e barreiras à entrada de novos membros. fms barretras aumentam o valor dos grupos aos olhos de seus membros?

Essa hipótese interessante e talvez um tanto perversa foi testada

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de maneira engenhosa. 4 63 jovens mulheres foram designadas aleatoria­mente a 3 grupos de 21 cada e submetidas a três condições experimen­tais: (1) condição severa, na qual os sujeitos tinham que ler palavras bscenas e descrições de atividades sexuais; (2) condição suave, na qual s sujeitos liam palavras relacionadas a sexo, mas não obscenas; e (3) ondição de controle, onde os sujeitos não precisavam fazer nada.

Foi usado um procedimento bastante elaborado. Parte de sua inten­ção era mostrar a filiação ao grupo como pouco atraente. Todos os sujeitos tiveram que ouvir a uma suposta discussão elos atuais membros do grupo que "em geral se dedicavam a uma das discussões mais desinte­ressantes e inúteis que se possa imaginar" (Aronson e Mills, 1959, p. 179). A variável dependente foi a avaliação da discussão e seus partici­pantes (presumivelmente membros do grupo) pelas moças. Aronson e Mills acreditavam que os sujeitos dos três grupos avaliariam diferente­mente a discussão e os participantes: a condição severa mais favora­velmente, a condição suave em seguida e a de controle em último lugar, menos favorável (e realisticamente). Se pudermos aceitar a validade do raciocínio implícito de Aronson e Mills, que quanto mais altas as avalia­ções da discussão estúpida e de seus participantes mais os sujeitos valori­zavam sua entrada para o grupo, então a hipótese derivada da teoria da dissonância cognitiva (ver nota de rodapé n.0 4) estava apoiada pela evidência experimental.

As médias de todas as avaliações da discussão e participantes foram: condição severa: 195,3; condição suave: 171,1; controle: 166,7. Os resultados parecem apoiar a hipótese: os sujeitos do grupo da condição severa avaliaram a discussão e os participantes da maneira mais favo­rável, os da condição suave avaliaram-nos menos favoravelmente e os de controle menos favorável que todos. Já que os sujeitos foram designado~ aos três grupos aleatoriamente, os pesquisadores puderam considerar entre eles, depois, como devidas à manipulação, às condições diferentes. os grupos "iguais" estatisticamente antes do experimento e as diferenças Mas, como sempre, perguntamos: as três médias e as diferenças entre elas poderiam ter aparecido por acaso? Um teste estatístico que determinou a significância estatística das diferenças mostrou que as médias obtidas c as diferenças provavelmente não poderiam ter aparecido por acaso.

onforme um desses testes, diferenças tão grandes quanto as observadas poderiam ter ocorrido por acaso menos que uma vez em 100. É uma boa evidência para validade empírica da hipótese.

O modelo básico discutido neste capítulo tem muitas aplicações na pesquisa comportamental, embora se deva confessar que não tem sido

•I A hipótese deriva da teoria da dissonância cognitiva !devida a Festinger) que diz l(Ue, quando idéias ou comportamentos causam conflito em um indivíduo, ele lutará para recuperar ·O equilíbrio e reduzir .a "dissonância cognitiva". O leitor verá a dissonância produzida nos sujeitos do experimento.

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muito usada a não ser nesta forma de duas condições. Os pesquisadores comportamentais, principalmente os psicólogos, parecem preferir o tip.o de modelo discutido no próximo capítulo. Sempre que duas ou mats condições experimentais de uma variável independente precisam ser com­paradas e estudadas, como no estudo de Aronson e Mills e no de d àrk e Walberg, e possamos supor que as condições experimentais funcionam na maioria das circunstâncias ou têm efeitos fortes, o delineamento de uma só variável indenpendente é útil e apropriado.

Esse delineamento tem, entretanto, uma grande limitação. Se a variável experimental funcionar apenas em conjunção com uma ou mais variáveis independentes, então, o modelo não é apropriado. No próximo capítulo, onde consideraremos a pesquisa experimental com mais de uma variável independente, veremos quando e por que o delineamento de uma só variável independente pode ser impróprio.

Talvez a coisa mais importante que o leitor possa tirar deste capítulo seja a aplicabilidade e a força dos procedimentos aleatórios. Uma das grandes forças dos experimentos é poderem usar casualização. É o único método defensável inventado para aumentar a probabilidade da validade dos experimentos e das inferências feitas a partir deles, aumentando a probabilidade de "igualdade" dos grupos experimentais em todas as variáveis independentes possíveis. Seu uso dá grande força ao pesquisador para fazer inferências partindo de dados e chegar a conclusões sobre teorias e hipóteses.

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7. Delineamento da pesquisa experimental: delineamentos fatoriais

O delineamento da pesquisa é a disciplina dos dados. Sua finalidade implícita é impor restrições controladas às observações de fenômenos naturais. Um modelo de pesquisa, com efeito, diz ao pesquisador: "Faça isto e aquilo; não faça isto ou aquilo; cuidado com isto; esqueça aquilo" , c assim por diante. Em resumo, é uma planta da pesquisa . Se o delinea­mento for bem concebido, o produto resultante da pesquisa tem maior probabilidade de ser válido empiricamente e merecer atenção científica séria. Sem conteúdo - boa teoria, bons problemas, boas hipóteses - o delineamento de qualquer pesquisa é vazio. Mas sem forma, sem estru­tura adequadamente concebida e criada para os propósitos da pesquisa, pouca coisa de valor pode ser realizada.

A elegância e força do moderno delineamento de pesquisa e a idéia de que delineamento é a disciplina dos dados tornam-se muito mais visí­veis em delineamentos fatoriais - o tipo de delineamento que estudare­mos neste capítulo . Sua elegância se mostrará à medida que estudarmos os exemplos. Sua força emana de dois propósitos principais da pesquisa : dar respostas às perguntas da pesquisa e controlar as fontes de influência.

A maioria dos experimentos nas disciplina comportamentais do Início do século usava apenas uma variável independente e apenas duas condiç~es experimentais. Este era o "modelo clássico" de pesquisa, um grupo as vezes chamado grupo experimental e outro chamado grupo de c ntrole. Além disso, os sujeitos não eram designados aleatoriamente aos grupos. Já vimos que a idéia de duas condições experimentais pode ser f cllmente expandida para mais de duas condições. Isto, entretanto, ainda

caso de uma variável independente. Só foram aumentadas as condi­ções experimentais, não as variáveis. No experimento de Aronson e Mills, P r exemplo, foram usadas três condições experimentais, mas estas consti­tuíam apenas uma variável independente.

Na década de 30 iniciou-se uma revolucão na conceituacão de ú lineamento de pesquisa e na análise estatísti~a. Foi introduzid'a mais de uma variável independente. Muitos desses delineamentos acabaram cndo chamados delineamentos fatoriais . 1 Eles consistem essencialmente

1 I lineamentos fatoriais não devem ser confundidos com análise fatorial. Vamos x.uminar análise fatoiial mais adiante.

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em modelos experimentais em que duas, três ou mais variáveis indepen­dentes são usadas simultaneamente para estudar seus efeitos conjuntos ou separados em uma variável dependente. Foi uma abertura incrível na pesquisa comportamental porque tornou possível o estudo de hipóteses e problemas complexos de pesquisa. Tais delineamentos tinham muitas vantagens, sendo as três mais importantes: puderam ser testadas e formu­ladas teorias mais sofisticadas; problemas mais realistas puderam ser investigados; e pôde-se estudar a influência conjunta de variáveis.

Um exemplo de delineamento fatorial 2

Um grupo de psicólogos sociais está preocupado com o problema do preconceito. O que fazer quando alguém, digamos, um amigo, um colega de trabalho, faz uma observação intolerante sobre judeus (ou católicos, protestantes , pretos, italianos ou qualquer outro grupo?). Você discute com ele, diz que ele está errado, dt1-lhe uma lição de moral? Ou talvez não faz nada? f provável que, se ficar quieto, você esteja apoiando e reforçando o preconceito, porque na verdade você está afirmando normas que apóiam o preconceito com seu silêncio. Vamos concordar, então, que você tem que dizer alguma coisa. O que poderá ser? O que teria melhor efeito?

Há muito tempo os apelos religiosos c morais vêm sendo usados por padres, ministros e rabinos. "Não é cristão dizer uma coisa dessas" ; "f: incompatível com os judeus ser moralmente preconceituoso", e assim por diante. Por outro lado, há uma escola de pensamento que acredita que os apelos morais-religiosos são inúteis. Afinal, eles parecem não ter tido grande efeito no passado . Os que adotam esta escola de pensa­mento acham, antes, que uma abordagem mais pragnu1tica possa ajudar. Por exemplo , mostrar a uma pessoa que faz uma observação preconcei­tuosa, como o preconceito fere a todos nós, como pode se voltar contra qualquer grupo , como embaraça a democracia, e assim por diante.

Para testar qual desses tipos de apelo funciona mais, no sentido de persuadir ou convencer as pessoas a não mais fazerem observacões preconceituosas, os psicólogos sociais podem, naturalmente, fazer ' um experimento como o de Clark e Walberg. Resolvem chamar um apelo "Apelo Moral". Em vez de se limitarem a apelos religiosos, os morais incluirão outros argumentos morais, por exemplo: "B errado falar assim sobre judeus (pretos, católicos, e assim por diante) " ; "Devemos tratar os outros como a nós mesmos". Deram ao outro apelo, ao descrito acima , o nome de "Apelo Pragmático".

Esta é a condiÇão mínima para um experimento . Os sujeitos podem ser designados aleatoriamente para dois grupos e de alguma forma

2 A idéia para este exemplo foi tirada de um experimento feito por Citron , Chein e Harding (1950).

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experimentarão os doi.s tiJ?~S. de .apelo. Suas reações a estereótipos de memb_r~s de grupo~ mmontanos podem ser obtidas, e a diferença entre as ~e~tas dos dOis. grupos pode ser avaliada quanto à significância estahshca. O paradtgma deste experimento aparece na parte superior es~uerda da tabela 7.1 (A, na tabela). É o já familiar delineamento de dots grupos.

~as suponhamos que os psicólogos sociais tenham motivos para acredtt:r - em bases teóricas ou experimentais - que a maneira de expre~sao usada ao faz~r tais apelos faça uma diferença. Isto é, que acre~tt~m que um ape~o mflamado tenha mais efeito do que outro calmo e obJ~tlvo. Eles poderao, naturalmente, testar a crença ou hipótese, num exper~me~1to separado. O paradigma de tal experimento é o mesmo que 0

do pr~metro; tabela 7.1 (A). Está na parte superior direita da tabela (B). E_ posstvel, naturalmente, que cada um desses experimentos possa

se~ ~etto. E P?~em apresentar diferenças grandes entre as médias. Os pstcologos soctaJs, en:retanto, não estão interessados na idéia de experi­mentos se~arados .. Tem outra, muito mais interessante: "Por que não fazer os dots e~penmentos ao mesmo tempo e estudar os efeitos separados dos apel?s , assn~ como do modo de expressão, e também estudar e avaliar seus efet~os conJuntos sobre a variável dependente?" Assim eles fazem. O paradt~ma _ou modelo do delineamento de tal experimento é dado na part~ t?fenor d~ tabela 7. 1 (C). Este modelo permitirá três testes em um, ~mco expenmento. O primeiro teste avaliará os Apelos, Moral e Pragmattco. O segundo avaliará os Modos,-de Expressão, Inflamado c

Tabela 7.1 Construção de um modelo fatorial dois-p~r-dois.

(A)

Apelos

Moral A•

Medidas da variável dependente

Pragmático A•

Modo de expressão

Inflamado Bt

Calmo B•

(B)

Modo de expressão

Inflamado R•

Medidas da variável dependente

Calmo B•

(C)

Apelos

Moral A•

Pragmático A•

I medidas da

r---- variável deprdente

107

Page 64: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

Calmo. Estes dois testes têm 2 mesma forma. É como se fossem feit~s dois experimentos separados e avaliadas as diferenças entre os do1s grupos, em cada experimento. · . . _

O terceiro teste é mais interessante. Serve para avahar ~ mte~~çao, o trabalho mútuo das duas variáveis independentes em seu efeito con1unto sobre a variável dependente. Significa avaliar o efeito da variável A em diferentes níveis da variável B. É possível, por exemplo, que o_ apelo moral seja mais eficiente do que o pragmático apenas quando feito em tom inflamado. Ou pode ser que o pragmático seja mais eficiente do que o moral quando feito em tom calmo. Quando uma variável indepen~~nte tem efeitos diferentes em diferentes níveis ou aspectos de outra vanavel independente, este efeito diferencial cham~:se interação. Diz,-se que ?uas variáveis interagem para afetar uma vanavel dependente. Os delmea­mentos fatoriais podem ter mais de duas variáveis independentes e, portanto, é possível estudar mais de u?,la _in~eração, mas vamos nos restringir em geral ao caso de duas vanave1s mdepe_ndentes.

A idéia de testar várias hipóteses em um expenmento e o uso do tipo de delineamento para fazer isto, mostrado na tabela 7.1 (~), ~n!luen; ciaram fortemente a pesquisa científica comportamental. E ?ao e a t?a. É uma maneira elegante, eficiente e poderosa de fazer as. cmsas. Preclsa­mos então examiná-la muito cuidadosamente. Ao fazer 1sso, vamos nos lembrar d; que os princípios que discutimos até agora são os J?esmos aqui: casualização e designação aleatória, avaliação dos efe1~os de variáveis independentes sobre variáveis dependentes. e a soluçao d?s problemas de pesquisa usando deline~mentos d_e pe,s~msa e tes.tes ~-~tatls­ticos. Vamos voltar ao nosso expenmento h1potet1co para llusüar as idéias básicas.

Os psicólogos sociais designaram 15 indivíduos ao acaso a cada célula da tabela 7. 1 (C), num total de 60 sujeitos. Havia, naturalmente, quatro grupos correspondentes às ~uatro células da ta_bela (~~- Pa~a abreviar a conversa sobre o expenmento e para enfatlzar a . fut;çao dupla" de cada célula da tabela, as designações A e B foram msendas nos cantos da tabela 7.1: A1B1, AzB1, A,Bz, AzBz. A, naturalmente, representa a variável Apelos e B, Modos de Exp~essão. A1 e Az e B1 e Bz representam as categorias de A e B. At e Az _ sao Apelo Moral e Apelo Pragmático; B1 e B2 são Mod? ~e Expressao Inf}amado e ~odo _de Expressão Calmo. Estamos mms mteressados, porem, nas des1gnaçoes conjuntas. . , .

A B e, a ]·unção ou interseccão das vanave1s A e B no ponto A1 e B1, 1 1 ' , ' 3 ,

a saber a célula da esquerda superior denominada A1B1. AzB1 e a

3 Para 0 leitor que conhece algo sobre a teoria dos conjunto~, _A1 e A2 po_dem ser considerados como partições do conjunto A, e B1 e Bz parttçoes do conJunto B. A1B1, B,B,, e assim por diante, são intersecções dos conjuntos A e B, ou, em geral,

108

junção das vanaveis A e B no ponto AzB1, a célula superior direita. As duas células restantes são, igualmente, as outras duas junções de A e B. Vamos imaginar que foi feito o experimento. Os pesquisadores ruseram os sujeitos de cada grupo a examinar duas pessoas que discutiam H bre judeus. Uma delas fez observações depreciativas a respeito dos judeus. A outra respondeu tentando mostrar à primeira por que não devia falar daquele jeito. As respostas da segunda, entretanto, diferiam de quatro maneiras e cada uma correspondia às quatro células da tabela 7.1 (C). Os sujeitos designados para a célula superior esquerda, A1B1, uviram-na usar o apelo moral, dito de maneira inflamada, e os da célula

inferior esquerda, A1Bz, ouviram-na usar o apelo moral dito de maneira alma. Os sujeitos da célula superior direita, AzB1, ouviram-na usar o

npelo pragmático em tom inflamado e, finalmente, os da célula direita Inferior, AzBz, ouviram o apelo pragmático dito em tom calmo. Dois dias I pois de feito o experimento, foram medidas as atitudes dos sujeitos em

r·clação aos judeus. (Os detalhes de procedimento usados no experimento como as atitudes foram medidas, não nos preocuparão aqui.)

É necessário observarmos três pontos importantes em relação a ste experimento e aos delineamentos fatoriais em geral. Primeiro, dois

experimentos estão incluídos em um. Um deles testa a relação entre modo de apresentação e a variável dependente e o outro, a relação entre apelos

a variável dependente. Segundo, com a designação aleatória dos sujeitos nos quatro grupos (as quatro células), e o cuidado ao fazer o experi­mento, pode-se assumir que os dois tratamentos - apelo e modo de upresentação - são independentes um do outro. Embora a independência tenha sido amplamente discutida no capítulo 5, sua importância justifica rnaior elucidação. As duas variáveis são ortogonais entre si. "Ortogonal" quer dizer em ângulo reto, o que significa que as variáveis são inde­p ndentes, justificando considerar um experimento como dois. Nem

mpre é fácil entender isto, mas é muito importante. Quando duas variáveis são independentes uma da outra, são não-correlacionadas. Se pudéssemos calcular a correlação entre elas, obteríamos zero ou próximo de zero. Isto significa que o efeito de cada uma delas, na variável depen­d ·nte, pode ser considerado e avaliado separadamente. Se a correlação entre elas não fosse zero, fosse 0,50, por exemplo, não seriam indepen­d ntes; parte do efeito de uma delas sobre a variável dependente poderia

dever à outra. O terceiro ponto é o mais interessante. Se na realidade as duas

vuriáveis independentes funcionam juntas de algum jeito, para afetarem n variável dependente, este efeito pode ser estudado e avaliado. Suponha-

A n B. A,B, pode ser escrito A, n B, , A,B I pode ser escrito A, n B, e igual­"' ' tHe para os outros dois subconjuntos, que podem ser considerados partições ruzadas.

109

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mos que os psicólogos soc1ars não estejam realmente interessados nas variáveis independentes separadamente. Eles acham que não foi apenas o apelo que fez efeito, mas os apelos combinados com os modos de apresentação. Eles acham especificamente, que o apelo moral funfiona apenas quando apresentado de forma inflamada, que fazer um apelo moral de maneira calma e racional é inútil; é preciso emoção para passar convicção. (Como prova o sucesso de pregadores fundamentalistas e de políticos demagogos.) Inversamente, acreditam que o apelo pragmático exige tom calmo e racional de apresentação, para surtir efeito. Esta linha de raciocínio é mais interessante e, naturalmente, mais complexa. Está sendo adotada a chamada hipótese de interação: as duas variáveis interagem para afetar a variável dependente.

Vamos fabricar alguns resultados para ilustrar diferentes resultados possíveis do experimento. Aí então veremos como as perguntas da pesquisa podem ser respondidas pelos dados obtidos no experimento. A tabela 7 . 2 contém 4 resultados dos vários possíveis. As entradas numéricas são médias. Assumimos que a variável dependente, atitude em relação aos judeus, foi medida numa escala de 7 pontos, com 7 indicando uma atitude altamente positiva e l uma atitude altamente negativa. As médias grifadas são as significativamente diferentes. Por exemplo, em (1), 6 e 4 estão grifados, o que significa que MA1 é significativamente maior do que MAz (indicado na parte inferior dos dados por A1 > Az, At é maior do que Az). As diferenças entre as médias A e B, consideradas separadamente, são chamadas efeitos principais. Se, por exemplo, MAl é comparada a MAz, isto é um efeito principal - da variável A.

As quatro estruturas, ou subtabelas, não são cruzamentos, que já foram estudados quando examinamos os dados do estudo de Miller e Swanson, em forma de freqüências e porcentagens. Eles mostram simples­mente um meio conveniente de apresentar o delineamento e os dados de um estudo e análise fatorial. O 6 da célula A1B1 de (I) é uma média calculada com os pontos de atitude dos 15 sujeitos da célula. O 4 na parte de baixo da tabela é a média calculada com os 30 sujeitos da coluna Az. As outras médias foram calculadas da mesma forma. Os dados de um delineamento fatorial são quase sempre apresentados desta forma prática e rapidamente interpretável. Os efeitos das variáveis separadas -neste caso, apelos e modos de apresentação, ou A e B - assim como os efeitos conjuntos podem ser vistos claramente colocando as variáveis uma contra a outra desta forma.

Os dados em (I) indicam que o apelo moral, A1 foi muito maior que o apelo pragmático, Az. Obviamente não houve diferenca entre as médias de modo de apresentação (5 e 5) e, portanto, nenhum~ diferença entre B1 e Bz. Os dados em (li), por outro lado, indicam uma diferenc3 grande entre apresentação inflamada e calma, B1 e B2 , e nenhuma dife-

110

1'11/1 la 7.2 Quatro conjuntos de posstvets resultados obtidos em um modelo de p l'lmento fatorial fictício (médias)'.

lnflnmado li•

('u lmo u~

Inflamado U•

Calmo I) I

(I)

Moral pragmático

A, A,

I A,B, A,B,

6 4

6 4

A,B, A,B,

6 4

A, >A,

(III)

Moral pragmático

A, A,

I A,B, A,B,

I 6 4

I 5

I 5

I A,B, A,B,

5,5 4,5

A,B, > A2B1

(li)

Moral pragmático

A, A,

Inflamado A,B, A,B,

5 B1 6 6 6

5 Calmo I A,:,

I 4 A,B,I4 B• I

5 5

B, >A,

(IV)

Moral pragmático

A, A,

Inflamado A,B, A,B, 15 5 B1 6 4

5 Calmo 4 6 A,B,i5 B• I A,B,

5 5

A,B, > A,B, A,B, > A,B,

11 As entradas nas células e nas margens são médias. Médias grifadas indicam dIferenças significativas.

r•cnça entre apelo moral e apelo pragmático, A1 e Az. No primeiro caso, stes dados indicariam que o apelo moral é mais eficaz do que o

pragmático em influenciar atitudes em relação aos judeus, não importa de que maneira seja apresentado. No segundo caso, o modo de apresen­tação, inflamado, teve mais efeito do que o modo calmo, sem importar

tipo de apelo. Naturalmente, os exemplos não são realistas. Provavel­mente as médias não sejam números redondos como estes e muito menos iguais [(as médias 5 e 5 em (I) e (li)]. Em todo caso, eles ilustram os pontos essenciais.

Os dados de (III) são mais interessantes. Indicam que os apelos moral e pragmático diferem significativamente apenas quando apresenta­dos de maneira inflamada. Os dois apelos são iguais quando apresentados calmamente. Este é o fenômeno da interação, já discutido. Lembre-se de que a interação acontece quando os efeitos de uma variável independente

lll

Page 66: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

são diferentes em níveis diferentes de outra variável independente. Neste caso, as variáveis A e B "interagem" não porque A afete simples~~nte a variável dependente, como em (I) , mas porque A afeta a vanavel dependente, dependendo do nível em que B esteja. Em outras p~l~vras, o efeito de A depende d~ B; A_.deve i~teragir com B para~er eflctente. Há muitos exemplos de mteraçao na vtda. O sucesso de alguns homens parece depender das mulheres com quem se casam. Para outros homens, não importa: progridem não importa ~om quem te.nham se ~asado. o preconceito contra judeus, embora mu~to forte, .mamfest~-se, ~tgam~s , apenas em épocas de crise. O preconcetto e o tlpo de sttuaçao soctal interagem então.

O exemplo (IV) é o mais interessante. Os dados indicam que os apelos moral e pragmático são significativamente diferentes com as duas abordagens, inflamada e calma, mas em direções opostas. O apelo moral, A1 é mais eficiente do que o apelo pragmático, A2, sendo apresentado de' maneira inflamada, B,; mas o apelo pragmático, Az, é mais eficaz do que o apelo moral, A,, apresentado de maneira calma, B2. .

Deve ficar claro para o leitor que estamos tratando aqm com situações muito mais complexas do que as de delineamento e análise de uma só variável independente do ítltimo capítulo. São testados dois ou mais efeitos principais, assim como possíveis interações d~ v~riávei.s independentes. Deve também ficar claro que a abordagem fatonal e formi­dável. Em experimentos pode-se reproduzir mais aproximadamente a verdadeira complexidade das situações reais. Este é um grande passo intelectual na pesquisa e análise. .

Os delineamentos fatoriais têm várias formas, algumas das qua1s muito complexas. Além do delineamento relativamente simples 2 x 2 que já discutimos, pode-se ter delineamentos com duas variáveis indepen­dentes, mas com mais condições experimentais. ("2 x 2" significa "duas condições vezes duas condições", ou cada variável A e B tem duas condições experimentais.) Por exemplo, duas condições multiplicadas por quatro condições, ou três condições por cinco. Estas estão resumidas na bibliografia como 2 x 3 e 2 x 5 (leia-se "dois por três" ; "três por cinco") . Tais delineamentos são usados freqüentemente, especialmente em pes-quisa psicológica e educacional. .

É possível ter-se três ou mais variáveis independentes em delinea­mentos fatoriais. Pode-se ter, por exemplo, duas condições por duas condições por quatro condições, ou 2 x 2 x 4 . O mais simples destes delineamentos, 2 x 2 x 2, é freqüentemente usado em experimentos psico­lógicos. Embora poderosos e muitíssimo interessantes, estes delineamentos não irão ocupar-nos aqui. Deveria observar-se, entretanto, que com três variáveis independentes e um delineamento fatorial são possíveis sete testes: os três efeitos principais e quatro eleitos de interação! Se o leitor pretender ler a bibliografia da pesquisa, é necessário que ele tenha algum

112

conhecimento de tais delineamentos e sua análise. Recomenda-se, então, o estudo de um bom texto de planejamento estatístico (por exemplo, Edwards, 1972).

Há um grande número de outros delineamentos experimentais usado nas ciências comportamentais. Não vamos estudá-los neste livro, não porque não tenham importância, mas por causa de nossa ênfase em idéias conceituais básicas e em complexidades técnicas. O leitor achará útil a discussão excelente, mas um bocado difícil, de Campbell e Stanley ( 1963).

Exemplos de pesquisas com delineamentos fatoriais

Vamos tentar dar mais vida ao assunto citando três estudos nos quais acha-se finmnellce ilustrada a força do delineamento e da análise fatorial. Embora às vezes seja difícil encontrar bons exemplos de certas outras técnicas, absolutamente não é difícil encontrar usos do delinea­mento fatorial de bons a excelentes, principalmente em pesquisa psico­lógica. Os psicólogos perceberam rapidamente as virtudes - e talvez a qualidade estética - do delineamento fatorial para implementar seus propósitos teóricos e experimentais. 4

Além da lei de Parkinson

Em 1957, Parkinson expôs sua famosa lei: .,.0 trabalho se expande para preencher tempo disponível. Em outras palavras, se as pessoas tiverem tempo no trabalho encontrarão trabalho para preencher o tempo". Num experimento interessante, Aronson e Gerard (1966) testaram uma variação da lei de Parkinson: indivíduos que têm excesso de tempo para termir·ar uma tarefa em uma ocasião perderão mais tempo para fazer tarefa semelhante em ocasião subseqüente do que indivíduos que tiveram o mínimo de tempo na primeira tarefa. Esta hipótese tem implicações surpreendentes e pertubadoras - se confirmada. Deriva vagamente de uma teoria da aprendizagem (Guthrie, 1935) que diz que uma combina­ção de estímulos acompanhando um movimento tenderá, à repetição dos estímulos a ser acompanhada pelo movimento. No caso presente, se o sujeito passa muito tempo fazendo alguma coisa em uma ocasião, ele tenderá a passar muito tempo também em ocasiões subseqüentes.

4 Parte do motivo para usar extensivamente o delineamento fatorial em psicologia é devida à ênfase nos experimentos e experimentação. A psicologia social é um bom exemplo: a moderna psicologia social é virtualmente psicologia social expe­rimental. Naturalmente há muitas exceções, algumas delas excelentes. Os exemplos crão dados em futuros capítulos.

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Aronson e Gerard deram também uma breve explícação teórica (no fim de seu relato) derivada da teoria da dissonância cognitiva (Festínger, 1957). Esta teoria diz, em parte, que se alguém faz alguma coisa que seja incongruente com, digamos, a percepção de si mesmo ou da situação, sen­tirá um desconforto psicológico ou " dissonância cognitiva". Eh1 relação à afirmação de Parkinson, se uma pessoa gasta mais tempo do que o necessário em uma tarefa, isto críará dissonância cognitiva porque o excesso de tempo gasto é incongruente com uma avaliação realista e correta do tempo necessário para cumprir a tarefa. Para reduzir a disso­nância cognitiva, a pessoa precisa aumentar a importância e a complexi­dade da tarefa: " Afinal, é muito importante; leva tempo". Conseqüente­mente, ela poderá perder o mesmo tempo ou até mais da próxima vez que fizer tarefa semelhante ou a mesma.

As variáveis independentes foram tempo, incentivo e sexo. Vamos nos preocupar apenas com tempo; incentivo, sexo e todas as interações não eram significantes. Metade dos sujeitos recebeu 5 minutos para fazer uma tarefa; a outra metade recebeu 15 minutos. A tarefa, que era extremamente fácil, exigia apenas 5 minutos. Consistia em escolher vários arcrumentos de uma lista e colocá-los em uma seqüência lógica. Mais ta;de pediu-se aos sujeitos que preparassem uma palestra de 2 minutos sobre atletismo e que gastassem o tempo que precisassem para prepararem um discurso convincente. A variável dependente era o tempo gasto pelos sujeitos a prepararem o discurso (em segundos). Metade dos sujeitos recebeu também um incentivo para terminar mais cedo, para contraba· lançar "o efeito de excesso de tempo". Esta variável não era significante, como fora indicado.

Os sujeitos na condição excesso de tempo (1 5 minutos) gastaram uma média de 468 segundos na segunda tarefa, enquantos os sujeitos do mínimo de tempo (5 minutos) gastaram uma média de 321 segundos na segunda tarefa. Esta diferença foi estatisticamente significante. A evi­dência, então, indica que os sujeitos do grupo excesso de tempo sem dúvida levaram tempo demais para terminarem a tarefa.

O leitor poderá querer saber se este resultado é generalizável, isto é, se ele se aplica a outras pessoas em situações reais de trabalho. Diz-se freqüentemente que experimentos como estes são triviais, porque têm pouca ou nenhuma aplicabilidade além do laboratório. Deve-se ter em mente, entretanto, que a finalidade do experimento - e da maioria de tais experimentos - foi testar uma implicação de uma teoria. E isto se conseguiu com sucesso. Sua intenção não foi fazer mais do que isso. Se os pesquisadores quisessem saber alguma coisa a mais em relação à sua aplicabilidade em outras situações, ele teriam feito mais pesquisas em outras situações com amostras representativas de pessoas. Este ponto freqüentemente mal entendido será discutido novamente no próximo capítulo.

114

Raça. sexo e admissão a faculdades

Falta direção teórica a muito da pesquisa educacional porque é a pesquisa aplicada que se dirige para resolver problemas particulares de pesq~isa que não desenvolveram bases teóricas. O estudo que vamos constderar agora (Walster, Cleary & Clifford, 1971) é um exemplo excelente dessa pesquisa aplicada. Tem várias virtudes, duas das quais são sua hábil manipulação de variáveis usualmente não-manipuláveis e sua grande possibilidade de generalização. Um aspecto metodológico interessante foi a unidade de análise do estudo: em vez de indivíduos, escolas, que formaram uma amostra casual das escolas norte-americanas. s

O estudo foi dirigido no sentido de descobrir uma resposta para um problema social e educacional difícil, complexo e importante: a discri­minação na admissão às universidades. Walster e associados perguntaram: "As faculdades discriminam candidatas (mulheres)? Discriminam (contra ou a favor) candidatos negros?" Selecionaram aleatoriamente 240 facul­dades nos Estados Unidos e enviaram pedidos de admissão preparados a cada uma dessas escolas. Usaram um delineamento fatorial 2 x 2 x 3 As variáveis independentes eram sexo, raça e nível de capacidade. Estas variávei~ são interessantes e incomuns porque são todas experimentais ou mampuladas. Comumente estas variáveis são não-experimentais, o~~ variáveis - atributos - variáveis que não podem ser manipuladas. Mas Walster e outros manipularam-nas de maneira inteligente e imagina­tiva, embora simples. 6

Prepararam um formulário-guia para admissão à universidade, que procurava responder a todas as perguntas que a instituição pudesse fazer. Estes formulários foram enviados às 240 escolas escolhidas ao acaso. (Foram escolhidas aleatoriamente em um guia de escolas.) Cada formu­lário era enviado por um candidato supostamente legítimo. Um quarto

5 O ~e!tor dev_e C?~fiar em q~e ~ seg:; inte p roposição é correta: O uso de seleção aleatona_ (de mdtvtduos ou msttttuçoes) permite ao pesquisador assumir que a probab~ltdade de que a amostra seja representativa é substancial. Assim é alta a probabt!td~d~ d_e ~ue os resultados obtidos em tais amostras sejam aproximada­mente ap!tcavets a população da qual foi tirada tal amostra. Esta conclusão vale a~enas p~r~ amostras gran~e~ .. Em palavras .mais simples, isto significa que ll m?stl as aleatonas grandes posstbt~ttam ao pesqutsador generalizar para as popu­lfiÇOes de onde as amostras foram ttradas. Entretanto, o pesquisador jamais poderá l ~r cet:teza. Poderá_ c;_penas as~umir q~e suas amostras são representativas porque lcm fe na p ropostçao enunciada acima. Para maiores detalhes veja Kerlinger (1 973, cap ítulo 7, especialmente pp . 118-122) . ' 11 Devemo~ enfatizar um ponto, entretanto. Os bons experimentos exigem, além de conhectmento e competência, habilidade, imaginação e até criatividade. O expe· l'lme~to de Wals~er e colegas é um bom exemplo. Suas idéias parecem simples, ti ' POIS de conhectdas. que eu saiba, não fora feito ainda um experimento contro­ludo para testar preferências em admissões.

115

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deles indicava que o candidato era homem branco, outro quar~o hot;~em preto, outro mulher branca e ? último mul.her negra. Alem diss?, incluíram-se três níveis de capactdade do candidato. N~ verdade, h?vta então três variáveis independentes, raça, sexo e capacidade e 12 hpos de formulários, correspondentes a um delineamento fa!orial Z x 2 x 3. As 240 escolas foram designadas aleatoriamente às 12 celulas do modelo. Havia, então, 20 escolas por célula. A principal variável de~endente era aceitação ou rejeição do suposto candidato: uma e~cala de cm~o pontos, partindo de rejeição direta (1) a aceitação com ~?m.o ou oferec1m~n~o de ajuda financeira (5). Foram incluídas outras vanaveis dependentes e mdc-pendentes, também, mas não vamos nos preocupar com elas. . ,

Os pesquisadores esperavam que os homens fossem prefendos as mulheres · e pretos a brancos. (Na época do estu?~ as escol~; e~tavam procurando alunos pretos.) Estavam errados. A anahse _de vanan?Ia .f~to­rial mostrou que os efeitos principais de raça e sexo nao eram sJgmfica­tivos, nem a diferença entre médias de brancos e pretos 53,38 e ?,18). Foi descoberta uma interação muito mais interessante e nao antectpada, aliás. Isto está apresentado na tabela 7.3, que mostra as médias dos homens e mulheres (resultados médios na variável aceitação, homens e mulheres) de acordo com os três níveis de capacidade. .

Estude cuidadosamente esta tabela: é importante metodológica e socialmente. As médias dos três níveis de capacidade foram significativa­mente diferentes. Mas isto é uma descoberta não muito importante, já qu~ reflete meramente o costumeiro hábito de rejeitar candidatos de capaci­dade inferior. A diferença entre a média de homens e mulheres de 3,41 e 3,15 não foi significativa. Evidentemente não houve discriminaç.ão global com base em sexo. A interação. de capa~idade e se.xo .~~ seu efeito conjunto na aceitação, entretanto, fm estahstlcamente stgmflc~nte. Para interpretar a interação, podemos omitir as médias do nível médt~ de cap_a­cidade (3,48 e 3,48), já que são iguais. As médias de alta c~pactda~e sa~ 3 75 e 4 05 não muito diferentes. No nível ato de capactdade nao ha discrimi;ação de sexo. Veja, agora , as média~ de b~ix~ capaci?ade, 3,00 e 1 ,93. Esta diferença relativamente grande e o prmctpal mohvo para a interção significativa. Evidentemente os candidatos homens de baixa

Tabela 7.3 Médias da variável aceitação em faculdades por sexo e nível de capacidade: estudo de Walster, Cleary e Clifford.

Capacidade

Alta Média Baixa

Masc. 3,75 3,48 3,00 3,41

Sexo 3,15 F em. 4,05 3,48 1,93

3,90 3,48 2,47

116

capacidade são significativamente mais aceitos do que as mulheres de baixa capacidade. A discriminação parece ser exercida sobre o nível baixo de capacidade. Os autores afirmam que esta descoberta concorda com a observação feminista de que apenas mulheres excepcionais podem transcender estereótipos sexuais e serem julgadas objetivamente. Mulhe­res de capacidades mais modestas são julgadas primeiro como mulheres - e assim como "inferiores."

Este é um excelente exemplo da força do delineamento fatorial e da utilidade de estudar interações. Provavelmente não teria sido possível revelar a descoberta importante e interessante deste estudo sem a idéia de interação das variáveis independentes em seu efeito sobre uma variável dependente.

Deflagração de hostilidade, agressão deslocada e anti-semitismo

Berkowitz (1959), ao estudar a relação entre deslocamento de agressão e anti-semitismo, perguntou se pessoas preconceituosas têm mais probabilidade de reagir à frustração com agressão deslocada do que pessoas não-preconceituosas. Esta é uma hipótese de interação muito interessante baseada em duas linhas de teoria psicológica . Uma linha pode ser chamada teoria da frustração-agressão, que é baseada na idéia geral de que frustração conduz à agressão (Dollard e outros, 1939). Outra linha teórica, de origem psicoanalítica, diz que, sob certas circunstâncias, as pessoas deslocam sua agressão. Deslocar agressão significa re-direcio­nar agressão, daquilo que possa tê-la causado para outra coisa talvez sem relação com a fonte de agressão. Não precisamos elaborar todos os detalhes do raciocínio teórico. É suficiente dizer que, em muitos casos, os judeus se tornam alvo de agressão, sem haver relação necessária entre a fonte de agressão e o alvo, os judeus.

Berkowitz usou este raciocínio para tentar explicar a agressão contra os judeus. Seu experimento foi inteligente e eficiente. Foi mais que isto: foi, e ainda é, um casamento sofisticado entre a teoria e a metodo­logia e mostra o bom resultado de unir as duas satisfatoriamente. (Entre­tanto, tem um defeito. Veja nota de rodapé número 7 .) Ele dividiu 48 mulheres em dois grupos baseando-se nos seus resultados em uma medida de anti-semitismo. Cada um desses grupos foi então dividido em dois, baseados em impulso (drive) agressivo, mas vamos deixar de lado esta variável de controle, em nome da simplicidade. A variável experimental manipulada foi a deflagração de hostilidade. Com um grupo experimen­tal, o pesquisador usou de sarcasmo, de depreciação do desempenho dos sujeitos e questionou a capacidade de os estudantes fazerem seu trabalho escolar. O grupo se!TI hostilidade foi tratado de maneira neutra. Cada sujeito foi emparelhado com um aliado do pesquisador, com quem teria

117

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que resolver um problema. Foi perguntado ~os sujeitos}~ gosta':ar?. ou não do parceiro por meio de pontos que 1am de O ( sim, deftmhva­mente") a 23 ("definitivamente não"). Esta medida de apreciaçãp era a variável dependente. A previsão era de que os sujeitos mais antV-semitas exibiriam mais agressividade deslocada induzida pela hostilidade provo­cada do que os sujeitos menos anti-semitas. Isto deveria ser mostrado pela menor apreciação pelos parceiros de trabalho por parte dos sujeitos de alto grau de anti-semitismo. Esta é, então, uma hipótese de interação: a deflagração de hostilidade deve funcionar diferentemente nos diferen­tes graus de anti-semitismo.

As médias de apreciação pelo parceiro, como função da deflagração de hostilidade, A, e anti-semitismo, B, são dadas na tabela 7. 4. Nenhum dos efeitos principais foi em e de si próprio significativo. Sua interação, entretanto, foi significativa. Quando foi despertada a hostilidade, indi­víduos com alto grau de anti-semitismo reagiram como mais agressividade deslocada (menos apreciação pelo parceiro) do que indivíduos com baixo grau de anti-semitismo. A hipótese de interação ficou apoiada -uma descoberta de importância tanto prática quanto teórica. 7

Tabela 7.4 Médias de pontos estima-por-parceiro, relacionada à hostilidade e anti-semitismo, estudo de Berkowitz (1959) a.

Alto anti-semitismo s, Baixo anti-semitismo 82

Com deflagração de hostilidade

A

18,4

12,2

Sem deflagração de hostilidade

A'

14,2

16,3

a Quanto mais alto o resultado, menor a apreciação pelo parceiro. Os efeitos principais não foram significativos; a interação foi.

Um retrospecto conceitual

Nos capítulos anteriores foi fortemente enfatizado o objetivo da ciência como teoria e explicação. A explicação foi descrita em parte

7 O ponto questionável do estudo me foi mo~trado por meus. alunos d? l!~ive;si­dade de Amsterdã. Eles disseram que devena haver uma diferença sigmflcatlva entre A, e A, em B,, mas não em B,. O leitor pode ver, entretanto, que a diferença prevista entre A, e A, aparece em B,, mas apareceu também U':_la di~et;ença impre­vista e na direção oposta em B,. Não parece haver uma razao teonca para tal diferença em B,. O leitor poderá lucrar refletindo sobre este problema.

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orno especificando as relações entre as vanaveis. Agora temos ferra· mentas conceituais e metodológicas para nos ajudar a compreender melhor como os cientistas comportamentais tentam explicar os fenômenos. Eles separam as variáveis entre dependentes e independentes, usando a segunda para explicar a primeira. A explicação mais simples possível consiste em relacionar uma variável independente com uma variável dependente. Exemplos disto são os estudos de Clark e Walberg, Aronson e Mills. O leitor encontrará muitos exemplos semelhantes na bibliografia. A base conceitual do delineamento e análise de tais pesquisas é um enunciado da forma "se p, então q". Não importa haver dois grupos experimentais, como no estudo de Clark e Walberg, ou mais de dois grupos, como no de Aronson e Mills, a concepção de explicação é a mesma.

Mas as explicações às vezes são mais complexas, como no estudo de Walster, Cleary e Clifford, no de Berkowitz e no de Aronson e Gerard. Mais de uma variável independente é usada para estudar a variável dependente. No caso mais simples, a concepção subjacente é "se p, então q, sob a condição r" . Esta é a base conceitual de muitos estudos publica­dos. Muitos outros estudos, entretanto, usam base conceitual mais com­plexa: eles avaliam os efeitos separados e combinados de mais de duas variáveis independentes sobre uma variável dependente. A base concei­tual é "se p, então q, sob as condições r, s, e t". Este exemplo tem quatro variáveis independentes: p, r, s e t. Não importa quantas variáveis sejam usadas e como estejam simbolizadas, a abordagem básica é a mesma: o efeito de uma ou mais variáveis independeFJ.tes sobre uma variável dependente é estudado.

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8. Pesquisa experimental e não-experimental

I

A maioria dos exemplos de pesquisas reais que resumimos e discuti­mos nos capítulos anteriores foi experimental: as de Clark e Walberg, Aronson e Mills, Walster, Cleary e Clifford e outras. Apenas o estudo de Miller e Swanson, descrito no capítulo 1, foi não-experimental. Há um bom motivo para esta preocupação: a pesquisa experimental pode ser considerada o ideal da ciência porque as respostas a questões de pesquisa obtidas em experimentos são no total mais claras e menos ambíguas do que as respostas obtidas em pesquisas não-experimentais. Mas há um grande corpo de pesquisas importantes e significativos que é não-experi­mental, ou pesquisa ex post facto, como foi denominada. Pode-se até argumentar que a pesquisa ex post facto é mais importante que a pesquisa experimental. A posição tomada neste livro parece ser, mais razoável: os dois tipos de pesquisa são importantes e necessários. Ambos têm valor. Ambos devem ser feitos.

Neste capítulo vamos examinar as principais características da pes­quisa experimental e não-experimental e as principais diferenças entre as duas. A tarefa não será fácil porque será preciso explorar com alguma profundidade a diferença entre as conclusões obtidas na pesquisa experi­mental e não-experimental. Felizmente já discutimos a experimentação e podemos usar o que aprendemos. Começaremos reexaminando a pesquisa experimental e usando uma série de estudos experimentais de Milgram para estimular e ilustrar a discussão.

Os experimentos de Milgram sobre Qbediência e autoridade

Milgram (1974), interessado nos fenômenos de obediência e autori­dade, mostrou que pessoas de diversos níveis de formação farão coisas moralmente condenáveis a outras pessoas, sob o comando de uma autori­dade respeitada e claramente designada. Escolhi a pesquisa de Milgram para ilustrar a natureza e força dos experimentos, não pela excelência do delineamento mas porque os resultados foram surpreendentes, difíceis de acreditar e vão contra a moralidade aceita. Para acreditarmos nos resultados de Milgram, deveremos ter muita fé nos meios pelos quais ele foram obtidos. Isto significa que devemos estudar sua metodo­logia cuidadosa e ceticamente.

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Milgram fez diversas perguntas relacionadas e desejava respostas empíricas: "Que fatores influenciam a disposição do indivíduo para obedecer a uma autoridade?", "Como a autoridade afeta a obediência?" . "Se o indivíduo que der ordens a uma pessoa tiver status de autoridade, isso a compele a maior obediência?", "Por que indivíduos aceita~ ordens que os compelem a comportamentos 'imorais', comportamentos que infligem sofrimento a indivíduos desprotegidos?", "Quando as pessoas obedecem a uma ordem que atenta contra a moralidade comum, como elas reagem psicologicamente, como justificam seu comportamen­to?" É um conjunto formidável de perguntas a que poderemos responder apenas parcialmente.

O procedimento experimental foi o seguinte: duas pessoas chegam ao laboratório de psicologia para trabalharem juntas em um estudo de memória e aprendizagem. Uma será o "professor" e a outra o "aluno". O verdadeiro sujeito experimental será o professor. Ele é avisado de que a finalidade do experimento é estudar os efeitos da punicão na aprendizagem. O aluno- sempre a mesms pessoa, um ator que r~cebeu instruções de como reagir - está sentado em uma cadeira, braços amarrados para evitar movimentos e com um eletrodo preso ao pulso. O pesquisador diz ao aluno que ele aprenderá uma lista de pares de palavras. Se fizer um erro, levará um choque. O professor observa tudo isso e é levado para a principal sala experimental e instruído sobre como usar um impressionante gerador de choque, que tem um painel de 30 chaves rotuladas de 15 a 450 volts, e também etiquetas com as palavras ''Choque leve" e "Perigo - choque violento". .

O professor então recebe a ordem de "ensinar" o homem da outra sala, lendo pares de palavras - dia bonito; caixa azul; e assim por diante. Nos testes de aprendizado, o professor lê as palavras-estímulo e em seguida quatro respostas prováveis, por exemplo: azul: céu, tinta , caixa, lâmpada (Milgram, 1974, p. 19). O aluno escolhe a resposta que acha correta apertando um de quatro botões. Se a resposta for correta, o professor vai para o conjunto seguinte. Se estiver incorreta, deve aplicar um choque no aluno. O professor receberá ordem de aplicar choques cada vez mais fortes a cada resposta incorreta. Se o sujeito fizer perguntas, deve ser informado de que os choque podem ser muito dolo­rosos mas que não causam danos permanentes aos tecidos. (Na verdade, o aluno não recebeu um choque sequer.)

Depois de iniciados o ensino e aprendizado e durante o experimento, sujeito, talvez perturbado por ter que aplicar choques em outra pessoa,

perguntou ao pesquisador se deveria continuar a fazer aquilo. O pesquisa­dor estimulou-o com um entre quatro comandos: "Por favor, continue"; "O experimento exige que você continue"; "É essencial que você con-

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tinue" e "Não há outra escolha, você tem que continuar" . Estes coman­dos eram dados em seqüência e apenas se o sujeito se recusasse a obe­decer.

O aluno-cúmplice do pesquisador deu sempre o mesmo cohjunto de respostas ou reações ao procedimento. Não teve a menor reação até o choque de 75 volts, quando soltou um leve gemido. Aconteceu a mesma coisa com os choques de 90 e 105 volts, mas aos 120 o aluno gritou que os choques eram dolorosos. Aos 135 volts a "vítima" gemeu dolo­ridamente e aos 150 gritou pedindo para ser solto e que se recusava a continuar. Reagiu de maneira semelhante mas com maior intensidade aos choques subseqüentes e aos 180 volts gritou que não podia suportar a dor. Aos 270 volts gritava em agonia e aos 300 recusou-se a continuar dando respostas.

O sujeito (o professor) a esta altura - e anteriormente - pedia orientação ao pesquisador, que o instruiu a considerar ausência de res­posta como falta de reação e a continuar o experimento. Depois dos 330 volts não .se ouviu mais nada do aluno. ·

A questão é: até onde os sujeitos vão? Chegarão aos 450 volts? Ou se recusarão a uma certa altura? Eles obedecerão ou desobedecerão? Este é o núcleo do experimento. Milgram variava as instruções para dife­rentes grupos de indivíduos. Por exemplo, ele manipulou a proximidade do aluno com o professor, predizendo que, quanto mais distante o aluno ficasse do professor, choques mais fortes o professor aplicaria. Usou também outras variações de controle. Um grupo de sujeitos, por exemplo, passou por um experimento com o pesquisador (a autoridade) ausente. Com outro grupo foi feito o experimento num prédio de escritórios de uma cidade distante da Universidade de Yale, onde foi feita a maioria dos outros experimentos. Isso foi para controlar o possível efeito de autori­dade de uma universidade de prestígio (veja abaixo).

Os experimentos, então, usaram diversas variáveis independentes c uma variável dependente, obediência, medida pelo nível de choque os sujeitos antes de concluírem a série de choques ou até se recusarem a continuar participando do experimento.

Os resultados desafiam o senso comum e violam a moralidade comum. 1 No primeiro experimento, onde a proximidade foi a variável independente, 26 dos 40 sujeitos na situação básica remota continuaram os choques até o máximo de 450 volts! (Lembrem-se de que as chaves

1 Não vamos comentar a ética desses experimentos controvertidos e assustadores que suscitaram muitas controvérsias entre os cientistas sociais. Ver o excelente resumo dos comentários de Milgram (1974, pp. 193-202) sobre as questões éticas levantadas por esta pesquisa.

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de 275 a 450 volts estavam indicadas com a etiqueta "Perigo - choque violento" e que as voltagens numéricas e as designações verbais estavam claramente indicadas_) Cinco sujeitos deram 300 volts antes de desistirem e oito aplicaram entre 315 e 360 volts. A maioria foi, então, muito obediente, e todos, no mínimo, aplicaram choques mesmo acreditando que eram violentos. Entretanto, quanto mais próximos estavam de suas "vítimas", menos obedeciam. Entretanto, um número considerável deu o tratamento completo às vítimas.

É tentador estudar as implicações psicológicas deste notável estudo. Meu principal objetivo, entretanto, ao citá-lo com tantos detalhes, não é psicológico, mas metodológico. Quero que o leitor perceba claramente que estamos tratando de um assunto altamente controvertido, difícil e discutível, e confiar nos resultados também é difícil. Quero ilustrar o fato de que, outras coisas mantidas constante, um experimento inspira maior confiança do que um estudo ex post facto. Se os resultados de Milgram forem empiricamente válidos - e, apesar de certas fraquezas metodológicas, parecem ser - encontramo-nos diante de um fato muito perturbador relativo a muitas pessoas: elas ferirão cruelmente outras pessoas obedecendo a uma autoridade reconhecida e a despeito de seus escrúpulos morais_ E não são monstros hitleristas ; ao contrário, são na maioria pessoas decentes e moralmente sadias, que normalmente jamais sonhariam em agredir outras pessoas. Podemos então confiar nos resul­tados(? (Parece que a resposta é "Sim".)

A maioria das pessoas, quando indagadas sobre o que elas ou outras pes·soas fariam em tal situação, afirma que n.em elas nem os outros aplicariam choques às vítimas ou que o faríam apenas com choques fracos. É este precisamente o objetivo de Milgram e parte do significado psicológico central de sua descoberta: gente decente e bondosa compor­ta-se cruelmente dada as circunstâncias apropriadas - e a principal circunstância é a autoridade. Então, podemos acreditar nele? Eu aplicaria choques em uma pessoa a mando de outra e apesar dos protestos da vítima?

Controle

Em geral pode-se acreditar mais nos resultados obtidos em pesquisas experimentais do que nos resultados de outras fontes de conhecimento. Colocando de forma diferente, dada a competência e dada a satisfação dos padrões e critérios científicos, pode-se acreditar mais nos resultados dos experimentos do que nos resultados de outros tipos de pesquisa. Este é o motivo primordial por que a pesquisa experimental é tão impor­tante e por que os cientistas, podendo escolher, provavelmente farão experimentos. O experimento científico é uma das maiores invenções de

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todos os tempos. É também a fonte mais segura de conhecimentos e de compreensão dos fenômenos naturais, outras coisas mantidas constantes.

Os motivos não são difíceis de compreender. O \rincipal ~ central é expresso pela palavra "controle". Num experimento bem conduzido, o controle e relativamente grande. Mas o que significa "controle" em um contexto experimental? Basicamente significa a definição, delimitação, restrição e isolamento das condições da situação de pesquisa de maneira a maximizar a confiança na validade empírica dos resultados. As possi­bilidades de explanações alternativas dos fenômenos em estudo são mini­mizadas.

No caso de Milgram, o enunciado básico testado foi: "Se autori­dade, então obediência". Poder-se dizer que esta afirmativa, empírica­mente válida, significa em parte que outras afirmativas explanatórias plausíveis e possíveis não são válidas empiricamente. Por exemplo, é possível que a atmosfera de _prestígio e a proximidade da Universidade de Yale tenham conduzido à obediência? Para responder a esta questão, Milgram fez o experimento em um despretensioso prédio de escritórios em outra cidade. Os resultados foram virtualmente os mesmos. Logo, não era a proximidade que levava à obediência.

Um explicação alternativa possível da obediência dos sujeitos, mais sutil, era a obrigação contratual. Os sujeitos foram contratados pelo pesquisador para abdicarem de um pouco de sua liberdade em benefício do avanço do conhecimento científico. Perceberam também que a vítima fora contratada. Tanto professor quanto aluno tinham, portanto, que honrar suas obrigações contratuais. Os sujeitos foram, portanto, obedien­tes . Milgram eliminou isto salientando uma fórmula de desobrigação que professor e aluno assinavam. Durante a assinatura, o aluno afirmou que tinha um problema cardíaco e que queria parar com o experimento quando lhe conviesse. O pesquisador resmungou concordando aparente­mente. Assim, o "contrato" tornou-se mais importante. Aos 150 volts o aluno protestou, mas o pesquisador não lhe deu ouvidos e ordenou ao professor que continuasse da maneira usual. Desta forma, o "contrato" não estava sendo obedecido pelo pesquisador. Fez alguma diferença? Se o contrato tinha força, os sujeitos deveriam então parar de obedecer. Mas não; continuaram a obedecer ao pesquisador. Como mostraram os resultados e como diz Milgram, "a doutrina do contrato social é uma frágil determinante do comportamento" (Milgram, 1974, p. 66).

Mas, testar explicações ou hipóteses alternativas, uma forma pode­rosa e indispensável de controle científico (Platt, 1964), não é uma prerrogativa exclusivamente experimental. Tal teste pode ser e é feito em pesquisa não-experimental. Entretanto, é mais característico e mais exeqüível na pesquisa experimental que na pesquisa não-experimental,

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porque os pesquisadores podem ter controle quase total sobre o que podem fazer e como o fazem.

Definição e características dos experimentos

Em um capítulo anterior ficou dito que o experimento tinha duas características essenciais: manipulação de variáveis independentes e casualização. Ficou claro também que casualização não é absolutame~te essencial em um experimento, embora muito desejável. O verdadeiro significado da qualidade essencial da casualização na defioição é simples­mente que a casualização pode ser usada apenas em experimen.tos. C~mo veremos mais adiante, a designação aleatória é completamente 1mposs1vel em pesquisa não-experimental.

Um experimento é um estudo no qual uma ou mais variáveis inde­pendentes são manipuladas e no qual a influência de todas ou quase todas as variáveis relevantes possíveis não pertinentes ao problema da investigação é reduzida a um mínimo. Nos chamados experimentos d.e laboratório- em contraste com os experimentos de campo- os pesqUi­sadores fazem isto isolando a pesquisa em uma situação física delimi­tada e manipulando e medindo variáveis sob condições cuidado~amente especificadas e controladas.

Naturalmente tudo isso se resume numa segurança relativamente maior de que as variáveis independentes do estudo de pesquisa possam, se eficientes, agir sobre as variáveis dependentt<s sem a ''contaminação" de outras influências ou variáveis. Foi isso que Milgram fez . Controlou cuidadosamente a situação experimental de laboratório para poder ter segurança relativamente maior de que a autoridade do pesquisador pudesse, se eficiente, operar sobre a variável dependente, obediência, sem ser contaminada por outras variáveis.

Deve ter ficado claro que situações experimentais, principalmente em laboratórios, são ambientes fechados e restritos nos quais há precisão relativamente alta de manipulação e mensuração. A necessidade ou utili­dade de situações tão confinadas na pesquisa vem da maior confiança em seus resultados, da flexibilidade que o pesquisador tem para testar os vários aspectos dos problemas de pesquisa, à vontade, e, intimamente relacionada e muitíssimo imoort:mte . da capacidade de testar vários aspectos da teoria, à vontade. Já discutimos o aspecto confiança nos experimentos. O aspecto flexibilidade precisa de elaboração. Assim como o aspecto testagem de teoria.

Um aspecto importante da pes<1uisa de Milgram em obediência, já salientado, foi a variação de condições experimentais com o fim de eliminar explicações alternativas do fenômeno obediência. A hipótese

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em teste era: "Se autoridade, então obediência" . Se a validade empírica desta hipótese é apoiada pela pesquisa, isto é evidência da\ validade empírica das idéias de Milgram sobre a relação entre autoridade e obe­diência. Mas há outras explicações plausíveis. Somente quando essas outras explicações forem mostradas como empirícamente inválidas, poderá o pesquisador confiar totalmente na sua afirmativa "se-então" original.

Isso foi essencialmente o que Milgram fez, embora não exatamente, e é um aspecto metodológico forte de sua pesquisa. Ele usou o aspecto flexibilidade da pesquisa experimental para variar variáveis independen­tes e para eliminar outras explicações possíveis ou variáveis indepen­dentes e assim reforçar sua afirmativa básica ou hipótese. Por exemplo, se é verdade que é a autoridade do pesquisador que compele à obediên­cia, então, oumts fontes prováveis de influência, além do pesquisador, devem ser eliminadas. Lembre-se de que uma delas foi o ambiente de prestígio da Universidade de Yale. Milgram eliminou isso fazendo a pesquisa em outro ambiente sem prestígio ou status. Outras explicações plausíveis foram igualmente testadas, como já vimos. A questão é que, na maioria das situações experimentais, tal testagem variada e frutífera é possível e necessária.

Veremos então parte da teoria de Milgram que explica suas desco­bertas. Pessoas que entram numa situação de autoridade mudam interna­mente e isso é mostrado por uma mudança de atitude. A pessoa que entra em uma situação de autoridade suspende seus próprios objetivos por um tempo e age como agente executivo dos desejos e ordens de outros (Milgram, 1974, pp. 132-154). Milgram chama ao estado da pessoa estado agêntico (agentic state), a condição em que está uma pessoa quando se percebe como agente dos desejos e ordens de outra. Uma idéia-chave aqui é que quando a pessoa se encontra em estado agêntico seus próprios valores, atitudes e motivações ficam suspensos, ou pelo menos subordinados, e ela pode comportar-se e se comportará como não pode e não se comportaria em seu " próprio estado". Ela se vê como irresponsável por seus atos e pode até agir cruelmente com outros.

Munido de uma "boa" teoria, o pesquisador pode deduzir algumas ou muitas conseqüências da teoria. Se é verdade que as pessoas em estado agêntico perdem seu sentido normal de responsabilidade, então, pode-se fazer um experimento para ver se isto se verifica. Pode-se dar um jeito de produzir o estado agêntico em um grupo de pessoas por instruções experimentais, e depois medir seu sentido de responsabilidade compa­rado a, digamos, o sentido de responsabilidade de outro grupo fora do estado agêntico.

Outro experimento implicado pela teoria poderia ser simplesmente comparar a obediência de grupos sob diferentes " intensidades" do

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estado agêntico. Outro experimento pode ainda ser variar a força e legitimidade da autoridade do experimentador. Provavelmente a profun­didade do estado agêntico e o grau de obediência dos suieitos podem ser afetados diferentemente por diferentes forças e níveis de legitimidade da autoridade.

Chama-se a essas possibilidades experimentais "flexibilidade". Essa característica dos experimentos, junto com a capacidade de manipular variáveis, de casualizar sujeitos e condições e chegar a um controle relativamente firme e cerrado sobre a operação das variáveis constitui um método muito poderoso de testar teorias e hipóteses e aumentar o conhecimento. Isto não significa que todos os experimentos aumentam significativamente o conhecimento. Sem dúvida, muitos são mal conce­bidos e mal executados. Não há garantia de validade ou valor, em outras palavras, só porque um estudo é experimental. Mas o potencial está presente. Antes de estudarmos a pesquisa ex post facto, será bom examinarmos tanto os pontos fortes como os pontos fracos dos experi­mentos, mas especialmente dos experimentos de laboratório. 2

Forças e fraquezas da pesquisa experimental

Para esboçarmos a força da pesquisa experimental, vamos primeiro recapitular os pontos mostrados acima. A força básica da pesquisa experimental está no controle relativamente alto da situação experimental e conseqüentemente das possíveis variáveis independentes que possam afetar as variáveis dependentes. Isto significa que as relações podem ser estudadas isoladas da cacofonia do mundo exterior; as relações "puras" podem ser estudadas. Uma segunda força é que as variáveis podem ser manipuladas sozinhas ou em conjunto com outras variáveis. O leitor já pode, a esta altura, estar convencido da força da manipulação de variáveis. Terceiro, as situações experimentais são flexíveis no sentido de que muitos e variados aspectos da teoria podem ser testados quase à vontade. Freqüentemente, a única restrição é o limite da habilidade.

Ainda não foi mencionada uma quarta força dos experimentos: os experimentos podem ser "replicados" com ou sem variações . Alguns dos experimentos, na série de experimentos de Milgram foram replica­ções. Tornou-se quase uma regra na pesquisa comportamental: replicar todos os estudos. É muito mais fácil replicar pesquisa experimental do que não-experimental, porque grande parte da situação de pesquisa se

2 Grande parte da discussão será também aplicável a experimentos de campo. Para uma discussão niais completa, veja Festinger e Katz (1953).

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encontra sob · o controle do pesquisador. Infelizmente, poucos estudos são replicados . .

"Replicação" é um termo mais amplo que "repetição'i ou "dupli­cação". Significa repetir um estudo, mas geralmente com variações. Num sentido estrito, a duplicação simples jamais é possível, porque são usados sujeitos diferentes, pode ser acrescentada uma variável, outra pode ser excluída, a replicação terá que ser feita em outra ocasião, quando as condições podem ter mudado e o local da pesquisa pode, e muitas vezes deve, sér mudado. Em todo caso, se as relações obtidas são as mesmas ou semelhantes sob replicação, sua validade empírica fica reforçada. A replicação do experimento básico de Milgram, longe da Universidade de Yale, é um exemplo deste fortalecimento da validade empírica dos resultados da pesquisa.

Os experimentos têm fraquezas. Uma delas é que as variáveis inde­pendentes dos experimentos de laboratório raramente têm muita força se comparadas à força de variáveis "naturais" fora do laboratório. O experimento de Mllgram parece ser uma exceção. A maioria dos estudos experimentais, entretanto, não tem a força dramática dos estudos de autoridade-obediência. Isso é uma desvantagem porque torna difícil descobrir os efeitos de tais variáveis, Sem dúvida, as relações que existem realmente podem nãO ser descobertas, confundindo talvez cs cientistas em relação ao verdadeiro estado de coisas em um campo definido. Quando um pesquisador estuda os efeitos da repetição sobre a memória, pode ser muito difícil detectar tais efeitos, especialmente a curto prazo. Um motivo para a precisão e a estatística aperfeiçoada do laboratório encontra-se na necessidade de detectar os efeitos de variáveis indepen­dentes fracas.

A experimentação é freqüentemente criticada com base em duas acusações relacionadas: artificialidade e falta de generalidade. ~· difícil saber se a artificialidade dos experimentos é realmente uma fraqueza. Há muito pouca dúvida de artificialidade. Sem dúvida, já que variáveis manipuladas são inventadas. são quase por definição "artificiais". Por outro lado, muitas vezes é incrível até que ponto os experimentos podem ser tornados realísticos. Leia o livro de Milgram e veja se pode acusar seus experimentos de artificiais. Um ponto mais sutil é que uma certa quantidade de artificialidade faz parte natural da experimentação. Pesqui­sadores sofisticados naturalmente sabem disso. Eles acreditam também que, por causa da artificialidade e efeitos fracos, se uma relação for percebida em um laboratório, é substancial a probabilidade de que, outras coisas mantidas constantes, a relação será mais forte em situações mais realistas. Muitos pesquisadores pouco ligam à artificialidade. Dirão que estão testando teoria e que não têm interesse em aplicações de sua pesquisa. Sua posição é bem colocada. Muito freqüentemente, pesquisas

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consideradas teóricas e não práticas vieram a produzir resultados com conseqüências práticas de longo alcance (veja Comroe & Dripps, 1976;

. Deutsch, Platt, & Senghaas, 1971; Townes, 1968). Voltaremos a este problema no fim do livro.

Em geral os resultados de experimentos de laboratório não podem ser generalizados além do laboratório. Só porque certos resultados foram obtidos em laboratórios não se pode dizer que resultado idêntico ou semelhante ocorrerá fora do laboratório- embora possa, e muito bem. Deve-se mostrar, através de pesquisas posteriores, que os resultados se aplicam ao campo. Isto falando num sentido estrito. Fica-se intrigado com a pesquisa de Milgram e com algumas outras enérgicas pesquisas de labo­ratório. As descobertas de Milgram são aplicáveis a escolas, corporações, igrejas, exércitos e outros grupos? Não se pode dizer enquanto não se fizer mais pesquisa. Minha opinião é que Milgram apresentou um forte argumento, mas a pesquisa precisa ser estendida a situações de campo. (Mas como fazer isso?) 1?. possível que a relação entre autoridade e obediência possa ser furada quando estudada em certos tipos de situações reais.

Ao pensar na aplicabilidade da experimentação de labóratório à vida real, deve-se ter em mente que o objetivo básico da experimentação não é descobrir o que acontecerá ou o que funcionará em situações de vida. O objetivo básico é estudar as relações e testar hipóteses derivadas da teoria sob condições cuidadosamente controladas e limitadas. Sem dúvida, muita pesquisa - um exemplo claro é a medicina - é feita em laboratório, principalmente para determinar o qu.e aconteceu ou o que acontecerá. Por exemplo, tal ou tal método de terapia surtirá efeito? Embora muitíssimo útil, tal experimentação, cientificamente falando, é periférica à base conceitual da experimentação científica. Se esta inter­pretação assaz purística está ou não completamente correta .não é, entre­tanto, importante. o que importa é não esperarmos que a experimentação em laboratório faça o que não foi enc&rregada de fazer: generalizar para situações de vida real.

Talvez o leitor compreenda tudo isso melhor se focalizarmos rapida­mente outra crítica relacionada a experimentos e experimentação na pesquisa comportamental. Freqüentemente afirma-se que os experime~­tos de laboratório são triviais. Há pouca dúvida de que muitos expert· mentos são triviais. ~ importante saber,· contudo, o que o crítico está dizendo. Ele está dizendo que os experimentos são artificiais, e com isso quer dizer que não são a própria vida. Assim, são triviais. O núcleo da crítica é que os experimentos não têm generalidade. Seus resultados não se aplicam a pessoas reais em situações de vida real.

O argumento é mais fundamentalmente irrelevante do que errôneo, porque os experimentos e seus resultados não foram feitos para serem

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aplicados à vida real, como ficou dito há pouco. O experimen~o é ~tma invenção especializada cujo propós_i~? está qu~se totalmente d1vorc1~do da vida real. Seu propósito é especificamente f1car separado e pr? t:gtdo do "barulho" exterior. Seu propósito científico é estudar as relaçoes _e testar as proposições derivadas da teoria no ambiente menos con~a:ru­nado que se possa conseguir. Seu propósito não é melhorar ~s .c?nd1çoes humanas e sociais. Portanto, uma crítica com base na poss1b1ilda~e. de generalização é, rigorosamente falando, irrelevante. t. como cnttcar alguma coisa por não ser o que não pode ser de forma alguma.

Pesquisa não-experimental

Ninguém conhece exatamente quais são as proporções da pesq~isa experimental e não-experimental na pesquisa cm!lpor~amental_. Pode f1car claramente dito, entretanto, que muito da pesqmsa nao-expenmental te~ alto significado e importância, assim como m~ito da pesq~isa expen­mental é significativo e importante. Nenl;um t1po de p~sqm~a p~de ou deve gozar de qualquer monopólio de validade e. prestlgi~ . Nao ha nada inerentemente meritório em se fazer tanto pesquisa expenmental quanto não-experimental, como tais. Pesquisam-se problemas de in5eresse e alguns problemas podem ser experimentais, enquanto outros nao.

Pesquisa não-experimental. ou ex post facto, é aualquer pesquisa na qual não é possível manipular variáveis ou designar sujeitos _ou condições aleatoriamente. Fazem-se inferências e tiram-se conclusoes tanto em pesquisa experimental quanto não-experimental, e a ló~ica básica da investigação é a mesma. Mas as conclusões não são empinca­mente tão fortes na primeira quanto na segunda. Explicar completame~te esta afirmativa seria difícil e enfadonho. Vamos nos contentar, entao, com uma explanação menos completa baseada na idéia de controle, discu­tida anteriormente.

A base da estrutura pela qual o cientista opera é relativamente simples. Ele faz perguntas assim: "Como x está relacionado com y?" , "Sob que condições x afeta y, x sendo uma variável independente e Y uma variável dependente?", "Ou como X1, X2 e X:! afetam y - ou mesmo y1 e y2 ?" Ele, então, formula a hipótese de que x influencia y ?e tal ou qual maneira, esperando-se que a hipótese derive de uma teona. Colocado mais sucintamente, ele apresenta afirmativas na forma de "se p, então q" e testa a validade empírica das afirmativas de alguma forma.

Não há a menor diferença entre pesquisa experimental e pesquisa não-experimental nesta forma básica de raciocínio. A diferença fund~­mental está no controle de p, as variáveis independentes. Nos expen­mentos, os p podem ser manipulados à vontade do pesquisador. Suponha-

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mos, por exemplo, que eu esteja interessado em relações equitativas em geral e especificamente em como as pessoas lidam psicologicamente com a inequidade. 3 Posso formar grupos diferentes de indivíduos e fazer os grupos sofrerem· formas ou quantidades diferentes de inequidade. Isto é, cu manipulo equidade ou inequidade. t uma forma de controle porque as diferenças em eqüidade entre os grupos vêm inteiramente de mim. Elas não acontecem "lá fora", por assim dizer. Um bom exemplo, com o qual já estamos familiarizados, é o experimento de Aronson e Mills no qual três grupos de mulhetes jovens foram sujeitas a diferentes graus de iniciação desagradável antes de supostamente se juntarem a um grupo.

Na pesquisa ex post jacto, a manipulação de variáveis independen­tes não é possível. Esta é a característica fundamental da pesquisa não­experimental: variáveis independentes chegam ao pesquisador como esta­vam, já feitas. Já exerceram seus efeitos, se os havia. Se eu estivesse estudando como as pessoas lidam psicologicamente com a inequidade e minha pesquisa fosse não-experimental, eu não poderia fazer grupos diferentes de indivíduos sofrerem inequidade em graus diferentes, à vontade. Eu provavelmente teria que procurar encontrar grupos dife­rentes de indivíduos que já tivessem provado a inequidade e depois estudar como eles lidam psicologicamente com ela. A diferença entre a abordagem experimental e não-experimental é grande, então. Aliás, a diferença é tão grande que temos abordagens muito diferentes, problemas de pesquisa e graus diferentes de confiança nas inferências que fazemos dos dados de pesquisa.

Nos experimentos, já que temos controle viTtual das variáveis inde­pendentes e da situação na qual as variáveis independentes operam, podemos ter mais certeza - nunca total, claro - de que variações concomitantes observadas numa variável dependente são devidas à influência das variáveis independentes. Em estudos que não são experi­mentos, nossa confiança, outras coisas mantidas constantes, deve ser menor, principalmente por causa da falta de controle manipulativo das variáveis independentes. 4 Em muitas pesquisas não-experimentais obser-

J Este exemplo vem da chamarl~ teoria e pesquisa da eqüidade (Berkowitz & Walster, 1976). Os estudos de Milgram sobre obediência podem ser conceituados no quadro de referências da teoria da eqüidade, embora aparentemente Milgram não o tenha feito. 4 Alguns pesquisadores e autores parecem crer que a diferença fundamental entre pesq~isa experimental e não-experimental é que na primeira podem ser feitas inferências causais, enquanto na segunda não. Isto está simplificado demais. Estri­tamente falando, nenhum tipo de pesquisa pode afirmar que uma coisa causa outra. O máximo que se pode dizer é que tal ou qual relação existe e que é de tal ou qual natureza. A questão, entretanto, é realmente acadêmi.ca, já que não há necessidade de fazermos afirmativas causais em ciência. As afirmativas denomi­nadas condicionais, tipo se p, então q, que não têm implicações causais, são suficientes.

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vamos y, a variável dependente e depois "voltamos" para encontrar o x ou os xx que provavelmente tenham influenciado y. Alguns exemplos poderão esclarecer o significado disto. \

O fumo e o câncer do pulmão

A pesquisa da suposta relação entre o fumo e o câncer do pulmão engendrou muita controvérsia. Muitos não-fumantes estão absolutamente convictos de que o cigarro causa o câncer do pulmão e citam pesquisas que parecem apoiar sua convicção. Muitos fumantes não se convencem­talvez porque nao desejem ser convencidos. Quais são os fatos? Parece haver pouca dúvida de que, como ficou dito, haja uma relação estatística entre o fumo e o câncer do pulmão. Mais simplesmente, muitas pesquisas descobriram que o câncer é mais comum entre fumantes que entre não-fumantes. Há, então, um acordo nas descobertas. Mas pode-se con­cordar com a conclusão que é, não nos esqueçamos, "o cigarro causa câncer de pulmão"?

Primeiro, vamos nos desembaraçar da palavra "causa". Os cientis­tas não usam essa palavra principalmente porque é virtualmente impossí­vel, estritamente falando, dizer que uma coisa causa outra - e sustentar a afirmação. Sempre há a possibilidade de a suposta causa de alguma coisa não vir a ser a causa real. Vejamos um exemplo meio ridículo. É fácil verificar que quando chove contam-se mais guarda-chuvas do que quando não chove, exceto, talvez, em Londres. Portanto, os guarda­chuvas causam chuva! O exemplo só é ridículo porque é muito óbvio e porque sabemos as causas da chuva. O exemplo câncer/fumo é mais sutil. Tem, entretanto, os mesmos aspectos do exemplo guarda­chuva/ chuva. Difere apenas em não sabermos o que causa o câncer dos pulmões e o fumar cigarros parecer uma causa plausível.

Suponhamos que possamos reunir' um enorme grupo de pessoas como amostra aleatória, digamos, do povo de um país ou de parte do país. Dividimos o grupo em três subgrupos ao acaso. Instruímos os membros de um grupo a fumar dois maços de cigarros por dia, cuidando para que eles realmente fumem. Pedimos aos membros do segundo grupo que fumem um maço por dia. Os membros do terceiro grupo ficam proibidos de fumar. Este "experimento" continua durante 10 anos, ao fim dos quais medimos a variável dependente, a presença do câncer de pulmões ou mesmo a morte pelo câncer. Deixando de lado duas ou três dificuldades técnicas no delineamento da pesquisa, poderíamos ter consi­deravelmente mais confiança no resultado do que poderemos ter no resul­tado de um estudo ex post facto. Tais experimentos, naturalmente, são impossíveis por motivos óbvios. Então vamos abandonar a pesquisa sobre

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câncer pulmonar e fumo? De forma nenhuma. Mas estamos tolhidos pela principal dificuldade da pesquisa não-experimental.

É possível que o cigarro não seja realmente uma "causa" do câncer pulmonar? Vamos imaginar que houvesse um síndrome psicológico, chamado "discombulismo", e que as pessoas discombulistas fossem alta­mente propensas ao câncer pulmonar. Suponhamos que os discombulistas, além de outras características - hiperatividade, nervosismo, insônia, temperamento volúvel e uma leve paranóia - tivessem uma forte predis­posição a contrair câncer pulmonar e fumassem cigarros, violentamente. Em outras palavras, o discombulismo é a causa básica do câncer, r;ão o cigarro. Fumar é simplesmente uma característica concomitante. Acontece aparecer no síndrome discombulístico. O pesquisador, não sabendo nada a respeito do discombulismo, nota repetidamente a presença do câncer entre pacientes que fumam demais. A correlação entre câncer e fumo é, naturalmente, alta, e o pesquisador é conduzido a acreditar que o fumo causa o câncer de pulmões.

Fantástico? Um pouco. Mas não impossível, certamente. O íato é que a pesquisa não-experimental é mais vulnerável a conclusões errôneas do que a pesquisa experimental.

A natureza das variáveis na pesquisa não-experimental

Num mundo científico comportamental perfeito, os pesquisadores sempre deveriam poder extrair amostras aleatól'ias, manipular variáveis independentes e designar sujeitos a grupos aleatoriamente. Pena, pois nem sempre as três coisas são possíveis, e na pesquisa ex post facto as últimas duas jamais o são. Mas isto não significa que tal pesquisa não seja importante e significativa. Longe disso.

Uma das principais diferenças entre os dois tipos de pesquisa está na natureza das variáveis. A pesquisa não-experimental lida com variáveis que, por natureza, não são manipuláveis: classe social, sexo, inteligência, preconceito, autoritarismo, ansiedade, aptidão, realização, valores, e assim por diante. Quem estiver interessado, por exemplo, em autoritarismo e preconceito, ou inteligência, classe social e realização, ou em classe social e valores, deve fazer (geralmente) pesquisa não­experimental. Enfrentará problemas mais difíceis de inferência do que quem estiver interessado em problemas que incluam variáveis mani­puláveis.

Todas as variáveis que são características de gente - chamemos variáveis de status - não são manipuláveis comumente. Tomemos inteli­gência. Não se pode dizer a um grupo de indivíduos: "Sejam inteligen­tes" e a outro grupo: "Não sejam inteligentes". As pessoas trazem

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muitas variáveis de status para as situações de pesquisa. E as diferenças entre pessoas com tais variáveis já estão relativamente fixadas. 5

\ .

Estudos não-experimentais

Dos muitos estudos de pesquisa não-experimental publicados, escolhemos três como exemplos. São altamente significativos, teórica e praticamente. O primeiro a ser discutido tornou-se famoso e fonte de muita controvérsia educacional.

Igualdade de oportunidades educacionais

No maior estudo de pesquisa educacional feito nos Estados Unidos , Coleman, Campbell, Hobson, McPartland, Mood, Weinfeld e York (1966) tentaram responder a um significativo número de perguntas a respeito da desigualdade educacional nos Estados Unidos. Duas dessas perguntas eram: ·'Qual é a extensão da desigualdade na educação norte­americana?" Isto é, há diferenças nas oportunidades e nos recursos esco­lares ao alcance de grupos majoritários e minoritários e qual é a extensão dessas diferenças? (Uma das respostas foi que a grande maioria das criancas norte-americanas freqüenta escolas segregadas e que as crianças negra~ são as mais segregadas.) Do ponto de vista deste livro, uma questão mais interessante foi: "Qual é a relação entre a realização dos estudantes e o tipo e qualidade das escolas que eles freqüentam?"

Foram estudados mais de 600.000 alunos de terceira, sexta, nona e décima-segunda séries em cerca de 4.000 escolas. O método básico de observacão ·foi um questionário respondido por inspetores, diretores, profess~res e alunos. A enorme quantidade de dados foi analisada por métodos muito complicados. Havia mais de 100 variáveis agrupadas em categorias maiores, tais como variáveis de ambiente familiar, variáveis da escola e variáveis do professor. As análises principais concentraram-se na realização das crianças, e, com bastante coragem e competência, tentou-se descobrir influências maiores e menores na realização.

Os resultados foram surpreendentes. Em geral, as variáveis de ambiente familiar foram muito importantes para estabelecer o aproveita·

s Vale notar que muitas variáveis - por exemplo, ansiedade, a~t,ori~arism~, atmosfera de grupo, coesão de grupo, agressão - podem ser tanto vanavet~ roam­puláveis como variáveis medidas. Isto não signif_ica, entretanto, que _seJa~ as mesmas. Ansiedade manipulada e ansiedade medtda provavelmen~e nao sao . a mesma variável, embora devesse haver, naturalmente, alguma relaçao substanctal entre elas.

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menta das crianças - aliás, mais importantes do que qualquer outro conjunto de variáveis, com exceção, talvez, das atitudes das crianças (sentido de controle do ambiente, por exemplo). As variáveis da escola - diferenças entre escolas em instalações, currículo e corpo docente -não foram tão responsáveis pelas diferenças em realização quanto as variáveis de ambiente familiar ou as de atitude. Esta foi a descoberta mais controvertida, que vem sendo debatida e mal entendida. Muita gente concluiu incorreta e apressadamente que o relatório Coleman afir­mava que as escolas e suas instalações, currículos e corpo docente não eram importantes! ~ uma conclusão absurda, que ilustra uma das dificul­dades de interpretar os complexos resultados da pesquisa. Uma interpre­tação mais aproximadamente correta - e "correta" apenas no contexto do estudo - é que as varii'íveis de escola não são muito responsáveis pelo aproveitamento depois das variáveis de ambiente familiar. Explicar esta afirmativa adequauamente levar-nos-ia muito longe técnica e concei­tualmente. Vamos, portanto, abandonar esta explicação e outras desco­bertas e vamos nos concentrar na natureza não-experimental do estudo.

O estudo de Coleman usou, ao máximo, técnicas modernas de pesquisa de maneira competente e deu ao povo dos Estados Unidos uma informação sobre as condições da educação no país que continuarão sendo debatidas por mais uma década. Devemos compreender, entre­tanto, que é pesquisa ex post facto. Aqui as dificuldades se tornam dramáticas porque as conclusões da pesquisa podem afetar importantes decisões políticas em educação.

Consideremos a conclusão mencionada: as "variáveis escolares con­tribuem menos para a previsão do aproveitamento do que as variáveis de ambiente familiar. Há pouca dúvida de que esta conclusão seja empiricamente válida na pesquisa de Igualdade. Mas consideremos a possibilidade - certamente remota - de ser possível fazer grandes estudos nos quais as variáveis escolares possam ser sistematicamente manipuladas e avaliados seus efeitos sobre a realizacão. O resultado poderia ser muito diferente porque a designação aleatória (de classes, digamos) para as condições experimentais e a manipulação de variáveis independentes podem conduzir a resultados menos ambíguos. Sabería­mos, em outras palavras, que as influências de outras variáveis inde­pendentes foram minimizadas. Coleman e outros analisaram os dados de maneira a aproximarem as descobertas de uma abordagem experi­mental (através da chamada regressão múltipla e métodos relacionados), mas de forma alguma isto é a mesma coisa. A influência de outras possíveis variáveis independentes é difícil de controlar, e só o " controle estatístico" é possível em contraste com os poderosos controles experi­mentais de manipulàção, casualização e isolamento.

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Estudo de igualdade e liberdade

Numa série rara de estudos sobre valores, Rokeach (1968) junto~ as abordagens ex post facto e experimental. Vamos nos '?ncen~rar ,ac~ut apenas em uma parte da pesquisa ex post facto, e que e caractensttca de grande parte deste tipo de pesquisa.

Rokeach fez com que um certo número de g~pos e uma ar:nostra nacional ordenassem dots conjuntos do que denommou val~r~s l~stru­mentais é terminais - uma vida confortável, se~urança famzllar, zgual­dade sabedoria (terminais); ambicioso, capaz, mdependente, afetuoso (inst~mentais). Dois dos valores terminais, liberdade e igualdade, foram considerados particularmente importantes porque eram aparentem~n~e a chave de diferenças fundamentais no panorama de valore~ soctats e políticos. Um dos conjuntos de resultados de Rokeach e dado na tabela 8.1.

Tabela 8.1 Postos médios de liberdade e igualdade de diferentes grupos.

Brancos Negros Estudantes

Policiais desempregados desempregados calvinistas

(50) (141) (28) (75)

Liberdade 1 a 3 10 8

Igualdade 12 9 9

a 1 é 0 posto mais alto, 12 o mais baixo. No corpo da tabela encontr~m-se .as médias dos postos desi!Znados por cada grupo. Por exemplo. o posto méd10 desig­nado a igualdade por 141 brancos desempregados foi de 9 comparado ao posto médio de 3 atribuído a liberdade.

Parece que os quatro grupos são muito diferentes ao avaliarem os valores de igualdade e liberdade. Os policiais dão grande valor à liberdade e valor muito baixo à igualdade, enquanto que negros desem­pregados fazem quase o contrário (10 para liberdade e 1 para igualdade)! Evidentemente os valores sociais de policiais e negros, pelo menos neste exemplo, são dramaticamente diferentes. .

:e bem típico da pesquisa ex post facto estudar as relações deter­minando se grupos, selecionados s~bre uma base releva.~te ao problema em estudo, possuem quantidades dtferentes de uma vanavel depend~nte (lembre-se da pesquisa do câncer de pulmão). No exemplo ac1ma, Rokeach escolheu quatro grupos diferentes, provavelmente porque espe­.rava que seus valores fossem diferentes em :eu in~trumento de mensu­r:lção. Policiais e calvinistas, por exemplo, sao mats conservadores que

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outros grupos e não são famosos por apoiarem a igualdade. Negros, por outro lado, apóiam fortemente a igualdade. Brancos desempregados provavelmente não colocarão a igualdade em grau alto. Se os valores obtidos aparecem como se esperava, isto é evidência favorável à teoria explícita ou impllctta e à valldade do instrumento de mensuração.

Os efeitos da privação

Nestes dois últimos exemplos iremos examinar rapidamente abor­dagens tanto experimentais quanto não-experimentais ao mesmo assunto ou relação: os efeitos da privação no desenvolvimento posterior. Tais efeitos são muito importantes teoricamente e importantíssimos pratica­mente. São importantes teoricamente porque compreender os efeitos da privação é compreender mais o desenvolvimento e processos de desen­volvimento e aprendizado em geral. Consideremos as seguintes pergun­tas: Como a privação na infância afeta o desenvolvimento mental futuro e a aprendizagem futura? Os efeitos da privação são reversíveis? Como os programas corretivos podem contrabalançar os efeitos da privação?

Há muitos anos atrás Goldfarb (1943) estudou os efeitos da vida institucional sobre crianças. Estava interessado no efeito da vida insti­tucional, o qual ele assumia ser, entre outras coisas, uma falha no desem­penho intelectual. Comparou a inteligência de crianças adolescentes q11e haviam passado seus primeiros três anos em uma instituição com a inteli­gência de adolescentes que não passaram seus . três primeiros anos em uma instituição. Descobriu que a média de inteligência do grupo insti­tucional era substancialmente mais baixa do que a média do "grupo de controle", o não-institucional. Fez também várias comparações em outras variáveis com resultados semelhantes.

As fraquezas do estudo são óbvias e não precisamos perder muito tempo com elas. Vamos nos preocupar apenas com sua natureza ex post facto e as conseqüentes dificuldades relativas em interpretar seus resul­tados. Este estudo foi escolhido entre muitos outros semelhantes porque foi citado por Berelson e Steiner (1964) em seu livro enciclopédico sobre pesquisa de comportamento humano. Vamos supor que o estudo tenha sido feito impecavelmente e examinar apenas suas descobertas como pesquisa ex post facto.

:e possível que crianças que viveram em instituições tenham grau de inteligência inferior à de crianças que não viveram em instituições porque provavelmente tenham pais de inteligência inferior? Vejamos outra possibilidade. e bastante sabido que o status de classe social está associado à inteligêx:tcia: crianças de status social inferior tendem a ter medidas de inteligência inferiores às de crianças de status de classe média. ·

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Não é provável que crianças que viveram em instituições vivam mais tarde em áreas de classes inferiores? Assim sendo, a diferença oqservada em inteligência pode ser devida largamente ao ambiente de cla~se infe­rior, que é menos orientado verbal e culturalmente do que o ambiente de classe média. 6

Esta mesma pesquisa poderia ter sido feita experimentalmente? f concebível, mas dificilmente possível. Pode-se tomar uma grande amostra de crianças recém-nascidas e designar metade delas a instituições, aleato­riamente. A outra metade ficará com sua família. Os controles serão usados cuidadosamente. Depois de um período de anos, a média de inteligência dos dois grupos será comparada. É evidente a impossibili­dade de tal procedimento com crianças. Devemos, portanto, tomar as coisas como estão e estudá-las - de modo ex post facto. Agora vamos examinar uma abordagem experimental ao problema da privação.

Durante alguns anos os pesquisadores da Universidade da Cali­fórnia, em Berkeley, estudaram os efeitos posteriores da privação em

· animais (Bennett, Diamond, Krech & Rosenzweig, 1964). A especifici­dade de suas pesquisas foi o exame físico e a mensuração de partes do cérebro e de secreções químicas do cérebro feitos de modo relativamente direto. A pesquisa deve ser classificada entre as poucas pesquisas compor­tamentais mais significantes de nossa época. A simples façanha técnica de medir os prováveis efeitos da privação sobre a fisiologia do cérebro é impressionante. Os pesquisadores, entretanto, fizeram mais do que · isto. Só um de seus estudos será resumido a seguir.

Bennett e outros (1964) basearam-se na hipótese de que uma expe­riência diferencial muito cedo na vida dos animais levará a mudança~ quantitativas no cérebro. Usaram, em um estudo, três grupos experi­mentais de ratos: Complexidade Ambiental e Treinamento (CAT), Condi· ção Isolada (Cl) e Condição Social (CS). Em CAT, de lO a 12 animais foram abrigados durante a amamentação em grandes gaiolas com equipa· menta "interessante" com que podiam brincar e que podiam usar. Foi-lhes permitido também sair todos os dias das gaiolas para brincar e explorar. Em CI (isolados), os animais foram mantidos sozinhos em gaiolas numa sala silenciosa . onde não nodiam ver nem tocar outros animais. Os ratos do grupo de controle (CS) foram mantidos sob condi­ções comuns de colôn1a. três em cada gaiola, e expostos a atividades na sala, mas sem tratamento especial. (Foi feito um tipo de casualização

6 Devemos tentar manter as coisas equilibradas. Hoje, um estudo como o de Goldfarb poderia ser melhor dirigido, principalmente medindo outras variáveis possivelmente relevantes c controlando-as estatisticamente. Isto é, sua provável influência seria avaliada e neutralizada, ou "subtraída" dos resultados, usando-se conhecidos métodos estatísticos.

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na etapa de análise.) O estudo inicial foi replicado um certo número de vezes, mas somente o ambiente enriquecido (CAT) e o ambiente empo-brecido (CI) foram usados nas replicações. ·

Essas condições foram mantidas durante 80 dias. Os animais foram então mortos e seus cérebros analisados. Amostras de várias partes do cérebro foram medidas, pesadas e analisadas suas secreções químicas. Os anatomistas que fizeram as análises não sabiam a que grupos experi-mentais pertenciam os animais. l

Os resultados foram incríveis. Havia diferenças enormes de peso .: do córtex cerebral entre os ambientes enriquecido e o empobrecido. ~ O peso médio em miligramas do córtex total dos ratos estudados durante·" o período de 1960 a 1963 foi de 700 (CAT) e 669 (Cl). A diferença ; foi estatisticamente significativa. Evidentemente, as experiências enrique-. ·, "" cidas alteraram o peso do córtex dos ratos. Uma "análise de controle" ' do resto dos cérebros dos animais não mostrou diferenças significativas. -· r. Foi o córtex cerebral que aumentou de peso em relação ao resto dÓ. ~ cérebro. · .. . -:::

')

Os pesquisadores de Berkeley mediram uma certa enzima nos cére:.; ·-bros dos animais e encontraram diferenças entre os grupos que virian:Í~ .::1 apoia_r as descobertas relativas ao peso. Mediram também a espessur·~ do cortex dos ratos: os córtíces dos ratos de experiência enriquecidá3 estavam cerca de 6 por cento mais espessos do que os dos ratos na condição de isolamento.

A evidência experimental, então , confirmou a hipótese do ambiente enriquecido. Testes de hipóteses alternativas ...:__ idade dos animais c tensão de isolamento, por exemplo - não mudaram as descobertas. Parece haver pouca dúvida de que a experiência enriquecida tem efeitos físicos fundamentais sobre o cérebro - pelo menos em ratos, sob as condições do laboratório de Berkeley. Esses resultados serão aplicáveis ao cérebro e condições humanas? Ninguém sabe. 7 Por motivos óbvios não se pode fazer pesquisa experimental semelhante com sujeitos huma­n~s. Fut~r?~ pr~gressos técnicos em tecnologia e pesquisa cerebral pode­rao posstbthtar IS~o. Mas até alcançarmos tais progressos, a pergunta não pode ser respondtda de maneira não-ambígua. Os pesquisadores usando seres ~umanos co~o sujeitos c interessados em efeitos da vida re~l, como os efeitos de ambtent~s ?e ~t:eto, devem faz~r principalmente pesquisas ex post facto, nas quats mdtvtduos desenvolvidos fora c dentro do gueto

7 I: . Importante_ l.embrar que estes resultados nada dizem sobre inteligência ou

o.utras c~racten.st1cas; . Demonstram apenas que ambientes enriquecidos ou defi­Cientes !em efe1tos fJsJ_cos s?bre os cérebros dos animais. Tais descobertas. entre­lauto, sao fundamental~ e nca~1ente sugestivas para pesquisa com seres humanos c para todo o problema de pnvação e sua melhoria.

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possam ser comparados em questões de inteligência, aptidão·, realização e outí·as variáveis relevantes - com as concomitantes dificuldades ex post facto. . . /

A discussão acima poderá nos deixar um pouco desammados. As bases do conhecimento humano, do comportamento, processos e institui­ções humanas parecem frágeis. De certa maneira, são. De outra, não. Realmente, não há necessidade de desespero~ Muito pelo contrário. Uma das condições de aumento de esperanças é a. replicaçãG. Se um estudo for replicado, encontrando-se os mesmos resultados ou resultados semelhantes, nossa fé e confiança nos resultados aumentam. s.e o estudo for novamente replicado e forem obtidos os mesmos resultados, nossa fé e confiança aumentam enormemente, porque as possibilidades de obter­mos os mesmos resultados três vezes ao acaso são menores do que a probabilidade de obtermos os mesmos resultados duas vezes.

Outra condição que reforça as pesquisas científicas e nossa con· fiança nelas é quando os resultados experimentais e não-experimentais coincidem. Embora seja difícil calcular as probabilidades, há pouca dúvida de que a convergência da evidência da pesquisa - evidência mantida por abordagens e estudos diferentes - reforce a validade empírica das descobertas da pesquisa. O exemplo experimental dos efeitos do ambiente de privação sobre o cérebro dos ratos e o exemplo não­experimental dos efeitos do ambiente do gueto sobre o desenvolvimento mental das crianças do gueto ilustram perfeitamente essa afirmação. Os dois tipos de pesquisa são muito diferentes e talvez nem diretamente comparáveis. Mas se o resultado de ambas parece indicar que ambientes empobrecidos têm efeitos suficientemente fortes para serem detetados com segurança, então fica reforçada a confiança na hipótese da privação ambiental.

Dedicamos bastante tempo e espaço tentando esclarecer as dife· renças entre pesquisa experimental e ex post facto. Descobrimos que a lógica básica é a mesma: ambos os tipos de pesquisa buscam a validade empírica de enunciaclos tipos "se p, então q". Mas também descobrimos que elas fazem isto muito diferentemente, porque na pesquisa ex pos/ facto não é possível manipular variáveis independentes nem designar aleatoriamente sujeitos e tratamentos a grupos experimentais. A dife­rença é profunda e significativa. Outras coisas mantidas constantes e em geral, as conclusões obtidas na pesquisa ex post facto não pisam em terreno firme como as conclusões obtidas em pesquisa experimental, por causa do inevitável controle menor sobre os efeitos de variáveis inde­pendentes e da situação de pesquisa. (A falha é compensada às vezes pelo maior realismo e efeitos mais fortes, entretanto.)

Muito problemas nas ciência comportamentais são problemas ex post facto e requerem pesquisa ex post facto simplesmente porque as

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va~iá~eis _independentes não são manipuláveis. Os pesquisadores cujc­pnncipal mteresse se concentra na natureza da inteligência ou na estru· tura dos valores e atitudes, por exemplo, precisam conformar-se com a pesquisa não-experimental. Sua natureza não-experimental faz a pesquisa menos si~nificativa, menos científica? Em todo caso, ambos os tipos de pesquisa devem e deverão ser feitos e o estudante de ciência e pesquisa comportamental deve compreender as forças e fraquezas de ambas.

Adendo

, . A pos~ção adotada neste livro é que um experimento requer, no m1mmo, d01s grupos experimentais. Esses dois grupos podem ser designa­dos ~orno "experimental" e de "controle", ou A1 e A2 , ou de outra ma~~1ra convenie~~e. Os dois grupos são dois aspectos de alguma vanavel. Se a vanavel, por exemplo, for reforçamento, então os dois grupos podem ser "reforçamento regular" e "reforcamento casual" ou "reforçamento maciço" e "reforçamento regular", ·como no estud~ de Clark e Walberg. Naturalmente, um experimento pode ter mais de dois grupos experimentais. Lembre-se de que o de Aronson e Mills tinha três. E no capítulo 7 aprendemos que é possível e aconselhável fazer experimentos fatoriais, nos quais se usa mais de uma variável inde­pendente.

. !'<. bas~ da exigência de no mínimo dois . grupos experimentais é mmhssimo Importante. Um "verdadeiro" experimento deve ter no míni­mo uma comparação (veja Campbell & Stanley, 1963, p. 6). Sem dúvida, em qualquer e_studo tem 9-ue haver ao menos uma comparação. Digamos que um pesqmsador deseJe aumentar a habilidade de resolver problemas por um métod~ e_special. Ele usa o método com um grupo de estudantes, talvez sua propna classe, e observa, depois que o usou, que a solução de problemas do grupo melhorou. Embora este proce.dimento seja satis­fatório para demonstrações práticas, é in11dequado cientificamente. O motivo é o trabalhado neste capítulo: com apenas um grupo não há segurança de que algo além do método do pesquisador não tenha influen­ciado e ajudado a melhorar a capacidade de resolver problemas.

Por exemplo, o mero fato de ensinar alguma coisa aos alunos no que se refere a resolver problemas pode ter um efeito salutar. Ou o método usado pelo pesquisador pode simplesmente ter sido um bom veí~ulo para. seu estilo pessoal de ensino, e foi seu estilo pessoal de en~mo que aJudou na. solução de problemas, e não o método. Qualquer met.odo que o pes~msador, como professor, achasse adequado funcio­nana da mesma forma. Além disso, é muito provável que a habilidade

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de os sujeitos resolverem problemas tenha melhorado çomo resultado de sua exposição ao problema. Ou, depois de um certo período de tempo, os sujeitos poderiam ter melhorado com qualquer método; sua compre­ensão dos vários aspectos da solução de problemas pode ter amlfdurecido.

Pode bem ter sido o método que tenha ajudado na solução de problemas, mas jamais isso poderá ser dito sem ambigüidade enquanto não for usado pelo menos mais um grupo. Aí então, pode-se comparar os resultados obtidos com o método com os resultados obtidos sem o método ou com outro método - com todas as outras condições mantidas iguais.

Em resumo, um delineamento de pesquisa tendo apenas um grupo experimental é sempre insatisfatório teoricamente. Se · eu disser ao pes­quisador que não foi o método que melhorou a solução de problemas mas, antes, que foi sua personalidade e entusiasmo, para os quais o método funcionou como veículo, o que ele poderá dizer? Nada! Pelo menos nada convincente. Se ele tivesse usado um segundo grupo experi- · mental, cujos membros tivessem todos as mesmas condições do primeiro grupo, menos o método, e os resultados favorecessem o primeiro grupo, então o pesquisador teria uma base sólida para me responder. Ele pode­ria dizer: "Não, não foi minha personalidade nem meu entusiasmo, porque eu também ensinei o segundo grupo e tentei fazê-lo exatamente do mesmo jeito que fiz com o primeiro grupo. Portanto, a diferença de resultado entre os grupos deve ser creditada ao método".

Embora o argumento ainda tenha fraquezas, é muito mais forte do que era. Virtualmente todas as conclusões científicas, então, exigem comparações. A função das comparações é isolar o efeito da variável independente crucial, · por assim dizer. Isto significa, essencialmente, mostrar que alguma outra influência não produziu o efeito observado; apenas a influência prevista na hipótese o produziu.

A despeito desta exigência óbvia de reforçar a inferência, há um considerável corpo de pesquisa no qual, com efeito, é usado apenas um grupo. Em algumas pesquisas sobre reforçamento, por exemplô, os efeito_s do reforcamento são avaliados, reforçando-se um grupo de ani­mais. As respostas dos animais são observadas para avaliar o efeito do reforçamento. Em algumas pesquisas sobre a memória, um estímulo, como iluminação, pode ser variado, e os e(eitos das variações na memo, rização de letras pelos mesmos sujeitos pode ser medido. Não afirmamos aqui que tal pesquisa seja incorreta. Um dos métodos importantes de ciência) por exemplo, é determinar funções (equações matemáticas), que expressem as relações exatas entre estímulos e respostas. E na pesquisa de reforçamento em animais, dificilmente se discute se é o reforçamento - algum tipo de alimento, por exemplo - que produz as respostas. Há pouco perigo de confusão quanto ao efeito da variável indepen~ente.

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A maioria de outras pesquisas nas ciências comportamentais, entretanto, não é controlada tão simples e facilmente.

Os estudos de Milgram descritos neste capítulo aproximam-se do limite da definição de experimento. Note que todos os sujeitos experi­mentais, em qualquer "experimento", receberam o mesmo tratamento: todos receberam a mesma instrução para administrar choques. A defi­nição de experimento, portanto, não foi satisfeita pela situação experi­mental básica, mas pelas variações introduzidas: o pesquisador presente ou não presente: fazer o experimento em outro local que a Universidade de Yale; distância entre professor e aluno.

O essencial deste adendo é que a definição básica e o significado da palavra " experimento" não são as únicas definições e significados da palavra em uso atualmente. A posição tomada neste livro, entretanto. é que no mínimo uma comparação se faz necessária - isto é, um mínimo de dois grupos experimentais - para um experimento se tornar um "verdadeiro" experimento. Isso necessariamente não elimina a possível adequação de definições mais limitadas em algumas situações. Simples­mente determina o que se acredita ser um padrão adequado para se fazerem inferências de dados experimentais.

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9. Observação e mensuração de variáveis

Os cientistas "observam" fenômenos; eles "fazem observações". O que significa dizer "fazem observações"? A expressão é vaga. Signi­fica que o cientista comportamental olha para as pessoas e o que elas fazem, forma impressões de seu comportamento e conclui alguma coisa sobre o comportamento observado? Sim e não. Quando se diz que os cientistas fazem observações, significa basicamente que eles medem variáveis ou juntam informação necessária para medir variáveis. Natural­mente, deve haver mais coisa aí - impressões subjetivas, intuições, compreensão - mas basicamente a finalidade de observar alguma coisa em ciência é medi-la. E a coisa é medida de sorte a poder se.r relacionada com outras variáveis.

Um pesquisador manipula uma variável independente, digamos, reforçamento, dando aos membros de três grupos experimentais três tipos de reforçamento a fim de "observar" seus diferentes efeitos sobre a memória. Neste caso as observações são de comportamentos que podem ser assumidos como refletindo a memória. A finalidade das observações é obter medidas da variável depedente, memória, de sorte que o pesqui­sador possa avaliar quantitativamente os efeitos dos diferentes reforça­mentes. O pesquisador pode "observar" que a memória dos três grupos é diferente, uma espécie de sensação subjetiva ou palpite. Tais sensações e palpites são importantes em ciência mas não são suficientes. Precisa­mos saber quanto de memória, o quanto de alguma coisa.

Um pesquisador, fazendo um trabalho não-experimental, encon­tra-se geralmente "observando" duas ou mais variáveis: quase sempre no mínimo uma variável dependente e muitas vezes uma ou mais variáveis independentes. Vamos examinar um problema sobre os pro­váveis efeitos do conflito de papéis sobre a eficácia da execução de atividades relacionadas a esse papel. Getzels e Guba (1954), num estudo sobre oficiais milita!es e seu desempenho de papel, previu que quanto maiores fossem os conflitos em que se encontrassem, menor seria sua eficácia no desempenho do papel, no caso, como professores. Eles previ­ram também que oficiais de carreira passavam por conflitos maiores quando tinham que ser professores por um certo período de tempo do que oficiais não interessados em fazer carreira (porque a subida de

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patente entre os oficiais depende muito mais de funções de comando que de funções de ensino). Eles seriam, portanto, menos eficazes como professores do que os oficiais não interessados em fazer carreira.

Getzels e Guba mediram o conflito dos oficiais com uma escala espe­cialmente elaborada para a pesquisa. Verificaram também a validade da escala comparando as ir;édias das notas de diferentes escolas da Força Aérea, variando em grau de envolvimento com assuntos militares. Como previram, quanto mais militar a escola, menor o conflito e vice-versa. Tiveram também que " observar" o desempenho no ensino e a eficiência. Isto foi conseguido, fazendo os oficiais professores darem notas de eficiência uns aos outros. Em outras palavras, Getzels e Guba "obser­varam" conflito e eficiência de ensino. O que fizeram, na realidade, foi "medir" ambas as variáveis. O que significa isto?

Mensuração

Mensuração é a atribuição de algarismos a objetos ou eventos de acordo com regras (Stevens, 1951). Eis um excelente exemplo de defi­nição vigorosa, no sentido de ser simples, geral e não embígua. Se desejar me.dir alguma coisa, faça um conjunto de regras que especifiquem como atribuir algarismos a objetos. Como todas as definições gerais, esta não especifica nada sobre as qualidades ou virtudes de determinado processo ou instrumento de mensuração. Um teste ou escala (veja capítulo 2) pode ser bom ou mau. Se nos permite atribuir algarismos a objetos definidos sistematicamente, então é mensuração. Isto é enfatizado aqui porque a distinção entre o que é mensuraçáo e a qualidade dos instrumentos de mensuração ficou confusa em algumas discussões de mensuração psico­lógica. O fato de alguns instrumentos de mensuração terem sido questio­náveis não sigmfica que todos o sejam, ou que a mensuração psicológica seja questionável.

Para compreender a definição de mensuração, lembremo-nos da discussão de conjuntos, variáveis e relações nos capítulos 2 e 4. Uma "relação" ficou definida como um conjunto de pares ordenados, nos quais os símbolos ou números de um conjunto eram sistematicamente emparelhados com símbolos ou números de outro conjunto. (Veja figu­ras 4. 1, 4. 2, 4. 3 e 4. 4.) A definição de mensuração implica relações, isto é, um processo de mensuração é sempre uma relação, com os objetos (pessoas ou grupos, por exemplo) sendo medidos vindo primeiro e os algarismos usados na mensuração vindo em segundo lugar. Para tornar tudo isso concreto, vamos recordar um exemplo usado no capítulo 4, onde duas variáveis, discriminação e violência, foram relacionadas.

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Page 83: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

Medindo discriminação

Para estudar esta relação, um pesquisador tem que "observar'~anto a discriminação quanto a violência, sendo a primeira a variáve~ i_nde­pendente e a última a variável dependente. Ele está t:sta~d~ a .htpot~se de que grupos discriminados numa sociedade mo~trara? vtOlencta. Alem disso, quanto maior a discriminação, maior a vtolê?cta. Par.a, o?servar as duas variáveis e estudar a relação, ele deve medtr as vanavets. Isto significa que ele deve atribuir a diferentes grupos em um~ sociedade, números diferentes, os números diferentes refletindo graus dtferentes de discriminação e violência. 1 Como poderá fazer isto?

Vejamos só uma das variáveis, discriminação. Suponha~os qu.e o pesquisador peça a três psicólogos, especialistas em preconcetto e roma­rias, que classifiquem, em uma escala de sete pontos, o gr~u ge~a! de discriminação sofrido no momento por sete_ grupos .. <Ele mclUtra os ingleses como critério, ou grupo de comparaçao, assummdo que o p~vo inglês ou o povo de origem inglesa seja o que menos tenha sofn~o discriminacão.) As médias dos três especialistas para os sete grupos estao dadas na figura 9. 1, num diagrama igual ao que usamos para exempli-

Orientais 4,9

Judeus 5,1

Negros 6,1

lndios 5,7 americanos

Italianos 3,2

Irlandeses 2,8

1,3

Figura 9.1

1 ~importante a distinção entre um algarismo e um número. Um .algarismo. é ?m símbolo da forma 1, 2, 3 ... ou I, li, 111 ... Não tem sentido quantitatiVO a não ser que receba tal sentido; é apenas um símbol~ que po~e s.er usado para rotular objetos. Quando um algarismo recebe um sentido quantitativo, como nas médias usadas na figura 9.1, torna-se um número. .

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ficar relações. 2 Os valores da figura 9 . 1 indicam que os juízes acredi­tavam que os negros sofriam a maior discriminação (6,1), índios ameri­canos vindo em segundo lugar (5.7) chegando aos ingleses, que, como se esperava, sofreram a menor discriminação (1,3).

A figura representa uma relação porque tem um conjunto de pares ordenados. :e também mensuração, já que os números (classificações médias) foram atribuídos a objetos (grupos) de acordo com regras. As < regras incluíram a especificação da escolha dos especialistas, ou juízes, a ? escala numérica usada, de 1 a 7, e a variável medida, discriminação. e uma ''boa" mensuração? Ainda não sabemos. Pode ser e pode não ser.

No capítulo 4, foi usada ordenação em postos, em vez de pontos numa escala. Apesar de isto mudar a natureza do procedimento de mensuração, principalmente os números usados para serem atribuídos aos objetos, não representa mudança na concepção de mensuração como numerais atribuídos a objetos conforme regras. :e aconselhável estudar outro exemplo de mensuração antes de continuarmos a discussão. ·

Medindo inteligência

Dificilmente existe coisa mais controversa na pesquisa comporta­mental contemporânea que a mensuração de inteligência. Algúns a rotu­laram como uma grande façanha, uma das maiores dos nossos tempos. (Eu concordo.) Alguns críticos, entretanto, condenaram-na por não medir realmente a inteligência, afirmando às vezes que a inteligência . em si não pode ser medida, ou condenaram-na por ter efeitos nocivos e perni­ciosos sobre crianças, especialmente crianças de grupos minoritários. lmbora . aqui não seja lugar para examinarmos toda essa controvérsia. talvez seja possível esclarecermos no mínimo seu aspecto de mensuração.

"Inteligência", naturalmente, é um conceito, ou constructo, alta· mente abstrato. Assim, não é de mensuração fácil. Antes que possa ser medida, será necessário, primeiro, concordar com alguma definição ope-­r cional de inteligência. (Será dificílimo, talvez impossível, contudo,

nseguir que mesmo os especialistas concordem com uma definição peracional.)

Lembre-se de que uma definição operacional especifica a .atividade d pesquisador ao medir uma variável. Inteligência, claramente, pode ser una variável, já que uma variável é um símbolo ao qual se atribuem alga-

L1te exemplo é livremente baseado em um famoso c:;tudo de estereótipos de IIZ e Braly (1935).

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) -

..... ; :JC, ..c I..-.J '> z ::::>

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rismos. (Veja capítulos 2 e 3 e note a similaridade de definições de "variável" e "mensuração".) "Inteligência" é o símbolo.

Pode-se pensar em maneira diferentes de medir inteligência. Pode­mos pedir a especialistas que observem um grupo de indivíduos e que atribuam notas e eles. correspondentes às quantidades percebidas de inte­ligência. Ou, mais provavelmente, podemos usar um teste de inteligência aceito e testado, como por exemplo o famoso teste Stanford-Binet. Este teste, com as instruções que o acompanham, constitui uma definição operacional de inteligência. Os números fornecidos pelo teste - chama­dos quocientes de inteligência ou Ois, com alguns testes - serão atri­buídos aos indivíduos e provavelmente refletirão as diferentes magnitu­des de suas inteligências. Volte à figura 4. 2, onde cinco pessoas, Marie, J acob e outros receberam números que eram notas de testes de inteli­gência: 131, 127 e assim por diante. No capítulo 4 estávamos ilustrando uma relação. Mas a figura também representa mensuração.

Há pouca dúvida de que algumas medidas de inteligência não são adequadas. Há pouca dúvida igualmente de que mesmo as melhores medidas de inteligência não são válidas em algumas situações. Por exem­plo, se vários membros de um grupo de indivíduos cuja inteligência esteja sendo medida eventualmente ficam doentes durante o teste, lançam-se dúvidas sobre os resultados da mensuração. Ou se um grupo de crianças foi criado em um lugar distante onde tenha havido pouca estimulação cultural, as medidas usuais de inteligência não serão válidas no sentido de medir a "verdadeira" inteligência das crianças. (Provavel­mente sejam válidas, entretanto, como medida do que se chama sua "inteligência funcipnal", ou sua capacidade de competir num ambiente classe média americano.) Isto entretanto rrão significa que medir inteli­gência não seia realmente mensuração ou que inteligência não possa ser medida. Sem ·dúvida, a maioria dos psicólogos concorda que inteligência pode e tem sido medida com grande sucesso.

Fidedignidade

Estude os números da tabela 9 . 1 cuidadosamente. Considere que eles são o resultado de uma tarefa de julgar, ou dar notas, entregue a quatro juízes que foram instruídos para julgar cada um de cinco geren­tes de escritórios quanto à competência ao dirigir um conjunto de tarefas administrativas. Os cinco gerentes foram, individualmente, observados por quatro juízes. Os julgadores usaram uma escala de sete pontos, 6 significando altíssima competência e O competência muito baixa. Uma das primeiras perguntas que fazemos em qualquer procedimento de mensuração é: Quão fidedigno é?

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Tabela 9.1 Notas dadas por quatro juízes à competência de cinco pessoas -fidedignidade alta.

Juízes

Pessoas a b c d Soma Média

6 6 5 4 21 5,25 2 4 6 4 3 17 4,25 3 4 4 5 2 15 3,75 4 3 1 3 8 2,00 5 2 2 o 5 1,25

Definição e natureza da fidedignidade

Em termos de senso comum, fidedignidade significa estabilidade, predizibilidade, confiabilidade, consistência. Uma pessoa fidedigna é aquela com quem se pode contar; podemos prever o que ela fará. Uma pessoa não-fidedigna é aquela cujo comportamento não podemos prever, com quem não podemos contar. Seu com.portamento flutua muito e flutua de maneira imprevisível. Dizemos que tal pessoa "não é fide­digna". Dizemos, por outro lado, que a pessoa previsível "é fidedigna."

Parte da essência da fidedignidade é, pois, ;variabilidade. Em geral, se o desempenho de uma pessoa varia muito de momento para momento, nós a colocamos na categoria de "não-fidedigna". Em outras palavras, ela varia imprevisivelmente. Não sabemos o que esperar.

Outra maneira de expressar fidedignidade e falta de fidedignidade é pelas palavras "exatidão" ou "precisão". Se alguém tem uma arma, quer que essa arma seja exata; deve atingir o alvo seja onde for -admitindo, naturalmente, que um bom tiro é acertar o alvo. Neste caso podemos falar sobre a fidedignidade da arma e a fidedignidade da pessoa que a maneja. Estamos mais interessados na primeira.

Um teste é semelhante a uma arma em seus propósitos. Quando me­dimos atributos . . capacidades e realizações humanas. queremos medir as quantidades "verdadeiras" dos atributos que o indivíduo possua. 1! como atingir um alvo com uma arma. Com um teste queremos atingir o atri­buto. Se a arma atinge o alvo consistentemente - os tiros se concentram perto ou no centro do alvo; se não se espalharem - dizemos que é fidedigna. Igualmente com as medidas sociológicas e psicológicas. Se elas atingem o alvo, são fidedignas. Mas o que significa "atingir um alvo" para um teste? ·

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Na moderna teoria dos testes assume-se que cada indivíduo medido em alguma variável tem uma "verdadeira nota" na variável. Já que niniguém pode saber qual é a verdadeira nota de qualquer indivíd'1Jo, é usado o seguinte raciocínio. Se o pesquisador puder medir a mesma pessoa com o mesmo teste, · um grande número de vezes, e a média de todas as notas em todas as tentativas for calculada, essa média seria uma estimativa da verdadeira nota. Mas o indivíduo geralmente é testado uma só vez. Como podemos saber ou até estimar qual é a verdadeira nota? Não podemos, mas uma estimativa da fidedignidade do teste pode ser obtida através de certos procedimentos estatísticos, que usam as notas de um certo número de indivíduos para fornecer estimativas estatísticas.

Mensuração fidedigna e não-fidedigna: dois exemplos

Agora, voltemos aos dados da tabela 9. 1. Queremos saber até onde as notas dos juízes à competência dos gerentes são fidedignas. Neste exemplo fictício, a fidedignidade é muito alta. Cada um dos quatro juízes chegou aproximadamente à mesma ordem de postos para os cinco gerentes. Lembre-se que o que queremos é uma estimativa da competên­cia de cada um dos gerentes. Não estamos interessados nos juízes. Sua tarefa é aumentar a fidedignidade das notas globais dos gerentes, assim como classificá-los. Se somarmos as notas em cada linha e depois calcu­larmos as médias das notas de cada pessoa (por exemplo, para a pessoa 1: (6+6+5+4) / 4=21 / 4=5,25). temos um conjunto de médias para cada pessoa. Perguntamos: Quão próximas estão estas médias das "verdadeiras notas" ou "da verdadeira classificação" da competência de cada indi­víduo? É possível obter uma resposta apenas aproximada.

Este meio aproximado de determinar a fidedignidade das classifi­cacões é baseado em todas as classificacões e todas as médias calculadas a partir das classificações dos. quatro juí~es. Se os indivíduos classificados diferem em competência - se os indivíduos não diferirem no · que estiver sendo medido, a fidedignidade não pode ser realmente calculada - então, as médias da ccluna denominada "Média" deveriam diferir. Quanto mais diferirem, maior a fidedignidade. Se o procedimento de men­suração for bom, então aproximadamente a mesma ordem de postos da médias das classificacões deve aparecer em mensurações subseqüentes, assumindo-se que os juízes sejam especialistas e competentes. Observe que as ordens de postos dos cinco indivíduos tendem a ser a mesmas para cada juíz. Por exemplo, a notas dos juízes a e b das cinco pessoas tendem a caminha juntas: foram feitas avaliações altas do indivíduo 1

. (6 e 6) e baixas do indivíduo 5 (1 e 2). As avaliações dos indivíduos 2, 3 e 4 não são inconsistentes com estas avaliaijões extremas.

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Igualmente, se examinarmos as classificações dos juízes c e d, nova­mente encontramos cOrrespondência geral nas classificações. Tal concor­dância produzirá classificações médias (coluna denominada "média") que diferem claramente umas das outras, desde que, naturalmente, os indivíduos realmente difiram uns dos outros em competência. Quanto maiores estas -diferenças, mais alta a fidedignidade, outras coisas manti­das constantes. ·

Sem dúvida o leitor ainda está um pouco confuso. Vamos então inventar uma situação altamente contrastante. Suponhamos que todo o procedimento de julgamento tenha sido não-fidedigno. Suponhamos que os juízes não soubessem como apreciar a competência e, além disso, que tenham sido descuidados. Quase certamente tal situação resultaria · em um conjunto de classificações de baixa fidedignidade. Damos um exem­plo na tabela 9 . 2. Os números (classificações) da tabela são números aleatórios, gerados por um calculador programável.

Tabela 9.2 Notas dadas por· quatro juízes à competência de cinco pessoas -fidedignidade baixa.

Tuízes

Pessoas a b ·c d Soma Média

2 5 6 14 3,50 2 5 2 6 4 17 4,25 3 2 3 5 11 2,75

4 3 1 3 2 9 2,25 5 6 3 4 4 17 . 4,25

Se pudermos saber por que esse conjunto de classificações não é fidedigno e por que o conjunto da tabela 9. 1 ·é, estaremos no caminho certo para entender a fidedignidade. Vamos estudar primeiro as colunas dos indivíduos. Sabemos que os cinco diferem em competência ----: uma suposição segura: a maior.ia das pessoas difere em quase tudo. As classi­ficações deveriam ser diferentes. Se · os juízes estão capacitados a julgar a competência, então, suas classificações deveriam ser mais ou menos as mesmas. Ou seja, suas classificações do mesmo indivíduo deveriam concordar aproximadamente. ~ difícil ou impossível encontrar muito acordo na tabela 9 . 2. ~ como se os julgadores fizessem apreciação de quatro característic~s não relacionadas. Ou, xnais perto da verdade, é como se eles tivessem feito suas apreciações ao acaso.

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Veja agora as classificações da tabela 9. 1. Há uma concordância geral entre os quatro conjuntos de classificações, como já observamos. Se o juiz a dá à pessoa 1 uma nota alta, o mesmo fazem os juíze~ b, c e d - acontecendo o mesmo para os quatro juízes nas notas baixas. Há, em outras palavras, uma alta concordância entre os julgadores. Na medida em que as classificações concordam, elas são fidedignas.

Outra diferença, talvez mais sutil entre as duas tabelas, está nas médias das pessoas. (As médias dos itens, embora importantes em algu­mas situações, não são importantes aqui. Em geral, elas não afetam a fidedignidade tanto quanto as médias das pessoas.) Os dois conjuntos de médias foram reproduzidos na tabela 9 . 3. A primeira diferença a notar é que as médias de 9. 1 são mais variáveis que as médias de 9. 2. As amplitudes, que são índices - embora grosseiros - de variabilidade, são 5,25- 1,25 = 4, para 9.1 e 4,25- 2,25 = 2, para 9.2. Já que as notas de 9. 2 eram na realidade números casuais, então, as cinco médias de 9. 2 deveriam ser quase as mesmas. (Por quê?) A amplitude refletiria, naturalmente, esta falta de variabilidade.

Vamos voltar e examinar a tabela 5 .1, um conjunto de 100 números arranjados em grupos de 1 O. Examine as médias dadas nas tabelas 5 . 2 e 5. 3, também calculadas a partir de números aleatórios. Passe cs olhos pelas discussões das três tabelas. Observe, na tabela 5. 1, que as 10 médias são muito parecidas. A expectativa baseada no acaso é 4,56, a média total. Já que as 10 médias são médias de números aleatórios, elas devem ficar bem próximas dessa expectativa baseada no acaso. Os números aleatórios, por definição, não são fidedignos. São números sem sistema ou regularidade, e fidedignidade significa, entre outras coisas, que os números são sistemáticos; eles mostram regularidade.

Uma definição de fidedignidade pode ser dada negativamente: fide­dignidade é falta de "erro" em um conjunto de medidas. O "erro" aqui significa, com efeito, flutuações casuais, ou aleatórias. "Erro" é a varia­bilidade, as flutuações das medidas, não devidas ao que quer que esteja sendo medido. Na medida em que um conjunto de medidas tem tal variabilidade, não é fidedigno. (Tal variabilidade não deve ser confun­dida com a variabilidade dos indivíduos, há pouco discutida, uma varia­bilidade que reflete diferenças entre indivíduos. Veja abaixo.) Os núme­ros aleatórios, naturalmente, refletem apenas um ir e vir, subir e descer, uma variabilidade não sistemática.

As médias dos cinco especialistas, "Grupo Experimental'', tabela 5. 2, são muito parecidas com as médias da tabela 9. 3, " baixa fidedigni­dade." Não são muito diferentes. E não deveriam ser: foram calculadas de números aleatórios. Igualmente, as médias da tabela 5 . 3 não são muito dissemelhantes. Mas as médias da tabela 9. 3, "Alta Fidedigni­dade", diferem tanto quanto podem, se compreendermos que as médias

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sao sempre menos variáveis do que os números dos quais são calculadas. A ~~plit~de maior pro~avelmente reflita mais exatamente as diferenças indtvtduats em competencia das cinco pessoas, cuja competência está send~ medida. Se ,a~ média~ se assemelham a médias calculadas a partir de numeras aleatonos, entao provavelmente serão iguais entre si · não diferirão muito. Se obtivermos números numa situacão real de ~ensu­raç~o q.ue se asse~elhem a núm~ros aleatórios, então: sua fidedignidade sera batxa. Eles nao podem refletu com exatidão as diferenças individuais das pessoas medidas.

Tabela 9.3 Médias das pessoas tiradas das tabelas 9.1 e 9.2.

Pessoas

2

3 4

5

Alta fidedignidade (tabela 9 .1)

5,25

4,25

3,75

2,00 1,25

Pessoas

2

5

1

3 4

Baixa fidedignidade• (tabela 9. 2)

4,25

4,25

3,50

2,75 2,25

a As médi~s da ta?ela 9.2 foram rearranjadas em ordem de postos de magnitude, para enfatizar a d1ferença entre os dois conjuntos de classificações.

~ma forma mai.s .fácil, embora incompleta, de considerar a fidedigni­dade e como estabzlzdade. Suponhamos que os quatro juízes dessem notas por competência uma segunda vez, digamos, dois meses mais tarde. Ass,?m~ndo que nos dois meses nada tenha acontecido que mudass~ a con;tpetencta dos. gerentes, as classificações médias que recebessem devena~ ser aproximadamente as mesmas da segunda e da primeira vez. Na ~edtda em que forem as mesmas, as notas serão fidedignas. Na medtda em que forem diferentes, na primeira e na segunda vez as notas s~rão nã?-f~de~ignas. Se fosse calculada uma espécie de índice ~ue refle­ttsse a stmtlandade dos dois conjuntos de notas, este índice seria deno­minado coeficiente de fidedignidade. Quando tais índices são calculados e relatados na bibliografia, são chamados coeficientes de fidedignidade de teste-reteste.

Pode-se também calcular os coeficientes de fidedignidade para os dados das tabelas 9 . 1 e 9 . 2. São chamados coeficientes de consistência interna. Os dois coeficientes para as tabelas 9. 1 e 9 . 2 são O 94 e o 01 Os coeficientes de fídedignidade como estes variam de O a 1,00, o i~di~

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cando fidedignidade muito baixa ("nenhuma" fidedignidade) e 1,00 indi­cando fidedignidade perfeita. As notas da tabela 9. 1, então, são alta­mente fidedignas, enquanto que as da tabela 9. 2 não oferecem nenh6ma fidedignidade. ·

O exempo usado para ilustrar a fidedignidade vem usando classifi­cações provavelmente porque são mais fáceis de compreender do que se usássemos um teste e itens de teste. O mesmo raciocínio, entretanto, se aplica aos testes. Substitua simplesmente "juízes" por "itens". As pessoas classificadas são as mesmas; a única diferença é que agora serão "testa­das" em vez de "avaliadas." Isto é, qualquer teste ou escala consiste em certo número de itens, cada um destinado a medir a mesma coisa, assim como os juízes deviam avaliar ou medir a mesma coisa. Por exemplo, suponhamos que temos que medir autoritarismo. Podemos usar a conhecida escala F. Aqui estão dois dos itens (Adorno e outros, 1950, pp. 255-257) :

Obediência e respeito à autoridade são as virtudes mais importantes que uma criança deve aprender. A ciência tem seu lugar, mas há muitas coisas importantes que jamais poderão ser compreendidas pela mente humana.

Os sujeitos respondem a estes itens numa escala de acordo-desacordo. Quanto mais concordarem, ·mais autoritários acredita-se que sejam.

São usados muito mais que dois itens. (Em geral, quanto mais itens, maior a fidedignidade, contanto que todos meçam a mesma coisa e a meçam igualmente bem.) Se os dois itens dados acima medem a mesma coisa, devem produzir aproximadamente a mesma ordem de postos para os indivíduos. Se isto ocorrer, então, a escala de dois itens será fidedigna. Do contrário, não é fidedigna. O mesmo raciocínio é estendido aos vários itens de um teste ou escala. Se tivéssemos 40 itens em um teste de inteligência, cada um deles seriam um "juiz": produzirá ordem semelhante de postos de inteligência entre os indivíduos. 3

Por que a fidedignidade é importante?

Antes de poderem ser qualquer outra coisa, as medidas de variáveis devem ser fidedignas. Devemos saber, por exemplo, que estamos medindo acuradamente a competência, pois que adianta medir uma variável se

3 Note, entretanto, que itens individuais são muito menos fidedignos do que testes inteiros. Entretanto, itens de fidedignidade relativamente baixa podem, quando usados em número suficiente, produzir um teste ou escala fidedigna. ~ um aspecto ou princípio útil, que torna possível obtermos testes fidedignos de caracte­rísticas humanas.

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não nos aproximarmos da "verdadeira" nota dos indivíduos (ou objetos) medidos? É um dos principais motivos para se fazer a mensuração. Temos que confiar nos resultados obtidos. Devemos saber, por exemplo, que se medirmos a competência ou a criatividade ou ainda a dominância ou inteligência de um grupo, obteremos as mesmas notas ou notas semelhantes em uma mensuração subseqüente dos mesmos indivíduos. Isto significa, entre outras coisas, que obteremos as mesmas ordens de postos das notas, ou parecidas. ~

Vejamos a relação entre duas variáveis, inteligência e competência. Digamos que queiramos saber o papel que a inteligência desempenha em certa espécie de competência. Se uma ou ambas as medidas de inte­ligência e competência não forem fidedignas, então não será possível determinar com exatidão de que maneira estão relacionadas- ou "corre- ~~

lacionadas", como se diz. A magnitude da relação pode ser alta, mas se uma ou ambas as medidas não forem fidedignas, a relação calculada será baixa, simplesmente por falta de fidedignidade. Se aceitarmos a ·"C

magnitude da relação calculada pelo seu valor aparente, vamos nos ;:_, desviar seriamente. Suponhamos que a magnitude da relação tenha sido ;g · realmente alta, mas a medida de competência não seja fidedigna e que ~ não saibamos que não era fidedigna. Podemos acreditar que a relação z entre inteligência e competência seja baixa ou nula. Podemos então ;::;, concluir que inteligência tem pouco a ver com o tipo de competência que estávamos tentando medir. Tal conclusão seria, naturalmente, errada.

Igualmente, no uso prático de medida de variáveis, a fidedignidade é um aspecto indispensável da mensuração. Que àdianta um teste de inte­ligência de crianças que não seja fidedigno? Que adianta uma medida de atitudes em relação a grupos minoritários que não seja fidedigna? Se os testes e as escolas não forem fidedignos, as predições que fazemos com eles - e eles são instrumentos de predição, assim como medidas de variáveis - são inúteis ou piores que inúteis, pois podem nos desviar de conclusões relativas a habilidades e atributos dos indivíduos que estamos medindo, assim como a relações entre as habilidades e atributos.

Vali<Jade

A fidedignidade é um problema praticamente resolvido. A teoria da fidedignidade dos instrumentos de mensuração psicológica e socio­lógica está bem desenvolvida e amplamente compreendida. 4 Princípios

4 Veja excelentes discussões em Guilford (1954) e Nunnally (1967).

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para a prática e como colocar os princípios em prática estão igualmente bem ço!llpreendidos. Os psicólogos e sociólogos sabem construir irstru­mentos de mensuração de substancial fidedignidade. Sabem, por exetnplo, . que quando um teste ou escala é curto demais, provavelmente não será fidedigno, que os itens devem ser expressos sem ambigüidade (exceto em casos especiais), e que deve haver estímulos de amplitude adequada para capturar a amplitude dos atributos humanos. Em outros tempos, havia uma desculpa para um estudo ter um ou mais instrumentos de baixa fidedignidade, ou então, não mencionar nada sobre fidedignidade. Este tempo passou, embora ainda continuem existindo restos dessas práticas. Não há mais qualquer desculpa para baixa fidedignidade. É, em resumo, um problema prático e teórico amplamente resolvido.

Infelizmente, não acontece o mesmo com a validade, que apresenta problemas muito mais profundos e difíceis do que a fidedignidade, em parte porque as idéias de validade são relativamente novas e em parte porque validade é um problema muito mais complexo. Os psicólo­gos e sociólogos mal se davam conta da validade, anos atrás. Felizmente, a atenção de todos vem se focalizando neste importantíssimo aspecto dos problemas de mensuração e de ciência comportalmente, e já foi feito um grande progresso na sua compreensão, senão no seu domínio prático.

Definição e natureza da validade

Freqüentemente define-se a validade com a seguinte pergunta: "Você está medindo o que pensa que está medindo?" Se assim, sua medida é válida; se não, não é válida. A ênfase aqui é dada no que está sendo mensurado. Suponhamos que um grupo de professores de estudos sociais elabore um teste para medir a compreensão dos alunos de certos conceitos sociais: justiça, igualdade e cooperação, por exemplo. Os professores desejam saber se os alunos compreenderam e podem aplicar as idéias. Mas elaboram um teste contendo apenas itens fatuais sobre instituições contemporâneas. O teste então não é válido para a intenção que tinham em mente. Pode ser um bom teste de conhecimento jatual, mas não medirá a . compreensão de conceitos sociais. Para um teste ser válido, no sentido mais elementar e talvez fundamental da palavra, deve medir o que o pesquisador deseja e pensa que está medindo.

Há mais de um tipo de validade. Embora não possamos nos apro­fundar nos tipos e definições diferentes de validade neste livro, devemos tentar investigar as principais definições, pois elas nos ajudarão. a com·

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preender a abordagem científica geral à observação do comportamento e à mensuração de variáveis. Por sua vez, esta compreensão nos dará melhor fundamento para avaliarmos algumas controvérsias fundamentais sobre mensuração que importunam tanto os cientistas quanto os leigos.

Tipos de validade

Pesquisadores e práticos usam testes muitas vezes apenas para prever um futuro desempenho. Provavelmente os teste sejam mais usados para isto. Os professores, por exemplo, desejam conhecer a capacidade e aptidão das crianças com o fim de prever seu futuro desempenho e realização. A ênfase no uso de tais testes, por escolas e outros estabeleci­mentos, está mais na previsão da capacidade e desempenho atuais e futuros do que em medir variáveis. Embora interesse o que o teste irá medir, o interesse central não é este. O principal é que o teste meça satisfatoriamente o que foi considerado essencial para o bom desem­penho na escola ou no trabalho. Chegou-se mesmo a afirmar que, se um teste conseguir predizer com sucesso algum critério, não vem ao caso o que ele estiver medindo! Em todo caso, um teste é considerado válido se predisser com sucesso algum critério. Tal validade era denominada validade preditiva; mais recentemente passou a ser denominada validade relativa ao critério (criterion-related validity).

Outra forma de validade é chamada validade de conteúdo, que é dirigida à substância ou ao conteúdo, do que está sendo medido. Se os professores que aplicaram o teste para medir a compreensão dos concei­tos sociais perguntassem a colegas, depois de estudarem o teste, se acha­ram que ele realmente medirá a compreensão de conceitos sociais, esta­riam fazendo uma pergunta de validade de conteúdo. Validade de con­teúdo está assim estreitamente relacionada à questão: "Você está medindo o que pensa que está medindo?;'

Um terceiro tipo de validade, chamado validade de constructo, provavelmente é o mais significativo e importante, pelo menos do ponto de vista deste livro. Quando os pesquisadores investigam a validade de constructo de uma medida, estão mais interessados na propriedade psico­lógica ou outras propriedades que o instrumento mede. Estão interessados na variável sob consideração, ou, mais exatamente, no constructo ou constructos subjacentes à variável. Validades relativas ao critério e de conteúdo são comparativamente fáceis de compreender. Validade de constructo não é fácil, por estar inserida em uma grande área do quadro de referências da pesquisa e da metodologia. Como sempre, um exemplo pode ajudar a esclarecer o que queremos dizer.

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Medindo dogmatismo

' A escala F, mencionada anteriormente, pretende medir o autori-

tarismo. Foi construída com base em teorias sócio-psicológicas e psica­nalíticas bastante complexas. Tem havido muita discussão relativa à validade da escala, discussão que envolve também a validade das teorias em que a escala foi baseada. A discussão foi realmente relativa à validade de constructo da escala.

Rokeach (1960), contestando até certo ponto a validade da escala F como medida de autoritarismo, construiu sua própria escala, a escala D, para medir dogmatismo. Ele também usou raciocínios teóricos. Uma de suas críticas à escala F era que ela media somente o autoritarismo de direita, apenas tendências fascistas. (0 "F" da escala refere-se a "Fascis­mo".) Desta forma ela é limitada, se omite o autoritarismo da esquerda. Sua validade como medida geral de autoritarismo é, portanto, questio­nável. Com sua escala D, Rokeach pretendia medir o dogmatismo, que inclui autoritarismo tanto de esquerda quanto de direita.

A escala D consiste de um número de itens que Rokeach acreditava iriam medir um bitolamento (closed-mindedness), um modo de pensar associado a uma ideologia, sem levar em conta seu conteúdo. No centro deste pensamento está a idéia de que as orientações ideológicas dos indivíduos estão relacionadas às suas personalidades, comportamentos e processos de pensamento. (Esta idéia foi assumida também pelos autores da escala F.) Dois entre os muitos exemplos que podem ser dados são que o dogmatismo está relacionado com a intolerância e a obstinação. Rokeach fez uma série de investigações com o fim de testar tanto suas idéias quanto a validade de suas escalas.

Por exemplo, um dos meios usado freqüentemente para validar testes e escalas é o método dos grupos conhecidos. Neste método, apli­ca-se um instrumento a pessoas com características "conhecidas" e prediz-se a diferença entre grupos. Vimos este método no capítulo 8, quando examinamos o estudo de Rokeach sobre as diferenças entre poli­ciais, brancos desempregados e estudantes calvinistas e suas reações a idéias sociais de liberdade e igualdade. Rokeach, como dissemos acima, acreditava que o núcleo do dogmatismo estava no bitolamento. Assim, ele fez professores e alunos de pós-graduação selecionarem alunos e amigos qua acreditavam não-bitolados e bitolados. A escala D diferen­ciou com êxito os dois grupos. Aplicou também a escala a grupos reli­giosos diferentes; os resultados gerais apoiaram suas análises. Outro teste da validade da escala foi o estudo de Rokeach sobre a relação entre dogmatismo e solução de problemas em situações diferentes de quaisquer outras encontradas na vida cotidiana. Novamente suas idéias foram confirmadas.

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Em outras palavras, o trabalho de Rokeach foi dirigido tanto para a teoria por trás da escala D quanto para as propriedades da escala, um exemplo claro de validação de constructo. "Validação de constructo" talvez seja uma expressão mais exata do que "Validade de constructo" para expressar · o que está envolvido. O pesquisador tenta de vária~ formas obter provas que apóiem a teoria por trás de uma medida assim como sobre a medida. É um processo divergente e convergente no qual as deduções da teoria são testadas de maneiras diferentes com a idéia de que a evidência de testes diferentes convergirá para a validade da medida. A validação de constructo é, então, essencial à própria ciência em seus testes de deduções e implicações derivadas da teoria. É uma importante conquista da mensuração e da pesquisa comportamental, uma conquista que está revolucionando a mensuração psicológica e socio­lógica. 5

...... --Mensuração em perspectiva ~ .:..2 ~- .: ~.-:-~ 22

A mensuração pode ser o calcanhar de Aquiles da pesquisa compor- t] ..:o tamental. Freqüentemente planeja-se e executa-se cuidadosamente uma ~ investigação, com pouquíssima atenção à mensuração das variáveis da ª pesquisa. Eis um caso interessante que demonstra a falta de preocupação com a fidedignidade. Um pesquisador planejou um conjunto elaborado de experimentos para testar uma teoria de atitudes. A cadeia de racio-cínio das implicações experimentais da teoria parecia válida. Se é verdade, como prevê a teoria, que isto e aquilo ·são assim, então aconte-cerá isto e aquilo. O procedimento experimental foi cuidadosamente planejado e executado para testar as deduções. Foram feitas predições estatísticas específicas sobre as diferenças entre grupos experimentais. Nenhuma das predições resultou como fora predito! Sem dúvida, virtual­mente nenhuma das diferenças eram estatisticamente significativas. O conjunto de experimentos foi um fracasso completo. Foi como se os números analisados fossem números aleatórios. Por quê? Por que a teoria era falha? Por que o experimento foi mal conduzido? Por que os sujeitos foram mal escolhidos?

O verdadeiro motivo parecia ser a mensuração da variável depen­dente. O pesquisador passara grande parte de sua vida profissional dizendo aos alunos que, para medir adequadamente uma variável, era

5 O primeiro avanço real provavelmente tenha vindo de um artigo de Cronbach e Meelh (1955), no qual foram elaboradas as idéias básicas por trás da validade de constructo. A validade de constructo foi oficialmente reconhecida como um tipo central de validad~ pela American Psychological Association em seu manual de testes e aplicação de testes (American Psychological Association, 1966).

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necessário usar um certo número de itens para medir a variável. Depen­der de um ou dois itens, como fazem muitos pesquisadores, é loucura porque se sabe muito bem, e pode ser facilmente demonstra~o, que um ou dois itens simplesmente não oferecem segurança suficiente · para justi­ficar seu uso. Se for feito um experimento e for medida a variável dependente com apenas um ou dois itens, haverá uma alta probabili­dade de que, mesmo se existirem diferenças significativas entre os dois grupos, estas não serão detectadas simplesmente porque a medida da variável dependente não será suficientemente fidedigna para "pescar" as diferenças! Se havia diferenças verdadeiras entre os grupos experimen­tais, como fora predito, elas não tinham grande probabilidade de serem detectadas. 6

Todos os campos da realização humana têm sua dose de mitologia e absurdo. A mensuração, infelizmente, é particularmente sobrecarre­gada por ambos. Parte da causa são as atitudes negativas ein relação à mensuração psicológica. Mas a ignorância e os mal-entendidos provavel­mente tenham a maior parte. Uma das maiores dificuldades parece ser a má compreensão do objetivo básico da mensuração. Acredita-se, por exemplo, que os psicólogos medem as pessoas, e que não se pode medir pessoas. É verdade que não se pode medir as pessoas. Mas os cientistas na realidade não medem as pessoas nem dizem que medem (pelo menos não deviam dizer que medem). Eles medem variáveis, assim como nos experimentos eles não manipulam pessoas, mas variáveis. Eles medem, sim, o comportamento das pessoas, os indicadores observáveis de constructos hipotéticos, como inteligência e dogmatismo. Ninguém pode medir inteligência diretamente. "Inteligência" é um constructo usado para resumir um conjunto incrivelmente complexo de comportamentos que têm a característica comum de serem "inteligentes." Acreditar que os psicólogos medem pessoas, então, é ingenuidade. Criticar a mensuração porque ela não mede pessoas é ingênuo também.

Sem dúvida, todo procedimento de mensuração, mesmo de variáveis relativamente "simples", é altamente indireto, complexo e freqüente­mente difícil. Em vista dessas dificuldades, o êxito dos cientistas compor­tamentais em medir variáveis comportamentais é notável. E tem sido um êxito, apesar dos críticos que afirmam ter sido um fracasso. Eis algumas variáveis que têm sido medidas com êxito: inteligência, aptidões (verbal, numérica e assim por diante), atitudes (em relação a uma variedade de objetos), introversão, coesão (de grupos), necessidades, classe social, autoritarismo, dogmatismo. Podemos enumerar muitas outras. Isto não significa que a mensuração de tais variáveis seja perfeita, ou que poderá

6 O pesquisador foi o autor deste livro.

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vir a ser perfeita. Ao contrário, vem carregada de dificuldades, sendo a maior de todas, naturalmente, a validade. Mas os cientistas, principal­mente os psicólogos, conhecem as limitações e as dificuldades e são geral­mente muito cuidadosos em suas avaliações e no uso de testes e escalas e seus resultados. 7

Como qualquer outra coisa, os testes e medidas devem ser usados com cautela e discrição. Quando falamos de mensuração em ciências comportamentais, colocamo-nos em nível muito diferente do que quando falamos de mensuração em ciências naturais. Devemos ter sempre muito cuidado em verificar a fidedignidade e validade de nossas medidas. Devemos entender que os chamados erros de mensuração desempenham, infelizmente, um grande papel em nossas medidas. Em ciências naturais, há muito menos problemas de fidedignidade; consegue-se geralmente um alto grau de precisão e exatidão com a ajuda de poderosos instrumentos de mensuração. Validade é mais um problema, mas nem de perto o problema que há com variáveis como inteligência, ambiente familiar, atmosfera escolar, atitudes em relação a estrangeiros, criatividade e assim por diante. Contudo, mensuração é mensuração nas ciências naturais e nas ciências comportamentais. A definição básica e os procedimentos gerais são os mesmos. Não é menos legítimo e científico medir as atitudes e opiniões das pessoas, por exemplo, do que medir a circunferência da terra ou a força dos terremotos. Se existem variáveis, elas são potencial­mente mensuráveis, embora os graus de precisão, exatidão e validade variem amplamente.

7 Um dos po_ntos !ntere~santes de parte da crítica à mensuração, principalmente da_ 1~1ensura~ao psrcológrca, é que se critica de forma a parecer dizer que os p~rcologos na?. conh~cem as dificuldades e fraquezas dos testes e escalas psicoló­grcos. Os crrtlcos drzem, por exemplo, que os testes não podem medir seres humanos e sua. complexidade, que "inteligência real" e "criatividade real" não po~em ser m_edrd1t:s e 9ue ?eralmente não se pode confiar em mensuração psico­lógica. As afJrm~t.Iv~s. ImJ?hcam que os psicólogos não têm consciência das difi­culdade~ e: que e mutd . ate pensar em medir o comportamento das pessoas e suas caractenst1cas. Os fatos geralmente são muito diferentes.

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10. Investigação sociológica, levantamentos e análise de freqüências

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Em nossa preocupação com os pontos principais da pesquisa com­portamental, negligenciamos diversos tópicos que um estudo completo teria que incluir. Dois ou três desses tópicos - tipos de pesquisa e métodos de observação, por exemplo - serão discutidos no Apêndice. Devemos considerar agora, entretanto, uma forma muito importante de investigação comportamental e um tipo de análise comum e importante. Na falta de melhores rubricas, chamaremos à forma de investigação "investigação sociológica", e ao tipo de análise "análise de freqüências".

Investigação sociológica

Da forma usada neste capítulo, "investigação sociológica" é um . termo amplo que significa um conjunto de formas relacionadas de inves­

tigação não-experimental dirigidas para o estudo das relações entre "variáveis sociais". Da forma usada aqui, a investigação sociológica é feita principalmente, mas não exclusivamente, por sociólogos e inclui diversas variáveis caracterizadas por sua orientação social: status social, preferência política, preferência religiosa, afiliação a associações, escolari­dade, renda, ocupação, raça, sexo e assim por diante. Estas "variáveis sociais" são atributos de indivíduos (ou grupos) que têm a característica comum de serem membros de grupos sociais grandes e pequenos e assim de serem compartilhados por muitos ou pela maioria dos indivíduos. Por exemplo, todos nós temos ocupações, renda, sexo, preferência religiosa, e assim por diante, e elas nascem, pelo menos em parte, de nossa partici­pação em diversos grupos. São o material básico de uma grande parte da investigação sociológica.

Não quero implicar que os sociólogos usem apenas essas vanaveis e que os psicólogos ou os economistas não as usem. Sem dúvida, ultima­mente os sociólogos vêm usando cada vez mais "variáveis psicológicas' e os psicólogos vêm usando "variáveis sociológicas" - e é assim que deve ser. Estou usando os termos "investigação sociológica" e "variáveis sociais" em parte por conveniência e em parte por eles refletirem a

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realidade da pesquisa. Outro motivo é por termos que nos dirigir a um grande corpo de estudos variados que parecem ter as características comuns de usar variáveis sociológicas, ser não-experimentais, dirigir-se freqüentemente para problemas sociais importantes e usar um conjuntc. de técnicas analíticas relacionadas. Muitas dessas pesquisas foram chama­das "levantamentos" (survey research) ou "estudos de campo".

Para sermos mais concretos, vejamos os sumários de quatro inves­tigações sociológicas. O fato de incluírem "variáveis psicológicas" não muda sua natureza basicamente sociológica.

O estudo de Stouffer: tolerância e intolerância

Neste grande e importante estudo, Stouffer (1955) questionou, entre outras coisas, tolerância e os chamados correlatos de intolerância. 1 Para obter as respostas às questões, Stouffer entrevistou duas amostras alea­tórias de pessoas dos Estados Unidos. (Entrevistar é uma forma poderosa de obter informação mmto usada na investigação sociológica.) Uma das perguntas feitas por ele estava voltada para a relação entre tolerância e liderança na comunidade. Colocando de maneira diferente, a questão pretendia estudar a diferença em tolerância entre os líderes e os cidadãos comuns. A pergunta era a seguinte: "Se uma pessoa quisesse fazer uma conferência em sua comunidade contra igrejas e religiões, ela deveria ter permissão para falar ou não?" Parte dos dados obtidos em uma das amostras nacionais é dada na tabela 10 . 1.

Tabela 10.1 Respostas à questão sobre tolerância de não-conformidade religiosa, estudo de Stouffer ( 1955). •

Resposta

Sim Sem opinião Não

LídP.res da comunidade 66% 1% 33% Grupo representativo nacional 37% 3% 60%

a Estes dados foram obtidos pelo Instituto Norte-Americano de Opinião Pública. São fornecidos na forma de porcentagem.

1 "Correlatos" são variáveis relacionadas a outras variáveis de ínteresse e são usadas geralmente para "explicar" uma variável ou variáveis de interesse. Por exemplo, o pesquisador pode estar interessado no comportamento do eleitor. Para tentar compreender este comportamento, ele estuda as preferências religiosas, polí­ticas, o sexo, e status social de, digamos, eleitores em uma importante eleição. Em outras palavras. ele relaçiona essas variáveis. sociológicas, ou "correlatos", a como as pessoas votam.

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As respostas à questão de Stouffer parecem claras, se lermos correta­mente a tabela. Há uma relação entre posição na comunidade e tole­rância: os líderes da comunidade parecem ser consideravelmen~e· mais tolerantes do que os cidadãos médios: 66 por cento dos líderes disseram Sim, deve-se permitir a conferência, mas apenas 37 por cento dos cidadãos comuns disseram Sim. (Observe que as porcentagens de Sim, as porcentagens de Não e as porcentagens de Sem Opinião somam, em cada linha, 100%.)

Miller e Swanson revisitados

No capítulo 1 foi citado um estudo de relação entre classe social e tipo de criação de crianças (Miller e Swanson, 1960). Uma das relações específicas estudada foi entre classe social dos pais e tempo de desmame das crianças. Miller e Swanson entrevistaram 103 mulheres das classes média e operária, em Detroit. Perguntaram às mães, em uma parte do estudo, quando desmamaram seus filhos. As respostas das mães, dadas na tabela 1 . 1, estão reprod~zidas aqui, na tabela 1 O. 2. Nesta tabela são dadas freqüências aas respostas e as porcentagens, calculadas em cada linha.

A relação entre as duas variáveis é evidente. De fa_tQ, as porcen­tagens são muito semelhantes em suas magnitudes às porcentagens de

Tabela 10.2 Classe social e tempo de desmame, estudo de Miller e Swanson (1960). (reprodução da tabela 1.1) a.

Classe social Desmame

Cedo Tarde

Classe média 33 22 55

(60%) (40%)

17 31 Classe operária

48

(35%) (65%)

50 53 103

• As entrad~s principais nas casas são freqüências; as entradas entre parênteses são porcentagens calculadas pelas linhas. Veja nota de rodapé da tabela 1.1.

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Stouffer. 2 As mães de classe média desta amostra desmamaram seus filhos mais cedo que as mães de classe operária. (Veja mais detalhes na discussão do capítulo 1.)

Valores orientados para pessoas e escolha ocupacional

Há alguns anos, os professores abandonavam o ensino, causando assim difícets problemas de pessoal em muitos distritos escolares. Por que abandonavam o ensino? (Usamos o tempo passado porque se presume, mas naturalmente pode não ser verdade, que os professores já não aban­donem o ensino como antigamente por causa da mudança na necessi­

·~ade de professores na última meia década.) Rosenberg (1955) lançou alguma luz indireta no problema quando perguntou aos estudantes em 1950 e 1952 se gostariam de se tornar professores. Ele determinou também se eram orientados para pessoas (se queriam trabalhar com gente em vez de com coisas; ajudar os outros) ou "não-orientados para pessoas". Uma das relações relatadas por ele está na tabela 1 O. 3.

Tabela 10.3 Valores orientados para pessoas e mudança de escolha ocupacional, 1952.

Orientados para pessoas Não-orientados para pessoas

Continuaram professores

57%

19%

Abandonaram o ensino

43%

81%

As porcentagens na tabela parecem dizer que professores não-orien­tados para pessoas tendem a deixar o ensino. Os números em que a tabela sé baséià são comparativamente pequenos (um total de 108 pro­fessores) e o estudo é muito mais limitado do que os estudos de Stouffer c de Miller e Swanson. Mostra, entretanto, as características da investi­gação sociológica que estão sendo ilustradas: uma variável, Continuaram

a As P~~centage~~- s~o usadas às ~ezes em tabelas como esta porque "trans­forma~ as frequencias das duas hnhas em uma escala comparável baseada em 100 .. Ja .. qu~. as soma~ das freqüênci~s nas linhas, 55 e 48, são desiguais, é mais d f!cJI . ve~ a relaçao estudando simplesmente as freqüências. Quando as fre­qO!ncias sao tran~fo~adas em porcentagens, entretanto, a relação se toma mais I ra., <?uanto mais diferem as_ somas das freqüências das linhas e das colunas,

m ls utd ~e toma a transformaçao em porcentagens. Discutiremos isto mais adiante. V Ja Kerhnger 09?3, cap. 10) sobre princípios e prática de construir e interpretar I I• tabelas e anáhses.

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Professores ou Abandonaram o Ensino. (Escolha Ocupacional) é uma variável sociológica, que é estudada em relação a uma variável psico­lógica, Orientado para Pessoas e Não-Orientado para Pessoas."As res­postas da amostra foram analisadas em uma tabela de porcentagens (calculadas a partir das freqüências).

Efeitos duráveis da escolarização

O último estudo citado nesta seção não pode ser exatamente chama­do levantamento ou estudo de campo. I!, entretanto, o que está sendo chamado neste capítulo, investigação sociológica. I! também um exemplo de um novo .tipo de estudo que cada vez mais está sendo feito, à medida que arquivos de dados vão sendo construídos abrangendo os resultados de muitos estudos. Hyman, Wright e Reed (1975) desejavam respostas à pergwita extremamente importante, mas raramente formulada empírica­mente: "Que duração têm os efeitos da educação formal?"

Uma das grandes dificuldades em estudar os efe~t~s. de lon~~ alcance da escolarização e de programas ou mudanças soc1a1s é a dtftculdade que os pesquisadores têm em seguir as pessoas ao longo do tempo. Os estudos que seguem as · pessoas através do tempo chamam-se estudos longitudinais. Se quisermos avaliar os efeitos de longo. alcanc~ das escolas e da escolaridade, devemos estudar as pessoas quando estao na escola, logo após saírem da escola e em momentos posteriores. Mas est~ é uma das espécies de pesquisa mais difíceis de fazer por diversas razoes práticas e técnicas que não podemos citar .aqui. I! suficien~e dizer. q~e há pouca evidência empírica longitudinal na questão· dos efeitos duravets da escolarização. ·

Hyman e seus colegas resolveram. o problema da dificuldade em responder à sua pergunta sobre os efeitos duráveis da escolarização, fazendo !lnálise secundária de dados coletados em diversos levantamentos nacionais. Com efeito, eles combinaram e compararam os resultados de vários levantamentos relacionados com a sua pergunta. Isto é, extraíram informação sobre o nível de escolaridade de milhares de norte-~~ri;anos de 54 levantamentos, com um total de cerca de 80.000 mdlVlduos. Os levantamentos foram feitos durante o período de 1949 a 1971. Foram escolhidos de modo a agruparem-se em torno de quatro pontos no tempo, permitindo. uma ap~oxhnação aos estudos longitudinais. o leit.ot, cuj~ acuidade crítica deve estar bem desperta com nosso estudo antenor, vera neste estudo, seus problemas e resultaqos, um ótimo exercício de inter­pretação crítica.

Na tabela 10.4, alguns resultados do estudo de Hyman e outr_9s são dados de forma muito sumarizada e condensada. Estes resultados sao

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Tabela 10.4 Nível de escolaridade e porcentagens médias de conhecimento acadê­mico de quatro grupos de idade nos anos 60, estudo e Hyman e outros (1975). •

Nível de escolaridade

Idade Primeiro grau Segundo grau Universitário completo completo

25-36 36% 42% 71% 37-48 31 41 75 49-60 28 53 64 61-72 32 55 62

a No corpo da tabela são dadas porcentagens médias, cada uma calculada a partir de três porcentagens associadas a itens individuais de conhecimento. Os 36% na casa superior esquerda, por exemplo, significam q1,1e uma méd> de 36% de pessoas de nível de escolaridade de orimeiro grau e • na faixa d: idade de 25-36 conseguiram responder às perguntas de conhecimento.

bem típicos cios vários resultados apresentados em seu livro.' A tabela expressa principalmente a relação entre a quantidade de eFcolarização como variável independente (Nível de Escolaridade) e o conhecimento de três tópicos de informação: sabe o número de mandatos que um presidente pode servir; sabe a extensão do mandato dos senadores; sabe a extensão do mandato dos membros da Câmara dos Deputados. 3

Outra " variável" da tabela é idade, que tem as quatro categorias indi­cadas.

Hyman e outros desejavam estudar a relação entre quantidade de escolarização e conhecimento posterior de uma grande variedade de "conhecimentos" . Estavam também fortemente interessados nos efeitos duráveis da escolarização. A influência da escola persiste através do tempo? As "sementes do conhecimento plantadas há muito tempo . .. se desfazem com o tempo ou persistem através de todas as vicissitudes através da experiência até a velhice"? (Hyman e outros, 1975, p . 29) A abordagem longitudinal é ideal para um tal problema: estudar o conhecimento das crianças na escola, seguindo-as pelo tempo, medindo seu grau de conhecimento em pontos diferentes de tempo, levando também em conta a quantidade de escolarização recebida. Ê uma abor­dagem difícil e mesmo impossível por motivos de custo, perda dos sujei­tos e outras influências possíveis sobre o conhecimento e sua aquisição.

,J Estes três itens e as entradas na tabela foram escolhidos entre muitas tabelas cmelharttes, quase que arbitrariamente. A maioria dos itens usados pelos levanta-

111entos, entretanto, foram semelhantes quanto a serem conhecimento funcional oplicado. ·

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operadas através do tempo. A maioria dos estudos so~re os efeitos da escolarização é feita em um ponto do tempo. A relaçao pode, natural­mente, ser estudada desta forma, mas os resultados nada nos dizem a respeito dos efeitos da escolarização através do tempo.

Hyman e outros, numa excelente tentativa d.e "s!mular" o ~specto longitudinal, usaram dados de levantamentos nacwnms e categonzara~ os dados obtidos durante diferentes períodos de tempo pela catego~ia "Idade", dada na tabela 10.4. Nela há quatro grupos de idade, ou s:p: 2:,-36 37-48 49-60 e 61-72. Os autores argumentaram que os efeltos da es~olariza~ão seriam mostrados pelo conhecin;ento, aume~tado com a escolarização aumentada e que os padrões de diferenças senam os mes­mos ou semelhantes em diferentes grupos.

Pela tabela 10.4 ficou claro que a resposta. principal dos. autores ficou respondida: da escola primária até a universidade, a quantidade de conhecimento aumenta e aumenta de forma parecida nos quatro grupos (diferentes níveis de idade). Esta descoberta repe~e-se mon~to_?a~ente nas tabelas de Hyman e outros. Raramente se ve tal consistencm de resultados e demonstração de poder de "replicação", se se ~uder chama.r os diferentes níveis de idade e os vários testes de conhecimento, reph-

cações. A pergunta incômoda volta sempre, entretanto: "Po?emos a,c~editar

nos resultados? É possível que esses resultados ~artes seJaJ? espunos no sentido de que não é a escolarização que gera mawr conheciment~ _quanto mais alto se chega no sistema educacional, mas uma outro vanavel ou

variáveis?" Consideremos a inteligência. É possível que o nível de inteligência

diferente dos participantes da amostra produziu as diferenças observa?as em percentagem nos três níveis de escolaridade? Par.ece bas~ante plausivel supor que indivíduos mais inteligentes sobem ma1s no s1stema es:o.lar do que indivíduos menos inteligentes. Se for este o caso, ~em duvi~a os resultados da tabela 10.4 (e outros sem~l~an~es) lev~m a co?clusao errada. Não é a escolarização, mas a intehgencia que mfluencia. Ou, talvez mais exatamente é a educação e inteligência. Hyman e outros (1975, p. 294) usaram ; frase certa que expressa a dific~ld~de frustrante que os analistas de resultados de pesquisa enfrentam, pnncipalmente em pesquisa não-experimental: "terrível ind~terminância". N~tura~mente, neste estudo há outras variáveis que contnbuem para a ~ern;e! i~deter­minância. Vamos nos concentrar rapidamente apenas em mtehgencm.

Hyman e outros controlaram variáveis concorrentes e explica?ões concorrentes de forma competente. Sem dúvida eu ~e~o~endo ~eu ~i;ro ao leitor como modelo de raciocínio cuidadoso, obJetividade cientlflca, exposição clara e 0 uso de material de pesquisa de arquivo para testar

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questões práticas importantes. Usa também profusamente o raciocmw de hipóteses alternativas que já encontramos em capítulos anteriores, mais especialmente no capítulo 9 sobre pesquisa experimental e não-experi­mental. Vamos dar uma rápida olhada, entretanto, no que talvez seja a parte mais fraca de Hyman e outros, isto é, nos argumentos sobre inte­ligência.

Os autores dizem que a variável que se desejaria poder controlar é a inteligência, medida durante a infância, antes que os resultados dos testes pudessem ter sido influenciados pela escolarização. Mas tais medidas necessárias ao controle direto, dizem eles, estão além do alcance de qualquer pessoa; os sujeitos do levantamento já estão adultos, tarde demais para medir inteligência antes da influência da escolarização. (A escolarização, naturalmente, tem uma forte influência sobre a inteligên­cia medida através de testes.) Reciprocamente, a mensuração da inteli­gência de crianças vem cedo demais para medir os efeitos duráveis da escolarização.

Para apoiar seu argumento de que a inteligência não produziu os efeitos por eles relatados, eles usaram argumentos opostos. Primeiro, as características sociais e biológicas tiveram sua influência diminuída como critérios de seleção escolar. Mais e mais crianças têm alcance à educação nos últimos anos. A inteligência deveria, portanto, ter um grande papel em determinar a realização. Segundo, padrões antigos, mais rigorosos, de desempenho acadêmico nas escolas do país, foram relaxados. Assim, estudantes de gerações mais recentes conseguem prosse­guir na sua formação e subir mais no sistema educacional, embora sua inteligência seja mais limitada. O primeiro argumento, então, diz que a inteligência desempenha um papel maior e o segundo diz que desem­penha um papel menor. Hyman e outros afirmam que os dois argumen­tos levam à conclusão de que a contribuição da inteligência deve ter mudado com o tempo. Portanto, se for descoberto, como ocorreu em sua análise, que os efeitos da educação não variam através de períodos de tempo e grupos de idade, então, inteligência não é a explicação. Eles citam também resultados de outros estudos em que, segundo afirmam, a influência geral da inteligência sobre a realização educacional é modesta (uma conclusão possivelmente duvidosa).

Minha conclusão é que os resultados de Hyman e outros são empiri­camente válidos, tendo em vista a magnitude dos efeitos- as diferenças de porcentagens - e sua notável consistência através do tempo. Mas ainda estou preocupado com a possibilidade de que uma parte substan­cial dos efeitos observados seja devida à inteligência. A conclusão mais exata provavelmente seja que tanto inteligência quanto escolaridade tenham influências ~ubstanciais e conjuntas duradouras sobre o conhe­cimento. Eu teria gostado de ver a inteligência controlada. Mas isto não

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era diretamente possível. Mesmo assim os pesquisadores fizeram o máximo que puderam nas circunstâncias. 4 Pode-se mesmo dizer que suas "análises de controle" (veja especialmente o capítulo 3) são exemplos excelentes de controle na análise de materiais e problemas difíceis e controvertidos. De fato, todo o estudo é um ótimo exemplo de investi­gação sociológica cuidadosa e competente.

Levantamentos

Nos levantamentos, pequenas e grandes populações são estudadas através de amostras para descobrir a incidência relativa, a distribuição e inter-relações de variáveis psicológicas e sociológicas. Os levantamentos são parte da pesquisa sócio-científica e têm influenciado fortemente a pesquisa nas ciências comportamentais. Têm sido usados principalmente, mas não exclusivamente, para descobir o que existe e como existe no ambiente social de um grupo, uma área geográfica ou política e mesmo um país inteiro. Uma de suas principais virtudes, principalmente para administradores, líderes do governo, dos negócios e da política, é sua surpreendente capacidade de fornecer informação exata sobre popula­ções inteiras usando amostras relativamente pequenas. A tecnologia dos levantamentos - e formas relacionadas de investigação - encontra-se altamente desenvolvida. A sociedade moderna tem uma arma poderosa para colecionar fatos e testar teorias e hipóteses.

Os estudos de Stouffer e de Miller e Swanson são ambos levanta­mentos. Stouffer estudou seu problema usaDdo duas amostras aleatórias grandes (mais de 2.400 casos cada) de todos os Estados Unidos. Miller e Swanson entrevistaram uma amostra aleatória da população de Detroit. Hyman e outros usaram resultados obtidos em um certo número de levantamentos por amostragem, como também são chamados, para res­ponder suas perguntas. Estes estudos usaram a forma de pesquisa em larga escala principalmente para estudarem relações. Os autores não estavam interessados em levantamentos como arma descritiva, mas como instrumento para descobrir e testar relações. Esta ênfase em levantamen­tos aumentou recentemente. Muitos, talvez a maioria dos levantamentos, entretanto, têm sido o que se denominou levantamentos descritivos.

4 Minha dúvida aumenta, entretanto, pelo que Hyman e outros (1975, p. 25) dizem. a respeito de um rápido teste de inteligência (vocabulário) aplicado em um dos levantamentos usados por eles. Os adultos escolarizados tiveram notas mais altas. Em outras palavras, há uma relação positiva entre inteligência e éfeitos da escola. Em pesquisa, principalmente em pesquisa educacional, muitas vezes se deseja que todas as pessoas tenham exatamente a mesma inteligência! ·

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Os levantamentos descritivos procuram determinar a incidência e distribuição das características e opiniões de populações de pessoas, obtendo e estudando as características e opiniões de amostras pequenas e presumivelmente representativas de tais populações. São usadas ampla­mente pelo governo, pelas firmas e organizações. O propósito básico das levantamentos usados desta forma não é científico, mas antes orientado para a ação e para diretrizes de ação. Entretanto, os levantamentos des­critivos têm tido efeitos muito fortes sobre a pesquisa comportamental em geral, principalmente através de seu procedimento sofisticadíssimo de amostragem e entrevista. Já discutimos amostragem aleatória e suas características. Para fins práticos é altamente desejável que as amostras estudadas sejam representativas. Desejamos dizer que o resultado obtido em um estudo de grande escala é representativo. Se a amostra for sem dúvida representativa, então, os resultados obtidos por meio dela podem ser generalizados para toda a população. Se 80 por cento de uma amostra respondem favoravelmente a uma questão sobre uma possível diretriz do governo, por exemplo, acredita-se que, se se fizesse a mesma pergunta a todas as pessoas de um país, um estado, uma cidade ou uma organi­zação, perto de 80 por cento delas seriam favoráveis.

Há várias maneiras de tirar amostras para fins de levantamento, mas a única que dá uma razoável garantia geral de ser representativa é alguma forma de amostra aleatória. Freqüentemente os levantamentos usam o que se denomina procedimento de amostragem aleatória estrati­ficada, que mostrou várias vezes ter uma alta probabilidade de ser representativa.

A tabela 1 O . 5 contém evidências notáveis e assegurado r as da representatividade de grandes amostras aleatórias de todos os Estados Unidos. O método consiste em verificar a incidência de características sociológicas prontamente disponíveis de uma amostra com as ~esmas características obtidas no censo mais recente - ou com outra fonte de confiança de tais dados.

Tabela· 10.5 Cnmparações de dados de amostras com dados do censo; estudo de Stouffer (1955).

Característica

Meio urbano Masculino Negro Universidade Segundo grau Escolaridade primária (ou nenhuma)

Levantamento

66,0% 46,6

8,9 17,1 45,4 37,5

Censo

64,0% 47,7

9,2 15,4 43,5 41,1

171

Page 96: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

A comparação das porcentagens da amostra e do censo na tabela 10.5 mostra estreito acordo. Os cálculos da amostra, com exceção da escola primária, estão dentro dos 2 por cento dos cálculos d~censo. Verificações semelhantes em outros levantamentos mostram cálculos de amostras da incidência de tais características na população aproximan­do-~e bastante dos cálculos do censo. 5 No estudo de Stouffer foram comparadas as porcentagens obtidas em resposta a questões diferentes em duas amostras aleatórias independentes dos Estados Unidos. Na tabela 10. 1 reproduzimos as respostas de líderes e não-líderes da comunidade a uma pergunta sobre tolerância em relação à não-conformidade reli­giosa. As porcentagens relatadas na tabela foram as obtidas em apenas uma das amostras de Stouffer. As porcentagens obtidas nas duas amos­tras, entretanto, estavam todas dentro de 3 por cento ou menos uma da outra. Nas seis porcentagens da tabela 10.1, as diferenças entre elas e as da · segunda amostra foram 2, 1, 3, 1, 1 e O pontos de porcen­tagem. Esta é uma demonstração muitíssimo convincente da força do levantamento por amostragem. É muito mais convincente ainda quando se considera que os tamanhos das amostras usadas nos levantamentos são de menos de 3.000 indivíduos, e em geral consideravelmente menos.

Os levantamentos e formas relacionadas de investigação são impor­tantes tanto para os objetivos científicos de estudar relações quanto para objetivos de ação prática e orientados para a tomada de decisões, mas particularmente para o último. Exemplos de levantamentos para objetivos científicos já foram dados neste capítulo. (A ênfase deste livro em ciência e em pesquisa comportamental científica ditou tais exemplos.) Vamos mencionar apenas um exemplo de uso prático de levantamentos orienta­dos para a fixação de diretrizes.

Desde .1946 o Survey Research Center, da Universidade de Michi­gan, vem conduzindo levantamentos sobre o estado financeiro do consu­midor para o governo federal. Seu objetivo foi variado, mas um objetivo geral parece ter sido o de fornecer ao governo federal e às partes inte­ressadas informações exatas sobre o verdadeiro e futuro comportamento econômico do povo norte-americano, para que o governo pudesse formu­lar as diretrizes econômicas para equilibrar ou prevenir, por exemplo, perturbações econômicas de natureza perniciosa. 6 Os levantamentos

5 O leitor curioso pode perguptar: pode-se confiar nos cálculos do censo? Afinal, as cifras do censo, embora presumivelmente valores de população, têm um número de fontes de erro que reduzem sua exatidão ideal. Há alguns até que dizem que confiam mais nos cálculos das amostras que nas cifras do censo. Em todo caso, as cifras do censo são geralmente bastante exatas. E, afinal, é preciso usar alguma coisa para verificar os cálculos das amostras! 6 Para um breve relato destes levantamentos e outros estudos aplicados, veja Likert e Hayes (1957).

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anuais foram, evidentemente, altamente eficazes e forneceram informacão nacional exata sobre a renda e suas fontes, poupança, dívidas, bens, de consumo, intenções do consumidor e assim por diante.

Levantamentos de interesse para os pesquisadores comportamentais têm focalizado pessoas e fatos vitais relacionados a elas, suas crenças opi~i?es, atitudes, .val~res , motivos e comportamentos. Apesar de que ~ habilidade na realizaçao de entrevistas, bem como o uso de formulários cuidadosamente planejados predominam nos levantamentos, usam-se também outros métodos de observação. Em resumo, o levantamento é u:n~ forma de investigação sociológica (com fortes implicações psico­logicas, naturalmente) amplamente usada, especialmente para metas práticas e de f~r~ulação de diretrizes, e que influenciou a pesquisa com­portamental pnncipalmente com seu procedimento de entrevista e amos­tragem, como já foi mencionado. Os resultados foram, notavelmente exatos e generalizáveis. Podemos confiar em tais resultados, se obtido~ a~ra.vés de amostragem aleatória feita pelas melhores organizações espe­Cializadas em leva?~amentos. Va~os dirigir nossa atenção agora para uma forma de anahse comum e Importante que é usada em levanta­mentos e em outras formas de investigação sociológica.

Análise de freqüências

~oram apresentados vanos exemplos de análises de freqüências antenormente, sem explanação técnica. Estas . explanações não foram dadas porque os exemplos nos pareciam tão óbvios que não achamos necessár~a ~ma exp!anaç~~· Por ~ue não antecipar a explanação? Porque a prevalencia de tais analises exige compreensão dos princípios envolvi­dos. Além disso, precisamos equilibrar nossa preocupacão anterior com análise que usa estatísticas de tendência central e variabilidade.

. Uma freqüência é simplesmente uma contagem de alguma coisa. Se tivermos uma amostra de 300 indivíduos e contarmos homens e mulhe· re,s, estes n~m~r?s são freqüências. Mais exatamente, freqüência é 0 num~ro de mdtviduos em uma de duas ou mais categorias ou classes. Se t~~er~os 1?2 mulheres e 148 homens na amostra, 152 e 148 são frequenci~s, numeras que caem nas duas categorias, homens e mulheres. 7

Em pesqmsa, as tabulações de diversas categorias e as freqüências nelas

7 ~s dici~nários dão UJ?a ·definição diferente. Dizem que freqüência é a razão enLe o nu~~ro que esta em uma classe ou categoria e o número total que está sendo classificado; no exemplo acima, 152/300 e 148/300 seriam freqüências Na ver~ade, estas_ são. "freqüências relativas". Usamos a definição mais simple~ para evitar confusao.

173

Page 97: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

observadas são chamadas distribuições de freqüência. São essas distri­buições de freqüência que aparecem geralmente em publicações popu1a­res. Mas elas não nos interessam; geralmente não expressam~elações entre variáveis.

Cruzamentos e cálculo de porcentagem

O que nos interessa é estabelecer as distribuições de freqüência em oposição. Tais distribuições geralmente são pequenas, isto é, com poucas categorias. Quando assim fazemos, elas são chamadas cruzamentos ou, mais tecnicamente, partições cruzadas. A tabela 10.2 traz um cruza­mento. Observe qae as duas variáveis, classe social e desmame, estão colocadas uma contra a outra. Isto é, as células da tabela expressam a co-ocorrência das duas variáveis. As freqüências nas células "expressam" a relacão entre as duas variáveis. Falando claramente, descobrimos que 33 mães que eram de classe média desmamaram cedo, 22 desmamaram tarde e assim por diante. Esta é a forma mais simples de cruzamento, duas células por duas células, que expressam a relação mais simples possÍvel.

As tabelas 10. 1 e 10.3 também contêm cruzamentos dois por dois, mas as freqüências foram convertidas em porcentagens para realçar a forca das relacões nas tabelas. O cruzamento da tabela 10 .4, também em' forma de porcentagem, é, na realidade, quatro cruzamentos. Cada linha é mais uma replicação do que uma categoria de uma variável -com metade de uma categoria, nível de escolaridade, omitida. (Os 36 por cento na primeira célula significam que 36 por cento dos que foram à escola primária, no grupo de idade 25-36, sabiam as perguntas de conhecimentos. Isto implica, naturalmente, que 64 por cento não as sabiam. As tabelas de cruzamento são freqüentemente truncadas desta maneira.)

A conversão das freqüências de uma tabela em porcentagens é feita para facilitar "ver a relação" e avaliar sua força. A regra para conversão é: "Calcule as porcentagens da variável ou variáveis independentes para a variável dependente". 8 Por exemplo, na tabela 1 O. 2, a variável inde­pendente é classe social e a variável dependente é desmame. Portanto, as porcentagens são calculadas ao longo da linhas (33/55 = 0,60 = 60 por cento e assim por diante). Na tabela 10.1, a variável independente é lideranca de comunidade, ou líderes e não-líderes, e a variável depen­dente i tolerância, ou respostas Sim ou Não a questões sobre não-confor-

8 Há uma razão estatística por trás desta regra. Veja Kerlinger (1973, pp. 162-166) para a explicação técnica. Damos uma explicação não-técnica mais adiante. '

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midade religiosa. Observe como a força da relação se mostra clara­mente nas duas tabelas . Se as porcentagens fossem calculadas de outra forma, pelas colunas, a direção da relação ficaria expressa incorreta­mente e talvez levasse a conclusão errada. Tais tabelas calculadas incorre­tamente já foram pubhcadas. (Não importa se as porcentagens forem calculadas por linhas ou por colunas, contanto que a regra de calcular da variável mdependente para a variável dependente seja seguida.)

Um exemplo de possível cálculo incorreto de porcentagens

Tentando ajudar a desenvolver a compreensão do leitor quanto a problemas, relações, análises e inferências, vamos discutir agora um problema sutil e interessante em conexão com o que provavelmente seja uma análise incorreta contida em um importante relatório do governo sobre desordens civis (Report of The National Advisory Committee on Civil Disorders, 1968). Em 1967, o Presidente Lyndon Johnson nomeou uma comissão para investigar e estudar os distúrbios raciais que estavam ocorrendo nas cidades norte-americanas. Sua ordem executiva dizia: "A Comissão investigará e fará recomendações a respeito de: (1) As origens dos grandes distúrbios recentes em nossas cidades, incluindo as causas e fatores básicos que levaram a tais distúrbios ... " (ibidem, p. 534) . A partir de um levantamento feito em Newark, foram obtidas as respostas dos participantes (P) -e das pessoas não-envolvidas (NE) nos distúrbios à questão: "Às vezes eu odeio os brancos". A tabela apresen­tada pela Comissão é dada na tabela 10.6 (ibii, p . 176).

As porcentagens dadas na tabela foram calculadas da participação em distúrbios, como uma variável, para a atitude em relação aos brancos, outra variável (indicada pelo acordo ou desacordo com a afirmação). Pode ser mostrado, a partir da teoria das probabilidades, que porcenta~ gens são realmente o oue se chama probabilidades condicionais (Kerlin­ger, 1973, pp. 164-165) cujo enunciado correto é derivado do problema original de pesquisa. O problema original de pesquisa, neste caso, deriva da ordem do Presidente. Se as causas dos distúrbios são o problema, como ficou indicado na ordem, então o enunciado se p, então q, é; se p, então distúrbio, com distúrbio sendo a variável dependente. O p repre­senta as causas investigadas. Mas na tabela 10.6 a forma como as porcentagens foram calculdadas faz p distúrbios e q atitude, o que inverte as variáveis independente e dependente. As porcentagens na . tabela, em outras palavras, implicam na afirmativa: "se distúrbio, então atitude" ou "se perturbador, então atitude negativa para com os brancos".

A afirmativa não é desarrazoada~ mas não parece estar de conformi­dade com o problema enunciado pelo Presidente J ohnson. Parece expli-

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P (N - 105) NE (N

----126)

Concordo 72,4% 50,0%

Discordo 27,6% 50,0%

100,0% 100,0%

car as atitudes, mas não os distúrbios. O que se d~s~ja ~os dados é u_ma resposta à questão: "Qual é a probabilida?~ de dt~turb~os, dada a atltu­de?" Pode ser mostrado que essa probabthdade e obtlda ~~lc~land~-s~ as porcentagens (mais exatamente, as proporções) das frequenc~as ongt­nais através das linhas. As freqüências originais das quatro celulas da tabela foram obtidas das freqüências de P e NE (lOS e 12?) dadas pela comissão. As porcentagens, então, foram calculad_as da atttude para os distúrbios ou nas linhas. Estas porcentagens estao na tabela 10.7 (os valores fo;am arredondados). São equivalentes a dizer: "Se atitude, então distúrbio".

Tomando essas porcentagens como probabilida~e, _lê-se, por ~xem­plo: "A probabilidade de distúrbios, dada a concordancta co~. a af~rm~­tiva· 'As vezes eu odeio os brancos', é 0,55 (ou 55 por cento) . É obviO que· essas probabilidades ou porcentagens contam um~ história diferente da do relatório da Comissão. Nesta tabela torna-s~ tmp.ortante o de?~­cordo com a afirmativa. Dado o desacordo com a aftrmattva, a probabili­dade é de 0,68 de que indivíduos não se envolverão. Dado o acordo, a probabilidade é de 0,55 de que os indivíduos participarão dos tumult~s­Mais importante, as porcentagens ou probabilidades na tabela 1 O. 7 estao em consonância com as ordens do Presidente; as da tabela 1 O. 6 parecem não estar em consonância com elas.

Este exemplo é particularmente difícil porque, neste caso, podem ser oferecidos argumentos razoáveis para ambos os métodos de calcular as porcentagens. Já que a atribuição e obietivo da comissão foram, entre­tanto, determinar por que ocorriam as perturbações, o peso do argumento parece cair para o lado do cálculo de p()rcentagens da tabela 10.7 e contra o da tabela 10.6. O enunciado correto do problema, na forma "se p, então q", é: se atitude, então perturbação e não se perturbadores, então atitude.

O exemplo foi explanado mais extensamente para dar ao leitor algo mais que a oportunidade de um rápid? olhar para um problema de análise e interpretação interessante e Importante. Pode-se ter ganho também maior compreensão da análise de cruzamentos simples. O pro­blema substantivo é importante tanto teórica quanto praticamente. O

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Tabela 10.7 Respostas de participantes em distúrbios (P) e pessoas não-envolvidas (NE), com porcentagens calculadas por linhas.

p NE

Concordo 55% 45% 100% Discordo 32% 68% 100%

desafio do presidente à Comissão é quase equivalente a estabelecer um problema científico: " O que causou os distúrbios raciais?" Isto é, sem dúvida, um desafio para os psicólogos e sociólogos criarem uma teoria para explicar a violência racial, a tensão racial e as atitudes raciais, assim como determinar os fatos do preconceito e da discriminação. Creio que não preciso enfatizar a importância do problema.

Outras formas de análise de freqüências e cruzamento

Os cruzamentos têm várias formas e modelos. Até aqui examinamos só o tipo mais simples com apenas duas variáveis, uma in~ependente e uma dependente, e duas células para cada variável. Outras formas são possíveis, naturalmente: 2 x 4, 3 x 4, e assim por diante. É possível também ter-se mais de duas variáveis. Além de três, entretanto - duas variáveis independente e uma dependente - torna-se difícil e proble­mática a análise e a interpretação. Há também oútros modelos e tabelas. Um modelo freqüente omite parte da participação. Isto é, em vez de tabelas "completas" que exprimam todos os aspectos das variáveis, omitem-se uma ou mais células. A tabela 10.4 é um exemplo. As por­centagens relatadas são apenas metade da história. Por exemplo, no nível de idade 25-36, 36 por cento dos que tiveram escolaridade primária tiveram o conhecimento acadêmico testado. E a percentagem dos que não tinham conhecimento acadêmico? Neste caso, naturalmente, 64 por cento. Está implícito. Se o leitor compreender os princípios básicos, mais fácil se torna ler e interpretar a maioria das tabelas de freqüência e porcentagem.

Investigação sociológica: uma rápida perspectiva

É facilmente possível escrever um livro inteiro sobre o que foi chamado aqui investigação sociológica. Aliás, tais livros foram escritos. A abordagem adotada neste livro, entretanto, enfatiza a pesquisa experi­mental e a mensuraçâo de variáveis contínuas às expensas da ênfase na

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investigação sociológica, porque tal abordagem provavelmente esteja mais próxima da natureza da ciência, como em grande parte do estudo experi­mental e não-experimental de relações. Quando pos,sível e conveniente, a experimentação deveria ser feita em laboratório e no campo, pelos moti­vos dados anteriormente. Quando possível, as variáveis deveria~ser medidas usando escalas de valores que pudessem ser atribuídas aos obje­tos medidos. Isso não significa que a pesquisa não-experimental não seja importante e necessária. Não significa também que a mensuração que permita apenas contagem 9 - como a contagem de Stouffer de respostas Sim e Não (tabela 10.1), ou a contagem de Hyman e outros de números de indivíduos em diferentes níveis de escolaridade (tabela 10.4)- não seja necessária e importante. Em suma, ambas as abordagens são necessárias e indispensáveis na pesquisa comportamental.

A investigação sociológica, então, é uma parte extensa e muito importante da pesquisa comportamental contemporânea. Pode-se até dizer - e certamente seria dito por alguns pensadores - que é mais impor­tante do que a investigação experimental. Considere os levantamentos e os estudos em larga escala como o relatório Coleman, Igualdade de Oportunidades Educacionais. Pode-se dizer ou mesmo tomar por implíci­to que, por haver menos controle e menos certeza de inferência, a pesquisa não seja importante? Um dos objetivos deste livro é ajudar o leitor a compreender a tela enorme onde está pintada a pesquisa experi­mental e a riqueza e variedade de cores que os cientistas comportamen­tais usam na pintura. Foram dados grandes passos científicos neste século, principalmente na conceitualização de problemas de pesquisa e na meto­dologia. A investi~?:ação sociológica fez e continuará a fazer parte impor­tante, ativa e criativa do esforço geral.

9 Alguns especialistas consideram que contar objetos incluídos em categorias não é propriamente mensuração. Outros dizem que é mensuração, chamada mensu­ração nominal. Tomo a última posição por causa da definição de mensuração como a atribuição de algarismos a objetos de acordo com regras. Atribuem-se, com efeito, J's e O's a indivíduos. A regra é: se um indivíduo pertence a uma categoria, atribua 1; se não, atribua O. Um exemplo é sexo: atribua 1 para masculino, O para feminino (ou vice-versa).

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11. A abordagem multivariada: regressão múltipla e partição da variância

A realização de crianças na escola tornou-se foco de intensa atenção da pesquisa. Psicólogos, sociólogos, economistas e educadores estão fazendo estudos e análises tentando compreender e prever a realização. A realização sempre foi, naturalmente, mais ou menos estudada. Hoje, entretanto, a abordagem é o que pode ser chamada multivariável, ou multi variada. "Multivariada" significa "muitas variáveis". Tornou-se de conhecimento geral entre os cientistas comportamentais que quase qual­quer fenômeno tem muitas determinantes e não apenas uma ou duas. A realização de crianças na escola é um grande exemplo. Assim, se quisermos compreender e poder prever a realização, devemos estudar de alguma forma os efeitos de muitas variáveis sobre a realização. Sem :­dúvida, se quisermos compreender qualquer fenômeno complexo psico- ·­lógico, sociológico ou educacional, devemos freqüentemente abordar o problema de maneira multivariada.

Uma divergência técnica: partição da variância

Para podermos falar inteligentemente sobre a abordagem multiva­riada aos fenômenos e dados comportamentais, precisamos compreender uma idéia relativamente simples mas altamente técnica, a partição da variância. Se medirmos a realização verbal de crianças com algum tipo de teste, obteremos uma nota de realização verbal para cada criança. As notas serão diferentes umas das outras; em geral haverá diferenças individuais consideráveis. Algumas crianças vão se sair muito bem e vamos supor que tiveram grande realização. Outras nem tanto e vamos acreditar que não tiveram a realização que desejaríamos. As notas variam; em outras palavras, mostram variabilidade ou, mais tecnica-mente, variância. ·

Variância .significa duas coisas em pesquisa; primeiro é usada como termo geral para expressar a variabilidade das características de indi­víduos e objetos, para expressar as diferenças nas características. Dizem os pesquisadores: "A variância de realização naquela escola é maior que a variância de realização nesta escola". Significa que as diferenças de

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realização entre alunos da primeira escola é maior que as diferenças de realização na segunda. Mais ·especificamente, a amplitude das notas de realização na primeira escola é maior que a amplitude das notas de realização na segunda escola. Este significado de variância é geral-Q!ente associado a diferenças individuais entre crianças em características psi­cológicas. Pode também ser associado, entretanto, a diferenças entre objetos e grupos. Diz-se, por exemplo, que as notas médias de realização de classes, ou escolas, diferem. Aqui estamos falando sobre as variâncias de classes e escolas. A idéia de diferenças individuais, então, é geral, desde que definamos "individual" de maneira ampla.

O segundo significado ou uso de variância é mais sutil e mais técnico, mas muitíssimo útil, como veremos. Aqui os pesquisadores falam sobre a quantidade de variância em uma variável dependente sendo "devida a" ou "explicada por" uma manipulação experimental ou por outras variáveis. Por exemplo: "A manipulação de autoridade explicou 20 por cento da variância das medidas de obediência". Supondo que houvesse dois grupos experimentais, a afirmativa significa que a diferença média entre os dois grupos - ou a variância entre os dois grupos - foi "responsável" por 20 por cento da variância total das medidas da variável dependente, obediência.

Um enunciado mais complexo que reflete este segundo significado da variância e seu uso é: "A inteligência foi responsável pela maior parte da variância de realização. As atitudes das crianças e seu ambiente familiar foram também responsáveis por substanciais porções da variân· cia. As variáveis escolares foram responsáveis apenas por uma pequena porção da variância". Este enunciado especifica a influência na variabili ­dade de uma variável dependente, realização, de quatro variáveis inde­pendentes: inteligência, atitudes, ambiente familiar e variáveis escolares.

O enunciado sobre a manipulação de autoridade como sendo res­ponsável por 20 por cento da variância de obediência é um enunciado univariado: só uma variável independente, autoridade, afeta a variável dependente, obediência. O enunciado mais complexo especifica a in~uê~­cia sobre a variabilidade de uma variável dependente de quatro vanáve1s independentes. I! uma afirmativa multivariada: diz-se que mais de uma variável independente influencia uma variável dependente. 1

Naturalmente encontramos tais problemas em capítulos anteriores. Por exemplo, os delineamentos experimentais fatoriais foram discutidos no capítulo 7. Aqui e ali em outros capítulos foram mencionados problemas

1 Esta afirmativa não é bem exata. "Multivariada", estritamente falando , refere-se a mais de uma variável independente e mais de uma dependente. Neste livro consideraremos qualquer situação em que haja duas ou mais variáveis indepen­dentes e uma ou mais variáveis dependentes como multivariadas.

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multivariados. A variação e a variância foram tanibém discutidas. Agora precisamos ir mais adiante e mais a fundo.

Vamos examinar a realização de crianças do ponto de vista de vuriância. Queremos conhecer as principais influências sobre a realização escolar, e obtivemos em uma pesquisa com 300 crianças, digamos, seis medidas de variáveis consideradas de influência sobre a realização. Preci­samos estudar as relações bastante complexas entre, por um lado, a reali­zação verbal medida por um teste compreensivo pé realização verbal, e, por outro, inteligência, motivação, atitude em relação à escola, ambiente familiar classe social e sexo. Admitimos que dispomos de médidas válidas c fidedignas de todas as variáveis .

Primeiro, consideremos a figura 11 . 1, que se acredita representar o efeito apenas da inteligência sobre a realização. A área total do círculo representa a variância total dns notas dos testes de 300 crianças do nono ano, digamos. Sabemos que uma porção desta variância total, que repre­senta as diferenças individuais das crianças no teste de realização, é devida à diferença na inteligência das crianças. Isto é, algumas crianças realizam mais e melhor porque têm inteligência superior; algumas não realizam tanto nem tão bem porque têm menos in teligência. A porção da variância "devida" a inteligência . é representada na figura pela área sombreada. 2 Ela ocupa cerca de um terço da área do círculo. 1?. bastante realístico: muitas vezes a inteligência é responsável por toda essa vatiân­cia de realização verbal. Se considerarmos a área total do círculo igual

Variância devida à Inteligência (30%)

Figura 11.1

Variância de realização

2 Expressões que implicam "causa" são difíceis de evitar. Por exemplo, expressões como " devido a" "variância explicada por", " influências" e outras têm pelo menos uma ligeira conotação causal. Não é intencional, todavia. ~ um subproduto da linguagem, que é sempre rica em atribuições causais. Voltaremos mais tarde a

ta dificuldade.

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a cem por cento, podemos mostrar aproximadamente quanto da var.i~n~ia de realização é "explicado" por inteligência e pelas outras vanave1s. Neste caso, a inteligência é responsável por cerca de 30 por cento.

Sabemos naturalmente, que a inteligência não é a única v~ável de influência: A área maior, não sombreada, expressa a variância não explicada pela inteligência (70 por c~nto). _se soubé~s,emos n:ai,s sobr: realização, poderíamos sombrear mms o circulo. Ah~s, seA h~essemco. conhecimento completo - se conhecêssemos todas as mfluencias. sob~e a realização - poderíamos sombreá-lo inteiro. Provavelmente JamaiS poderemos conhecer todas as influências. Sem dúvida, raramente pod~­mos sombrear mais da metade do círculo quando falamos sobre reah­zacão Em todo caso tomemos outras variável, ambiente familiar. Na figur; 11 . 2 a variâ~cia de realização devida ao ambiente familiar é mostrada. É cerca de 10 por cento da variância total, digamos.

As figuras 11 . 1 e 11 . 2 expressam os efeitos separados de inteli­gência e ambiente familiar. Se essas duas variáveis fossem completa­mente independentes ou não relacionadas uma com a outra - se a magnitude da relação entre elas fosse zero - então a situação quanto à variância se pareceria à da figura 11.3. A área sombreada total ocupa 30% + 10% = 40% da área total e as duas áreas sombreadas não se sobrepõem. Se é satisfeita a condiçã.o de independência (a falta. Ade superposição na figura), então pode-se diz~r que 4~ por cent?. da ~anan­cia de realização são devidos à inteligência e ambiente famihar, JUntos.

No melhor de todos os mundos de pesquisa possíveis, as variáveis independentes seriam independentes uma das outras ou não-correlacio­nadas. (Naturalmente não é por serem independentes umas das outras

Variância não explicada por ambiente familiar (90%)

Variância de realização

·Figura 11.2

182

Variância explicada por ambiente familiar (10%)

Variância de inteliqência (30%)

Figura 11.3

- Variância de ambiente fami liar (1 0%)

não explicada por inteligência e ambiente familiar (60%)

Variância de realização

que elas são chamadas "independentes".) Isto é, a magnitude de suas relações seria zero. É difícil explicar claramente essas idéias sem detalhes técnicos, especialmente detalhes técnicos sobre o assunto "correlação" e os cálculos de coeficientes de correlação ou relação. Vamos então conciliar e desviar a discussão um pouco para discutirmos correlação e coeficientes de correlação de maneira não-técnica. Nossas discussões anteriores de correlação, embora suficientes para as discussões de antes, não são suficientes agora para nos permitir discussão mais complexa.

Correlação. coeficientes de correlação e variância compartilhada

No capítulo 4, as relações foram discutidas e ilustradas. Ficou visto que uma relação é um conjunto de pares ordenados e que é possível calcular a direção e a magnitude das relações. (Sugerimos que o leitor leia novamente a seção do capítulo 4 "Direção e Magnitude das Rela­ções".) A variação simultânea de dois con.iuntos de medidas ·produz correlação, positiva ou negativa, com magnitudes variando de - 1 ,00 até O a + 1 ,00, + 1 ,00, indicando uma correlação positiva perfeita, --1,00, uma correlação negativa perfeita, e O "nenhuma correlação" ou falta de correlação. Estas três magnitudes de correlação ficaram ilustra­das com números simples na tabela 4. 1. As magnitudes situadas entre estes valores extremos são muito mais prováveis de ocorrerem: 0,06; 0,42; - 0,28 e assim por diante.

O leitor agora precisa aceitar novamente o que segue como certo porque o cálculo estatístico e a prova matemática não fazem parte deste livro. É preciso também que ele ou ela tenha um pouco de paciência. (Provavelmente valerá a pena.) O símbolo r é usado para significar

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coeficiente de correlação. Por exemplo, r= 0,70 significa que?. correlação entre duas variáveis é 0,70. Se r = O, não há variação conjunta ou conco­mitante entre duas variáveis. Não se pode dizer nada sobre uma variável a partir do conhecimento de outra variável. Pode-se diz~ que as duas variáveis são "independentes". Se a correlação entre inteligência e realização fosse zero, não se poderia predizer nada sobre a realização das crianças a partir de suas notas nos testes de inteligência. Se for calculada a correlação entre dois conjuntos de números aleatórios, o coeficiente de correlação se aproximaria de O.

Uma aplicação importante da idéia de independência neste sentido foi introduzida por uma "dica" dada no capítulo 7, onde foram discuti­dos os delineamentos fatoriais de pesquisa. Diz-se que as variáveis inde­pendentes manipuladas em delineamentos fatoriais são independentes, significando que sua correlação é zero - por definição, já que os sujei­tos são designados às células de tal delineamento ao acaso. Esta é uma propriedade altamente técnica dos experimentos, cuja discussão completa devemos abandonar. ~ bastante dizer que significa que os efeitos de tais variáveis independentes podem ser avaliados e interpretados inde­pendentemente uns dos outros. Isto significa que podemos falar sobre o efeito da variável A. sem termos que levar em conta a variável B, e vice-versa.

Os coeficientes de correlação (as chamadas correlações momento­produto, que são as mais usadas) têm umà bonita propriedade que realça sua interpretação. Se o coeficiente de correlação entre duas variáveis for elevado ao quadrado, o coeficiente elevado ao quadrado indica a variância que as duas variáveis compartilham. No capítulo 4 esta variância compartilhada foi chamada covariância. Por exemplo, se a correlação entre inteligência e realização é 0,60, então a variância compartilhada é indicada por (0,60) 2 = 0,36, que significa que as duas variáveis têm 36 por cento de sua variância em comum. Na figura 11.1 a variância de realização devida a inteligência foi dada como 30 por cento. Este é realmente um coeficiente. de correlação elevado ao quadra­do, e pode ser interpretado como porcentagem ou proporção. (Podemos calcular facilmente o coeficiente original invertendo o ~edimento: tire a raiz quadrada da porcentagem [a proporção]: V 0,30 = 0,55. O coeficiente de correlação entre inteligência e realização, neste caso, é 0,55.)

Explicando a variância quando as variáveis independentes são corre/acionadas

Novamente, se as variáveis independentes não são correlacionadas (r 0), é relativamente fácil analisar e interpretar as pesquisas com

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mais de uma variável independente. Sob tais condições simples e "puras" podem-se calcular os coeficientes de correlação entre cada uma das variáveis independentes e a variável dependente, somar os r 2 separados e concluir quanto da variância total de realização é explicado pelas variáveis independentes. Na figura 11. 3, por exemplo, soma-se 0,30 + 0,10 = 0,40; ou 40 por cento da variância é explicada. Pode-se ainda falar inequivocamente sobre as contribuições separadas à variância de realização das duas variáveis independentes: neste caso das duas variáveis independentes, 30 por cento e 10 por cento.

O mesmo raciocínio e cálculos podem ser aplicados a todas as seis variáveis independentes mencionadas anteriormente - contanto que as seis variáveis sejam independentes entre si. Uma situação hipotética, mostrando os coeficientes de correlação entre cada uma das seis variáveis independentes e realização, é mostrada na figura 11.4. Embora o exem­plo seja fictíeio, as porcentagens de variância indicadas não são irrealis­tas, embora sejam provavelmente grandes demais comparadas às propor­ções de variância obtidas em pesquisas verdadeiras. A questão é a adição das variâncias sob a condição de independência e a interpretação das con­tribuições separadas à variância de realização. A variância total explicada é 0,30 + 0,10 + 0,08 + 0,10 + 0,06 + 0,02 = 0,66, ou 66 por cento da variância de aproveitamento é explicada pelas seis variáveis.

A grande dificuldade neste não-melhor-dos-mundos-da-pesquisa, entretanto, é que variáveis independentes como estas são quase sempre correlacionadas, e às vezes substancialmente. (Daremos exemplos de pesquisas reais mais adiante.) Por exemplo, há. uma correlação positiva entre inteligência e ambiente familiar. Suponhamos que seja r = 0,30,

Inteligência (0,30)

Fisura 11.4

Ambiente familiar (0,1 O)

Motivação (0,08)

Atitude em relação à escola (0,1 O)

Classe social Sexo (0,06) (0,02)

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um número não irrealista. Então inteligência e ambiente familiar têm alguma coisa em comum (r 2 = [0,30] 2 = 0,09), o que significa natu­ralmente que elas não são independentes uma da outra. Isto quer dizer que a suposição de independência das variáveis independentes aceita antes é falsa, que por sua vez significa que as interpretações dos dados feitas antes são também falsas! ~

Olhe a figura 11. 5, onde está esboçada a nova situação de correla­ção das três variáveis. As correlações entre inteligência e realização, e entre ambiente familiar e realização são ainda as mesmas. Mas agora a correlação entre inteligência e ambiente familiar já não é mais zero, como na figura 11.3, mas 0,30. Isto, na figura 11.5, é equivalente a 0,30 2 = 0 ,09, ou 9 por cento das variâncias de inteligência e ambiente familiar são compartilhados. Não podemos mais falar sobre o efeito da inteligência sobre a realização sem levar em conta até certo ponto o ambiente familiar. Em outras palavras, quando há correlações maiores que zero (ou menores que zero) entre as variáveis independentes, a interpretação dos resultados da pesquisa é mais difícil e complexa.

Representar a situação da figura 11.4, quando as variáveis são correlacionadas, é difícil. Tal figura não apenas se torna confusa por causa das superposicões das variâncias: a verdadeira situação (as cOrre­lações entre as variáveis e suas covariâncias) pode ultrapassar e ultra­passa as duas dimensões da superfície do papel. Vamos abandonar, pelo menos temporariamente, os diagramas e mudar de assunto, mas sem abandonar o tema principal.

Ambiente familiar (0,10)

Intel igência e ambiente familiar (0,09)

Intel igência (0,30)

Figura 11.5

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Variância de realizaçâo

Regressão múltipla

Muitos especialistas podem considerar o assunto de regressão múlti­pla - a análise fatorial e outras abordagens e métodos multivariados -não apropriados para um livro como este. Afinal, o propósito do livro é introduzir o leitor à pesquisa científica comportamental de forma con­ceitual e não-técnica. A resposta é simples: não é possível compreender a moderna pesquisa comportamental sem compreender as abordagens multivariadas e as idéias por trás delas . Mais ainda, um livro sobre pesquisa comportamental que não leve em consideração tais abordagens e técnicas analíticas tão importantes como regressão múltipla e análise fatorial seria imediatamente obsoleto. Estas abordagens são importantes demais para serem negligenciadas. Desempenham um papel por demais ativo e funcional nas cenas contemporâneas e futuras da pesquisa com­portamental. Em todo caso, enfrentamos a tarefa de compreender essas metodologias complexas sem muita elaboração técnica. Talvez a melhor maneira de fazer o trabalho seja aquela que já usamos muito: através de um exemplo real de pesquisa seguido de explanações das idéias por detrás do pensamento e análise.

Predizendo a realização na escola secundária: o estudo de H oltzman e Brown

Tem havido vários estudos sobre suces&a e fracasso na escola secundária e na universidade. São os geralmente chamados estudos predi­tivos: os pesquisadores predizem a realização no secundário e na univer­sidade usando diversas variáveis indepencientes como indicadores predi­tivos. Por exemplo, inteligência e média global do 2.0 grau (a média de todas as notas que o estudante recebe no 2.0 grau) são bons indicadores preditivos no sen tido de que explicam porções substanciais da variância de sucesso e falta de sucesso na escola. (Lembre-se de que a variância da variável dependente significa diferenças entre estudantes, neste caso, digamos, as diferenças refletidas pelas notas no segundo grau.) Em tais pesquisas um procedimento comum é administrar duas ou mais medidas os estudantes - ou usar medidas já administradas pelo sistema escolar

- e correlacioná-las com uma medida de sucesso, real ou presumido, no trabalho acadêmico. Através de um procedimento estatístico .. calcu­lo-se o "efeito" combinado ou conjunto das variáveis independentes sobre a variável dependente. 1.: também fei ta geralmente uma tentativa de avaliar as contribuições de cada uma das var.iáveis independentes . 11 ·sim como combinações de variáveis independentes. O primeiro passo é c•omparativamente simples; o segundo é mais difícil e arriscado.

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A predição do sucesso na escola às vezes é. consegui?a_parcia~e.nte usando-se como indicador preditivo alguma medtda de aptldao academtca, ou medida geral de capacidade para o trabalho escolar. ~~ltzma,n. e Brown (1968) usaram uma tal medida com 1.648 alunos da settma sene. Usada sozinha, a medida explicou 37 por cento da variância das ~ot~s no secundário. A predição, então, da variável independente, aptt~ao acadêmica, para a variável dependente, notas, teve sucesso nf. ~~nttd~ de que uma porção substancial da variância de notas no secun'áano foi compartilhada com a variável preditiva, aptidão acadêmica. Esta é uma descoberta comum na pesquisa educacional: testes de habilidade geral, tais como testes de inteligência, testes de aptidão geral (principalmente de aptidão verbal) e testes de aptidão acadêmica predizem bem para o sucesso escolar.

A abordagem preditiva é, entretanto, muito mais sofisticada do que isfo. Há muito se sabe que é necessário bem mais para a realização escolar do que capacidade intelectual, por mais importante que ~eja. Há anos, então, os pesquisadores educacionais têm usado outras medtdas para melhorar a predição. Vamos supor que temos dois testes e que saibamos que cada um deles prediz bastante bem o sucesso es~olar. Poderemos colocá-los juntos na forma do exemplo mostrado na ftgura 11.3 e melhorar a predição? Se um teste, um teste de capacidade geral, é responsável por 30 por cento da variância de sucesso escolar e um segundo teste é responsável por 10 por cento, poderemos somar as duas porcentagens para obter a quantia total de variância explicada por ambos os testes? Se os dois testes preditores são independentes um do outro -se r 12 (o coeficiente de correlação entre os testes 1 e 2) é O, em outras palavras - a resposta é Sim. Mas se os dois test:s não forem indepen­dentes um do outro, então as duas porcentagens nao podem ser somadas de maneira simples. Tal situação foi m~strada na fi.~ra 11. 5, onde .as variáveis independentes eram correlac10nadas postttvamente e asstm compartilhavam variância entre si, assim como com a variável depen­dente.

No estudo de Holzman e Brown, o teste de aptidão acadêmica explicou 37 por cento da variância das notas no secundário. Holztman e Brown usaram também uma medida complexa de hábitos de estudo e atitudes, que sozinha foi responsável por 30 por cento d~ variância de notas do segundo grau. Mas a aptidão acadêmica e os hábitos de estud~ e atitudes também compartilharam variância, uma porção da 9-u~ ~01 também compartilhada com as notas. Há dois problemas pnnctpats. Ambas as variáveis explicam que porção da variância de notas? Em que cada variável contribui independentemente da outra variável? Por causa da natureza comparativamente não-ténica de nossa ~iscussão, podemos responder apenas à primeira questão - mesmo asstm, apenas de um

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modo geral. A resposta à segunda questão é bastante complexa. Vamos tentar, de qualquer maneira, dar uma resposta aproximada.

Variância compartilhada, a equação de regressão múltipla e pesos de regressão

A situação de variâpcia compartilhada, dos dados de Holtzman e Brown, é representada aproximadamente na figura 11.6. Cada círculo da figura representa a variância da variável designada .(por extenso). O círculo inferior esquerdo, por exemplo; representa a variância da aptidão acadêmica. A variável dependente, o fenômeno a ser ·explicado (ou predito) é representado pelo círculo Realização no Curso Secundário. Os outros dois círculos representam os preditores. Na medida em que a área da realização escolar é invadida pelos outros dois círculos, a predi­ção é feita com êxito. A área superposta sombreada, denominada AA e RCS, representa a variância compartilhada pelas variáveis Aptidão Acadê­mica e Realização no Secundário (média de notas). A porção sombreada HEA e RCS representa a variância de Hábitos de Estudos e Atitudes e Realização no Secundário. A área duplamente hachuriada representa a parcela da variância de Realização no Secundário explicada ou predita pelas duas variáveis independentes "trabalhando juntas". :1! esta parcela da variância de Realização no Secundário que a aptidão acadêmica e os hábitos de estudo compartilham. Para fins preditivos é, por assim dizer, redundante. Representa também parte da correlação total entre Aptidão Acadêmica e Hábitos de Estudo e Atitudes. (Observe que há também uma pequena porção da superposição entre as duas variáveis indepen­dentes que não faz parte da variável dependente; é a pequena área em branco abaixo da área duplamente hachuriada.)

AAe RCS HEAe RCS

AA.HEAeRCS

Figura 11.6

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A análise de regressão múltipla analisa eficiente e pronta_:nente situações como esta. Primeiro, calcula-se ~ma chama.d~ equaçao de regressão. Pode ser também chamada equaçao de pred1çao. Com duas variáveis independentes, a equação fica assim:

Y' = a + b1 X1 + bz X2

Valerá a pena o leitor perder tempo e se dedicar a compreender esta equação. É teórica e praticamente importante e útil.. Y' repres~nta a variável dependente, ou pode representar a nota predlt.a para qu,a!quer indivíduo da amostra estudada. a pode ser desconsiderada: e uma constante usada para ajustar os valores calculados produzidos pela substituição de valores apropriados na equação. xl e x2 representam os valores ou notas nas duas variáveis independentes. b1 e b2 são chama­dos coeficientes de regressão. Expressam os pesos relativos das duas variáveis independentes na predição. (Mas veja abaixo).

Os X's - X1, X2, . . XK - são notas nas variáveis 1, 2 . . . k. Isto é, se tivéssemos duas variáveis independentes, como na equação acima, e 200 sujeitos, cada um dos sujeitos teria 2 notas, um? em X e uma em X2. Um coeficiente b expressa o peso que uma determmada v:riável independente tem na situação de regressão. "b1 X1" significa que qualquer valor de qualquer indivíduo na variável indep~ndent.e, 1 .é pesado (multiplicado) por b,. "b2 X2" e, se houvesse ma1s vanave~s independentes, outros b's e X's, têm significado sem~l?ante. U:n ~oefl­ciente baixo significa que a variável à qual o coeflc1ente esta hgado recebe menor peso na equação. Um alto coeficiente, naturalmente, tem o significado oposto.

Suponhamos que tenha sido calculada uma equação de regressão a partir de um conjunto de dados:

Y' = 0,10 + 0,68X1 + 0,39X2

Os pesos b de 0,68 e 0,39 indicam que os valores X1 terã? ~eso maior que os valores X2 • Isto significa que X1 é realmente ma1s lmpor.tante que os valores X2 na predição? Não podemos ~ize~ c~m c~areza. A u~t~r­pretação dos pesos de regressão em geral nao e tao s1mples e facll. Certamente, se a questão acima ficou usada para predizer o valor ,"Ç ~e qualquer indivíduo baseado no conhecimento de suas notas nas vanave1s 1 e 2, X1 receberia peso maior que X2. Isso, entretanto, nem sempre significa importância maior.

Tomemos dois casos, digamos os indivíduos 7 e 41 numa amo~tra de 50 pessoas. Seus valores de X1 e X2 são (2,4) e (10,5), respectiva­mente. Então, substituin<!_o na equação de regressão:

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Indivíduo 7: 0,10 + (0,68) ( 2) + (0,39) (4) Indivíduo 41: 0,10 + (0,68) (10) + (0,39) (5)

3,02 8,85

Os valores preditos, ou Y', dados os dois conjuntos de valores de xl e x2, são 3,02 e 8,85. o indivíduo 41 recebe um valor consideravel­mente mais alto em Y' porque sua nota em X1 é alta e X1 tem mais peso (0,68) do que X2 (0,39). O oposto é verdadeiro, embora muito menos precisamente, para o indivíduo 7: sua nota mais alta (4) é X2, que pesa menos que X1.

Equações de regressão, tais como a dada acima, permitem a melhor previsão possível partindo-se de determinados conjuntos de dados. Nenhuma outra equação ou método (por exemplo, pode-se simplesmente somar os valores X1 e X2 para descobrir os valores de Y') oferecerá predição tão boa.

Se fossem usados números aleatórios em vez de notas verdadeiras de teste, então a predição seria inútil por que as correlações entre X1 e Y e X2 e Y estariam próximas de zero. Na medida em que X1 e X2 se correlacionam com Y, a predição será "boa". As "melhores" predições são obtidas quando as variáveis independentes, X1, X2, . . , XK, estão alta ou substancialmente correlacionadas com Y, a variável dependente, e as correlações entre as variáveis independentes são baixas. Quanto mais altas as correlações entre as variáveis independentes, menos as variáveis sucessivas contribuirão para a predição, e mais difícil e ambígua será a interpretação.

O que a análise de regressão múltipla faz essencialmente é estimar os pesos relativos dos coeficientes de regressão a serem ligados aos X's, tomando em consideração as relações (correlações) entre os X's e Y e entre os X's. Por exemplo, na equação de regressão dada acima, 0,68 indica a influência relativa de X1 sobre Y, levando em conta a correlação de xl com y e a correlação entre xl e x2.

Na equação de regressão dada acima, os b's foram os coeficientes de regressão. Se as variáveis independentes forem medidas com diferentes escalas de mensuração - por exemplo, os valores X1 podem ter dois e três algarismos e os valores X2 podem ter apenas um algarismo - haverá dificuldade de interpretação, porque um b pode ser maior ou menor que outro simplesmente por causa da escala de mensuração. Alguns pesqui­sadores preferem portanto usar uma forma de peso de regressão padroni­zado chamada pesos beta, ou f3's. Tais pesos de regressão geralmente são calculados rotineiramente por programas de computador e têm certas virtudes interpretativas. (Têm fraquezas também.) Mais importante, eles podem ser comparados um com outro. 3 Se calcularmos os betas do estudo de Holtzman e Brown, obteremos a seguinte equação:

3 Na equação e exemplo dados anteriormente, falamos como se os b's fossem (J's. Isto foi permissív.el porque X, e X, tinham a mesma escala de mensuração. Em muitas situações, entretanto, isto seria difícil ou até impossível.

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y' = 0,40x1 + 0,49x2

Observe que não há termo constante, a, e que y' e X1 e X2 aparecem em letras minúsculas. As letras minúsculas são usadas aqui, em lugar de outros símbolos usados comumente, para simplificar. Eles significam, com efeito, valores transformados de sorte a serem comparáveis. Aparen­temente, as duas variáveis têm coeficientes de regressão semelhantes; têm aproximadamente pesos iguais na equação. Obteríamos os mesmos valores y' relativos somando simplesmente as medidas X1 e x~porque nenhuma das variáveis possui muito mais peso que a outra.

Avaliando efeitos: o coeficiente de correlação múltipla

Talvez nos seja mais útil, compreensível e interessante perguntar: "Quão boa é a predição?" O leitor de estudos sobre pesquisa comporta­mental contemporânea encontrará freqüentemente uma estatística impor­tante, R, o coeficiente de correlação múltipla. Lembre-se de que um coeficiente comum de correlação, r, expressa a magnitude da relação ou correlação entre duas variáveis, X e Y. Expressa o quanto Y varia com a variação em X, o "caminhar junto" dos valores de X e Y. Expressa também quão bem Y pode ser predito a partir de X. Aprendemos também neste capítulo ·que se r for elevado ao quadrado, r2, isto expressa a quantidade de variância compartilhada por X e Y. O uso e interpretação de R são semelhantes. R, o coeficiente de correlação múltipla, expressa a magnitude da relação entre, por um lado, a melhor combinação possível de todas as variáveis independentes, e, por outro, a variável dependente. Suponhamos que vamos calcular com a equação de regressão os Y's ou Y' preditos, para todos os membros de um grupo cujas notas em vários testes estejam sendo analisadas com regressão múltipla. Já temos suas notas na variável dependente, Y. Agora, se calcularmos a correlação, r, entre os dois conjuntos de notas, o (Y') predito e o (Y) observado, obteremos o coeficiente de correlação múltipla, R.

Já examinamos a natureza de r 2 , o quadrado do coeficiente de correlação, e aprendemos que expressa a variância compartilhada por X e Y. Se fizermos a mesma coisa com R e obtivermos, R 2, podemos inter­pretar a relação mais complexa de forma similar. R 2 expressa a variância compartilhada por Y e Y'. Mais útil para nós, R 2 expressa a quantidade de variância de Y, a variável dependente, explicada pela combinação de regressão de todos os X's, as variáveis independentes. A figura 11 . 4 expressava uma situação hipotética e não-realística da quantidade de variância das notas de realização explicada por seis variáveis indepen­dentes, assumindo-se que todas as correlações entre todas as variáveis

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independentes fossem zero. A figura 11.5 expressava a vanancia de realização explicada por duas variáveis independentes, mas as duas variáveis independentes eram, elas mesmas, correlacionadas. É muito difícil desenhar tal figura com três ou mais variáveis independentes, tentando representar visualmente todos os r2s. É muito possível fazê-lo, entretanto, se usarmos o raciocínio Y e Y' que acabou de ser discutido.

A análise de regressão múltipla sempre fornece um R e um R2•

R2 é um índice da quantidade máxima de variância de Y explicada por todos os X's, como já ficou dito. Suponhamos que temos uma variável dependente, realização em leitura, (Y), e duas variáveis independentes, aptidão verbal (XI) e motivação de realização (X2). (Motivação de reali­zação é uma medida de quanto o estudante está orientado no sentido de melhorar na escola.) Suponhamos ainda que a equação de regressão é a dada acima e que R2 é 0,51. Este R2 é a porcentagem da variância de realização em leitura devida à melhor combinação estatística possível de aptidão verbal e motivação de realização. A situaçã0 é mostrada na figura 11. 7.

O círculo total representa a variância de Y, realização em leitura, a variável dependente. A parte sombreada do círculo indica, como sem­pre, a variância de Y explicada por uma combinação de X1 e X2, aptidão verbal e motivação de realização. A parte em branco indica a variância da Y não explicada por X1 e X2. É chamada variância residual. Neste caso é 100 - R2

, ou 1,00 - 0,51 = 0,49 ou 49 por cento dá variância de Y. (0,51 é subtraído de 1,00 porque 1,00 é o maior valor que R2

pode ter.) Parte da variância residual é variância de erro, erros casuais e erros de mensuração. Mas pesquisas futuras usando outras variáveis

Variância de V \total do círculo)

Figura 11.7

Variância de V não explicada por xl ex,

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independentes podem ser capazes _de reduzir. e~ta v~riâ?~ia residual. P_or exemplo, se acrescentássemos medidas de aptldao antmetlca, classe s,o~Ial e ambiente familiar à análise de regressão, a área sombreada sem duvida aumentaria, diminuindo a parte em branco. Em o~tras palav~~s, . a predição de realização em leitura melhoraria, e a quantidade de vanancia desconhecida seria assim diminuída.

Dois estudos

Embora a regressão múltipla tenha sido muito usada em pesquisa comportamental, pode-se dizer com segurança que seu uso apena_s. come­cou. Certamente tem sido muito menos usada do que a analise _ _ de

• ~ariância às vezes em casos onde devesse ser usada em lugar da analise . de variâ~cia. Em geral. a análise de variância é apropriada para dados · experimentais. A regressão múltipla, entreta~to, é ~propriada. tanto para

dados experimentais quanto para não-expenmentais. _É admuavelmente conveniente à análise de dados mistos, dados de pesqmsa em que uma ou mais variáveis tenham sido manipuladas e também na qual haja uma ou mais variáveis-atributos. Por isso foi chamada de abordagem geral, ou método geral de análise de dados (quando há uma variável depen-dente).

Apresentamos resumos de duas pesquisas onde foi usada a regress~o múltipla como principal ferramenta analítica. Como veremos, a regressao múltipla se adaptou admiravelmente aos problemas dos est~dos. Sem dúvida é difícil imaginar qualquer outra abordagem. Os d01s estudos do m~ito diferentes em sua substância e propósito, mas compartilham uma característica importante: ambos usaram variáveis ecológicas ou ~:nbientais para explicar fenômenos importantes. Ilustram também um certo número de itens que tentamos estabelecer sobre a abordagem multivariada em geral e sobre a regressão múltipla em particular.

Marjoribanks: ambiente, etnia e capacidade mental

Marjoribanks (1972), num estudo competente e imaginoso. de influências sobre a capacidade mental, usou um método para medir o que denominou pressão ambiental, ou influência do am~iente. H_avia oito "forças ambientais": pressão para realização, pressao para mte­lectualidade, pressão para a independência e assim por diante. 'c_ada forca ambiental era medida com vários · itens chamados caractenstlcas ambientais. Por exemplo: a pressão para a realização tinh~ entre o~tros, os seguintes itens: a expectativa dos pais para a educaçao da cnança, as próprias aspirações dos pais e a valorização das realizações educa-

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cionais. O instrumento era administrado em entrevistas na~: casas das crianças. Em resumo, foi medido o ambiente de aprendizado da casa com o instrumento, sob a suposição de que o ambiente familiar da criança tinha poderosa influência sobre sua capacidade mental e reali­zação.

Marjoribanks desejava estudar a influência das forças ambientais sobre o desenvolvimento entre cinco grupos étnicos canadenses: índios, canadenses franceses, judeus, italianos do sul e protestantes anglo-saxões. A variável dependente do estudo era desenvolvimento mental; foi medida por quatro subtestes de um conhecidíssimo teste de capacidade mental, o SRA, Teste de Capacidades Primárias: Verbal, Numérica, Espacial, ~ Raciocínio. Assim, havia na realidade quatro variáveis dependentes, ou .._ quatro aspectos da variável dependente básica, capacidade mental. Havia~ duas variáveis independentes: força ambiental e grupo étnico, ou etnia . A pergunta básica, então, foi: " Como a força ambiental e a etnia afetam-;_ o desenvolvimento mental?" Marjoribanks desejava saber como cada : variável independente afetava separadamente o desenvolvimento mental e como afetavam o desenvolvimento mental em conjunto. ·- ·

A amostra consistiu de 37 famílias, 18 de classe média e 19 dé classe inferior de cada grupo étnico, ou um total de 185 famílias . · ·­Os cinco grupos étnicos diferiam significativamente nos perfis das quatro ·; capacidades mentais. As maiores diferenças estavam na capacidade verbal, como já era de se esperar. Estamos mais interessados, entretantQ, na análise de regressão múltipla de Marjoribanks, na qual as caracterís­ticas aditivas (e subtrativas) de R2 foram usacdas. Vamos examinar os resultados de capacidade verbal e de capacidade de raciocínio.

O R que expressava a correlação entre capacidade verbal, por um lado, e a combinação de ambiente e etnia, por outro, foi 0,78. Isto é, a correlação entre os Y' previstos, fornecidos pela equação de regressão que incluía as duas variáveis independentes, ambiente e etnia, e os Y's obtidos, as notas verdadeiras de capacidade verbal, foi 0,78. Elevando esse R ao quadrado, Marjoribanks obteve R2 = 0,782 = 0,61. Isto foi interpretado como antes: 61 por cento da variância de capaci­dade verbal foram explicados por etnia em combinação com o ambiente, uma porção substancial da variância. Aparentemente, podemos dizer que os fatores ambientais e participação no grupo étnico - as diferenças entre os grupos étnicos - têm uma forte influência na capacidade verbal. E é certamente uma informação importante e valiosa. Diz-nos pouco, entretanto, das " influências" separadas das duas variáveis.

Marjoribanks então calculou as análises de regressão separadas, uma entre capacidade verbal e ambiente e outra entre capacidade verbal e etnia. Os R2 foram: 0,50 para capacidade verbal e ambiente e 0,45 para capacidade verbal e etnia. Para obter estimativas das influências sepa-

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radas de cada uma dessas variáveis, ele subtraiu seus R2 's obtidos separa­damente do R2 obtido das duas juntas. O último, lembre-se, era 0,61. Portanto, o efeito separado do ambiente é calculado subtraindo o R

2 de

etnia, ou 0,45, de '0 ,61: 0.61 - 0,45 = 0,16. Assim, 16 por cento da capacidade verbal era explicada apenas pelo ambiente. O efeito separado da etnia foi obtido de maneira semelhante: o R2 de ambiente foi subtraído do R~ de ambiente e etnia: 0,61 - 0,50 = 0,11. Assim, 11 por cento da variância de capacidade verbal foi explicado pela etnia, ou participação no grupo étnico. ,

Este procedimento aparentemente complexo é até bem sirrlples. Calcula-se o R2 do efeito conjunto das duas variáveis. Isto fornece a variância total de capacidade verbal devida a ambas as variáveis trabalhando juntas, por assim dizer. Subtrai-se, então, por sua vez, os Rz devidos a cada variável. Isso mostra os cálculos de influência de cada variável livres da influência de outra variável. E a variância do efeito conjunto de ambas as variáveis que ainda não foi explicado? Afinal, os efeitos separados do ambiente e etnia somam apenas a: 0,16 + 0,11 = 0 ,27. Assim, sobram: 0,61 - 0,27 = 0,34. Este R

2

é a parte da variância total resultante tanto do ambiente quanto da etnia, e que é devido a ambas as variáveis trabalhando evidentemente juntas sem poderem ser separadas. Em outras palavras, as duas variáveis têm influências separadas e uma influência conjunta que não pode ser desmembrada.

No que se refere à melhor predição de capacidade verbal, a análise acima não importa. Marjoribanks pode dizer simplesmente que 61 por cento da variância de capacidade verbal são devidos a ambiente e etnia, e em futuras situações podemos usar ambas -e outras, talvez- para predizer capacidade verbal. A explicação científica, entretanto, exige mais que isso. Queremos conhecer as influências relativas de variáveis independentes em seus efeitos sobre uma variável dependente. Queremos explicar com maior profundidade e detalhes possíveis o fenômeno de interesse e não apenas predizê-lo. Marjoribanks, em sua análise, preten­deu tanto a predição quanto a explicação. Vou tentar expressar estas idéias de uma maneira um tanto diferente.

Alguns resultados da análise de regressão múltipla de Marjoribanks foram dados na tabela 11 . 1. Das quatro variáveis dependentes, apenas as análises de capacidade verbal e de capacidade de raciocínio estão incluídas na tabela. As variâncias totais de ambas as capacidades juntas, Ambiente + Etnia, são 0,61 para capacidade verbal e 0,22 para capaci­dade de raciocínio. O 0,61 é a proporção (ou porcentagem) da variância de capacidade verbal resultante do ambiente e da etnia. A cifra compa­rável para capacidade de raciocínio é 0,22, muito menos. Estas podem ser consideradas as variâncias "totais" explicadas, e desejamos calcular

196

co~tribuições .separadas das duas variáveis independentes, ambiente c etma. O a~btente responde por 0,50 da variâneia da capacidacie verbal. A etma responde por 0,45 da variância. As cifras comparáveis para capacidade de raciocínio são 0,16 e 0,08. Portanto, vamos nos concentrar em capacidade verbal para reforçar a discussão anterior.

As prop~rçõe.s 0,50 para ambiente e 0,45 para etnia não são, entretanto, esttmattvas "puras" das contribuições à variância de capaci· da~:_ v~rbal dessas v.ariáveis porque uma parcela de cada proporção de vanancta é compartilhada pela outra variável independente. Portanto ess~ parte devida à outr~ variável deve ser subtraída da contribuiçã~ conJunta de ambas as vanáveis. Estes restos são indicados por A - B e A- C na tabela. A- B = 0,11, por exemplo, significa: da contribui· ção "total" conjunta do ambiente e da etnia (A), 0,11, ou 11 por cento, restam depois de subtrairmos o efeito do ambiente ou O 61 - O 50 = 0,11. ' ' '

s.e voltarmos a u~ar os círculos das figuras anteriores, as coisas po· d~m ftc~r claras. Na ftgura 11.8 usamos o método de descrição de variân­cta da Ílgura 11.6. O círculo superior representa a variância de capaci­dade verbal, os dois inferiores as variâncias de ambiente e etnia. A área sombreada entre capacidade verbal e ambiente representa 0,50 da tabela 11 . 1 e a área sombreada entre capacidade verbal e etnia repre­senta os 0,45 da tabela 11 . 1. A área demarcada com linhas mais escura à esquerda representa a variância de capacidade verbal devida ao ambiente ape~as .<0,16), enq~anto que a área semelhante à direita representa a vanancta de caractdade verbal devida a etnia. apenas (0,11). Observe

Tabela 11.1 VariAncias explicadas por ambiente e etnia, estudo de Marjoribanlc:s (1972) ••

Variável dependente

Variável independente

Capacidade verbal Ambiente + Etnia (A) Ambiente (B) Etnia (C)

Efeito da etnia apenas = A - B = Efeito do ambiente apenas = A - C =

Capacidade de raciocínio Ambiente + Etnia (A) Ambiente (B) Etnia (C)

Efeito da etnia apenas = A - B = Efeito do ambiente apenas = A - C =

R"

0,61 0,50 0,45

0,11 0,16

0,22 0,16 0,08

0,06 0,14

• Esta tabela foi deriv~da das tabelas 5 e 6 de Marjoribanlc:s. e um pouco dife­rente de suas tabelas.

197

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Ambiente apenas (0,16)

Figura 11.8

Etnia apenas (0,11)

I

também que uma porção substancial da variância de capacidade verbal é devida a ambas as variáveis em conjunto (a área duplamente sombreada). Assim, as duas influências trabalham juntas em uma grande extensão; não podem ser separadas (0,34: 0,50 - 0,16, ou 0,45 - 0,11). Há também variância compartilhada pelo ambiente e etnia que não está relacionada à capacidade verbal (a área em branco compartilhada por elas) .

Considerando os valores da tabela 11 . 1, podemos chegar a duas ou três conclusões. Tanto o ambiente quanto a etnia parecem ter consi­'derável "influência" sobre a capacidade verbal, especialmente quando "trabalham juntos" (34 por cento) . Suas contribuições em separado, embora não enormes, são apreciáveis (11 por cento e 16 por cento) . A "influência" do ambiente independente da etnia parece ser maior que a "influência" da etnia independente do ambiente (16 por cento versus 11 por cento). Análise semelhante pode ser aplicada à capacidade de raciocínio. Notamos especialmente que ambiente e etnia não são evi­dentemente nem de perto tão fortemente relacionados à capacidade de raciocínio como a capacidade verbal. Não é difícil compreender esta importante descoberta. Deixamos para o leitor deduzir o motivo.

Discutimos este exemplo detalhadamente por causa da importância e significância do assunto em si e por causa da importância da análise de regressão. Um método de análise que pode desemaranhar influências complexas desta forma é muito valioso. Além disso, examinamos seu uso com apenas duas variáveis independente. É também aplicável com mais de duas variáveis independentes, embora a análise e interpretação tornem-se muito mais complexas, difíceis e às vezes até imprecisas. (Marjoribanks sabiamente escolheu tratar suas oito medidas ambientais como uma variável independente em sua análise - depois de estabelecer

198

primeiro que eram todas, em substância, positivamente relacionadas, indicando que todas estavam medindo mais ou menos a mesma coisa.) O leitor deve também ficar alerta. Como todos os métodos de análise estatística, este revela apenas as estimativas dos valores dos R2

• Às vezes os FYs podem ser tendenciosos e enganosos. Analistas e pesquisadores competentes não usarão os R2's sozinhos em suas análises e interpre­tações. Usarão também coeficientes de regressão, as correlações originais de onde os R2's emergem, outras estatísticl'!s e resultados de outros pesquisadores.

Talvez, acima de tudo, os pesquisadores serão extremamente cuida­dosos em fazer afirmativas causais. Embora tenhamos usado expressões como "explicada por" e " efeitos", implicações causais, embora talvez inevitáveis por causa de conotações de linguagem, não foram intencio­nais. Na pesquisa de Marjoribanks, é particularmente importante ater-se a esta orientação. Quando falamos da influência da etnia na capacidade verbal, por exemplo, certamente pensamos na influência que o grupo étnico exerce sobre a criança em sua capacidade verbal - por motivos óbvios. Mas a afirmativa de pesquisa mais exata é que há diferenças de habilidade verbal entre, digamos, canadenses anglo-saxões e canadenses franceses. Mas essa é uma diferença funcional em capacidade na língua inglesa. Não queremos dizer que ser anglo-saxão de alguma forma "causa" uma melhor capacidade verbal em geral do que ser canadense francês. A maneira mais segura de raciocinar provavelmente seja pela afirmativa condicional tão enfatizada neste livro: "Se p, então q", c0m uma relativa ausência de implicação causal.

Cutright: análise de regressão e correlações altas

A análise e os resultados de um estudo feito por Cutright (1963) pode aumentar nossa compreensão de um!l abordagem multivariada a problemas científicos e práticos. Pode também nos alertar para uma dificuldade particular de interpretação que ocorre freqüentemente na investigação sociológica. Ilustrará também interessante mensuração das chamadas variáveis ecológicas.

Cutright desejava estudar o desenvolvimento político de 77 nações. Em vez de usar indivíduos ou pequenos grupos, como unidade de análise, Cutright usou países inteiros. Para isso, ele construiu uma medida com­plexa de desenvolvimento político dando pontos diferentes aos países por seu relativo desenvolvimento nos ramos executivo e legislativo do governo, por exemplo, um ponto por ano em que uma nação tinha um hefe executivo elei~o por voto direto em eleição competitiva. A medida

r·csultante era a variável dependente. As variáveis independentes eram

199

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também medidas complexas - de comunicação, urbanização, educação e agricultura.

As correlações entre cada uma das variáveis individuais e a variável dependente, desenvolvimento político, eram altas: de 0,69 a 0,81 (uma era negativa e alta t"ambém). Mas as correlações entre as variáveis inde­pendentes eram mais altas ainda: 0,74 a 0,88. Isto apresenta um problema em análise de regressão múltipla. Lembre-se de que a situação ideal de predição é altas correlações entre as variáveis independentes e a variável dependente e baixas correlações entre as variáveis independeu-. tes. (Marjoribanks contornou este problema combinando as variáveis\ in­dependentes em uma única variável independente, depois que uma análise separada mostrou que as oito variáveis de ambiente eram mais ou menos medidas da mesma variável básica, como indicado anteriormente.) Quando as correlações entre as variáveis independentes são substanciais, surgem problemas técnicos que tornam a interpretação dos resultados difícil e ambígua. Cutright tinha bastante consciência do problema e interpretou cuidadosamente seus resultados.

Em todo caso, o coeficiente de correlação múltipla, R, era 0,82 e R2 era 0,67. Mas o R2 (na verdade r2) entre desenvolvimento político e apenas uma de suas variáveis independentes, comunicação, foi 0,65! Assim, as variáveis independentes adicionais acrescentavam apenas 0,02 à predição de desenvolvimento político! Cutright não estava contente, entretanto, apenas com esta alta predição. Usando raciocínio de regressão, ele conseguíu · interpretar o desenvolvimento político de nações indivi­duais. Sua idéia, basicamente, era predizer o desenvolvimento esperado de cada nação, usando a equação de regressão calculada. Isto é o mesmo que calcular os Y's preditos, ou Y's discutidos anteriormente, usando a informação obtida sobre as variáveis independentes. Ou seja, para cada nação ele substituiu os valores que obteve de cada variável independente para aquela nação e então calculou Y', o valor esperado baseado na equação.

Por exemplo, vamos supor que ele obteve os seguintes valores de X para determinado país: 7 para comunicação, 6 para urbanização, 6 para educação e 2 para agricultura. E suponhamos que a equação de regressão calculada de todos os dados fosse:

Y' = 9,0 + 0,82Xl + 0,74Xz + 0,60Xs - 0,65X4

Então, o Y predito, ou Y', seria:

Y' = 9,0 + (0,82) (7) + (0,74) (6) + (0,60) (6) - (0,65) (2) = 21,48

Suponhamos ainda que o valor obtido de Y, a nota de desenvolvimento político, foi 14,50. Cutright então podia raciocinar que o desenvolvi-

200

mento polític~ d.a nação sob. análise era mais baixo do que se esperava. !;>ados .s~~s mve1s. de comumcação, urbanização, educação e agricultura,

devena ter ?btldo. uma nota de desenvolvimento político de cerca de 21,48. Mas fo1 ~ons1~eravelmente mais baixa, 14,50. Em todo caso,

0 estudo de Cutnght e um bom exemplo de pesquisa sócio-científica c?ntemporâ~e~ sobre um fen~meno interessante e importante, 0 desenvol­Vlment~ po~tl~o, em que fo1 usada de maneira frutífera a análise de regressao multtpla.

201

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12. A abordagem multivariada: análise fatorial

Quando penso em análise fatorial, duas palavras me vêm à mente: "curiosidade" e "parcimônia". Parece ser um par muitíssimo estranho­mas não em relacão à análise fatorial. Curiosidade quer dizer querer saber o que exist~ em um lugar, como funciona, por que está ali e por que funciona. Significa também o desejo ou a vontade de penetrar as coisas, de saber o que há por trás delas. Os cientistas são curiosos. Querem saber o que existe e por que existe. Querem saber o que há por detrás das coisas. E querem fazer isso da maneira mais parcimoniosa possível. Não querem uma explanação elaborada quando não é necessário. A explicação mais simples possível é a melhor - embora nem sempre: a este ideal podemos chamar o princípio da parcimônia. ·

Para explicar as coisas, precisamos tentar reduzir as massas de informação e fenômenos que nos rodeiam a forma e tamanho manejável. Nos nossos esforços para explicar os fenômenos tentamos reduzir os domínios amplos e confusos das variáveis, por exemplo, a domínios menores e mais compreensíveis. Suponhamos que estamos trabalhando em uma área de interesse e temos à nossa frente centenas de variáveis que talvez se relacionem à área de interesse. Uma centena de variáveis é demais; não podemos realmente agarrar tantas variáveis. Será possível reduzir-lhes o número? Sabemos por exeperiência que muitas das cem variáveis são correlacionadas entre si. É possível descobrir quais das variáveis estão correlacionadas com iguais outras, e o quanto estão correlacionadas? Por esta informação, é possível combinar, juntar de alguma forma as variáveis correlacionadas umas com as outras ou agrupá-las para " criar" variáveis novas e em menor número?

Suponhamos que tudo isto seja possível. Criar variáveis novas e em número menor satisfará minha curiosidade original em relação à coisa que me deixou curioso? Certamente a redução de variáveis ou do número de variáveis parece parcimoniosa. Se tivermos, digamos, 12 variáveis em vez de cem, temos uma situação mais parcimoniosa. Pelo menos achamos e esperamos. Por que insistimos em parcimônia? É tão importante?

Em geral os cientistas acreditam que a explicação mais simples, mais parcimoniosa, é a melhor explicação. Isto porque, se deixarmos as

202

I explicações e razões se multiplicarem, vamos terminar em confusão, ou com uma situação tão complexa que não poderemos dominá-la. Mas parte de tudo isso é questão de fé. Temos fé em que haja geralmente uma explicação mais simples para a maioria dos fenômenos. O fato de isso nem sempre ser verdade não muda a fé. Em todo caso, buscar explicações mais simples, e depois testar suas implicações, são preocupações científi~ cas fortíssimas.

Um dos mais poderosos métodos já inventados para reduzir a com­plexidade de variáveis a maior simplicidade é a análise fatorial. Análise fatorial é um método analítico para determinar o número e natureza das variáveis subjacentes a um grande número de variáveis ou medidas. Ajuda o pesquisador, com efeito, a saber que testes devem ficar juntos - quais os que virtualmente medem a mesma coisa, em outras palavras, e o quanto medem a mesma coisa. As "variáveis subjacentes", nesta defi­nição, são chamadas ••fatores''. Alguém chamou a análise fatorial a rainha dos métodos analíticos. Por quê? Vamos tomar um exemplo famoso, inte­ligência e sua natureza, para tentar compreender esta invenção notável e a definição dada acima. Inteligência é um bom exemplo por. causa de seu interesse intrínseco, prático e -teórico, e porque muito se conhece a seu respeito agora - embora grande parte ainda continue um mistério. Antes de começarmos esta discussão, vamos fazer uma digressão para definir certos termos e ;expressões comumente usados na análise fatorial e na análise multivariada.

Uma digressão definicional

Como ficou indicado, ug1 fator é uma variável subjacente e não­observada que presumivelmente "explica" testes, medidas ou itens obser­vados. Na próxima seção deste capítulo damos um exemplo de análise fatorial de testes de inteligência. Três dos testes medem três aspectos da inteligência verbal: Sentenças, Vocabulário e Completamento. Desco­briu-se que estes testes medem uma coisa em comum. O estudo do conteúdo dos testes parece indicar que o algo subjacente que ~ medido é capacidade verbal. "Capacidade Verbal", então, é um fator.

Mais precisamente, um fator é um constructo, uma entidade hipo­tética, uma variável não-observada, que se supõe estar subjacente a testes, escalas, itens e, de fato, medidas de qualquer espécie. Houve controvérsias quanto aos fatores e análise fatorial, uma boa parte origi­nada da supo·sta "realidade" dos fatores. DeixemQs claro que a única "realidade" que possuem os fatores reside em explicarem a variância de variáveis observad~s. tal como se revela pelas correlações entre as variáveis.

203

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Uma palavra que aparece freqüentemente em análise fat,)rial e análise multivariada em geral é "matriz". Sem dúvida a álgebra das matrizes, álgebra que usa matrizes em vez de símbolos individ~.; ai~ , é uma ferramenta importante na matemática da análise multivariada. Uma matriz é uma ordenação retangular de números - embora possa haver matrizes formadas de outros símbolos também. As matrizes podem, virtualmente, ter qualquer dimensão: 2 x 2 (leia "dois por dois"), 3 x 20, 1 '5 x 15 e assim por diante. O primeiro número geralmente representa o número de hnhas e o segundo, o número de colunas. Uma matriz 7 x 3, então, tem sete linhas e três colunas. A matriz da tabela 12. 1 é uma matriz 8 x 3. A matriz da tabela 12 .2 é uma matriz de correlações 6 x 6, freqüentemente simbolizada por R. As matrizes de correlações são simétricas porque a metade inferior abaixo da diagonal que vai da esquerda superior para a direita inferior e a imagem especular da metade superior. O tipo de matriz dado na tabela 12.1 é chamado matriz de cargas fatoriais ou coeficientes fatoriais.

A expressão "carga fatorial" ocorre freqüentemente. Uma matriz de cargas fatoriais é um dos produtos finais da análise fatorial. Uma carga fatorial é um coeficiente - um número decimal, positivo ou negativo, geralmente menor que 1 - que expressa o quanto um teste ou variável observada está "carregado" ou "saturado" em um fator. Na tabela 12. 1, as colunas são os fatores, como veremos, e as linhas, os testes ou as variáveis observadas. O teste Sentenças, por exemplo, está "carregado" 0,66 em Verbal (o primeiro fator), enquanto sua carga em Número (o segundo fator) é apenas de 0,01. Diz-se que as matrizes fatoriais são rotadas ou não-rotadas. Não precisamos definir o que significam estes termos. É suficiente dizer que as soluções finais de análise fatorial quase sempre exigem matrizes ou soluções rotadas. As cargas fatoriais serão definidas mais completamente adiante.

I

Para nossos propósitos, uma estrutura fatorial é (geralmente) uma matriz fatorial rotada que mostra a "estrutura", padrão, ou configuração dos fatores e variáveis. ("Estrutura fatorial" também tem um significado técnico que não vamos necessitar em nossa apresentação conceitual.) Em geral, isto significa quais testes ou variáveis estão carregados em quais fatores. A tabela 12. 1 mostra uma "estrutura fatorial". Assim · também a tabela 12. 4. Mas um gráfico pode também mostrar uma estrutura fatorial. Nas figuras 12.3 e 12.4 são mostradas estruturas fatoriais.

O leitor não deverá se preocupar muito se não entender completa­mente o significado destes termos. Eles irão se tornando mais claros à medida que formos avançando no capítulo. Agora, vejamos a inteligência abordada através da análise fatorial.

204

Inteligência e sua natureza

Sempre soubemos que há diferenças enormes na maneira pela qual . as pessoas lidam com problemas. Algumas resolvem-nos rápida, eficiente e profundamente. Outras não são tão rápidas e eficientes. A amplitude é enorme: vai desde indivíduos capazes do mais alto grau de compre­ensão intelectual e domínio do pensamento abstrato a indivíduos quase incapazes de qualquer pensamento abstrato. Em um capítulo anterior dissemos que, do ponto de vista da pesquisa, seria muito mais simples se as pessoas tivessem a mesma inteligência, se não houvesse diferenças individuais de capacidade mental. Mas a dura verdade da existência de grandes diferenças em capacidade intelectual está aí, e não vai desa­parecer.

Um dos problemas mais difíceis e intrigantes que os psicólogos modernos enfrentam é a natureza da inteligência. O que é inteligência? É uma capacidade única, unitária, que todos nós possuímos em grau menor ou maior? .Ou não é "algo", simplesmente. É um conjunto -de capacidades mais ou menos relacionadas? A experiência de séculos produziu argumentos para ambos os pontos de vista - e para outros. Tais argumentos, entretantos, não são cientificamente satisfatórios. Há evidência científica sistemática em relação à natureza da inteligência?

Felizmente, há uma grande quantidade de evidência científica. Além disso, foram feitos grandes avanços em sua mensuração. Paradoxalmente, entretanto, os psicólogos ainda estão longe de saber com exatidão o que é inteligência. Sem dúvida, nem podem concordar em uma definição de inteligência. Isso, entretanto, não é de forma alguma raro em ciência. Podem ser feitos grande avanços, aumentar o conhecimento e diminuir a ignorância, embora um problema básico que iniciou a investigação científica ainda não esteja resolvido.

Um exemplo de pesquisa: Thurstone

No início deste século, houve muita teorização, especulação e pesquisas sobre a natureza da inteligência (Guilford, 1967). A natureza é altamente significativa, teórica e praticamente. O conhecimento cientí­fico da natureza da inteligência pode fazer avançar enormemente a compreensão psicológica dos processos mentais humanos (e animais). E assim tem sido. Os P:{eitos práticos, também. podem ser enormes. Mas nosso interesse está no método principal de análise usado para estudar inteligência: análise fatorial. Tentemos compreender a análise fatorial primeiro e~tudando a pesquisa de inteligência feita por um dos grandes psicólogos deste século, Leon Thurstone.

205

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Thurstone acreditava que a inteligência fosse um conjunto de capa- / cidades fundamentais separadas mas relacionadas. Depois de conside­rável trabalho criando testes, aplicando-os a muitas crianças e analisando os resultados, concluiu que havia um certo número de entidades subja­centes a muitos dos testes que ele criara e aplicara às crianças: Percepão, Número, Fluência de Palavras, Verbal, Espaço, Memória, Raciocínio. Com efeito, ele propôs uma teoria da estrura da inteligência e o funda­mento da teoria eram essas entidades, ou "fatores", como ele e outros as chamaram.

Para esclarecer isto, vejamos os testes da tabela 12. 1. Em um estudo, Thurstone e sua mulher (Thurstone & Thurstone, 1941) apli­caram 60 testes de vários tipos -vocabulário, adição, subtração, multi­plicação, leitura ao espelho, grupos de letras, reconhecimento de figuras, etc., - a 710 alunos de oitava série. Em pesquisa anterior, Thurstone

Tabela 12.1 Testes selecionados de Thurstone e matriz fatorial rotada •.

Testes Verbal Número Percepção

Sentenças 0,66 0,01 0,00

Vocabulário 0,66 0,02 -0,01

Completamente 0,67 0,00 -0,01

Adição 0,01 0,64 0,01

Multiplicação -0,03 0,67 0,01

Identificação de números 0,06 0,40 0,42

Faces 0,04 0,17 0,45

Le!tura ao espelho - 0,02 0,09 0,36

• As entradas na tabela são chamadas cargas fatoriais. Podem ser interpretadas como coeficientes de correlação.

descobrira que análises apropriadas mostravam que certos conjuntos de testes se agrupavam. Eram correlacionados positivamente, em outras palavras. Na medida em que dois testes se correlacionem positivamente, nessa medida (outras coisas mantidas constantes) eles medem a mesma coisa. Suponhamos que temos três testes e que suas intercorrelações sejam r12 = 0,70, r1a = 0,64, rza = 0,57. Os testes são vocabulário, leitura e escrita de sentenças e completamento de sentenças (quando apresentadas com palavras omitidas). Qual é o elemento comum nestes testes? O que que os faz se correlacionarem tão substancialmente? Thurstone concluiu que era uma capacidade básica associada ao aprendi­zado verbal e materiais verbais. Denominou-a "Verbal" ou "Capacidade Verbal".

206

A tabela 12. 1 dá apenas uma pequena parte dos resultados de Thurstone e Thurstone. Para ilustrar, escolhi apenas três dos seus sete fatores: Verbal, Número e Percepção. Para o que queremos agora, entretanto, eles são suficientes. Os nomes de oito dos 60 testes de Thurstone e Thurstone aparecem no lado esquerdo da tabela. Os números no corpo da tabela são como coeficientes de correlação e são chamados "cargas fatoriais". (Veja definição dada anteriormente.) Quan­to maior o número que acompanha um teste - por exemplo, o teste Vocabulário tem 0,66 sob Verbal, 0,02 sob Número e -0,01 sob Percepção - mais o teste está associado ao fator. Estas cargas indicam que o teste Vocabulário percente ao fator Verbal e não aos fatores Número ou Percepção.

Examine as cargas sob Verbal. Os três testes mencionados acima têm as cargas substanciais de 0,66, 0,66 e 0,67. Os outros cinco testes tê cargas próximas de zero (0,01,- 0,03, e assim por diante) . Um ana­lista deverá concluir que estes testes têm alguma coisa em comum -lembre-se de nossas discussões anteriores sobre correlações, correlações ao quadrado e variância compartilhada. Os três testes medem alguma coisa em comum. Se as cargas fossem 1,00, 1,00 e 1,00 (pouquíssimo provável), o analista concluiria que estariam medindo a mesma coisa perfeitamente. Se as cargas fossem 0,00, 0,00 e 0,00 (também impro­vável), ele concluiria então que não estariam medindo a mesma coisa.

Já que o elemento ou elementos comuns aos três testes que têm cargas substanciais estão claramente associados a palavras, o analista pode concluir oue o " fator" básico comum é capacidade verbal, Assim, é deuominado "Verbal". Raciocínio semelhante aplica-se aos cinco testes restantes e dois fatores. Os testes Adição, Mutiplicação e Indefinição de Números têm cargas substanciais de 0,64, 06,7 e 0,40 no segundo fator. Eles compartilham processos mentais associados a operações numéricas. Assim, o fator é chamado "Número".

Dois dos testes, Faces e Leitura ao Espelho, têm cargas no terceiro fator, Percepção, e em nenhum outro. O teste Identificação de Números, entretanto, tem carga no terceiro fator e também no segundo. Isto quer dizer que é um teste mais complexo. Pode-se dizer que faz parte das essências da Percepção e do Número. Tais casos ocorrem freqüentemente em investigações de análise fatorial.

Alguns elementos de análise fatorial

Se for aplicado um teste duas vezes à mesma amostra de indivíduos, a correlação entre os dois conjuntos de notas deveria ser 1,00. Jamais é 1,00, entretanto, devido aos inevitáveis erros de mensuração. Mas

207

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deverá ser alto, se o teste for fidedigno. Se dois testes medirem a mesma coisa, digamos capacidade verbal, a correlação entre eles, depois de aplicados à mesma amostra de indivíduos, deverá ser alta, ou pelo menos substancial. Embora todos os itens possam ser diferentes - dois testes diferentes de vocabulário, por exemplo- todos eles mais ou menos mos­tram um aspecto da capacidade verbal. Portanto, os indivíduos deveriam respondê-los de maneira semelhante e deveriam ser classificados pelos dois testes quase da mesma forma.

Por outro lado, a correlação entre dois testes que medem coisas muito diferentes, digamos, capacidade verbal e dogmatismo, deveria ficar próxima de zero. Não há relação sistemática entre os dois conjuntos de notas fornecidas pela mesma amostra de indivíduos. Naturalmente, se houve uma relacão no momento desconhecida entre capacidade verbal e dogmatismo - ~ bem pode haver - então deve haver alguma corre­lação, positiva ou negativa, maior que zero entre os dois testes. Pode ser que pessoas mais verbais sejam mais dogmáticas. No momento, entre­tanto, não conhecemos nenhum motivo para que haja uma correlação entre as duas variáveis.

Estas duas condições de correlação estão expressas na figura 12 . 1. Cada círculo representa a variância de um teste, como já se fez anterior­mente. (Aconselhamos o leitor a rever rapidamente os capítulos 4, 9 e principalmente 11. A compreensão da análise fatorial pode ser mat~rial­mente ajudada pela compreensão das relações, correlações, mensuração e variância compartilhada). Consideremos a situação do diagrama rotu­lado (A) . CV 1 representa Capacidade Verbal 1, o primeiro teste de capa­cidade verbal; CV2 naturalmente representa o segundo teste. Os dois círculos, cada um representando a variância de seu teste, se sobrepõem em uma grande área. A situação é comparável à da figura J 1 . 6 do

(A)

r' cv, ,cv,

Figura 12.1

208

c v D

r'cv.o (B)

\

capítulo 11, só que aquela figura era mais complexa. No caso presente, a correlação é cerca de 0,90 porque a maior parte das variâncias dos dois testes é compartilhada: cerca de 80 por cento (r = 0,902 = 0,81). Isto quer dizer que provavelmente os dois testes estão medindo a mesma coisa, capacidade verbal.

A situação na figura 12 . 1. (B) é bem diferente. Nenhuma variância é compartilhada. A correlação entre os dois testes, capacidade verbal (CV) e dogmatismo (D) é zero. Eles medem coisas muito diferentes.

As duas condições representadas na figura 12.1 mostram com que os analistas fatoriais trabalham, a saber, variância compartilhada e os limites dentro dos quais eles trabalham: entre correlação alta ou substan­cial e correlação zero. Eles procuram descobrir as unidades que formam a base dos testes e medidas estudando e analisando as correlações entre os testes, e, partindo das correlações, as variâncias compartilhadas. O método de análise fatorial possibilita-lhes descobrir as variâncias com­partilhadas dos testes e medidas e determinar as relações entre as diversas variâncias compartilhadas. Esta conversa é bastante abstrata. Vamos ser mais concretos e específicos.

Um exemplo fictício, mas não irrealista

Suponhamos que, como Thurstone e muitos outros, eu esteja inte­ressado em "fatores" de capacidade mental. Eu não acredito que capa­cidade mental seja uma coisa unitária, um poéler intelectual geral evi­dente em todo o pensamento e ação humanos. Antes, eu suspeito que haja um número de facetas ou aspectos diferentes de inteligência e que os indivíduos difiram enormemente em várias dessas facetas. Mas sei também que há um limite: deve haver um número relativamente pequeno de facetas e eu quero conhecê-lo. (Uma tarefa difícil, sem dúvida!)

Em nome da simplicidade, suponhamos que o mundo psicológico da inteligência seja bidimensional, mas que ninguém saiba. Vamos supor que uma cientista queira compreender a natureza da inteligência humana e que seja especialista em mensuração psicológica, e que ela acredita que o "mundo" psicológico da inteligência tenha mais de uma dimensão. Vamos supor ainda que ela seja radical em sua crença de que quase todos os psicólogos acreditem que a inteligência seja unidimensional e que, se se puder entender qual seja a "natureza" dessa dimensão e assumindo a competência apropriada, os psicólogos podem medir a inteligência e poderão, com o tempo, entender e conhecer muita coisa a respeito dela.

Antes de continuarmos com o modelo bidimensional, é importante conhecer as implicaÇões do mundo unidimensional da intoligência. Veja-

209

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mos primeiros os testes de inteligência. Suponhamos ~ue houvesse seis testes de inteligência publicados. Se derm~s ou aphcarmos t?dos os seis testes a um grande número de pessoas, d1gamos 300, e depms calcu-

. 1 - ? larmos as correlacões entre todos os testes, como senam a~ corre açoes. Seriam parecidas' com as correlações dada.s. na matriz de ·~o~relações da tabela 12. 2. Todas as correlações são pos1t1vas e substanc1a1s. Todos os seis testes evidentemente medem a mesma coisa, e já que são testes de inteligência, estão medindo inteligência. Os analista_s fatoriais diriam que há um fator a ser derivado da mat:i~ de corr.elaç.ao da .tabela 12. 2. Em outras palavras, fizemos uma anahse {atonal mspec10nal. ~ con­cluímos, porque todas as correlações entre os testes eram po~1t1vas e substanciais - e todas mais ou menos no mesmo grau de magmtude -que há um fator nos dados. E esta conclusão co~bi~a. com ~ .idéia anterior de que a inteligência habita um mundo ps1colog1co umdlmen-sional.

Mas tomemos agora um mundo psicológico bidimensional. Como se pareceria uma matriz de correlação obtida em um mundo como es.se? Vamos voltar à nossa psicóloga radical que acredita que o mundo psico­lógico da inteligência seja bidimensional. Ela crê que todos os testes de inteligência criados até agora são insatisfatórios porque habitaram um mundo unidimensional. Poderiam ser satisfatórios se a inteligência fosse, realmente unidimensional. Ela acredita, entretanto, que não seja; que é bidimensi~nal! A "realidade" de seu mundo da inteligência é muito diferente da "realidade" da crença geral de outros psicólogos. Como poderá demonstrar sua crença e provar que a creriça geral está errada?

Ela acredita que a "entidade" subjacente dos seis testes da tabela 12. 2 seja capacidade verbal, já que o estudo cuidadoso dos testes mostra que todos os seis usam predominantemente itens verbais. Isto é, todos

Tabela 12.2 Correlações entre seis testes em um mundo de inteligência unidi-

mensional.

Testes

2 3 4 5 6

1 1,00 0,62 0,59 0,81 0,67 0,50

2 0,62 1,00 0,47 0,72 0,52 0,49

3 0,59 0,47 1,00 0,69 0,61 0,53

4 0,81 0,72 0,69 1,00 0,47 0,41

5 0,67 0,52 0,61 0,47 1,00 0,52

6 0,50 0,49 0,53 0,41 0,52 1,00

210

\

eles exigem conhecimento verbal, manipulação verbal e raciocínio verbal. Como seria a matriz das correlações se a metade dos testes exigesse um tipo diferente de conhecimento, manipulação e raciocínio, digamos, conhecimento numérico e matemático? A psicóloga prepara três novos testes, um para medir o conhecimento matemático, outro para manipu­lação matemática e o terceiro para raciocínio matemático. Ela administra esses teste e três dos testes verbais a uma amostra de pessoas e inter­correlaciona os seis testes.

Se a crença geral de que inteligência é unidimensional estiver correta, então a matriz correlações que a psicóloga obtiver deverá ser muito semelhante à da tabela 12. 2; isto é, todos os seis testes deverão estar positiva e substancialmente correlacionados uns com os outros. Mas se a crença da psicóloga, de que a inteligência é bidimensional, estiver correta, então como deveria ser a matriz de correlações? Na tabela 12.3, à esquerda, é dada uma "matriz-alvo". Pode ser também

Tabela 12.3 Matriz-alvo e matriz obtida de correlações seis testes de inteligência.•

Matriz-alvo b Matriz obtida c

2 3 4 5 6 2 3 4 5 6

1,00 X X o o o 1,00 0,71 0,64 0,15 0,05 0,02 2 1,00 X o o o 1,00 0,58 0,06 0,11 0,01 3 1,00 o o o 1,00 0,14 0,05 o;1o 4 1,00 X X 1,00 0,59 0,68

5 1,00 X 1,00 0,64

6 1,00 1,00

• Os testes 1, 2 e 3 são testes verbais; os testes 4, 5 e 6 são testes matemáticos. • x: correlação substancial positiva predita; 0: correlação predita O ou perto de O. ' As correlações grifadas são as preditas na matriz-alvo.

chamada "matriz-hipótese", porque expressa essencialmente o que a psicóloga supôs. Os testes 1, 2 e 3 são testes verbais; os testes 4, 5 e 6 são testes matemáticos. As cruzes representam as correlações substan­ciais hipotéticas, e os zeros representam as correlações de zero ou próxi­mas de zero. 1 À direita da tabela 12 .3 é dada a matriz de correlações que ela realmente obteve. As correlações grifadas - 0,71 ; 0,64, 0,58 e

' Na realidade, não se podem esperar correlações zero com medidas de capacidade, porque a maioria delas é correlacionada positivamente, pelo menos até certo ponto. Usamos um tipo esquematizado de exposição, entretanto, para esclarecer as idéias básicas por trás da análise fatorial.

211

~· (I

.. ' . -, . .( ' .

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' '. ~: ... ~ ô:,,' .::.l. r .... _ ....

Page 116: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

assim por diante - são as preditas como substanciais pela matriz-alvo. Todas as outras correlações deveriam estar próximas de zero. 2

Evidentemente a crença ou hipótese da psicóloga está correta. Os testes 1, 2 e 3, os testes verbais, estão positiva e substancialmente correlacionados uns com os outros: r12 = 0,71, r13 = 0,64 e r23 = 0,58. Os testes 4, 5 e 6, testes matemáticos, estão igualmente positiva e substancialmente correlacwnados: r45 = 0,59, r46 = 0,68 e roo = 0,64. E, mais importante, crucial mesmo, as correlações entre os testes 1, 2 e 3 por um lado, e os testes 4, 5 e 6, por outro, são todas baixas ou próximas de zero.

A evidência da tabela 12.3 é fortíssima. Vamos sendo obrigados a crer na validade empírica da teoria da psicóloga. Um único estudo jamais seria suficiente; provavelmente seja apenas sugestivo. Se forem feitos estudos mais cuidadosos e controlados e os resultados forem semelhantes, então a crença é mais obrigatória ainda. Se a teoria da psicóloga continuar firme sob a crítica construtiva e esforç~s delibera~os de mostrá-la incorreta através de pesquisa rigorosa planeJada especial­mente para demoli-la, poderemos então ficar compelidos a aceitar ~ teoria e sua validade. O ponto pertinente a este capítulo é que as tentativas de usar a evidência empírica para apoiar a teoria exigiam análise fatorial -ou algum método comparável - porque a hipótese em estudo é estrutu­ral ou pode até ser chamada espacial: em vez de uma dimensão ou fator de inteligência, há dois.

O exemplo tem aspectos bastante importantes para nos fazer parar para examiná-los rapidamente. O mais importante tem duas facetas. Primeiro, uma vez que atualmente sabemos que a inteligência tem ;ma~s de duas dimensões ou fatores, nenhuma das teorias está correta. A pnmei­ra teoria diz, com efeito, que há uma dimensão ou fator de inteligência. A segunda teoria diz que há dois. Segundo, embora nenhuma das teorias esteja correta, uma é mais "correta" do que a outra, no sentido de que está mais próxima da "verdade", mais próxima da "realidade" empírica. Assim tem sido a história da ciência: melhores aproximações da "verda­de", sem contudo jamais chegar a ela.

Uma abordagem quantitativa e espacial da análise fatorial

As matrizes de correlação das tabelas 12.2 e 12. 3 forneceram a evidência para as conclusões alcançadas no exemplo acima. Todo o nosso

2 São dadas apenas as partes superiores dll:s m~trizcs. 1st? é poss~vcl porque as matrizes são simétricas, i.é., suas metades mferwres (abmxo da dtagonal da es­querda superior à atreita imerior). se dadas. mostrarão as imagens especulares ~a metade de cima das matrizes (acima da diagonal).

212

\

6 523 14

I I I I I I 1 l I ~l I ~_I I o 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1,0

Figura 12.2

raciocm1o foi baseado nas correlações daquelas tabelas. Os exemplos foram simples; foram deliberadamente preparados para o objetivo, da maneira mais simples possível. Geralmente as matrizes de correlação não são tão favoráveis, nem as teorias e hipóteses tão simples. Em grande parte, tais matrizes são complexas demais para serem interpretadas direta­mente. Sua complexidade e tamanho - um estudo das correlações entre 20 testes ou variáveis, número não muito grande na moderna pesquisa comportamental, é o estudo de 190 correlações! - proíbem a interpre­tação dfreta. As correlações e os fatores dizem realmente a mesma coisa, naturalmente, mas as correlações geralmente não podem ser tomadas em sua totalidade, enquanto os fatores freqüentemente podem. A análise fatorial, assim, reduz a complexidade das correlações originais da tabela 12. 2, por exemplo, ao ponto onde podemos representar os testes, como nas figuras 12.2 e 12. 3. O comprimento da linha na figura 12.2 foi arbitrária e convenientemente igualado a 1.00, para que cada teste tenha um índice de sua posição na linha ou dimensão, sendo os valores do índice todos os valores possíveis entre O e 1 ,00, inclusive. 3 ·

Para obter os valores representados na 'linha, as correlações da tabela 12.2 foram analisadas fatorialmente. Em nosso estudo anterior desta matriz de correlaç"o. aprendemos que havia apenas uma dimensão ou fator. Um dos propósitos da análise fatorial foi determinar o valor que teria cada teste na única dimensão da figura 12. 2. Os resultados da análise fatorial continham os seguintes valores para os testes de 1 a 6: 0,87; 0,75; 0,77; 0,87; 0,74; 0,62. (Não precisamos nos preocupar com os cálculos realizados.) Seus lugares na linha ou dimensão da figura 12.2 são indicados por setas com os números ·dos testes afixados. Os seis valores são altos e semelhantes - neste exemplo artificial e improvável.

Os seis valores são cargas fatoriais, índices que mostram o grau de relação entre cada teste e a suposta dimensão subjacente ou fator. Em outras palavras, são as correlações entre cada teste e o fator. Quanto mais alta a carga fatorial, mais o teste reflete ou mede o fator, mais

3 Estritamente falando . os valores nossíveis deveriam incluir os valores negativos. Para maior simplicidade, vamos ignorar temporariamente os valores negativos. De qualquer manetra,· eles não são importan(es no estudo da inteligência, já que quase todas as correlações entre os testes de inteligência são positivas.

213.

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"_representa" o fator, por assim dizer. Cargas iguais ou maiores que 0,40 (as vezes 0,30; às vezes outro critério) são consideradas suficientemente grandes para merecerem interpretação. Obviamente, todas as cargas neste exemplo são substanciais. Isso era de se esperar porque todas as correlações entre os testes foram substanciais. Não percamos mais tempo com este exemplo tão simples. Em vez disso, voltemos ao exemplo mais realístico de duas dimensões da tabela 12. 3.

Decidimos anteriormente, pela simples inspecção das correlações da tabela 12. 3, que havia duas dimensões ou fatores, porque os testes 1. 2 e 3 estavam correlacionados tins com os outros e não com os testes 4, 5 e 6 e que os testes 4, 5 e 6 estavam correlacionadós uns com os outros e não com os testes 1, 2 e 3. E como se tivéssemos um conjunto de testes para medir a inclinação religiosa e outro conjunto para medir aptidão musical. (Supomos que a inclinação e a aptidão não sejam rela­cionadas.) Vamos nos aprofundar mais. A análise fatorial é essencial­mente um método para determinar o número de fatores existentes em um conjunto de dados, para determinar quais testes ou variáveis perten­cem a quais fatores e em que extensão os testes ou variáveis "pertencem a" ou estão "saturados com" o que quer que seja o fator. Se analisarmos fatorialmente a matriz de correlação da tabela 12. 3, obteremos final­mente uma tabela como a dada na tabela 12 .4.

Tabela 12.4 Solução final da análise fatorial dos dados da tabela 12.3.

Testes A a B Tipo de teste

0,83 0,07 Verbal 2 0,79 0,06 Verbal 3 0,71 0,11 Verbal 4 O,Q7 0,77 Matemático 5 0,02 0,74 Matemático 6 - 0,02 0,81 Matemático

• As cargas iguais ou maiores que 0,40 são consideradas significativas. Estão grifadas.

Os dois fatores mencionados na tabela e denominados A e B são "fatores" ou "dimensões" no sentido de que os três testes verbais per­tencem a um fator e três testes matemáticos pertencem ao outro fator. Antes sabíamos disto, naturalmente; os dados da matriz de correlação original estavam tão claros que podíamos facilmente "ver os fatores": eles foram indicados pelo padrão das correlações maiores e menores.

214

\

Na maioria dos casos de pesquisa real, com mais variáveis correlacio­nadas de maneira complexa, não é possível "ver os fatores" como acon­teceu na tabela 12. 3. Em outras palavras, os dados da tabela 12 .4 demonstram o óbvio, o que já sabemos. Foi por isso precisamente que o exemplo foi manufaturado: para demonstrar o óbvio numa tentativa de mostrar o que é análise fatorial e o que faz. '

Repetindo, se as cargas fatoriais são grandes ou substanciais, aceita­mos que os testes ou. variáveis com os quais estão associadas estão "em" aquele fator. Dizemos que o teste está "carregado" em um fator. Por exemplo, os testes 1, 2 e 3 estão "carregados" no fator A, e os testes 4, 5 e 6 estão "carregados" no fator B. Mas as cargas dos testes 1, 2 e 3 no fator B são baixas e insubstanciais e as cargas dos testes 4, 5 e 6 no fator A são baixas e insubstanciais. Em análise fatorial, tanto cargas altas quanto baixas são importantes na interpretação. Pode-se até dizer que a situação "ideal" seria a que possuísse cargas fatoriais altas e baixas e sem valores intermediários. Embora raramente ocorram tais situações, é bom lembrá-las porque elas definem fatores nítidos relativamente não relacionados uns com os outros.

A interpretação da tabela 12.4 é fácil. Já que 1, 2 e 3 são testes verbais, e têm altas cargas no fator A, e já que os testes 4, 5 e 6 têm cargas baixas em A, o fator é obviamente um fator verbal. Nós o

8 (Matemático)

0,1

I I I - 0,4-0,3-0,2 - 0,1

-0,1

- 0,2

- 0,3

- 0,4

Figura 12.3

215

Page 118: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

chamamos, então, "verbal". Análise e raciocínio semelhante se aplicam ao fator B. Nós o chamamos "Matemático". Para esclarecer mais ainda o que diz a tabela 12.4, vamos representar. Isto foi feito na figura 12.3. Dois eixos, A e B, foram colocados em ângulo reto. Lembre-se de que dissemos que os eixos são ortogonais um ao outro. Os valores empa­relhados de A e B da tabela 12.4 são então representados, simplesmente. Por exemplo, o 0,83 do teste 1 em A e o 0,07 do teste 1 em B são representados pelo ponto indicado por "1" no gráfico da figura 12.3. Os cinco pares restantes são representados de modo similar. 4

Os blocos, 1, 2, 3 e 4, 5, 6, aparecem claramente. Estão dentro de um círculo, no gráfico. Os testes 1, 2 e 3 estão bem próximos entre si e também próximos de A, e altos em A; os testes 4, 5 e 6 estão próximos e altos em B. E, muito importante, os dois blocos estão distantes um do outro. Um é tipo A e o outro tipo B. Os dois fatores e os testes que os. "definem" são tipos de entidades muito diferentes. Quando eu examino os três testes de A, para descobrir sua "natureza", o que é, eu vejo que todos os três testes são verbais. Quando eu examino os testes B, por outro lado, descubro que eles compartilham operações, processos e com-preeensão matemática. ·

Este exemplo, naturalmente, é muitíssimo simplificado. A maioria dos domínios nas ciências comportamentais tem mais de dois fatores. Dificilmente estudaríamos apenas seis testes. As verdadeiras correlações e matrizes de correlação raramente são tão favoráveis como esta com a bela estrutura ortogonal que é a figura 12. 3. Geralmente, então, o

4 A justificativa para estabelecer os dois eixos nos quais representar as cargas fatoriais como foi feito na figura 12.3 baseia-se no procedimento matemático que extrai ou calcula os fatores ou cargas fatoriais. A natureza do método é tal que cada fator extraído é independente de todos os outros fatores extraídos. Isto signi­fica que os fatores extraídos estão todos em ângulo reto, uns em relação aos outros. (Substancialmente, por sua vez, isto significa que os fatores são independentes, ou entidades diferentes.) Assim, se desejarmos representar as cargas fatoriais, nós podemos fazê-lo usando eixos em ângulo reto, ou "ortogonais" um ao outro.

Deveria ficar enfatizado que os fatores e as cargas fatoriais da Tabela 12.4 e representados na figura 12.3 são "rotados". O método de extração fornece fatores e cargas "não-rotados", e suas magnitudes geralmente não são prontamente interpretáveis. O que a rotação Jaz, aliás, é colocar o máximo possível de cargas próximas aos eixos que representam os fatores. Observe que, na figura 12.3, os pontos representados estão todos próximos dos eixos A ou B. Na solução original nãoã-rotada esses pontos estavam bastante afastados dos eixos. Por que os pontos devem ficar próximos dos eixos? Quanto mais próximos os pontos estiverem dos eixos, maior a magnitude das cargas naquele eixo; e, já que o segundo eixo é ortogonal ao primeiro, mais baixa ficará a carga no segundo eixo. Note que os testes 1, 2 e 3 estão próximos e assim altos em A e ao mesmo tempo, baixos em 8, e igualmente os testes 4, 5 e 6 estão perto e assim altos em 8 e baixos em A. Em resumo, os fatores e cargas rotados dão solução fatorial mais parci-moniosa e interpretável do que cargas e fatores não-rotados. ·

216

\

B

1,0 -

0,9

0,7 o 0,5

0,4

0,3 -

0,2 o .... "' · -J ::r < ~-. - ~ ~~

!.t.-1 .. c, __ , l.L...:: ~

L.. ·-4.:. ..4..,'

c.'­'"'( (.)

a ~:i t;; :::: r;-.; tO (:U i: 2;

quadro não é tão claro; é mais nebuloso. De fato , o exemplo é irrealístic~' porque testes verbai:-; e matemáticos sempre são positivamente correla­cionados. Na verdade, todos os testes de capacidade são correlacionados positivamente e tais correlações positivas tornam os resultados das análises fatoriais menos claros e menos fáceis de serem interpretados. Se, por exemplo, os testes 1, 2 e 3 da tabela 12.3 estivessem positiva e substancialmente correlacionados com os testes 4, 5 e 6, então o gráfico da figura 12 . 3 seria semelhante ao da figura 12 . 4. Observe que os dois blocos estão mais próximos do que estavam. Estão , também, um pouco distantes dos eixos. Quanto mais altas forem as correlações entre os dois tipos de testes, mais próximos estarão os blocos.

O raciocínio acima, com apenas duas dimensões, se generalizou prontamente para mais de duas, ou k dimensões. Para a maioria das pessoas é fácil visualizar duas dimensões. Muitas podem também lidar com três. Mas qqase ninguém pode visualizar quatro ou mais dimensões. Entretanto, a análise fatorial extrai habitualmente 4 e mais fatores de matrizes de correlação e mostra os resultados de tais análises. É facil­mente possível ter 10 fatores em um estudo, com todos eles ortogonais uns aos outros, isto é, virtualmente independentes uns dos outros, pelo menos no sentido técnico. Por ser totalmente impossível visualizar 10 dimensões ortogonais, não quer dizer que nossa compreensão dos fatores, seu significado e sua interpretação, diminuam!

217

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,. . .

Exemplos de análise fatorial em pesquisa

A discussão até aqui foi separada da realidade da pesquisa, a não ser pela breve referência anterior a Thurstone e seus estudos da inteli­gência. Na verdade, toda nossa discussão tem sido estreita demais porque focalizou-se exclusivamente em inteligência e na análise fatorial dos resul­tados de testes de inteligência. Mas a análise fatorial foi usada com uma ampla variedade de medidas: aptidões, atitudes e valores, traços de personalidade, variáveis ambientais, padrões culturais, traços de honesti­dade e até caixas e xícaras de café! Agora resumiremos e estudaremos três estudos que empregam análise fatorial, precedidos de uma discussão das tentativas em larga escala feitas por Guilford e seus colegas para testar uma ambiciosa teoria sobre a estrutura da inteligência. Foram escolhidos os três estudos por sua variedade e possível interesse intrínseco.

Os estudos de Guilford sobre a estrutura do intelecto

Como já ficou indicado, há várias teorias sobre a estrutura da inteligência - "estrutura" significando, aproximadamente, fatores e suas relações. Em um extremo está a teoria que afirma que inteligência é uma dimensão ampla, chamada inteligência geral. Virtualmente nenhum psicólogo aceita teoria tão simples, embora muitos aceitem a idéia de um fator amplo de inteligência geral mais outros fatores. Em um capítulo anterior, vimos que Cattel (1963), desenvolveu uma teoria na qual duas "inteligências" gerais são propostas: inteligência cristalizada e inteligên­cia fluida.

Talvez a mais radical das teorias sobre a inteligência, e certamente uma teoria controvertida e heuristicamente frutífera, seja o modelo da estrutura de intelecto (EI) proposto por Guilford (1956, 1967). Guilford diz, com efeito, que há muitos fatores de inteligência e especifica qual deve ser sua natureza. A teoria é realmente uma organização de fatores em um complexo sistema de categorias consistindo de três tipos amplos de categorias mentais: operação, produto e conteúdo. Guilford colocou esses três princípios organizadores, ou estruturais, em um grande cubo consistindo em muitos cubos formados pelas intersecções das subclasses do três princípios estruturais gerais.

Esta descrição abstrata talvez não nos ajude muito a compreender a idéia básica de Guilford. Vamos tomar o cubo simplificado da figura 12. 5, que pretende representar uma teoria estrutural altamente simplifi­cada de inteligência como a de Guilford. (Não há "realidade" nesta figura. f: apenas uma conveniência intelectual.) A figura é o cubo mais simples

218

Produto

2

11

Operação

Figura 12.5

• .. J ...

possível, consistindo em 2 x 2 x 2 = 8 cubos. Cada dimensão do cubo · · ' . foi dicotomizada e rotulada A B, I 11 e 1 2. A e B representarão verbal2' ::~' e numérico, I e 11 perceptual e memória, e 1 e 2, relações e implicações.d ~· Estes três tipos de capacidade intelectual são chamados, respectivamente ;;; ~ conteúdo, operação e produto. · w ri..!

>· Pode-se usar o cubo da figura 12.5 -· o cubo de Guilford é muitÕi

mais complexo, naturalme,nte - como um modelo da estrutura da int;i ligência, ou do intelecto. Cada cubo do modelo representa um fator. Por exemplo, AI 1 seria um fator com o conteúdo A, operação I e produto 1. Já que há 8 cubos, há 8 fatores. Em outras palavras, o cubo é um modelo teórico que pode ser usado para criar testes. Por exemplo, pode-se escrever três testes para cada célula do cubo, num total de 24 testes. Estes testes podem ser aplicados em um grande número de crianças, podem ser intercorrelacionados e analisados fatorialmente.

A validade empírica do modelo se apóia nos resultados da análise fatorial. Existem realmente 8 fatores , e sua natureza corresponde à natureza "predita" pelo modelo? Além disso, e muito importante, fatores até agora não descobertos podem ser preditos pelo modelo. Suponhamos, por exemplo, que o modelo tenha um cubo que descreva um tipo de operação ou capacidade mental não encontrados até o momento. Por que não redigir três ou quatro testes para medir a natureza do fator predito, aplicá-los com outros testes a uma amostra conveniente, analisar

219

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fatorialmente os resultados e ver depois se testes novos aparecem juntos em um novo fator? Foi isso que Guilford e seus colegas fizeram, muitas vezes com ótimos resultados. Uma dessas descobertas, ou talvez confir­mações, é o conjunto de fatores que se acreditava estarem, e que até certo ponto se descobriu estarem, associados à criatividade. Foi desco­berto, por exemplo, que uma diferença importante entre as capacidades de pensar é o pensamento convergente e o pensamento divergente e que o último está relacionado com a criatividade. (Pensamento convergente é tipo comum de raciocínio analítico dedutivo. Pensamento divergente está associado com a elaboração, originalidade, flexibilidade, criatividade e respostas fluentes e variadas.)

Como foi destacado antes, a análise fatorial foi usada com as aptidões, atitudes, traços de personalidade e até variáveis de ambiente. Além do mais, não é necessário que as correlações que sejam analisadas fatorialmente sejam calculadas apenas a partir de testes. Nos últimos anos a análise fatorial vem sendo cada vez mais usada com itens, para deter­minar os fatores num único teste ou escala. Tem sido usada também para analisar fatorialmente as correlações entre as pessoas. Daremos exemplos das duas possibilidade depois.

Em outras palavras, o método é mais que um método; é também uma abordagem no sentido de que busca e identifica relações subjacentes entre as variáveis. Neste contexto, os testes são variáveis, os itens são variáveis e até pessoas são variáveis. Os exemplos que serão resumidos representam, cada um, diferentes aspectos da abordagem da análise fatorial a problemas e dados. No primeiro exemplo os pesquisadores buscam os fatores por trás da atitude em relação aos pretos. No segundo exemplo, pessoas foram tratadas como variáveis e analisadas fatorial­mente. E no terceiro e último estudo a ser resumido, os fatores subja­centes a atitudes sociais foram estudados principalmente para testar uma teoria estrutural de atitudes.

Atitudes raciais: o estudo de Woodmansee e Cook

A maioria das pessoas provavelmente concebe o preconceito racial como um fenômeno unidimensional. Indivíduos que diferem no grau de suas atitudes em relação aos pretos, por exemplo, fazem-no numa série contínua de gostar-desgostar. Esta é uma visão muito simplificada. Na verdade, as atitudes em relação aos pretos ou a qualquer grupo étnico são complexas. Há facetas diferentes no gostar ou desgostar de pretos, judeus, russos, norte-americanos ou qualquer outro grupo. O estudo científico das atitudes, portanto, exige o uso de algum método ou aborda­gem que ajude os cientistas comportamentais a determinar o que são essas

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\

facetas. O estudo que vamos examinar agora é um excelente exemplo dessa abordagem.

Woodmansee e Cook (1967), num conjunto de estudos sobre o pre­conceito contra os negros, mostraram inegavelmente qu~ tais ~titudes ~ão multidimensionais. Sem dúvida, qualquer concepção stmplóna de atitu­des étnicas como unidimensionais tem pouquíssimo apoi? da aná~ise fatorial da pesquisa de atitude. Em seus estudos, os dots propósitos principais de Woodma?~ee e Coo~ eram .determinar os _componentes (fatores) de atitudes ractats, em particular atitudes em relaçao aos preto~, e construir uma escala válida e fidedigna, ou, mais exatamente, construtr um conjunto de escalas para medir tais atitudes.

Em seu primeiro estudo, eles administraram. ~~a escala de at.itudes existentes, de 120 itens, a 593 estudantes universttanos norte-a~ertcanos brancos, do Nordeste, Meio-Oeste e Sul. No segundo estudo, revtsara?l. a escala de atitudes com base no resultados do primeiro estudo e admmts­traram a escala a 609 estudantes semelhantes. O terceiro estudo se concentrou em melhorar mais ainda a escala, obter evidência da fide­dignidade e validade da versão final da escala e continuar a investigação dos fatores subjacentes às atitudes em relação aos pretos.

Vamos nos concentrar nos resultados da análise fatorial de Wood­mansee e Cook. Eles encontraram 11 fatores. O quadro multidimensional que eles oferecem é interessante e importante tanto científica quanto pra­ticamente. Vamos ter em mente, quando lermos o que se segue, que cada fator pode ser um modo diferente de percebe~ os ~egros, re~gir a. eles, de ter crenças em relação a eles. Mas antes de trmos mat.s adtan~e, precisamos ver o que são realmente os fa~ores. Tem hav.tdo mm~~ mistério em relação aos fatores e análise {atonal. Algumas cmsas que Ja foram ditas serão necessariamente repetidas, mas tal repetição pode nos ajudar a compreender fatores.

Uma digressão explanatória: o que são fatores?

O que é um fator, no sentido mais comum? Um fator pode ser encarado como refletindo uma determinada ordenação dos itens de uma escala ou teste, ordenação essa com a qual aproximadamente c_oncorda um número suficiente de pessoas de uma amostra que respondeu a escala. Pode ainda ser encarado como um subconjunto dos itens de um teste ou escala, subconjunto esse que é respondido de maneira semelhante por um número suficiente de pessoas. Eis um exemplo simples. Suponhamos que seis pessoas tenham que classificar quatro itens de at~ude ~o~!al em uma escala de seis pontos; elas aprovarão ou desaprovarao as tdetas sociais implicadas ·pelos itens através de notas de 1 a 6, 1 indicando

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pouquíssima aprovação e 6 forte acordo ou aprovação. Os itens serão palavras soltas e frases curtas que se descobriu serem capazes de medir atitudes sociais com validade e fidedignidade. São elas, igualdade para as mulheres, controle de natalidade, propriedade privada, negócios. Deseja­mos descobrir os fatores subjacentes à escala de atitudes de quatro itens. (Não se esqueça de que naturalmente usaríamos muito mais itens e pessoas.)

As seis pessoas responderam à escala como fora indicado, resultando nas médias ou pontos dados na tabela 12. 5. A pessoa 3, por exemplo, desaprovou, ou pelo menos não aprovou, igualdade para as mulheres e controle de natalidade. Deu a cada um deles a nota relativamente baixa de 2. Por outro lado, aprovou fortemente propriedade privada e negócios; deu-lhes 5 e 6 respectivamente. Faça um confronto entre a pessoa 3 e a pessoa 6, que mostraram padrões opostos: aprovação de igualdade para a mulher e controle de natalidade e relativa desaprovação de propriedade privada e negócios. Estes provavelmente sejam os exemplos mais claros da tabela. Os outros membros da amostra deram respostas mais compos­tas e menos claras.

Tabela 12.5 Respostas de seis pessoas a quatro itens de atitude social •.

Pessoas

2 3 4 5 6

Itens

1 Igualdade p/ as mulheres

2 5 6 6

2 3 Controle da Propriedade natalidade privada

2 4 3 2 2 5 6 5 5 3 6 2

4

Negócios

2 2 6 5 4

• Os números na tabela são as notas das seis pessoas para os quatro referentes em uma escala de 1 a 6, 1 indicando muito pouca aprovação e 6 indicando fortíssima aprovação.

Observe agora que os valores das colunas igualdade para as mulheres e controle da natalidade "caminham juntos": quando há um valor alto na primeira coluna, geralmente há um valor alto na segunda e a mesma coisa para os valores baixos. As colunas propriedade privada e negócios também tendem a "caminhar juntas", embora não tão claramente como as notas nas duas primeiras colunas. Isto significa, então, que igualdade para as mulheres e controle da natalidade estão positiva e substancial­mente correlacionadas. As correlações são 0,91 e 0,81. As correlações

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\

ntre as notas das colunas 1 e 3 e 1 e 4 e entre 2 e 3 e 2 e 4 parecem cr baixas; é difícil e mesmo impossível. perceber padrões regulares de

41caminhar jt1nta ". As correlações entre os pares de referentes foram calculadas; estão

na tabela 12. 6. As correlações formam um padrão muito claro, semelhan­te ao padrão da tabela 12. 3, onde foram mostradas as correlações entre seis testes de inteligência. Igualdade para as mulheres e controle da natali­dade estão altamente correlacionadas, como nossa inspeção anterior nos levou a crer. Propriedade privada e negócios estão também altamente

Tabela 12.6 Matriz de correlações entre quatro itens de atitude social.

Igualdade para Controle da Propriedade as mulheres natalidade privada Negócios

Igualdade para as mulheres 1,00 0,91 - 0,15 0,04

Controle da natalidade 0,91 1,00 - 0,23 - 0,11

Propriedade privada - 0,15 - 0,23 1,00 0,81

Negócios 0,04 - 0,11 0,81 1,00

correlacionados. Evidentemente temos dois tipo~ diferentes de referentes: a amostra de pessoas respondeu a eles bem diferentemente. Entretanto, as correlações entre 1 e 3 , 2 e 3 e entre 2 e 3 e 2 e 4 são todas baixas, a maioria baixa e negativa.

A primeira vista, a matriz de correlação da tabela 12.6 significa que há dois fatores separados e distintos, e vamos chamá-los A e B. Em A há dois itens, igualdade para as mulheres e controle da natalidade, e em B há dois itens, propriedade privada e negócios. Parece haver pequena relação entre os dois fatores, a julgar pelas correlações baixas, próximas de zero, entre os referentes de A e os referentes de B (-0,15, 0,04, -0,23, e - 0,11). Diz-se que os fatores são não-correlacionados, independentes ou ortogonais. São duas entidades separadas e distintas. Se fizéssemos uma análise fatorial da matriz de correlação da tabela 12. 6, obteríamos o mesmo tipo de estrutura fatorial que vimos na tabela 12. 4 e na figura 12. 3 .

Os fatores não são mais do que isso. Eles são definidos pelas corre­lações entre os testes ou escalas. Se os resultados dos indivíduos em itens ou testes "caminham juntos"; e11tão, na medida em que haja correlações substanciais entre eles, está definido um fator. A natureza dos fatores é

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definida pelos pesquisadores através de um estudo dos testes, escalas ou itens com cargas altas nos fatores. O resultado final de uma análise fatorial das correlações da tabela 12. 6, a matriz fatorial rotada, é dado na tabela 12.7. Por esta tabela o pesquisador pode tentar deduzir qual é a natureza dos dois fatores. Neste caso, embora a evidência seja frágil­só quatro itens, com dois carregados substancialmente em cada um dos dois fatores - não é difícil deduzir que o fator A é um fator liberal, já que suas duas cargas altas serão associadas a dois itens, igualdade para · as mulheres e controle da natalidade, que expressam idéias geralmente adotadas por liberais. Dispondo de evidência consideravelmente maior, então, poderíamos chamar ao fator "liberalismo". Os itens com cargas substanciais no fator B, propriedade privada e negócios, expressam idéias adotadas geralmente por conservadores. Podemos muito bem, então, chamar ao fator "conservadorismo".

Tabela 12.7 Matriz fatorial rotada: resultado de amUise fatorial da matriz de correlação da tabela 12.6.

Itens

Igualdade para as mulheres Controle da natalidade Propriedade privada Negócios

Fatores A

0,94 0,94

- 0,25 - 0,10

B

0,13 0,00 0,83 0,87

Este exemplo muitíssimo simplificado não deveria nos levar a crer que os fatores são "realidades" e que é sempre fácil interpretar resultados de análise fatorial e dar nome aos fatores . Ao contrário, às vezes é muito difícil. A única "realidade" científica que os fatores possuem vem das correlações entre testes ou variáveis sendo analisados. As cargas fatoriais obtidas são, com efeito, reduções de dados muito mais complexos a tamanhos manuseáveis para que o pesquisador possa interpretar melhor os resultados. ·

A interpretação, entretanto, sempre pode estar errada. Primeiro, uma carga fatorial substancial pode acontecer por acaso. Assim, o analista poderá estar tentando interpretar um resultado ininterpretável. Segundo, um pesquisador pode simplesmente se enganar quando deduzir a "natu­reza" de um fator. Pode ser que em determinada análise fatorial, itens ou testes outros que os usados sejam mais fundamentais dos que os realmente usados. Neste caso os itens usados podem ser apenas um aspecto superficial do fator. É bem possível, por exemplo, que os itens

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propriedade privada e negócios possam ser apenas aspectos superficiais de um fator mais fundamental do que conservadorismo, o nome adotado para o fator. Terceiro, os resultados da análise fatorial podem ser invali­dados por dificuldades e deficiências técnicas. A análise fatorial é com­plexa e tem problemas técnicas complexos. Por exemplo, freqüentemente é difícil saber quantos fatores existem em um conjunto de dados. Se for extraído o número "errado" de fatores, os dados podem levar a con­fusões. Embora os computadores e programas de computadores possibili­tem fazer análise fatorial bastante simplesmente, eles não dão, entretanto, uma resposta realmente satisfatória ao problema do número de fatores .

Em todo caso, deveríamos estar agora em melhor posição para ler e compreender o estudo de Woodmansee e Cook e os outros estudos resu­midos abaixo. Assim, voltemos a Woodmansee e Cook.

Volta a Woodmansee e Cook

Lembre-se de '!Ue W oodmansee e Cook encontraram 11 fatores ou dimensões de atitudes em relação aos negros. Nosso objetivo é entender análise fatorial e fatores e não a substância complexa dos resultados de Woodmansee e Cook. Vamos, portanto, tomar apenas quatro de seus fatores para tentar descobrir o que eles podem significar para podermos compreender a importância da análise fatorial na pesquisa comporta­mental. Suponhamos que um psicólogo social esteja fazendo uma pesquisa sobre a mudança de atitudes em relação aos negros e prepara um experi­mento bem concebido para fazê-lo . . Suponhamos que ele acredite que as atitudes em relação aos negros sejam uma variável relativamente simples, consistindo de idéias estereotipadas sobre os negros e que ele queira transformar essas idéias me percepções mais acuradas. Sua variável dependente, que reflete o que ele quer mudar, é então estereótipos de negros. Suponhamos, ainda, que sua pesquisa não tenha sucesso, isto é, suas variáveis independentes não tenham efeito sobre a variável depen­dente.

Se diversos psicólogos fizerem experimentos semelhantes com os mesmos resultados, poderão concluir que as atitudes em relação aos negros não podem ser mudadas. Esta afirmativa, naturalmente, pode não ser verdadeira. Uma afirmativa mais exata é: " Os estereótipos em relação aos negros não foram mudados e pode ser difícil ou mesmo impossível mudá-los. O ponto é que o pesquisador tirou uma conclusão sobre as atitudes em relação aos negros baseado na evidência obtida sobre este­reótipos de negros. Os estereótipos são apenas uma parte das atitudes, uma dimensão ou fator (e mesmo esta afirmativa pode não ver verdadeira porque os próprios estereótipos podem ter mais de um fator). Assim, é

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possível que relatos de que esta variável independente não tenha tido nenhum efeito sobre aquela variável sejam deficientes, porque "aquela variável" talvez não seja de fato "aquela variável", mas apenas um aspecto dela.

O fator A de Woodmansee e Cook, "Política de Integração-Segre­gação", como o nome indica, centralizou-se nas posições dos sujeitos sobre a conveniência da segregação e integração raciais. Os itens do fator B expressavam "Aceitação em Relacões Pessoais íntimas": até onde os sujeitos aceitariam negros em relações relativamente íntimas inter­pessoais? O fator C, "Inferioridade do Negro", tem sido tradicionalmente associado às atitudes em relação aos negros no sentido em que tais atitudes focalizaram-se na percepção dos negros como inferiores aos brancos. (Outro fator, "Opiniões aviltantes", relacionou-se intimamente com o Fator C.) O fator D, "Superioridade do Negro", é um pouco surpreendente. Seus itens atribuíam características que faziam os negros superiores aos brancos, por exemplo: "Eu acho que os negros têm uma espécie de coragem silenciosa que poucos brancos têm".

Com os fatores restantes não precisamos nos preocupar. A questão é que a análise fatorial das intercorrelações de grande número de itens que Woodmansee e Cook usaram mostraram que as atitudes em relação aos negros const~tuem um domínio complexo de 11 facetas ou fatores que refletem vários aspectos de atitudes em relação aos negros: integração e segregação, relações pessoais, inferioridade do negro, superioridade do negro, e outras. Se alguém quiser, por exemplo, mudar as atitudes em relação aos negros, terá que decidir que aspectos de tais atitudes deverão ser mudados. Certamente as atitudes em relação aos negros estão longe de ser uma variável unidimensional simples. Seu estudo e compreensão requerem, obviamente, uma abordagem multidimensional.

Percepções do comportamento do professor: correlações entre indivíduos

Já ficou dito que as respostas de indivíduos a um instrumento podem ser intercorrelacionadas e analisadas fatorialmente. Esta aborda­gem à pesquisa comportamental chama-se metodologia Q (Stephenson, 1953). :É uma abordagem interessante e potencialmente poderosa, princi­palmente em psicologia. Sua ferramenta básica é o Q-sort, um maço de 40 a 100 cartões, nos quais os itens são datilografados ou pintados. (Desenhos e figuras abstratas, por exemplo.) Os indivíduos são instruídos a arranjarem os cartões separando-os em 10 ou mais pilhas conforme diversos critérios: gostar-desgostar, aprovar-desaprovar, parecido comigo - não parecido comigo e assim por diante. São atribuídos valores diferentes a cada pilha - geralmente de O a 7, 8, 9 ou 10 - e esses

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números são usados para ititercorrelacionar os conjuntos de reGpostas dos diferentes indivíduos uns com os outros.

Em outras palavras, a metodologia Q focaliza-se principalmente nas correlações entre os indivíduos. Se, por exemplo, dois indivíduos respon­dem a uma Q-sort cujos itens são itens de atitudes, digamos atitudes em relação aos negros, e se a correlação entre os arranjos feitos por eles for alta, então suas atitudes em relação aos negros são semelhantes. Além disso, se um número suficiente de indivíduos responde ao mesmo Q-sort, as respostas ao Q-sort podem ser intercorrelacionadas e analisadas fatorialmente. Os fatores resultantes são chamados fatores de pessoas (persons factors) . Vamos examinar resumidamente um estudo que usou esta . interessante abordagem.

Sontag (1968), para estudar a relação entre as atitudes dos professo­res em relação à educação, sua variável independente, e suas percepções dos comportamentos de professores, sua variável dependente, construiu um Q-sort para descrever os comportamentos dos professores. Alguns dos itens são dados abaixo. Sontag acreditava que os julgamentos dos pro­fessores sobre a desejabilidade dos diversos comportamentos de professo­res é influenciada por suas atitudes básicas em relação à educação. Por exemplo, um professor cujas atitudes são "progressistas" conside­raria um certo conjunto de comportamentos de ensino desejável, enquanto que um professor "tradicional" consideraria desejável outro conjunto de comportamentos.

De fato, Sontag descobriu que professores progressistas e tradicio­nais, medidos por outros instrumento planejado para medir tais atitudes, discordavam em suas percepções de comportamentos desejáveis de ensino. Nosso interesse, entretanto, se concentra apenas nos fatores que ele obteve com o Q-sort de comportamento de professor. :É possível deter­minar os itens de um Q-sort aos quais as pessoas de um fator de péssoa­-pessoas que se correlacionam altamente umas com as outras - têm reações comuns ou semelhantes.

Sontag descobriu quatro de tais fatores tanto no primeiro como no segundo graus de ensinO. Itens selecionados dos arranjos fatoriais, associa­dos com o ensino de professores de segundo grau, juntamente com os nomes que Sontag lhes deu, são vistos na tabela 12. 8 .

O leitor poderá talvez fazer uma idéia da natureza desses fatores lendo os itens algumas vezes. "Preocupação com os Estudantes" está obviamente centralizado no aluno: para os professores que acham esses comportamentos desejáveis, as necessidades e pontos de vista dos alunos parecem soberanos. " Estrutura e Assunto", por outro lado, está centralizado nas coisas ensinadas: para os professores que os acham desejáveis, . o conhecimento, a competência, a disciplina e o planejamento e estrutura do ensino parecem importantes. A análise

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fatorial das percepções das pessoas sobre os comportamentos de ensinar, no estudo de Sontag, resultou em preciosa, compreensão das diferentes percepções do ensino.

Tabela 12.8 Itens selecionados de arranjos de fatores de comportamento de ensino de segundo grau, estudo de Sontag com metodologia Q.

"Apresentação Geral do Assunto" Apresenta aulas bem planejadas. Em suas apresentações mostra bom conhecimento do assunto. Aproveita-se do interesse do aluno ao preparar as aulas.

" Preocupação com os alunos" Mantém suas promessas com os alunos. Ensina os alunos a serem sensíveis às necessidades dos outros. Mostra interesse pelo ponto de vista dos alunos.

"Estrutura e Assunto" Transmite aos alunos o quanto gosta do assunto. Desperta a atenção dos alunos durante as aulas. Em suas apresentações mostra bom conhecimento do assunto.

"Normas e Regras" Enfatiza o respeito pelos colegas tanto quanto pelo professor. Ajuda os alunos a serem construtivamente críticos em sua abordagem do assunto. Ensina o respeito por todos os grupos étnicos.

Testando uma teoria de atitudes sociais

Décadas atrás houve muita pesquisa sobre as atitudes gerais ou ideologias do conservadorismo e liberalismo. Estes conjuntos de atitudes "existem" realmente? ~ possível categorizar pessoas, escalas e itens como "conservadores" e "liberais"? Alguns psicólogos parecem acreditar que atitudes sociais são complexas demais para que permitam ser assim categorizadas. Mais importante, há exceções demais. Por exemplo, muita gente adota uma mistura do que pode ser chamado ponto de vista conser­vador e liberal. Além do mais, alguns cientistas sociais acreditam que muitas pessoas simplesmente "não têm" atitudes, por terem pouco conhe­cimento de questões econômicas, políticas e educacionais.

Minhas próprias pesquisas (Kerlinger, 1972b; Kerlinger, Middendorp & Amón, 1976) parecem indicar que, sem dúvida, o conservadorismo e o liberalismo "existem", no sentido de que itens e fatores de pessoas conser­vadoras e liberais foram repetidamente encontrados em partes diferentes dos Estados Unidos e em dois países europeus. O quadro é mais ou menos o seguinte: os liberais acreditam que os programas de bem-estar social deveriam ser fortes, que negros e mulheres deveriam ter igualdade total, que as rendas deveriam ser taxadas progressivamente, que os negócios deveriam ser regulamentados e que deveria ser permitido às mulheres praticar o aborto, se desejarem. Os conservadores, por outro lado, enfa-

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tizam a importância da religião e da igreja, expressam fé no capitalismo, na propriedade privada e nos negócios, adotam a disciplina e o dever e acreditam que as relações sociais devem se apoiar na autoridade. Há muitas exceções, mas estes dois quadros em geral se conformam à "realidade" da pesquisa. São muito mais complicados ainda, natural­mente, mas as descrições gerais são exatas.

Do ponto de vista do presente sumário da pesquisa, entretanto, existe outra crença popular - endossada também por cientistas sociais -que tem implicações teóricas e práticas importantes: que o liberalismo e o conservadorismo foram uma única dimensão de atitudes sociais, com liberais extremos, até radicais, de um lado, e conservadores extremos, até reacionários, do outro. Da mesma forma, os conceitos sociais e as questões estão dentro desta única dimensão. Naturalmente há cientistas sociais que acreditam que as atitudes sociais são mais complexas, que há vários fatores do liberalismo-conservadorismo. Entretanto, os vários fato­res são ainda concebidos como contendo questões e crenças tanto liberais quanto conservadoras. Em outras palavras, o conservadorismo e o libe. ralismo são considerados como que apoiados em uma mesma dimensão, ou únicas dimensões, que têm tanto questões conservadoras quanto libe. rais (ou gente) nas mesmas dimensões. Neste ponto de vista, conservado­rismo e liberalismo, conservadores e liberais, são concebidos como opos­tos: o que um aceita o outro rejeita. É a isso que se chama concepção bipolar. Uma dimensão bipolar é a que tem duas extremidades, uma positiva e outra negativa.

Anos atrás questionei essas idéias porque ·os resultados de minhas pesquisas pareciam contradizê-las, ou no mínimo lançar sérias dúvidas sobre elas. Depois de trabalhar com essas idéias e pesquisar mais. publiquei o que chamei teoria de atitudes dos referentes criteriais (crite~ rial referents theory of altitudes) (Kerlinger, 1967). Essa teoria pode ser chamada uma teoria estrutural, porque esboça a estrutura fatorial geral e algumas das características das atitudes sociais. Contradizia a validade da concepção bipolar das atitudes sociais e dizia que o conservadorismo e o liberalismo eram "ideologias" separadas e distintas, ou grandes conjuntos de crenças, não necessariamente opostas uma à outra. (O radi­calismo de direita ou de esquerda foi excluído de consideração, embora ficasse dito que as atitudes podem ser bipolares no quadro de referência do radicalismo.) Isto significa que há conjuntos de indivíduos que têm atitudes predominantemente conservadoras ou predominantemente liberais em relação a questões sociais, mas que indivíduos conservadores não se opõem necessariamente a colocações liberais, e indivíduos liberais não se opõem necessariamente a colocações conservadoras. Em resumo, é negada a crença comum de bipolaridade e afirmada uma vida distinta e separada tanto para o liberalismo quanto para o conservadorismo.

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A teoria é muito maior, naturalmente, mas isto é suficiente para ilustrar o uso da análise fatorial, neste caso para testar uma teoria estru­tural de atitudes. A teoria foi testada um certo número de vezes nos Estados Unidos, usando escalas de atitudes que consistiam de itens de sentenças - por exemplo, "A primeira preocupação de qualquer socie­dade é a proteção dos direitos de propriedade" (conservadora) e "É pre­ciso haver controle de natalidade mais efetivo se o mundo quiser resolver seus problemas sociais e políticos" (liberal) -e itens referentes (palavras e frases curtas expressando idéias sociais) - por exemplo, " propriedade privada", "competição" (conservadoras) e "igualdade", "medicina sociali­zada" (liberais). As escalas foram aplicadas a grandes grupos de indi­víduos em partes diferentes do país e as correlações entre os itens foram analisadas fatorialmente.

Os resultados das análises fatoriais foram altamente semelhantes em quase todas as amostras. Foram obtidos seis ou mais fatores, e na maioria dos casos itens liberais apareceram juntos em certos fatores e itens conservadores apareceram juntos em outros fatores. Os dois tipos de itens raramente apareceram juntos nos mesmos fatores. Já que os fatores são relativamente independentes uns dos outros, parece que libe­ralismo e conservadorismo, conforme definidos pelos itens, são entidades separadas e distintas. Além disso, uma chamada análise fatorial de segun­da ordem, uma análise fatorial das correlações entre os próprios fatores, mostrou que os fatores com itens liberais eram correlacionados positiva­mente e igualmente os fatores com itens conservadores. Houve pouca evidência nesses estudos de bipolaridade, isto é, itens liberais aparecendo com cargas negativas em fatores conservadores e itens conservadores aparecendo com cargas negativas em fatores liberais. Os estudos O também apoiaram os resultados acima sumarizados. A teoria estrutural, então, parece ser apoiada pela evidência desses estudos.

Para dar ao leitor uma idéia dos resultados obtidos nesses estudos, os arranjos fatoriais de um dos mais recentes deles (Kerlinger, 1972) são dadas na tabela 12. 9. O principal propósito do estudo foi testar a teoria dos referentes criteriais descrita acima, usando os próprios refe­rentes como itens. Outro propósito foi entender melhor a natureza das atitudes sociais determinando através da análise fatorial os fatores subja­centes às atitudes sociais. Os dados da Tabela 12.9 servem a este propósito.

Uma escala de atitudes sociais de 7 pontos e 50 itens de palavras e frases curtas (veja tabela 12. 9) , todas presumivelmente relacionadas a atitudes sociais, foi administrada a amostras de estudantes pós-graduados em educação em Nova Iorque, Carolina do Norte e Texas. Embora os dados de cada um desses estados fossem analisados separadamente, as

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amostras do Texas e Carolina do Norte foram combinadas para formar uma amostra grande (N = 530), dando assim resultados de análise fatorial de maior confiança. (A análise fatorial exige amostras grandes, principalmente por causa dos erros de mensuração e muitas variáveis estarem sendo analisadas.) Os resultados da amostra de Nova Iorque

Tabela 12.9 Fatores de atitude social, itens referentes e cargas fatoriais, amostra combinada de Carolina do Norte e Texas, N = 530 •.

Fatores conservadores

Religiosidade

Religião (0,78) Igreja (0,73) Fé em Deus (0,72) Cristão (0,69) Ed. religiosa (0,57) Ensinamento de valores espirituais (0,53) Padrões morais em educação (0,36) Patriotismo (0,33)

Fatores liberais

Direitos civis

Negros (0,60) Dir. civis (0,57) Integração racial (0,57) Tudeus (0,46) Desagregação (0,43) (Pureza racial ( - 0,37))

Tradicionalismo educacional

Conteúdo (0,59) Educação como. treino intelectual (0,52) Disciplina escolar (0,44) Grupos homogêneos (0,30)

Educação centralizada na criança

Interesses da criança (0,56) Currículo centrado na criança (0,54) Personalidade do aluno (0,54) Auto-expressão das crianças (0,47) Interação dos alunos (0,44) Liberdade da criança (0,37)

Conservadorismo econômico

Livre empresa (0,62) Imóveis (0,53) Propriedade privada (0,43) Capitalismo (0,37) Soberania nacional (0,30) (Conhecimento científico (0,30))

Liberalismo social

Segurança social (0,53) Suprema Corte (0,50) Ajuda federal para a educação (0,49) Medicina socializada (0,47) Nações Unidas (0,43)

• As cargas são dadas entre parênteses. As cargas 0,30 ou maiores foram conside­radas si1mificativas. Os dois referentes entre parênteses são um item L carregado em um fator C e um item C carregado em um fator L.

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foram usados para comparar com os resultados das amostras combinada~ do Texas e Carolina do Norte. Estamos preocupados apenas com a amostra combinada. Os dados foram analisados fatorialmente e foram extraídos seis fatores das intercorrelações dos 50 itens referentes. Os resultados da análise fatorial estão dados na tabela 12. 9.

Três dos seis fatores tinham itens conservadores, segundo fora previamente determinado, e três fatores tinham itens liberais, também segundo determinações prévias. Esta determinação de liberal e conser­vador é, naturalmente, importante. Os julgamentos foram feitos com base na literatura sobre pesquisas anteriores em conservadorismo e liberalis­mo (Hartz, 1955; Kirk, 1960; Rossiter, 1962), pesquisas anteriores, antologias de medidas de atitudes (Robinson, Rusk & Head, 1968; Robinson e Shaver, 1969; Shaw & Wright, 1967), e experiência e conhecimento. Não é difícil ver que livre empresa, religião e conteúdo são referentes conservadores e que direitos civis, igualdade e medicina socializada são referentes liberais. Em todo caso, a maioria dos referen­tes designados como conservadores e liberais resultaram ser empírica­mente "corretos', no sentido de que se agrupavam em fatores predomi­nantemente conservadores ou liberais, como fora predito pela teoria.

Vale a pena estudar a tabela 12. 9. Note primeiro que, com apenas uma exceção, pureza racial no fator Direitos Civis, não há cargas nega­tivas na tabela. Segundo, todos os itens em qualquer arranjo fatorial ou são conservadores ou são liberais, mas não ambos. Por exemplo, todos os itens do fator "Liberalismo Social" são itens liberais, enquanto que todos os itens no fator "Conservadorismo Econômico" são conser­vadores, com uma possível exceção, conhecimento científico.

Terceiro, e mais importante do ponto de vista deste capítulo, note o tema comum o caráter de cada fator. Você concorda com o nome dado? Tem nome melhor? Note, por exemplo, que um item, segurança nacional, não se encaixa direito no fator "Conservadorismo Econômico". Então, "Conservadorismo Econômico" não é correto? (Nem sempre se conseguem fatores "perfeitos", naturalmente). Conhecimento científico parece não combinar. A . coisa principal a notar, entretanto, é que a maioria dos itens, às vezes todos, participam de uma idéia central, algum núcleo de significado de atitude que possibilita identificar o fator. Além do mais, já que os primeiros três fatores participam da característica geral de terem itens conservadores, pode-se especular que existe um fator "geral" de conservadorismo. Da mesma forma, talvez nos últimos três fatores, cujos itens são todos liberais, definam um fator geral de liberalismo. A evidência .deste estudo e outros, mesmo na Espanha e na Holanda, onde foram feitos estudos semelhantes (Kerlinger, Midden­dorp & Amón, 1976) indicam que assim é.

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Análise fatorial: uma apreciação

Os cientistas buscam explicações para os fenômenos . Como destaca­mos várias vezes, neste livro, a única maneira de explicar alguma coisa é dizendo o que se relaciona a ela. Antes de podermos estudar as relações entre as variáveis, precisamos saber o que são as variáveis; precisamos saber alguma coisa a respeito do fenômeno que queremos estudar. Isso parece tão óbvio que nem seria necessário mencionar. Mas não é óbvio; na verdade, acontece que é extremamente confuso e difícil. Os psicólogos desejam explicar a inteligência, assim como usá-la como variável para ajudar a explicar outros fenômenos psicológicos. Para explicar inteligên­cia, entretanto, eles precisam ter uma idéia do que querem dizer com inte­ligência. Isso significa conhecer alguma coisa das categorias, dos tipos de inteligência que formam o que é conhecido como " comportamento inteligente" (comportamento inteligente deve, por sua vez, ser definido constitutiva e operacionalmente). '

Estes problemas formam um conjunto dos problemas mais difíceis para a compreensão das ciências comportamentais. (Acho difícil até enunciar o problema de sorte a poder entendê-lo antes de tentar expli­cá-lo.) Como sempre, tomemos um ou dois exemplos. Neste capítulo vimos que Guilford criou uma classificação muitíssimo complexa de tipos de inteligência. Seu sistema de classificação - formalmente uma taxinomia - forma com efeito uma teoria da inteligência, ou pelo menos os elementos e bases de uma teoria da inteligência. Ele usou três tipos de categorias- operação, conteúdo e produto- cada um com subcate­gorias. As combinações dessas categorias e subcategorias " prediziam" aspectos do comportamento inteligente. Guilford e seus colegas criaram itens e testes que pareciam derivar dessas " definições", aplicaram-nos a amostras convenientes de pessoas e depois usaram análise fatorial para testar a adequação da concepção teórica. Os fatores que Guilford predisse aparecem da forma como ele disse que apareceriam? Os itens e testes aparecem nos fatores preditos por Guilford?

Compreender os fenômenos depende em parte da taxinomia. Taxino­mia é a disciplina da classificação. Todas as ciências têm alguma espécie de taxinomia ou sistema de classificação. Classificar coisas quer dizer colocá-las em categorias. Mas que categorias? De onde vêm as categorias? Uma das principais tarefas da ciência é inventar taxinomias adequadas aos fenômenos ou variáveis da ciência - e então testar a validade empírica dos sistemas taxinômicos . A análise fatorial é provavelmente o método mais importante de realizar este teste e também explorar o mundo de variáveis da ciência para descobrir, ou antes, conseguir "dicas", para sistemas taxinômicos. Foi isto que Thurstone e Guilford fizeram em sua busca dos fenômenos de inteligência e o que eu fiz

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te!ltando compreend•.!r atitudes soc1a1s. Sem análise fatorial, natural­mente, essas tentativas teóricas e empíricas de compreender fenômenos complexos seriam impossíveis ou no mínimo, muitíssimo difíceis.

A análise fatorial é, então, um instrumento básico da ciência com­portamerital, concebido inicialmente apenas como instrumento explora­tório, um método para "descobrir" ou "encontrar" fatores, e que agora sabemos ser muito mais. Agora nós a concebemos e a usamos para testar a validade empírica de teorias fundamentalmente estruturais ou taxinômicas. Como tal, é fundamental e indispensável. É uma abordagem importantíssima e um instrumento analítico para compreender o material básico de uma ciência: seus fenômenos e suas variáveis.

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13. A abordagem multivariada: correlação canônica, análise discriminante e análise de estruturas de covariância

A maior parte da discussão da pesquisa neste livro foi dominada pela idéia de uma variável dependente. Voltando à discussão dos experi­mentos, vamos notar que uma única variável dependente, um só efeito foi influenciado por uma ou mais variáveis independentes. Pode-se dizer que a maioria das pesquisas nas ciências comportamentais teve apenas uma variável dependente, ou pelo menos uma variável dependente por vez. Até o método de regressão múltipla, com suas muitas variáveis independentes, tem apenas uma variável dependente. (A análise fatorial é diferente: geralmente não pensamos em variáveis dependentes ou inde­pendentes em estudos de análise fatorial, embora possamos pensar, se quisermos.) Ficamos então, limitados a apenas uma variável dependente? Não, de forma nenhuma.

Não há motivo para não estendermos nossa investigação a mais de uma variável dependente e mais de uma variável independente. As vezes há motivos práticos imperiosos para limiiarinos o número de variáveis em pesquisa, mas, pelo menos conceitualmente, não precisamos nos limitar tanto. Na verdade, podemos considerar toda pesquisa, não impor­tam quantas variáveis e de que espécie, como sendo casos especiais do caso geral único de k variáveis independentes e m variáveis dependentes, k e m sendo quaisquer números. A pesquisa multivariada é, então, aquela em que haja mais de uma variável independente ou mais de uma variável dependente, ou ambas. O termo usado comumente é "análise multivariada", que é uma família de formas de análise semelhantes à análise de regressão múltipla, só que há mais de uma variável dependente. Neste livro, vamos considerar também a regressão múltipla como parte da família da análise multivariada, embora apenas com uma variável dependente.

Sem dúvida, os métodos multivariados são complexos e, às vezes, difíceis de entender, em parte por causa dos terríveis aparatos de símbo­los matemáticos e estatísticos que o estudante em potencial tem que saber. O ideal seria _que se conhecesse o cálculo diferencial para compre­ender a regressão múltipla e outros métodos multivariados. Mas pode-se

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chegar a uma compreensão satisfatória sem o cálculo. Pode-se até enten­der os métodos multivariados sem se conhecer os símbolos e a álgebra de matrizes. Mas não se pode entender a pesquisa comportamental contemporânea sem um bom entendimento dos métodos e abordagens multivariados. Os motivos se tornarão evidentes à medida que entrarmos no assunto.

Alguns exemplos experimentais multivariados

No capítulo 7 discutimos um experimento interessante de Berkowitz (1959), no qual se buscava uma resposta à seguinte pergunta: Os anti­semitas deslocam agressão para os judeus quando sua hostilidade é deflagrada? Vamos estender o experimento univariado de Berkowitz (uma variável dependente) de maneira multivariada. Suponhamos que tenha sido demonstrado que a deflagração de hostilidade produz um deslocamento de agressão em direção aos judeus entre os anti-semitas. Com uma extensão do raciocínio teórico, podemos perguntar se a defla­gração de hostilidade produz também agressão direta ou aberta contra os judeus. Há agora duas variáveis dependentes, agressão deslocada e agressão aberta, e duas variáveis independentes, deflagração de hostili­dade e anti-semitismo. Isto seria um experimento multivariado com duas variáveis independentes e duas variáveis dependentes.

f: muito possível, naturalmente, testar o efeito da deflagração de hostilidade nas duas variáveis dependentes separadamente. Tal procedi­mento seria semelhante aos descritos antes. Em vez de um experimento, dois . Em um deles seria avaliado o efeito da deflagração de hostilidade e anti-semitismo em agressão deslocada. No outro, seria avaliado o efeito da deflagração de hostilidade em agressão aberta. Por que não fazer dois experimentos? Por que nos preocuparmos com um experimento multivariado consideravelmente mais complicado? Vamos agora tentar responder essas perguntas, embora devamos confessar podermos dar apenas respostas parciais.

Vamos considerar a experimentação educacional voltada para estudo dos efeitos de diferentes métodos de ensino sobre a realização. Vamos voltar ao estudo de Clark e W alberg, por exemplo, em que foi estudado o efeito do reforçamento maciço e regular sobre a realização em leitura. Não vamos nos esquecer ele que o reforçamento maciço teve efeito consi­deravelmente maior sobre a realização em leitura do que o reforça­menta regular. Qual seria o efeito do reforçamento maciço sobre a realização em matemática? O mesmo? Ou talvez diferente? Aqui nova­mente podem ser feitos dois experimentos, cada um com uma variável dependente diferente. É possível, entretanto, obter-se uma resposta

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melhor à questão da pesquisa sobre o efeito do reforçamento sobre a realização, incluindo ambas as variáveis em um experimento. Por quê? Qual poderá ser a vantagem? Uma resposta é que os métodos de reforça­menta podem afetar os dois tipos de realização diferentem"ente e que as diferenças podem não surgir nos dois experimentos e surgir em um experi­mento que inclua ambas as variáveis dependentes.

Há muitas situações práticas em que indivíduos têm que ser "designados" para grupos diferentes com bas·e em seu nível diferente de traços, capacidades, experiência e assim por diante. Por exemplo, nas escolas as crianças são "designadas" para grupos de aprovados e repro­vados com base em seu esforço e realização. Candidatos a emprego em uma companhia são designados para grupos de contratados e não contratados com base em sua capacidade e experiência. Os psiquiatras designam pessoas mentalmente doentes para categorias como neurótico, esquizofrênico e maníaco-depressivo, com base em testes e observações. Nestes casos o pesquisador considera o pertencer ao grupo como a variável dependente e os vários testes e outros aparatos como variáveis independentes. Embora haja apenas uma variável dependente, como na análise de regressão múltipla, os métodos de análise empregados em tais situações são considerados e denominados análise multivariada.

Um último exemplo mais complexo antes de entrarmos em maiores detalhes. Roe e Siegelman (1964) acreditavam que experiências no início da vida levavam a diferenças posteriores em orientação para pessoas. Seu interesse em orientação partia da suposição de que a orientação para pessoas influenciava os interesses por diversas ocupações. Um indivíduo fortemente orientado para pessoas, mais provavelmente se tornaria um professor, ou um aconselhador, por exemplo. Para testar a hipótese, aplicaram dois conjuntos de testes a diversos alunos de quarto ano de faculdade. O primeiro conjunto media variáveis associadas ao ambien­te familiar, primeiras experiências de atividades sociais, proximidade de mãe e pai, interesse e energia que pai (ou mãe) demonstravam em atividades outras que o trabalho e a família. As variáveis do segundo conjunto refletiam a orientação em relação a pessoas, por exemplo, curiosidade em relação a pessoas, desejo de relações pessoais íntimas, calor humano e sociabilidade. Sua hipótese era que relacionamentos intensos e satisfatórios no início da vida resultavam em adultos princi­palmente orientados para pessoas, enquanto relacionamentos inadequa­dos e insatisfatórios resultavam em adultos orientados para aspectos não pessoais do ambiente.

Esta pesquisa é multivariada porque tem diversas variáveis inde­pendentes e diversas variáveis dependentes. O problema é como estudar a relação entre elas. A coisa mais óbvia a fazer é simplesmente correia-

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cionar cada uma das variáveis independentes com cada variável depen­dente _e _então estu?~r as muitas correlações. Se as primeiras experiências de atlvidades sociais se correlacionam altamente com, digamos, uma medida de orientação em relação a pessoas, - isto é, quanto mais cedo a experiência de atividade sociais, maior a orientação para pessoas -, então provavelmente os pesquisadores poderão co"!lcluir que as primeiras experiências influenciam a orientação posterior. Pode-se ainda calcular toda:, as correlações entre todas as variáveis e analisar fatorialmente as correlações. Esta pode ser uma boa maneira de atacar o problema porque os resultados da análise fatorial deveriam mostrar &s relacões entre as primeiras experiências e as orientações. '

. Outro meio de abordar o problema analítico, um meio mais apro­pnado porque seus resultados irão referir-se diretamente à hipótese original, é calcular um índice composto para as variáveis independentes e outro índice composto para as variáveis dependentes, e correlacioná-los. Foi este o método usado por Roe e Siegelman. 1 A correlacão entre os dois índices compostos, calculada de forma a aumentar ~ correlacão entre os dois conjuntos de variáveis, 8 medidas para cada conjunto, ,foi de 0,47. Esta correlação canônica, como é chamada, foi estatisticamente s~~ni~icante, i~dican~o uma relação moderada entre as primeiras expe-nencias e a onentaçao para pessoas. ·

O método possibilita ao pesquisador, além de obter a correlacão total entre os dois conjuntos de variáveis, obter estimativas das influên­cias relativas das variáveis separadas nos índices compostos. No caso presente, a variável independente mais influente foi a variável chamada "P~i~eiras experiências de atividades sociais", e a variável dependente mais Importante foi a chamada "Orientação para pessoas" , calculada de es~ala a~ropriada e itens de inventário. A hipótese de Roe e Siegelman foi confirmada, uma vez que a correlação canônica foi estatisticamente signif}ca?te. Alér;n do mais, foi obtida informação sobre quais variáveis contnbuuam mms para a correlação entre os dois conjuntos de variáveis.

O método ora descrito é chamado análise de correlação canônica. É o mais geral dos métodos multivariados, no sentido de que outros métodos multivariados podem ser considerados casos especiais de corre­laç~o canônica. 2 É igualmente poderoso e elegante, embora a interpre­taçao de seus resultados possa ser difícil e até ambígua. (O porquê

1 A análise relatada aqui foi feita, na verdade, por Cooley e Lohnes (1962, pp. 40-44). 2 A afirmativa é um pouco inadequada. Uma afirmativa mais satisfatória é que quase to~os os métodos anolíticos multivariados são casos especiais do chamado mod~Io lmear - e a análise de correlação canônica é um dos métodos mais gerais de modelo linear. Isto significa, com efeito, que ela analisa virtualmente

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disto não poderá ser explicado aqui porque a explanação exige recursos técnicos além da finalidade do livro. Em geral, quanto mais complexa uma análise, mais difícil a interpretação.) Para dar ao leitor maior idéia e compreensão do método, inventamos um exemplo fictício e o vestimos com variáveis relacionadas à aprendizagem de língua estrangeira. Deve ser enfatizado, entretanto, que o exemplo é inteiramente fictício. Aliás, eu não conheço nenhuma pesquisa real que sequer seja semelhante ao problema e suas variáveis.

Análise de correlaçtío canônica: um exemplo fictício

Vamos recordar a discussão sobre regressão múltipla: havia k variáveis independentes e sempre uma variável dependente. Suponhamos que no estudo de uma língua estrangeira um psicólogo-lingüista esteja interessado nas capacidades que contribuem para falar um idioma estran­geiro. Ele acredita que três variáveis importantes têm influência no aprendizado de uma língua estrangeira: memória, vocabulário e cognição de relações. (Vamos tomar essas variáveis pelo que significam à primeira vista, menos a última, que podemos tomar aqui como a capacidade de apreender as conexões entre itens de informação.) Ele aplica testes das três variáveis a 200 indivíduos que estudaram italiano durante um ano. Além disso, ele dá notas de fluência no falar a língua a cada indivíduo, notas essas fornecidas por especialistas de língua italiana a partir de observações e testagem sob condições controladas. Fluência em falar a língua, então, é a variável dependente. ·

O pesquisador analisou as notas dos três testes e as observações sobre a fluência com análise de regressão múltipla. As notas de 8 dos sujeitos estão dadas na tabela 13. 1. (Vamos supor que os cálculos dados aqui foram feitos com todos os 200 sujeitos. Usamos 8 notas por conveniência.) As notas dos três testes, as variáveis independentes, estão sob X1, X2 e Xa. A fluência ou nota de linguagem falada estão na coluna Y1. A análise de regressão múltipla produziu um coeficiente de correlação múltipla, R, entre um índice (composto) de regressão das três variáveis independentes e a variável dependente de 0,37. O pesquisa­dor ficou desapontado: ele esperava que mais de 0,372 = 0,14 (R2), ou 14 por cento da variância de Y fossem explicados pelas três variáveis independentes.

qualquer tipo de dados com k variáveis independentes e m variáveis dependentes, extrai fatores dos dados, avalia as relações dentro e entre as variáveis dependentes c independentes e especialmente a máxima correlação possível entre índices com­postos das variáveis dependentes e independentes.

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Tabela 13.1 Notas ficticias em três medidas de variáveis independentes de capaci­dades relacionadas a linguagem e duas medidas dependentes de competência na língua (italiano).

Variáveis independentes Variáveis dependentes

Pessoas Memória Vocabulário Relações Falar Ler x, x, x, X y, y, y

1 12 9 9 10,00 11 10 10,50 2 10 8 11 9,67 9 8 8,50 3 14 11 11 12,00 9 9 9,00 4 21 10 8 13,00 7 7 7,00 5 24 19 20 21,00 12 14 13,00 6 18 16 21 18,33 14 12 13,00 7 15 17 14 15,33 7 15 11,00 8 20 14 10 14,67 18 16 17,00

Ele teve uma idéia então. Talvez as três vanaveis independentes fossem mais relacionadas à aprendizagem de leitura de uma língua estrangeira. Felizmente ele obtivera notas de leitura de italiano em um teste dado aos mesmos estudantes da língua. Essas notas estão dadaf; na coluna Y2 da tabela 13. 1. Uma análise de regressão múltipla desta variável e as mesmas variáveis independentes forneceu um R de 0,89 e um R2 de 0,80. Portanto, 80 por cento da variância de Y2, leitura de italiano, foi explicada por uma combinação de notas de memória, voca­bulário e cognição de relações. O pesquisador ficou contente. Embora as três variáveis independentes fossem relacionadas com Y1, falar italiano, a relação foi comparativamente fraca (embora muitos pesquisadores se contentassem, neste caso, com um R2 de 0,14.) As três variáveis inde­pendentes estavam muito mais fortemente relacionadas, por outro lado, à leitura do italiano.

O leitor perceberá que tal descoberta seria importante se confirmada em replicações. É importante teoricamente porque foi aumentada a com­preensão da aprendizagem de uma língua estrangeira. Faz diferença, por exemplo, se aprender uma língua significa aprender a falar ou aprender a ler. A magnitude do R2 das notas de leitura foi gratificante para o pesquisador: talvez tenha sido feito um avanço substancial em explicar a leitura de uma língua estrangeira. Afinal, explicar 80 por cento da variância não é façanha pequena. 3 Talvez mais pesquisa e trabalho possam aumentar o R2 com as notas de linguagem oral.

3 Deve ser enfatizado que um R2 tão alto é improvável. Neste exemplo foi inventado para dar um efeito dramático.

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Em vez de duas análises separadas, é possível usar uma análise que inclua as três variáveis independentes e as duas ~ariáv~is depen­dentes? É possível analisar as relações entre os dms, .con,~ntos de variáveis em outras palavras? Os ingredientes de tal anahse sao dados na tabela 13. 1. As notas X1, X2 e X3 foram calculadas em cada linl;la, produzindo as média~ de 10,00, 9,67, 12,00 e ass~m por diante, na coluna encimada por X. As notas de Y 1 e Y 2 foram 1gua.lmente ca~cula­das, resultando em média~ de 10,50, 8,50, 9,00 e ass1m por d1ante, na coluna encimada por Y. Temos então, um componente X e um componente Y que são, neste caso, as média~ d~s, notas X de ca~a indivíduo e as médias das notas Y de cada ~d1v1duo. A correlaçao entre o componente X, X, e o componente Y, Y, é ~54. Se elevarmos ao quadrado esse r, obteremos 0,29 . .§e aceitarmos os X's ~orno represen­tativos das três variáveis X e os Y's como representativos das duas variáveis Y, então a correlaçãJ entre as três variáveis X, por ::m .lado, e as três variáveis Y, por outro, é 0,54, e 29 por cento da vananc1a de Y é compartilhada com X.

O procedimer'.to descrito não seria usado comumente em pesquisas reais . Nós o usamos para ilustrar uma idéia, a idéia de determinar a correlacão entre conjuntos de notas em vez de notas isoladas, neste caso a c~rrelacão entre o conjunto X e o conjunto Y. Na maioria de pesquisas reai; com conjuntos de variáveis X e Y, u~aríamos a~~lise de correlacão canônica, que calcula, entre outras cmsas, o ma~1mo possível de, correlação entre conjuntos de variáveis ?f- e Y. C?r~~lac10~r as médias de X e Y não calcula corretamente· a verdade1ra relaçao entre os dois conjuntos de notas. Não calcula a correlação máxima possível dados os dois conjuntos ?e n.otas e ~odas ?s relações entre eles. Portanto, neste caso, dá uma estnnatrva mmto bmxa.

Vamos voltar à nossa discussão sobre análise de regressão múltipla. Lembre-se que um coeficiente de correlação múltipla expressa a correla­ção entre a "melhor" combinação de vari!veis i~d~pendentes, ou. ~:s, e uma variável dependente, Y. A correlaçao Cfinomca estende a 1de1a a m.ais de uma variável Y. Embora os cálculos sejam complexos, as idéias básicas são simples. O coeficiente de correlação, entre as méd~as ~as variáveis X e as médias das variáveis Y da Tabela 13. 1, fo1 0,54. Se tivéssemos calculado a correlação entre as variáveis X e Y usando análise de correlação canônica, teríamos produzido um chamado coefi­ciente de correlacão canônica que seria o máximo de correlação possível entre os conjunt~s X e Y das notas, dadas aquelas notas e a~ relações entre as variáveis X, entre as variáveis Y e entre os conJuntos de variáveis X e Y. A correla~ão canônica entre os conjuntos de notas X e Y, então, seria maior ~o que a correlação obtida por nosso Pt;_Ocedi~e~to simplificado usando as médias das notas X e Y. (A correlaçao canomca

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é, na verdade, 0,99, muitíssimo alta. Mas raramente ocorre correlação canônica tão alta com dados comportamentais. Neste caso é devida à natureza sintética das notas e a alta correlação de 0,80 entre Xz e Yz.)

Além disso, a análise de correlação canônica produz taxas das contribuições relativas das variáveis dependentes e independentes sepa­radas da correlação canônica. Por exemplo, no exemplo da aprendizagem da língua, poderiam ser calculados pesos semelhantes às cargas fatoriais discutidas no capítulo 12, e esses pesos diriam ao pesquisador que variáveis ou variável independente tiveram influência relativamente maior sobre que variável ou variáveis dependentes. Os resultados de uma análise de correlação canônica dos dados da tábela 13 .1 , por exemplo, mostraram que vocabulário, Xz, e leitura do italiano, Y2, eram muito mais importantes que as outras variáveis na determinação da correlação canônica. Em outras palavras, a análise, se bem sucedida, determina a magnitude da relação total entre os dois conjuntos de variáveis ou medidas, e também indica que variáveis, quer dependentes quer indepen­dentes, contribuem mais para a relação entre os conjuntos. Embora ainda haja muito a comentar a respeito da análise canônica, incluindo as limitações do método e certas . dificuldades de interpretar dados canônicos, vamos abandonar a discussão. Nosso objetivo de sugerir as idéias básicas foi conseguido. ·

Análise discriminante

Pense em uma análise de regressão múltipla em que a variável dependente expresse a participação em um grupo. Por exemplo, sexo, classe social, preferência religiosa, política e outras, são variáveis que expressam participação em um grupo. Qualquer indivíduo pode ser designado para um grupo na base da posse de características "apropria­das" àquele grupo. Geralmente podemos ver se um indivíduo é homem ou mulher, mas em dúvida, podemos perguntar-lhes. A identificação, com efeito, designa o indivíduo para um dos dois grupos, masculino ou feminino.

O mesmo raciocínio se aplica a preferência política, só que a identi­ficação e designação a grupos é mais complexa. Preferência política, por exemplo, é geralmente simples nos Estados Unidos; a maioria dos eleitores é republicana ou democrata. Na Europa Ocidental, onde proli­feram os partidos políticos - na Holand~,, por exemplo, há mais de 30 partidos políticos -, a identificação e designação de membros a grupos são mais complexas e difíceis. Na União Soviética, por outro lado, onde há apenas um partido polhco, não existe qualquer questão de designação a grupos; na verdade, não poderá haver variável de prefe­rência política.

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Em muitas situações de pesquisa, então, os pesquisadores designam pessoas a grupos com base em sua participação no grupo. Isso parece quase tolice: Como o pesquisador pode designar pessoas a grupos dos quais elas já fazem parte? Um ponto é que ele pode não saber a que grupos elas pertencem, e se uma de suas variáveis é aquela que expressa participação corno membro de um grupo, então ele terá que dar um jeito de determinar a participação no grupo. Isso, por sorte, geralmente não é difícil. Ele poderá fazê-lo examinando registros ou simplesmente fazendo perguntas bem dirigidas às pessoas.

Suponhamos, entretanto, que se deseja predizer uma variável de participação em um grupo. Temos agora que ampliar nosso raciocínio. Em algumas situações as pessoas ainda não estão "em um grupo" mas serão "designadas" a ele pelo pesquisador com base em informações obtidas por outras variáveis que não sejam as de participação em grupos. Vejamos o que significa isso, porque muita pesquisa comportamental tem o caráter essencial de "predizer" a filiações grupais.

Foi dado anteriormente um exemplo famoso: a previsão do câncer do pulmão pelo fumar cigarros . O pesquisador, com efeito, designa pessoas a um grupo de câncer no pulmão ou sem câncer no pulmão com base no conhecimento do hábito de fumar cigarros. Quanto maior a relação entre o cigarro e o câncer, mais bem-sucedida a predição. Os pes­quisadores educacionais designam crianças a grupos de aproveitamento adequado e a grupos de aproveitamento inadequado com base nos resul­tados de testes de aptidão, notas, medidas de atitude, medidas de classe social, sexo e em outras variáveis e medidas. Os· professores, igualmente, designam alunos de ginásio a grupos de conceitos - A, B, C, D e F, por exemplo- com base no desempenho, em testes, trabalhos de aprovei­tamento, tarefas especiais e até julgamentos pessoais.

O leitor sem dúvida se lembrará que a isso chamamos mensuração nominal. Se uma pessoa tem tal ou qual característica, que seja designada ao Grupo A1; se, por outro lado, tem esta ou aquela característica, designar-se-á ao Grupo A2; e assim por diante para outras características c grupos. Um ponto-chave é que os indivíduos sejam designados não aos grupos a que realmente pertençam, mas aos quais "deveriam perten­cer" com base em evidências sobre os indivíduos que são independentes de participação em grupos. Isto é, a participação no grupo é "predita" baseada em evidência obtida independentemente e à parte da partici­pação no grupo, mas que se sabe, ou se acredita, ser capaz de prever essa participação no grupo com eficiência.

O longo aparte acima foi necessário a fim de compreendermos o método de análise discriminante e a respectiva pesquisa que dizem respeito à predição qe participação em um grupo. Análise discriminante é uma forma muito útil de análise multivariada, cuja principal tarefa é

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predizer a participação em um grupo. A pesquisa deste tipo é feita mais cu menos da maneira que segue. Um pesquisador deseja compreender. por exemplo, o problema da aquisição de linguagem. Algumas pessoas podem aprender a falar e compreender uma língua estrangeira com relativa facilidade; outras pessoas têm enorme dificuldade. Por quê? Suponhamos que o pesquisador identifique primeiro dois grupos de indivíduos. Um grupo será chamado "bons aprendizes" porque parecem ter aprendido bem o italiano e com relativa facilidade, e o outro grupo "maus aprendizes" porque, depois de um ano de estudo, o grupo fala e compreende mal ou com dificuldade o italiano. Num esforço de compreender as diferenças entre os dois grupos, o pesquisador lhes aplica três testes, os mesmos usados antes: memória, vocabulário e cognição de relações. Ele raciocina que se o coeficiente de correlação canônica for tão alto no primeiro estudo, então talvez as três variáveis usadas antes como variáveis independentes, se usadas juntas, serão capazes de uma previsão bastante exata do sucesso ou falta de sucesso em aprender um idioma estrangeiro.

A idéia é muito parecida com as idéias discutidas no capítulo 11, vários testes ou medidas foram usados para "predizer" o desempenho em alguma variável dependente. Por exemplo, Holtzman e Brown (1968) usaram medidas de aptidão acadêmica e hábitos e atitudes de estudo para preverem notas no segundo grau. Em vez de médias de notas, uma variável contínua, eles poderiam ter usado uma medida de sucesso no segundo grau. Tal medida pode ser obtida pedindo aos professores que categorizem cada aluno como "bem-sucedido" ou "malsucedido." Ou o critério de terminar ou não o ginásio pode ser usado para indicar "bem-sucedido" e "malsucedido". Em outras palavras, é usada a partici­pação em um grupo, uma variável dicotômica, ou de dois valores. A quantificação é simples: atribua 1 a 'bem-sucedido" e O a "malsuce­dido." Se for feita agora uma análise regressão múltipla, com aptidão acadêmica e medidas de hábitos e atitudes de estudo como variáveis independentes e a variável dicotômica, "sucesso", como a variável depen­dente, teremos, com efeito, uma análise discriminante.

O aprendizado de linguagem revisitado

Vamos voltar ao problema da aprendizagem de um idioma. Suponha­mos que em vez de duas variáveis dependentes, como na tabela 13 . 1, tivéssemos uma variável dependente dicotômica. Tal situação é dada na tabela 13 . 2. Vamos conceber um problema semelhante ao da tabela 13. 1 e sua discussão. Suponhamos que o problema seja explicar ou predizer o sucesso em aprender uma língua estrangeira, desta vez o holandês. Oito indivídu'Js que estudaram holandês durante um ano foram exami·

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nados por três especialistas atuando como juízes e considerados "bem­sucedidos" ou "malsucedidos" em falar holandês. Quatro deles foram caracterizados pelos juízes como "malsucedidos"; são as pessoas de 1 a 4 na tabela 13 .2 e receberam O para indicar sua falta de sucesso

Tabela 13.2 Notas fictícias de três medidas de variáveis independentes de capaci-dades relacionadas com linguagem e uma medida dicotômica de sucesso em aprendizado de um idioma (holandês).

Variável independente Variável dependente

x, x2 XJ y

Pessoas Memória Vocabulário Relações Categoria Sucesso, linguagem

12 9 9 Sem sucesso o 2 10 8 11 Sem sucesso o 3 14 11 11 Sem sucesso o 4 21 10 8 Sem sucesso o 5 24 19 20 Sucesso 1

6 18 16 21 Sucesso 1 7 15 17 14 Sucesso

8 20 14 10 Sucesso

(coluna Y da tabela). As outras quatro pessoas, de 5 a 8, foram caracte­rizadas como "bem-sucedidas'' . Receberam 1 nà tabela. Em outras pala­vras, os "dados" na tabela 13 . 2 consistem nas notas das três variáveis independentes de memória, vocabulário e relações e notas de 1 e O na variável dependente, aprendizado com sucesso, 1 indicando "bem-suce­dido" e O "malsucedido".

Atribuir 1. e O assim parece confundir algumas pessoas. É uma maneira natural, simples e eficaz de quantificar uma variável que expressa participação em um grupo. Na verdade, já foi introduzida quando variáveis como sexo, classe social, vivo-falecido e preferência política foram discutidas. Geralmente tais variáveis são quantificadas mediante contagem e os resultados colocados em tabelas de cruzamento de variáveis, que têm freqüências nas células. Mas podem ser quantifi­cadas com 1 e O e suas correlações com outras variáveis facilmente calculadas. As correlações entre a variável. sucesso da tabela 13 . 2, por exemplo, e as variáveis independentes da tabela são, em ordem, 0 ,56, 0,92 e 0,70, indicando que o sucesso no aprendizado de um idioma está substancialmente correlacionado com as variáveis de memória, voca­bulário e relações, _ mas principalmente muitíssimo correlacionado com vocabulário. É mais difícil explicar a atribuição de 1 e O. Neste caso a atri-

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buição foi feita deliberadamente para realçar as correlações. Em pesquisas reais, entretanto, usam-se outros e melhores métodos.

Se for feita uma análise de regressão múltipla com os dados da tabela 13.2 e se for bem sucedida - com os dados da tabela 13 .2 foi bem sucedida: R2 = 0,85 - , então a equação de regressão obtida pode ser usada com futuros alunos. Digamos que um novo grupo de estudantes está para começar a estudar o holandês. Poderemos aplicar-lhes os três testes e, usando a equação de regressão obtida na análise anterior, calcular uma nota predita para cada um deles. Essas notas podem então ser usadas para indicar provável "sucesso" ou "falta de sucesso" em aprender holandês.

A equação de regressão calculada com os dados da Tabela 13.2 é:

Y' = - 0,99 + 0,01X1 + 0,14X2 - 0,01Xg

Suponhamos que as notas de um indivíduo sejam X1 = 12, X2 = 9, e X3 = 9 (notas da Pessoa 1 na tabela 13.2). Então, substituindo essas notas na equação acima, Y' = 0,06. Suponhamos que as outras notas de outro indivíduo sejam X1 = 24, X2 = 19 e X3 = 20 (notas da Pessoa 5 na tabela 13 . 2). Substituindo na equação, obtemos Y' = 1,23. Pode­mos então predizer que o primeiro aluno não se sairá bem e o segundo sim. Estamos, com efeito, predizendo participação em um grupo, ou predizendo 1 ou O. A nota predita do primeiro aluno, de 0,06 está próxima de O; portanto, provavelmente ele não terá sucesso. A nota do segundo aluno de 1,23 está próxima de 1; ele, portanto, provavelmente terá sucesso.

Naturalmente o procedimento é falível, como todos o são. Nossas predições são probabilísticas: dizemos apenas, com base nas três notas , que um estudante provavelmente se sairá bem ou não se sairá bem. Dada uma "boa" equação de regressão, ou de predição, acertaremos uma boa proporção de vezes que usarmos a equação. Mas poderemos errar às vezes. Leitores insatisfeitos com tal falta de predição perfeita podem se consolar com o pensamento que sem o conhecimento fornecido 1

pelos testes quaisquer predições feitas - talvez baseadas na intuição, experiência ou outros critérios mais ou menos subjetivos - provavel- ­nente, não seriam tão boas.

Em todo caso, a análise discriminante é uma ferramenta poderosa éom problemas tanto práticos quanto teóricos. O uso prático foi ilustrado éom o exemplo dado acima. O uso teórico é sugerido pela equação de regressão. A própria equação revela pistas para a relativa importância das três variáveis independentes em sua suposta influência no aprendizado de uma língua - se, sem dúvida, o aprendizado do holandês puder ser considerado representativo do aprendizado de idiomas e se a amostra,

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cujos dados determinaram a equação e outras estatísticas de regressão, for igual a outras amostras de estudantes de idiomas. 4

Homem ou chimpanzé? Um exemplo de pesquisa de análise discriminante

Em um estudo de fóssei5 (Howells, 1972), os antropólogos tinham que saber se determinado osso - da' extremidade inferior do antebraço - pertencera a um ser humano ou a um chimpanzé. Este é um prublema difícil porque há semelhanças e características comuns entre os dois tipos de ossos, especialmente na região corporal deste osso em particular. Os antropólogos sabiam, entretanto, que era possível usar sete medidas de ossos para distinguir ossos humanos de ossos de chimpanzés. O proble-ma ainda é difícil porque cada uma dessas medidas, tanto para homens quanto para chimpanzés, tem uma variabilidade considerável e assim haver uma superposição entre as medidas do homem e as do macaco. .. . Para visualizar um pouco do problema, examine a figura 13.1, em que ~ são desenhadas duas distribuições que se superpõem. (Estas são chamadas distribuições normais. Isto significa, aproximadamente, que a maioria das notas, as de amplitude intermediária, ocorrerá no meio da distribuição, e cada vez menos notas ocorrerão nas extremidades inferior e superior.)

UJ o UJ ro u Q)

"' ro u c:

<Q) :::J O'

~ LI..

Figura 13.1

e l d MA = 57 M 8 = 70

•I Pode-se questionar o holandês como representativo de outras línguas. Seu apren­dizado, tanto para a escrita como para a leitura, parece ser mais difícil que o d.'. utras línguas acidentais. Todavia, não se sabe se isto é ou não verdadeirv.

Se for verdadeiro. então. a generalização fica enfraquecida. Se o holandês for mai5 difícil que outras línguas, então é possível que, com outras línguas, teriam sido obtidas equações de regressão bem diferentes, e assim predições bem diferentes.

247

...... ... .:;

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, . A distribuição A tem uma média de 57 e a distribuição B tem uma I?ed1a de 70. ~uponhamos que a escala de mensuração, indicada pela h~h.a-ba~e da flg~ra, .re~resente uma certa medida de osso que tenha dts.tl~gutdo com fided1gm~ade ossos de homem e de chimpanzé. A distri­bUiçao A representa medidas humanas e a distribuição B, medidas de macac~. A média de A é 57 e a média de B é 70; determinou-se que uma diferença de 13 era estatisticamente significante.

Suponhamos que temos cinco medidas, a, b, c, d, e e. Por serem extre­mas, as medidas a e b podem ser quase claramente categorizadas como humano e chimpanzé, respectivamente. Elas caem em lugares sem nenhu· ma superposição na escala (a linha-base). Mas as medidas c e d embora próximas das duas médias, caem na área de superposição (indidada pela área somb:eada de linhas horizontais). A que grupo pertencem? c prova­vei:nente e humano e d provavelmente macaco. Mas não se pode ter ~utt~ c.er!eza porque ambas estão na área da superposição das duas distnhUiçoes. E com e, a medida que cai perto do meio de ambas as distribuições, fica-se em dúvida maior ainda.

· . Isto ilustra o problema com uma medida apenas. Se tivermos várias medidas, entretanto, todas elas capazes de diferenciar fósseis humanos e símios desta mesma maneira estatística, talvez possamos ser mais confian­tes na categorização dos ossos cuja identidade não é conhecida. Em sua análise, Howells e um colega (Patterson) usaram sete de tais medidas -não precisamos enumerá-las; são medidas técnicas e não pertinentes ao nosso interesse imediato - e a análise discriminante para identificar o osso desconhecido. E suficiente dizer que as sete medidas foram deter­minadas como capazes de diferenciar ossos humanos e símios. As sete medid~s foram feitas em. 40 ossos humanos e 40 ossos de chimpanzés e~ ?Ois museus. O. particular osso em investigação foi comparado às medtas das sete medtdas dos 40 ossos humanos e também às médias das sete medidas dos 40 ossos de chimpanzés. Infelizmente este procedimento não levou a uma identificação perfeita por causa de uma superposição das medidas.

Na técnica da função discriminante é possível extrair dos dados uma combinação ponderada de medidas que distinguirão os grupos ao maxtmo. (Uma "combinação ponderada" significa que as variáveis de uma combinação recebem ênfases quantitativas diferentes maiores ou menores, atribuindo-se "pesos" diferentes como O 94· O 72· O 05 -0 40· 1,00 e assim por diante, a elas.) Howells' desejav~ dÍfe;en~ia; o máx,im~ possível os dois grupos de ossos, usando as sete medidas. Qual a melhor maneira de combinar as medidas para conseguir isso? A análise discrimi­nante, com efeito, descobre essa combinação maximamente diferencia­dora, como já ficou indicado. A combinação, na realidade um perfil das sete medidas, foi então aplicada ao fóssil investigado. A questão não é

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apenas resolver este problema em particular mas também compreender como funciona este fascinante método multivariado. Vamos fazer uma breve digressão geométrica para ilustrar como funciona a análise discri­minante. Ao fazer isso, vamos tomar de empréstimo e adaptar uma bela demonstração apresentada por Tatsuoka (1970, pp. 5-7) em seu lúcido manual sobre análise discriminante. Esta demonstração, além de elucidar a análise discriminante, joga mais um pouco de luz sobre a análise multivariada em geral, em parte porque aborda o problema de concei­tualizar espaços de k (mais de duas) dimensões.

Uma divergência geométrica ilustrativa

Suponhamos que temos seis ossos, três humanos e três de antropóide. Suponhamos ainda, que temos d1,1as medidas apenas, X1 e X2, em vez de sete, e que essas medidas, em pares para cada um dos seis ossos, sejam (1,5), (1,3), (3,5), (3,2), (4,5) e (5,4). O primeiro conjunto de três pares de medidas vem de ossos humanos e o segundo conjunto, de ossos de chimpanzé. Descobrimos um novo osso e desejamos saber a qual cto~ grupos ~le pertence. As duas medidas, X1 e X2, deste osso, são (3,3).

Os seis pares de medidas X1 e X2 estão representadas na figura 13. 2. Os três ossos humanos estão indicados por cruzes e os três antro­póides, por círculos. O osso desconhecido está representado por uma cruz dentro de um círculo. Por esta representação, é virtualmente impossível dizer a qual grupo pertence o osso~ cai bem perto do meio dos. dois conjuntos de medidas. (Como o leitor está imaginando, fiz isto

X,

6

5 + + o (1 ,5) (3,5) (4,5)

4 o (5,4)

3 + 8:) (1 ,3) (3,3)

2 o (3,2)

L_ __ L_ __ L_ __ ~--~--~--~-- x,

2 3 4 5 6

Figura 13.2

249

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7 X,

Figura tJ.J v

de propósito .) Designá-lo para um elos grupos é questão que requer estudo.

Vamos tomar uma idéia já apresentada, a da combinação linear de Xt e Xz cada uma ponderada de sorte que uma única nota Y possa ser calculada de cada par de notas X. Sejam os pesos 0,83 e -0,37. (Estes .val?res foAram calculados atribuindo-se valores de Y iguais a O aos pnmetros tres pares e valores de Y iguais a 1 aos segundos três pares, e fazendo-se, em seguida, uma análise comum de regressão. Os valores são pesos de regressão.) Desenha-se então uma linha Y como projeção de todos os seis pontos representados de sorte a maximizar (~proximadamente) a diferença entre os dois grupos. Isto foi feito na ftgura 13 . 3, onde foram traçadas perpendiculares à linha Y, de cada um dos pares de notas representados. Os pontos na linha Y que refletem cada um dos pontos representados são - 1 O· - O 3· O 6· 1 S· 1 g e 3,0. 5 ' ' ' ' ' ' ' ' '

A média d~sses seis valores Y é 0,95. Observe que isso separa claramente os dots grupos de pontos. Na figura 13 . 3, os dois grupos de

5 O leitor interessado em melhor saber como fazer isto e no raciocínio envolvido deve consultar o manual de Tatsuoka (1970, pp. 5 e ss) .

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por tos representados estão circulados separadamente e a linha ondulada ··-•re eles acentua essa separação. Temos agora dois ccnjuntos de pontos · t:orrespondentes aos dois grupos de ossos e as medidas associadas a eles. O " sistema" pode ser usado para a identificação e categorização de ossm encontrados no futuro. As regras são: Tome as medidas X1 e X z do osso; represente estes valores em um gráfico como o da figura 13. 3; trace uma perpendicular à linha Y e leia o valor; se for maior de 0,95, atribua-o ao chimpanzé, do contrário, atribua-o ao homem.

Este exemplo, então, ilustra mais ou menos como funciona a análise discriminante. No exemplo com sete medições de ossos, em vez de serem usados apenas X1 e Xz, são usados X1, Xz, Xa, X4, Xs, Xs e X1 . O enten­dimento intuitivo, que usamos no exemplo acima, nos abandona agora. As idéias básicas, entretanto, são as mesmas, ou pelo menos semelhantes. As sete medidas ou variáveis são usadas em uma regressão múltipla para predizer a pa;:ticipação no grupo. Os grupos originais de 40 ossos huma­nos e 40 ossos de chimpanzés são usados de modo similar a sujeitos em um experimento psicológico ou educacional para fazer a análise de regressão. A variável dependente é a participação no grupo. A regra qu mtitativa é simples: se for osso de chimpanzé, atribua 1; se for osso humano, O. O método discriminante então faz o que está representado na figura 13 . 3: " projeta" uma combinação linear das sete variáveis ou medidas numa linha Y para produzir o máximo de separação possível dos dois grupos . Naturalmente não faz isso. A análise dos dados produz um conjunto de pesos que são usados em uma equação discriminante (regressão). As sete medidas de novos sujeitos .- neste caso os sujeitos são ossos - são inseridos na equação para obter notas discriminantes, que são então usadas para categorizar os sujeitos ou ossos.

Suponhamos que a equação discriminante do exemplo das duas medidas dado acima tenha sido:

Y = 0,80Xt - 0,40Xz

e X1 = 2 e X2 = 5. Então,

y = (0,80 (2) - (0,40) (5) = -0,40

Isto está bem abaixo da "nota de separação" de 0,95 dada anteriormente (a média das seis medidas na linha Y da figura 13.3); portanto, o fóssil é um osso humano. Note também que o mesmo resultado poderia ter sido obtido representando o ponto (2,5) na figura 13.3 e depois traçando uma perpendicular à linha Y.

Volta a H owells

Na pesquisa de Howells, a média humana numa linha Y foi 61,42 e a média chimpanzé foi 99,71. Estas são as médias das "notas discrimi-

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nante" calculadas para os 40 ossos humanos ·e para os 40 ossos de chimpanzé. As sete medidas do osso desconhecido produziram uma nota discriminante de 59,40. Isto, naturalmente, está próximo da média humana de 61,42, e o osso é classificado como humano. A probabilidade do osso ter pertencido a um ser humano e não a um chimpanzé é alta. 6

A análise discriminante e outras formas de análise multivariada são, naturalmente, muito mais complexas. Entretanto, as idéias básicas são relativamente simples - depois de compreendidas. O principal ponto dos exemplos é que muitos problemas das ciências comportamentais são complexos demais para serem resolvidos adequadamente por métodos mais simples. É exigida a abordagem multivariada. Naturalmen~e jamais deve-se usar método complexo onde um método simples resolve. A questão é: Um método simples resolverá? A resposta a esta questão é inseparável do problema e do julgamento do pesquisador.

Em um sentido mais geral, a análise discriminante é um método de atribuir indivíduos a grupos com base na informação sobre os indi­víduos em duas ou mais variáveis. Até aqui usamos apenas variáveis dependentes dicotômicas e dissemos que isso nada mais é que regressão múltipla com uma variável dependente dicotômica, geralmente quantifi­cada como i 1,0(. A análise discriminante, entretanto, de forma alguma é limitada a tais variáveis dicotômicas. Por exemplo, Cooley e Lohnes ( 1962) usaram o método para discriminar três grupos usando medidas de valores e personalidade como preditores (variáveis independentes). Os três grupos eram um grupo de pesquisa, estudantes que faziam um trabalho de pós-graduação para fazer pesquisa básica; um gn,1po de ciência aplicada, pessoas que continuam em ciência e engenharia, mas que não pretendem fazer pesquisa; e um grupo não-científico, dos que deixam o campo para entrar em áreas que têm contato imediato com pessoas. Alunos de seis faculdades responderam às medidas de personali­dade e valores e três anos depois, como ficou descrito acima, sua partici­pação nos três grupos ficou determinada. Cooley e Lohnes diferenciaram os membros dos grupos e conseguiram descrever algumas diferenças grupais.

A análise discriminante foi usada principalmente para pesquisa aplicada. Seu uso é geral como se segue. Com base na teoria, conheci­mento prévio, ou palpite, medidas apropriadas de r-apacidade, personali­dade e outras variáveis, são aplicadas a membros de grupos conhecidos. É feita a análise discriminante e calculadas as equações discriminantes (como a equação de regressão descrita acima). As equações então são usadas para predizer a (posterior) participação de indivíduos em um

6 No fim de seu trabalho Howeils diz que seu colega, Patterson, voltou à região onde foi encontrado o fóssil e encontrou outras provas confirmando a conclusão discriminante.

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grupo cuja participação no grupo não é conhecida, como fizem~s uo exemplo dos ossos. Um psicólogo, por exemplo, pode usar um conJunto de testes com amostras selecionadas de meninos delinqüentes e não delin­qüentes e calcular a equação discriminante para "pre?izer" delin~üênc~a, participação ou não participação no grupo de del~nquente.s o~ _nao deh?­qüentes. E~ outras palavras, ele ~alcula ~ e9:uaçao com_ mdlVl.du~.s cuja participação no grupo é conhectda, d~lmquentes ~ nao d~l~nqu_entes. Pode então usar a equação para predtzer a postenor partlctpaçao no grupo, a delinqüência ou não delinqüênci~ posterior de ?ut~o,s indivíduos. Ele simplesmente aplica as mesmas medtdas a outros mdtvtduos e, com base nas notas que eles obtem, calcula sua futura participação nos grupos. sua futura delinqüência ou não delinqüência. Isto, naturalmente deve ser feito com grande cuidado e reserva. Afinal, a aplicação de uma equação obtida com um grupo pode não ser aplicável a outro grupo por vários motivos. Não obstante, a análise discriminante é um esquema de predição útil e poderoso em pesquisa aplicada.

Suponhamos, agora, que um pesquisador básico esteja interessado em descrever as diferenças entre grupos e em compreender porque os grupos são diferentes. A análise discriminante pode se~ usada p~ra ajudá-lo em tal descrição e compreens~o. Na ':erdade, fm usada ~ss1m por Cooley e Lohnes na pesquisa sumanzada a~1ma. Est.e .uso _do metodo é mais científico do que simplesmente predtzer partlctpaçao em um grupo, porque Cooley e Lohnes estavam tentando entender por que são feitas as escolhas de carreiras, saber alguma coisa dos determinantes de suas personalidades e valores, e não apenas pr~dizer tais escolhas. Esta diferenca entre os objetivos da pesquisa básica e aplicada é importante e está ~mito bem ilustrada pelo uso básico e aplicado da análise discri­minante.

Este ponto é tão importante que deveria ser mais discutido. Vamos voltar ao exemplo de aprender holandês, ilustrado pelos dados . da tabela 13. 2. Os educadores interessados no ensino de línguas estrangeuas deveriam usar normalmente um método como a análise discriminante preditivamente. Isto é, eles querem saber como predizer acertadamente o bom resultado no aprendizado do holandês. Geralmente querem saber quais estudantes terão sucesso e quais os que provavelmente terão.dificul­dades. Assim, talvez, eles poderão individualizar melhor o ensmo. Os pesquisadores mais orientados para a pesquisa básica, por o~tr? _lado , mais provavelmente quererão saber por que e como alguns mdtvtduos têm mais sucesso que outros. Para eles, a predição é mais um subproduto do método. Provavelmente eles estarão mais interessados no aprendizado da linguagem como fenômeno natural a ser explorado e compreendido.

Este esboco das duas orientações gerais da pesquisa está um pouco exagerado, nat~ralinente. O professor de holandês, sem dúvida, também

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estará interessado em como e por que alguns indivíduos têm mais sucesso que outros. E o pesquisador básico quererá saber se poderá predizer o aprendizado bem sucedido e mal sucedido. Entretanto, a distinção continua e é sempre importante. O ponto a ser ilustrado é que a análise discriminante - e, logicamente, outras abordagens e métodos multivariados - pode ser muito bem usada para ambos os propósitos. Voltaremos à distinção básico-aplicada no capítulo 16.

Análise de estruturas de covariância

As abordagens e métodos multivariados libertaram os pesquisadores das restrições de estudarem a influência de apenas uma ou duas variáveis sobre uma variável dependente. Na pesquisa experimental, c!uas, três c até mais variáveis podem ser manipuladas simultaneamente (embora haja limitações práticas). A análise multivariada, entretanto, tem suas aplica­ções mais úteis e importantes em pesquisa não-experimental, onde os grandes problemas são identificar e controlar várias fontes de variância. No estudo da realização escolar ou no estudo de determinantes de inteli­gência, por exemplo, é quase absurdo pensar em uma ou duas variáveis como determinantes. Tanto a realização escolar, quanto a inteligência, assim como outros fenômenos psicológicos e sociológicos são complexos. Sãu, portanto, determinados complexamente. Essa complexidade exige concepções multivariadas. Sem dúvida a pesquisa científica psicológica, sociológica, antropológica e política vem sendo transformada. Em 1930, por exemplo, um estudo aplicado como I gualdacle ele O portuniclades Educacionais (Coleman e outros, 1966), já discutido no capítulo 8, onde foram estudados os efeitos de mais de cem variáveis independentes sobre a realização, dificilmente poderia ter sido concebido, quanto mais feito. Igualmente os estudos de Guilford (1967) e Catell (1963), estudos teóri­cos de inteligência, provavelmente nem teriam sido conceitualizados. B muito possível, aliás, que a pesquisa comportamental tenha sido revolucionada, de certo modo mudada radicalmente, devido ao impacto das conceituações multivariadas e do computador moderno.

Para ilustrar o desenvolvimento radical, a conversão até, da pesquisa comportamental devido ao pensamento multivariado, quero descrever e ilustrar o que provavelm,;nte seja a síntese mais complexa e poderosa dos métodos multivariados para atingir objetivos científicos teóricos e aplicados. Chama-se análise de estruturas de covariância, e faz parte do sistema de Karl Joreskog (1974, 1976), que juntou o trabalho de diversos analistas em uma síntese brilhante e produtiva. 7 A análise de

7 ~o.r minha discussão vai p~:ec~r que Joreskog foi o único responsável pela analise de estruturas de covananCia. Mas este modo de falar é por conveniência apenas. Realmente, houve várias pessoas importantes no desenvolvimento da meto-

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estruturas de covariância significa, essencialmente, a análise da variação simultânea de variáveis que se encontram em uma estrutura, um edifício, ditado pela teoria. O sistema faz vários tipos de análise multivariada mas de tal maneira que não temos necessidade de perguntar que forma de análise está sendo feita. Is!o acontece porque as possibilidades analíti­cas fazem parte~ um sistema mais amplo. Em outras palavras, Joreskog criou uma fórmula matemática e estatística abstrata que pode ser exprf!ssa em equações algébricas · ~ sua formulação abarca diversos métodos multi-variados.

Os programas de cLmputador foram integrados ao sistema (veja a nota n.o 7) de tal forma que uma concepção de pesquisa é "realizada" com o uso do programa do computador. É uma descrição bastante abstrata do sistema de Jêireskog, sendo insatisfatória para uma compre­ensão adequada. Para entendê-la melhor, vamos tomar dois exemplos. O primeiro é de análise fatorial, porque é a maneira mais clara e fácil de mostrar a idéia do sistema. Deve ser enfatizado, entretanto, que o uso real do sistema envolve problemas mais intrincados e complexos. Sem dúvida, uma de suas molas mestras é sua capacidade de lidar eficientemente com conjuntos de variáveis relacionadas de maneiras com­plexas. O segundo exemplo é de análise de trajetória. Vamos explicar mais adiante o que é análise de trajetória (path analysis).

Um exemplo teórico revisitado

No capítulo 12 foram apresentados os elementos de uma teoria estru­tural de atitudes sociais. A teoria "diz" que duas dimensões gerais ou fatores formam a base das atitudes sociais, "conservadorismo" e " libe­ralismo", e que estas duas dimensões gerais são independentes uma da outra (Kerlinger, 196 7). Esta :última frase significa que a correlação entre os dois fatores é proxima de zero. Isto implica que os conservado­res adotam princípios conservadores e não se opõem necessariamente a princípios liberais. Por outro lado os liberais adotam princípios liberais e necessariamente não se opõem a princípios conservadores.

dologia, cujas contribuições Joreskog reconhece (por exemplo, "!3ock & ~~rgmann, 1966; Wiley, Schmidt & Bramble, 1973). Entretanto, Joreskog JUntou v~nas abor­dagens e métodos de análise em um (ou dois) sistemas ge.rais nos quais a mate­mática, a estatística e a tecnologia do computador ~oram mtegradas. De fato, os dois ~istemas de Joreskog foram vagamente denommados pelos nomes dos pro­gramas de computador usados para melhorar o sistema: AC.OV~ e LISREL. A primeira das duas referências dadas acima (1974) usa a mais simples das duas abordagens, ACOVS. A segunda referência (1976) usa .I:ISRE.L, q~e ~ mais geral e mais complexa. f: .também mais poderosa. Na descnçao acima limito-me a um aspecto simplificado do núcleo da pesquisa e teoria do ~istema.

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A concepção comum de atitudes sociais é bastante diferente. Enquanto a "teoria" ora mencionada, e dada com mais detalhes no capítulo 12, diz que o conservadorismo e o liberalismo são entidades distintas e separadas, idéias populares geralmente aceitas dizem que as atitudes são bipolares. Um concepção bipolar, ou com duas extremidades, de atitudes sociais implica que princípios e pessoas conservadoras acham-se em um extremo de um continuum de atitudes sociais e prin­cípios e pessoas liberais acham-se no outro extremo do continuum. Isto significa que nii0 apenas os conservadores adotam princípios con­servadores, mas que também se opõem a princípios liberais- e a mesma coisa para liberais e princípios liberais.

Argumentos racionais podem e foram aventados para ambas as concepções. Mas o que diz a evidência empírica? A evidência empírica. obtida em diversos estudos, a maioria usando a análise fatorial (por exemplo, Kerlinger, 1972; Kerlinger, Middendorp, & Amón, 1976), parece apoiar a relativa independência do conservadorismo e liberalismo. Mas o assunto ainda não foi resolvido. Como as duas concepções, ou teorias, poderão ser testadas com o sistema de Joreskog?

Vamos usar o exemplo de itens de atitude, do capítulo 12. Suponha­mos que aplicamos quatro itens de atitude, dois sabidamente liberais, igualdade para as mulheres e controle da natalidade - e dois conhecidos como conservadores - propriedade privada e negócios- a seis pessoas. (Novamente, muito mais itens de atitude de afiliação "conhecida" e "desconhecida" seriam administrados a mu.ito mais pessoas.) Os resulta­dos são aqueles da tabela 12. 5, e são reproduzidos, para facilitar a referência, na tabela 13 . 3. As correlações entre os itens foram relatadas

Tabela 13.3 Respostas de seis pessoas a quatro itens de atitude social (repro­duzidas da tabela 12.5) •.

Itens

2 3 4

Igualdade para Controle da Propriedade Pessoas as mulheres natalidade privada Negócios

1 1 2 4 2 2 1 3 2 2 3 2 2 5 6 4 5 6 5 5 5 6 5 3 4 6 6 6 2 1

• Os números na tabela são as classificações feitas por seis pessoas, dos quatro referentes em uma escala de 1 a 6, 1 indicando baixíssima aprovação e 6 indi­cando forte aprovação.

256

na tabela 12 .6 e estão reproduzidas aqui na tabela 13 .4. Os resultados de análise fatorial desta matriz de correlação, dados originalmente na tabela 12. 7, aparecem novamente na tabela 13 . 5. Estes resultados pare­cem apoiar a concepção de independência e dualidade, porque os dois itens liberais estão carregados em um fator (cargas grifadas) e os dois conservadores em outro fator (também grifadas). As cargas negativas são baixas e sem conseqüências. Se uma concepção bipolar estivesse correta, obteríamos um fator com os dois itens liberais com substancial carga positiva e os dois itens conservadores tendo substanciais cargas negativas.

Usando a abordagem de Joreskog, estabelece-se primeiro a situação teórica com diagramas. Os diagramas da figura 13.4 expressam as duas alternativas. A esquerda (A) da figura está a hipótese de dois fatores. Os números 1, 2, 3, 4, representam os quatro itens de atitude, 1 e 2 sendo igualdade para as mulheres e controle da natalidade e 3 e 4, pro­priedade privada e negócios, itens conservadores. Os círculos represen­tam os fatores presumidos, L e C, ou liberalismo e conservadorismo. As setas representam a influência ou determinação nas direções de L para 1 e 2 e de C para 3 e 4. Isto é, o fator L "determina" ou está subjacente aos itens 1 e 2 e o fator C " determina ou está subjacente aos itens 3 e 4.

Tabela 13.4 Correlações entre quatro itens de atitude social de seis pessoas (reproduzidas da tabela 12.6).

Igualdade para Controle da Propriedade as mulheres natalidade privada Negócios

Igualdade para as mulheres 1,00 0,91 - 0,15 0,04 Controle da natalidade 0,91 1,00 -0,23 -0,11 Propriedade privada -0,15 -0,23 1,00 0,81 Negócios 0,04 -0,11 0,81 1,00

Tabela 13.5 Matriz fatorial rotada: resultado da análise fatorial da matriz de correlação da tabela 13.4 (reproduzida da tabela 12.7).

Itens

Igualdade para as mulheres Controle da natalidade Propriedade privada Negócios

Fatores

A

0,94 0,94

- 0,25 - 0,10

B

0,13 0,00 0,83 0,87

257

Page 139: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

Q....___CD 0-----m....___® 0-----(A)

(Vide texto para explicação dos símbolos)

Figura 13.4

O diagrama da direita (B) expressa a hipótese bipolar. Um fator, designado apropriamente LC, ou L versus C, na figura 13.4 (B), deter­mina todos os quatro itens, mas determina os itens 1 e 2 positivamente e os itens 3 e 4 negativamente. Portanto, os sinais mais e menos foram atribuídos às setas. (Note que a figura é muito simplificada. Por exemplo, já que sempre há erros de mensuração ao se medir variáveis, tais erros deveriam ser incluídos na figura e calculados pelo sistema.)

O próximo passo é expressar a situação diagramada na figura 13.4 em equações algébricas e depois encaixá-las no sistema de equações gerais de Jõreskog. Vamos omitir este passo e estabelecer as chamadas matrizes hipóteses ou matrizes "alvos." Uma matriz alvo é geralmente uma matriz de 1 's e O's, 1 indicando onde as cargas fatoriais substanciais (ou outras estatísticas) são esperadas e O onde as cargas próximas de zero são esperadas. (No presente exemplo vamos usar também - 1.) Vamos chamar a hipótese ou teoria de dois fatores A e a hipótese ou teoria de um fator B. Se as intercorrelações dos quatro itens - veja tabela 13.4 - forem analisadas fatorialmente, que espécie de matrizes podemos esperar para A e B? Que espécie de matrizes as duas teorias "predizem"? As duas matrizes alvos que expressam as situações alterna­tivas estão dadas na tabela 13.6. (Veja o texto para a explanação dos símbolos.)

O próximo passo no procedimento será analisar fatorialmente a matriz de correlação da tabela 13.4. Depois de feito isto, os resultados são comparados às matrizes alvos usando-se um procedimento quantita­tivo cujo resultado final indica o grau de acordo entre a matriz fatorial obtida dos dados - fornecida na tabela 13.5 - e cada uma das duas matrizes alvos da tabela 13.6. Este não é o verdadeiro procedimento. Serve apenas para indicar a idéia. O verdadeiro procedimento é mais

258

Tabela 13.6 Matrizes alvos, ou matrizes hipóteses, expressando hipóteses alter­nativas para a estrutura fatorial da matriz de correlação da tabela 13.4. •

Hipótese de Hipótese de dualidade bipolaridade

11 11

o .,-1 o o o

o o o -1 o

• As entradas na tabela têm os seguintes significados: 1, carga fatorial positiva significante; - 1, carga fatorial negativa significante; O, carga fatorial próxima de zero.

poderoso; será delineado adiante. Em todo caso, os dois coeficientes de acordo - coeficientes usados freqüentemente para comparar matri­zes fatoriais - calculados, por um lado, entre todas as oito cargas fato­riais da tabela 13.5 e todos os valores 1 e O da matriz alvo de dois fatores da tabela 13.6, e entre as cargas da tabela 13.5 e os valores 1,- 1 e O da matriz alvo bipolar, são 0,99 para a hipótese de dois fatores e 0,61 para a hipótese bipolar. Evidentemente, a matriz alvo de dois fatores concorda muito mais com os dados de pesqui'Sa do que a matriz alvo bipolar.

O método acima é insuficiente e não é o verdadeiro formulado por Jõreskog. O que necessitamos é um método que nos leve de volta às correlações originais entre os quatro itens. O método que acaba de ser esboçado põe toda sua fé em comparar a matriz hipótese à matriz obtida dos dados. É aconselhável voltar mais ainda e dar um jeito de gerar uma matriz como a matriz de correlação. E essa matriz de correlação deveria ser "produzida" pela matriz hipótese fatorial e pela matriz fatorial obtida. Em outras palavras, queremos manipular as cargas fato­riais obtidas e os valores da matriz hipótese de maneira a produzir uma matriz de correlação. Se a hipótese estiver correta, então esta matriz "produzida" será muito parecida à matriz de correlação obtida dos dados. Se, por outro lado, a hipótese não estiver correta - se houver, por exemplo, quatro fatores ou talvez três, em vez de dois fatores, ou se as cargas fatoriais obtidas dos dados não encaixarem na estrutura ou no modelo especificado pelos 1 's e O's da matriz hipótese - então a matriz de correlaçãü 1'produzida" não estará de acordo com a matriz de correlação obtida dos dados observados.

259

Page 140: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

Uma das idéias básicas e centrais do sistema de Jõreskog é a com­paração das matrizes de covariância. Uma matriz de correlação é um tipo de matriz de covariância. Assim, para o que nos interessa, pode­mos dizer que uma das idéias centrais do sistema é comparar as matri­zes de correlação, uma fornecida pelas correlações entre as variáveis obtidas e outra produzida por uma manipulação matemática da matriz hipótese, como mostramos acima, e os resultados forçados pelas exigên­cias da hipótese ou hipóteses.

Para concretizar um pouco o que queremos dizer, vamos considerar as duas matrizes, I e II na tabela 13.7. A matriz I é a mesma matriz de correlações observada entre os quatro itens de atitude social já relatados na tabela 13 .4. A matriz li é um conjunto de correlações "forçadas", produzidas por um método bem conhecido, a partir das cargas fatoriais da tabela 13. 5. A operação foi simples: a matriz foi multiplicada por si mesma. (Não precisamos nos preocupar com os detalhes. O leitor interessado poderá consultar um texto de álgebra de matrizes ou uma seção de álgebra de matrizes de um texto de estatística, por exemplo, Cooley e Lohnes, 1971, pp. 15-20; Sullins, 1973; Tatsuoka, 1971, capítulo 2.) Quando se faz isto, obtém-se a matriz li da tabela 13. 7.

Queremos expressar e testar as implicações quantitativas da hipótese de dualidade e as da hipótese de bipolaridade. As duas hipóteses ficaram expressas de maneira simples nas matrizes alvo da tabela 13. 6. Queremos encontrar uma forma de operar sobre os fatores obtidos da tabela 13. 5 para transformar as cargas fatoriais num conjunto que expresse a hipótese

Tabela 13.7 Correlações obtidas, correlações forçadas e matriz residual: hipó-tese de dualidade.

1: Correlações obtidas 11: Correlações forçadas

2 3 4 2 3 4

1 1,00 0,91 -0,15 0,04 1 0,90 0,88 -0,13 0,02 2 0,91 1,00 -0,23 -0,11 2 0,88 0,88 -0,24 -0,09 3 -0,15 -0,23 1,00 0,81 3 -0,13 -0,24 0,75 0,75 4 0,04 -0,11 0,81 1,00 4 0,02 -0,09 0,75 0,77

Matriz residual

2 3 4

1 0,10 0,03 -0,02 0,02 2 O,o3 0,12 0,01 -0,02 3 -0,02 0,01 0,25 0,06 4 0,02 -0,02 0,06 0,23

260

d.c dualidade e n,:tm outro conjunto que expresse a hipótese de bivola­ndade. A operaçao se resume em usar os modelos teóricos expressos na tabela 13.6 e em fazer com que os dados da tabela 13.5 as caraas fatoriais obtidas, se pareçam o máximo possível aos modelo~ expres~os na tabela 13. 6. Quando foi feito isto, foram obtidas as duas matrizes fatoriais da tabela 13. 8 . ·

Tab~la 1~.8 Matrizes de cargas fatoriais que expressam as hipóteses da dualidade e b1polandade.

Hipótese de Hipótese de dualidade bipolaridade

11 11

0,94 0,13 1 0,81 0,00 2 0,94 0,00 2 0,94 0,00

3 -0,25 0,83 3 -1,08 0,00

4 -0,10 0,87 4 -0,97 0,00

A matriz da esquerda na tabela 13.8 é exatamente a mesma da tabela 13. 5. Assim, a matriz fatorial obtida da tabela 13.5 já expressava a hipótese de dualidade. A matriz à direita na tabela 13. 8 mostra o aspecto da matriz fatorial, contando com os mesmos dados e a validade empírica da hipótese de bipolaridade. Em outras palavras, a matriz deno­Il_linaaa. h}pótese de d~alidade, se obtida nas correlações originais, apoia­na a h1potes.e de dualidade e a matriz denominada hipótese de bipolari­dade, se obtida nas correlações orjginais, apoiaria as hipótese de bipola­ridade.

Suponhamos agora que cada uma das matrizes fatoriais da tabela 13. 8. fossem real~ente obtidas a partir dos dados. Queremos gerar uma matnz de correlaçao de cada uma delas e queremos comparar esta matriz de correlação com a matriz de correlação original.

Já hav~amos " produzido" uma matriz de correlação a partir da matnz !atonal da tabe.la 13.5 e da matriz hipótese, ou alvo, da tabela 13 . 6 (a esquerda) . F01 dada na tabela 13.7 sob a denominação corre­lações forçadas. Se subtrairmos os valores desta matriz dos valores da matriz designada correlações obtidas, obteremos o que é conhecido como matriz residual. Esta matriz de resíduo expressa a "diferenca" entre as duas matrizes e assim seu acordo: quanto menores os resíd~os, maior o acordo entre as duas matrizes. O valor médio dos resíduos omitindo do cálculo os valores diagonais, é 0,03. '

261

\

Page 141: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

Tabela 13.9 Correlações obtidas, correlações forçadas e matriz residual: hipótese de bipolaridade.

1 2 3 4

1: Correlações obtidas 11: Correlações forçadas

2 3 4 2 3 4

1,00 0,91 -0,15 0,04 1 0,66 0,76 -0,87 -0,79

0,91 1,00 -0,23 -0,11 2 0,76 0,88 - 1,02 -0,91

-0,15 - 0,23 1,00 0,81 3 -0,87 -1,02 1,17 1,05

0,04 -0,11 0,81 1,00 4 -0,79 - 0,91 1,05 0,94

Matriz residual

2 3 4

1 0,34 0,15 0,72 0,83 2 0,15 0,12 0,79 0,80 3 0,72 0,79 -0,17 -0,24 4 0,83 0,80 -0,24 0,06

Usando o mt~smo procedimento para testar a hipótese de bipolari­dade, obtemos a matriz de correlação designada Correlações Forçadas, da tabela 13 . 9. Subtraindo os valores desta matriz dos valores das verdadeiras correlações, mais uma vez dados à esquerda da tabela, obtemos uma matriz residual, dada na parte inferior da tabela. É óbvio que o "cordo" entre as matrizes I e II é pequeno: os valores dos re~íduos são grandes. Sua média é 0,59. Evidentemente, os resultados obtldos a partir da hipótese de dualidade concordam muito mais com os dados reais do que os resultados obtidos a partir da hipótese de bipolaridade.

Resumindo, pode-se usar a análise de estruturas de covariância para testar que modelo teórico, entre dois ou três outros, melhor combina com os dados observados. Isto é algo cientificamente sólido. Não nos esqueçamos que uma das abordagens ou métodos mais significativos e característicos da ciência é estabelecer e testar hipóteses alternativas . O cientista não confia na evidência, por exemplo, de que p1 leva a q. Ele insiste em testar explicações alternativas plausíveis, p2, pa e assim por diante. A eliminação de tais hipóteses alternativas por ~-eio da pesquisa fortalece a hipótese p1. A força principal do sistema de Joreskog é sua capacidade flexível de testar hipóteses complexas e comparar resultados obtidos a partir de modelos alternativos.

Nota: variáveis latentes

Uma característica muitíssimo importante e preciosa da análise de estruturas de covariância tem que ser mencionada, nem que seja ligeira-

262

mente. É a concepção e o uso das chamadas variáveis latentes no sistema. Uma variável latente é uma variável não-observada, que é usada para "explicar", ou que é incluída em hipóteses como estando influindo sobre outras variáveis latentes ou variáveis observadas. Foi dado um exemplo no figura 13.4 onde liberalismo (L) e conservadorismo (C) eram variáveis subjacentes não observadas que se supunha " explicarem" os quatro itens (ou variáveis) do exemplo. Para tornar a coisa mais clara e para abordar o sistema de Joreskog mais de perto, examine-se a figura 13.5 onde a situação à esquerda da figura 13.4 é representada mais de acordo com as linhas de Joreskog.

L (liberalismo) e C (conservadorismo) são variáveis latentes, ou não-observadas, que supostamente estão subjacentes às quatro variáveis observadas (itens), estando L subjacente às variáveis 1 e 2, e C às variáveis 3 e 4. As variáveis observadas são dadas em quadros e as variáveis latentes em círculos. As setas de um sentido indicam a direção de influência- por exemplo, L influencia 1 e 2. As setas de dois sentidos indicam correlação - por exemplo, r12 é a correlação entre as variáveis 1 e 2. Os e's indicam os erros de mensuração nas variáveis observadas. Fornecidos os dados - neste caso as correlações entre os quatro itens -, o sistema calcula a influência de L nas variáveis 1 e 2 e a influência de C em 3 e 4. Estas influências são simbolizadas por a1 e a2 (para L) e aa e a4 (para C), cujos valores são calculados pelo sistema. O sistema calcula também a correlação entre L e C e as variâncias de erro e1, e2, ea e e4. A análise então continua ao longo das linhas delineadas acima.

O objetivo da figura 13 . 5 é mostrar que o método, diferentemente da maioria dos outros métodos de análises multivariadas, calcula os efeitos das variáveis latentes sobre as variáveis observadas e até as relações entre as variáveis latentes. Este é, naturalmente, o material básico da construção e testagem de teorias. É também muito semelhante à

e, Igualdade · Propriedade _e, para as privada

(3) mulheres (1) a, a,

L rLC c r" rn

a, \ Controle da Negócios _e, natal idade (Z) (4)

Figura 13.5

263

Page 142: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

análise fatorial. Lembre-se da inteligência fluida e cristalizada de Cattell, fatores de segunda ordem que podem ser também concebidos como variáveis latentes. A diferença é que em análise de estruturas de cova­riância a idéia é generalizada e aplicada a todo tipo de situações teóricas e analíticas. Além disso, a análise fatorial é um caso especial do sistema geral. Assim as teorias podem ser formuladas, testadas e comparadas para mostrar sua congruência com os dados observados.

Um exemplo de análise de trajetória

Para mostrar a versatilidade e a flexibilidade da análise de estru­turas de covariância, vamos examinar agora um tipo diferente de problema de pesquisa. Os estudos de realização escolar usaram, às vezes, medidas de inteligência e classe social para predizer tal realização. Suponhamos que um pesquisador educacional ache estas duas variáveis insuficientes e que seja também necessária uma medida de motivação. Ele escolhe uma medida de necessidade de realização, comumente designada por n Realização, ou simplesmente n Ach (McClelland, Atkin­son, Clark & Lowell, 1953). Em outras palavras, ele acredita que a adição de n Ach à inteligência e à classe social melhora a predição do sucesso na escola mas também fornecerá uma explanação teórica mais satisfatória de tal sucesso. Sua "explicação" está diagramada na figura 13.6. 8

As setas do diagrama indicam a direção da influência: a influência correndo na direção apontada pelas setas. (Vamos, por enquanto, ignorar os números relacionados às setas.) Por exemplo, SSE (status sócio­econômico) influencia diretamente Ach (realização). Influencia também Ach indiretamente, através de n Ach, cuja influência posterior é direta. (Uma influência direta é representada por uma seta simples de uma variável à outra. Uma influência indireta é mostrada por uma seta vindo de uma variável que é ela própria o "recipiente" de outra seta. Por exem­plo, como ficou indicado acima, SSE influencia n Ach diretamente e Ach indiretamente, através de n Ach.) As setas geralmente são chamadas de trajetórias ("paths"). Daí o termo "análise de trajetória". O diagrama de trajetórias, então, expressa a "pequena teoria" do pesquisado:" SSE e Inteligência (Intel.) afetam n Ach diretamente, por exemplo; maior a inteligência, maior n Ach e quanto mais alta a classe social, mais alta a realização. Os dois também afetam a Realização diretamente: se classe média então maior Realização, e se maior inteligência, então maior reali­zação. n Ach também afeta diretamente a Realização, como está indi-

8 Este exemplo é tirado de Kerlinger e Pedhazur (1973, pp. 323-324).

264

cado pela seta entre n Ach e Ach. Mas presume-se, SSE e Inteligência exercem efeito indireto sobre Realização por seu efeito direto sobre Ach. (Embora SSE e Inteligência estejam eles próprios correlacionados - isto é indicado pela seta curva de dois sentidos entre eles - não são considerados como afetando um ao outro.) ·

Os analistas de trajetória chamam a formulação acima de um modelo causal: pelo seu uso podem ser determinadas algumas idéias de causas e efeitos. (Evitaremos aqui comentar o espinhoso problema causa e efeito.) Então, pelas correlações entre as variáveis do modelo, eles calculam os coeficientes de trajetória (path coefficient). Um coeficiente de trajetória é simplesmente um peso de regressão fornecido pela costumeira análise de regressão. Por exemplo, a regressão de n Ach sobre SSE e Inteligência (isto é, SSE e Inteligência são as variáveis independentes e n Ach a variável dependente) produz coeficientes de regressão (coeficientes beta) de 0,40 para a trajetória de SSE a n Ach e 0,04 para a trajetória de Inteligência até n Ach. Estes valores indicam que SSE tem um efeito substancial sobre n Ach, mas que Inteligência tem efeito peqtteno.

Então, faz-se a regressão de Realização sobre SSE, Inteligência e n Ach (isto é, Realização, a variável dependente, é predita pelas outras três variáveis). A análise fornece coeficientes, como se segue: de SSE a Realização, 0,01; de Inteligência a Realização, 0,50; de n Ach a Reali­z~ç_ão, 0,4~. Estes coeficientes de trajetória foram ligados a suas traje­tonas na ftgura 13. 6. Naturalmente, a costumeira análise de regressão teria produzido nesta situação estes últimos coeficientes. A diferença entre uma análise de regressão comum e a anális~ de trajetória é, entre­tanto, que as trajetórias de SSE e Inteligência até n Ach foram acrescen­tadas porque o pesquisador acredita, com base ou raciocínio teórico, que estão agindo tanto influências diretas quanto indiretas. Em outras palavras, as três variáveis não apenas afetam diretamente Realização; SSE e Inteligência afetam Realização também indiretamente através de n Ach. (Note a semelhança de raciocínio ao fenômeno de interação já estudado.) E uma análise das influências na Realização mais rica, mais sof}s.ticada e pro~avelmente mais exata do que as que obtemos pela anahse de regressao comum, neste caso principalmente porque já "expli­camos" n Ach a caminho de "explicarmos" Realização.

Quandq examinamos o diagrama de trajetória da figura 13 . 6, vemos que duas das trajetórias têm coeficientes de trajetória próximos de zero: de SSE a Ach, 0,01 e de Inteligência a n Ach, 0,04. Já que uma das n:etas d~ ciê~cia não é apenas a explicação, mas também a explica­çao parctmomosa, perguntamos: Se suprimirmos estas duas trajetórias e recalcularmos os coeficientes de trajetória no modelo resultante mais parcimonioso, será q~e um teste com os dados originais, como o feito com o modelo de análise fatorial acima, mostrará um bom acordo entre,

265

I

Page 143: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

(0,30)

Figura 11.6

de um lado, as correlações entre as quatro variáveis produzidas pelo novo modelo e, de outro, as correlações originais? Isto é, é possível calcular um conjunto de correlações entre as quatro variáveis a partir dos coeficientes de trajetória; esta matriz de correlações é então compa­rada à matriz das correlações originais. Daí, uma matriz residual - o resultado da subtração de uma destas matrizes de outra - é calculada, como antes. Se seus valores forçm muito pequenos, podemos concluir que o modelo teórico incorporado no diagrama de trajetória é satisfa­tório.

O novo modelo é dado no diagrama de trajetória da figura 13. 7. A diferença entre este modelo e o da figura 13.6 é que as duas trajetórias mencio~adas acima foram suprimidas. Aqui, Inteligência afeta Reali­zação diretamente e não afeta n Ach. SSE afeta Realização apenas através de n Ach. Isto é, SSE afeta n Ach, que por sua vez afeta Realização. Obviamente o modelo é consideravelmente mais simples e mais parei~ monioso. N~vamente, a pergunta é: é consistente com os dados originais, com as correlações originais?

A tabela 13. 1 O nos dá a análise para responder à pergUnta.

As correlações originais são dadas à esquerda da tabela, A, e as cor­relações forçadas, as correlações calculadas pelos coeficientes de trajetória

Figura 13.7

266

Tabela 13.10 Correlações originais, A, correlaçõe-s forçadas, B, e matriz residua!, quatro variáveis, segundo modelo. - ---

A: Correlações originais B: Correlações forçadas

2 3 4 2 3 4

1 1,00 0,30 0,41 0,33 1 1,00 0,30 0,41 0,32 2 0,30 1,00 0,16 0,57 2 0,30 1,00 0,12 0,56 3 0,41 0,16 1,00 0,50 3 0,41 0,12 1,00 0,48

' 0,33 0,57 0,50 1,00 4 0,32 0,56 0,48 1,00

Matriz residual

1 2 3 4

1 0,00 0,00 0,00 0,01 2 0,00 0,00 0,04 0,01 3 0,00 0,04 0,00 0,02 4 0,01 0,01 0,02 0,00

da figura 13. 7, são dadas à direita, B. Subtraindo-se a matriz- B da matriz A obtém-se a matriz residual, dada na parte inferior da tabela. É óbvio que as correlações produzidas a partir dos coeficientes de traje­tória são muito semelhantes às correlações originais: nenhum dos resíduos é maior de 0,04. Concluímos, portanto, que o modelo de trajetória da figura 13.7 é consistente com os dados. 9 Evidentemente, a " explicação" por trás do modelo da figura 13.7 é satisfatória. Já que é uma "expli­cação" mais simples que o modelo da figura 13.6, vamos aceitá-la como "melhor" porque é mais parcimoniosa e produz correlações que concor­dam com as correlações originais.

É preciso destacar um ponto importante. O fato de modelo teórico ser consistente com os dados obtidos não significa que a teoria em que se baseia o modelo seja necessariamente " correta." Na verdade, mais de um modelo pode ser consistente com os dados obtido,;. Então, neste caso, embora o modelo da figura 13 .7 seja consistente com a5 corr~la­ções ;)btidas, o próprio modelo pode ou não . ser a explicação teónca

9 f: prec!so tomar cuidado. Se tivéssemos feito a mesma análise com o modelo de trajetória da figura 13.6, a matriz residual teria somente zeros. Assim o modelo da figura 13.6 é também consistente com os dados. Mas isto não significa que o modelo da figura 13.6 seja melhor ou tão bom quanto o modelo da figura 13.7. A J:~'>produção perfeita das correlações é quase um artefato. Quando são usadas todas as trajetórias possíveis em um diagrama de trajetórias, e calculados todos os coeficientes possíveis, a matriz de correlação original é perfeitanente repro­duzida, qualquer que seja o modelo ou diagrama.

267

I

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"correta." O método exposto pode, portanto, ser considerado como possuindo a virtude da negativa. Se um modelo não for consistente com os dados, provavelmente não será "correto". Mas se for consistente com os dados, pode ou não estar "correto". Sua "correção", em outras pala­vras, tem que ser julgada em outras bases, além da estatística. Esta é uma das dificuldades de todas as teorias e explicações científicas (e de outros tipos). Podem. ser mostradas como provavelmente incorretas, no sentido de ·não serem consistentes com a evidência empírica, mas jamais poderão ser mostradas como absolutamente corretas. Uma explicação pode ser mostrada como provavelmente "melhor" que outras explica­ções alternativas, mas o cientista jamais poderá ter certeza de que seja a última palavra. Se o leitor voltar à discussão sobre o fumo e o câncer de pulmões no capítulo 8, talvez compreenda melhor o que lá ficou dito a respeito de explicações e explicações alternativas.

Na discussão acima nada ficou dito sobre análise de estruturas de covariância. Aliás, foi uma descrição mais ou menos convencional da análise de trajetória. Ficou omitida a análise de estruturas de covariância para que o leitor pudesse te~,· uma visão geral da abordagem de análise de trajetória no quadro de referência costumeiro da regressão múltipla. Tentaremos mostrar agora, embora rápida e incompletamente, como a análise de trajetória é um caso especial da análise de estruturas de covariância e como o problema analítico da pesquisa pode ser abordado no quadro de referência da estrutura de covariância.

Em análise de estruturas de covariância, os problemas representados nas figuras 13 . 6 e 13. 7 podem ser resolvidos com exatamente os mesmos resultados. Pode ser feito mais, entretanto. Primeiro pode-se calcular as variâncias de erros de mensuracão associadas às medidas falíveis das variáveis. Tal cálculo mudará en'tão a solução, incluindo os coeficientes de trajetória. A análise de trajetória geralmente admite a inexistência de erros, tornando-se assim vulnerável à crítica. Segundo, as variáveis laten­tes podem ser postuladas e calculada sua influência. Por exemplo, no modelo da figura 13. 6, pode-se pensar que uma variável latente tenha influência tanto sobre n Realização quanto sobre Realização.

Terceiro, a análise de estruturas de covariância permite testes da significância estatística do acordo entre modelos teóricos .e dados obser­vados. Além disso, modelos teóricos alternativos podem ser testados para verificar-se sua congruência comparativa com os dados observados. Por exemplo, a congruência entre as correlações originais e as correlações forçadas da tabela 13 .10, pode ser testada estatisticamente. Se as dife­renças entre as duas matrizes, mostradas na matriz residual da tabela 13 . 10, forem relativamente grandes, indicando falta de acordo entre teoria e dados, o teste estatístico indicará. Se o teste estatístico não mostrar significância, então, o acordo ou congruência será aceitável.

268

Finalmente, a estimativa das magnitudes dos valores dos coeficien­tes de um modelo - em análise de trajetória os coeficientes de trajetória, por exemplo - é feita simultaneamente. No exemplo de análise de trajetória dado atrás, os coeficientes de trajetória foram calculados sucessivamente. Por exemplo, no problema da figura 13.6 os coeficien­te.s levando de SSE e Inteligência a n Realização foram calculados primeiro e depois que os coeficientes de SSE, Inteligência e n Reali­zação a Realização foram calculados. Em análise de estruturas de cova­riância, entretanto, todos são calculados ao mesmo tempo, por assim dizer, incluindo a estimativa das influências das variáveis latentes, se as houver, e dos erros. Isto é, toda a informação é levada em conta de maneira verdadeiramente multivariada. Deve ficar óbvio que a análise de trajetória é um caso especial .da análise de estruturas de covariância.

Como sempre, precisamos terminar a discussão com uma nota de cautela. Embora poderosa, a análise de estruturas de covariância não é a resposta perfeita aos problemas teóricos e analíticos. Não pode - ou não devia poder - ser usado para análises comuns. É perda de tempo e trabalho usá-la, por exemplo, para uma análise fatorial exploratória comum. Deveria ser usada apenas para testar modelos teóricos relativa­mente complexos ou hipóteses alternativas complexas. Uma segunda limi­tação é que as suposições por trás de seu uso são bastante rigorosas, tornando-a, pelo menos teoricamente, inaplicável em algumas situações de pesquisa (por exemplo, com variáveis dicotômicas). Esta limitação do sistema pode ser superada com o tempo. Há uma ou duas outras limi­tações, que vamos ignorar aqui. Em suma, a .análise de estruturas de covariância é uma estratégia rica, poderosa e um método de ataque aos problemas de pesquisa, desde que estes sejam guiados pela teoria e sejam de tal natureza que as suposições do !Jlétodo pdssam ser razoavel­mente satisfeitas. Pode-se dizer até que o método é um grande avanço na conceitualização e metodologia mostrando uma nova direção e sofisti­cação na pesquisa comportamental.

Conclusão

Fizemos quase um círculo completo. Começamos o livro com idéias de teoria e explicação e repisamos continuamente teoria e explicação no livro todo. Agora alcançamos o máximo metodológico contemporâneo tia conceitualização abstrata e na testagem da teoria em um quadro de referências multivariado. Com a análise multivariada, a metodologia da pesquisa comportamental atinge um grau de complexidade jamais sonhado em anos anteriores.

A força mais i!Jlportante da análise multivariada é que os cientistas podem se aproximar mais da complexa realidade do comportamento

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humano, usando métodos multivariados. Outra força é que a condução de pesquisa não-experimental e a análise de dados de pesquisa não­experimental podem ser grandemente fortificados com abordagens e análises multivariadas. Talvez a palavra mais significante seja "controle". Com técnicas multivariadas apropriadas, pode-se conseguir a identifica­ção e controle da variância. O caminho da inferência a partir de uma teoria inicial à confirmação e interpretação finais ficou mais claro, embora tenha se tornando muito mais complexo.

A força e desejabilidade da abordagem multivariada não deveria levar, entretimto, a acreditar que seu desenvolvimento resolve a maioria de nossos problemas científicos, ou que não haja fraquezas ou que abor­dagens univariadas mais simples estejam mortas ou morrendo. Nada disso. A pesquisa comportamental precisará sempre de abordagens mais simples, principalmente em experimentos e certas situações de pesquisa aplicada. Afinal, sempre se poderá dizer que o coeficiente de correlação, que expressa a magnitude e direção da relação entre duas variáveis, é o

~ coração da análise multivariada. Observe que em certo sentido uma ferra­• menta complexa como a correlação canônica resulta finalmente em um \ coeficiente de correlação. Mais apropriado seria dizer que muitas

pesquisas não exigirão mais do que uma simples comparação de médias usando análise de variância ou outro método, ou uma comparação de freqüências e porcentagens como nas tabelas de cruzamento de variáveis, ou no mais simples dos modelos de pesquisa, digamos, um grupo experi­mental e um grupo de controle. Não, a abordagem multivariada não irá tanto substituir métodos mais simples como enriquecer a pesquisa com­portamental possibilitando abordar mais de perto as exigências complexas da teoria comportamental. Uma teoria é um conjunto de constructos ou variáveis sistematicamente relacionadas umas às outras de maneiras espe­cificadas. Por definição, uma teoria tem diversas variáveis em uma estru­tura unificada. Para testar adequadamente uma teoria, então, freqüente­mente precisa-se de métodos multivariados. O propósito deste capítulo foi fornecer um pouco do sabor, senão muito da substância, desta necessidade.

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14. O computador

O que há em relação aos computadores, para encantar e perturbar tanta gente? Os computadores são ajudantes ou monstros de potencial assustador? São bons ou maus para nós? Os computadores não são máquinas apenas; são fenômenos sociais e psicológicos com implicações importantes para a ciência e a pesquisa. Neste capítulo tentaremos com­preender uma pequena parte do que são os computadores, como funcio­nam e o que significam para o cientista. Vamos também tentar acabar ';.;l com um pouco de sua mitologia. ...:

Não se pode compreender a pesquisa comportamental moderna sem X ~ -­compreender o computador, uma das mais fortes influências contem- ~ '":. porâneas na pesquisa. Não é apenas pelo fato de mais problemas poderem ., •. ser atacados hoje do que antes dos anos 50, os primeiros anos do compu-~ { tador digital eletrônico de alta velocidade. A própria natureza dos proble~~ · • mas que estudamos é diferente; mesmo nossa abordagem a problemas é ~ ;:_; diferente . ~ 2

Por exemplo, as técnicas analíticas multivaf\adas estudadas nos úlf0 ((~ mas capítulos são hoje facilmente alcançáveis pelo pesquisador porqu[i (;;:j há computadores, centros de computação, e programas multivariados dê>­computador a disposição. Sabendo disso, o pesquisador fica livre pa~ conceber uma enorme variedade de problemas de pesquisa que, digamos, na década de 50 ele nem pensaria, simplesmente porque não havia meios de fazer os cálculos necessários. A simples quantidade de cálculos, em outras palavras, afetou drasticamente a natureza e a substância da teoria e dos problemas.

O computador tornou-se tão intimamente ligado ao pensamento dos pesquisadores que é difícil fazer uma idéia da época em que eles não existiam. Eu me lembro bem deste tempo, mas agora penso como poderia existir profissionalmente sem eles. E assim é com a maioria dos pesquisa­dote~ psicólogos, sociólogos, economistas e educadores. Não podemos imaginar o que é trabalhar sem um computador.

Vamos tomar um ou dois exemplos. Agora a análise fatorial é usada quase rotineiramente para determinar o que os testes e escalas medem. Pode-se construir um teste de aptidão, como Thurstone fez há muitos anos atrás, e incluir o que se acredita ser três ou quatro tipos

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de medidas de aptidão: verbal, numérica e espacial, por exemplo, O teste mede realmente as capacidades especincadas? Um meio importante de responder a esta pergunta é aplicando o teste a grandes números de crianças ou adultos e depois analísar fatorialmente as correlações entre os itens do teste. Lembre-se que :.tn~lise fatorial, entre outras coisas, é um método de análise que ajuda o pesquisador a determinar como os testes ou medidas se agrupam. 'Jetermina também como os itens de testes ou escalas se agrupam. Se alguns itens medirem, presumivelmente, aptidão verbal e · outros itens medirem aptidão numérica, então cada conjunto deve se agrupar na análise. As correlações entre os itens verbais deveriam ser positivas e · substanciais, e as correlações entre os itens numéricos deveriam ser também substanciais, enquanto que a correlação entre os dois tipos de itens, entre os presumíveis itens verbais e numéri­cos, deveria ser mais baixa (porque estão medindo coisas diferentes). A análise fatorial, como já dissemos, faz tais análises satisfatoriamente - com a ajuda do computador. (Veja capítulo 12, especialmente o exemplo da escala de atitude e as tabelas 12. 5, 12.6 e 12.7 .)

Antes dos computadores entrarem em uso geral sabia-se - embora não muito bem - que a análise fatorial de itens era necessária para uma validade satisfatória e para outros estudos em mensuração. Tais estudos, entretanto, eram raros, quase inexistentes. 1 O simples volume dos cálculos afastava essas idéias de consideração, embora alguns pes­quisadores se lembrassem dessa abordagem com melancolia. Assim, um meio eficiente de se estudar a validade das medidas, de saber até certú pontu o que realmente medem os testes e os itens era coisa virtualmente inalcançável antes do moderno computador tornar-se comum. Hoje essas análises são rotineiras.

No capítulo 11 vimos que a regressão múltipla é um meio poderoso de estudar os efeitos juntos e separados de diversas variáveis indepen­dentes sobre uma variável dependente. Fazer regressão múltipla, aliás,

1 Em 1958 Kaya e eu (Kerlinger & Kaya, 1959) queríamos uma análise fatorial das correlações entre os itens de uma escala de 20 itens de atitude a fim de confirmar nossa idéia a respeito do domínio da atitude e dos itens. Nós mesmos calculamos os 190 coeficientes de correlação em uma calculadora mecânica de mesa. Nem é preciso dizer que levamos várias horas. Entretanto, o pensamento de faLer análise fatorial nos amedrontava, embora ambos já o tivéssemos feito "à mão". Levamos a matriz de correlação ao falecido Irwin Lorge, que tinha o privilégio de possuir um dos primeiros computadores bem primitivos. Lorge íez a análise fatorial, sem rotações ao custo de aproximadamente US$ 600,00. O trabalho levou horas, se bem me lembro. Kaya e eu fizemos as rotações à mão, o que levou de 10 a 20 horas. Pode-se entender por que os pesquisadores hesi­tavam em plane.iar uma análise fatorial de itens. Ho.ie uma análise completa de dados e itens semelhantes, de todas as estatísticas dos itens até as rotações de eixos fatoriais, leva menos de 20 segundos no computador que uso atualmente!

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xige a solução de diversas equações simultâneas. Um meio comum de e fazer isso exige o cálculo do inverso da matriz de correlações entre

as variáveis independent<!s. Fazer isto "à mão" com duas variáveis inde­pendentes é fácil. Fazê-lo com três variáveis independentes é mais difícil, mas é possível. Fazê-io com quatro variáveis é muito mais difícil, perde-se tempo, é frustrante e pode-se errar. Um wmputador resolve facilmente em questão de segundos. Até 'uma calculadora programável manual pode manejar três variáveis independentes em cere;a de dois minutos. A questão é que os cálculos de um método poderoso como o da regressão múltipla estão agora à mão dos pesquisadores que não mais precisam enfrentar a perda de tempo e as probabilidades de erro que as calcula­doras do passado ofereciam.

Mais uni exemplo e, desta vez, um bastante complexo, que é a análise de estruturas de covariância, descrita no capítulo 13. A análise de estruturas de covariância é quase impossível de ser feita em uma calculadora de mesa. Partes das computações são tão complexas que podem ser feitas apenas por computador e isto em questão de segundos. Assim podemos dizer que este método flexível, poderoso e frutífero de abordar a teoria e o teste da teoria, tornou-se possível apenas com o advento de computadores de alta velocidade. Sem dúvida, o método, para começar, jamais teria sido concebido se seus autores não tivessem trabalhado pensando na possibilidade do computador. E o mesmo serve para quase toda análise multivariada com mais de, digamos, seis ou sete variáveis. A influência do computador na pesquisa das ciências com­portamentais tem sido muito grande. E estavamos falando apenas dos efeitos dos cálculos. Os computadores tiveram grande efeito, natural­mente, em áreas não computacionais. Neste capítulo, vamos nos restringir aos efeitos dos computadores em cálculos com números.

Características dos computadores e computação

A função básica das máquinas mudou fundamentalmente. U'a máquina é um aparelho mecânico ou elétrico ou ainda um sistema para realizar algum trabalho útil através de operação de rotina. É um molde, por assim dizer, com o qual se produz alguma coisa regular e repetida­mente. Uma máquina de costura faz pontos regularmente, repetidamente e com variações. Uma máquina de escrever produz sérias de letras. Um piano produz séries e conjuntos de tons. O motor de um carro, através de explosões repetidas e de intrincada interação entre suas partes, leva força às rodas. As máquinas operam estereotipicamente. Elas fazem- ou devem fazer - o que seus usuários mandam-nas fazer e nada mais. A função básica da maioria das máquinas é libertar força de sorte que determinado trabalho possa ser feito: os movimentos para cima e para

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baixo da agulha da máquina de costurar, o mecanismo de um piano que transforma e transporta a energia dos dedos para os martelos de feltro que batem nas cordas, o trabalho do motor de um carro para virar suas rodas.

Weizenbaum (1976), em seu penetrante livro sobre o computa­dor, afirma que o aparecimento de máquinas elétricas, especialmente do computador, mudou o propósito fundamental das máquinas, da transmissão de força para a transformação de informação. A observação é profunda e seu significado é importante. O objetivo ou propósito do computador não é produzir força para que algum trabalho seja feito . Transforma a informação de certas formas para certas outras formas , e faz isto a grande velocidade e com toda a segurança. Um exemplo é a transformação de dados brutos na forma de números em outros números chamados estatísticas, como somar longas filas de números e depois calcular uma média, multiplicar muitos pares de números, somando-os, e depois calculando as covariâncias ou explorar textos verbais, contando palavras-chave, categorizando tais palavras e depois contanto os números de tais palavras em cada categoria.

O computador é, então, u'a máquina elétrica de grande complexi­dade, cuja função básica é transformar informação a grande velocidade e com alta confiabilidade. É um complexo elaborado de aparatos, cujas principais características são a capacidade de fazer muitas operações repetitivas a tremenda velocidade e com alto grau de exatidão, flexibili­dade e com o que eu gosto de chamar "ductilidade". A velocidade dos computadores modernos fica quase além do crível. Um computador moderno grande pode fazer 200.000 operações ou mais por segundo! Já dei um exemplo. Quero ser mais específico com um exemplo mais complexo. Num estudo de atitudes feito na Holanda, uma amostra de 6~5 pessoas respondeu a uma escala de atitude de 72 itens (Kerlinger, M1ddendorp & Amón, 1976). Foram calculadas as médias, os desvios padrão e as intercorrelações dos 72 itens por um computador de grande porte. Depois, a matriz de correlação foi analisada fatorialmente e 0s fatores obtidos rotados sucessivamente, comecando com dois fatores depois três fatores, e assim por diante até 1Í fatores . O computado; levou 1 minuto e 40 segundos para fazer o trabalho. Para se ter uma idéia do tamanho do trabalho, imagine o que foram 72 somas, 72 somas de quadrados, 72 médias, 72 desvios padrão, 2.556 produtos cruzados e milhares, até milhões de outros cálculos ligados à análise fatorial!

O computador opera também com toda exatidão. Faz todas estas operações complexas com exatidão finita mas altíssima. A hardware ~­como os técnicos chamam a parte física dos computadores - funciona admiravelmente. Você pode confiar na maioria dos .tesultados que con­seguir em um computador, contanto que você tenha feito seu trabalho

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corretamente e contanto que seu programa seja adequado. Infelizmente, boa parte do que sai de um computador é inexato e até sem significado. Mas isto não é culpa do computador; é culpa das pessoas que usam o computador. Grande parte desse rendimento questionável é provavel­mente devido a ignorância. Vamos voltar a este assunto mais tarde. O fato é que os computadores modernos são de toda confiança, máquinas exatíssimas em que se pode confiar para a maioria das análises em pesquisa comportamental.

Entretanto, os computadores não são infalíveis. Não se pode confiar inteiramente neles porque eles têm limitações. Se forem feitos cálculos prolongados com números muito grande ou muito pequenos, os resultados dos cálculos podem exceder a capacidade do computador. Suponhamos que eu tenha um pequeno computador com espaço para resultados não maiores do que o número 1.000.000 ou sete lugares. Mas que eu tenha que fazer o seguinte cálculo:

4672 X 543 + 117/ 0,005.

O resultado, naturalmente é maior que 1.000.000 e meu computador não poderá resolver. Mas as capacidades dos computadores modernos são rnaiores que 1.000.000, e eles podem acomodar a maior parte das necessidades de computação das ciências comportamentais.

As vezes, entretanto, acontecem inexatidões, mesmo com os progra· mas mais bem escritos. ("Programa" sera definido mais adiante.) Por exemplo, grande parte da análise multivariada depende de uma operação matemática conhecida como inversão de matriz (já mencionada). O inverso de uma matriz é como um recíproco ou um divisor ou um deno­minador em aritmética. Embora em álgebra se possa dividir facilmente b por a, ou b/a, para produzir, digamos, c, ou c = b/ a, não é possível, em um sentido rigoroso, dividir u'a matriz de numeras por outra matriz de números. Em vez disso, é calculada uma matriz inversa, e a primeira matriz é multiplicada pela matriz inversa. Para se calcular inversos de matrizes são necessárias várias multiplicações. Se os números forem grandes, a capacidade do computador pode ser excedida. Se, como às vezes acontece em análise multivariada, os números são pequenos - os coeficientes de correlação são pequenos, e dois ou três multiplicados juntos produzem números menores ainda porque são frações 2

- então, as muitas multiplicações poderão produzir números muito pequenos que levarão a inexatidões e resultados confusos.

A confiabilidade do computador está relacionada a sua "ductili­dade". "Ductilidade" significa "tratabilidade". Uma pessoa tratável faz o

2 Por exemplo, suponhamos que multiplicamos 0,30, 0,40 e 0,05: 0,30 X 0,40 X 0,05 = 0,006.

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que os outros querem que ela faça. Um computador faz o que a pessoa lhe diz para fazer. Fazendo isso é estúpido: faz exatamente o que lhe mandarem; jamais mostra inteligência ou senso comum. Não existe um programador de computador que uma vez ou outra não tenha dito : "Seu idiota! Não era isso que eu queria." Então pode-se dizer que os computadores são estúpidos e tratáveis. B uma característica excelente porque significa grande confiabilidade e segurança. Também exige muito das pessoas que usam e programam os computadores. Elas têm que explicar tudo o que computador deve fazer para atingir qualquer meta. E isto, naturalmente, não é fácil de fazer. Em resumo, um programador não pode omitir nada. Um computador faz fielmente os erros que é mandado fazer! Não faz nada mais nem nada menos do que mandam suas instruções!

Outra característica dos computadores e da computação não é realmente uma característica da máquina. E inerente às pessoas trabalhan­do com a máquina. Os computadores parecem exercer uma fascinação infinita sobre muita gente. Isto é particularmente verdadeiro para quem programa com êxito o computador para fazer um trabalho útil. O prazer é como o prazer do pianista que aprendeu e toca uma peça musical desafiadora ou um jogador de xadrez jogando com um oponente igual. B como se se fosse empurrado para conquistar não apenas a análise que se precisa mas também o computador e a própria pessoa. A preocu­pação intensa e a concentração exigidas parecem se unir em uma expe­riência psicológica altamente compensadora. Em resumo, os programa­dores de computadores muitas vezes ficam viciados, ligados ao compu­tador.

Esta característica leva a resultados produtivos. Resolvem-se proble­mas que não teriam solução sem tais investimentos de preocupação, concentração, energia e tempo. Mas os resultados podem ser também negativos. E possível alguém se absorver a tal ponto, programando a máquina, chegando a se esquecer das razões porque a programou! Weizen­baum (1976, capítulo 4) descreveu de maneira incrível os "picotadores" (hackers) de computador, indivíduos que virtualmente vivem para e com o computador. Eles não programam tanto quanto "picotam". Embora tecnicamente brilhantes - às vezes, seu conhecimento de computadores e programação é profundo -, pouco estão ligando para o que estão programando. Weizenbaum diz que têm uma preocupação neurótica não tanto de resolver ou ajudar a resolver problemas importantes, mas de dominar a máquina, adquirir poder.

O exemplo extremo de Weizenbaum é dado para ilustrar a incrível fascinação desta máquina complexa e poderosíssima. Embora o "pico­tador" de Weizenbaum seja u'a manifestação neurótica dessa fascinação , rest& dúvida de que muita gente, talvez a maioria dos que lidam freqüen-

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temente com computadores, se torna obcecada. Não há nada de mal em um interesse profundo; muitas vezes ele leva a realizações criativas. Mas o computador tem uma dimensão a mais: ele é basicamente uma ferramenta para auxiliar a resolver problemas . Se isto ficar esquecido na preocupação com a máquina propriamente dita, então a coisa se torna um jogo. A maioria dos jogos é inofensiva e sua perseguição com avidez não prejudica ninguém. Mas a perseguição ávida ao computador sem preocupação pela finalidade científica e técnica de seu uso, pode conduzir a banalidades sem significado ou, pior ainda, à erosão dos valores científicos.

Como funcionam os computadores e os programas

Para se compreender o computador em sua relação com a pesquisa, é necessário entender como ele foi feito para desempenhar sua tarefa. Neste livro não nos interessa saber como os computadores funcionam internamente, mas nos interessa saber como fazê-los trabalhar. Como, por exemplo, podemos fazer o computador calcular a média de uma série de números? Talvez a melhor maneira de compreender o computa­dor e seu uso, é aprender alguma coisa a respeito dos programas da programação dos computadores .

Um programa é um conjunto de instruções numa linguagem especial de computador que lhe diz com exatidão o que fazer para realizar o objetivo do programa. Um programa de análise fatorial, por exemplo, é um conjunto elaborado de instruções para que um computador leia dados de cartões ou fitas para calcular médias e desvios padrão de todas as variáveis atribuídas, para calcular as intercorrelações de todas ou algu­mas das variáveis, para fazer os cálculos necessários para obter fatores e rotá-los, e finalmente para imprimir os resultados com as denominações apropriadas. Este programa será longo e complexo. As instruções espe­cíficas encherão muitas páginas. Um programa que uso para análise fatorial ocupa 12 páginas grandes de saída de computador. Outro pro­grama mais complexo de análise fatorial ocupa 26 páginas. (Muitos programas, naturalmente, são relativamente curtos.)

Uin exemplo simples de programação

Os programas são escritos na língua especial dos computadores. Usamos Fortran (FORmula TRANslation) aqui provavelmente porque seja a linguagem mais conhecida, pelo menos nas ciências comporta­mentais. Mas há várias outras linguagens: Algol, Cobol, Pascal e outras. Uma vez que nossa preocupação é apenas com as idéias básicas de progra-

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mação, não precisamos lidar com a linguagem e suas diferenças. Mas vamos discutir e ilustrar rapidamente a linguagem usada para programar outra invenção notável, a calculadora programável de bolso. Essas lingua­gens "menores" têm a virtude de uma relativa simplicidade, considerável

·flexibilidade e capacidade. Além disso, . as calculadoras programáveis estão se tornando muito comuns e logo serão mais amplamente usadas e bastante acessívei5 a qualquer bolso. Sem dúvida, dentro de cinco anos elas provavelmente preencherão diversas necessidades dos pesquisa­dores comportamentais para cálculos menores.

Fortran é uma língua intermediária- assim como o Algol, o Pascal e outras linguagens semelhantes - que permite ao pesquisador se comu­nicar com o computador. Usa alguns comandos ou afirmativas básicas em inglês, como: READ, WRITE, GO TO, CONTINUE, DO e IF. Esses comandos podem ser entendidos literalmente: read (leia) tais e tais dados; write (escreva, ou imprima) os resultados, go to (vá para)

• uma outra parte do programa, if (se) uma quantidade computada for positiva (por exemplo), go to (vá para) tal parte do programa, mas i/

r (se) for negativa ou igual a zero, go to (vá para) tal outra parte do · programa. A força e flexibilidade das linguagens de computador não podem ser exageradas. Quase não existe operação lógica ou numérica que não possa ser realizada com ele.

Suponhamos que desejamos somar dois números, 6 e 4, e pôr o resultado em um lugar de armazenagem rotulado SUM. Uma instrucão Fortram para fazer isto, é: •

SUM = 6 + 4

Mas isto é limitado demais porque certamente vamos querer usar a opera­ção de adição novamente. Então escrevemos:

SUM = A+ B

Agora, quaisquer dois números podem ser lidos pelo "leitor" do compu­tador e podem ser armazenados nos "lugares" chamados A e B. Então A: B.poderão ser usados mais tarde em quaisquer operações aritméticas assim como adição. As outras operações aritméticas são manejadas da mesma forma. Por exemplo, a multiplicação e a divisão são feitas da seguinte maneira:

RESULTl

RESULT2 A * B (multiplicação) A/B (divisão)

(0 asterisco é a versão Fortran para "x", multiplicar. "/" é a versão Fortran para."+ " dividir.) As operações são combinadas facilmente, como a combmação seguinte das quatro operações aritméticas básicas:

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RESUL T3 = ((RESUL T1 + RESUL T2) * A) / (A - B) Se A = 6 e B = 4, então RESULT3 = 76,50.)

Este uso da Fortran em nível tão baixo, embora não seja particular­mentt> interessante ou poderoso, ilustra três pontos importantes relativos a Fortran e à programação. Primeiro, as equações Fortran não são como as equações algébricas comuns. Elas sempre querem dizer que o enun­ciado à direita é colocado no "lugar" marcado à esquerda. Um termo apenas pode ficar à esquerda, qualquer número de termos ou expressões, à direita. O enunciado SUM = A + B, acima, significa: No lugar chamado SUM coloque a soma de A + B. Segundo, o resultado de uma operação pode ser rotulado de quase qualquer coisa, desde que sejam satisfeitas duas ou três regras simples (por exemplo, o nome pode ter de uma a sete letras, números ou ambos: C, SUM, RESULT2, e assim por diante). ':':?

Terceiro, os computadores modernos têm muita capacidade de 1 •

armazenagem, e os lugares de armazenamento são alcançados simples-5 mente por seus nomes ou rótulos. No exemplo acima, cada um dos valo- _. res, A, B, SUM, RESULT2 e RESULT3, está armazenado em lugares dife- < " rentes e facilmente acessíveis e rotulados como indicado. A armazenagem~ - Jl e os lugares de armazenamento do exemplo acima podem ser concebidos~; ; assim (embora não seja realmente feito assim): .::; ~ ,

~ ·­~ ·'::! c::::

6 4 10 24 1,so 76,50 i2 ~z 5:

A B SUM RESUL T1 RESULT2 RESUL T3 z :::::>

Agora, o programador pode fazer o que quiser com estes valores, ou quaisquer outros valores que possa ter calculado, simplesmente escre­vendo novos comandos Fortran.

A verdadeira força do computador entretanto, está em sua flexível capacidade de fazer operações repetitivas várias vezes a grande veloci­dade. Suponhamos que desejamos somar uma série de números e depoi-s calcular sua média. Há várias maneiras de fazer isto em Fortran. Vamos ilustrar duas apenas. Elas nos permitirão entender dois ou três pontos. Eis uma rotina para somar números:

DO 110 I = 1, N 110 SUMX = SUMX + X(l)

Isto pode ser traduzido assim: DO (faça) o que estiver indicado na afirmativa 110, usap.do valores de 1 a N (1 , 2, 3 .... , N), N sendo o número total dos valores de X. Suponhamos que 100 valores de X dife-

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rentes ten~am sido lidos antes pela memória da máquina (N = 100). Eles estanam então em 100 lugares de armazenamento. O comando Fortran instrui a máquina: a tomar esses valores de X de cada memória por sua vez e somá-los em um outro lugar chamado SUMX. Esta é uma m~ne~ra característica de se acumular valores em Fortran. Aliás, a maquma faz esta operação repetidQmente até ter usado o N-ésimo valor de X (tendo lido "100" anteriormente em um lugar de armazenamento chamado N) . Então pára à espera de novas instruções.

. O procedimento acima.' entretanto, usa armazenagem que não é prectso ser usada. Um precelto de programação é usar sempre o mínimo de armazenamento possível. Uma prática Fortran mais econômica seria fazer a máquina ler um valor de X por vez em um cartão e fazer a adição exigida imediatamente. Não haveria necessidade de armazenar os X's, a não ser, naturalmente, que fosse preciso usá-los mais tarde. A Fortran para realizar isto e também para calcular a média pode ser:

10 (Read in N.) SUMX = 0.0 (Inicializa SUMX)

30 I = I + 1 (Ajusta I para 1.) 40 (Read in X (I) . )

100 SUMX = SUMX + X (I) (Soma Xi a SUMX) 105 IF (I.L.T.N) GO TO 30 (Enunciado condicional:

AN = N veja o texto) (Põe Nem AN)

107 A VER = SUMX/ AN (Calcula a média) 110 (Print SUMX and A VER.)

END

Nesta rotina o computador lê primeiro N, ou 100, que o usuário perfurou_ em um c?rtã~. O comando 10, que foi omitido para evitar complext~ade, reahza ts!o. , E~ tão SUMX, o nome do que no final se tornara a soma dos X s, e aJustado para zero. Isto se chama iniciali­zação e é o mesmo que limpar uma calculadora antes de comecar um cálculo. O comando 30, I = I + 1, é uma forma padrão de ac~mular uma soma. 1 é somado a I e colocado no lugar chamado I. (I será u~ado ~o.mo subscrito de X mais tarde.) O comando 40, cujos detalhes s~o omthdos novamente, I~ o primeiro X, ou X (1). No comando 100, X (1), que, naturalmente e X (1), é somado a SUMX e colocado no lugar SUMX. O comando 105 é o mais interessante. Traduzido diz o seguinte: "Se I for menor do que (LT) N, vá para o comando 30" .• Tá que I = 1, e portanto menor do que N, ou 100, o computador volta ao comando 30. Isto completa um impulso (swing) pelo circuito (loop).

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O computador volta agora à afirmativa 30, que soma 1 a I de novo. No 40, é lido X (2), e no 100 é somado a SUMX. Se X (1) = 15 e X (2) = 17, então SUMX agora é igual a 32. É feito novamente o teste no comando 105, e uma vez que I, ou 2, é menor do que 100, o compu­tador . volta novamente para 30. I é novamente incrementado, o X (I) seguinte é somado a SUMX, novamente é feito o teste em 105 e nova­mente o computador volta para 30. O procedimento continua até o 100.0

X, ou I = 100. Depois que X (100) é somado a SUMX, é feito nova­mente o teste IF na afirmativa 105, mas desta vez, já que I = 100 e, portanto, não é menor do que N, o computador não voltará a 30. Em vez disso, continua até depois de 105.

A continuação do programa calcula simplesmente a média, chamada A VER, depois de converter N em AN, a que é feito para mudar o número inteiro N em um número decimal para que a aritmética de SUMX/ AN possa ser feita . (Em Fortran, denominações de variáveis que começam com I, J. K, L, M e N, são variáveis de números inteiros: todas as outras são variáveis decimais . O leitor não precisa se preocupar com esta distinção.) É calculada então a média AVER, no comando 107 e SUMX e A VER são impressos pelo comando 11 O (não dado). O programa e os cálculos terminam então com a instrução END.

Isto é suficiente para dar ao leitor um pouco do gosto da linguagem de um computador, como a Fortran, e uma idéia e como o computador "trabalha".

A princípio o procedimento pode parecer enfadonho, mas funciona, e muitíssimo bem. Em um computador de grande porte, o programa acima tomaria apenas um ou dois segundos. Além disso, poderíamos facilmente somar os quadrados de todos os X, calcular a soma dos quadrados, o desvio padrão, se desejássemos e com pouquíssimo acréscimo de tempo do computador. Ler os dados e imprimir os resultados levam mais tempo do que os próprios cálculos, que são feitos tão rapidamente que se apertássemos o botão para iniciá-los, eles estariam feitos antes de soltar­mos o botão!

Seria quase tolice usar computador tão grande para computações tão simples. Se em vez de um X, tivéssemos 30 X's, ou variáveis, e quiséssemos calcular todas as médias, desvios padrão e correlações entre os X's, não seria tolice. E isto é feito fácil, rápida e exatamente com uma programação Fortrah (ou outra). Naturalmente, o programa será mais complexo. E se alguém quiser fazer outras análises, como análise fatorial ou análise de regressão múltipla, então, o programa torna-se mais longo e complexo. (Mostramos apenas uma · pequena fração das possibilidades da Fortran.) Entretanto, os procedimentos básicos são semelhantes. ·

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Computadores-calculadores programáveis

Por sua importância potencial e seu interesse intrínseco, vamos examinar rapidamente agora a linguagem usada na pequena calculadora programável Hewlett-Packard, a HP-67. 3 (A mesma linguagem é usada com as HP-97, maiores, com ligeiras alterações.) A HP-67, como suas primas TI, tem a capacidade de gravar programas escritos em pequenos cartões de plástico. Quando se precisa um programa, o plástico é inserido na máquina e o calculador programado está pronto para funcionar. A flexibilidade e poder de tais máquinas - dentro de dois ou três anos elas provavelmente serão mais fortes e flexíveis- são notáveis. Natural­mente elas não estão no mesmo universo de discurso dos grandes compu­tadores, mas não são brinquedos. São computadores-calculadores capazes de muito trabalho analítico importante. Em todo caso, vamos ilustrar agora um pouco da linguagem de programação e lógica da HP-67. Vamos fazer a mesma coisa que fizemos com a Fortran, somando números e calculando uma média.

O programa completo - o programa Fortran acima não estava completo - é o seguinte:

(Entre Xi; LBL A aperte A) STO + 1

(A.perte B)

~T0+2} RCL 2

RTN

LBL B RCL 1 RCL 2

STO 3 RTN

Parte A rotulada Acumula os X's na locação 1 :J: somado incremento de 1 à locação 2 Chama o número incrementado em 2, o número de casos. Parte A terminada.

Parte B rotulada Chama 1, a soma dos X's. Chama N de 2. Divide, ~XiiN = Média. Armazena a média em 3. Parte B terminada.

Foram dadas notas explanatórias à direita em cada linha do programa. Em "HP" cada parte de um programa, ou todo um programa, tem que

3 Há várias calculadoras programáveis a venda. As máquinas da Hewlett-Packard ~HP) e as da. Texas Tns!ruments (TI) são provavelmente as ma.is importantes graças a s?a. cal!actdad~. relativamente grande - para máquinas tão pequenas -, sua sof1sttcaçao e uttltdade. Seus preços são cada vez mais baixos talvez os únicos produtos a ficarem ~ais baratos durante a inflação. Eu preferi il~strar a linguagem da~~· em vez da. ln~guagem da TI. porque a primeira é mais compacta e mais softsttcada. Os dots tipos de máquina, entretanto, são muito bons.

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ser rotulado, A, B, e assim por diante: LBL A, LBL B. Nosso programa tem dois subprogramas, A e B. O objetivo de A é somar os X e determi­nar o número de casos, N. O objetivo de B é calcular a média. Ambos são feitos facilmente com seis comandos apenas. Em A, STO + 1 é equivalente ao comando Fortran SUM = SUM + X (1). Toma um número digitado pelo usuário e soma-o ao conteúdo da locacão 1. Se X fosse necessário a uma operação posterior, poderia ser arma~enado para esse fim. Isso poderia ter sido feito inserindo-se o comando STO 3 (ou STO 4, STO 5) imediatamente após LBL A e antes de STO + 1.

Os dois comandos, 1 e STO + 2, são um "contador". Eles incre­mentam os casos na locação 2. O n':ímero que estiver antes de STO + 2 sera somado ào conteúdo do lugar de armazenagem 2. Quando todos os X's tiverem ehtrado, a locação 2 conterá N, o número de casos. A afirma­tiva RCL 2 significa "Recall 2," ou "chame tudo o que estiver na loca­ção 2". Isto é conveniente porque mostra ao usuário qual é o número de casos. A instrução RCL 2, em outras palavras, traz o que estiver em 2 para o display. A afirmativa final de LBL A é RTN, ou "volte" (return). O computador interrompe a execução do programa e volta ao início de LBL A.

Usando computadores grandes, grava-se (perfura-se) os X em cartões ou fitas, e o computador os lê. Em calculadoras pequenas programáveis, os X's são digitados (embora haja um meio para a calculadora ler dados de cartões plásticos). Com nosso pequeno programa, digita-se o primeiro X ou X, e depois aperta-se A. A calculadora toma o valor introduzido e soma ao conteúdo da locação 1. Se, por exetl].plo, introduzirmos 15, este 15 ficará na locação 1. 1 é somado à locação 2, ou O + 1 = 1. Isto é chamado de volta da locacão 2 e mostrado. A calculadora volta então a LBL A, pronta para nova ~ntrada X. Vamos dizer que X2 seja 21. Este é somado ao conteúdo da locação 1, ou 15 + 21 = 36, e 36 fica na locação 1. Novamente 1 é somado à locação 2, ou 1 + 1 = 2. ·

Quapdo todos os X tiverem entrado, digamos, 40, aperta-se a chave B que ativa LBL B. B chama de volta os conteúdos das locações 1 e 2, e divide o primeiro pelo segundo ou, ~XiiN, a média, naturalmente, que aparece no display. Fica também depositada na locação 3 pela instrução STO 3 para provável uso futuro. Se o programa for necessário para cálculos semelhantes no futuro, pode ser gravado num pequeno cartão plástico (já mencionado) , guardado e usado em outra ocasião, introdu­zindo simplesmente o cartão na máquina. O programa assim escrito, está

· pronto para operar com dados novos, assim como um programa Fortran é gravado em cartões ou fita e pronto para ser usado quando necessário. 4

4 O lei tor deve estar jmaginando de que forma o computador "compreende" as instruções recebidas em Fortran ou outra linguagem e como executa os comandos.

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Outros usos e operações dos computadores

Até agora falamos apenas do uso do computador em cálculos numéri­c~s diretos: calculando médias, correlações, desvios padrões e assim por dtant.e, e ainda operações maiores, como regressão múltipla e análise fatonal. O computador, entretanto, tem vários outros usos: análise de mate~ial. verbal, simulaçã~ de ~odelos teóricos, planejamento e regulação ~o trans~to, e ~utros. A dtscussao desses usos está além do objetivo deste ltvro .. Ha u;n hpo de uso, entretanto, que será proveitoso discutir porque nos aJUdlira a compreender melhor a natureza do computador e seu uso em pesquisa comportamental. Esta é a solução de problemas de cálculo difícds ou impossível de serem feitos sem um computador. Por exemplo, tabelas de números aleatórios são publicadas em livros de estatística e usadas constantemente pelos pesquisadores. (Lembre-se de nossa discussão sobre casualidade e casualização nos capítulos 5 e 6.) Tais números são difíceis ou até impossíveis de gerar adequadamente "à mão" ou com calculadoras pequenas, mas é relativamente fácil gerar uma grande quantidade de números casuais em um computador grande. (Até as calculadoras programáveis HP-67 e TI podem gerar "bons" números aleatórios.)

Em discussão anterior sobre a testagem da significância estatística for.am negligenciados os. t~stes de significância realmente usados pelos pes~ qmsadores porque o objehvo deste livro não é ensinar estatística e análise mas as idéias por detrás da estatística e da análise como partes vitais d~ pesquisa. Depois de um pesquisador ter feito um experimento, digamos co;?? o. ~e~ Cl~r~ e Walberg ou o de Aronson e Mills, ele precisa testar a stgmftcancta de seu resultado estatístico para ver se o resultado se afasta suficientemente da expectativa baseada no acaso para garantir que realmente se trata de um resultado "estatisticamente significante". Um desses testes é o chamado teste t. Uma estatística, t, é calculada a partir dos resultados experimentais de, por exemplo, a diferença entre duas médias, como em Clark e Walberg. A estatística calculada é então confrontada com uma tabela de tais t's. Se o t calculado for igual ou

Seria nec~ssano quase um livro, escrito por um especialista em computadores, para cxphcar todo o assunto. Entretanto, podemos dizer apenas o seguinte: em qualquer computador grande, há um programa de "tradução", ou um conjunto de programas chamado "compilador" (compiler) . O compilador examina a "vali­dade" da Fortr~n (se tem erros de grafia, pontuação e assim por diante) e a traduz para a "lmgt~agem d~ máqu_ina". para as instruções absolutas da máquina, em qualquer que seJa ~eu Sistema mterno. Para mais detalhes sobre compiladores e outros assuntos relaciOnados, o leitor poderá consultar livros muito bons sobre computadores e seu uso nas ciências comportamentais escritos por Brier e Robinson (1974) e Green (1963). '

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maior do que a entrada apropriadá na tabela t - há muitos t's na tabela correspondentes aos números de casos nos grupos experimentais - o resultado é considerado ·estatisticamente significante. (Para mais discus­sões desses testes estatísticos, veja o Apêndice no fim do livro.)

Os livros de estatística sempre contêm tabelas t - e outras tabelas usadas com testes estatísticos. Estritamente falando, entretanto, o compu­tador tornou tais tabelas obsoletas parcialmente. O computador pode calcular de maneira bastante exata o t específico de que se necessita. Tudo o que é preciso é o que se denomina uma sub-rotina para fazer a aproximação necessária. 5 Os valores tabelados para os diferentes t são valores de distribuição. São valores esperados por acaso para vários N's. Suponhamos que o pesquisador obtenha uma diferença entre duas médias e calcula t, que, digamos, é 3,714. Procurando a entrada apropriada na tabela ao nível de significância de 0,05, ele encontra que o t na tabela é 2,010. Seu t é 3,714, maior do que o da tabela. Já que a entrada de 2,010 na tabela é o valor esperado por acaso - o valor esperado se houvesse apenas uma diferença casual entre as duas médias -, eles podem concluir que as duas médias são significantemente diferentes.

O cálculo de valores de distribuição, como para a distribuição t, é difícil porque envolve cálculos tediosos. O computador calcula valores da distribuição usando procedimentos de aproximação sucessiva. (Uma forma simples de tal procedimento vern ilustrada adiante.) Dentro de alguns anos os programas de computador que incluam distribuições esta­tísticas provavelmente terão tais procedimentos de aproximação "'=!mbu­tidos" na maioria dos programas estatísticos. Quando um t, por exemplo, for calculado, o computador calculará também, 'através de um procedi­mento de aproximação, a probabilidade que o t calculado (calculado dos dados) ocorra por acaso. Por exemplo, a aproximação da probabili­dade que t = 3,714 tenha ocorrido por acaso é apenas de 0,0003, ou 3 chances em 10.000. Fiz uma HP-67 realizar os longos cálculos repeti­tivos - muitos loops, aliás, para efetuar a aproximação - usando um programa fornecido pela companhia. A calculadora levou cerca de 30 segundos para fazer o trabalho. Um computador grande faria o mesmo trabalho em muito menos tempo, numa pequena fração de segundo Em resumo, embora as tabelas de valores de distribuição talvez não se tornem obsoletas, elas não serão tão úteis e necessárias quando são agora.

5 Uma subrotina é um programa dentro de um programa principal. As subrotinas têm seus próprios nomes, geralmente têm objetivos especiais e são usadas nova­mente várias vezes. Um de seus objetivos é economizar programação. Em vez de acumular o número de casos no programa principal do exemplo acima, por exemplo, poderíamos t~r escrito o procedimento numa subrotina e depois "cha­mado" a sub-rotina nos lugares apropriados.

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Um exemplo de aproximação: raiz quadrada

Quase todos nós aprendemos a calcular raízes quadradas de núme­ros usando um método cansativo que é quase impraticável para mais de umas poucas raízes quadradas. Quinze ou 20 anos atrás as réguas de cálculo davam aproximações bastante exatas de raízes quadradas. As réguas de cálculo praticamente desapareceram. Sem dúvida, em duas ou três décadas elas serão objetos para colecionadores. Quem necessita de régua de cálculo, quando uma calculadora de bolso de quinze dólares pode fazer tudo o que a régua faz - e com maior exatidão? Outro método é procurar a raiz quadrada em tabelas. Este método também está morrendo ou quase morto. Outro método ainda envolve a velha calculadora de mesa: tentar adivinhar a raiz, elevar ao quadrado a tentativa e chegar aos poucos à raiz final por tentativas e aproximações. Dificilmente um método eficiente! É, entretanto, semelhante ao método iterativo de aproximação dos c~mputadores. A grande diferença fica na rapidez, exatidão e em evitar frustração na adivinhação. Embora haja uma enorme diferença entre um Vermeer e um Warhol, lucraremos muito se examinarmos o cálculo da raiz quadrada por um método de aproxi­mação em um computador. O método a ser descrito também tem a distin­ção de ter tido nada menos que um gênio como Isaac Newton trabalhado nele.

Um algoritmo é um conjunto de regras que nos ensina o que fazer para executar determinado objeto ou objetivo. Muitas fórmulas algébricas são algoritmos. Se eu disser a alguém exatamente como resolver certo tipo de problemas, estarei dando-lhe um algoritmo. Se você quiser a raiz quadrada, ou o logaritmo, ou o recíproco de um número, é só apertar a chave certa de uma calculadora. Mas como a calculadora produz ou calcula o número? Há uma tabela em seu sistema? Dificilmente. Em seu sistema há um algoritmo que funciona muitíssimo rapidamente.

Aqui está uma expressão matemática para um algoritmo para obter a raiz quadrada de qualquer número positivo:

onde x = número cuja raiz quadrada se deseja, r. = a i-ésima raiz e I

ri + 1 = a raiz aproximada depois da i-ésima raiz. Eu fiz um programa para a HP-67 fazer as iterações (repetições com mudanças) ou loops implicados por esta equação. Em sua essência é como os algoritmos usados em grandes computadores, só que os últimos são geralmente mais complicados, mais sofisticados e trabalham com muito mais rapidez. O programa funciona da maneira que se segue. O número cuja raiz

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quadrada se deseja é introduzido na calculadora. A. calculadora divide este número por 2. Isto é ineficaz, mas sempr~ funcwna. f; calculado~a então usa 0 algoritmo acima sucessiva e repehdamente ate obter a ra:z quadrada. o processo geralmente convergirá rapidamente para a soluçao

correta. Para ver como funciona, vamos pôr 15 na máquina. As iterações

sucessivas - eu fiz a calculadora parar depois de cad~ loo~ par~ poder ver 0 resultado de cada iteração e assim cada aprox1maçao an .. es das

soluções finais - eram:

e 3,872982

1,50000 1,41667 1,41422

4,75000 1/ 2 [ ( 7,5 + ;: ) J

3,95395 1/2 [ ( 4,75 + :.:J J

[ ( 3,95395

15 )] 3,87381 1/2 + 3,95395

[ ( 3,87381 + 15 )] 3,87298 1/ 2

3,87381

15. Calcule 0. O algoritmo e as iterações produzidos:

Para mostrar que funciona com um número maior e mais complexo, calcule VlS87,8714. As iterações foram mais longas:

397,96785 200 ,97890 104,43979

59 ,82175 43J8256 39,97684 39,94831 39 ,84810

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e 39 848102 = 1587,8714. Note como os números sucessivos convergem para' 0 número final correto. O procedimento funciona com números menores de 1? Tente v'0,75. As iterações resultantes:

1,18750 0,90954 0,86707 0,86603 e 0,866032 = 0,75 .

A primeira e a última tarefas tomaram cada cerca de 1 segundos, a '(2 cerca de 5 segundos. v 1587,8714 levou ao tod_o 14 segundos. f: pos~lVel reduzir as iterações e, portanto, o tempo apreciavelmente, ma_s nos mte­ressa apenas ilustrar os algoritmos de computador e s:u funcwnamento . Assim, embora estes cálculos sejam lentos pelos p~droes de_ computado­res grandes, eles nos dão uma idéia dos procedimentos iterativos de um computador. 6

Igualmente, os analistas escr_eve~ pro~edimentos al~orítm~cos para outras quantidades para as quais nao existem proced1mento~ exat~s. Algoritmos altamente sofisticados - ou "pequ~nos" programas - sao incorporados à memória do computador e estao sempre prontos para fácil uso. Quando se dá entrada em um número cuja raiz qu_adrada se deseja, em uma calculadora pequena, e se a~.~rta a chave de ra~~ quadra­da a raiz quadrada do número aparece mstantaneamente. Apenas pa~ece ser instantâneo, entretanto. Todos esses cálculos levam algum tempo. Os analistas de computador t_êm sido, tã~ habilidosos em escrever e melhorar os algoritmos e a tecnologia da maquma (hardwar~) do compu­tador e das calculadoras tem progredido tanto que consegmr~m-se velo­cid~des incríveis. O leitor cético pode ver isto por si própno obtendo primeiro a raiz quadrada de u~ número en: uma boa calculadora de bolso. A raiz quadrada aparecera como que mstantaneamente. Obtenha agora o logaritmo do mesmo número. Observe que há uma leve demora, não tanto uma demora mas uma leve pausa. Isto acontece porque o

6 O leitor curioso poderá querer saber como o computador "sabe" quando deve parar de iterar. Como ele sabe qu ando tem a raiz quadrad~ c?rret,a~ Este, é um problema comum em programação de computadores. A maquma e mstru_1da a parar de iterar quando certo critério for alcançado. O critério é ?ado antenor­mentt: e depois de cada iteração é feito um teste para ver se fo1 alcançado o critério. No caso presente, o critério é 0,00001. O quadrado de r (a aproximação da raiz), ou r', é calculado e r' é subtraída de x , o número cuja, raiz. q~adrada se deseja. Quando r' - x for menor ou igual a 0,00001, o teste e sat•sfe1to e o computador não repete mais. Se se desejar maior exatidão, faz-se o critério menor, por exemplo 0,0000001 ou 0,00000001.

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algoritmo programado e, talvez, o hardware para o logaritmo não funcio­nem tão depressa como para tirar a raiz quadrada.

Questões mais amplas

Muito tem sido escrito e publicado sobre os computadores e seus prováveis efeitos sobre as pessoas e a sociedade. Parte, como sempre, como qualquer questão complexa, faz sentido e parte é absurdo. Não há a menor dúvida quanto aos grandes e profundos efeitos do computador. A questão é: No total, os efeitos são bons ou maus? Provavelmente a questão não possa ser respondida sem ambigüidade. O computador é um resultado inevitável do progresso da tecnologia e das necessidades de computação dos cientistas, engenheiros, administradores e outros. Nossa preocupação é apenas com seus efeitos sobre a pesquisa compor­tamental. A maioria desses efeitos são claramente bons.

O primeiro e mais óbvio, muitos cálculos na análise de pesquisa comportamental são trabalhosos, fatigantes e passíveis de erro. Exemplos freqüentes e óbvios são os cálculos de raiz quadrada e soma de quadra­dos. Mesmo com as velhas calculadoras mecânicas, ainda usadas até 1950 e mais tarde, jamais foi tarefa fácil fazer os cálculos básicos para desvios padrão e correlações. Nos computadores modernos é fácil, cômo­do, rápido e exato. Um excelente exemplo é a análise fatorial. Antes de 1960, os pesquisadores levavam muitas horas e dias para extraírem os fatores de uma matriz de correlação. Para uma · matriz de correlações 20 x 20 - 190 coeficientes de correlação - e, digamos, quatro fatores, eram precisos dois dias ou mais. Se ocorresse um erro - erro que fosse descoberto! - o tempo podia dobrar. Já demos um exemplo do tempo aproximado que um grande computador levava para fazer uma análise fatorial completa de 72 variáveis: cerca de 100 segundos. Dessa forma o trabalho árduo de antes foi eliminado em grande parte.

Segundo, o computador libertou os pesquisadores para trabalharem e pensarem em idéias e tarefas mais desafiadoras e importantes do que cálculos. A pesquisa, entretanto, não se tomou mais fácil de ser feita. Ficou até, mais difícil. Vinte ou 30 anos atrás, boa parte do trabalho de muitos pesquisadores era simplesmente o de análise e cálculo bruto. Isto já não é mais preciso; o computador faz o trabalho pesado. Com a ausência do trabalho de cálculos, entretanto, aumentou a expecta­tiva em relação à ciência. Espera-se que os pesquisadores desenvolvam teoria, um trabalho sempre difícil, usem delineamentos apropriados de pesquisa, e melhorem as medidas das variáveis que usarem. Anos atrás, por exemplo, havia t~:ma negligência quase arrogante pela exigência da validade de medidas usadas; até as exigências de fidedignidade eram

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negligenciadas. Hoje tal negligência é muito menos provável. Embora estes melhoramentos não sejam inteiramente resultaP.tes da disponibili­dade dos computaqores, há pouca dúvida de que os computadores ajuda­ram a dar condições possíveis para melhoramento. Em resumo, o compu­tador libertou o pesquisador para coisas melhores.

A terceira influência benéfica do computador é mais sutil. A simples presença de um centro de computação, que a maioria dos pesquisadores acabará usando, afeta a vida e o pensamento de todos os que o cercam. É uma manifestação física da matemática, ciência, pesquisa e tecnologia. Seu status, como manifestação de uma das mais altas realizações tecno­lógicas e intelectuais, é uma lembrança constante dos valores que influen­ciam nosso pensamento e nosso trabalho. O grande investimento feito pelas universidades - e outras instituições e organizações sociais - em computadores e pessoal técnico, penetra as vidas dos pesquisadores. E um dos principais valores é a solução objetiva de problemas e comunicação. O computador é, então, um poderoso símbolo de intelectualidade, princi-

~palmente intelectualidade científica. Como tal, ele reforça e apóia normas . e critérios científicos e intelectuais. Não é de admirar que pintores, ~ escritores, historiadores e filósofos se preocupem com ele. Eles temem que sua influência poderosa possa desequilibrar a universidade e até a sociedade. E eles podem ter razão. ·

A quarta influência já foi mencionada neste capítulo. Os problemas de pesquisa que não podiam ser prontamente abordados, estão agora ao alcance. Já mencionamos análise fatorial e outras formas de análise multivariada. Vamos tomar um exemplo bem diferente ainda não discu­tido aqui: a análise de conteúdo. Os cientistas políticos, historiadores, psicólogos e sociólogos, entre outros estudiosos, sempre analisaram mate­rial documentário a fim de estabelecerem fatos e tendências e para estu­dar relações. Este estudo documentário é extremamente laborioso. Os historiadores poderiam passar meses ou anos em bibliotecas para estuda­rem e documentarem um assunto. Sem dúvida, a imagem do intelectual sempre foi a da pessoa que mais ou menos cava, vasculha e grava pacientemente os resultados de suas escavações. Grande parte do trabalho de um estudioso era deste tipo. Embora cansativo, não era possível de ser evitado.

Graças ao computador e ao desenvolviment9 da análise de conteúdo dentro das ciências comportamentais, a abordagem do intelectual, sua perspectiva e trabalho estão mudando drasticamente - ou talvez eu deva dizer, mudarão drasticamente porque muitos estudiosos ainda não foram afetados. Jamais haverá um verdadeiro substituto para o julga­mento humano que o estudioso tem que fazer constantemente. E provavel­mente sempre haverá uma certa quantidade de trabalho maçante. Mas o computador pode eliminar muito desse trabalho maçante. Com uma

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lista bem feita de conceitos-:~have, nomes e assuntos, o levantamento bibliográfico feito por computador - depois que a própria bibliografia foi posta noG bancos de memória do computador - é agora possível. A carga da pesquisa bibliográfica será grandemente aliviada. Depois que o estudioso seleciona as fontes que deseja na lista que o computador fornece para sua pesquisa, o computador pode ainda reproduzir a fonte ou expedir instruções para fazê-lo.

Vamos tomar um exemplo mais interessante. Análise de conteúdo é um método de analisar e estudar as comunicações - documentos de toda espécie, inclusive documentos existentes e documentos produzidos deliberadamente para fins . de pesquisa, livros, cartas, etc . . . - de modo sistemático, objetivo e quantitativo para medir variáveis ou realizar outros propósitos de pesquisa. Suponhamos que desejamos estudar os sistemas de valores de grupos ou países diferentes e que certas palavras-s ligadas a valores foram descobertas em pesquisas anteriores como capazes:: de diferenciar grupos sociais, palavras como igualdade, disciplina, reaw· zação, religião e liberdade. ê'í

Um "dicionário" de tais pahwras pode ser colocado na memóri~ do computador. Amostras aleatórias de publicações-chave - editoriais-f J 1

discursos políticos e artigos de revistas, por exemplo - em diferen~e~·: países podem ser analisados. Seleções inteiras são perfuradas nos cartoes-e lidas no computador. O computador examina os cartões, destaca a~ palavras relativas a valores que foram colocadas em seu "dicionário,i5 ~ depois analisa os "dados" contando, categorizando e calculando as est 11,, -· tísticas apropriadas. O grande trabalho de estudar e analisar os text<2 · a.1 é evitado e o pesquisador pode se concentrar no que é important~.:;; a teoria por trás do trabalho, o "dicionário" e seu conteúdo, a seleç~ dos materiais para análise e outros assuntos substantivos e metodológicos.

Outro benefício dos computadores é que pessoas trabalhando em diferentes campos entram em contato não apenas com os esrecialistas de computadores, mas também com trabalhadores de outros campos. Acontece, ocasionalmente, que um pesquisador, diante de um problema analítico ou de computador desconhecido em seu campo; descobrirá com alguém de outro campo que o problema já foi resolvido. Isto acontece especialmente no contato com matemáticos. A maioria dos pesquisadores comportamentais não se destaca por seus pendor~s matemáticos e às ·/ezes tomam conhecimento de que um problema analítico que os con­funde já foi resolvido por matemáticos ou estatísticos matemáticos.

O último benefício a ser mencionado vem do caráter internacional dos computadores e da ciência da computação. As 'jnguagens de compu­tadores embora escritas em inglês, ou no que pode ser chamado de uma fo~ma de inglês, são na verdade, internacionais. No mundo inteiro, os programas são escritos em Fortran, Algol e outras linguagens de

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computador. As instalações de computador compartilham programas internacionalmente. Certos pacotes de programas muito conhecidos e usados podem ser encontrados nas universidades de Nova Iorque, Berkeley e Amsterdã, para mencionar três instalações muito distantes. É também muíto comum usuários e especialistas de computadores de diversos países se encontrarem em centros de computação e muitas vezes compar­tilharem seu conhecimento e know-how. A palavra "computador" e certas outras a ela relacionadas, tornaram-se parte de línguas naturais. Como a música e a matemática, a linguagem de computador é uma espécie de linguagem internacional.

O efeito deste intercâmbio e influência internacionais ajuda a demo­lir barreiras nacionais e sociais. Naturalmente, a ciência e a tecnologia sempre tiveram esse caráter internacional e às vezes ajudaram a destruir barreiras. A influência do computador pode ser maior, entretanto, pela necessidade de as instituições terem centros de computação e know-how fisicamente presentes dentro ou próximos das instituições. Os benefícios para as ciências comportamentais vêm principalmente do crescente com­partilhar de metodologias - a análise de estruturas de covariância discu­tida no capít•1lo 13 é um excelente exemplo - e conhecimento ampliado da teoria e pesquisa.

As desvantagens do computador foram muito discutidas por vários observadores. Elas são complexas e muito menos óbvias do que as vanta­gens no sentido em que seu caráter negativo e até sua influência nociva são mais discutíveis. Veremos por que quando discutirmos e examinarmos duas ou três delas.

A primeira e mais óbvia desvantagem do computador é sua possível violação do sigilo. Uma das regras ou valores importante que governam a pesquisa da ciência oomportamental é que toda informação sobre indivíduos e g,rupos é confidencial. A privacidade e os direitos dos indi­víduos devem ser cuidadosamente salvaguardaclos. Os dados coletados sobre indivíduos não devem ser identificáveis. Mas se os nomes dos indi­víduos entrarem no computador com seus dados, torna-se muito fácil a indivíduos ou organizações inescrupulosas obterem informações indivi­duais e violarem a privacidade e os direitos de indivíduos e grupos. Infelizmente isto foi feito e o computador levou a culpa. O problema terá que ser resolvido se este importante valor tiver que ser preservado.

A segunda influência nociva vem dos problemas levantados pela pergunta. Os computadores podem pensar? De chofre, a maioria das pessoas sensatas responderá prontamente- Não, é claro que os computa­dores não pensam - pelo menos como o ser humano "pensa". ~· O problema é que a pergunta e sua resposta são muito complexas. É certo que os computadores só fazem o que são instruídos para fazer. Mas as vezes não se sabe direito para o que foram instruídos. Além disso, sua

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busca incessante e implacável de possibilidades lógicas pode dar resul­tados surpreendentes. Isto é, os resultados. d~. certa li~ha d~ pensamen_to não podem ser conhecidos porque as posstbthdades sao mUitas. Levana­mos semanas, e até anos, para explorar algumas possibilidades apenas. Mas podemos escrever um programa e instruir o computador a explorar as possibilidades e imprimir os resultados. Em outras palavras, on~e.uma pessoa pode levar adiante um procedimento apenas por t~mpo hmtt.ado e com possibilidades limitadas, um computador pode segm-lo por mt.nu­tos horas e até dias (com grande despesa, claro) e explorar mUitos mais e até todas as possibilidades. Isto é "pensar"? Se não for pensar, precisamente, é coisa muito parecida.

A capacidade do computador fazer operações repetitivas e variadas a alta velocidade então, ajuda seus usuários a acompanhar as conseqüên­cias de idéias e modelos complexos. Este grande poder tem uma aura de magia que deixa muita gente desconfiada ou até com medo dos computadores. Além disso os computadores podem simular processos de pensamento humano com grande sucesso. Um exemplo famoso é um programa de computador que pode demonstrar teoremas lógicos. Estas demonstrações às vezes são muito difíceis até para especialistas em lógica. O computador pensa quando resolve esses problemas? Um exemplo mais conhecido e mais famoso é a incrível capacidade que o computador tem para jogar xadrez. Os computadores podem derrotar a maioria dos joga­dores de xadrez (mas não os melhores). Eles "pensam" quando fazem . ? lSSO ••

O assunto é altamente controvertido e discqtível. Alguns dizem que o "pensamento" de um computador é indistinguível do das pessoas. Ou­tros, que há uma diferença profunda. Provavelmente não haja uma solu­ção satisfatória para a dificuldade, querendo isto dizer que não é possível responder à pergunta, Os computadores poóem pensar? (A pergun~a foi até considerada sem sentido.) Talvez a melhor resposta tenha stdo a de Turing (1956), que anos atrás disse que para testar a pergunta é só dar o problema que estiver exigindo pensamento a um computador e a um especialista humano. Se um observador especializado não puder discernir nenhuma diferença fidedigna nas soluções apresentadas, então o computador pode "pensar". Há pouca dúvida de que muito do que os computadores fazem parece ser uma forma de pensamento. E não há dúvida também de que os computadores podem simular efetiva e repeti­damente conhecidas características do pensamento humano. Vamos deixar este problema embaraçoso e voltar a assuntos mais fáceis - com enorme alívio, confessemos. 7

7 O leitor pode ter uma visão geral dos problemas envolvidos lendo Lindsay e Norman (1977, pp. 593-599) que analisaram um problema particular chamado

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Outra desvantagem do computador tem suas raízes na relativa facili­dade de uso do computador, a grande e fácil disponibilidade dos chama­dos "pacotes" de programas e a força e velocidade das máquinas moder­nas. Estas caracterítsicas e condições possibilitam aos indivíduos com insuficiente conhecimento dos métodos usados, produzir análises que podem c, às vezes, são absurdas. Tais usuários dependem muito de que o computador faça por eles seu trabalho e pensamento. O mau uso de pacotes de programa de análise fatorial é um exemplo freqüente e proble­mático. Métodos objetivos para análise fatorial convenientes pará uso em computadores foram elaborados e são amplamente acessíveis. O pro­blema é que um método completamente objetivo nem sempre produz uma solução satisfatória para um problema de análise fatorial. O julgamento humano tem que entrar no negócio em dois ou três lugares cruciais.

Por exemplo, uma parte importante da análise fatorial é o número de fatores a serem rotados depois da extração dos fatores. (Veja no capítulo 12, nota de rodapé número 4, uma breve explanação de fatores rotados.) Não há resposta completamente satisfatória para a questão: Quantos fatores devem ser rotados? Há respostas e métodos objetivos, mas que podem dar respostas enganadoras senão completamente erradas. O único meio bastante satisfatório no presente envolve métodos objetivos e o julgamento do pesquisador. A desvantagem, então, é a tendência dos pesquisadores se tornarem dependentes demais do computador e, em fazendo isto, perderem a compreensão real dos dados e da metodologia com que trabalham, e abandonar o controle sobre sua pesquisa e seus resultados.

Mais insidiosa e prejudicial é a forte tendência dos usuários dos computadores em todo mundo, de depender dos chamados "pacotes" de programas para a solução de seus problemas analíticos. Um "pacote" é um programa generalizado que pode manejar todos os problemas de certo tipo. ~ escrito para ser "geral" para uma classe de problemas analíticos; meu problema, o seu problema e o problema dos outros podem ser feitos com ele. Por exemplo, há "pacotes" para fazer análise fatorial, análise de regressão múltipla e alguns deles são muito bons, sem dúvida. Outros têm aspectos questionáveis. Muitos dos usuários de tais programas sabem pouco ou nada a respeito do computador e do que ele pode ou não pode fazer; e, pior, eles sabem pouco a respeito dos métodos empacota-

aritmética dos dias (Segunda + Quarta = ?) na linha de computação e pensa­mento. Boa parte do livro de Lindsay e Norman, aliás, é fortemente influenciada pelos computadores e pela tecnologia dos computadores. Uma descrição lúcida de "pensamento" e solução de problemas de computadores é dada por Green (1963, pp. 219 e ss.). O brilhante ensaio de Turing (1956) vale a pena ler tam­bém. Para dizer o mínimo, seu ensaio dificilmente deixará impassível mesmo o leitor mais cético.

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dos nos programas. Dependem totalmente dos programas do computa­dor. Os terríveis resultr.dos se mostram repetidamente. Ocorreu a pouca gente, mesmo a pesquisadores, que tamanha dependência é perigosa, e até perniciosa. Ela não leva apenas a resultados incorretos e confusos; ela enfraquece a capacidade de muitas pessoas potencialmente talentosas. Baixa ainda a qualidade geral da pesquisa nas ciências comportamentais.

A desvantagem final a ser di~cutida é a mais enganadora, complexa e difícil de ser descrita. O poder, a aplicabilidade universal e a tremenda velocidade do computador ajudam a gerar espanto e medo em muita gente. (Naturalmente, quando a automação torna o trabalho obsoleto, seguem-se a aversão e o ódio.) O computador é encarado como uma força misteriosa cujo efeito derradeiro será o de destruir a humanidade. O trabalho do computador e as pessoas que o usam são olhadas como perigosas ameaças à integridade e peculiaridade existencial de homens e mulheres. Em resumo, o computador, muitas vezes junto com a ciência, é percebido como um inimigo da humanidade.

Fato e ficção se unem aqui. O fato é que tais. atitudes são muito reais e exercem grande influência (veja Lee, 1970, para um estudo de âmbito nacional de tais atitudes). A ficção é que o computador, essen­cialmente uma máquina, embora potente é antropomorfizado; recebe uma "realidade" e um "poder" que não possui. Os computadores não desuma­nizam as pessoas; as próprias pessoas se desumazinam. Os computadores são produtos humanos e uma parte da estrutura social; devem ser contro­lados pelos homens e mulheres e pela estrutura social. Se a desumaniza­cão for uma ameaça, então preste atenção a coisas mais profundas do <JUe o computador.

Cor.1o sempre, a resposta, se é que há uma resposta, não é culpar a ciêtit!ia, a tecnologia, os métodos e os computadores pelas mazelas huma­nas. Embora não haja dúvidas de que o homem e seus poderosos produtos ajudam a formar os seres humanos, também não resta dúvidas de que os males da sociedade são curados apenas pelos homens e mulheres trabalhando juntos para efetuar curas.

Esta homilia por demais moralista nos leva a nossos últimos capítu­los. Neles discutiremos algumas das importantes e controvertidas questões associadas à ciência e à pesquisa. Veremos que o computador é apenas uma pequena parte de um maior e mais difícil complexo de problemas.

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15. Concepções errôneas e C<;?ntrovérsias: questões metodológicas

Nosso estudo da ciência e pesquisa comportamental nos levou muito longe. Para compreender o como e o porquê da pesquisa científica, tive­mos que falar metodologicamente grande parte do tempo. Para completar nosso estudo e compreensão, vamos nos dirigir agora a problemas mais delicados vagamente ligados à falta de compreensão da ciência e da pesquisa. Vamos terminar o livro voltando a este e outros problemas por dois motivos. Primeiro, eles são muitíssimo interessantes e importantes por si mesmos, e deveriam ser conhecidos e compreendidos. E segundo, as concepções errôneas ligadas a eles obstruem seriamente a compreensão.

Devemos tentar compreender por que a ciência e a pesquisa empírica foram tão atacadas nos últimos anos. Por que algumas pessoas dizem, por exemplo, que a ciência é uma força destrutiva? Por que dizem que é desumana, abstrata, fria e remota e que nos divorcia da realidade humana, levando-nos à negação e ao desespero? Por que insistem em que a finalidade básica da ciência deve ser melhorar .as condicões huma­t2?.s? Por que há tão pouca compreensão em relação para qu'e serve ou não a ciência?

A tarefa destes últimos capítulos é, então, apresentar e estudar algu­mas questões controvertidas e difíceis para dar maior amplitude e profun­didade à compreensão do leitor. Neste cápítulo vamos explorar o que pode ser chamado vagamente de questões metodológicas controversas: objetividade, quantificação, valores e ciência e o indivíduo. No último capítulo a discussão se dirige para a relação entre a pesquisa e a prática. Nele falaremos sobre a pesquisa básica e aplicada e sobre as idéias de que a pesquisa precisa proporcionar uma retribuição. Vamos tentar explicar, finalmente, como a pesquisa influencia a prática - o que pode e não pode fazer e como ela o faz.

Objetividade

Um dos ataques mais sérios à ciência orgina-se nos ataques à objeti­vidade. Objetividade já foi definida como o acordo entre juízes espe-

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cialistas sobre o que está sendo observado. Isto significa que a ciência procura afastar os procedimentos científicos das preocupações humanas. Todas as formas de conhecimento são influenciadas por valores, atitu­de e outras predileções. Jamais é possível ser-se completamente objetivo. Em outras palavras, a objetividade é sempre uma questão de grau. Mas a ciência insiste no ideal e no critério da objetividade como sendo indis­pensável. Sem objetividade não pode haver ciência.

Como ficou salientado no capítulo 1, o critério de objetividade permite aos cientistas saírem de dentro de si próprios. Eles estabelecem procedimentos "lá fora", longe de si mesmos. A idéia é proteger os proce­dimentos de predileções e influências. Esta é a essência e o núcleo de métodos científicos empíricos. Um dos testes de objetividade é se, a partir de uma descrição de uma pesquisa, um outro investigador compe­tente é capaz' de replicá-la. Se for possível e se os resultados forem os mesmos ou semelhantes, isto é apoio parcial para a "validade" da pes­quisa. A objetividade é uma das razões principais porque as explicações científicas, apoiadas por evidência empírica objetiva, são consideradas mais dignas de confiança do que outros métodos de se obter conheci­mentos.

As críticas à objetividade vão desde as mais ingênuas às mais sofisti­cadas. O núcleo da crítica, entretanto, parece tomar duas formas. A pri­meira já foi mencionada e discutida no capítulo 1. A objetividade, dizem, leva ao distanciamento, à frieza, à inumanidade. O distanciamento e a frieza da ciência destroem os valores humanos e desumanizam o homem. Assim, a ciência é fundamentalmente perniciosa. Além disso, não se pode confiar em conhecimento adquirido em sistema tão desumano porque a ele falta sabedoria verdadeira e profunda, que vem apenas da percepção intuitiva de verdades espirituais e humanas. A ciência é reducionista: ela reduz o todo essencial dos seres humanos e o mundo para dissecar fragmentos de conhecimento, que são, em essência, distor­ções da realidade. Os psicólogos, em tentativas objetivas de estudarem a inteligência e a personalidade humanas, não compreendem a própria essência da inteligência e personalidade, todos indivisíveis e impossíveis de serem reduzidos a conceitos e números. A objetividade, em vez de ser uma ferramenta neutra para o cientista, é de fato um poderoso inimigo do homem e da verdade - pelo menos é o que dizem.

O segundo argumento é mais sofisticado e exerce maior influência, principalmente na Europa, onde faz parte dos ataques marxistas à objetividade. Diz-se- com bastante verdade, por sinal- que ninguém pode ser verdadeiramente objetivo. Quando os cientistas colpcam a objetividade como um ideal, estão enganando-se a si próprios e aos outros. Todos nós, inclusive os cientistas, somos conduzidos por nossos valores e motivos. Não podemos ser objetivos. Marxistas e ideólogos

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semelhantes vão mais além. Dizem, por exemplo, que os valores da sociedade influenciam as hipóteses e as pesquisas de cientistas burgueses e, se esses valores forem corruptos, como o são na sociedade capitalista, então a pesquisa e os resultados são inevitavelmente corruptos. A objeti­vidade, então, é um mito burguês; é uma arma de opressão.

Dizem ainda que é mais importante conhecer a história de uma hipótese do que testá-la. Isto significa que o que é importante é a história e a origem das hipóteses na ciência capitalista ocidental. Quem formula as hipóteses é a pergunta-chave. Elas vêm de cientistas apoiados pelo establishment? Se assim for, elas são tendenciosas e suspeitas. Este tipo de raciocínio e o raciocínio menos ideológico de críticos da pesquisa comportamental sociológica e psicológica se juntam em seu ataque à obje­tividade.

No capítulo 1 foi respondido um argumento relacionado. Vamos nos limitar aqui a breves observações centralizadas principalmente na con­fusão de duas definições de objetividade. A definição científica de objeti­vidade ficou dada atrás e elaborada no capítulo 1: acordo entre juízes esp'ecialistas, "juízes" sendo definidos como pessoas ou máquinas. A essência desta definição se refere a procedimentos, ela é de ordem meto­dológica: dá uma regra geral metodológica. A regra, em essência, diz: todos os procedimentos devem ser públicos; devem ser replicáveis; devem estar separados do investigador. E isso é tudo que significa.

Os críticos da objetividade, entretanto, baseiam seus argumentos numa definição que se concentra no investigador. Eles, ou pelo menos seus argumentos, pressupõem que a objetividade seja uma característica ou traço cientista. Eles estão dizendo, com efeito, que os cientistas reinvindicam a objetividade para si próprios, que eles, como classe de indivíduos, são mais objetivos do que os não-cientistas. Eu estou exage­rando um bocado e sei que algumas críticas à objetividade são mais sofisticadas do que indica o meu resumo de seus argumentos. Entretanto, a confusão causada pela definição implícita ou explícita de objetividade como um traço dos cientistas impede a comunicação e enfraquece a compreensão de objetividade como um procedimento científico.

Os cientistas não reivindicam nenhuma objetividade pessoal (natu­ralmente há exceções). Eles insistem na objetividade como um procedi­mento metodológico que pode e deve ser colocado à parte dos cientistas e suas predileções. Em resumo, os procedimentos devem ser públicos. Os argumentos contra a objetividade expostos acima, não tocam neste ponto. O primeiro argumento, de que a objetividade é distanciada, fria e desumana, é correto. E tem que ser desta forma. É precisamente esta separação da pesquisa científica das preferências humanas, aliada à insistência em testes objetivos empíricos das hipóteses - que, uma vez enunciados publicamente, ficam eles próprios fora dos seres humanos -

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que aumentou de maneira t2o notável nosso conhecimento. Que a objeti­vidade leva à destruição de. importantes valores humanos, faz parte de uma mitologia mais ampla. Sem dúvida, a prática da ciência leva ao desafio de valores .estabelecidos por causa de sua natureza básica de indagação crítica. Mas que destrua valores humanos ou o próprio homem é absurdo. Se os valores ou os homens tiverem que ser destruídos, os homens farão isso. Os procedimentos podem nos desumanizar apenas quando permitimos que o façam.

O segundo argumento também tem pouco peso, a não ser com aqueles que querem acreditar nele. Naturalmente todos nós somos influen­ciados por nossas preferências. O fato de podermos ou não ser pessoal­mente objetivos é discutível. Mas a questão não é esta. A questão, como já observamos, é que os procedimentos da ciência são objetivos - e não os cientistas. Os cientistas, como todos os homens e mulheres são opináti­cos, dogmáticos, ideológicos - influenciados pelas forças que influen­ciam a todos nós. Esta é a verdadeira razão para insistir em objetividade de procedimento: levar a questão para fora de nós mesmos, sujeitá-la a investigação crítica pública.

Não há verdades absolutas, cientificamente falando. Não podemos "saber" nada completamente. Há apenas graus relativos de conhecimento válido e fidedigno. Os procedimentos objetivos aumentam a probabili­dade de obter conhecimento mais fidedigno e mais válido através da pesquisa. A objetividade em e de si própria, tem pouco valor. Ser objetivo não significa ser científico. Afastar a objetividade da ciência, entretanto, destrói o núcleo do empreendimento científico.

Métodos quantitativos

Outra fonte de mal-entendidos sobre a ciência, especialmente sobre sua metodologia, é a grande proeminência da matemática, principalmente a estatística, na análise científica. A crítka à quantificação nas ciências naturais parece quase não existir. Parece natural e óbvio medir reacões quím1cas, movimentos moleculares, dimensões físicas de corpos e matéria. As pt!ssoas parecem não ligar para o alto grau de quantificação em física, por exemplo, onde se estudam, entre outras coisas, as relacões entre as forças físicas. Há assim, pouca controvérsia. Em psicoló"gia, sociologia, educação e outros campos comportamentais, entretanto, a con­trovérsia floresce.

Como é possível medir inteligência? Não pode ser vista; ninguém pode entrar em uma cabeça (a não ser cirurgiões e fisiologistas) para "ver", quanto mais medir a inteligência. Mesmo admitindo que as pessoas diferem em grau de inteligência - embora haja quem duvide! - como é possível atribuir-se números a pessoas sugerindo que há

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quantidades precisas de inteligência? Não é igualmente ridículo afirmar que características humanas e características de grupos e organizações possam ser medidas? Mesmo assumindo que parte da mensuração possa ser bem-sucedida, não devemos então concluir que qualquer coisa que tenha sido medida com eficácia seja trivial demais para ter muita impor­tância? Por exemplo, assumindo que certo aspecto da inteligência possa ser medido, refletirão as medidas alguma parte de toda a riqueza, com­plexidade e da natureza multif~cetada da inteligência humana? Ou deve­mos concluir que os aspectos medidos são relativamente sem importância, bastante fragmentários e, em resumo, triviais? Certamente os números fornecidos por tais procedimentos estão muito além da realidade, da rica totalidade, das capacidade humanas. E usar esses números em cálculos estatísticos leva a credulidade longe demais.

Vamos levar os argumentos dos críticos um pouco mais além. Qual é o significado de uma nota média de um teste de inteligência de um grupo de indivíduos? Em primeiro lugar, como se pode somar números tão questionáveis e depois dividi-los por outro número? Como se pode correlacionar dois conjuntos de números cujos componentes individuais supostamente refletem características humanas quando, de fato, os núme­ros de ambos os conjuntos estão longe da "realidade" do indivíduo cujas características devem ser medidas? Que significado real pode ter um coeficiente de correlação entre, digamos, uma medida de autoconceito e uma medida de prestígio ocupacional? Há outros argumentos contra a quantificação, mas estes são suficientes para ilustrar o que se quer dizer.

É mais difícil responder tais argumentos do que propô-los. Parte da resposta foi dada no capítulo 9 onde estudamos a mensuração de variáveis. Não há dúvidas de que certas operações aritméticas com números, em variáveis de ciência comportamental, são questionáveis. Quando se soma, por exemplo, um conjunto de notas de testes de inteli­gência e se calcula a média do conjunto, está se supondo que os inter­valos entre pontos fixos, como 80, 90, 100, 110, 120, são iguais e que as distâncias numericamente iguais, como de 80 a 100 e de 100 a 120, representam distâncias empiricamente iguais. Medidas de testes de inteli­gência - e muitas outras usadas em pesquisa psicológica e educacional - podem não satisfazer a suposição. Por exemplo, as diferenças entre quocientes de inteligência de 150 e 140 realmente podem ser psicologica­mente maiores do que a diferença entre os quocientes de 110 e 100. Ou seja, a distância psicológica entre 140 e 150 - a "verdadeira" dife­rença entre estes dois níveis mensurados de inteligência -:- pode ser consideravelmente maior do que a distância psicológica entre 100 e 110. Os números anteriores podem representar uma diferença muito maior em inteligência, em outras palavras, do que os últimos, embora as diferenças numéricas em ambos seja de 10.

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Há diversas respostas à crítica feita à quantificação nas c1encias comportamentais, sendo que a mais importante é empírica e pragmática. O uso da quantificação funciona! Embora as suposições que formam a base do uso dos números e sua manipulação possam ser violadas, a quantificação funciona muitíssimo bem. Quando a inteligência de criança é medida com um teste fidedigno razoavelmente válido, pode-se correla­cionar os números obtidos com outros números obtidos em outro teste aplicado às mesmas crianças, digamos, um teste de realização verbal, e obter uma excelente aproximação da magnitude da relação. A evidência para a "verdade" desta afirmativa é que - em geral e, naturalmente, com as exceções de sempre - as crianças que obtêm notas altas em testes de inteligência também recebem notas altas em testes de realização verbal, assim como em testes de outros tipos de realização; e as crianças que obtêm notas baixas em inteligência tendem também a receber notas baixas em realização. (Veja a discussão sobre validade no capítulo 9.)

Embora o cientista não desdenhe arbitrariamente suposições impor­tantes na atribuição de números a objetos que estão sendo medidos, ele sabe que, às vezes, não pode satisfazer todas elas. Além disso ele sabe, por experiência e pela evidência, que com conhecimento, cuidado e habi­lidade em planejar e usar suas medidas, ele pode conseguir aproximações razoáveis de suas variáveis e as relações entre elas no sentido de que seu.s resultados, apropriadamente testados e verificados, concordam com a "realidade", como no exemplo acima de inteligência e realização verbal. Conseguindo tudo isso, ele pode usar os métodos "fortes" da matemática e da estatística para ajudá-lo a fazer inferências sobre o que está "lá fora".

Há uma resposta empírico-experimental fortemente relacionada com isso para as acusações à quantificação. Os testes estatísticos de significân· cia têm certas suposições por detrás. Por exemplo, um teste t, que já discutimos anteriormente, entre outras coisas, avalia a significância esta­tística da diferença entre duas médias. Uma das suposições em que' se baseia o teste (Edwards, 1967, pp. 214-215; Hays, 1973, pp. 409-410) é que as notas das duas populações das quais os dois grupos são amostras são distribuídas normalmente. 1 A teoria que apóia o teste t, da dife­rença entre duas médias, requer esta suposição. Se for violada, os resul­tados de um teste t podem não ser válidos. Igualmente, supõe-se que as

I Lembre-se de que "distribuição normal" 3ignifica que as notas, se representadas apropriadamente em um gráfico, formarão uma curva em forma de sino, encon­trada freqüentemente em textos de estatística e já mostrada neste livro. O "signi­ficado" de uma distribuição normal é que a maioria dos sujeitos têm notas no meio da distribuição, alguns poucos têm notas baixas e muito baixas, e alguns têm notas altas e muito altas.

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variâncias (variabilidades) das duas populações sejam iguais. Novamente, se essa suposição for violada, se as duas variâncias não forem iguais (estatisticamente), então, os resultados do teste t podem não ser válidos.

Testes empíricos (por exemplo, Boneau, 1960) e a experiência mostraram que a suposição de ncrmalidade pode ser violada sem grandes prejuízos para os resultados do teste t. Os pesquisadores podem usar o teste sem se preocuparem demais com a suposição, principalmente se suas amostras forem grandes (Hays, 1973, p. 41 O). A suposição de variân­cias iguais é mais importante. Mas, em geral, esta também pode ser violada, às vezes, impunemente. Ficou demonstrado, em outras palavras, que o teste t e testes semelhantes, são "robustos". São tão fortes que podem funcionar muito bem até quando as suposições que os apoiam são violadas. Naturalmente, ninguém em seu perfeito juízo advoga a negligência das suposições. Mas agora sabe-se que elas não são tão impor­tantes quanto se imaginava que fossem.

Há, naturalmente, outros argumentos que apóiam a quantificação nas ciências comportamentais. Mas eles nos levariam longe demais. Vamos terminar a coisa, portanto, com o argumento pragmático de que a quantificação e seu uso têm sido altamente bem sucedidos e, que com o crescente uso do computador e métodos sofisticados, tornar-se-ão mais eficientes ainda. Sem dúvida, o uso da quantificação nas ciências com­portamentais, tão essencial em todas as ciências, foi um dos empreendi­mentos mais notáveis do século XX. O argumento de que a mensuração de atributos psicológicos e sociológicos é questionável, por exemplo, a mensuração de inteligência e atitudes, é simplesmente contradito pela evidência. Inteligência, atitudes e muitas outras variáveis psicológicas e sociológicas - classe social, realização e necessidade de realização, aptidões e outras - foram eficaz, senão perfeitamente, medidas.

Valores e ciência

Outra área de interesse bastante obscura é a dos valores e sua relação com a ciência, assunto abordado no capítulo 3. Valores são organizações de crenças sobre princípios, normas e padrões de compor­tamento e objetivos de vida ( end-states o f li f e), que expressam preferên­cias culturalmente ponderadas e julgam a "bondade" ou "maldade" de preferências, normas e objetivos de vida. Expressam também julga­mentos morais de normas e comportamentos (veja Rokeach, 1973). Uma característica significante dos juízos de valor, mostrada no capítulo 3, é que eles não podem ser testados empiricamente. Portanto, eles não podem ser submetidos à pesquisa científica. Afirmativas tais como "f: errado praticar a discriminação com base em raça, religião, sexo ou origem nacional", "A propriedade privada é sagrada", e "Religião é o

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opw do povo" são propostçoes de valores. Não há forma de testá-las empiricamente. Elas estão além dos meios e capacidades da ciência. Por isso, os cientistas excluem tais proposições de seu trabalho.

Isto não significa que os cientistas, como indivíduos, ou até em grupos, não tenham valores. Tal afirmativa é absurda. Nem significa que a pesquisa cier1tífica seja isenta de valores. As escolhas de tópicos de pesquisa e até a metodologia da pesquisa são influenciadas pelos valores que o cientista adota. Os valores podem também influenciar a interpre­tação dos resultados da pesquisa. O psicólogo ou o sociólogo informado sabe disto, entretanto e usa salvaguardas para minimizar esta influência.

O fato de os cientistas evitarem proposições de valores como não testáveis, não significa que os próprios valores não possam ser estudados cientificamente. Sem dúvida eles foram assim estudados, mas por mais estranho que pareça, nem uma fração do que sua importância justifica. O estudo científico de valores é abordado o mais objetivamente possível; o cientista que estiver estudando valores tem que ser especialmente cuidadoso para que seus próprios valores não influenciem a coleta e análise dos dados e a interpretação dos resultados. Exemplos possíveis de pesquisa de valores são a influência de valores conservadores e liberais no comportamento eleitoral; o efeito de valores religiosos em questões como divórcio e aborto; as relações entre os valores de pais e filhos; a ligação entre valores colocados em conceitos como liberdade e igual­dade, de um lado, e valores colocados em conceitos como propriedade privada e capitalismo, de outro.

É perfeitamente possível, em outras palavras·, estudar valores como um fenômeno natural. Pode-se explorar a estrutura fatorial dos valores que as pessoas dizem que adotam, para conhecer as relações entre conjun­tos gerais de valores e como os valores expressos podem se agrupar. Pode-se estudar os diversos efeitos de valores declarados em tipos dife­rentes de comportamento social, ou as relações entre valores políticos e valores religiosos, ou as maneira pelas quais as crianças aprendem os valores. Mas não se pode testar empiricamente as próprias proposições de valores, proposições que contenham as palavras "bom", "mau", "deve­ria", "poderia", e assim por diante. Simplesmente não há maneira de fazê-lo. Tais proposições e palavras implicam e refletem julgamento humano. Não há nada a testar, nenhuma relação entre variáveis que possa ser manipulada ou mensurada.

A pesquisa científica e o indivíduo

Uma fonte de c9nsiderável insatisfação com a ciência e a pesquisa científica, principalmente a psicologia científica e a pesquisa psicológica,

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centralin-se na suposta falta de preoeupação que a c1encia teria pelo indivíduo. Este problema já foi mencionado neste livro. Felizmente, foi resolvido facilmente - racionalmente. Infelizmente não é fácil de resol­ver psicologicamente. A preocupação se origina no que as pessoas vêem como sendo abstração, frieza e distanciamente c!a ciência - e falta de preocupação com o indivíduo humano. Os próprios cientistas são consi­derados frios e distantes. Sente-se, então, qJ.e a ciência tem uma influên­cia desumanizadora e que os cientistas são pessoas a quem se deve temer e limitar. Temos, então, um sent;mento de antipatia bastante forte para com a ciência, os cientistas, a pesquisa científica, baseado no suposto descaso pelos problemas humanos.

Argumentar que esse sentimento está baseado em concepções errôneas não acaba com ele. Devemos, assim mesmo, tentar explicar e justificar esse distanciamento e essa frieza corretamente percebidos. Nossa explicação se concentrará em torno da abstracão da ciência e de sua falta de preocupação com o indivíduo. ,

Como já ficou dito aqui neste livro, há justificação para perceber a ciência como fria e distinta. Ela é necessariamente abstrata . Ser abstrata significa estar -afastada, separada, à parte de coisas específicas. Uma equação matemática é altamente abstrata. Todos os substantivos são abstratos: não são as coisas que representam ou nomeiam. Em vez disso, eles "estão no lugar" das coisas, eles as representam, eles lhes dão nomes. Vejamos as palavras "livro", "homem", "mapa", "ciência", "pesquisa". As três primeiras palavras significam "objetos" específicos ou entidades delineáveis; são abstratos. As duas últimas também querem dizer "coisas", mas são mais abstratas do que as três primeiras porque repre­sentam muito mais. Elas representam idéias e atividades complexas. Estas últimas três ou quatro sentenças foram deliberadamente mais abstratas do que poderiam ter sido. "As três primeiras palavras", por exemplo, foi usado em vez das palavras específicas "livro", "homem", e " mapa".

Uma das características mais importantes e indispensáveis da ciência é sua abstração. Sem dúvida, os cientistas procuram ser o mais abstratos possível porque abstração significa maior generalidade e força . A meta é expressar relações descobertas e teóricas e talvez leis em símbolos e expressões matemáticas. 2 Suponhamos que um cientista, ao tentar expli­car a memória, descubra que ela é afetada pela inteligência, pela organi-

2 Uma "lei" em ciência é um enunciado de relações que tem uma base teórica e considerável apoio empírico. Uma teoria, naturalmente, pode ou não ter apoio empírico. Se uma teoria foi apoiada repetidamente pela evidência, pode então ser chamada " uma lei". Não há regras rígidas e seguras, entretanto, para dizer quando uma teoria confirmada .se torna uma lei.

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zação (da informação a ser lembrada) e pelas imagens. Ele pode e natural­mente descreverá a relação descoberta em palavras. Mas ele expressará a relação mais sucinta, exata e frutiferamente com, digamos, uma equação de regressão, que mostra mais claramente qual é a natureza da relação~ ·

Muitos outros exemplos da necessidades e força da abstração pode­riam ser dados. Mas isto não chega à raiz do motivo pelo qual o cientista, como cientista, não tem que se preocupar com o caso individual. Ao propor a equação de regressão, como no caso acima, ele perde indivi­dualmente as pessoas que foram seus sujeitos. Sua equação de regressão é uma expressão média, uma abstração dos dados originais. Naturalmen­te, ele poderá usar a equação de regressão para predizer a nota de qualquer sujeito em uma variável dependente. Mas isto também é uma abstração, uma expressão que diz, com efeito: "Aqui está a predição para o sujeito XH, mas é apenas uma predição da média". Temos aqui um dilema e uma pista para a natureza "grupal" da ciência. Para enten­der isto, vamos examinar um meio muito útil de encarar disciplinas e proposições.

A distinção nomotética-ideográfica

Existem dois grandes tipos de disciplina de conhecimento, nomo­téticas e ideográficas. Diz-se, por exemplo, que a física é nomotética e a história, ideográfica. Nomotética significa fazedora de leis. Uma disci­plina pode ser caracterizada como nomotética se seu objetivo básico é estabelecer leis gerais. A física é um exemplo claro p·orque seu principal objetivo é descobrir leis naturais ou enunciados de relações entre fenôme­nos físicos. A chamada lei da gravidade é um exemplo bem conhecido. A psicologia e a sociologia são disciplinas nomotéticas, ou fazedoras de leis. As ciências comportamentais são geralmente consideradas nomotéti­cas, embora haja desacordo neste ponto.

Ideográfica significa descrever as coisas individualmente. As disci­plinas ideográficas não são basicamente descobridoras de leis; são, antes, descritivas. A história, por exemplo, é ideográfica : o historiador tenta dar descrições exatas de acontecimentos singulares e de suas relações: a história da Guerra Civil, as causas da Revolução Russa, a origem e fundação das escolas públicas na América. São estudadas as relações e as supostas causas e efeitos, mas o interesse se focaliza em indivíduos, nações, organizações e acontecimentos. A história, portanto, não é uma ciência. Isto de forma alguma significa que ela seja de alguma maneira inferior ou superior à ciência. É simplesmente diferente - é ideográfica.

Em psicologia e <:!ducação freqüentemente há conflitos entre nomote­tistas e ideógrafos, como passarei a chamá-los. Os psicólogos . clínicos

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são principalmente ideógrafos. Estão principalmente preocupados com o indivíduo e seus problemas. Os pacientes devem ser tratados. As pessoas têm que ser servidas. Por outro lado, o estudante nomotético da personali­dade não está nem pode estar preocupado com o indiAduo. Ele procura leis que expliquem o comportamento. Ele quer, por exemplo, conhecer a raiz das neuroses. Está interessado no cliente apenas como um exemplo da expressão de uma teoria de personalidade. A neurose do paciente deve ser explicada por meio de leis, nomoteticamente. O quadro que estou pin­tando é um bocado extremo; há cientistas-psicólogos que combinam abor­dagem nomotética e ideográfica, mas eu imagino que não lhes é fácil fazer isto. Há muitos anos, Carl Rogers expressou eloqüentemente seu próprio conflito ao tentar ser ao mesmo tempo nomotético e ideográfico (Rogers ,1955).

Os cientistas, então, não estão nem podem estar preocupados com o caso individual. 3 Eles buscam leis, relações sistemáticas, explicações de fenômenos. E seus resultados são sempre estatísticos. Eles precisam apren­der a viver e trabalhar com a incerteza. As leis que buscam são enuncia-

-.. dos do tipo se p, então q, mas tais enunciados são sempre compreendidos como enunciados do tipo se p, então provavelmente q. Quaisquer predi­ções que são feitas para casos individuais, não são "individuais" no sentido clínico ideográfico, mas antes uma espécie de "indivíduo" abstrato de uma equação estatística.

Para clínicos, professores e pessoas cujo trabalho esteja ligado ao indivíduo, parece difícil compreender a ciência e o cientista nomotético. Seu principal interesse na ciência, se existir, está em como ela pode ajudá-los a curar ou ensinar indivíduos, e nem tanto em leis abstratas que podem ou não ser aplicadas a indivíduos particulares ou que talvez apliquem a eles apenas em média.

Predição

Para compreender um pouco melhor a distinção, vamos examinar agora as duas principais maneiras empíricas de estudar indivíduos: predi-

3 Existe uma aparente exceção a esta afirmação. Freqüentemente os cientistas predizem para casos individuais, principalmente em psicologia e educação. Por exemplo, com base em três, quatro ou mais testes e uma equação de regressão, pode-se predizer os status ocupacionais de indivíduos. Foi dado outro exemplo no capítulo 13, quando discutimos análise discriminante: foi predita a inclusão de um osso particular em um grupo. Mas não acho, entretanto, que sejam real­mente excecões. Em todos os casos como este as predições foram estatísticas. Calcula-se ; nota provável de Y, alguma medida a ser predita, com base nas notas obtidas de vários sujeitos. O cientista está basicamente interessado fias relações, e não nos indivíduos, ossos ou pessoas de suas amostras. (Veja a dis­cussão a respeito de predição, adiante.)

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ção e perfil. (Vamos omitir todos os meios mais ou menos subjetivos, como a especulação psicológica intuitiva e a astrologia.) Pela predição podemos prever o desempenho de um indivíduo em uma variável depen· dente com base em uma ou mais notas em certas variáveis independentes. Ou, intimamente relacionado com isto, predizemos a categoria ou a inclusão do indivíduo em um grupo com base em seu desempenho ou suas medidas em um ou mais testes ou medidas. Exemplos comuns são a predição de realizaÇão no segundo grau ou na universidade, com base em medidas de inteligência, classe social, motivação e realização anterior, e a predição de sucesso ocupacional a partir de medidas de escolaridade, classe social, escolaridade e ocupação dos pais.

Talvez o método para fazer predições mais freqüentemente usado seja o da análise de regressão múltipla. (Se houver, naturalmente, apenas uma variável dependente a ser predita.) O pesquisador aplica as medidas das variáveis independentes a um número de pessoas e apura ou mede ~:; a variável dependente. ("Apura" é usado aqui porque quando a variável 1'1..

td epe?dente é ~ in~ldusdão em um gru

1p o - 't'sudcesso" ou "itnsucaessfo" e~ 8 :;; .

ermmar a umvers1 a e, por exemp o - , u o o que se em azer e , determinar a que grupo ou categoria o indivíduo pertence.) Ele faz então _ ~ ,.. análise de regressão múltipla e usa a equação de regressão para fazer ':;", ~ 1

a predição, como ficou esboçada no capítulo 11 . r~~ ~

Como exemplo, vamos tomar um fenômeno muito difícil, a criativi- ~~- i:;j dade. O conceito é difícil porque não é fácil saber o que é criatividade; C'l b é de difícil definição, principalmente de modo operacional. Mas vamosd ;_: imaginar que um psicólogo tem duas medidas :çazoavelmente boas quegj .~ predizem criatividade em crianças, sendo que 0 conceito global de criati{.o.i ~­vidade propriamente dito seria julgado por especialistas. Vamos deno~ minar as duas medidas X1 e Xz e criatividade, Y. Neste ponto aconselha~-:> mos que o leitor volte ao capítulo 11 e reveja o parágrafo sobre o estudo de Holzman e Brown e a seção imediatamente seguinte. Lá aprendemos o que é uma equação de regressão, para que é usada, e como se podem fazer predições individuais usando a equação de regressão.

Uma equação de regressão abstrata com duas variáveis indepen­dentes é:

Y' = a + b1X1 + bzXz Y' é a nota predita. a, a chamada constante de intersecção, vamos ignorar de novo; não é importante para o que queremos. X1 e Xz são as variáveis independentes, e b1 e bz são os pesos de regressão para X1 e X z. São partes dos frutos da análise de regressão. Como seu nome indica, eles "ponderam" ou "atribuem importância" diferenciada às medidas das variáveis independentes.

Vamos supor que o psicólogo aplicou X1 e Xz e sua medida de criatividade, Y, a uin grande número de crianças, tenha feito a análise

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Page 164: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

de regressão e tenha obtido a seguinte equação de regressão - que é a mesma usada para ilustrar regressão e predição no capítulo 11:

Y' = 0,10 + 0,68X1 + 0,39Xz

b1 e b2 são 0,68 e 0,39, respectivamente. Eles indicam que em qualquer predição individual X1 tem um "peso" maior do que X2. Em outras palavras, foi descoberto que xl contribui mais para a predição de y do que X2. Vamos supor ainda, que dois indivíduos, números 7 e 41 em uma amostra de 50, obtiveram notas xl e x2 de (2,4) e (10,5), como no capítulo 11. A predição dos dois Y bu das notas de criatividade são, então:

Indivíduo 7: 0,10 + (0,68) ( 2) + (0,39) (4) 3,02 Indivíduo 41: 0,10 + (0,68) (10) + (0,39) (5) 8,85

Com base nestas predições, o psicólogo poderá dizer que o indivíduo 41 é, ou será, mais criativo que o indivíduo 7 (naturalmente nos aspectos de criatividade medidos por X1 e X2).

Esta é a essência da predição. 4 O psicólogo predisse a nota de criati­vidade de dois indivíduos. Ele pode usar a equação para predizer a criatividade, ou notas Y' de quaisquer indivíduos semelhantes. Mas observe cuidadosamente que essas predições são realmente predições de "grupo", no sentido de que os pesos foram obtidos das notas xl x2 e y de um grupo de indivíduos. Elas são, por assim dizer, médias, abstrações estatísticas derivadas dos dados originais do grupo. As predições são assim de natureza estatística. Têm probabilidades maiores ou menores ligadas a elas. Não são, portanto, e estritamente falando, predições indi­viduais, mas antes predições para classes de indivíduos que obtiveram as notas dadas X1 e X2. Como tais, podem e são muito úteis às vezes, mas não são "individuais" no sentido existencial do termo. Em outras palavras, o indivíduo existencial, o núcleo da individualidade, escapa para sempre do cientista. Ele está mais ligado a dados de grupos, predi­ção estatística e cálculos probabilísticos.

Foi dito que isto é verdadeiro nas ciências comportamentais; é uma função da inexatidão dessas ciências. Mas nas chamadas ciências exatas, entretanto, as leis seriam conhecidas virtualmente com certeza, e as predi­ções de casos individuais poderiam ser feitas com toda confiança. Não é bem assim. Naturalmente há diferenças entre um e outro tipo de ciência, mas não se trata de diferenças em idéias gerais, concepção, abordagem e metodologia geral. São diferenças em grau de precisão da experimentação

4 O leitor inter~ssado em predição estatística achará esclarecedor o livro de Rozeboom (1966), que, às vezes, é divertido, difícil e mesmo profundo.

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e mensuração. Mas todo o conhecimento científico é conhecimento de relações empíricas, cuja "existência" traz sempre junto um rótulo de probabilidade. Em ciências naturais as probabilidades são mais altas do que em ciências sociais. As generalizações e. predições em todas as ciências, entretanto, são predições de grupo e são probabilísticas. Um físico não pode predizer o movimento de um átomo com mais exatidão do que um psicólogo pode predizer a nota de criatividade de uma criança.

Perfis

Outra maneira muitíssimo útil de estudar-se o indivíduo é através de perfis e análise de perfil. -Na realidade, a análise de perfil está intimamente relacionada com a predição. Naturalmente é mais complexa e talvez mais interessante, principalmente para o pessoal ideograficamente orientado. Perfil é um conjunto de notas de um conjunto de testes ou medidas. Os perfis podem ser de indivíduos ou de grupos. Perfis indi­viduais consistem em duas, três ou mais notas de algum tipo dadas a um só indivíduo. Perfis de grupos são algum tipo de notas médias obtidas a partir de um grupo de notas. Um perfil comum de grupo seria um conjunto de médias de um grupo em duas, três ou mais medidas.

Usam-se freqüentemente os perfis para propósitos diagnósticos. Por exemplo, os professores estudam as notas de aproveitamento dos alunos em diferentes matérias para diagnosticarem forças e fraquezas . As maté­rias de testes fornecem aos professores, admini~tradores e orientadores, perfis de informação tanto de indivíduos quanto de classes e até de toda uma escola. Freqüentemente, os clínicos usam perfis de testes de personalidade para ajudá-los a diagnosticarem as dificuldades de um paciente. Assim, os perfis são instrumentos muito úteis para se trabalhar com indivíduos. Como os métodos de regressão múltipla, são também instrumentos multivariados que, pelo menos teoricamente, estão mais próximos da complexidade dos atributos e do comportamento humanos do que simples testes ou medidas.

Apesar de seu aparente caráter individual e seu apelo ideográfico, os perfis, como as equações de predição discutidas anteriormente, são produtos de grupos. Um perfil deriva seu significado apenas da ligação de suas notas componentes aos dados de grupo. Isto está ilustrado na figura 15 . 1. O perfil consiste nas notas representadas graficamente de quatro medidas de talento musical - outro conceito difícil, por sinal -memória, percepção melódica, acuidade auditiva e coordenação. 5 Pode-

5 Estas medidas foram escolhidas apenas para ilustrar as questões apresentadas; elas não provêm de uma pesquisa real. Os detalhes técnicos de como apresentar

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Page 165: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

Memória x.............._ Percepção

~melódica X

Figura 15.1

X

Acuidade aud itiva

Coordenação X

mos dizer que a figura 15. 1 retrata o (limitado) perfil do talento musical de um indivíduo. Por ela, pode-se avaliar mais ou menos a capacidade musical da pessoa. Supomos que os quatro atributos dados sejam impor­tantes para qualquer um que aspire à realização musical. As notas do indivíduo estão representadas acima e abaixo das médias das quatro medidas. (Vamos supor ainda que as notas brutas dos testes foram transformadas convenientemente em medidas comparáveis. Do con­trário, o perfil não teria muito sentido.) 6

No caso presente podemos verificar que o indivíduo tem memória, percepção melódica e coordenação acima da média. Mas sua acuidade auditiva está consideravelmente abaixo da média. Já que a acuidade é decisiva (digamos) na maioria das atividades musicais, o prognóstico par& seu sucesso musical não é nada bom. Entretanto, ele poderá dar urr. bom baterista! Mas jamais um timpanista, já que é preciso afinar os tambores, mesmo durante um concerto!

Observe novamente que os perfis, como as equações de regressão, estão amarrados a medidas de grupos. As médias, calculadas pelas notas de um grupo, são os referenciais comparativos que possibilitam a inter­pretação. Em resumo, o psicólogo, o professor e o orientador que usam

perfis como este são ignorados aqui, já que não estão ligados diretamente ao problema. .

6 Um modo comum, mas não o único, de fazer isto é converter todas as notas do indivíduo em notas-padrão. Uma nota-padrão é a diferença entre uma nota bruta, X, e a média do grupo naquele teste, M, convenientemente ajustada para (dividida por) a variabilidade do grupo.

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perfis ou notas preditas de regressão m~ltipla estão usand_o uma abo~da­gem ideográfica; estão descrevendo indivíduos. Mas precisam fazer 1sto sempre com base em medidas e estatísticas de grupos. 7

A distinção nomotético-ideográfico é importante porque esclarece parte da natureza fundamental da ciência e da pesquisa científic~ e porque esclarece as limitações de ambas as abordagens. O bom novelista é um ideógrafo. Ele descreve e sonda indivíduos e seus amores, temores, motivações e comportamentos. O grande novelista faz isto e ainda mais: ele dá um jeito de projetar também suas personagens na tela da humani­dade. Um Chaim Potok não apenas cria vividamente uma personagem hassídica, no Brooklin, defrontada com o problema da ruptura com o Hassidismo. Ele faz também o leitor sentir a dor de tal ruptura com seu credo. Fazendo isto, ele, até certo ponto, escorrega para a nomotese. O grande cientista jamais poderá passar de uma abordagem nomotética para uma abordagem ideográfica. As regras do jogo não permitem. Deve-se agarrar a elas e deixar a ideografia para os Potoks, porque a própria definição da ciência como fazedora de leis, com sua restrição à generalidade, não permite tratar com o indivíduo.

Um parodoxo perturbador

Podemos concluir este capítulo perturbador com um paradoxo pertur­bador. É um paradoxo da ciência, mas principalmente da ciência compor­tamental, que se centraliza no que pode ser chamado a "unidade de discurso". A unidade de discurso em ciência é sempre o conjunto, o grupo. Mas os cientistas comportamentais, e os psicólogos principalmente, falam muitas vezes como se a unidade de discurso fosse o indivíduo. As teorias psicológicas, por exemplo, são muitas vezes enunciadas como se fossem explanações do que vai dentro de um único indivíduo. O psicólogo social, por exemplo, pode falar sobre o efeito da semelhança de atitude percebida em relação a questões sociais sobre ·a apreciação

7 O problema relacionado com este, de uma "estatística do indivíduo" •. é .d~fícil. Em teoria, pode-se conceber o uso de estatísticas para os dados de um mdtvt~uo. Por exemplo, a metodologia Q (Stephenson, 1953) é uma abordagem desse t1po. Instrumentos de mensuração, geralmente um maço de cartões, são construídos com uma duas ou três variáveis, incorporadas aos itens do instrumento. Um único indivíduo responde ao instrumento, e, sob certas circunstâncias, os resul­tados podem ser analisados com análise de variância. Pode-se chamar a .ist~ uma estatística do indivíduo. Igualmente interessante, as respostas de um mdtvíduo podem ser correlacionadas com as de outro - e assim por diante. A abordagem e metodologia e suas ·forças e fraquezas são complexas demais ~ara estudarmos aqui. Basta dizer, entretanto, que a natureza grupal dos dados nao muda.

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Page 166: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

por outra pessoa. Ao explicar as razões de tal relação, o cientista poderá falar sobre o indivíduo e a estrutura e conteúdo de suas atitudes em .relação a questões sociais. Ou um teórico cognitivista poderá falar sobre a estrutura da memória e seus efeitos em certos comportamentos. Estarão

· falando, naturalmente, das atitudes e lembranças de indivíduos particu-lares. ·

Para sermos mais claros em relação a este difícil problema, vamos tomar um exemplo sociológico e constrastá-lo com os exemplos acima. Os sociólogo~ (por exemplo, Duncan, Featherman & Duncan, 1972) tentaram exphcar o status ocupacional usando as variáveis independentes status ocupacion~} d? pai, escolaridade do pai e escolaridade do sujeito, entre outras vanaveis. É claro que estas variáveis não são tão "indivi­duais" quanto memória e atitude. Elas não estão tão "dentro do indi­víduo", "dentro da cabeça". Naturalmente, status ocupacional e escolari­dade são abstrações. Mas são menos abstratas do que memória e atitude, no sentido de que é mais fácil encontrar os referentes, as coisas mais ou menos específicas e operacionais, que "significam" escolaridade e status ocupacional. Um índice de rápida determinação de status ocupacional é, por exemplo, renda. fndices operacionais de memória e atitude, entre­tanto, são mais difíceis de encontrar. Estas variáveis estão mergulhadas no cérebro do indivíduo, por assim dizer. O sociólogo é menos inclinado a falar como se estivesse lidando com um único indivíduo e seu status ocupacion~l. O psicólogo, pela própria natureza de suas variáveis, pode entrar mais facilmente no nível individual, usar mais facilmente as unidades de discurso individual. Há, então, menos perigo para o sociólogo falar em nível individual, porque suas variáveis são "menos individuais" menos amarradas às pessoas- embora o sabor de "conversa individual': esteja presente às vezes mesmo em discussões sociológicas.

. Vamos levar a discussão um pouco mais adiante. Quando o psicólogo discute problemas, freqüentemente ele fala das características de · indi­víduos isolados. Por exemplo, na conclusão de um relatório de uma estimulante pesquisa sobre a influência de traços característicos como protótipos na memória (Cantor & Mischel, 1977, p. 47) aparece a seguin­te sentença: "Armazenar material em termos de sua relacão com um esqu~ma _conceitual consistente tem a probabilidade de d~r a alguém (o gnfo e meu) uma estrutura de memória mais estável, menos redun­dante ... " Aqui está outra passagem de um excelente estudo (Markus 1_977, p. 63): "Esquer_na~ do eu (Self-schemata) são generalizações cogni~ tivas ~ respeito ~a propna pessoa, derivadas de experiência anterior, que orgamzam e gmam o processamento da informacão relacionada a si mesmo contida na experiência social de um indivíduo (o grifo é meu)". Nestes estudos os autores só podiam tr:abalhar com grupos de indivíduos

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e estabelecer as relações que estavam estudando usando grupos de indi-' víduos. Entretant0, ambos os autores vão da unidade de discurso do

grupo para a unidade de discurso do indivíduo. Eles têm que fazer isto mais ou menos porque suas teorias "explicam" o que há, presumivel­mente, dentro da cabeça do indivíduo. No segundo estudo, uma vez que as relações enunciadas nas hipóteses foram confirmadas pela evidência empírica grupal, a autora supõe que necessariamente existam esquemas do eu nos cérebros de seus sujeitos individuais. 8 O paradoxo é, então, que os cientistas, principalmente os psicólogos, devem formular hipóteses e testar relações no nível do conjunto ou do grupo, quando eles freqüente­mente desejam de fato falar em nível de indivíduo- e podem fazê-lo.

Adendo

Neste capítulo, a discussão da natureza coletiva ou "grupal" da ciência e da necessária falta de preocupação científica pelo indivíduo pode, aos olhos de certas pessoas, não ser completamente exata. Em geral o argumento é válido, mas certos meios de trabalhar podem parecer exceções à regra de que a unidade de discurso científico é sempre o grupo e não o indivíduo. Pode ser argumentado, por exemplo, que o chamado estudo de casos de indivíduos isolados são instrumentos legíti­mos de investigação científica. Seguindo a posição tomada neste capítulo e em outros pontos do livro, vemos que isto é possível, estritamente falando, apenas se os estudos de caso forem usados para obter medidas de variáveis. ·

Geralmente o estudo de caso não é usado para este objetivo. Mas pode ser, naturalmente. Pode-se usar a chamada análise de conteúdo (mencionada em capítulo anterior) para se obter medidas de variáveis. Seu objetivo usual, entretanto, é diagnóstico ou clínico. Procura-se com­preender o indivíduo mais profundamente do que é usualmente possível para alguma espécie de objetivo prático. Em outras palavras, procura-se conhe~.:er as características ou atributos do indivíduo. O psicólogo clínico, por exemplo, estuda uma descrição detalhada do paciente à procura de pistas ou sintomas de uma doença. O psicólogo cientista, por outro lado,

8 Não se pretende fazer críticas negativas aos dois relatos citados. Só estou ten­tando mostrar como é difícil em psicologia escapar do nível individual de discursu e do indivíduo com seus motivos idiossincráticos, percepções, motivos, atitudes e assim por diante. Para atingir meu objetivo, selecionei deliberadamente o que na minha opinião são bons exemplos de pesquisa psicológica. Outros exemplos em que a orientação individual é mais pronunciada poderiam facilmente , ser citados. Sem dúvida .. é virtualmente imnossível escapar à conversa de mvel individual na redação de pesquisas psicológicas.

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Page 167: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

pode selecionar alguns de vanos casos - as notas mais altas e mais baixas em uma variável dependente, digamos - para ajudar a compre­ender as relações sob estudo. Esta não é a abordagem científica básica dos dados, naturalmente.

Outra possível exceção à regra coletiva é mais difícil e controvertida. ~ uma abordagem na qual o pesquisador - talvez o caso mais famoso seja o de B. F. Skinner, o psicólogo behaviorista- estuda um fenômeno com um animal ou uma pessG>a. Digamos que o problema seja o efeito do reforçamento (recompensa) na aprendizagem. O pesquisador pode reforçar uma ou mais vezes uma certa resposta ou classe de respostas em um único pombo, como fez Skinner. Ele descobre que a aprendizagem melhora com o reforçamento. Aqui há uma relação: temos um conjunto de pares ordenados consistindo em pontos no tempo, ou reforçamento em pontos no tempo, havendo um conjunto dado e as respostas a este conjunto no outro. Isto pode ser considerado uma verdadeira exceção à regra coletiva?

O alvo da ciência nomotética é estabelecer leis, explicações siste­máticas ou relações que se apliquem em geral. O pesquisador, neste caso, quer poder afirmar que o reforçamento produz certas respostas e, a partir disto, quer afirmar que o reforçamento produz aprendizagem. Se todo indivíduo - rato, pombo, pessoa -- fosse igual a todos os outros indi­víduos, estudando então um indivíduo isolado poderíamos produzir resul­tados generalizados aplicáveis a todos os indivíduos de uma certa espécie. Como sempre, o problema são as grandes diferenças entre os indivíduos. Mesmo isópodes, pequenos crustáceos marinhos, apresentam diferenças individuais! (Morrow & Smithson, 1969.) Portanto, é necessário ter muito cuidado com as conclusões obtidas pela pesquisa que usa um indivíduo apenas. Os princípios de amostragem e generalização a partir de amostras se aplicam a todas as situações, embora as exigências possam ser bem menores em pesquisa com animais e no laboratório. O exemplo acima, então, não é realmente uma exceção para o requisito coletivo.

Stephenson (1953), cujas idéias já foram mencionadas anterior­mente, afirma enfaticamente que uma teoria psicológica pode ser testada com um único indivíduo, usando o que ele denominou metodologia O. Pede-se a um sujeito único que classifique um maço de cartas ou itens de acordo com algum critério, digamos graus de aprovação ou graus de importância na área que as cartas representarem. As cartas são colocadas nas pilhas designadas com números variáveis de cartas em cada pilha. As seis ou mais pilhas representam uma ordem de postos e atribuem-se valores às cartas nas pilhas, valores diferentes para cada pilha e o mesmo valor dentro de cada pilha.

O método é muitíssimo eficiente. Pode-se conseguir uma espécie de ·'estatística do indivíduo." Isto é feito construindo categorias dentro do

314

um Q-sort e seus itens . Por exemplo, ao se medir atitudes sociais, pode-se ter metade dos itens conservadores e metade liberais. Então, depois que uma pessoa escolheu as cartas de acordo com suas crenças e números apropriados que foram atribuídos às cartas de cada pilha, é feito um teste estatístico apropriado da significância da diferença entre a média dos item conservadores e a média dos itens liberais. Obviamente pode-se construir duas e até três categorias dentro dos itens. A categoria" abstrato­específico" pode~ ser usada, por exemplo. Então, pode-se aplicar ao arranjo feito por um indivíduo a análise de variância fatorial, como ficou descrita em capítulo anterior (e cujos detalhes não são pertinen­tes aqui).

O método é realmente um meio sofisticado de ordenar em postos um conjunto de itens. ~ difícil e tedioso ordenar 60 ou 80 itens. Colocar cartões em pilhas é muito mais fácil e ainda eficiente. Além da análise estatística dos valores Q de um indivíduo, pode-se correlacionar os valores de um indivíduo com os de outro. Na verdade, as correlações entre os arranjos Q de diversos indivíduos podem ser intercorrelaciona­das e analisadas fatorialmente, freqüentemente com resultados provei­tosíssimos.

Stephenson afirma que uma teoria incorporada aos itens O pode ser testada usando o arranjo Q de um indivíduo cujas características sejam conhecidas. Um conservador que tivesse classificado o 0-sort de atitudes sociais descrito acima deveria ter uma média maior nos itens conservadores do que nos itens liberais. Embora esta descrição seja por demais simplificada, é suficiente para o que nos interessa no momento.

A idéia é importante e interessante. (Estranho não ter sido mais usada do que foi.) Infelizmente, está sujeita a mesma avaliação feita para o exemplo anterior do estudo do reforçamento com uni animal. Em resumo, não se pode estabelecer as relações de uma teoria com dados de um único indivíduo. Exige-se generalidade maior do que podem fornecer os dados de um indivíduo apenas. Sem dúvida, uma das fraque­zas da metodologia Q é que a natureza do método - exigindo aplicação quase personalizada dos arranjos Q, investindo-se muito tempo com um indivíduo apenas, por exemplo - virtualmente impede o uso de grandes grupos de sujeitos.

Acredito que a distinção nomotético-ideográfico, e a colocação feita neste capítulo, de que a ciência não está nem pode se preocupar com indivíduos, seja geralmente válida. Entretanto, quero deixar um pouco aberta a porta do entendimento do leitor. ~ possível que exceções legíti­mas - em psicologia fisiológica, por exemplo - possam ser desenvolvi­das no futuro. Embora eu próprio não possa imaginar como a ciência possa ser outra coisa que não nomotética, pode ser que no futuro seja

315

Page 168: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

possível à ciência trabalhar com o indivíduo isolado. Em todo caso, pode-se compreender consideravelmente melhor a ciência comportameo tal moderna, conhecendo-se a distinção nomotético-ideográfico e o para­doxo indivíduo-grupo do psicólogo. 9

9 ? .leitor interessado em se aprofundar no assunto pode consultar a penetrante analise d~ Nagel 09.61, ,PP· 547 e ~s .) . Nagel poderia até achar parte da discussão deste .capttul? quest10navel. Ele dtz, por exemplo, que seria um erro dizer que enunciado~ smgular~s não desempenham qualquer papel na ciência. Ele salienta que enunctados gerats pode!ll ser su.stentados apenas oelo uso de enunciados singu­I~res . (p .. 548) . ~le quer, ~tzer, ereto eu, que a evidência empírica precisa estar ligada a ~nstanctas e~!?ec~ftcas. Entretanto ele diz também que de uin modo geral o~ e?unctado~ nas ctenc~a~ natur~,is e sociais "contêm poucas, se algumas, refe­renctas a Objetos espectftcos .. . , enquanto que enunciados em história "são quase ~em exceção singulares na forma .. . " (p. 548). ·

Um ~ilósofo co~ qu: trabalho (J. van Heerden) indicou que dizer que pode-s.e dtzer. que o mdtvtduo desempenha um papel na ciência como membro enunciados smgulares não são usados em ciência é forte demais. Além disso d.e uma classe. Por outro lado, a ciência não lida e não pode lidar com singula~ ndades e com o indivíduo singular.

316

16. Concepções errôneas e controvérsias: pesquisa e prática1

Como a pesquisa influencia a prática? Para que serve a pesquisa? Por que os cientistas fazem pesquisa? A finalidade da pesquisa é melho­rar o destino da humanidade? O alvo da ciência é ajudar homens e mulheres a viverem melhor? Ou o alvo da ciência é simplesmente enten­der fenômenos naturais? Estas perguntas difíceis e outras no mesmo tom necessitam respostas razoáveis se desejarmos completar nossa compre­ensão da pesquisa científica.

Os problemas e argumentos deste capítulo não são fáceis de com­preender. Não há grande dificuldade conceitual como houve em capítulos mais técnicos deste livro. A dificuldade é o tipo de incompreensão e resistência psicológica que surgem quando crenças aceitas e tradicionais são desafiadas, como o devem ser agora. Quando dizemos, como vamos dizer, que o objetivo da ciência não é aumentar o bem-estar da humani­dade, podemos acender uma chama de incredulidade a até ressentimento nas mentes de alguns leitores. Para que serve a ciência se não melhora as condições humanas e sociais? A pesquisa nãcl deveria apresentar divi-

. dendos práticos para o investimento feito? Pode-se colocar uma atividade importante como a pesquisa científica em categoria separada da maioria das outras atividades humanas?

Para responder a estas questões, vamos estabelecer a questão central do capítulo: Qual é a relação entre pesquisa e prática? A pesquisa científica fica traduzida na prática? Deve-se pedir que os cientistas mos­trem como sua pesquisa beneficiará de certa forma as pessoas e a socie­dade antes de serem destinadas verbas para a pesquisa? Ao tentar responder estas perguntas voltaremos, como no capítulo 15, aos temas introduzidos no capítulo 1. Em outras palavras, começamos e terminamos este livro com estes importantes problemas. Vamos repetir rapidamente o propósito da ciência e da pesquisa científica, definir e discutir pesquisa básica e aplicada, esboçar um importante erro de concepção do objetivo

1 Parte do conteúdo e argumentação deste capítulo foi tomada de empréstimo, ou pelo menos influenciada por uma comunicação apresentada no encontro anual da American Educational Research Association, em Nova Iorque, no dia 6 de abril de 1977 (Kerlinger, 1977).

3.1.7

Page 169: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

da pesquisa, as vantagens e, finalmente, discutir as complexas relações entre a pesquisa e a prática.

O objetivo da pesquisa científica revisitado

. O propósito básico da pesquisa científica é a teoria. Já dissemos I~t~ antes ~ dev.emos repetir aqui por causa de sua importância. A prin­CipiO, a a~Irmatrva parece enigmática e intrigante principalmente porque est~:nos tao acostumados a pensar que a pesquisa precisa ter objetivos pratrcos. ~n:a. vez .entendido seu significado, entretanto, o enigma desa­parece. Significa simplesmente que o objetivo da pesquisa científica é compreender c explicar fenômenos naturais. Como diz Braithwaite (1953 p. 2): "O conceito fundamental para a ciência é o da lei científica e ~ alvo fundamental da ciência é o estabelecimento de tais leis". Uma t~oria apresenta uma visão sistemática de fenômenos especificando relacões entre variáveis, com o propósito de explicar e predizer os fenôme~os. Os cientistas têm a teoria em alta conta - e com razão. Isto vem do prop~s~to bási~? ~a ciên_cia e_ a teoria é o veíc;tlo para expressar este proposito. A ciencia, entao, nao tem outro proposito a não ser a teoria ou a compreensão e explicação. '

Muita gente pensa que a finalidade da pesquisa científica é resolver problemas humanos e técnicos e aperfeiçoar a prática. Considera-se, por :x~mplo, ~~e a meta da pesquisa em biologia e química, é produzir, em ultima analise, uma agncultura mais perfeita, um atendimento médico superior ou outros resultados benéficos à sociedade. Considera-se, igual­mente, que a pesquisa sociológica e psicológica deveria se concentrar em resolver, entre outras coisas, problemas de preconceito e discriminacão rep~rando. deficiências de aprendizagem, melhorando a aprendizage~ ~ ensmo, cnando testes úteis para a educação e a indústria, e ajudando as pessoas a serem psicologicamente equilibradas e construtivas.

:É .bem .ve.rda.de ~ue l!lllito da pesquisa é mais ou menos dirigida para tais ?bJetrvos. Discutiremos isto depois. Em geral, entretanto, tais metas vahosas e práticas não são o propósito da pesquisa científica. O pro~ósito é a_ teoria e nenh:rm outro. Já que discutimos este ponto no capitulo 1, na o vamos contmuar agora. Sua aceitação, entretanto, é a base da argumentação deste capítulo. Damos, então, dois exemplos ?e pesquisa científica psicológica, um verdadeiro e um inventado, para Ilustrar o que queremos dizer.

Dois exemplos de pesquisa científica psicológica

Já apresentamos a essência do importante estudo de Cattell (1963), sobre a natureza da inteligência humana. Lembre-se de que ele afirma que

318

há dois tipos amplos de inteligência, chamadas inteligência cristalizada e inteligência fluida . A inteligência cristalizada é aquela tipo usual testado pela maioria dos testes de inteligência ~ Por exemplo, capacida?e v~r?al.é parte importante da inteligência me?surada e faz part~ da. ~nte~gencia cristalizada. Muitos psicólogos acreditam, com bastante JUStrftcaçao, que há uma inteligência geral, ou "g", que permeia testes de inteligência; é uma capacidade geral que é a fonte por excelência da inteligência humana. Cattell diria que "g" é inteligência cristalizada. Diz ele, além disso, que há outra importante forma geral de inteligência muito diferente da inteligência cristalizada, embora obviamente ligada a esta. A isto ele dá o nome de inteligência fluida.

Inteligência fluida é uma espécie de segundo "g". Mostra-se no desempenho humano caracterizado pela adaptação a novas situações. É a aplicação "fluida" da capacidade geral, por assim dizer. Tal capa­cidade é mais característica do comportamento criativo do que a inte­ligência cristalizada. Em resumo, Cattell diz que há duas formas de inteligência geral e não uma apenas. No estudo citad? acim~ ele. t~st~u sua hipótese aplicando testes que, segundo ele, medtam a mtehgencta cristalizada - testes verbais, numéricos, de raciocínio, por exemplo -e testes que, segundo ele, mediam a inteligência fluida - testes per­ceptuais menos comuns, que presumivelmente exigem maior abertura de pensamento, maior flexibilidade e assim por diante.

Cattell aplicou testes de ambas as espécies, junto com medidas de personalidade, a crianças de oitava série, e analisou fatorialmente os result:>.dos. Estes resultados apoiavam sua hipóte.se: os dois tipos de testes apareceram juntos em dois fatores diferentes. Algumas outras predições ficaram também confirmadas.

Essa pesquisa é pesquisa científica. Procura explicar aspectos impor­tantes da inteligência humana especificando as definições e relações de uma teoria. Não diz nada em relação a melhorar a inteligência; "explica-a" apenas.

Um segundo exemplo: suponhamos que uma teoria de aprendizagem foi considerada empiricamente válida e explica com bastante eficiência a aprendizagem de conceitos. A pesquisa que testou a teoria foi p~squisa científica porque explica algum aspecto ou aspectos da aprendizagem humana. Pode ou não ter aplicações no ensino de conceitos a crianças. Se tem ou não, nada tem a ver como sua condição como pesquisa científica. Suponhamos ainda que um técnico de ensino crie um método de ensinar conceitos baseado na teoria e pesquisa. Ele é um engenheiro, um técnico. Embora baseado em pesquisa científica, o que ele faz não é em si mesmo, pesquisa científica. Ele pode, naturalmente, testar a eficácia de seu método usando técnicas criadas por cientistas. Sua pesquisa é pesquisa aplicada que é, neste caso, inspirada pela pesquisa original.

319

Page 170: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

O ensino real usando o método é parcialmente engenharia, parcialmente arte. Não é ciência.

Ciência e engenharia

Grande parte dos mal··entendidos na cabeça das pessoas com relacão à pesquisa e seu suposto propósito melhora tive surgiu provavelmente· do fato de se confundir ciência com engenharia e tecnologia. Vamos aqui nos afastar um pouco do assunto para explicar a diferença.

. ~ engenharia é_,;tm. conjunto de disciplinas aplicadas que dependem pnncipalmente da c~enc1a, mas que em si próprias não são ciência. O tra­balho do engenheiro é descobrir soluções técnicas para problemas práti­cos. Ao fazer isto, ele usa a tecnologia, que da mesma forma, surge às vezes da ciência, mas que em si não é ciência. A tecnologia abrange métodos técnicos e materiais criados para atingir objetivos práticos. O técnico em ensino mencionado acima criou um métoáo de ensinar conceitos. Os .técnicos de computadores criam máquinas e linguagem de máquinas, com.:> vimos no capítulo 14, para descobrir soluções para problemas analíticos. O técnico de ensino e o técnico de computador são elementos muitíssimo importantes dentro da comunidade intelectual. Mas não são cientistas; basicamente são engenheiros, embora às vezes seja di_fícil traçar uma linha clara entre a engenharia e a ciência. A pista essencial para compreender a diferença é o objetivo básico de cada uma. O o?jetivo da engenharia e tecnologia é resolver problemas práticos relativamente específicos. O objetivo da ciência é compreender fenôme­nos natu~ais. O certo e apropriado é esperar e pedir soluções de proble­mas. práticos aos engenheiros. Não é certo nem apropriado esperar e pedir soluções de problemas práticos aos cientistas, como veremos.

Pesquisa básica e aplicada

Outra vez a pergunta: Para que serve a ciência? Dissemos neste livro que o objetivo da ciência é a teoria ou a explicação sistemática de fenômenos naturais . Vamos aceitar este argumento como correto. s~ assim for, o trabalho dos cientistas deveria, então, estar centralizado no estudo das relações entre fenômenos. Em ciências comportamentais ·isto significaria pesquisa de fenômenos tais como aprendizagem, memória p~rce~ção, motiva~ão, atribuição, ocupação, preferências religiosas, erga~ mzaçoes, personalidade, classe social, movimentos sociais, ideologia, atitu­des, valores e assim por diante. Tal pesquisa é chamada pesquisa básica.

A pesquisa básica vem tendo muitas definicões a maioria insatis­fatória de um ou outra forma. Tem sido até pere~pt~riamente afirmado

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que não é possível uma definição adequada ou operacional da pesquisa básica (Kidd, 1959). Entretanto, os cientistas, pensadores e escritores da ciência sabem, às vezes vagamente, o que significa o termo, especialmente em contraste com a pesquisa aplicada. Em todo caso, pesquisa básica é pesquisa feita para testar teoria, estudar relações entre fenômenos com o fim de entender os fenômenos, com pouca ou nenhuma preocupação quanto à aplicação dos resultados da pesquisa a problemas práticos. Apesar das prováveis impropriedades desta definição, ela é suficiente para nos ajudar a falar sobre pesquisa básica. Diz o que vimos dizendo desde o primeiro capítulo deste livro: que a pesquisa científica é a inves­tigação disciplinada das relações entre fenômenos naturais e acrescenta que ela não foi criada para atingir metas práticas.

Pesquisa aplicada é pesquisa dirigida para a solução de problemas práticos especificados em áreas delineadas e da qual se espera melhoria ou progresso de algum processo ou atividade, ou o alcance de metas práticas. As pesquisas denominadas programáticas e dirigidas são pes­quisa aplicada. Tais pesquisas são dirigidas para determinados objetivos que prometem solução de problemas geralmente aflitivos. ~ o tipo citado freqüentemente pelos jornais quando se discute pesquisa, porque é fácil compreender as razões e a motivação de pesquisadores aplicados e suas fontes de recursos financeiros. Como sempre os exemplos podem nos ajudar a entender as diferenças importantes entre pesquisa básica e aplicada.

O estudo de Aronson e Mills (1959), já citado, é um bom exemplo de pesquisa básica em psicologia. Os pesquisadores estavam interessados nas influência da privação e dificuldade de entrada em grupos, no valor

· que os membros do grupo colocavam na participação no grupo. Eles procuravam também lançar mais luz sobre a teoria sócio-psicológica para ajudar a explicar certos fenômenos ligados à participação em grupos. Os estudos sobre obediência à autoridade de Milgram (1974), também citados anteriormente, são igualmente bons exemplos de pesquisa básica. Lembre-se que foi pedido aos sujeitos que aplicassem choques suposta­mente dolorosos a outra pessoa num suposto experimento sobre aprendi­zagem. A questão era: Até onde irão os sujeitos experimentais? Até onde inflingiriam dor a outra pessoa sob o comando de um "investigador científico"? A relação estudada foi entre as variáveis autoridade e obe­diência.

Nenhuma dessas pesquisas parece ter sido feita com · o pesquisador pensando em conseqüências práticas. Eles estavam à procura de explica­ções explícitas ou implícitas para fenômenos naturais: o valor presumi­velmente mais alto colocado na participação em uin grupo quando a pessoa experimentou privação ou dificuldade em fazer parte do grupo e obediência à autoridade. .

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Memória e planárias

Para entender melhor a pesquisa básica, vamos examinar um estudo sobre memória pouquíssimo comum e, para muita gente, totalmente não­prático, feito muitos anos atrás usando planárias como sujeitos. (Na ver­dade, escolhi este estudo porque parece estar longe de ter aplicação prática ----:- e também por sua importância no estudo e compreensão da memória.)

A memória sempre chamou a atenção dos psicólogos, não apenas por ser uma função muitíssimo interessante, complexa e esquiva do cérebro, mas também por ser uma chave para a compreensão de outros processos e funções psicológicas. Sem entrarmos muito em teorias de aprendizagem, memória e funções cerebrais 2, podemos dizer que a atenção científica dirigiu-se para a descoberta da localização, no cérebro, da fala , audição, aprendizagem e habilidade verbais, aprendizagem musi­cal e assim por diante. Descobriu-se que se uma parte do cérebro for prejudicada, em alguns casos uma outra parte do cérebro passa a exercer á função ou funções da parte prejudicada. Já que é muito difícil ou impossível fazer experimentos controlados no cérebro humano, usam-se freqüentemente animais e cérebros de animais. Embora a diferenca entre os cérebros humano e animal seja grande, às vezes é possív;l testar hipóteses e explorar funções cerebrais, bem como relações entre estas funções, com animais. Apesar da diferença ser grande, a semelhança pode :;er suficiente para justificar o estudo das relações entre as funções.

McConnell, Jacobson e Kimble (1959) num clássico estudo sobre aprendizagem em lesmas, ou planárias, exploraram a regeneração caracte­rística destes pequenos animais para demonstrar que a aprendizagem, tanto quanto características físicas, é regenerada. Se uma planária for

. cortada em -dois, um "novo" animal renasce. Isto é, ambas as partes do animal "cortado" serão organismos completos! Os pesquisadores "ensi­naram" primeiro um grupo experimental de cinco planárias a reagirem fisicamente à luz juntando o aparecimento da luz com um choque elétrico. O choque faz o animal se contrair longitudinalmente. A aprendizagem completava-se quando o corpo das planárias se contraía apenas com a

2 Podem ser encontnldos relatos claros e muito bem escritos destes fenômenos , assim corno outros fenômenos psicológicos, em: Hilgard, Atkinson e Atkinson (1975) lntroduction to Psychology. O próprio início do livro (p. 4) é um bom exemplo de parte do principal argumento deste capítulo. Os autores dão dez problemas de pesquisa psicológica corno exemplos do trabalho dos psicólogos. Dos dez, oito são problemas de pesquisa aplicada, um é problema de pesquisa básica e um é problema metodológico. Entretanto grande parte, ou talvez a maior parte do texto do livro, está preocupada com pesquisa básica.

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luz, sem necessidade do choque. Um grupo de controle de cinco animais não recebeu este treinamento.

Depois do treinamento, os experimentadores cortaram os animais de ambos os r;mpos, experim"':ntal e de controle, em dois. Será que as seções da cauda dos animais do grupo experimental, que originalmente tinha tido cérebro - naturalmente as seções da cabeça tinham os cére­bros originais, e portanto acreditava-se terem "aprendido'~ a resposta condicionada à luz --:- mostrariam evidências de terem "aprendido" a resposta à luz? Depois de aproximadamente quatro semanas, tempo suficiente para a regeneração, os animais do grupo experimental e do grupo de controle foram testados. Foram testadas tanto a seção da cabeça quanto a da cauda. A situação está representada na figura 16.1. A figura é auto-explanatória.

A seção da cauda dos animais regenerados do grupo experimental exibiram a resposta condicionada à luz? Já que a seção da cabeça de: grupo experimental continuava com o cérebro original que aprender~; a resposta, supôs-se que reteria . a aprendizagem. Como os animais do· grupo de controle não tiveram treinamento, esperava-se que ambas lL ...J

seções, cabeça e cauda, depois da regeneração, não apresentariam nenhtp ;' ma aprendizagem. A medida da variável dependente foi o número ~e tentativas necessárias para alcançar um critério de 23 respostas condiciq-nadas em 25 tentativas consecutivas. L.J ,_".

Os resultados mostraram que as caudas dos sujeitos, do grupo exp~- ~---­rimental, possuíam a aprendizagem, da mesma forma que as cabeç!l'S! ~-~ O número médio de tentativas do treinamento original foi de 134-.:" :i A média das seções de cabeça, depois do corte e regeneração, foi ~.9,-' ~

2: ;;;.::

Figura 16.1

Seção da cauda

Seção da cauda

Corte Cérebro

Seção da cabeça

Seção da cabeça

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e a média das seções de cauda foi de 43,2. As diferenças entre a média do treinamento original e ambas as médias de reteste, após a regeneração, foram estatisticamente significantes. A média das seções de cabeça dos animais do grupo de controle foi de 248,6, e a média das seções de cauda foi de 207,8. Estas médias não diferiam significantemente entre si. Mas as seções de cauda e cabeça diferiam significantemente das médias do grupo experimental após a regeneração.

Estes resultados são notáveis. Não há dúvida de que o experimento e sua concepção têm uma espécie de estranha beleza. Teria a aprendi­zagem, de alguma forma, chegado às caudas regeneradas do grupo experi­mental de planárias? Nossa preocupação, entretanto, não é com os resul­tados e ~ fascinação da pesquisa, mas com pesquisa básica. 1:! claro que os pesqmsadores provavelmente estivessem interessados lia aprendizagem humana: m~s par~c~ claro que. eles pouco ou nada estavam ligando para sua aphcaçao pratica. Todavia, se resultados tão impressionantes são confirmados em pesquisas posteriores, a teoria e pesquisa da memória, tanto. com animais quanto com seres humanos, poderiam ser fortemente afetadas. A questão seguinte, naturalmente, é por que e como as seções de cauda regeneradas do grupo experimental haviam "aprendido".

Não é difícil encontrar-se exemplos de pesquisa aplicada. O estudo de Clark e Wa~b~rg, tantas vezes citado neste livro, é um estudo aplicado, embora s:m duvtda tenha aspectos de pesquisa básica. Foi dirigido para a obtençao de uma resposta parcial a uma questão bastante difícil: Qual a melhor maneira de ensinar grupos minoritários de crianças caren­tes (underac~ieving) a ler? <;Jrande parte da pesquisa em educação é por natureza aphcada: seu objetivo é ajudar a melhorar a prática educacio­nal. Por exemp~o, a maioria ?os ~studos de métodos de ensino, instrução prog~amada, cnanças excepciOnais, etc., são pesquisa aplicada. Por estar focahzada em problemas práticos específicos e por sua falta de foco na com~reensão ~ásica de fenômenos, o campo da pesquisa aplicada .é mais estreito_ e s:_u 1~pact? potencial mais limitado. Os estudos aplicados em educaçao nao sao fettos ta~to para aumentar os conhecimentos, alargar e apro~undar a compreensao dos processos de educação, quanto o são para ~Judar as crianç~~ a aprenderem melhor. Em outras palavras, são es~enctalmente _prag~ahcos: procuram descobrir o que funciona ou deter­mma~ as relaçoes, ?~o pelas relações e pela possível teoria, mas para o planeJamento e decisoes da ação educacional.

Dois importantes estudos em pesquisa aplicada

. , . Um dos m~is im~ort~ntes .estudos em pesquisa aplicada do século, Ja citado neste hvro, e a mvestlgação em larga escala da desigualdade e

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igualdade na educação norte-americana, feita por ordem do Congresso, Equality of Educational Opportunity (Coleman e outros, 1966). Sua grande influência mostra claramente que não faltam significância e importância à pesquisa aplicada. Na procura de respostas para as questões sobre a igualdade feitas pelo Congresso, Coleman e seus colegas estudaram os efeitos de um grande número de variáveis na realização escolar. Os resultados do estudo, assim como sua metodologia, ainda têm muito impacto hoje. Foram feitos estudos semelhantes em outros países sob o título geral de International Studies of Educational Achievement (por exemplo, Husén, 1967; Thorndike, 1973), e sua importância e influência são também grandes.

Outro estudo em pesquisa aplicada de grande importância prática para o bem-estar dos Estados Unidos é um conjunto de levantamentos feitos pelo Survey Research Center da Universidade de Michigan, para determinar as atitudes dos brancos em relação aos pretos (Campbell, 1971). Na verdade foram estudadas também as atitudes dos pretos em relação aos brancos, no conjunto completo de estudos, mas o livro de Campbelllimitou-se às atitudes de brancos em relação a negros. Levanta­mentos geralmente são pesquisa aplicada: são feitos para objetivos práti­cos específicos, comumente para obter informação na qual basear decisões ou ações. O estudo sob consideração não é exceção. Parte dele foi autori­zado pelo Comissão Consultora Nacional sobre Desordens Civis (ve,ia Report of the National Advisory Commission on Civil Disorders, 1968) para obter informações sobre distúrbios raciais e assuntos relacionados. Presumivelmente a informação obtida ajudaria a. Comissão e outras orga­nizações a melhor lidarem com os problemas raciais. Em todo o conjunto de estudos, cerca de 9.000 americanos foram incluídos nas amostras e entrevistados em 1964, 1968 e 1970.

As descobertas desses estudos são surpreendentes e importantes. Mas Campbell nos avisa logo no início do livro (p. 1) que não há maneira simples de descrever as atitudes dos brancos em relação aos pretos. Contudo, ele chega a três ou quatro conclusões importantes. Uma, embora não haja dú-vidas de que o branco americano tenha atitudes francamente racistas, a população .branca das cidades não é universal­mente racista. Além disso, tem havido um movimento maciço em direção a atitudes raciais mais favoráveis. Apesar de longe de serem igualitários, os brancos americanos são muito mais igualitários do que já o foram. E apenas uma pequena porção da população expressou atitudes aberta­mente hostis em relação aos pretos.

Duas, a resistência à mudança nas relações raciais é muito difun­dida, embora de forma alguma, universal. Algumas formas de mudança, por exemplo a aceit.ação de pretos em situações de trabalho, são aceitas. Outros tipos de mudanças mais de ordem privada sofrem maior resis-

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tência. Três, a idéia de superioridade racial não caracteriza as atitudes dos brancos. Este signo convencional de doutrina racial parece ter mudado para melhor.

Quatro, os americanos que freqüentaram universidades depois da Segunda Guerra Mundial são claramente mais positivos em suas atitudes em relação aos pretos dos que os que não freqüentaram universidades ou que as freqüentaram antes da guerra. Esta foi a relação mais forte encontrada no estudo. Em outras palavras, houve uma importante mudança no clima intelectual do campus nos Estados Unidos: os pretos são aceitos pelos diplomados brancos mais jovens. Talvez o ensino supe­rior recente tenha tido um impacto importante e benéfico. Há várias outras descobertas, claro, mas estas são as principais. Aceitando-as como indicadores válidos da atitude dos brancos norte-americanos em relação aos pretos - e os resultados de pesquisas de organizações de grande categoria como o Survey Research Center são geralmente aceitos pelos cientistas por causa da excelente qualidade conceitual e técnica de seu trabalho - , podemos ter uma boa idéia de como a pesquisa aplicada pode ser importante.

Pode restar pouca dúvida, então, de que a pesquisa aplicada tenha freqüentemente grande importância prática, social e humana. Seria difícil superestimar a importância dos dois estudos ora sumariados. Tais estudos, assim como outros semelhantes, levam, entretanto, muito gente a acreditar que a pesquisa aplicada é mais importante e significante do que a pes­quisa básica. A importância e significância da pesquisa básica são fáceis de serem negligenciadas porque geralmente a pesquisa básica não se dirige a questões de importância e urgência humanas. e, muito mais fácil entender, por exemplo, a relevância social dos dois estudos acima do que entender a importância dos estudos de teoria das atribuições ou estudos da memória humana.

A pesquisa aplicada é indispensável e quase sempre muito signifi­cativa de duas ou três formas. Primeira, pode, como aliás é sua finali­dade, fornecer informações que levarão à solução de problemas. Segunda, pode sugerir, às vezes, linhas novas ou diferentes de pesquisa básica. Pode ser descoberta, por exemplo, uma relação inesperada entre duas variáveis em um levantamento de opiniões. Esta relação pode sugerir a alteração de uma teoria que estiver sendo testada na pesquisa básica. As ne<;essidades da pesquisa aplicada podem estimular também a pesquisa básica metodológica. A necessidade de formas mais apropriadas de análise para estudo de fenômenos como realização escolar, status ocupa­cional, sucesso na vida adulta e variáveis semelhantes ajudaram, aparen­temente, a reforçar o desenvolvimento da análise multivariada, especial­mente análise de regressão múltipla e análise de trajetória. Terceira, e talvez mais importante, a pesquisa aplicada tem, às vezes, uma qualidade

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heurística. Pode levar ao desenvolvimento da teoria e da pesquisa básica. É freqüentemente rica em hipóteses potenciais que exigem testagem e fundamentação teórica.

Vantagens

Os povos das modernas nações industriais são fortemente pragmáti­cos. Admiram e gostam do que funciona, principalmente do que funciona rápida e eficientemente. Esta atitude, provavelmente mais forte nos Estados Unidos, é sadia no sentido de que as coisas sejam feitas. Se há algum problema a ser resolvido, que se peça conselho aos técnicos, explore soluções anteriores para problemas semelhantes, mas acima de tudo, que se faça alguma coisa. Se alguma coisa funciona, ótimo. Se não, que se tente outra coisa. Mas é preciso descobrir algo que funcione.

Há uma espécie de estilo impetuoso em muitas soluções norte-ameri­canas para problemas, mas, sem dúvida, tenta-se soluções, o que provavel­mente é muito melhor do que ignorá-los, analisá-los à exaustão ou esperar que eles desapareçam. Infelizmente, uma perspectiva e uma atitude forte­mente pragmática tanto são amigas quanto inimigas da ciência. É amiga enquanto pessoas, principalmente pessoas poderosas, entendem a ciência como útil na solução de problemas. Se, por outro lado, considerarem a ciência ineficaz na solução de problemas ou distanciada de preocupações práticas, daí a atitude pragmática tornar-se uma inimiga da ciência e da pesquisa básica. Parece que é isto que está acohtecendo hoje nos países do ocidente.

Mantendo esta atitude pragmática, muito gente acredita que a pes­quisa pode e deveria resolver problemas práticos e melhorar as condições sociais e humanas. Esta suposição é falsa. A pesquisa não conduz direta­mente à melhoria da prática ou das condições sociais e humanas. A solu­ção de um problema de pesquisa está em um nível diferente de discurso do que a solução de um problema de ação. O resultado de uma pesquisa geralmente é o estabelecimento de uma relação de alguma espécie entre dois ou mais fenômenos . Isto é também verdadeiro para os problemas de pesquisa aplicada. Vamos tomar um resultado aplicado relativamente simples como o do experimento de Clark e Walberg. Lembre-se de que o reforçamento maciço teve um efeito bastante substancial na realização em leitura de crianças negras que se achavam bem atrasadas em leitura.

Estes resultados podem ser aplicados. diretamente na prática educa­cional? Superficialmente pareceria que sim. Se uma pesquisa mostra que o reforçamento maciço ajuda crianças atrasadas a lerem melhor, então que se estimuie os professores a usarem reforçamento maciço para

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ensinar essas criancas. Infelizmente as coisas não são tão simples assim. O reforçamento m~ciço funciona com crianças de outras idades? Que diferença faz o reforçamento maciço quando usado por tipos diferentes de professores? Mais sutil ainda, é possível que o uso prolongado do reforçamento maciço tenha efeito deletério sobre algumas ou mesmo todas as crianças? Poderia ter, por exemplo, o efeito de sufocar a iniciativa e a motivação interna das crianças?

Então, mesmo os resultados aparentemente mais óbvios e simples de uma pesquisa que é mais aplicada que básica acabam tendo impli­cações incertas para a prática. Se tomarmos o resultado de muitos trabalhos de pesquisa básica que parecem ter implicações para a prática educacional descobrimos um hiato maior ainda. Na maioria de tais estudos, a l~cuna entre tais descobertas e a prática é larga e profunda.

Estudar relações e entrar em ação estão em dois níveis diferentes de discurso que não se podem unir facilmente. 3 A pesquisa científica jamais teve como propósito resolver problemas humanos e sociais, tomar decisões e entrar em ação. O pesquisador está e deve estar preocupado com variáveis e suas relações. Jamais deve se exigir dele que pense ou explique ou fale das implicações do que ele está fazendo ou fez. Exigir isto é exigir um salto de um nível relaciona! abstrato de discurso para outro nível muito mais concreto e específico. Isto não pode ser feito diretamente; não é possível fazer uma pesquisa e então ter os profissio­nais usando imediatamente seus resultados.

A expectativa de que a pesquisa deveria levar rapidamente à mudança na prática vem em boa parte, como já mencionamos, da orienta­ção prática e pragmática das pessoas. Elas imaginam que o objetivo da ciência seja o progresso humano, ambiental e técnico. A pesquisa, sob este aspecto tem que ter vantagens; deve haver um retorno no investi­mento feito em pesquisa. São exigidas, da ciência e dos cientistas, respos­tas práticas e solução de problemas.

3 f. importante saber o que se quer dizer com "nível de discurso". Sempre que falamos sobre algo, falamos em um contexto ou quadro de referência. Vamos denominar este quadro de referência U, significando "universo". Um particular U é um nível de discurso e deve incluir todos os objetos em discussão. Se saltar­mos de um nível de discurso para outro, digamos de U, para U,, o novo nível não conterá todos os objetos. Pode, aliás, não conter nenhum deles . Quando se discute segregação e suas implicações, não devemos saltar para problemas religiosos - "f. desejo de Deus que haia raças; e as foram feitas, obviamente, para estarem separadas". Estes são dois níveis ou universos de discurso: segregação e religião. Mudar de níveis de discurso, sem uma transição conveniente, é uma maneira consciente e inconsciente de distorcer a comunicação. No problema discutido acima. o nível de discurso dos problemas de ação é inteiramente diferente do nível de discurso da pesquisa científica. Veja Kerlinger (1973, pp. 57·58) para mais discussão.

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Uma atitudé fortemente pragmática, então, virtualmente dirige o foco para resultados e realização de coisas. O que é bom é o que . fun~ ciona! Por que funciona é menos importante; o mais importante é que funcione. Isto, em ciência, é uma atitude derrotista , porque como Thomson ( 1960) observou: "A melhor maneira de fazer progressos na tecnologia. . . vem a ser a compreensão do princípio" (p. 997). Ele observou também que esta idéia é uma descoberta recente e só recente­mente tornou-se verdadeira.

Os profissionais têm geralmente pouca paciência com o que julgam como pesquisa "não-prática", "torre de marfim". Eles querem que a pesquisa seja colocada em trabalho prático. Uma das manifestações infeli­zes desta orientação geral para a pesquisa é o desejo urgente e a exigência que a pesquisa dê lucros, que traga vantagens rápidas. Falar sobre pesquisa com finalidade de compreensão, parece para a grande maioria, tolo e até patético. Tem que haver uma vantagem! f: uma expectativa fútil. A pesquisa científica não tem vantagens de maneira simples porque não está nem pode ser dirigida para problemas práticos (Brain, 1965; Brooks, 1971; Dubos, 1961; Townes, 1968; Waterman, 1966) .

E a pesquisa aplicada? O mesmo argumento se lhe aplica? Afinal, por definição a pesquisa aplicada é dirigida para a aplicação. Não deve­mos então exigir vantagens da pesquisa aplicada? A resposta parece ser um Sim com muitas ressalvas. Pode-se esperar vantagens, mas é ilusório

. exigí-las. Já foi dado um exemplo aqui. A aplicação direta das desco­bertas do estudo de reforçamento maciço de Clark e W alberg, obtidos de pesquisa aplicada de grande qualidade, foi ~onsiderada questionável. Uma possível vantagem proporcionada por este estudo é a sugestão de que reforçamento maciço poderia ajudar certos tipos de crianças.

Como já dissemos, o amplo estudo Equality of Educational Opportu­nity foi pesquisa aplicada. Que vantagens proporcionou? Por estranho que pareça, suas descobertas pouco oferecem ao profissional. Elas docu­mentaram a desigualdade de recursos e realização. Mas não ofereceram solucões. Mostraram também que uma porção consideravelmente maior da v~riância de realização foi devida presumivelmente ao ambiente fami­liar e às características que a criança traz para a escola, do que às dife­renças entre escolas (ou recursos da escola). O que significa isto para a prática educacional? Não se preocupar gastando dinheiro com escolas? Se apenas uma porção relativamente pequena da variância de realização é devida a escolas, por que então fazer . tanto esforço para ter escolas excelentes? Não há dúvida de que a extrapolação direta dos estudos de pesquisa pode levar, às vezes, a conclusões absurdas! Curiosamente, a única vantagem real do estudo Equatity foi enfatizar que situações educacionais e reali;l:ação são complexas demais e exigem pesquisa muito mais complexa do que a feita geralmente. Mostrou também maneiras de

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estudar tais situações. Em resumo, moctwu uma grande necessidade de compreender os fenômenos educacionais.

Naturalmente a pesquisa aplicada pode ser usada para resolver pro­blemas mas esta solução não leva ordinariamente à compreensão do complexo fenômeno da pesquisa comportamental. Como no estudo Equality, ela freqüentemente esclarece problemas de pesquisa, problemas teóncos e metodológicos, mas é duvidoso que aplicações diretas sejam possíveis para os fenômenos de interesse na pesquisa comportamental. Seus resultados, entretanto, podem sugerir o que fazer. Mas, como sempre, os profissionais têm que fazer as coisas. Os resultados das pesquisas fornecem apenas possível apoio às decisões.

Leitura é um bom exemplo. As respostas aos problemas de leitura não estão em muitas pesquisas voltadas para dizer aos professores como ensinarem a ler. Elas estão em pesquisas dirigidas à compreensão dos vários aspectos da aprendizagem humana e do ensino ligado à leitura. Tal compreensão é conseguida, se realmente o for, invocando teorias psicológicas e outras ligadas à leitura e durante longo tempo fazendo pesquisa dirigida à compreensão dos fenômenos ligados à leitura. A pesquisa sobre leitura é em si quase que invariavelmente improdutiva. Devemos estudar leitura no contexto de percepção, motivação, atitudes, valores, inteligência e assim por diante. Em outras palavras, o alvo não deveria ser o aperfeiçoamento da leitura! Deveria ser a compreensão das relações entre os vários fenômenos complexos ligados à leitura. Para melhorar coisa tão complexa quanto a leitura é necessário compreendê-la e os vários fenômenos a ela ligados, tarefa sem dúvida muito difícil. E, naturalmente, não há garantia de melhoramento na leitura das crian­ças, mesmo que sejam feitas pesquisas básicas dos fenômenos relaciona­dos com a leitura.

A exigência de que a pesquisa proporcione vantagens, é então uma exigência impossível, pois é baseada em mal-entendidos do que ~ ou não pesquisa científica. Sua persistência é testemunha de sua força. Infelizmente sua influência pode ser bastante perturbadora para indi­víduo~ que procuram compreender a ciência e a pesquisa científica porque inculca-lhes idéias erradas a respeito do objetivo e do que a pesquisa pode realizar. 4

4 Outro aspecto que dificulta a compreensão da ciência e da pesquisa comporta­mental é que tal pesquisa deve ser relevante. Como o aspecto vantagem, este é difícil de ser tratado por ser tão plausível. Parece tão óbvio que a pesquisa comportamental deva ser dirigida para problemas significantes humanos e sociais. O enfoque neste livro, entretanto, é o de que a relevância é um critério total­mente exterior à pesquisa - na verdade, é um critério essencialmente político - e que a insistência em seu uso enfraquecerá seriamente a pesquisa nas ciências

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Dada a importância da questão, poder-se-ia pensar que os pesquisa­dores já teriam estudado os efeitos relativos das pesquisa~ básica e aplicada na prática. Mas parece que o problema não foi estudado empiri­camente. Assim, de um ponto de vista empírico sabemos pouco a respeito dos efeitos relativos de, digamos, pesquisas básica e aplicada na prática. A maioria das discussões e asserções são opiniões mais . ou menos infor­madas e especulação. Recentemente, entretanto, foi publicado um impor­tante estudo empírico em medidna (Comroe & Dripps, 1976). Este estudo tem as virtudes da perenidade, importância e competência, e o que é mais importante, traz excelente evidência empírica para o difícil problema da relação da pesquisa com a prática. Vamos nos voltar para ele agora.

O estudo de Comroe e Dripps

Comroe e Dripps (1976) desejavam saber- entre toda a pesquisa que poderia ter influenciado a prática médica moderna - qual tipo de pesquisa teve a maior influência. Sua principal questão era se foi a pesquisa básica ou a pesquisa aplicada que teve maior impacto sobre a prática da medicina.

Pediram então a 40 médicos que fizessem uma lista dos avanços na prática médica que consideravam mais importantes para seus pacientes. Enviaram uma lista com uma seleção desses avanços a um grande número de especialistas, pedindo-lhes que votassem na lista. Os votos escolheram três avanços nos últimos trinta anos. Com 140 consultores então, os autores identificaram os corpos essenciais de conhecimento que deveriam ser desenvolvidos para que as melhorias pudessem ser feitas.

De cerca de 2.500 relatórios de pesquisa especialmente importantes para o desenvolvimento de um ou mais corpos essenciais de conhecimento identificados, eles e seus consultores escolheram mais de 500 artigos essenciais ou chaves para cuidadoso estudo. Um artigo "chave" era um que·tivera efeito importante sobre pesquisa e desenvolvimento subseqüen­tes, apresentava dados novos ou novas maneiras de considerar velhos dados, um novo conceito ou hipótese e assim por diante. Em ·outras palavras, era um artigo chave se conduzisse a uma das 10 melhorias clínicas.

Comroe e Dripps classificaram os artigos como: (1) pesquisa básica não relacionada com a solução de um problema clínico; (2) pesquisa básica relacionada com um problema clínico; (3) estudos sem preocupa-

sociais politizando-a e desviando os pesquisadores do alvo da atividade científica : a pesquisa básica. (\' eja Kerlinger, 1977, p3ra mais discussões sobre relevância e seus efeitos.)

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ções com mecanismos básicos; (4) resenhas críticas; (5) trabalho de desenvolvimento ou engenharia para criar, melhorar ou aperfeiçoar apa­relhos ou técnicas para a pesquisa; (6) o mesmo que (5), mas para uso com pacientes.

Os resultados foram claros: a pesquisa básica foi responsável por quase três vezes mais artigos chaves que outro tipo de pesquisa e quase duas vezes mais artigos do que a pesquisa não-básica e de desenvolvi­mento juntas. (As cifras foram básica: 61,7%; não-básica: 21,2%; desen­volvimento: 15,3%; resenhas: 1,8%.) Esta notável pesquisa sobre pes­quisas corrige idéias distorcidas sobre as contribuições das pesquisas básica e aplicada à prática e afirma enfaticamente o que muitos cientistas vem dizendo nos últimos 30 ou mais anos: pesquisa básica feita sem visar vantagem tem, no final das contas, provavelmente maior efeito do que a chamada pesquisa programática. Mesmo podendo-se discutir esta afirmativa, fica no mínimo evidente que a fé na plausibilidade do argu­mento vantagem deve ser abalada.

A influência da pesquisa na prática

Como a pesquisa influencia a prática? Ninguém sabe dizer ao certo. Há muitas opiniões, logicamente, mas pouca evidência obtida sistematica­mente. O estudo de Comroe e Dripps é uma raridade e importante. Mas é limitado. Faríamos descobertas semelhantes em psicologia, socio­logia e educação? Seria muito mais difícil fazer estudos semelhantes nesses campos porque seria difícil chegar a um acordo sobre o que são avanços e o que são artigos chave (por exemplo). Embora falte evidência sólida, parece haver um consenso entre muitos cientistas da grande impor­tância tanto da pesquisa básica quanto da aplicada e a necessidade de fomentar ambas. Creio que este consenso é sadio; é a posição tomada neste livro. As observações que se seguem sobre como a pesquisa afeta a prática são em parte baseadas no estudo de Comroe e Dripps, em um estudo de Deutsch, Platt e Sanghaas (1971) sobre avanços feitos nas ciências sociais e na publicação de escritos e relatórios de cientistas e filósofos durante os últimos 10 a 15 anos. (Alguns deles já foram citados neste capítulo.)

Possíveis efeitos de séries de estudos

Os efeitos da pesquisa são indiretos e sentidos somente através de apreciáveis períodos de tempo. A profunda compreensão de fenômenos subjacentes é lenta, relutante até, porque precisa combater ou afastar conjuntos de crenças arraigadas. Tendências mais amplas no pensamento

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teórico e séries de pesquisas voltadas para _responder. 9-uestões gerais teóricas, psicológicas e sociológicas têm a m~10r pro?~b1hdade de ter~m um impacto. Mas o impacto é geralmente nao especthco. _Dm~ ~esqmsa apenas ou mesmo um conjunto de pesqui~as, por exemplo, Jama_ts m~or~a ao profissional o que fazer. Em vez d1sso, se te~ alguma. mfluencta, influencia maneiras de pensar, de perceber, de reagtr. É particularmente assim com a pesquisa básica. Estudos em pesquisa aplicada, virtualmente por definição, têm menos oportunidade de terem impact? _profundo e. de longo alcance porque estão apontados p~ra metas e~~e~1f1cas e relativa­mente estreitas. Estudos teoricamente onentados, dmgtdos para a com­preensão de fenômenos, são gerais, abstratos e em, princípjo aplicáveis a muitos problemas e situações diferentes - se e que sao realmente aplicáveis.

Vamos tomar a teoria de inteligência fluida e cristalizada de Cattell, já mencionada. Se pesquisas posteriores confirmarem as i_déi~s de Cattell, é possível, no final das contas, que o pens~mento p~tcol?­gico e educacional possa ser mudado. Se s~ to:nar a_:;etto qu~ ?a dms tipos de inteligência geral, cristalizada e flmda, ts~o nao pod~ra ~nfluen­ciar no fim o ensino? Muito do ensino contemporaneo tem stdo mfluen­ciado pela idéia de que há uma forma geral de inteligência que passa por muitos testes de capacidade e muito do desempenho humano (o famoso "g"). Levar em conta diferenças individuais no e~sino signi~ic~, em grande parte, fornecer instruções diversificadas para diferentes n~vets de uma inteligência geral. Mas Cattell diz que há duas formas de u~te­ligência geral! Se isto for verdadeiro e se tornflr g~ralmente. co~~ectd.o e aceito, ficará óbvio então que levar em conta d1ferenças mdtvtduats torna-se mais complexo.

A teoria das atribuições é outro exemplo interessante. Na última década, apareceu uma bibliografia muito grande em psicologia social sobre o fenômeno da atribuição. 5 Atribuição é o processo que as pes­soas usam para compreender e explicar as causas do comportamento -;­especialmente o comportamento de outras pessoas. Se ve~os. a~guen: resolvendo problemas rápida e eficientemente, podemos atnbmr tsto a sua capacidade. Ou podemos atribuir à facilidade dos problemas. Por outro lado, se vemos alguém com grande dificuldade com os problem~s, podemos atribuir a falta de sucesso à preguiça, falta de concentraçao e até mesmo a raça e sexo! O que causa estas e outras atribuições? Como

5 Por exemplo, Harvey, Ickes e Kidd (1976), Jones, Kano~s~, Kelley, N~sb~tt, Valins e Weiner (1971) e Shaver (1975). Infelizmente a ma10na das referenctas é enfadonha. Talvez a melhor introdução seja a de Shaver (1975). Pode ser. enco':­trada uma exposição breve mas muito clara no capítulo .18 do texto de P~Icolo~ta geral de Hilgard, Atk.inson e Atkinson (1975). (0 capttulo, de fato, fm escnto por Daryl J. Bem.)

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estão relacionadas às características dos indivíduos que as fazem? Obvia­mente, a atribuição é um fenômeno altamente geral. É também heurí~­tico: estimula grande parte da teoria e da pesquisa. Vamos examinat dois estudos ligeiramente.

Harvey e Kelley (1974) fizeram a pergunta geral: Que condições afetam o sentido do indivíduo de sua própria competência em fazer julgamentos? Em um experimento fizeram sujeitos realizarem compara­ções dos tamanhos relativos de figuras, mas as figuras foram-1hes apre­sentadas de maneiras diferentes. Foram-lhes apresentados 20 vezes pares de figuras de tamanhos diferentes, e perguntava-se aos sujeitos qual das duas era maior. A manipulação experimental foi a estabilidade da apresentação. As primeiras 1 O das 20 apresentações de uma condição, por exemplo, foram instáveis; isto é, as figuras foram apresentadas em maneiras casuais: às vezes, a figura maior à esquerda, às vezes, à direita. As segundas dez apresentações foram todas estáveis: a figura maior aparecia . sempre ou à direita ou à esquerda. Esta foi a condição instável­estável. As outras três condições foram estável-estável, estável-instável e instável-instável.

Num segundo experimento foram igualmente manipulados estabili­dade e instabilidade (desta vez com três condições). A modalidade, entretanto, foi audição. Pediu-se aos sujeitos que julgassem a localização relativa de sons. Harvey e Kelley descobriram, entre outras coisas, que a estabilidade e instabilidade da apresentação afetava os julgamentos de autocompetência. A seqüência instável-estável levou aos julgamentos mais altos de autocompetência, enquanto que as outras seqüências em geral levaram a julgamentos mais baixos.

Em outro estudo estimulado pela teoria da atribuição, J ones e seus colegas (Jones, Rock, Shaver, Goethals & Ward, 1968) estavam interes­sados nos efeitos do sucesso e fracasso iniciais nos julgamentos dos observadores. Fizeram seus sujeitos tentarem resolver uma série de pro­blemas apresentados de tal forma que os observadores viram alguns sujeitos resolverem primeiro e depois fracassarem e outros sujeitos fra­cassarem primeiro e depois resolverem. Os observadores julgaram os que resolveram primeiro mais capazes dos que os que fracassaram primeiro, independentemente do desempenho posterior. Ou seja, os observadores atribuíram graus diferentes de habilidade dependendo de se os sujeitos primeiro resolvessem ou primeiro fracassassem.

Séries de estudos iguais a este deviam aumentar nossa compreensão da atribuição. Esta compreensão, por sua vez, deveria aumentar nossa compreensão da autopercepção, percepção social e julgamento. Muitos problemas interpessoais e de julgamento em situações práticas, comu em negócios e educação, podem ser afetados por esta crescente compreensão. Podemos, por exemplo, compreender melhor o julgamento dos alunos

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pelo professor, as condições da escola, os traços do profess?r. e os com­portamentos que afetam tais julgan:ento~ .. Pode-se colher. d1':1dend~s n~ caminho. 0 inesperado da exploraçao teon~a e d~ pesqutsa e frequente mente surpreendente e recompensador. Sera posstvel, por exemplo, q.ue

0 estudo de Harvey e Kelley seja uma abertura par.a um aspecto Amu.lt~ importante mas pouco explorado da motivação: .se~ti.do de competen_c~a.

Em si nenhum desses estudos tem muito stgmhcado para a pratica _ embora' todos os três sejam sugestivos. Por outro la?o: um corp?, de tais estudos pode ajudar a mudar o pensamento de pstcologos, socwlo­gos e educadores em importantes áreas do comp~rta~~nto humano, nes:e caso inteligência, e fazer julgamentos e outras atn~~1çoes. A compreensao . · ganha poderá ter um impacto sobre a pratica - embora nunca assim b 'f se possa garantir se haverá impacto significante e ene tco.

Outro exemplo de pesquisa de longo alcance que já e~tá mu~a1_1do a educação na América e na Europa é a série de estudos. eptstemolo?tco­desenvolvimentais de Piaget e seus colegas. Dur~nte mUltos a~os P1aget observou cuidadosamente crianças de todas as tdades, entrevtstando-as e falando com elas, e criando "problemas" para, que. elas res~lves~em. Ele está evidentemente interessado em responder a anttga questao episte­mológica e psicológica: Como conhecemos? Ele acha que a pergunt.a pode ser respondida, pelo menos em par~e, ~nt:nde~do ~ d~senvolvt­mento dos processos de pensamento da cnan!a. Uma das descobe:tas gerais de Piagct - congruente com o que. dtss.era J ohn De":e~. mmtos anos antes _ _ é que a criança tem uma vida m~electttal propna,_ uma maneira de olhar a realidade diferente do adulto. Em outras palavras, em seu pensamento, a criança não é apen~s um adulto pequeno. A compreensão da concepção de realidade da cnança, .pelo e~ucador e pelo psicólogo provavelmente afetará profundame:1te a mteraçao ~os ad_t;l~o~ com as crianças, principalmente em educaçao. ~or consegumt:•. senes de estudos como estes terão · provavelmente um impacto na prattca.

A influência da metodologia

Boa parte deste livro se preocupou com a me~odologia, um te~mo geral significando maneiras diferentes de fazer cotsas para propós.tt~s diferentes. A metodologia incluí maneiras de formula~ problet_nas c htpo­teses, métodos de observação e coleta de dados (nao enfatizado neste

6 O leitor interessado poderá ler um ou dois dos vá~íos liv:os ~e Piaget, mas um melhor conselho - infelizmente os escritos de Pwget n~to sao modelos ~.e clareza _ é tentar uma das várias explanações em forma de lr;ro. Uma das m<~lS antigas, mas talvez ainda a melhor, é o livro de Flavell (196.>).

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livro; veja Apêndice), a mensuração de variáveis e técnicas de análise de dados. A metodoiogia inclui também aspectos da filosofia da ciência eA m~a abordagem crítica geral à pesquisa. Apesar de sua grande impor­ta~c~a, raram~nte pensamos na possível influência da metodologia na pratica. Isto e estranho porque a metodologia já teve uma profunda influência no conhecimento científico comportamental.

_ Se podemos dizer que a pesquisa tem influência na prática, segue-se entao que qualquer coisa que influencie fortemente a pesquisa pode, por sua vez, influenciar a prática. A metodologia influencia fortemente a pesquisa. Tal influência, naturalmente, será bem indireta. Afinal a ~nflu~nc_ia ~a própria pesquisa é indireta. A influência da metodolokia e mais mdrreta amda. Vamos tomar um exemplo bem óbvio. Antes de 1930, os experimentos eram principalmente uma questão de duas va­riáveis. Era manipulada uma variável independente e observado seu presumível efeito sobre uma variável dependente. Depois da invencão da análise de variância, contudo, puderam ser feitos experimentos m'ais realistas e teoricamente mais interessantes usando duas ou mais variá­veis in.dependentes. Alguns deles foram descritos em capítulos anteriores. O . efeito do progresso na metodologia é ajudar a produzir pesquisa CUJOS resultados sejam mais generalizáveis e ampliar as abordagens e problemas de pesquisa tanto experimentais quanto não-experimentais.

Mas é possível que a metodologia tenha efeitos mais profundos? V~m?s especular, po_r .exemplo, sobre os possíveis efeitos da regressão multtpla sobre os habrtos de pensamento daqui a 10 ou 20 anos. A essência da regressão múltipla é o efeito simultâneo de muitas variáveis sobre ~ma variável d~pendente. Geralmente a maioria das pessoas pensa no ef~It~ de uma vanavel sobre outra. É possível que depois de repetida exposiçao e do uso de regressão múltipla - e não há dúvidas de que a~ próx~mas duas décadas verão muito tal exposição e uso - possamos na~ ~ais pensar e~ influências isoladas? Será possível que influências m~lttplas se torna~ao parte de nossa maneira habitual de pensar? Para mim parece que sim.

A influência da teoria

A fonte mais importante de influência sobre a prática é a teoria. Est~u pensa~do em teoria em dois níveis. Um é o tipo mais amplo de te~na, ~ssociado a escolas de pensamento psicológico e sociológico. A ~sicologia, por exempl.o, foi influenciada pelas teorias gestálticas (holís­ticas), comportamentars, psicoanalíticas e cognitivas. Cada uma destas e à~ veze~ :onjunç~es delas, tem suas tradições de pesquisa. A psicologi~ socral foi. mfluencraçla em seus primeiros anos pela teoria gestáltica, pela teona comportamental e pela teoria psicoanalítica. A psicologia

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experimental foi influenciada pela teoria comportamental e pela teoria cognitiva. Tais teorias provavelmente influenciam a prática, porque influenciam decisões sobre quais são os problemas de pesquisa impor­tantes - a pesquisa de atribuição surgiu principalmente da teoria ges­táltica (ou de campo) e da teoria cognitiva - e porque as idéias esti­muladas pela teoria entram em livros e, às vezes, até se tornam parte de dogmas. Assim, muito indiretamente, a prática pode por fim ser afetada. O difundido uso da dinâmica de grupo por professores e assis­tentes sociais nas décadas de 50 e 60 foi resultante em parte da teoria de campo, um ramo da teoria gestáltica, que estimulou tanto a pesquisa em processos de grupos quanto a introdução e uso de técnicas de grupo em situações práticas.

O outro tipo de influência teórica é a teoria mais específica, como a teoria das atribuições, a teoria do reforçamento e as teorias de inteli­gências. As teorias de inteligência podem mudar o pensamento e a prá­tica educacional e previdenciária. Teorias de inteligência ambiental e hereditária, por exemplo, podem levar a práticas previdenciárias e edu­cacionais muito diferentes. A influência da teoria do reforçamento já foi sentida por causa de sua fortt: cnfatização do reforçamento positivo. Pais e professores preferem usar recompensa à punição, porque sua edu­cação e treinamento não podem evitar de ser influenciados pela teoria e pesquisa do reforçamento. Eles "sabem", freqüentemente sem conheci­mento específico e explícito, que o efeito da recompensa é muito melhor que o efeito da punição. (Se o leitor estiver inclinado a achar que isto é óbvio, lembre-se de que no século XIX a pun!ção era a maneira mais comum de lidar com crianças, pelo menos nas escolas.)

Preconceito e autoritarismo: um exemplo misto

A ciência, as teorias científicas comportamentais e a pesquisa mudam nossa maneira de pensar a respeito de nós mesmos, de outros, crianças, sociedade, problemas sociais e possíveis soluções para proble­mas sociais. Como já ficou dito, tal mudança é indireta e relativamente lenta. Além disso é muito difícil, talvez quase impossível, dizer até onde a teoria e a pesquisa afetaram, por exemplo, abordagens e tenta­tivas de solução de problemas so::.:iais. Foi a pesquisa que afetou o pen­samento de muitos indivíduos em relação ao preconceito, ou foi, por exemplo, uma mudança geral nas condições sociais que afetaram esse pensamento? Ou foram ambos? Eu creio que foram ambos - além de outros fatores. Se a pesquisa tem realmente um efeito, como tem esse efeito? Grande parte da dificuldadt; em responder tais questões não é apenas sua complexidade. É também porque a pesquisa que pode ter tido efeito geralmente não foi feita para ter especificamente o efeito.

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Foi feita, repetindo talvez tediosamente, para aumentar a compreensão dos fenômenos que se relacionavam aos problemas sociais.

Vamos considerar um problema da maior magnitude: a igualdade dos negros nortP--americanos. Rotulo o problema desta forma porque os problemas concernentes às relações de raça, preconceito, discrimina­ção e segregação podem ser agrupados em igualdade com os brancos, então a maioria dos problemas provavelmente desapareceria com o tempo. Sem dúvida houve um progresso considerável, grande até, em melhorar as condições dos negros norte-americanos. Ê desnecessário cata­logar as leis aprovadas, e as estatísticas de empregos, habitação e aceita­ção, em transformação. Poucos americanos negarão que homens, mulhe­res e crianças pretos devem ter direitos e oportunidades iguais perante a lei. (Veja a discussão anterior da pesquisa de Campbell.) Outro sinal de importante mudança social é o abandono de linguagem ofensiva e estereotipada. No início do século, expressões e palavras aviltantes eram comumente usadas para descreverem o negro - e ninguém pensava que isso fosse errado. Embora tal linguagem ainda seja usada hoje, seu uso diminuiu enormemente. São grandes mudanças. O que a pesquisa tem a ver com estas e outras mudanças salutares de pensamento e prática? Ninguém sabe ao certo. Não há nenhum estudo de Comroe e Dripps. Então o que se segue é necessariamente especulação, embora, espera-se, especulação bem informada.

O pensamento e os escritos sociológicos e psicológicos sobre raça e preconceito fizeram progressos no início do século. A pesquisa, no sen­tido de investigação controlada, começou realmente a florescer na ter­ceira, quarta e quinta décadas do século. Investigações clássicas sobre um dos fundamentos do preconceito, os estereótipos, tiveram grande impacto sobre os psicólogos e sociólogos (por exemplo, Katz e Braly, 1935). 7 Foram feitos muitos outros estudos sobre estereótipos e outros aspectos do preconceito e o assunto foi analisado teoricamente (por exemplo, Krech & Crutchfield, 1948). Cientistas comportamentais dese­javam compreender o fenômeno, assim como contribuir para sua solução.

Escolhi deliberadamente um fenômeno cuja ínvestigação teve moti­vos mistos. Por ter sido dito repetidamente que o propósito da ciência é a teoria, ou a compreensão, não quer dizer que os teóricos e os pesqui­sadores desejem pura e simplesmente obter conhecimentos. De fato , muitos pesquisadores trabalhando na área geral do preconceito pareciam ter fortes motivos sociais, baseados em uma ideologia igualitária. Entre­tanto, o progresso na compreensão do preconceito - hoje preconceito é

7 Um livro de Simpson e Yinger (1965) discute estereótipos e outros aspectos da preconceito. A bibliografia é muito grande; Simpson e Yinger resumem com habilidade uma grande parte dela.

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bastante bem compreendido, embora, como sempre, muita coisa não seja ainda entendida - veio da pesquisa científica sobre o fenômeno e sobre fenômenos relacionados. Vamos nos voltar agora para um conjunto de investigações muitíssimo interessante, importante e influente, cujo alvo inicial foi estudar e compreender o preconceito, mas cuja execução foi consideravelmente além do preconceito. Embora já tenhamos examinado aspectos dessas investigações, sua importância e especial adequação para o problema da pesquisa e prática justifica uma repetição.

A influência de um livro notável publicado em 1950, The Autho­ritarian Personality (Adorno e outros, 1950), é sentida ainda hoje. A meta ambiciosa da pesquisa nele contida era estudar, compreender e explicar o preconceito. Os pesquisadores eram homens e mulheres que se dedicavam também ao combate do preconceito na moderna sociedade. De fato, duvidamos que tal estudo pudesse ter sido feito sem que os pesquisadores tivessem esta motivação. Logo na primeira página do liv~o, Horkheimer e Flowerman, diretores do Departamento de Pesqmsa Científicr, do Comitê Judeu Norte-Americano, que patrocinou o estudo, propuseram diversas questões perturbadoras, estimulados pela persegui­ção e extermínio de milhões de seres humanos por outros seres humanos:

Como é possível que . . . em uma cultura de lei, ordem e razão possam ter sobrevivido os remanescentes irracionais de antigos ódios raciais e religiosos? Como .. . explicar a disposição de gran­des massas de pessoas para tolerar o extermínio em massa de seus semelhantes e concidadãos? Que tecidos continuam cancerosos na vida da nossa moderna sociedade, e que, a despeito de seu propalado progresso, mostram o incongruente atavismo de povos primi­tivos? (p.v)

São questões profundas. O fato de serem feitas como perguntas para serem respondidas pela investigação empírica, pelo menos em parte, é um dos aspectos mais notáveis desta pesquisa. Horkheimer e Flowerman dizem:

Mas uma consciência desperta não é suficiente se não estimular uma busca sistemática de uma resposta. A humanidade pagou um preço muito alto por sua ingênua fé nos efeitos automáticos da simples passagem do tempo; a magia jamais conseguiu dissipar tem­pestades, catástrofes, peste, doença ou outros males. . . (p.v)

Não estamos agora tão preocupados com a substância, metodologia e descobertas do estudo, mas com sua motivação mista e de que maneira pode ter afetado a prática . Os pesquisadores, profundamente preocupa­dos com o preconceito e seus efeitos secundários perniciosos, desejavam

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contribuir com a busca de respostas práticas para erradicarem o pre­conceito. Afinal, o estudo fora iniciado e financiado pelo Comitê Judeu Norte-Americano, entre cujas principais tarefas estava combater o anti­semitismo. Todos sabiam, entretanto, que teriam que compreendê-lo para combatê-lo. "Nosso objetivo não é meràmente descrever o precon­ceito, mas explicá-lo a fim de ajudarmos em sua erradicação" (p. vii).

Através de uma combinação de abordagens de pesquisa, os pesqui­sadores chegaram a várias conclusões importantes. Uma delas foi que o preconceito é um fenômeno muito geral que faz parte das personalidades dos indivíduos. A esta personalidade eles denominaram "personalidade autoritária" porque descobriram, entre outras coisas, que uma "perso­n~lidade auto~itá~i~" possuía uma síndrome de características que pre­dtspu~ham o md1v1duo que a possuía a ser hostil em relação a grupos que nao fossem o seu.

. Uma segunda conclusão foi que o preconceito tende a ser gene­ralizado. A pessoa que tem preconceito contra um grupo torna-se incli­nada a ter preconceito contra outros grupos. Esta conclusão, como outras de Adorno e seus colegas, foi confirmada por outras pesquisas. O indi­víduo que não gosta de judeus provavelmente não gosta de negros, estrangeiros e assim por diante. Observe que isto explica muito do com­portamento social humano, mas especialmente o que envolve o contato entre grupos. Significa também que, para compreender o anti-semitismo é ~rec~s? .compreender também o preconceito em relação a outros grupo~ mmontanos.

Uma terceira conclusão - a última que vamos considerar - está relacionada à primeira resumida acima: atitudes políticas, religiosas e outras, estão relacionadas ao autoritarismo. Isto é, a personalidade auto­ritária_ não tende apenas a ter preconceito em relação a outros grupos que nao o seu; ela tem também atitudes identificáveis e predizíveis em relação a questões sociais. O termo geral que engloba estas atitudes é "conservadorismo", mas os autores mostram cuidadosamente que eles querem dizer "pseudoconservadorismo", pelo que parecem querer dizer con~~rvadorismo reacionário. Não há dúvida, entretanto, da correlação positiva entre o autoritarismo e o conservadorismo medidos. 8

Evidentemente o preconceito é muito complexo e não é fácil com­preendê-lo. Adorno e outros descobriram que o anti-semitismo faz real-

8 Um resul~ado .infeliz desta e de outras pesquisas semelhantes é uma tendência ?e alguns hber~I~ a conside.rarem a ideologia conservadora como de certa forma Imat~~a e permcws.a: !al VIsão pode ser tão dogmática e preconceituosa quanto as v1soes dos autontanos em relação a negros e judeus. Rokeach (1960) observou corretamente que o dogmatismo e o autoritarismo podem ser tanto de direita quanto de esquerda. ·

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mente parte de uma síndrome mais ampla que pode ser chamada de etnocentrismo: caracterizada pela centralização dos membros no seu próprio grupo, crença em seu valores e retidão e por atitudes negativas em relação a outros grupos. Descobriram ainda que o etnocentrismo por sua vez faz parte de outro fenômeno chamado autoritarismo, e que o autoritarismo descreve um certo conjunto de traços de personalidade. Sua ênfase foi fortemente psicológica no sentido de terem localizado o etnocentrismo e o autoritarismo no indivíduo. Eles provavelmente acer­taram, mas é provável que ambos sejam afetados por forças sociais e variáveis fora do indivíduo. Entretanto, The Authoritarian Personality é uma grande realização da pesquisa e da ciência comportamental, uma contribuição distinta e importante para a compreensão do preconceito, do autoritarismo e da ideologia, das relações entre personalidade e ideologia.

Praticamente toda essa pesquisa foi pesquisa básica. Sua meta era compreender e explicar o preconceito, ainda que os pesquisadores e seus patrocinadores tivessem convicções profundas sobre os males do precon­ceito e forte desejo de erradicá-lo. Ninguém pode dizer com certeza, claro, se o estudo teve algum efeito real sobre o preconceito em si. Eu creio que provavelmente tenha tido influência porque, com a maior compreensão do preconceito, líderes intelectuais e uma geração de es~­dantes ganharam uma base para entenderem como lidar com o precon­ceito. Provavelmente tenha também ajudado a criar uma noção mais forte da necessidade de igualdade em muito mais pessoas. Do ponto de vista deste capítulo, os autores de The Authoritarian Personality mostraram não somente capacidade de pesquisa, discernimento e argúcia; mostraram sabedoria quando escolheram fazer pesquisa básica. Um conjunto de estudos aplicados poderia ter dado em nada porque provavelmente teria fracassado em encontrar relações mais profundas que os autores encon­traram. 9

Uma palavra final: Valores científicos

Uma das coisas mais significativas com respeito à c1encia é seu sistema de valores. Quando uma tradição de pesquisa científica é forte em uma instituição ou sociedade, fomenta-se uma atmosfera aberta de investigação crítica. Com tal atmosfera, todas as questões e afirmativas potencialmente "testáveis" são consideradas questões abertas sujeitas ao

9 Houve, como pode se supor, muita crítica e muita controvérsia em relação a The Authoritarian Per~onality. As referências seguintes podem ser úteis ao leitor interessado: Christie e Jahoda (1954) e Kirscht e Pillehay {1967).

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escrutínio científico e à investigação. Todas as outras questões e afirma­tivas não têm interesse científico. Questões que são em geral não-testáveis empiricamente podem ter valor, mas não são relevantes à ciência simples­mente porque não são testáveis. Foram dados exemplos de 'tais questões no capítulo 1 e em outras partes do livro. Em resumo, dois dos valores de ciênci& são investigação aberta e 9rítica e insistência em trabalhar com questões que sejam empiricamente nbordáveis. Com todas as questões, entretanto, os cientistas e a ciência são sempre céticos.

Um terceiro valor da ciênciíl é a fé na ciência em si, combinada com o ceticismo mencionado aciina. Os cientistas acreditam que, com condições apropriadas e metodologia, pode-se conseguir uma compre­ensão limitada da maioria dos fenômenos naturais. Apesar da com­preensão e do conhecimento absoluto estarem fora de nosso alcance a compreensão e o conhecimento probabilístico ·limitado não estão. Esta' fé é esptcialmente importante para os cientistas comportamentais porque muita gente duvida que os métodos da ciência possam ser usados para se estudar o comportamento humano. Por exemplo, diz-se que ninguém jamais poderá conhecer a verdadeira natureza da inteligência humana porque ela não é diretamente observável e assim não-mensurável. Da mesma forma, a motivação humana está para sempre fora de alcance, já que também não podem ser observados os motivos humanos impor­tantes e inferir motivação de comportamento é sempre enganoso e até ilusório. Embora reconhecendo a grande dificuldade de inferir inteli­gênciã,. motivação e fenômenos semelhantes, os cientistas mantêm a fé em que isso possa ser feito. Esta fé parece ser justificada: tem sido feito grande progresso no estudo científico, não apenas de inteligência e motivação, mas em muitos outros fenômenos "não-observáveis". (Natu­ralmente, muitas das variáveis da física e outras ciências "exatas" também são "não-observáveis".)

Quarto, os cientistas e a ciência têm que ser completamente hones­tos - e geralmente o são. Isso nada tem a ver com moralidade pessoal. A moralidade pessoal dos cientistas provavelmente não seja melhor ou pior do que a de outras pessoas. Dentro do sistema científico, entretanto, o cientista tem que ser absolutamente honesto porque o sistema assim o exige. Na verdade, uma de suas bases é uma "alta moralidade". É como se fosse um mandamento: Não falsificarás. Naturalmente tem havido casos de falsificação e até o cientista mais escrupuloso poderá inconscientemente falsificar. Mas se a desonestidade, consciente ou inconsciente, ao fazer e publicar uma pesquisa se espalhasse, o empreendi­mento científico iria por terra.

A analogia com a objetividade como critério básico da metodologia científica é estreita. Sem objetividade não pode haver ciência, como já ficou dito. Da mesma forma, sem honestidade completa, não há ciência.

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Não há concessões, interferências, como em negoc10s ou em política. A ética da ciência é absoluta. O fato de que a maioria Jos cientistas observa a ética que é mostrado pelo choque com que é recebido algum caso de trapaça. f. mostrado ainda pelo destino do cientista trapaceiro: ele perde seu status de cientista. O caso de Sir Cyril Burt, que foi um dos psicólogos mais famosos e respeitados da Inglaterra, pode ser um exemplo. Alegou-se que o exame cuidadoso das evidências que ele apre­sentara para apoiar conceitos de hereditariedade de inteligência indica-vam que ele falsificara ou inventara os dados. Não vamos discutir o caso. A questão foi o choque causado no mundo científico comporta­mental do Ocidente. Qualquer cientista que falsifique dados, por qual-quer motivo, causa um tremendo choque. Ainda mais Burt, por causa de sua posição e do respeito que seus colegas tinham por ele. A questão ainda não foi resolvida. Há os que estão convencidos que Burt fez Q.­que o acusaram e que foi, portanto, desonesto. Mas há os que não;'E acrediram nisso. Provavelmente a questão jamais seja resolvida completa.l: mente, porque Burt já não está mais aqui para ser questionado e porque-~ -~~ a evidência parece ser equívoca. -.J

Outro problema importante, relacionado aos valores da ciência éc.. que contribuiu para a má interpretação da ciência e da pesquisa, é ~ suposto conflito entre a ciência e o estudo das humanidades. Acredita-se que a ciência não toca na maioria do__s a~pectos d,a. experiência h~tmana5 Acredita-se, por exemplo, que a essenc1a da mus1ca e da poesia esta . ..:­além da ciência e que, na verdade, a ciência não toca nas experiência:~ ~ : humanas mais importantes. Assuntos estéticos e ~spirituais, entre outri : ...:' coisas, escapam à ciência e aos cientistas. ~

Seria agradável dar uma resposta eloqüente e romântica a tais arg~ mentos. Mas não é possível uma resposta real. Primeiro, os "fatos" estão corretos: a ciência nada tem a ver com música e poesia e não a toca muitos aspectos da experiência humana. Mas isto é verdadeiro para qualquer atividade humana. A música abraça toda a humanidade? E a literatura? A pintura? Se existe uma resposta satisfatória é que a ciência, por um lado, e a música, arte, literatura, experiências místicas, etc., por outro, são simplesmente diferentes. Não podem ser comparadas no sentido comum da palavra. Alguém diz que flor é melhor do que café? - a não ser naturalmente, que se esteja atrás do exótico ou comparando alguma qualidade comum aos dois , como o cheiro ou a cor.

Segundo, imaginar um conflito entre ciência e humanidade é coisa sem significado e sentido. As duas simplesmente são diferentes; têm objetivos diferentes. f. absurdo esperar que a ciência tenha como objetivo a satisfacão estética (a não ser, talvez, para o cientista), assim como é absurdo 'esperar que a ciência e a pesquisa resolvam problemas sociais. A ciência procura compreensão. Não se destina a melhorar nível de vida,

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experiência estética, ou o ser existencial do indivíduo. O conflito ou polaridade entre a ciência e as humanidades, então, é um conflito psico­lógico: está na cabeça de homens e mulheres e não pertence à natureza " oposta" da ciência e das humanidades. Duas coisas serem opostas implica que existe alguma coisa em comum entre elas. Ciência e humani­dades são, ambas, atividades intelectuais humanas. Termina aí. Não há virtualmente, mais nada em comum entre elas. Então como pedem ser opostas? A compreensão da ciência exige a compreensão de .que sua natureza e objetivos são muito diferentes de outras atividades ,hum;:; nas. Isto quer dizer que não está oposta a nada embora seu efeito· seja abr;:.­áreas de atividade humana, geralmente fechadas, ao exame crítico e cético. ·

Duas perguntas difíceis, as últimas: A influência da ciência tem sido boa ou má? Se se entender "boa" oor conforto e conveniência física e se se admitir que grande parte da te~nologia moderna foi criada pela ciência, então deve-se responder: Sim, a idluência da ciência tem sido boa, as pessoas se sentem fisicamente melhor do que no século XIX. Se se fizer perguntas sobre a qualidade de viela que a ciência possa ou não ter acentuado, a resposta é muito mais com:r-lexa e .ambígua. Vamos então nos limitar aqui à ciência e à pesquisa comportamentais.

Ao contrário do que muita gente acredita, a ciência e a pesquisa comportamental contribuíram muitíssimo em uma área em que deveriam ser julgadas: conhecimento e compreensão do comportamento humano. Antes de irmos mais adiante, entretanto, vamos reconhecer que qualquer contribuição é sempre parcial e, talvez até, apenas uma p~quena parte de todas as contribuições possíveis. É até bastante duvidósc que surgirá completa compreensão científica do comportamento humano. Provavel­mente sempre haverá áreas nebulosas e desconhecidas em aspectos da economia, sociologia, psicologia, antropologia e assim por diante. As depressões econômicas provavelmente jamais serão totalmente compre­endidas, se não por outras razões, pelo menos porque as situações socais mudam constantemente, e o mesmo acontece, portanto, com as situações econômicas. Surgem até novos fenômenos e variáveis. O conhecimento completo da motivação e habilidades humanas continuará a nos escapar. As complexidades das instituições e dos movimentos sociais provavel­mente jamais serão também entendidos completamente.

Uma das coisas que as pessoas esperam da ciência é que, depois de algum tempo, maturidade e trabalho, a pesquisa resultará em conhe­cimento e compreensão total dos fenômenos; esta esperança é errônea e inadequada. A ciência e a pesquisa jamais produzirão conhecimento e resposms completas às questões. Manter essa esperança é compreender mal a pesquisa e a ciência. Isto, entretanto, não é motivo de desespero.

344

Não quer dizer que, por não poder dar respostas completas, a empresa científica perde seu valor. Longe disto.

Um modo mais exato e realista de encarar a ctencia é concebê-la como um meio poderoso de reduzir a ignorância. Vamos tomar a inteli­gência novamente. Em, digamos, 1850, não havia evidência científica sobre a natureza da inteligência. O que era "conhecido" foi resultado de observação e dedução, aguçadas ou não, sábias ou não. Não se fazia uma investigação controlada sistemática da inteligência. E~ resumo, o estado de ignorância, se não era completo, era quase. Na decada de 70, entretanto sabe-se muita coisa sobre a inteligência humana. N;ttural­mente muita coisa continua desconhecida, mas isto não quer di;zer que não saibamos quase nada a seu respeito. Sabemos, por exemplú, que. a inteligência humana é produto tanto da hereditarie~ade. quanto do. 0:~10 ambiente. Sabemos que não se trata de uma cotsa tsolada, umüma, querendo dizer, por exemplo, que uma pessoa altamente inteligente é inteligente em todas as áreas. Aliás, é urn função multifacetada que evidentemente tem tantas manifestações quanto pessoas. Certos fatores, ou tipos de inteligência, estão agora bem estabelecidos e bem conhecidos: verbal, numérico, espacial e assim por diante. Há até e~idê~c~a, ~mbora não ainda sólida, de que não há só 6 ou 7 fatores de mtehgenc1a, mas mais de 20 ou 30.

Uma das grandes realizações científicas e técnicas do século~· e~tã~, a mensuração da inteligência. Ela pode ser medida com alta ftdedtgm­dade e elogiável validade. Há os que duvidam, naturalmente. Uma das principais causas de dúvida é a desconfiança de que o q_:te está sen!o medido não é a verdadeira essência a inteligência. Talves nao. Mas entao, a " verdadeira essência" da inteligência jamais será medida. Isso de forma alguma diminui a magnitude teórica e prática da realiz~ção. AA ~gnorân~ia completa foi reduzida para o que pode ser chamado tgnorancta parctal.

Graças ao trabalho de cientistas sociais, sabemos que classe social tem muita influência sobre a inteligência, realização e ocupação. Sabe­mos muita coisa a respeito do papel que desempenha a raça em casa, na escola e no trabalho. Sabemos muita coisa a respeito do funcionamento dos sistemas econômicos - não o suficiente para evitarmos depressões e acabar com a inflação, mas muita coisa, apesar de tudo. Os sociólogos e os economistas reduziram bastante a ignorância social e econômica. Ajudaram também a destruir falsas crenças e mitologias enganosas sobre a sociedade e seu funcionamento.

Alguns anos atrás, Deutsch, Platt e Senghaas (1971), publicaram um estudo do progresso das ciências sociais e de onde veio este progresso. Fizeram uma lista de 62 melhoramentos feitos durante o período de 1900-1965 que influenciaram a pesquisa e a prática. Omitindo as contri­buições não científicas, resta-nos ainda uma lista formidável de melhora-

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mentos: a _sociologia da burocracia, cultura e valores, teoria e pesquisa de a~rendizag~m, testes de inteligência, estudos sobre autoritarismo pe~q_msa de ~tttude~ ~ opiniões, e vários avanços metodológicos, com~ anah,se_ fatonal, analise de conteúdo, definições operacionais, análise estattsttca, computadores, análise multivariada e assim por diante. Dizem os autores:

J~ntos, este~ melhoramentos acrescentam-se à inconfundível evidên­cia de crescimento cumulativo do conhecimento nas ciências sociais no decorre~ do século. Hoje, afirmativas como "não sabemos mais do_ q~e Anstótele~ sobre psicologia humana e política", expressam pnncipalmente a Ignorância daqueles que as proferem (p. 455). 10

E~r suma: as contribuições da ciência e da pesquisa comportamental ~oram u_npresswnantes na redução da ignorância. O progresso niio foi tão tmpresst~na~te quanto em física, química e biologia, mas considerando sua relativa JUventude_ e grande complexidade, são sem dúvida impressio­nantes. A compreen~ao. ~o _mundo físico e de nossos corpos progrediu enor!flemente graças a ctencta. A compreensão de nós mesmos e de nosso ambie~te, embora_ não sendo enorme, tem sido e é uma realização exc~pcwnal, reduzmdo nossa ignorância praticamente completa cem anos atras.

É _ver?ade _que podemos não saber muito bem como lidar com depr~ssa~, n~flaçao, desemprego, terrorismo, preconceito religioso e racial e pnvaçao mtelectual extrema. Conhecemos, entretanto, algumas das causas ~estes_ fen_ô~enos e relações entre eles. Estamos começando a com­preende-los Cientificamente. Embora isto não signifique solucão definitiva d_os proble_m_as - repe!imos, ?ão ~ este o objetivo da ciên;ia -, signi­fica, no mnumo, reduçao constderavel da grande ignorância que permeia estes e outros . problemas psicol~gicos e sociais semelhantes. Significa uma c~rta me~tda de co~~reensao, compreensão que pode nos fornecer as razoes, senao os remedws, da nossa infelicidade e nossa felicidade

· de nossos fracassos e nossos sucessos. '

10 Pode-se_ discutir a lista de 62 a":anç?~ na ciência social. Por exemplo, diversos

avanços nao f9ram absol~tame~te c:e?tlficos: _a teoria da organização unipartidária e da rev~luçao, de. Lemn, psJcanahse e psicologia profunda, contabilidade da ~enda naci??al e assim por d!ante. Além disso, certos melhoramentos significantes

01?1_!1 ?IDitrdos. _Me~mo assim a lista é impressionante e incontestável como evrdenc1a de reahzaçao.

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Apêndice

Tipos de pesquisa, métodos de observação e testes de significância estatística

Uma vez que o objetivo básico deste livro é levar à compreensão conceitual da pesquisa científica comportamental, foram omitidos vários aspectos e tópicos comumente importantes para a cobertura mais ampla do assunto. Embora uma tal abordagem conceitual geral possa ser valiosa, no sentido de ajudar a compreender a pesquisa científica e sua lógica, abordagem e métodos, corre-se o risco de, com a omissão de certos tópicos, como cálculos e análises estatísticas, e tipos diferentes de pes­quisa, chegar a uma noção distorcida, ou até estreita, a respeito da pesquisa. O objetivo deste Apêndice é preencher algumas lacunas deixa­das no texto, embora superficialmente. A função específica do Apêndice, então, não é ensinar ou mesmo explicar essas omissões, mas simples­mente defini-las e caracterizá-las rapidamente. Isto será feito conside­rando três áreas ou categorias importantes para um entendimento mais completo da pesquisa, não discutidas no corpo 'do livro ou mencionadas apenas de passagem: tipos de pesquisa, métodos de observação e coleta de dados e testes de significância estatística.

Tipos de pesquisa

Um tipo mais importante de pesquisa dominou o texto: pesquisa em que foram estudadas as relações entre variáveis dependentes e inde­pendentes. Este é, naturalmente, o tipo de pesquisa mais importante e a meta última de quase toda a pesquisa científica: pesquisa para testar relações hipotéticas entre variáveis. Há, contudo, vários outros tipos de pesquisa que são importantes. Vamos examinar dois deles rapidamente.

Investigação histórica

Pesquisa histórica, ou investigação histórica, é uma investigação crítica dos acontecimentos, desenvolvimentos e experiências do passado, pesagem cuidadosa da evidência da validade de fontes de informacão sobre o passado, e a interpretação da evidência. o método histórfeo,

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Page 184: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

ção, alguns deles já foram mencionados. Vamos · d

agora caractenzar rapi-amente três dos métodos mais usados.

. Observ~ção é um termo geral que significa qualquer tipo de dado obtido_ atrav:s dc:_ notar ev~ntos, contá-los, medi-los, registrá-los. Métodos de observaçao sao procedimentos sistemáticos e padronizados para se obter dados. Quase to~os os métodos têm o objetivo técnico de ajudar o ~b~ervado~, ou pesqmsador a obter medidas de variáveis. O principal obJetivo de fazer observações", então, é medir variáveis. Em ciência f~ze~ ?bservaç?es significa mais do que olhar as coisas simplesmente: Sigmftca tambem qualquer aparato usado para medir variáveis.

Entrevistas

~á duas maneiras gerais de obter informações das pessoas. Uma delas e faze?d~-l?es perguntas. Esta é bem direta. A segunda maneira é fazendo. os ~ndivid~os responderem algum tipo de estímulo estruturado, como discutimos e tlustra?Ios no capítulo 9. Esta forma é mais indireta. J?xemplos de perguntas diretas são: Você é casado? Você acha que seu

. casame~t~ teve sucesso? O que você acha da lei que propõe suspender ~s restnçoes ao aborto? Por quê? A pessoa então responde. Fornece as res~?st~s qu.e contêm informações que podem ser convertidas em yana~eis. !~is questões são usadas em entrevistas. Um conjunto de tais qu~stoes e mcorporado em um roteiro de entrevista. Entrevistadores tremados usam então esses roteiros e obtêm respostas de (geralmente) respondentes pré-selecionados.

. Uma entrevis~a consome tempo e é cara. Algumas vezes é o único mew de se obter a mformação necessária para uma pesquisa. E tem certas vantagens que. outros métodos não têm. O entrevistador pode, por exemplo, depms de fazer uma pergunta geral, sondar as razões das resposta~ dadas. Uma d~s grandes vantagens da entrevista é, então, sua profundidade. Os. pesqmsadores podem ir mais abaixo da superfície das respostas, determmando razões, motivos e atitudes.

C?mo !icou indicado no capítulo 16, a construção de roteiros de entrevistas e uma arte de alta engenharia. Em mãos competentes são ins­trumentos poderosos para se fazer observações. Usada rotineiramente em levant.amentos por amost~~g~m, são úteis também em outros tipos de pesqmsa onde possa ser diflctl ou mesmo impossível usar outros métodos.

Escalas e testes objetivos

Acabamos de dizer que a segunda maneira geral de obter infor­mações das pessoas é fazendo-as reagirem a estímulos estruturados. Em

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grande parte da pesquisa comportamental, os estímulos estruturados são escalas e testes objetivos, que são mais usados do que qualquer outra coisa para fazer observações. Em capítulos anteriores mencionamos exem­plos de tais testes e escalas, e no capítulo 2 eles foram definidos. Vamos repetir as definições. Um teste é um procedimento sistemático em que se apresenta aos indivíduos a serem testados um conjunto de estímulos construídos, chamados itens, aos quais eles respondem de uma forma ou de outra. Estas respostas possibilitam o pesquisador atribuir notas individuais, que presumivelmente indicam o grau em que os indivíduos possuem o atributo que está sendo medido, ou o grau em que eles "conhecem" a coisa sendo testada.

uma escala é semelhante a um teste, enquanto possui itens, e cada um deles deve medir o que . quer que esteja sendo medido. As escalas~- ~ contudo, não têm o sabor competitivo dos testes. São construídas dq forma que números diferentes possam ser atribuídos a sujeitos diferente -~ para indicarem quantidades diferentes da propriedade ou atributo em ­mensuração. Foram dados exemplos no texto. Lembre-se, por exemplo, · de que a conhecida escaía F mede autoritarismo. Lembre-se também das~ escalas referentes destinadas a medirem conservadorismo e liberalismol.: Foram construídas, literalmente, centenas de escalas e usadas em pesquisa: comportamental para medirem atitudes, valores, rigidez, preconceito, inté- ~ resses, introversão-extroversão e assim por diante. ;::: (-

;";") ~ ~:

Observação de comportamento ~ o:• z Outra maneira de categorizar os métodos de observação: pergunfã'r

e observar. Em essência, as entrevistas, testes e escalas pedem infor­mações às pessoas, geralmente a respeito delas próprias. Elas diferem quanto ao grau em que são diretos: a entrevista é mais direta do que os testes e as escalas. Em vez de perguntar, podemos observar direta­mente o comportamento das pessoas. O objetivo é o mesmo: obter medi-

. das de variáveis. Suponhamos que queremos medir a cooperatividade em pequenos grupos. Depois de definirmos comportamento cooperativo, observamos um grupo de algum modo sistemático, digamos em períodos escolhidos ao acaso de 10 minutos cada vez, e procuramos observar atos de comportamento cooperativo. Pode parecer estranho, mas a observação direta de comportamento não tem sido muito usada em pesquisa compor­tamental. Um dos motivos é a grande dificuldade do método. Observar comportamentos não é tão simples quanto parece. Vejamos uma parte do problema mais de perto.

Muita gente acpa que seria muito melhor observar o comportamento diretamente nas ciências comportamentais. Afinal, as pessoas nem sempre

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dizem o que pensam. Como se pode confiar em entrevistas, testes e escalas? Ao responder escalas de motivação ou de atitudes, por exemplo, as pessoas não darão respostas válidas. (Isto não é verdade, diga-se de passagem.) Seria, então, melhor observar seu comportamento. As ações falam mais alto do que as palavras! Este argumento não é apenas ingênuo; mas não enxerga as dificuldades envolvidas na observação de comportamento. Não queremos entrar em problemas técnicos, mas pode­mos mencionar uma grande dificuldade na observação de comporta­mento: o problema da observação-inferência.

Este problema surge de inferências muito diferentes que podem ser feitas observando-se o mesmo comportamento. Um observador poderá registrar uma criança como "agressiva", se a vê bater em outra criança. Outro observador poderá registrar o mesmo comportamento como "brincalhão". Da mesma forma, os observadores podem diferir em variáveis como coesão, amizade, dominância, etc. Por outro lado, o observador humano tem vantagens que máquinas de observação - se fossem possíveis - não têm. O observador humano pode relacionar o comportamento que estiver observando às variáveis de um estudo -e pode ignorar outros comportamentos. Ele pode prestar atenção e observar uma variável e uma variável apenas- ou, naturalmente, duas ou três. Além disso, o acordo ou falta de acordo entre observadores pode ser averiguado. Observadores competentes e observações bem-feitas de comportamento podem ajudar a superar o difícil hiato entre os constructos e o comportamento, distinguindo claramente que comporta­mento reflete qual constructo, pelo menos para os propósitos do estudo à mão.

Há outros métodos de observação, coleta e análise de dados, nume­rosos e complexos demais para os descrevermos neste Apêndice: a socio­metria, a metodologia Q, métodos projetivos, análise de conteúdo e outros. O pesquisador nas ciências comportamentais precisa conhecer e compreender estes métodos. Todos eles têm propósitos diferentes · e características especiais que os tornam apropriados para obterem certos tipos de dados. Para o não-pesquisador, a necessidade de estudá-los é menor. As principais coisas a saber são os aspectos mais amplos da coleta de dados descritos acima. O leitor interessado em conhecer melhor estes métodos pode consultar um ou mais livros sobre o assunto (Festin­ger & Katz, 1953; Kerlinger, 1973; Lindzey e Aronson, 1968).

Estatística e análise

Um ou dois leitores do primeiro manuscrito deste livro se queixaram pelo fato dele conter pouca coisa de estatística. Mas ele contém pouca estatística por causa do propósito do livro - que não é ensinar esta-

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tística. Entretanto, a natureza onipresente da estatística e sua importância vital na análise de dados exige mais do que um "fora" cavalheiresco. Estamos longe de ter negligenciado o assunto. Nos capítulos 4, 5 e 6, além de em outros pontos, foram dadas as bases conceituais da análise, do estudo de relações e da testagem de hipóteses ... No capítulo 10, discutimos análise de freqüências . Vimos correlação, regressão e abor­dagens multi variadas nos capítulos 11, 12 e 13. Mas uma análise descri­tiva e uma vista geral da estatística não foram discutidas, sistematica­mente. Vamos fazê-lo agora, mas de forma limitada. O objetivo não é ensinar estatística; é aprofundar a compreensão da pesquisa comporta­mental em geral. Vamos anteceder a discussão de estatística com uma consideração da natureza da análise.

Análise é a categorização, ordenação, manipulação e sumarização de dados. Seu objetivo é reduzir grandes quantidades de dados brutos passando-os para uma forma interpretável e manuseável de maneira que características de situações, acontecimentos e de pessoas possam ser des­critas sucintamente e as relações entre as variáveis estudadas e interpre­tadas. A estatística, naturalmente, faz parte da análise. Já foi definida mas, para maior clareza, vamos caracterizá-la novamente. Estatística é a teoria e método de analisar dados obtidos de amostras de observações com o fim de descrever populações, estudar e comparar fontes de variân­cia, para ajudar a tomar decisões sobre aceitar ou rejeitar relações entre fenômenos e para ajudar a fazer inferências fidedignas de observações empíricas (Kerlinger, 1973, p. 185). Vamos considerar apenas como avaliar a significância estatística em três situações de pesquisa variadas e comumente usadas.

Significância estatística: O teste t

A função primeira e talvez a mais freqüente da estatística é testar resultados obtidos, que são expressos em forma de estatísticas- médias, diferenças entre médias, variâncias, coeficientes de correlação, e assim por diante- quanto à sua significância estatística. Como ficou explicado no capítulo 5, isto quer dizer testar um resultado estatístico quanto a sua distância em relação à expectativa baseada no acaso. Se determinado resultado estiver bem distante da expectativa casual, diz-se que ele é " estatisticamente significante".

A idéia básica foi ilustrada anteriormente, principalmente pelo uso de médias. Na tabela 5. 1, por exemplo, as médias de 10 conjuntos de números aleatórios foram "checadas" contra a média total. Uma vez que os números eram a~eatórios, as médias dos 10 conjuntos não deviam se afastar muito da média de todos os 100 números. Na tabela 5.2, foram

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apresentados cinco conjuntos de médias quase-aleatórias de dois grupos e as diferenças entre elas. As diferenças variavam de- 1,15 até + 2,15, flutuacões essencialmente casuais . Foram dadas também as médias reais dos g;upos experimental e de controle do estudo de Clark e W alberg. A diferença entre elas foi de +4,76, consideravelmente maior que as diferenças casuais . Outros exemplos semelhantes do princípio de compa­ração de resultados obtidos com expectativas casuais foram também dadas no capítulo 5. ·

Os estatísticos inventam testes estatísticos e incorporam os resulta­dos que são essencialmente casuais- ou os limites dos resultados casuais - em tabelas, para fácil referência. Cada teste estatístico tem um nome e um objetivo específico. Vamos examinar três desses testes, um para medidas contínuas, o teste t, aplicado para diferenças entre médias; outro para freqüências (ou contagem), quiquadrado; e um terceiro, outra vez um teste t, para coeficientes de correlação. No capítulo 14, na ver­dade, vimos o teste t e os resultados de Clark e \Valberg, mas um tanto superficialmente. Vamos examinar agora o mesmo exemplo com maiores detalhes e maior profundidade. As médias dos grupos experimental e de controle de Clark e Walberg foram 31,62 e 26,86. Será que esta diferença de 4,76 é suficientemente diferente do acaso para justificar que seja chamada uma diferença estatisticamente significante?

Em vez de tabelas gigantescas de médias casuais, nos moldes das tabelas 5. 2 e 5 . 3, os estatísticos criam fórmulas para testes de signifi­cância estatística. Existe uma fórmula para t. (Na verdade há várias fórmulas para t, dependendo do tipo de teste que estiver sendo feito.) Em nosso caso, a diferença entre duas médias é dada no numerador da fórmula e uma medida da variabilidade de diferenças casuais entre médias no denominador, ou:

Tabela A.J Valores selecionados de uma tabela t.

p• 0,05

g.J.b

10 1,81 15 1,75 25 1,71 30 1,70

108 1,66

a p: probabilidade; 0,05 e 0,01: níveis de significância de 0,05 e 0,01. • g.l. == número total de casos menos 2, ou N - 2.

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0,01

2,76 2,60 2,49 2,46

2,36

Média l - Média 2

Variabilidade de médias casuais

Tais Iórmulas foram nitidamente caracterizadas como informação versus erro (Diamond, 1959). A informação, neste caso a diferença entre duas médias, está no numerador. O erro, no denominador. O resultado então é conferido com uma chamada tabela t (dada em qualquer texto de esta­tística) . As entradas de uma tabela t são razões t, como acima, e essas razões t são dadas para amostras de grupos de diferentes números de casos nas amostras e para níveis diferentes de significância (probabili­dades). Uma pequena parte de uma tabela t é dada na tabela A. 1.

p na tabela significa "probabilidade", e g.l. significa graus de liber­dade, que não é necessário explicar. Neste caso g.i. é igual ao número total de casos menos 2, ou N - 2. No estudo de Clark e Walberg, havia 110 crianças; assim, g.l. = N- 2 = 110- 2 = 108. Dois p ou níveis de probabilidade são dados, 0,05 e 0,01. Estes são dois "níveis de significância" usados comumente. A entrada para g.l. = 108, 1 ,66, significa que se um t produzido pela fórmula t é 1,66 ou maior, então a diferença entre as duas médias é estatisticamente significante: a dife­rença afasta-se significantemente da expectativa casual ao nível de 0,05; não é um resultado que pu. 'esse ter sido provavelmente produzido apenas por acaso.

O t do estudo de Clark e Walberg foi 3,09. 1 Suponhamos que aceitemos o nível de 0,05 como nosso critério. Isto quer dizer que estamos dispostos a aceitar um risco de 5 por cento de estarmos errados. Já que o t obtido, calculado dos dados dos dois grupos de crianças, foi 3,09, e este é maior do que 1,66 da tabela, a diferença de 4,76 é estatisti­camente significante, o que significa qu~ este resultado provavelmente não é casual. Lembre-se que as entradas ria tabela são resultados casuais, por assim dizer. Se o t obtido fosse, digamos, 1,54, então seríamos forçados a dizer que a diferença de 4,76 entre as médias foi uma das muitas diferenças que poderiam ter acontecido somente pelo acaso. Portanto, não seria um resultado estatisticamente significante. Isto signi­fica, por sua vez, que realmente não houve diferença alguma de reali­zação em leitura entre os grupos experimental e de controle que pudesse ser atribuída a outros fatores além do acaso, implicando assim que o reforçamento maciço não teve qualquer efeito apreciável na realização do grupo experimental de crianças.

1 Calculei este t dos. resultados publicados. Como isto foi feito não tem impor­tílncia aqui.

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Se quiséssemos ter cç:msideravelmente mais segurança dà significân· cia estatística da diferença de 4,76, poderíamos ter escolhido o valor de 2,36, correspondente ao nível de 0,01. Então a diferença de 4,76 é esta­tisticamente significante ao nível de 0,01, significando que há apenas uma chance em 100 de obter diferença tão grande apenas pelo acaso. A mesma conçlusão do parágrafo antecedente se seguiria, só que esta­ríamos consideravelmente mais seguros de que o resultado era estatis­ticamente significante. 2

SignificânCia estatística: O teste de quiquadrado

Os testes t e outros semelhantes de significância estatística são usados com medidas contínuas. (Medidas contínuas, falando por alto, estão em uma escala contínua de mensuração. Por exemplo, 1,0, 1,5, 1,7, 2,5, 4,8, implicam medidas contínuas.) Há muitas situações de pesquisa, entretanto, nas quais é feita apenas contagem, por exemplo, o número de congressistas republicanos que votaram a favor de determi· nada medida versus os que votaram contra, o número de mães de classe média que desmamaram se1,1s filhos cedo, contra o número de mães de classe operária que desmamaram seus filhos ~do. Este último exemplo é do estudo de Miller e Swanson descrito nos capítulos 1 e 10. Tais dados são dados de freqüência, conforme descrição do capítulo tO. Como avaliamos a significânc.ia estatística de dados de freqüência?

Em um interessantíssimo estudo feito por Whiting e Child (1953), foram testadas hipóteses psicanalíticas usando dados. do chamado arquivo intercultural de Yale (Murdock e outros~ 1950). Nesses extensos arquivos estão guardadas informações variadas sobre diferentes culturas. No par­ticular subestudo que desejamos examinar, Whiting e Cbild selecionaram 39 das culturas ou sociedades e extraíram informação da informação registrada para testarem a hipótese de que sociedades que fomentassem a ansiedade oral em sua socialização de crianças explicariam as doenças oralmente. Usando um procedimento de análise de conteúdo, classifi­caram as sociedades em duas formas: altas ou baixas em ansiedade oral e usando ou não explanação oral para doença. Os. resultados estão na

2 O uso da tabela t e de tabelas semelhantes tomar-se-á talvez obsoleto, como foi indicado no capítulo 14. Os computadores podem calcular as ·probabilidades dos t obtidos. Em vez de avaliar um resUltado verificando se é igual ou maior que um valor dado na tabela, o computador produzirá um valor "mais exato". Estes cálculos podem ser feitos até nas pequenas calculadoras. programáveis men­cionadas no capttuln t4. PoT exemplo. calculei o valor p do t de 3,09 numa tal máquina. A probabilidade foi de 0,001, que significa uma chance apenas em 1.000, da diferença de 4,76 ocorrer por acaso. Obviamente nio precisei da tabela t.

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tabela A. 2. As entradas na tabela representam números de sociedades. Por exemplo, 17 num total de 39 sociedades tinham alta ansiedade oral e usavam também explicações orais para doença.

Tabela A.2 Relação entre ansiedade oral e explanação oral da doença, estudo de Whiting e Child (1953) *.

Sociedades altas em ansiedade oral

Sociedades baixas em ansiedade oral

Sociedades com explanação oral

17 (11,79)

6 (11,21)

23

Sociedades sem explanação oral

3 (8,21)

13 (7 ,79)

16

20

19

39

* As entradas das células são freqüências. As entradas entre parênteses são fre­qüências esperadas. calculnda~ dos totais marginais, por exemplo, (20) (23)/39 = 11,79. x' = 11,49, significante ao nível de 0,01; C = 0,48; (Veja o texto para uma explanação de x' e C.)

Se calcularmos as proporções ou porcentagens da maneira descrita no capítulo 10, veremos uma forte relação. Mas as porcentagens não são calculadas porque isto não nos interessa aqui· e porque calcular porcen­tagens com tão poucos casos pode ser enganoso. Queremos realmente testar as freqüências na tabela quanto ao seu afastamento em relação à expectativa do acaso. Para fazermos isto, calculamos uma estatística chamada quiquadrado (x 2): Como isto é feito precisamente não nos interessa; mas sim a idéia. Os totais marginais (17 + 3 = 20, 17 + 6 = 23, e assim por diante) e o total de 39 são usados para calcular as freqüências de cada célula esperadas por acaso. A freqüência esperada da primeira célula, por exemplo, é: (20 X 23) /39 = 11,79. As freqüências esperadas foram inseridas nas células da tabela A. 2 entre parênteses. A freqüência obtida para cada célula é comparada à freqüên­cia esperada para aquela célula. QÚanto maiores as discrepâncias, maior distanciamento do acaso. Todas as discrepâncias para as quatro células da tabela são 5 ,21.

Se não houvesse relação entre as duas variáveis, então as freqüências obtidas nas células se aproximariam das freqüências esperadas. Se, por xemplo, as freqüências obtidas fossem as da tabela A. 3, então as

diferenças entre as freqüências obtidas e as esperadas seriam menores. •ssas diferenças são 2,21 para cada uma das quatro células da tabela

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Page 188: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

T~bela A.J Cruza~ento da tabela A.2, com freqüências "obtidas" fictícias, pr6-xunas da expectativa de acaso •, · ·

14 6 20 (11,79) (8,21)

9 10 19 (11,21) (7,79}

' 23 16 39

• .. As ~ntradas das células são freqüências. As entradas entre parênteses são fre­~ênclas e~peradas. c~lcu_l~das dos totais martrinais, por exemplo, (20)(;?3)/39 _- 11,79. X = 2J)6, sJgnÜJcante ao nível de 0,01; C = 0,22. (Veja o textn para uma explanação de x1 e C.) '

A.3. Compare estas diferenças com as diferenças de 5,21 para a tabela A.2.

Como a razão t, é fácil calcular o quiquadrado. Se o fizermos, vamos obter, para os dados da tabela A. 2, 11,49. Este é comparado ao nível de 0,05 ou de 0,01 (ou outro) numa tabela de quiquadrad~ (encontrada em qualquer texto de estatística) no número apropriado de graus de liberdade, neste caso, g.l. = 1. A entrada 0,05 da tabela é 3,84; a entrada para 0,01 é 6,64. ~usado o mesmo-raciocínio esboçado para o teste t; se o qui~uadrado obtido é igual ou maior que 0 qui­quadrado . da t~~ela, entao os dados são estatisticamente significantes, apartam-se suficientemente . da expectativa de acaso para justificar a çrença na natureza não-casual da . relação que elés expressam. A hipótese de -y.'biting e Child fica confirmada: há uma relação significativa entre ansiedade oral e explanação oral da doença. .

Um cálcUlo do quiquadrado das freqü.ências fictícias obtidas da tabela A. 3 revela 2,06. Isto é menos do que a entrada na tabela, ao nível de 0,05, que é 3,84. Portanto, as freqüências "obtidas" não se separam significantemente da expectativa-de acaso. Isto é, elas poderiam ter surgido por acaso, dadas as mesmas freqüências marginais da tabela A.2. 3 Assim, não há "nenhuma relação" entre ansiedade oral e explanação oral da doença. ~ possível calcular medidas da magnitude aproximada da relação em cruzamentos como as da ~pela A.2. e A.3. Uma destas medidas, comumente usada, chama-se coeficiente de contin-

3 As "verdadeiras" probabilidades .associadas aos dois quiquadrados, calculadas com um pequeno calculador programável, são: para 11,49, p = 0,0007; para 2,06, p = 0,1512.

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gência, ou .C. C para a tabela A.2 é 0,48 e para· a tabela A.3 é 0,22. Estes coeficientes C são apenas medidas aproximadas das relações. Eles subestimam a magnitude das relações, por exemplo. Entretanto, dão uma idéia da magnitude relativa das relações nas duas . tabelas.

A signijicância estatística das correlações

Em princípio, a significância de qualquer resultado estatístico pode ser testada. Isso . às vezes pode . ser difícil de fazer na prática, mas teoricamente . é sempre possível. O princípio básico de .tais testes é a comparação dos resultados obtidos com os resultados esperados pelo acaso. Há duas maneiras gerais de se fazer isto. Uma,_ associada à contagem ou enumeração das possibilidades de eventos, ficou disçutida e ilustrada no capítulo 5. Questões como:· Qual é a probabilidade de obter um sete em uma jogada de dois dados? Qual é a probabilidade de pegar todas copas em u'a mão de bridge? Qual é a probabilidade, em uma amostra ca5ual de . 500 cidadãos adultos de Genebra, Suíça, de se obter entre 240 e 260 homens, supondo-se que haja número igual de homens e mulheres em Genebra?

Em princípio, responder tais perguntas exige contagem ou especifi­cação de todas as possibilidades, contagem ou especificação do m1mero de vezes que o evento em questão possa ocorrer e depois calcular a fração de probabilidade. Por exemplo, a probabilidade de dar um sete mima jogada de dois dados. é de 6/36 = 1/6 = 0,17, porque há 36 combi­nações possíveis de dois dados e seis .possíveis maneiras de dar sete. Tais questões podem ser complicadas e difíceis de responder. A questão sobre o número de homens e mulheres em uma amostra de cidadãos de Genebra, por exemplo, não {fácil porque é difícil enumerar todas as possibilidades. (Entretanto, quando outro método disponível é usado, o problema se torna mais fácil.)

A segunda maneira geral de comparar os resultados coin expecta­tiva de acaso é estabelecer, por assim dizer, · contingências casuais e comparar os resultados obtidos com as contingênCias casuais. Fizemos isto com o teste te o teste do quiquadrado. Alguinas fórmulas, como as usadas para os testes t e F, expressam perfeitamente a idéia. Tome a fórmula para o teste t da significância da diferença entre duas médias. Esta em uma forma um pouco diferente da outra dada antes:

X.l- X., t = -:-:-=-----

EP- -x,-x,

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onde X1 e Xz são as médias dos grupos 1 e 2 e EP _ _ é o chamado xl - x2

erro padrão das diferenças entre as duas médias. Um erro padrão é uma medida de flutuação ao acaso. Neste caso é o erro padrão da diferença entre duas médias . É um cálculo da variabilidade das diferen­ças entres as médias, tendo as médias sido calculadas de conjunto de dois grupos de números aleatórios. Por exemplo, supondo que tiramos núme­ros aleatórios em conjuntos de dois, digamos, 20 números em cada grupo, calculamos então as médias de cada conjunto e as diferenças entre estas médias. Fazemos isto diversas vezes e calculamos então a variabilidade (os erros padrões) das diferenças. Este erro padrão, então, é usado para avaliar a magnitude da diferença obtida. Se a diferença obtida for "sufi­cientemente maior do que" o erro padrão, então a razão t é "grande" e considerada estatisticamente significante.

Esta abordagem geral é muito usada nas ciências co~portamentais. Vamos agora ilustrá-la com a avaliação da significância estatística de coeficientes de correlação. O raciocínio e o método são semelhantes. A fórmula para o erro padrão, naturalmente, é diferente. A fórmula para avaliar a significância estatística de um coeficiente de correlação.é:

r t

EPr

Como calcular EPr, o erro padrão de r, não irá nos ocupar. O que devemos notar é que temos novamente um teste t, e a forma da fórmula é a mesma que foi usada para a significância da diferença entre duas médias: informação (no numerador) contra erro (no denominador) .

Vamos supor que estejamos interessados em compreender as atitu­des em relação às mulheres e, em consonância com um exemplo dado em um capítulo anterior, acreditamos que as crenças sociais são sistematiCa­mente relacionadas, e que a crença na igualdade para as mulheres está positivamente ligada à crença na liberdade sexual e legalização do aborto. Ou seja, indivíduos que acreditam que deva haver considerável liberdade >exual para ambos os sexos e que o aborto deveria ser legalizado e feito quando a mulher o desejasse, também acreditam na igualdade para as mulheres. Suponhamos ainda que tenham sido construídas escalas para medir, por um lado, atitudes em relação à liberdade sexual e legalização do aborto e, por outro, igualdade para as mulheres, que ambas as escalas tenham sido aplicadas a 20 homens e que o coeficiente de correlação entre as duas escalas seja 0,30.

Este r de 0,30 apóia nossa crença de que há uma correlação posi­tiva entre os dois conjuntos de crenças? Assim como com todas as estatísticas, ·devemos perguntar se este r é estatisticamente significante.

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Ou é um dos muitos r que poderiam ter sido calculados entre conjuntos de números aleatórios? Se calculamos t para este r, obtemos t = 1,33. O t da tabela, ao nível de 0,05 para 18 graus de liberdade (N - 2 = 20 - 2 = 18), que, digamos, aceitamos anteriormente como nosso critério de significância, é 1,73. Nosso t obtido, entretanto, é de apenas 1,33 . Já que é menor que 1,73, percebemos que nosso coeficiente de correlação de 0,30 não é estatisticamente significante. Concluímos, por­tanto, que há pouca ou "nenhuma" relação entre nossos conjuntos de crenças.

Suponhamos que o r obtido tenha sido de 0,62 com 20 sujeitos que responderam ambas as escalas. Será estatisticamente significante? Sim, é. O t então é 3,35, que é maior do que ambas as entradas ao nível de 0,05 e 0,01 da tabela t (o t para 0,05 é 1,73, como acima e o t para 0,01 é 2,55). O r de 0,62 é, portanto, estatisticamente significante e podemos então pensar na magnitude de r e seu significado. Quer dizer que há uma relação bastante substancial entre os dois conjuntos de atitudes: indivíduos que acreditam em liberdade sexual e legalização do aborto tendem também a acreditar na igualdade para as mulheres. Em resumo, a significância estatística de um coeficiente de correlação é estabelecida primeiramente, e depois sua magnitude é avaliada.

Observe que o tamanho de N, o tamanho da amostra, afeta a signi­ficância estatística das estatísticas. Suponhamos, por exemplo, que tivésse­mos obtido um r de 0,30, mas que houvesse 30 sujeitos que responde­ram aos instrumentos de atitude (erri. vez de 20 sujeitos). Então t = 1,664. Embora isto não seja significante de acordo com a tabela t - a ·entrada t ao nível de 0,05 para g.l. = 28 é 1,701 - é quase significante. Se calcularmos a probabilidade com um computador, como fizemos antes, encontraremos p = 0,054, apenas um pouco maior do que 0,05. Assim, isto seria, embora marginal, sugestivo. Não o caracte­rizaríamos como claramente não significante. Se tivéssemos 35 sujeitos e um r de 0,30, t = 1,807, que é significante ao nível de 0,05. (A ,proba­bilidade calculada pela máquina é p = 0,04.)

Há, naturalmente, muitos tipos diferentes de testes de significância estatística. A maioria deles, por mais complicadas que sejam suas fórmu­las, são baseados no mesmo princípio relativamente simples: a compa­ração de resultados obtidos com resultados esperados por acaso. O leitor deveria perceber, entretanto, que a significância estatística diz pouco ou nada a respeito da magnitude de uma diferença ou de uma relação. Com um número grande de sujeitos, digamos, mais de 200, a maioria dos testes de significância mostra significância estatística, mesmo quando uma diferença entre médias seja bastante pequena, talvez trivial, ou um coeficfente de cor~·elação seja muito pequeno e trivial. Com 1.000 sujeitos, por exemplo, um r obtido de 0,06 apenas é significante ao nível

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de 0,05! Como sempre, não há substituto para o bom julgamento e para a experiência. Para se usar a estatística adequadamente, é preciso com­preender os princípios e ser capaz de julgar se os resultados obtidos são estatisticamente significantes e se são significativos no contexto par­ticular da pesquisa. Um cóeficiente de correlação de 0,30 pode ser baixo, até trivial, com um problema de pesquisa e ao mesmo tempo ser substancial com outro problema.

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Worell, L. Levei of aspiration and academic success. Journal oj Educational Psychology, 50:47-54, 1959.

368

Índice onomástico

Adorno, T. W. 63n, 71, 154 339 Amén, J. 228-232, 256, 274 ' Aronson, E. 27, 81n, 95-96, 102-104, 105,

113, 119, 131 , 161, 321, 352 Atkinson, J. W. 264 Atk!nson, R. C. 322n, 333n Atkmson, R. L. 322n, 333n

Bargmann, R. E. 225n Barker, R. G. 47 Beaton, E. A. 36 Bem, D. J. 333n Bennett, E. L. 38, 138-139 Berelson, B. 137 Berkowitz, L. 36, 43, 117-118, l31n, 236 Bock, R. D. 225n Boneau, E. A. 302 Borrowman, M. 348 Brain, W. R. 329 Braithwaite, R. B. 318 Braly, K. W. 338 Bramble, W. J. 225n Brier, A. 284n Brooks, H. 329 Brown, W. F. 48, 187-189, 192, 244 Burt, C. 343

Campbell, A. 325, 338 Campbell, D. T. 113, 114 Campbell, E. Q. 134-135 Cantor, N. 312 Catt~ll, R. B. 218, 254, 264, 318, 333 Chem, I. 106n Child, I. L. 356-357 Christie, R. 341n Citron, A. 106n . Clark, C. A. 4-5, 8, 9, 11 , 27, 35, 36, 47,

75, 86, 91, 96, 141, 236, 324 327-328 329, 354-355 ' '

Clark, R. A. 264 Cleary, T. A. 115-116 Clifford, M. M. 115-116 Cochran, W. C. 99n . Coleman, J. S. 134-135, 254

Comroe, J. H. 129, 331 Cook, S. W. 221-226 Cooley, W. W. 238n, 252, 253, 260 Cronbach, L. J. 159n Crutchfield, R. S. 338 Cutright, P. 199-200

Dembo, T . 47 Deutsch, K. W. 129, 332, 345 Dewey, J. 335 Diamond, M. C. 38, 138-139 Diamond, S. 355 Dillehay, R. C. 341n Dollard, J. 40, 71, 117 Doob, L W. 40 Dripps, R. D. 129, 331 Dubos, R. 329 Duncan, B. 312 Duncan, O . D. 312

Edwards, A. L. 62n, 113, 301 Ellertson, N. 38 Etzioni, A. 36

Featherman, D. L. 312 Festinger, L. 103n, 114, 127n, 352 Flavell, T. H . 335n Flowerman, S. H. 339 Frederiksen, H. 36 Frenkel-Brunswik, E. 63n Freud, S. 41-42

Gates, A. 42, 43 Gerard, E. 113 Getzels, J. W. 144 Goethals, G. R. 334 Godfarb, W. 137-138 Green, B. F. 284n, 294n Gregory, D. 38 Guba, E. G . 144 Guilford, J. P. 155n, 205, 218-220 233

254 ' • Guthrie, E. R. 113

369

Page 194: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

Harding, J. 106n Hartz, L. 232 Harvey, J. H. 333n, 334 Hayes, S. P. 172n Hays, W. L. 301 Head, K. B. 232 Hílgard, E. R. 322n, 333n Hobson, C. J. 134-135 Holtzman, W. H . 48, 187,189, 192, 244 Horkheimer, M. 339 Howells, W. W. 247-248, 251-252n Hurlock, E. 36, 47 Husén, T . 325 Hyman, H . H. 166-170n

lckes, W. J. 333n

Jacobson, A. L. 322 Jahoda, M. 341n Jensen, O. 36 Johnson, L. B. 175 Jones, E. E. 333n, 334 Joeskog, K. 254-263

Kanouse, D. E. 333n Katz, D. 127n, 338, 352 Kaya, E. 272n Kelley, H. H. 333n, 334 Kemeny, J. G. 53, 79 Ker!inger, F. N. 30n, 69, 115n, 165n 174n,

228-232, 255, 264n, 272n, 274, 317n, 328n, 331n, 352, 353

Kidd, C. V. 333n Kidd, R. F. 321 Kimble, D. P. 322 Kirk, R. 232 Kirscht, J. P. 341n Krech, D. 38, 138-139, 338

Lee, R. S. 295 Lenin, V. I. 346n Levinson, D. J. 63n Lewin, K. 47 Likert, R. 172n Lindsay, P. M. 38, 294n Lindzey, G. 352 Lohnes, P. R. 238n, 252, 253, 260 Lorge, I. 272n Lowell, E. L. 264

McBride, D. 38 McC!elland, D. C. 8, 264 McConnell, J. V. 322 McPartland, J. 134-135 Marjoribanks, K. 194-199

370

Markus, H. 312 Meehl, P. E. 159n Mezei, L. 43 Middendrop, C. P. 228-232, 256, 274 Milgram, S. 120-130, 131n, 143, 321 Miller, D. R. 6-9, 28, 36, 91, 110, 164,

170, 356 Miller, N. E. 16, 40 Mills, J. 27, 81n, 95-96, 102-104, 119,

131, 141, 321 Mischel, W. 312 Mood, A. M. 134-135 Morrow, J. 314 Mowrer, O. H . 40 Murdock, G. 356

Nagel, E. 316n Nisbett, R. E. 333n Norman, D. A. 38, 294n Nunnally, J. 155n

Page, E. B. 3 Parkinson, C. N. 113 Pedhazur, E. J. 264n Piaget, J. 335 Pilivian, J. 42 Platt, J. R. 124, 129, 332, 345 Potok, C. 311

Reed, J. S. 166-170 Robinson, I. 284n Robinson, J. P. 232 Rock, L. 334 Roe, A. 237-238 Rogers, C. R. 306 Rokeach, M. 43, 136-137, 158, 302, 340n Rosch, E. H. 36 Rosenzweig, M. R. 38, 138-139 Rossiter, C. 232 Rusk, J. C. 232

Sanford, R. N. 63n Schachter, S. 38 Schmidt, L. 42 Schmidt, W. H. 225n Sears, R. R. 40 Sen_ghaas, D. 129, 332, 345 Shaver, K. G. 333n, 334 Shaver, P. R. 232 Shaw, M. E. 232 Siegelman, M. 237-238 Simpson, G. E. 338n Skinner, B. F. 314

Smithson, B. 314 Snedecor, G. W. 99n Snell, J. L. 53 Sontag, M. 227-228 Stanley, J. C. 113, 141 Steiner, G. A. 137 Stephenson, W. 226, 311n, 314-315 Stevens, S. S. 145 Stouffer, S. A. 163-16Lf, 170, 171 , 172 Sullins, W. L. 260 Swanson, G. E. 6-9, 28, 36, 91, 110, 164,

170, 356

Tatsuoka, M. M. 249, 25Ón, 260 Taylor, G. 42, 43 · Thompson, G. L. 53 Thomson, G. 329 Thorndike, R. L. 325 Thurstone, L. L. 206-207, 233, 271 Thurstone, T. G. 206 Townes, C. H. 129, 329 Turing, A. M. 293

Valins, S. 333n Van Heerden, J. 316n

Walberg, H. J. 4-5, 8, 9, 11, 27, 35, 36, 47' 75, 86, 91, 96, 141 , 236, 324, 327-328, 329, 354-355

Walster, E. 42, 49, 115-117, 131n Walster, G. W. 42 W ard, L. M. 334 Waterman, A. T . 329 Weiner, B. 333n Weinfeld, F. D. 134-135 Weizenbaum, J. 274, 276 Whiting, J. W. 356-357 Wiley, D. E. 255n Woodmansee, J. J. 221-226 Worell, L. 43 Wright, C. R. 166-170 Wright, J. M. 232

Yinger, J. M. 338n York, R. L. 134-135

ç.c· -c .... o.: L,.,

rJ ~....

I...

371

Page 195: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

Índice analítico

Abstração 15 acaso 79-81 - e probabilidade e pesquisa 81-84,

86-87 admissão a faculdades e discriminação

115-117 agressão 23 álgebra das matrizes 258-259 algoritmo 286-288 ambiente 194-199 amplitude 61n amostra 90 amostragem - aleatória estratificada 171 -casual 100, 115n, 170-171 análise - de conteúdo -- e computador 291 - - e o indivíduo 312-315 - de estrutura de covariância 254-269 - - comparada com a análise de tra-

jetória 268-269 - - e computador 273 - - e programas de computador

254n, 255 - - exemplo teórico 255-262 - definição 353 - de freqüência 173-177 - de regressão 190-201 - de trajetória 264-269 - - comparada com análise de regres-

são 265 - - e análise de estrutura de cova-

riância 268-269 - de variância 82 - discriminante 242-254 - - e predição 300n - - um exemplo de pesquisa 2i7-249 - e estatística 353-362 - fatorial 202-234 - - abordagem quantitativa e espacial

212-217 - - atitudes raciais 220-225 - - da inteligência 205-207 - - definição 203 ·

372

- - e comportamento do professor 226-228

- - e computador 271-272, 289 -- elementos de 207-217 - - estudos de Guilford sobre a es-

trutura de intelecto 218-220 - - exemplo fictício 209-212 - - exemplos em pesquisa 218-232 - - interpretação de problemas

224-225 - - tamanho da amostra 231 - - teoria de atitudes sociais 228-232 - - uma apreciação 233-234 - multivariada 235, 254 - secundária de dados 166, 168 aprendiz'.ldo de uma língua estrangeira

239-242 - e análise discriminante 242-244 arquivo intercultural de Yale 356 atitudes sociais - e raça 325-326 - teoria de 228-232 - teoria dos referentes criteriais 229 autoridade e obediência 120-123 autoritarismo - e preconceito 337-341 - significado do 158

Blocos de fatores 216

Capacidade mental 194-199, 209-212 - verbal 203, 206 cargas fatoriais 206, 213-216 - definição 204 casualização - definição 97, 102 - e delineamento 97-104 - e designação aleatória 99-102 - principiO de 102 classe social e tempo de desmame 6-9 ciência(s) - abstração da 304-305 - bem-estar humano 19-21 - caráter empírico 15-17

- e engenharia 320 , - e o indivíduo 303-313

- e pragmatismo 327-329 - e valor 302-303, 341-346 - naturais e objetividade 12-13 - natureza geral da 3-9 - neutralidade da 37-38 - objetivo da 17-21 -- social (ver pesquisa comportamental) - versus humanidades 344 - unidade de discurso 311-316 classificação, fidedignidade 153 coeficiente

de consistência interna 153 - de contingência 358-359 - de correlação 60, 61, 64, 183-184, 270 - - múltipla 192-194 ---,- de fidedignidade 153 - - de teste-reteste 153 - de regressão 190 - de trajetória 265 Comitê Judeu Norte-Americano 339-340 comportamento - do professor 226-228 - inteligente 233 - observação do 351-352 computador 271-295 - calculadoras programáveis 282-283 - características dos 273-277 - caráter internacional 291-292 - desvantagens de 292-295 - e tabela t 356n - iteração 287-288 - raiz quadrada 286-289 - efeitos na pesquisa comportamental

271-273, 289-295 - limitações 275 - usos e operações 284-289 - viciados 276 conceito - definição 23 - variável 45-46 concepção bipolar 229, 256 conhecimento, bases do 1-2 conjuntos 52 conservadorismo 228-232, 340 constante 45n constructo - na hipótese 41-42 - variável 25, 45-46 (ver também con-

ceito) contaminação 125 contar, como mensuração 178n controle 123-130 - definição de 123-124

- na análise dos dados 170 correlação 60, 183-184, 207;209 - alta e análise de regressão 199-201 - canônica 239-242 - entre indivíduos 226-228 - forçada 260-262 - momento-produto 184 - significância estatística das 359-362 - zero 211n "correlatos" 163n covariância 30, 183-184 - análise de estruturas de 254-269 criatividade - observações da 10 - predição da 307-308 cruzamento 174 - e análise de freqüência 177 curiosidade científica 202

Dados 28-29 - coleta de 349-352 definição - constitutiva 46 - operacional 46-50 - - crítica da 49-50 -- experimental 47 -- função da 47-48 -- medida 47 - - medindo a inteligência 147-148 - por regra 53 - teórica 77 delineamento(s) - casualização 97-104 - "clássico" 105 - de pesquisa 94, 119 - de uma só variável independente

94-107 - - generalização 97 - - limitação 104 - fatoriais 105-119 - - dois-por-dois 107 -- 2x2x3 115-117 - - exemplo fictício 106-113 - - exemplos de pesquisa 113-118 - - formas 112 - - vantagens 106 designação aleatória 27, 94-95 - e casualização 99-102 desordens civis 175-176 diagrama de trajetória 264 diferenças casuais 87-89 direção de influência 263, 264 disciplina - idiográfica 305-306 - nomotética 305-306

373

Page 196: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

distorção e propósito da ciência 20 distribuição - de freqüência 174 - normal 301n divergência geométrica 249-251 dogmatismo 158-159 . ductilidade 275

Efeito(s) - da privação 137, 141 - heurístico 334 - principais 110 entrevista 163, 350 equação de regressão 190, 246 erro padrão 360 escala(s) 29 - D (dogmatismo) 158-159 - definição 351 - F 154, 158 - objetiva 11, 350-351 escolarização, efeitos duráveis da 166-170 escolha ao acaso 4n estado agêntico 126 estatística 348-349 - concepção errônea da 92-93 - definição 89-90, 353 - descritiva 90 - e análise 352-362 - e realidade 92-93 - influência 91 - propósito da 93 estereótipo - racial 225-226, 339-340 - sexual 115-117 estudo(s) - da tolerância e intolerância 163-164 -de caso 313 - definição 26-27 - de igualdade e liberdade 136-137 - longitudinal 166, 168 - sobre predição 187-189 estrutura fatorial 204 etnia 194-199 etnocentrismo 341 evento 77, 84 experimento(s) - artificialidade do 128 - características 26-27, 125-127 - definição 3, 94-95, 125, 143 - e estudo não-experimental (veja pes-

quisa não-experimental) - generalização do 129-130 - no campo 95, 127n

374

- recompensa maciça e aproveitamento na leitura 4-5

- testagem da teoria 125-126 - "verdadeiro" 141-142 explicação(ões) 8, 15, 118-119 - como propósito 17-20 - e melhor predição 196 - e objetividade 13-14 - naturais 70 - teoria e relações 69-73

Fator - definição 203-204, 221-225 - de pessoa 227 - rotação de 216n, 294 fidedignidade 91 , 148-155, 159 - como estabilidade 153 - definição de 149-150, 152 - exemplos 150-154 - importância da 154-155 fonte - primária 348 - secundária 348 Fortran 277-281 freqüência(s) - como mensuração 178n - definição 173-17 4 - relativas 173n fumo e pesquisa do câncer 132-133

Generalização 129-130 gráficos de relações 62-63 graus de certeza 74-75 grupo - de controle 5 - experimental 5

Hipótese(s) 38-44 - de dois fatores 257 - de .interação 110, 117 - e testabilidade 41-42 - exemplos de 42-44 - teste da 82-84 - valor das 39-41 historiografia 348

Igualdade ·de oportunidade educacional (veja relatório Coleman)

independência 84-86, 109, 184-185 índice 62n indivíduo - e análise de conteúdo 312-314 - e ciência 303-313 - e perfis 309-311 - e predição 306n

- estatística do 311n, 314-315 iníerência(s) 91 - causais 131n, 181n, 199 inteligência - análise fatorial da 204-207 - conhecimento acerca da 344-346 - e efeitos na educacão 168-170 - e realização 181-1132 - estudos de Guilford 218-221 - fatores da 209-212 - geral 218 - medindo 147-148, 299-303 - teoria de Thurstone 205-207 - verdadeira e funcional 148 interação de variáveis 108, 112 - sexo e capacidade 116-117 International Studies of Educational

Achievernent 325 inversão de matriz 275 investigação - história 347-348 - sociológica 162-170 - - classe social e tempo de desmame

164 - - conclusão 178 - - efeitos duráveis da escolarização

166-170 - - estudo de tolerância e intolerân­

cia de Stouffer 164-165 - - valores orientados para pessoas

e escolha ocupacional 165-166 itens 29, 254n iteração 287-288

Lei(s) - científicas 304n -de Parkinson 113-114 levantamento(s) 170-173, 325-326 - descritivos 171 liberalismo 228-232 linha de regressão 58, 62

Manipulação 3, 27, 95 máquina, definição de 273-274 matriz 204 - alvo ou hipótese 211, 258-259 - de carga fatorial 204 - de correlação 204, 259 -:- de covariância 260 medidas - contínuas 356 - definidas 29 média 61n memória, estudo da 322-324 mensuração 145-148.

- crítica da 160 - definição 145 - discriminação 146-147 - do dogmatismo 158-159 - em perspectiva 159-161 - fidedignidade da 148-155 - inteligência 147-148 - nominal 178n, 243 - validade da 160 método(s) - dos grupos conhecidos 158 - quantitativos 209-302 metodologia 296-316. 335-336 - Q 226-227, 314-315 modelo - casual 265 - linear 238n-239n

National Advisory Cornrnission on Civil Disorders 325

nível - do discurso 328n - de significância 354, 355 nota(s)

· - discriminantes 251-252 - padrão 31 On - preditas 245-246 - verdadeira 150 (veja ponto) números 146n - aleatórios 69, 80 - - por computador 284

Obediência e autoridade 120-123 objetividade 8, 296-299, 342 - como procedimento 14-15 - crítica da 297-298 - definição 10-11, 298-299 - e explicação 13-14 - e hipótese 39-41 - e pesquisa científica 9-15 -perda da 20 observacão 144-145 - de c~mportamento 351-352 - definição 350 - distorção na 10 - métodos de 349-352 orientação para pessoas e ocupação 238

Pares ordenados 55 pensamento - convergente 220 - divergente 32 - probabilístico 32 pequena teoria 18, 73, 264 perfis 309-311

375

Page 197: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

pesos - beta 191-192 - de regressão 189-192 pesquisa - aplicada 115-117 - - definição 321 - - dois importantes estudos 324-327 - - e análise discriminante 252-253 - - e pesquisa básica 320-327 - básica 320-321 - - e aplicada 320-327, 331-332 - comportamental - - conceitos e definições 22-32 - - concepções errôneas e controvér-

sias 296-316, 317-346 - - definicão 2n - - objetividade na 12-13 - - probabilidade e acaso 81-84 - - relações na 58-66 - - traços característicos da 8 - de leitura 330 - efeitos possíveis da 332-335 - e prática 317-346 - e questões éticas 122 - é relevância 330n-331n - experimental 120-130 - - controle 123-130 - - força da 127-128 - - fraqueza da 128-130 - ex post jacto (veja pesquisa não-ope-

racional) - metodológica 348 - multivariada 179-201, 235-270 - - análise discriminante 242-254 - - análise fatorial 202-234 - - conclusão 269-270 - - correlação canônica 239-242 - - definição 180n - - exemplos experimentais 236-247 -- partição da variância 179-186 - não-experimental 130-134 - - classes sociais e tipos de criação

5-9 - - confiança 124 - - definição 3-4 - - e pesquisa experimental 139-141 - - exemplos de 134-141 - - investigação sociológica 162-170 - - variáveis na 133 - objetivo da 318-320 _.:... tipos de 347-349 "picotadores" de computadores 276 ponto, definição 25 (veja nota) população, definição 90 porcentagens, usadas nas tabelas 164n

376

- conversão 174-177 pragmatismo - comparado com o empmsmo 15-16 - de apelo e preconceito 106-113 - e ciência 327-33i prática, influência da pesquisa na 332-341 preconceito - análise fatorial do 220-226 - e admissão a faculdade 115-117 - e apelos pragmáticos e morais 106-113 - e autoritarismo 63-64, 65 - e explicação 70-71 - e medição 146-147 - hostilidade e agressão 117-118 predição 306-309 - e explicação 196 -grupo 308 - participação no grupo 243 princípio da parcimônia 202-203, 265 probabilidade(s) 31-32, 75-89 - concepção errônea 84-86 - condicionais 175 - definição 76-79 - e acaso e pesquisa 81-84 - nas ciências naturais versus compor-

tamentais 74-76 problemas 35-38 - critérios de 36-37 - definição 35 - exemplos 42-44 - valor e engenharia 33-34 procedimento de Monte Carlo 89 programas de computadores 277-281 - ACOVS e LISREL 255n - de tradução (compilador) 283n-284n - linguagem para 277-281 -pacote 294 - sub-rotina 285n proposições testáveis 34-35, 36-37, 41-42 psicometria 349

Q-sort 227, 314 questão - de engenharia 33-34 - de valor 33-34, 37 quociente de inteligência (01) 148

Raiz quadrada por computador 286-289 realidade dos fatores 203 realização 8-9 - definida operacionalmente 48 - e inteligência 181-182 - explicação da 72 - necessidade de 264-269 referentes criteriais 229

reforçamento 9n - positivo e negativo 4n regressão múltipla 187-194 - e computador 273 - equação 189-192 - exemplos de pesquisa 194-201 relação "se-então" 39 relações 26, 51-52, 53-57, 183 - como um conjunto de pares orde­

nados 55-56 - definição 5-6 - direção e magnitude 58-62, 63-64,

66-69 - e explicação e teoria 69-73 - e hipótese 38-39 - e mensuração 145-146 - expressão da 39 - gráficos de 62-63 --' na pesquisa comportamental 57-64 - negativas 67-68 - positivas 58 - raciais 325-326, 337-341 -- tipos de 65-69 - zero 61, 62, 69 relatório Coleman 134-135, 178, 254,

325, 329 relevância 330n-331n replicação 5, 12, 127, 128, 140 Report of the National Advisory Com­

mittee on Civil Disorders (1969) 175-176

repressão, constructo de 41 rotação em análise fatorial 216n

Significância, testar a 284 - estatística 88, 89 - - de correlações 359-362 - - o teste de quiquadrado 356-359 - - o teste t 353-356 subscritos 56n Survey Research Center (da Universi-

dade de Michigan) 172

Tabelas t 284-285 taxionomia 57, 233 tecnologia 320 teoria - "correta" e modelo 267-268 - da atribuição 333-334 - da dissonância cognitiva 103, 114 - da frustração-agressão 117-118 - definição 73 - de Freud, testabilidade de 41 - do reforçamento- 4-5, 41 - dos conjuntos 108n-109n

- e hipótese 41 -e lei 304n - e pesquisa da eqüidade 131 - explicação e relações 69-73 - influência da 336-337 - objetivo 17-19, 318-320 - pequena 18, 73, 264 - testagem no experimento 126 testagem empírica 37 teste(s) - definição 29, 351 - de inteligência 148, 210 - fidedignidade 153-154 - objetividade 10-11, 350-351 - redações 11 - "robustos" 302 - t 284, 301-302, 353-356 The Achieving Society 8 The Authoritarian Personality 339-341

Unidade de discurso na ciência 311-316 universo do discurso 328n

Validade 155-159 - de constructo 157-159 - de conteúdo 157 - definição e natureza da 156-157 - empírica 75 - e o método dos grupos conhecidos

158 - e validação de constructo 159 - preditiva 157 - tipos de 157 valor(es) - científicos 341-346 - de população 90-91 - e ciência 302-303 - instrumental e terminal 136 variação 29-30 - concomitante 65 variância 29-31 - análise de (veja análise de variância) - compartilhada 183-184, 189-192 - partição da 179-186 - quando as variáveis independentes

são correlacionadas 184-186 - residual 193 - significado da 179-180 verdadeiras notas 150 variável(is) 22-25, 44-50 - categóricas 23 - definição 5, 44-46 - de participação em um grupo 242-244 - - exemplo de pesquisa 247-249

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Page 198: Fred Kerlinger - Metodologia da pesquisa em ciências sociais

- - quantificação 245-246 - dependentes e independentes 24 - de status 153-154 - experimentais e manipuladas 24 - independentes 24, 182, 184 - - versus naturais 128 - interação de 108 - latentes 262-264 - manipulada e medida 134n

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-medida 23 - mensuração de 144-161 - na pesquisa não-experimental 133-134 - ortogonais 109 - sociais 162-164 - tipos por campo ou disciplina 25 - valor da 45

Zero, relação 61, 62, 69

Souto, Cláudio

O que é pensar sociologicamente ?

72 p., formato 14 x 21 em., ISBN 978-85-12-80050-9

O que é o social? Como se explicam os movimentos de aproximação e de afastamento no espaço social? O que é o grupo social e como se explica o fenômeno associativo humano? Como se explicam o equilí­brio no espaço social e o conflito nesse espaço? São a competição e o conflito sempre desequilibrantes? Temos, ou não, equilíbrio social es­tável em algum país do mundo de hoje, e por quê? Existe uma lei sobre o movimento de associação no espaço de interação social? A atitude sociológica pretende ser uma atitude de conhecimento científico da realidade social do homem.

Sumário: Pensar sociologicamente: algo que vem da vida, para a vida. A atitude sociológica. Como são trabalhados os problemas sociológi­cos. Alguns problemas sociológicos fundamentais. Métodos (caminhos) básicos do pensamento sociológico. Conclusão. Leituras sugeridas.