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2009 Frederico Barbosa Elaine Cuencas Santos Esse material é parte integrante do Videoaulas on-line do IESDE BRASIL S/A, mais informações www.videoaulasonline.com.br

Frederico Barbosa - videolivraria.com.br · Murilo Mendes nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais. Em seus primeiros livros – Poemas (1930) e História do Brasil (1932) –, ele apresentou

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2009Frederico BarbosaElaine Cuencas Santos

Modernismo na literatura brasileira.indb 1 16/2/2009 11:38:02

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IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

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B238 Barbosa, Frederico; Santos, Elaine Cuencas / Modernismo na Literatura Brasileira. / Frederico Barbosa; Elaine Cuencas

Santos — Curitiba : IESDE Brasil S.A., 2009.280 p.

ISBN: 978-85-387-0741-7

1. Modernismo – Brasil. 2. Literatura Brasileira. 3. História e crítica. 4. Poesia brasileira. I. Título. II. Santos, Elaine Cuencas.

CDD 709.04

Capa: IESDE Brasil S.A.

Crédito da imagem: IESDE Brasil S.A.

Modernismo na literatura brasileira.indb 2 16/2/2009 11:38:03

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É graduado em Letras Português pela Universidade de São Paulo (USP). Diretor do Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura (Casa das Rosas), em São Paulo. Poeta, é autor de Nada Feito Nada (1993), Cantar de Amor entre os Escom-bros (2002) e A Consciência do Zero (2004).

Frederico Barbosa

Mestra em Estudos Comparados de Literatura em Língua Portuguesa pela USP, graduada em Letras Português e Italiano pela USP.

Elaine Cuencas Santos

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Sumário

Vanguardas modernistas e a Semana de 22 ................... 11

O que buscavam as vanguardas modernistas? .............................................................. 11

Poesia de vanguarda ................................................................................................................ 14

Narrativa de vanguarda .......................................................................................................... 18

A fase heroica do Modernismo brasileiro ......................................................................... 22

Oswald de Andrade ................................................................. 37

Biografia ........................................................................................................................................ 37

Oswald romancista ................................................................................................................... 38

Oswald poeta .............................................................................................................................. 39

Mário de Andrade .................................................................... 51

Macunaíma e a renovação da linguagem literária ........................................................ 53

Manuel Bandeira ....................................................................... 71

Vida que podia ter sido ........................................................................................................... 71

Libertinagem ................................................................................................................................ 74

A poesia da Geração de 1930 no Brasil ............................ 87

Por que a Geração de 1930 foi tão fértil? .......................................................................... 87

A poesia da Geração de 1930 ................................................................................................ 87

Murilo Mendes ........................................................................................................................... 88

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Cecília Meireles ........................................................................................................................... 90

Vinicius de Moraes .................................................................................................................... 92

Outros poetas de importância do período ...................................................................... 93

Carlos Drummond de Andrade .........................................107

Quase um século de poesia .................................................................................................107

A estreia em livro .....................................................................................................................113

O romance da Geração de 1930 ........................................127

O precursor: José Américo de Almeida ...........................................................................127

Graciliano Ramos .....................................................................................................................128

José Lins do Rego ....................................................................................................................128

Erico Verissimo .........................................................................................................................134

Rachel de Queiroz ...................................................................................................................138

Jorge Amado ............................................................................................................................139

O romance urbano ..................................................................................................................142

Graciliano Ramos ....................................................................155

Prefeito, educador e escritor ...............................................................................................155

Com as mesmas vinte palavras ..........................................................................................157

Caetés ...........................................................................................................................................158

São Bernardo .............................................................................................................................158

Vidas Secas .................................................................................................................................160

Memórias do Cárcere ...............................................................................................................162

João Guimarães Rosa ............................................................175

A Geração de 1945 ..................................................................................................................175

Mineiro e universal .................................................................................................................175

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O estilo insólito ........................................................................................................................176

A obra ..........................................................................................................................................176

Clarice Lispector .....................................................................193

A ação interior ..........................................................................................................................194

A Hora da Estrela .......................................................................................................................198

João Cabral de Melo Neto ...................................................211

O poeta do rigor ......................................................................................................................211

O rigor das coisas ....................................................................................................................216

As duas águas ...........................................................................................................................218

Morte e Vida Severina ..............................................................................................................220

Poesia concreta .......................................................................237

O grupo Noigandres ...............................................................................................................237

A poesia concreta: rock’n’roll da poesia? ........................................................................238

O contexto .................................................................................................................................240

As propostas ..............................................................................................................................241

Re-visões e traduções ............................................................................................................251

Gabarito .....................................................................................259

Referências ................................................................................271

Anotações .................................................................................279

Modernismo na literatura brasileira.indb 7 16/2/2009 11:38:03

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Apresentação

Pelas próximas 12 aulas, estudaremos o Modernismo brasileiro, come-çando pelas vanguardas europeias que influenciaram os jovens artistas brasilei-ros, culminando na Semana de Arte Moderna de 1922. Durante a segunda, ter-ceira e quarta aulas, iremos nos aprofundar nos três grandes nomes da primeira geração modernista: Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Na quinta aula, conheceremos a poesia da Geração de 1930 e mais espe-cificamente, durante a sexta aula, Carlos Drummond de Andrade. Em seguida, ve-remos o romance da chamada Geração de 30 e Graciliano Ramos, respectivamen-te na sétima e oitava aulas. Na reta final do livro, abordaremos em cada aula um escritor específico: João Guimarães Rosa (nona aula), Clarice Lispector (décima aula) e João Cabral de Melo Neto (décima primeira aula). Finalizamos, na décima segunda aula, com a poesia concreta, talvez o único movimento literário a surgir, se não antes, pelo menos ao mesmo tempo no Brasil e no resto do mundo.

Frederico Barbosa

Elaine Cuencas Santos

Modernismo na literatura brasileira.indb 9 16/2/2009 11:38:03

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Por que a Geração de 1930 foi tão fértil? Depois da denominada fase heroica do Modernismo brasileiro, cujo

marco é a Semana de Arte Moderna, realizada no Teatro Municipal de São Paulo, em 1922, quando os pioneiros modernistas brasileiros lutaram para implantar no país as inovações das vanguardas europeias, surgiu uma ge-ração de poetas e romancistas das mais férteis e ricas em toda a história da literatura brasileira. Os modernistas de 1922 abriram o caminho para que os novos prosadores e poetas pudessem criar em liberdade, sem as amar-ras formais do academicismo, e preocupados com a realidade nacional.

Surgiram, assim, durante a década de 1930, romancistas regionalistas como Graciliano Ramos (1892-1953), José Lins do Rego (1901-1957), Jorge Amado (1912-2001) e Rachel de Queiroz (1910-2003), que chamaram a aten-ção para os problemas sociais das regiões mais carentes do Brasil, utilizando- -se da linguagem coloquial e crítica, herdada dos primeiros modernistas.

Os poetas, por sua vez, já não se pautaram por uma atitude programática e sim pela possibilidade de criação em todas as direções, utilizando tanto o verso livre, o poema-piada e as ousadias da Geração de 1922, tanto as formas fixas como o soneto, a metrificação e as rimas da poesia mais tradicional.

A poesia da Geração de 1930 Alguns dos poetas que apareceram na década de 1930 viveram de perto

a movimentação revolucionária de 1922. Carlos Drummond de Andrade (1902-1897) e Murilo Mendes (1901-1975) publicaram poemas no maior órgão de divulgação das ideias vanguardistas, a Revista de Antropofagia (1928-1929), de Oswald de Andrade (1890-1954) e Antônio de Alcântara Machado (1901-1935). Participam, portanto, ainda que como coadjuvantes,

A poesia da Geração de 1930 no Brasil

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Modernismo na Literatura Brasileira

da fase heroica do modernismo. Apesar da participação lateral de Drummond, seu poema “No meio do caminho” se converteu no maior símbolo desse momento de ruptura com a literatura passadista:

No meio do caminhoCarlos Drummond de Andrade

No meio do caminho tinha uma pedratinha uma pedra no meio do caminhotinha uma pedrano meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimentona vida de minhas retinas tão fatigadas.Nunca me esquecerei que no meio do caminhotinha uma pedratinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra.

Outros, carregam uma herança indisfarçável do Simbolismo, como Cecília Meireles (1901-1964); do Romantismo, como Vinicius de Moraes (1913-1980) e Augusto Frederico Schmidt (1906-1965); ou mesmo da poesia parnasiana, como Jorge de Lima (1893-1953).

Murilo Mendes Murilo Mendes nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais. Em seus primeiros livros

– Poemas (1930) e História do Brasil (1932) –, ele apresentou uma poesia irônica e provocativa, bem próxima das polêmicas criações do modernismo inicial. A partir de O visionário (1933), incorporou técnicas de composição surrealista.

Em 1934, converteu-se ao catolicismo. Durante as décadas de 1940 e 1950, sua poesia enveredou pelas formas poéticas tradicionais e pela religiosidade. No seu grande livro da década de 1960, Convergência (1966), retomou a poesia mais experimental, inventando “grafitos” poéticos e enviando “Murilogramas” – tele-gramas poéticos a numerosos artistas:

Murilograma a Graciliano RamosMurilo Mendes

1 Brabo. Olhofaca. Difícil.Cacto já se humanizando, Deriva de um solo sáfaroQue não junta, antes retira,

Desacontece, desquer.

2 Funda o estilo à sua imagem:Na tábua seca do livro

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A poesia da Geração de 1930 no Brasil

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Nenhuma voluta inútil.Rejeita qualquer lirismo.Tachando a flor de feroz.

3 Tem desejos amarelos.Quer amar, o sol ulula,Leva o homem do deserto(Graciliano-Fabiano)

Ao limite irrespirável.

4 Em dimensão de grandezaOnde o conforto é vacante,Seu passo trágico escreveA épica real do BRQue desintegrado explode.

Destacam-se, ainda, seus poemas em prosa, reunidos em livros como Poliedro (1966), e sua obra de crítico de artes plásticas.

Em 1947, Murilo Mendes casou-se com a poeta portuguesa Maria da Sau-dade Cortesão e em 1957 transferiu-se para a capital italiana. Lecionou Cultura Brasileira na Universidade de Roma e foi um dos mais importantes e respeitados críticos de arte da Itália.

Canção do exílioMurilo Mendes

Minha terra tem macieiras da Califórnia

onde cantam gaturamos de Veneza.

Os poetas da minha terra

são pretos que vivem em torres de ametista,

os sargentos do exército são monistas, cubistas,

os filósofos são polacos vendendo a prestações.

A gente não pode dormir

com os oradores e os pernilongos.

Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda.

Eu morro sufocado

em terra estrangeira.

Nossas flores são mais bonitas

nossas frutas mais gostosas

mas custam cem mil réis a dúzia.

Ai quem me dera chupar uma carambola de verdade

e ouvir um sabiá com certidão de idade!

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Modernismo na Literatura Brasileira

Ao morrer, em Lisboa, deixou numerosos textos inéditos que foram reunidos por sua amiga Luciana Stegagno Picchio no primoroso volume Poesia Completa e Prosa (1994).

Pré-história1

Murilo Mendes

Mamãe vestida de rendas

Tocava piano no caos.

Uma noite abriu as asas

Cansada de tanto som,

Equilibrou-se no azul,

De tonta não mais olhou

Para mim, para ninguém:

Cai no álbum de retratos.

1 O poema se refere à mãe do poeta, que era pianista e faleceu em 1902.

Cecília Meireles Cecília Meireles nasceu na cidade do Rio de Janeiro e ficou órfã aos três anos de

idade. Criada pela avó, foi brilhante aluna e leitora insaciável. Formada professora em 1917, dedicou sua vida ao ensino e à divulgação da literatura brasileira pelo mundo. Aos 18 anos de idade, publicou Espectros (1919), seu primeiro livro.

Canção do caminhoCecília Meireles

Por aqui vou sem programa,

sem rumo,

sem nenhum itinerário.

O destino de quem ama

é vário,

como o trajeto do fumo.

Minha canção vai comigo.

Vai doce.

Tão sereno é seu compasso

que penso em ti, meu amigo.

Modernismo na literatura brasileira.indb 90 16/2/2009 11:38:10

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A poesia da Geração de 1930 no Brasil

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No início, foi muito influenciada pelo grupo de poetas espiritualistas, católi-cos e pós-simbolistas reunidos por Tasso da Silveira e Andrade Muricy em torno da revista carioca Festa. Essa herança jamais seria esquecida. Nos seus livros fundamentais – Viagem (1939), que reúne poemas escritos entre 1929 e 1937; Vaga Música (1942); Mar Absoluto (1945); Retrato Natural (1949); e mesmo em Ro-manceiro da Inconfidência (1953), sua obra mais conhecida – a poesia de Cecília Meireles nunca deixou de ser, acima de tudo, musical e espiritual, retomando as imagens vagas e intencionalmente imprecisas do Simbolismo.

– Se fosse,

em vez da canção, teu braço!

Ah, mas logo ali adiante

– tão perto! –

acaba-se a terra bela.

Para este pequeno instante,

decerto,

é melhor ir só com ela.

(Isto são coisas que digo,

que invento,

para achar a vida boa...

A canção que vai comigo

é a forma de esquecimento

do sonho sonhado à toa...)

ImprovisoCecília Meireles

Minha canção não foi bela:

minha canção foi só triste.

Mas eu sei que não existe

mais canção igual àquela.

Não há gemido nem grito

pungentes como a serena

expressão da doce pena.

E por um tempo infinito

repetiria o meu canto

– saudosa de sofrer tanto.

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Modernismo na Literatura Brasileira

Soneto de separaçãoVinicius de Moraes

De repente do riso fez-se o pranto

silencioso e branco como a bruma

E das bocas unidas fez-se espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

De repente da calma fez-se o vento

Que dos olhos desfez a última chama

E da paixão fez-se o pressentimento

E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente

Fez-se de triste o que se fez amante

E de sozinho o que se fez contente.

Fez-se do amigo próximo o distante

Fez-se da vida uma aventura errante

De repente, não mais que de repente.

Vinicius de Moraes Um dos mais conhecidos poetas brasileiros, Vinicius de Moraes nasceu e

morreu no Rio de Janeiro. Tornou-se célebre por seus poemas de amor (dentre os quais destacam-se os sonetos) e pelas parcerias musicais com Tom Jobim (1927-1994, junto com o qual foi um dos criadores da corrente musical da Bossa Nova) e, posteriormente, com Chico Buarque de Holanda e Toquinho.

Os seus primeiros livros – O Caminho para a Distância (1933), Forma e Exegese (1935) e Ariana, a Mulher (1936) – são marcados pela religiosidade e pelo caráter

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A poesia da Geração de 1930 no Brasil

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pós-simbolista. Já em seus livros seguintes, como Cinco Elegias (1943), Poemas, Sonetos e Baladas (1946) e Para Viver um Grande Amor: prosa e poesia (1965), o mundo material e a sensualidade triunfam sobre o misticismo. São dessa fase suas experiências com o soneto e outras formas poéticas tradicionais, bem como “O operário em construção”, seu mais importante poema social.

O anjo de pernas tortasVinicius de Moraes

A um passe de Didi, Garrincha avança

Colado o couro aos pés, o olhar atento

Dribla um, dribla dois, depois descansa

Como a medir o lance do momento.

Vem-lhe o pressentimento; ele se lança

Mais rápido que o próprio pensamento

Dribla mais um, mais dois; a bola trança

Feliz, entre seus pés – um pé de vento!

Num só transporte a multidão contrita

Em ato de morte se levanta e grita

Seu uníssono canto de esperança.

Garrincha, o anjo, escuta e atende: – GOOOOOL!

É a pura imagem: um G que chuta um O

Dentro da meta, um L. É pura dança!

Outros poetas de importância do período Jorge de Lima (1893-1953), autor de � Invenção de Orfeu (1952) e do célebre poema “Essa negra Fulô”, publicado no volume Novos Poemas (1929):

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Modernismo na Literatura Brasileira

Essa negra Fulô (fragmento)Jorge de Lima

Ora, se deu que chegou (isso já faz muito tempo) no banguê dum meu avô uma negra bonitinha, chamada negra Fulô.

Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!

[...]

Essa negrinha Fulôficou logo pra mucama pra vigiar a Sinhá, pra engomar pro Sinhô!

Essa negra Fulô! Essa negra Fulô!

[...]

Ó Fulô! Ó Fulô! (Era a fala da Sinhá Chamando a negra Fulô!)Cadê meu frasco de cheiroQue teu Sinhô me mandou?– Ah! Foi você que roubou!Ah! Foi você que roubou!

Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!

O Sinhô foi ver a negra levar couro do feitor. A negra tirou a roupa, O Sinhô disse: Fulô! (A vista se escureceu que nem a negra Fulô).

Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!Cadê meu lenço de rendas, Cadê meu cinto, meu broche, Cadê o meu terço de ouro que teu Sinhô me mandou? Ah! foi você que roubou! Ah! foi você que roubou!

Essa negra Fulô!Essa negra Fulô!

[...]

Ó Fulô! Ó Fulô!Cadê, cadê teu Sinhôque Nosso Senhor me mandou? Ah! Foi você que roubou, foi você, negra Fulô?

Essa negra Fulô!

Augusto Frederico Schmidt, poeta religioso de estilo derramado e tendên- �cia romântica.

Mário Quintana (1906-1994), cuja poesia bem-humorada e de comunica- �ção fácil tem grande penetração popular.

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A poesia da Geração de 1930 no Brasil

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Texto complementar

O operário em construção Vinicius de Moraes

E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:

– Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.

E Jesus, respondendo, disse-lhe:

– Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.

(Lc 4, 5-8)

Era ele que erguia casas

Onde antes só havia chão.

Como um pássaro sem asas

Ele subia com as casas

Que lhe brotavam da mão.

Mas tudo desconhecia

De sua grande missão:

Não sabia, por exemplo

Que a casa de um homem é um templo

Um templo sem religião

Como tampouco sabia

Que a casa que ele fazia

Sendo a sua liberdade

Era a sua escravidão.

De fato, como podia

Um operário em construção

Compreender por que um tijolo

Valia mais do que um pão?

Tijolos ele empilhava

Com pá, cimento e esquadria

Quanto ao pão, ele o comia...

Mas fosse comer tijolo!

E assim o operário ia

Com suor e com cimento

Erguendo uma casa aqui

Adiante um apartamento

Além uma igreja, à frente

Um quartel e uma prisão:

Prisão de que sofreria

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Modernismo na Literatura Brasileira

Não fosse, eventualmente

Um operário em construção.

Mas ele desconhecia

Esse fato extraordinário:

Que o operário faz a coisa

E a coisa faz o operário.

De forma que, certo dia

À mesa, ao cortar o pão

O operário foi tomado

De uma súbita emoção

Ao constatar assombrado

Que tudo naquela mesa

– Garrafa, prato, facão –

Era ele quem os fazia

Ele, um humilde operário,

Um operário em construção.

Olhou em torno: gamela

Banco, enxerga, caldeirão

Vidro, parede, janela

Casa, cidade, nação!

Tudo, tudo o que existia

Era ele quem o fazia

Ele, um humilde operário

Um operário que sabia

Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento

Não sabereis nunca o quanto

Aquele humilde operário

Soube naquele momento!

Naquela casa vazia

Que ele mesmo levantara

Um mundo novo nascia

De que sequer suspeitava.

O operário emocionado

Olhou sua própria mão

Sua rude mão de operário

De operário em construção

E olhando bem para ela

Teve um segundo a impressão

De que não havia no mundo

Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão

Desse instante solitário

Que, tal sua construção

Cresceu também o operário.

Cresceu em alto e profundo

Em largo e no coração

E como tudo que cresce

Ele não cresceu em vão

Pois além do que sabia

– Exercer a profissão –

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A poesia da Geração de 1930 no Brasil

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O operário adquiriu

Uma nova dimensão:

A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu

Que a todos admirava:

O que o operário dizia

Outro operário escutava.

E foi assim que o operário

Do edifício em construção

Que sempre dizia sim

Começou a dizer não.

E aprendeu a notar coisas

A que não dava atenção:

Notou que sua marmita

Era o prato do patrão

Que sua cerveja preta

Era o uísque do patrão

Que seu macacão de zuarte

Era o terno do patrão

Que o casebre onde morava

Era a mansão do patrão

Que seus dois pés andarilhos

Eram as rodas do patrão

Que a dureza do seu dia

Era a noite do patrão

Que sua imensa fadiga

Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!

E o operário fez-se forte

Na sua resolução.

Como era de se esperar

As bocas da delação

Começaram a dizer coisas

Aos ouvidos do patrão.

Mas o patrão não queria

Nenhuma preocupação

– “Convençam-no” do contrário –

Disse ele sobre o operário

E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário

Ao sair da construção

Viu-se súbito cercado

Dos homens da delação

E sofreu, por destinado

Sua primeira agressão.

Teve seu rosto cuspido

Teve seu braço quebrado

Mas quando foi perguntado

O operário disse: Não!

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Modernismo na Literatura Brasileira

Em vão sofrera o operário

Sua primeira agressão

Muitas outras se seguiram

Muitas outras seguirão.

Porém, por imprescindível

Ao edifício em construção

Seu trabalho prosseguia

E todo o seu sofrimento

Misturava-se ao cimento

Da construção que crescia.

Sentindo que a violência

Não dobraria o operário

Um dia tentou o patrão

Dobrá-lo de modo vário.

De sorte que o foi levando

Ao alto da construção

E num momento de tempo

Mostrou-lhe toda a região

E apontando-a ao operário

Fez-lhe esta declaração:

– Dar-te-ei todo esse poder

E a sua satisfação

Porque a mim me foi entregue

E dou-o a quem bem quiser.

Dou-te tempo de lazer

Dou-te tempo de mulher.

Portanto, tudo o que vês

Será teu se me adorares

E, ainda mais, se abandonares

O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário

Que olhava e que refletia

Mas o que via o operário

O patrão nunca veria.

O operário via as casas

E dentro das estruturas

Via coisas, objetos

Produtos, manufaturas.

Via tudo o que fazia

O lucro do seu patrão

E em cada coisa que via

Misteriosamente havia

A marca de sua mão.

E o operário disse: Não!

– Loucura! – gritou o patrão

Não vês o que te dou eu?

– Mentira! – disse o operário

Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se

Dentro do seu coração

Um silêncio de martírios

Um silêncio de prisão.

Modernismo na literatura brasileira.indb 98 16/2/2009 11:38:10

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A poesia da Geração de 1930 no Brasil

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Um silêncio povoado

De pedidos de perdão

Um silêncio apavorado

Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas

E gritos de maldição

Um silêncio de fraturas

A se arrastarem no chão.

E o operário ouviu a voz

De todos os seus irmãos

Os seus irmãos que morreram

Por outros que viverão.

Uma esperança sincera

Cresceu no seu coração

E dentro da tarde mansa

Agigantou-se a razão

De um homem pobre e esquecido

Razão porém que fizera

Em operário construído

O operário em construção.

Estudos literários1. Leia atentamente o texto e depois responda à questão.

Atrás de portas fechadas,

à luz de velas acesas,

brilham fardas e casacas,

junto com batinas pretas.

E há finas mãos pensativas,

entre galões, sedas, rendas,

e há grossas mãos vigorosas,

de unhas fortes, duras veias,

e há mãos de púlpito e altares,

de Evangelhos, cruzes, bênçãos.

(MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989.)

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Modernismo na Literatura Brasileira

Aponte que grupos sociais representam as mãos do poema de Cecília Meireles.

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A poesia da Geração de 1930 no Brasil

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2. Leia atentamente os textos.

Texto 1O material do poeta é a vida, e só a vida, com tudo o que ela tem de sór-

dido e sublime. Seu instrumento é a palavra. Sua função é a de ser expressão verbal rítmica ao mundo informe de sensações, sentimentos e pressentimen-tos dos outros com relação a tudo o que existe ou é passível de existência no mundo mágico da imaginação. Seu único dever é fazê-lo da maneira mais bela, simples e comunicativa possível, do contrário ele não será nunca um bom poeta, mas um mero lucubrador de versos.

(MORAES, Vinicius de. Para Viver um Grande Amor. Rio de Janeiro: José Olympio, 1984.)

Texto 2Não faças versos sobre acontecimentos.

Não há criação nem morte perante a poesia.

Diante dela, a vida é um sol estático,

não aquece nem ilumina.

As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.

Nem me reveles teus sentimentos,

que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.

O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não recomponhas

tua sepultada e merencória infância.

Não osciles entre o espelho e a

memória em dissipação.

Que se dissipou, não era poesia.

Modernismo na literatura brasileira.indb 101 16/2/2009 11:38:10

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Modernismo na Literatura Brasileira

Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.

Lá estão os poemas que esperam ser escritos.

Estão paralisados, mas não há desespero,

há calma e frescura na superfície intata.

Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada uma

tem mil faces secretas sob a face neutra

e te pergunta, sem interesse pela resposta,

pobre ou terrível, que lhe deres:

Trouxeste a chave?

(Carlos Drummond de Andrade)

Agora, comparando o texto em prosa de Vinicius ao trecho do poema de Drummond, responda: esses dois textos apresentam o mesmo conceito de poesia? Por quê? Justifique sua resposta transcrevendo um trecho de cada texto.

Modernismo na literatura brasileira.indb 102 16/2/2009 11:38:10

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A poesia da Geração de 1930 no Brasil

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3. Um poema de amor muito conhecido é o “Soneto de fidelidade”, de Vinicius de Moraes. Leia-o para responder ao que pede.

Soneto de fidelidadeVinicius de Moraes

De tudo, ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento

E em seu louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento.

Modernismo na literatura brasileira.indb 103 16/2/2009 11:38:10

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Modernismo na Literatura Brasileira

E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.

a) Nas três primeiras estrofes, o poema apresenta uma série de antíteses. Aponte-as.

b) Interprete o aparente paradoxo contido na última estrofe do soneto.

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A poesia da Geração de 1930 no Brasil

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Modernismo na literatura brasileira.indb 105 16/2/2009 11:38:10

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Modernismo na literatura brasileira.indb 106 16/2/2009 11:38:10

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Gabarito

A poesia da Geração de 1930 no Brasil1.

“Finas mãos pensativas” são as mãos dos intelectuais e juristas que �participaram da Inconfidência Mineira, como Cláudio Manuel da Costa e Tomás Antônio Gonzaga.

“Mãos de púlpito e altares” são as mãos dos sacerdotes que partici- �param do movimento, como o Cônego Luís Vieira da Silva.

“Grossas mãos vigorosas” são as mãos dos militares que também se �envolveram na Inconfidência, como Alvarenga Peixoto e o próprio Tiradentes.

2. Esses dois textos não apresentam o mesmo conceito de poesia.

Para Vinícius de Moraes, a base do fazer poético é a vida, a palavra é apenas o instrumento e, portanto, a essência da poesia seria de natu-reza existencial: “O material do poeta é a vida, só a vida, com tudo o que ela tem de sórdido e sublime”.

Já para Carlos Drummond de Andrade, a essência da poesia estaria na exploração da linguagem, no trabalho com as palavras: “Penetra sur-damente no reino das palavras”, sendo que os versos seguintes funda-mentam a definição de poesia como trabalho com a palavra.

3.

a)

E rir meu � riso e derramar meu pranto

Ao seu � pesar ou seu contentamento.

Quem sabe a � morte, angústia de quem vive

Quem sabe a � solidão, fim de quem ama

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Modernismo na Literatura Brasileira

b) O paradoxo se dá pelo fato de o amor ser considerado, ao mesmo tem-po, “não-imortal” e “infinito”. O paradoxo se resolve por meio do oximoro final: “infinito enquanto dure”. O amor deve ser, portanto infinito a cada momento, mesmo estando fadado a acabar, ou seja, deve ser desfrutado como algo eterno mesmo não o sendo.

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Gabarito

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