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Futebol e globalização: identidades sociais, regionalismo e emoções políticas (1980-2015)
Daniel Vinicius Ferreira Universidade Federal do Paraná
O futebol é um espaço social peculiar de comportamento político das pessoas em uma sociedade. Ali revelam-se emoções e identidades, extravasam-se sentimentos e ressentimentos de forma singular. Uma das formas que essas emoções e identidades tomam e tomaram forma historicamente, certamente são através das identidades locais, ou poderíamos chamar de regionais. Nessa linha, entende-se o regionalismo, enquanto processo identitário de afirmação local e como um fenômeno recorrente ao longo da história do futebol, seja no âmbito nacional ou internacional, ao longo dos séculos XX e XXI. O objetivo dessa apresentação é problematizar a categoria regionalismo no futebol a partir, sobretudo, do caso paranaense trabalhando suas relações de alteridades historicamente no recorte 1980-2010, no sentido de estabelecer um aporte teórico básico para trabalhar com a questão das identidades locais no período tido como de globalização e descentramento das identidades. A abordagem proposta se dá através da teoria configuracional de Norbert Elias e a partir de análise de algumas fontes provenientes do campo esportivo paranaense, discutindo o processo de formação das identidades sociais a partir do futebol. Concluiu-se por um aporte teórico que faça referência espacial a configuração regional mais ampla e sua configurações interiores de onde emergem formas de identificações sociais no futebol tensionadas e inter-relacionadas, e que se faça também referência a núcleos configuracionais históricos segmentando o período estudado em recortes menores, destacando a mutação configuracional no decorrer do processo histórico. Palavras-chave: sociedade; futebol; identidades; regionalismo; globalização
Introdução
Não é novidade que o futebol se apresentou historicamente como um
espaço muito rico para expressões identitárias. A recorrência de estudos acerca da
temática da identidade e sobretudo da identidade nacional a partir do futebol, no
Brasil por exemplo, seria das maiores evidências daquela riqueza. Portanto,
podemos considerar o futebol como um espaço peculiar e rico para expressões
identitárias, inclusive emoções com viés político de determinados grupos e da
própria sociedade em que o esporte se inscreve.
Nessa linha, há uma forma de expressão identitária social recorrente
historicamente e com viés político que nos chama a atenção e é objeto de estudo
desse trabalho: chamamos de regionalismo no futebol. A título de exemplo,
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poderíamos ilustrar de uma forma breve a manifestação do regionalismo no futebol
como, por exemplo, quando torcedores do Sport Club Internacional ou do Grêmio
Foot Ball Porto Alegrense entoam o grito “Ah eu sou gaúcho!” nas arquibancadas
após os êxitos das suas equipes em torneios nacionais ou internacionais, tal qual o
“Arerê ê ê, a praia de paulista é o Tietê ê ê!” frequentemente ouvido entre torcedores
dos chamados grandes clubes do Rio de Janeiro, e outros do resto do Brasil quando
em confronto com os grandes clubes de São Paulo. Poderíamos citar, também, uma
forma mais aguda e estruturada de regionalismo: o recente movimento “anti-misto”
de torcedores de clubes da região nordeste, que militam para que as pessoas que
residem naquela região torçam apenas para os clubes locais (da região), e não para
clubes locais mais um “grande” clube de fora da região (que seria prática comum no
Nordeste), geralmente de Rio de Janeiro ou São Paulo (VASCONCELOS, 2012). E
finalmente, poderíamos ainda citar a histórica relação entre a identidade catalã e a
identidade do F.C. Barcelona.
Enfim, seriam inúmeros os exemplos possíveis no tempo e no espaço que
poderíamos oferecer para ilustrar a recorrência do fenômeno em que as identidades
no futebol se associam a representações de região e de localidade, construindo um
tipo de alteridade “nós-eles”, ainda que na maioria dos casos tenha se revelado
contraditória no seu próprio interior. Dessa forma, acreditamos que o fenômeno do
regionalismo evidencia os limites para pensar o futebol somente a partir da
identidade nacional (exercício, aliás, tradicionalmente recorrente para o campo de
estudos do esporte que se constituiu no Brasil), e evidencia também a pertinência de
abordar o fenômeno das identidades sociais, a partir de um outro ângulo,
considerando-se assim as fraturas existentes historicamente no interior dessas
configurações nacionais e internacionais, e o próprio contexto histórico através do
qual se manifestam essas identidades.
Mais um argumento que nos motiva a abordar o processo histórico a partir
das identidades e emoções políticas, tendo como ponto de partida o regionalismo é
que no recorte 1980-2015 trata-se de um período frequentemente defendido como
sendo de grandes transformações: a globalização. No aspecto das identidades e dos
sentimentos, fala-se em pós-modernidade, um período de existência não de um
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indivíduo unificado, claramente definido em termos de classe, gênero, sexualidade,
etnia, raça (ou o que importa no nosso caso: de sua nacionalidade ou
regionalidade), mas de um indivíduo fragmentado, descentrado face às modificações
contínuas das estruturas sociais num plano global (HALL, 1992:9). No aspecto
econômico, fala-se em reordenamento do capitalismo e frequentemente se veem
retomadas leituras que enfatizam análises de uma gênese dicotômica ou não sobre
este processo, e a pertinência em pensar a região, o local, como palco desses
acontecimentos: a) seja em confronto sempre desigual e impositivo com os centros
(imperialismo); b) ou ainda, seja num confronto em que há uma certa inter-relação,
ainda que desigual com esses centros (glocalização).E dessas duas formas de se
abordar a questão poderíamos desdobrar em análises que pensam na própria
superação da região enquanto periferia do sistema: a) sejam aquelas (talvez já muito
defasadas) de matriz prebischiana que pensam o desenvolvimento do capitalismo
em torno dos elementos centro/periferia não inevitavelmente sempre integrados de
forma desigual (e que por isso sugerem um etapismo de desenvolvimento social nas
margens do capitalismo); b) sejam aquelas que atacam o que seria um falso binômio
“tradicional-moderno” argumentando uma integração sempre necessária no âmago
da relação desigual entre centro e os satélites, para o próprio desenvolvimento do
capitalismo.
Posto isso, a região objeto de nossa análise será a região do Paraná,
partindo de algumas fontes já do início do século XXI, mas buscando problematizar a
questão das identidades locais no período entre 1980-2015. É importante ressaltar
que nossas fontes incluem periódicos de determinados momentos de campanhas
esportivas de alguns clubes, e outras fontes (como a memória) de pessoas e
determinados círculos sociais (como a imprensa, os profissionais e os torcedores)
ligados a esses clubes que estão muito longe de constituir uma totalidade, ou uma
grande aproximação de expressões identitárias e emoções políticas do que seria
uma pretensa representação geral do “futebol paranaense” ou mesmo da “sociedade
paranaense” de forma bem definida no futebol. Há outros atores interagindo nesses
processos, no período, que não são contemplados de forma explícita pelas nossas
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fontes, os quais pretendemos lançar hipóteses de como participavam nesses
momentos e se relacionavam com eles, seguindo a perspectiva elisiana:
...como o exemplo da melodia, que também não consiste em nada além de notas individuais, mas é diferente de sua soma, ou o exemplo da relação entre a palavra e os sons, a frase e as palavras, o livro e as frases. Todos esses exemplos mostram a mesma coisa: a combinação, as relações de unidades de menor magnitude - ou, para usarmos um termo mais exato, extraído da teoria dos conjuntos, as unidades de potência menor - dão origem a uma unidade de potência maior, que não pode ser compreendida quando suas partes são consideradas em isolamento, independentemente de suas relações. (ELIAS, 1996: 9)
Posto isto, este trabalho vai propor uma breve teorização do fenômeno,
tendo como suporte manifestações dele na mídia esportiva, e através de círculos
sociais ligadas a alguns clubes do Paraná em determinados momentos, destacando
que essas expressões ocorrem dentro de um quadro histórico marcado por rupturas.
Ao final faremos um fechamento da discussão
apontando alguns resultados e considerações sobre um
aporte teórico básico para análise do fenômeno das
identidades sociais locais no futebol em meio a
globalização, entre as quais se destaca o regionalismo.
Identidade social e futebol no Paraná (1980-2015):
de algumas experiências às bases de uma teoria
analítica
Na imagem ao lado, observa-se o “tweet” de
Joaquin Teixeira com o respectivo “retweet” do então
candidato à reeleição da presidência do Clube Atlético
Paranaense, Mário Celso Petraglia, em fins de 2015.
Os “tweets” chamam a atenção, para o presente
trabalho, sobretudo porque ambos abordam e fazem
apologias a formas de identidade no futebol: Teixeira afirma que é “viado” (um termo
pejorativo ao homossexualismo) aquele brasileiro que torce para clubes “não
brasileiros”. E Petraglia, faz um gancho, recolocando a situação em termos
regionais. Em síntese argumenta-se: não torcer para clubes do seu país, ou do seu
estado, significaria falta de hombridade, ingratidão, desonra, falta de caráter e
“Print” do tweet de Joaquin
Teixeira e o retweet de Mário
Celso Petraglia
Fonte: acervo do autor
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coragem do indivíduo, termos que convergiriam para caracterizar um “viado” de uma
forma bem definida. Em última análise, o “viado” (ou os “viados”) seriam inclusive
causa política de um menor desenvolvimento da região ou país onde mora do
indivíduo.
Este episódio nos oferece algumas outras questões que merecem ainda ser
destacadas. Joaquin Teixeira é uma destas “celebridades” transitórias das redes
sociais, e o próprio diálogo se desenrola em uma dessas mídias. Ora, um dos pilares
daquilo que se tem como pós-moderno é justamente a tecnologia, como são
exemplos as redes sociais, em constante avanço (FEATHERSTONE, 1996). No
caso específico dessas redes virtuais (facebook, tweetter, instagram, snap, etc.),
acrescente-se que essas se caracterizam justamente pela mudança, pela marca do
efêmero, do fugaz: são “posts”, “tweets”, imagens, que ficam em evidência até que
uma nova atualização (ou um período de tempo, no caso do snap) coloque a antiga
fora de foco.
Fato é que ambos (Petraglia e Teixeira) destacam formas de identidade.
Nosso interesse é desvendar e problematizar o sentido da identidade paranaense
construída por Petraglia, já que o discurso emitido pelo dirigente não é um caso
isolado na região no período, pelo contrário. Com essa abordagem pretendemos
buscar entender o sentido desse discurso da construção de identidades regionais
“paranaenses” no futebol no recorte 1980-2015, adentrar ao debate das emoções
políticas e sobretudo construir as bases teóricas fundamentais para análise das
identidades locais no período da globalização.
Antes de mais nada, nos parece claro duas evidências na construção de
paranidade efetuada por Petraglia.
Primeiro, o dirigente parece estabelecer uma totalidade, para todos os
aqueles que residem no estado do Paraná de serem considerados
incondicionalmente como cidadãos paranaenses. Diante disso, estabelece uma
ligação entre esta condição política e a paixão clubística. Dessa forma, ele parece
fazer uma menção dissimulada aos ideais de projeto de modernidade que inspiraram
a criação dos Estados nacionais (e por consequência as unidades federativas), ou
seja o comprometimento político público com uma ideia identitária considerada
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essência e universalizada a todos os indivíduos que residem num determinado
território geográfico e de contornos administrativos políticos bem demarcados (como
o Brasil, França ou Estados Unidos, por exemplo). O sentido é de que se são
essencialmente paranaenses deveriam todos (dentro daquele ideal) racionalmente
torcer pelos times dos seu “território”, já que isso conotaria um comprometimento e
possibilidade de desenvolvimento de si e de sua comunidade política.
Segundo, o dirigente parece estabelecer um ideal de comprometimento
clubístico (de raiz política) em contraste com o que tem se evidenciado cada vez
mais nos círculos futebolístico na chamada era espetacularizada (PRONI, 2000) do
desporto. Petraglia parece fazer alusão a uma forma de torcer em declínio, ou pelo
menos em menos evidência, uma forma muito comum na História do futebol
tradicionalmente, que Arlei Damo chamou de pertencimento clubístico. Damo
explicou esse sentimento como uma vivência do torcedor que ultrapassa o jogo em
si, constituindo um laço mais duradouro, fazendo parte o dia-dia do indivíduo
(acompanha notícias, discute com amigos, tira sarro do rival), e se dá geralmente a
partir de uma rede de tradição e mais pessoalizada, constituindo “laços de sangue”
que remeteriam a ideais de comprometimento e talvez com raízes na cultura
patriarcal. Entretanto, a partir da década de 50/60 há o surgimento do que os
historiadores chamam de “sociedade do consumo”, e o próprio campo esportivo
também adota princípios do futebol como negócio e produto para consumo. Isso
repercute na própria vivência do futebol, e nas formas de torcer. No plano dos
sentimentos o consumismo é visto cada vez mais como um “estilo de vida”: é preciso
estar sempre consumindo numa realidade fluida para a própria “boa” inserção nessa
realidade: os signos consumidos associam e oferecem status social a pessoa (um
carro, uma roupa, uma viagem, ou um clube de futebol, etc.). Ou seja, no século XXI,
nos círculos mais protagonistas do desporto, é cada vez mais disseminado o ideal
de torcer por um clube não por uma paixão incondicional, mas sobretudo para
associar-se a uma identidade vencedora, marcante, destacada, enfim espetacular.
Condições que os clubes mais ricos do planeta tem mais possibilidade de atingir e
oferecer ao seu público em relação aos outros. Ocorre, conforme já ressaltado, que
discurso de Petraglia não é único nesse sentido na região. Mais ou menos por essa
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época (2011), o clube rival do clube do dirigente na cidade, o Coritiba Foot Ball Club,
lançava uma campanha denominada “Amo minha terra,
torço pelo meu estado!”, que também relacionava a região
de residência do cidadão com o clube que “deveria” torcer.
Outros episódios na região, no mesmo período, também
seguiriam na mesma linha, como por exemplo quando
torcedores locais empunharam uma faixa com os dizeres
“Vergonha” na divisa entre as torcidas, e uma flecha desenhada apontando para o
espaço de torcedores adversários (no entendimento de que a maioria que residiria
em Curitiba, mas não torcia para os clubes locais) numa ocasião de enfrentamento
Coritiba F.C. x S.C. Corinthians. Ainda, na mídia local, o discurso de mesmo viés no
período também foi recorrente, como por exemplo na charge ao lado, publicada em
um dos jornais de maior circulação na região.
Enfim, o que queremos apontar com esses exemplos é que não se trata de
um discurso pontual, por exemplo, apenas na mídia, só entre os dirigentes, ou
apenas entre as torcidas. Mas que supera esses limites, nos parecendo constituir um
discurso de uma comunidade mais integrada e coesa.
Nessa linha, o primeiro elemento que nos parece um dos
principais a ser considerado em nossa base teórica, na análise das identidades
sociais no futebol, seria o que Amaro chamou de Sentimento de Pertencimento
Comunitário, da seguinte forma:
...um sentimento de pertença que os membros possuem, de que os membros se preocupam uns com os outros e com o grupo, e uma fé partilhada de que as necessidades dos membros serão satisfeitas através do compromisso de permanecerem juntos (...) o SPC é composto por quatro elementos: Estatuto de Membro, Ligações Emocionais Partilhadas, Influência, Integração e Satisfação de Necessidades1 (AMARO, 2007 :25).
1 De forma sintética, estatuto de membro significaria um o sentimento de pertença ou de partilhar um
relacionamento pessoal. Já as ligações emocionais partilhadas, seria um sentimento de intimidade resultante do
“compromisso e crença de que os membros partilharam e irão partilhar história, lugares comuns, tempo juntos, e
experiências similares”. Quanto à influência remeteria a um “sentimento de importância mútua, de fazer a
diferença para o grupo e de o grupo ser importante para os seus membros”. Finalmente Integração e Satisfação
de Necessidades, estaria relacionado “ao sentimento de que as necessidades dos membros serão satisfeitas pelos
recursos recebidos pelo seu estatuto de membro no grupo”. Através do sentimento de satisfação das necessidades
individuais, o sentimento de pertença ao grupo é positivamente reforçado e os membros são motivados a manter
o seu envolvimento no grupo
Charge “Los três inimigos”.
Fonte: acervo do autor.
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Posto isso, cabe perguntar a abrangência desse sentimento no interior de
uma configuração, como por exemplo, seria esse SPC disseminado a todo território
geográfico da unidade federativa paranaense no período? Segundo as memórias de
um cronista local, não. Acompanhe-se:
Há bem pouco foi feito uma pesquisa e deu Corinthians. Mas o Corinthians não é Curitiba. “Corinthians do estado é o mais...”: Corinthians é norte! Porque o estado do Paraná, ele é retalhado. A cultura é diferente. Olha, a força do nosso futebol vai num raio de 150 Km. Londrina: quando tem um Atletiba eles fazem [transmitem] Palmeiras e XV de Piracicaba. Eles não fazem o Atletiba, eles não querem essa ligação. Você vai a Maringá é a mesma coisa, é o time de lá (às vezes nem tem!), mas é o futebol de São Paulo. Vai lá no é Sudoeste, em Cascavel, quando não é o Inter é o Grêmio. E nós falamos para 150 (Km), então nós temos que nos defender, criar um biombo pra isso (HIDALGO, 2011).
Por outro lado, crônicas de um jornal de Londrina no ano de 1978, momento
de uma campanha considerada muito surpreendente e positiva do Londrina E.C. no
campeonato brasileiro daquele ano (ficaria em 4º na classificação final), nos
oferecem outra perspectiva. Elas também fazem alusão a formas de identificação
social, emoções políticas no futebol, e um discurso de paranismo, e nos oferece
mais elementos para entendimento dessa questão. Na ocasião, o jornal trazia
discursos que exaltavam também uma forma de identidade social, paranismo, mas
que frequentemente associava a condição de sucesso esportivo e social como pré-
requisito para que ocorresse efetivamente uma identificação maior da população
daquela localidade como paranaenses, numa causa comum e inscritos numa
coletividade local, e não como migrantes de outras partes do Brasil. Ou seja o
londrinense se aceitaria como um paranaense vencedor, não como um paranaense
perdedor. Essa estima de si portanto estabelece uma certa ligação com a ideia de
mérito de si, trazendo de forma dissimulada uma emoção política (a fé na
meritocracia esportiva e por tabela econômica) como associada ao paranismo
londrinense no período. Ainda, foi frequente naquele momento a exaltação do
interior do Brasil, e o Londrina seria um desses símbolos, como o celeiro do
desenvolvimento do país:
Independe do aspecto esportivo do ambiente e das festas que se realizam em toda a região há um aspecto que deve merecer destaque: talvez pela
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primeira vez a alegria, a união, a emotividade não são produzidos por eventos externos, pela vitória de uma equipe paulista, carioca, mineira, ou gaúcha, mas pelo triunfo de um representante da própria região. Não se trata, como aliás se deve frisar sempre, de um tipo de espírito bairrista que se pretende observar, nem de pretender que cada um dos brasileiros que formaram no norte do Paraná reneguem suas origens. Bem pelo contrário. É fundamental que o ser humano tenha amor às suas raízes. Um povo, como um homem, não existe sem história. E o culto ao passado faz parte da própria civilidade e evolução de uma nacionalidade do mesmo modo que a manutenção do amor ao local de origem é demonstrativa de sentimentos que enobrece o homem. Mas é natural que se pretenda ver formar, igualmente, um sentimento paralelo de amor, de gratidão de união, em relação ao local que, não sendo o de nascimento, é o de eleição de milhões de brasileiros que aqui vieram com seus sonhos e puderam realizar, em boa parte, suas aspirações. A união regional, a vibração intensa que se observa, constituem um verdadeiro marco, indicativo de vai se aprofundando a consciência daquilo que se pode chamar povo norte-paranaense. Ademais, do mesmo modo que se verbera aquilo que se chama de colonialismo cultural do Brasil em relação a nações mais adiantadas, notadamente os Estados Unidos, há de se desejar que no sentido regional e mesmo estadual haja igualmente, um espírito paranista. Tal espírito, porém, sabe-se, não se forma por vontade própria. É algo até inconsciente. O paulista vibra com as coisas de seu Estado, assim como o carioca, o gaúcho, o mineiro, naturalmente. Mas na medida em que todos indistintamente se unem na mesma sintonia, em torno de um avante como a propiciada pelas vitórias do Londrina Esporte Clube, isto indica exatamente o surgimento daquele espírito que constitui a grande argamassa que forma a civilização de um Estado, de uma região (FOLHA DE LONDRINA, 1978: 2).
Conforme se vê há um discurso de paranismo em Londrina nessa ocasião.
Entretanto seria precipitado afirmar que constitui um SPC com alguma sintonia com
Curitiba, ou outro SPC, na medida em que o discurso figura em um jornal, e não
possuímos outros relatos fora deste agente do campo midiático no período que nos
possibilitasse afirmar como um discurso e sentimento disseminados. Mas seria
precipitado também considerar esse discurso, ainda que disseminado na
comunidade londrinense e suas adjacências, ou mesmo na condição (absurda) de
abarcar todo o interior do Paraná de uma forma homogênea, formando então um
“SPC paranaense do interior”, como um elemento fundamental para fornecer as
bases teóricas para o entendimento das identidades sociais no futebol período de
uma forma definitiva. Isso porque o entendimento básico do campo esportivo no
recorte 1980-2015 nos revela um período de grandes transformações no interior do
campo esportivo, e para além dele, seja no campo social do território paranaense
brasileiro e mundial, que de forma alguma nos permite considerar um paranismo do
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interior no campo esportivo dos inícios de 1980 seja próximo a um paranismo
curitibano de inícios do século XXI. Há aí dois elementos fundamentais que precisam
ser desenvolvidos, enquanto suporte teórico, para o entendimento das identidades
sociais em um determinado período. Primeiro: o território paranaense como uma
configuração espacialmente ampla e heterogênea, com a possibilidade de existência
em seu interior de figurações menores, espaciais (citadinas, por exemplo)
tensionadas e inter-relacionadas. Segundo: as configurações são temporais,
portanto reuniram diferentes condições históricas na curta e curtíssima duração, que
deram vazão às emoções políticas, dentro de um período maior de média duração
(1980-2015).
Considerações finais
Nesse estágio de pesquisa, podemos emitir algumas considerações acerca
das bases teóricas para análise das identidades sociais no período.
Primeiro: é preciso iniciar com um mapeamento dos contornos desse SPC e
suas próprias contradições internas, construindo uma configuração espacial com
números (bases concretas) e formas culturais básicas (bases mais subjetivas), para
fins de análise. Uma fonte que parece primordial para tal análise, seria partir de
dados de pesquisas sobre números de torcedores de clubes no estado e no país
dentro deste determinado recorte temporal. Outra forma (não excludente com a
anterior) seria a entrevista com personagens do próprio campo esportivo e do campo
social curitibano e interiorano(s) para além do campo esportivo, não só a fim de
colher relatos para saber o universo dessa abrangência de SPC, mas também
entender como se constrói esse discurso, os sentimentos que o sustentam e suas
contradições. Contradições porque, por exemplo, entre os clubes de Curitiba - e
outros mais ao redor do mundo de uma mesma comunidade – existiram e existem,
recorrentemente, fortes rivalidades entre os clubes de uma mesma comunidade, o
que a princípio pareceria paradoxal com uma ideia de unidade entre eles em uma
identidade ou causa em comum.
Essas análises precisam ser feitas em consonância com outros elementos,
ainda no sentido de mapear esse SPC e essa (s) comunidade(s), tais como a)
tamanho populacional da cidade e do estado e suas adjacências; b) como se deu a
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formação e o crescimento da cidade e do estado em termos de migração no período;
c) um breve panorama sobre a relevância econômica, social, cultural e política da
região no país; d) que tipo de ligação, inter-relações ou isolamento cultural existem e
constituem comunidades mais coesas internamente na configuração do território em
que emerge a identidade local (por exemplo, alguns autores falam ser possível
subdividir o Paraná culturalmente em sub-regiões, em comunidades, como a
comunidade curitibana, ou a do norte de Paraná por exemplo). Isto porque são
justamente esses elementos que convergem para a formação e manutenção de um
comunidade do qual emergem os clubes de Curitiba (por exemplo) e um capital não
torcedor destes clubes, cujo discurso de paranismo curitibano faz referência (ainda
que dissimulado) e estabelece relações. Ao mesmo tempo, a compreensão desses
elementos nos servem de embasamento para compreender e situar o sentido do
discurso dos paranismos que se percebe no período, e sobre a inserção e relevância
dessas comunidades num território de provavelmente outras comunidades e
discursos de localidade, no futebol. Ainda nesse exercício de mapeamento, e) qual o
impacto das mídia (s) local (is) ligada a essa (s) comunidade (s) e sua inserção entre
as mídias do país Também, f) que emoções políticas se manifestam nessa
comunidade através dessa identidade social no futebol (como o de modernidade
associado à unidade federativa, ou supostamente de meritocracia, racismo, de
homofobia, entre outros, por exemplo), evidenciando permanências históricas de
cunho político que se associam a expressão de uma identidade local. E ainda, g)
quais os entendimentos da “cultura do torcer” em evidência no período
(pertencimento clubístico ou consumo, por exemplo) nesse local e como a
comunidade reage e se comporta em relação a elas. Enfim, é preciso entender o
território geográfico do estado do Paraná como uma configuração mais ampla, em
cujo interior residem comunidades tensionadas construindo discursos e identidades
motivada por emoções políticas e atravessada por elementos configuracionais em
mutação, consagrando alguns discursos e invisibilizando outros..
2)Outro fator, que precisa ser levado em conta para análise das identidades
sociais em um determinado período, é identificá-lo dentro de um dado recorte
histórico, um núcleo configuracional histórico, conforme se viu. Esse núcleo precisa
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ser construído destacando-se e analisando alguns elementos e agentes
considerados relevantes para o entendimento dessas expressões, e essa
construção precisa ser feita em diálogo com análise das fontes.
Por exemplo, de uma forma geral, o entendimento desse paranismo
curitibano dos inícios do século XXI, certamente passa pelo entendimento do
enfraquecimento do Clube dos 13 como um projeto de desenvolvimento do futebol
brasileiro, do aumento considerável de receitas advindas da TV ligada a grande
distância financeira que se dá no período, na qual os “grandes” clubes do Rio e São
Paulo passam a deter em relação aos clubes de Curitiba devido ao seu capital
torcedor maior. Isso, em tese, permitiria que formassem equipes melhores que as
dos clubes do Paraná e pudessem destacar mais nos campeonatos, sobretudo
quando o torneio nacional passa a adotar o formato dos pontos corridos (2003), o
que não acontecia, por exemplo, na época (1978) em que o Londrina E. C. se
destacou. Ainda, nesse período, a própria exposição social na mídia que aqueles
passam a deter em relação aos clubes de Curitiba e a correlata maior capacidade de
angariar torcedores por esse motivo, inclusive no interior do Paraná, numa
abordagem mais por um ideal de consumismo e de espetacularização, do que por
pertencimento clubístico e tradição, seria outro motivo que poderia explicar o
ressentimento do discurso na comunidade curitibana, tomando forma num
paranismo que exalta ideais de modernidade e formas tradicionais.
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