Genero Pobreza

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    Observatrio da Cidadania 2005 /27

    * Karina Batthyny (coordenadora), Marina Sol Cabrera,Garciela Dede, Daniel Macadar e Ignacio Pardo.

    1 Os exemplos usados neste artigo foram extrados deuma amostra de relatrios nacionais recebidos at 20de maio de 2005.

    NR Todos os relatrios de pases citados no texto estodisponveis no CD que acompanha esta publicao.O relatrio da Alemanha encontra-se tambm nestaverso impressa.

    Gnero e pobreza: desigualdades entrelaadas

    O enfoque de gnero no estudo da pobreza levou reviso dos mtodos mais convencionais de medio e explorao denovas formas, dando uma contribuio significativa ao atual debate sobre o tema. As medidas de renda familiar no

    capturam as dimenses intrafamiliares da pobreza, porque assumem uma distribuio eqitativa dos recursos entre seus

    membros e consideram que todas as pessoas so igualmente pobres.

    Equipe de pesquisa do Social Watch*

    Embora a metodologia de medio da pobreza nopermita que o gnero seja refletido nas estatsti-cas oficiais ou nas estratgias de reduo da po-breza, ambos esto inextricavelmente vinculados.A despeito das freqentes menes ao gnerocomo um tema transversal em muitas estratgias, um tpico que, na prtica, recebe pouca aten-o nos planos de ao e nos projetos de desen-volvimento especficos. A pobreza afeta homens,mulheres, meninos e meninas, porm essa expe-rincia vivida de forma diferente por pessoas deidades, etnias, papis familiares e sexos dist intos.Por causa da biologia e de seus papis de gnerosociais e culturais, alm da subordinao cultu-ralmente construda, as mulheres enfrentam con-dies desvantajosas, que acumulam e intensifi-cam os j numerosos efeitos da pobreza.

    Os relatrios nacionais do Observatrio da

    Cidadania/Social Watch 2005 apresentam umasrie de argumentos e evidncias sobre o vnculoentre pobreza e gnero, as caractersticas dasmulheres pobres e os problemas que enfrentamem relao aos homens pobres. Este texto temdois objetivos: esclarecer os problemas metodo-lgicos de medio da pobreza que escondem asquestes de gnero e mostrar isso por meio de exem-plos retirados dos relatrios nacionais. No hinteno de que os exemplos sejam representa-tivos, mas somente ilustrativos.1

    Os trabalhos sobre a pobreza do ponto de vistado gnero abrem uma nova perspectiva, que vemganhando importncia desde a dcada de 1990.

    Os estudos realizados dentro desse marco de refe-rncia examinam as diferenas entre os gnerosnos resul tados e processos que geram a pobreza,focalizando especialmente as experincias das mu-lheres e verificando se elas formam um contingentedesproporcional e crescente entre as pessoaspobres. Esta nfase implica uma perspectiva que

    destaca duas formas de assimetrias que se cruza-ram: gnero e classe (Kabeer, 1994).

    As pesquisas que confirmam as desigualda-des entre os gneros, especialmente no acesso eno atendimento das necessidades bsicas, dosuporte afirmao de que a pobreza femininano pode ser includa no mesmo enfoque conceitual

    da pobreza masculina (Kabeer, 1994). Em geral,os indicadores de pobreza so baseados em infor-maes sobre a famlia, sem levar em conta asgrandes diferenas entre gneros e geraes quenela existem. Numa perspectiva de gnero, noentanto, necessrio decodificar as situaesdentro da famlia, pois, nesse espao de coabita-o, as pessoas mantm relaes assimtricas enele prevalecem os sistemas de autoridade.

    Considerando isso, importante levar emconta os seguintes fatores:

    as desigualdades entre os gneros nos con-textos familiares, que resultam em acesso

    diferenciado aos recursos do grupo doms-tico, agravam a pobreza das mulheres, espe-cialmente nas famlias pobres;

    apesar das mudanas atuais, a diviso de tra-balho por sexo dentro das famlias aindamuito rgida.

    As mulheres tm acesso limitado ao crdito.Como desde o incio carecem de empodera-mento financeiro, elas precisam recorrer a ins-tituies de crdito em seus pases para finan-ciar suas atividades econmicas. No entanto,tais instituies, quando existem, relutam emprestar servios s mulheres. Essa relutncia

    deriva do preconceito de que a mulher seriauma m administradora de recursos e que nopagaria o emprstimo. Quando existe a dispo-sio de prestar esses servios s mulheres,insistem que tenham avalistas masculinos.

    Relatrio da NigriaNR

    A diviso de trabalho em funo do sexo queatribui s mulheres o trabalho domstico limita suasoportunidades de acesso a recursos materiais esociais e participao nas decises polticas,econmicas e sociais. Elas no somente possuembens materiais limitados, como tm bens sociaismais restritos (acesso renda, bens e servios por

    meio das conexes sociais) e bens culturais (edu-cao formal e conhecimento cultural), o que ascoloca numa situao de maior risco de pobreza.As conseqncias da disparidade persistem du-rante toda a vida da mulher, em diversas formas eem reas e estruturas sociais diferentes.

    A situao descrita no relatrio da Zmbia podeser considerada como um paradigma da reali-dade dos pases menos desenvolvidos: [...] o sis-tema educacional zambiano apresenta dispari-dades entre os gneros em todos nveis. Emboratais disparidades sejam muito pequenas noensino primrio, crescem no nvel secundrio

    e aumentam consideravelmente na educaoterciria. Essas disparidades na educao se ma-nifestam depois no mercado de trabalho. A par-cela de mulheres com emprego remuneradocaiu de 39%, em 1990, para 35%, em 2000.

    Relatrio da Zmbia

    Por causa das limitaes sofridas pelas mu-lheres oriundas da diviso do trabalho em funodo sexo e pelas hierarquias sociais baseadas nessadiviso, as mulheres tm acesso desigual s dife-rentes reas sociais, principalmente aos sistemasestreitamente interligados: o mercado de trabalho,

    os sistemas de assistncia ou proteo social eas estruturas domsticas.Em termos da dimenso relacional do gnero,

    que trata das relaes entre homens e mulheres,a pobreza das mulheres analisada levando-seem considerao tanto a famlia como o ambientesocial. Aplicada s famlias, a perspectiva de gne-ro melhora o entendimento de como uma famliafunciona, pois desvela as hierarquias e os padresde distribuio de recursos e, assim, questiona aidia de que os recursos da famlia so distribudoseqitativamente e que todos os seus membrostm as mesmas necessidades.

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    As desigualdades se manifestam em forma debarreiras e limitaes invisveis, como est ilus-trado no relatrio da Coria do Sul. Embora asociedade sul-coreana tenha fortalecido polti-cas e sistemas para promover a participao dasmulheres na atividade socioeconmica desdea dcada de 1990, h barreiras informais e bar-reiras invisveis para as mulheres no mercado detrabalho. Alm disso, seus salrios so baixos,

    e 42,2% de todas as mulheres empregadas tmproblemas decorrentes de trabalho irregular,temporrio e de tempo parcial. As mulheres tam-bm precisam interromper sua participao notrabalho e na sociedade por causa das responsa-bilidades domsticas, como as do casamento,gravidez, parto, cuidado das crianas e outrosdeveres familiares. O mercado de trabalho nasociedade sul-coreana tem uma estrutura dupla.A parte superior caracterizada por produtivida-de alta, salrios bons e emprego estvel; a parteinferior tem como caracterstica produtividadebaixa, salrios inferiores e emprego instvel.Essa estrutura dupla, com os homens na partesuperior e as mulheres na inferior, separa os

    sexos em categorias empresariais, posies enveis salariais diferentes. A discriminao damulher no mercado de trabalho resulta em fam-lias pobres chefiadas por mulheres.

    Relatrio da Coria do Sul

    Os efeitos desses processos no mercado tra-balho so visveis em hiatos de renda mesmonos pases desenvolvidos, como a Alemanha.Caso os salrios das mulheres na AlemanhaOcidental continuem a se aproximar dos sal-rios dos homens no mesmo ritmo dos ltimos40 anos, sero necessrios no mnimo outros40 anos para que as trabalhadoras que exercematividades administrativas e intelectuais e muito

    mais de 70 anos para que as mulheres que rea-lizam tarefas manuais possam alcanar seuscolegas masculinos. Pela mdia de todos gruposocupacionais, as mulheres ainda recebem 20%a menos do que seus colegas homens para rea-lizar o mesmo trabalho. No caso das engenhei-ras, essa diferena atinge 30,7%.

    Relatrio da Alemanha

    O enfoque de gnero no estudo da pobrezadesmascara tanto a discriminao pblica comoa familiar ao identificar as relaes de poder e a dis-tribuio desigual de recursos nas duas esferas.

    A discusso conceitual da pobreza vital, poissua definio determina que indicadores sero uti-lizados para sua medio, assim como o tipo depolticas a serem implementadas para combat-la.Como afirmou Feijo (2003), aquilo que no conceituado tambm no medido.

    Como a pobreza medida de acordo com ascaractersticas socioeconmicas da famlia como umtodo, impossvel identificar as diferenas entreos gneros no que diz respeito ao acesso a neces-sidades bsicas dentro da famlia. As pesquisas

    domiciliares tambm so limitadas de acordo coma maneira pela qual obtm a informao, pois onico recurso considerado a renda, no sendolevado em conta o tempo dedicado produofamiliar e reproduo social.

    Naila Kabeer (1994) destaca que, para com-pensar as limitaes das medies de pobreza, asinformaes devem ser desagregadas para levarem conta as diferenas entre ser e fazer dentro

    da famlia. De acordo com a autora, h necessidadede indicadores que reconheam que as vidas dasmulheres so regidas por restries sociais, direi-tos e responsabilidades diferentes (algumas vezes,mais complexos do que os dos homens) e que elasvivem, em grande medida, fora da economia formal.

    Esse conceito mais amplo da pobreza incluiriadimenses como a autonomia econmica e a vio-lncia de gnero, que raramente so levadas emconta nos estudos de pobreza.

    As tradies culturais nos diferentes pases soa origem de outras restries enfrentadas pelas

    mulheres. As normas culturais no somenteimpedem que as mulheres herdem a terra. Tradi-cionalmente, depois da morte do marido, a vi-va perde toda a propriedade do marido, que distribuda entre os parentes dele do sexo mas-culino. Em 2001, o estado Enugu aprovou umalei que probe essa prtica. No entanto, a lei nofoi aplicada, e a prtica continua amplamentedisseminada. Outros estados e o governo fede-ral continuam a funcionar como se no soubes-sem da existncia dessa tradio.

    Relatrio da Nigria

    Sobre esse assunto, o relatrio da ndia tam-bm esclarecedor: As mulheres tambm so

    marginalizadas porque no tm poder em dife-rentes atividades econmicas, sociais e polticas .Dispositivos legais e prticas sociais relacionadas propr iedade e herana prejudicam as mulhe-res, exceto nas poucas reas em que existemestruturas familiares matrilineares. As estruturassociais, polticas e familiares no incluem asmulheres nos processos de deciso. Isso noapenas afeta o lugar da mulher na sociedade,na economia e na famlia, mas tambm contribuipara sua baixa auto-estima.

    Relatrio da ndia

    O relatrio do Uruguai nota as diferentes dimen-ses da desigualdade no mercado de trabalho:

    As mulheres so especialmente afetadas pelaflexibilidade do mercado de trabalho, a perdade normas trabalhistas claras, medo do desem-prego, segmentao do mercado de trabalhopor gnero, remunerao desigual para o mes-mo trabalho, excluso das posies de chefiaem virtude de esteretipos de gnero, assdiosexual e um sistema de seguridade social queno leva em conta o envelhecimento da popu-lao e o mercado de trabalho informal.

    Relatrio do Uruguai

    A violncia de gnero no normalmente in-cluda nas discusses sobre pobreza, emboraas estatsticas revelem a gravidade da situao.Atualmente, a cada nove dias uma mulher vti-ma de violncia domstica no Uruguai. Os abor-tos inseguros tornaram-se a principal causa damortalidade materna. Para as mulheres, espe-cialmente para as pobres, muito arriscadoromper com os modelos tradicionais de mulher

    ou de mulher como me.Relatrio do Uruguai

    O relatrio romeno apresenta resultados simi-lares: [...] uma de cada cinco mulheres sofreabusos do marido ou parceiro [...] e, em geral,a sociedade romena encara essas atitudes comonormais. Outro estudo confirma que pelo me-nos 800 mil mulheres foram vtimas de violnciadomstica em 2004.

    Relatrio da Romnia

    Da mesma forma no Nepal, [...] vivas jovens,especialmente na comunidade indo-ariana, es-to sujeitas violncia psicolgica e fsica porcausa de disputas em torno de sua herana.Estima-se que anualmente 12 mil meninas emulheres aproximadamente 20% com menos16 anos so traficadas como prostitutas paraa ndia e outros pases. A pobreza e o desem-prego, causados pelo declnio progressivo dademanda por servios dos artesos das aldeiase pelo empobrecimento dos camponeses resul-tante da diviso das terras, tm forado famli-as a venderem suas prprias filhas.

    Relatrio do Nepal

    Medio da pobreza a partirde uma perspectiva de gneroA medio da pobreza ajuda a torn-la visvel ecumpre um papel importante no desenvolvimen-to e na implementao das polticas pblicas.As metodologias de medio so estreitamenteligadas a conceituaes especficas da pobreza;portanto, os resultados podem diferir quando setrata de aspectos diferentes da pobreza. Nenhumametodologia neutra mesmo aquelas sensveisao gnero e as consideradas mais precisas eobjetivas. Ao contrrio, contm elementos subje-tivos e arbitrrios.

    A perspectiva de gnero contribui para am-

    pliar o conceito de pobreza ao identificar a neces-sidade de medir a pobreza de modo a levar emconta sua complexidade e suas mltiplas dimen-ses. O debate sobre a metodologia da pobrezano prope o desenvolvimento de um indicadornico que sintetize todas as dimenses da po-breza. Ao contrrio, a idia explorar propostasde medio diferentes, melhorando as tcnicasde medida mais convencionais, observandosuas vantagens e limitaes, assim como crian-do novas medidas.

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    Medio da pobreza a partirda renda familiarA medio da pobreza de acordo com a renda atualmente um dos mtodos mais amplamenteutilizados, um indicador quantitativo muito bompara identificar as situaes de pobreza. No quediz respeito a modelos de medidas monetrias,no h mtodo mais efetivo. Alm disso, h maisdisponibilidade de dados por pas para medio

    da pobreza em termos monetrios do que parausar outros enfoques, tais como capacidades,excluso social ou participao. A medio dapobreza pela renda permite comparaes entrepases e regies, alm da quantificao da pobrezapara o desenvolvimento de polticas pblicas.

    Um dos aspectos mais controvertidos damedio de renda sua capacidade ou incapaci-dade de refletir as dimenses mltiplas da pobreza.Analistas argumentam que a medio da rendaenfatiza a dimenso monetria da pobreza e, por-tanto, somente leva em conta seus aspectos mate-riais, ignorando os culturais. Esses aspectos inclu-em as diferenas de poder, que determinam oacesso a recursos, mas, acima de tudo, incorporamo trabalho domstico no-remunerado, indispen-svel sobrevivncia das famlias, assim como ou-tros indicadores que podem refletir melhor a pobre-za e as diferenas de bem-estar entre os gneros.

    Outra crtica dessa medio da pobreza que no considera o fato de as pessoas tambmsatisfazerem suas necessidades por meio de recur-sos no-monetrios, como redes comunitrias eapoio familiar.

    A medio da renda familiar per capitaapre-senta srias limitaes para capturar as dimen-ses intrafamiliares da pobreza. Ela falha por ser

    incapaz de levar em conta o fato de homens emulheres experimentarem a pobreza de formadiferente dentro da mesma famlia. Isso ocorreporque as famlias so tomadas como unidade deanlise e se pressupe que exista uma distribui-o eqitativa dos recursos entre seus membros.De acordo com essa medio, todos os integrantesda famlia so igualmente pobres.

    O mtodo tambm limitado pela forma comomede as desigualdades entre os gneros, pois noconsidera como renda o trabalho domstico no-remunerado desenvolvido na famlia. O trabalhodomstico no-remunerado pode fazer diferenaconsidervel na renda da famlia. As famlias chefia-

    das por homens tm mais probabilidade de dispordo trabalho domstico gratuito da esposa e, assim,evitar despesas associadas com a manuteno dacasa. Isso menos provvel de acontecer nas fam-lias chefiadas por mulheres, que geralmente pagamos custos privados de realizar trabalho domsticono-remunerado. Esses custos incluem ter menostempo para o repouso e o lazer, o que afeta seusnveis de sade fsica e mental. Da mesma forma,essas mulheres tm menos tempo para conseguiracesso a melhores oportunidades de emprego emenos tempo para a participao social e poltica.

    Em relao ao uso do tempo ou seus padres degastos, o mtodo tambm no mostra diferenas

    entre homens e mulheres. Esses aspectos socentrais para a caracterizao da pobreza a partir deuma perspectiva de gnero. Estudos sobre o uso dotempo confirmam que as mulheres gastam maistempo do que os homens em atividades no-remu-neradas. Isto indica que tm jornadas mais longasem detrimento de sua sade e nveis nutricionais.

    Medio da pobreza em termos

    de renda, a partir de gneroComo foi mencionado, a autonomia econmicaou o fato de ter renda para atender s suas ne-cessidades outra dimenso da pobreza. Paraesse fim, uma medio individual til no estudoda pobreza intrafamiliar. No se trata de substi-tuir uma medio por outra, mas de trabalhar comas duas medies, pois servem a objetivos dis-tintos. As medies de pobreza individual tmvantagens, pois so capazes de identificar situa-es de pobreza que permaneceriam ocultas emmedies tradicionais (como, por exemplo, pes-soas que vivem em famlias no-pobres, pormsem renda prpria), revelando as limitaes maio-

    res enfrentadas pelas mulheres para se tornaremeconomicamente autnomas.

    Trabalho no-remuneradoO trabalho no-remunerado um conceito centralno estudo da pobreza a partir de uma perspectivade gnero. Analistas argumentaram que, emboraessa atividade no seja valorizada monetariamente,ela satisfaz necessidades e possibilita as ativida-des de reproduo social. H tambm quem afirmeque existe uma forte relao entre o trabalho no-remunerado e o empobrecimento das mulheres.A necessidade de medir o trabalho da mulher vem

    sendo destacada e resultou em diversas propos-tas, que sugerem dar um valor monetrio ao tra-balho domstico e inclu-lo nas contas nacionais.A medio do trabalho no-remunerado tambmmostraria uma diferena importante na renda fa-miliar entre as famlias com uma pessoa dedicadaao trabalho e aos cuidados domsticos (famliaschefiadas por homens) e aquelas famlias semessa pessoa e que devem assumir os custos priva-dos associados a esse tipo de trabalho (famliaschefiadas por mulheres).

    A medio do tempo dedicadoao trabalho no-remunerado

    Outra maneira de medir e visualizar o trabalho no-remunerado por meio da alocao de tempo.Esto includos nesse conceito: o trabalho de sub-sistncia (produo de alimentos e vestimentas,consertos de roupas), o trabalho domstico (com-prar bens e servios para a casa, cozinhar, lavar aroupa, passar a ferro, fazer a limpeza, realizar ati-vidades relacionadas com a organizao da casae com a distribuio de tarefas e fazer encargosexternos como o pagamento de contas etc.), cui-dados com a famlia (crianas e pessoas idosas)e servios comunitrios ou trabalhos voluntrios(servios realizados por no-familiares por meiode organizaes religiosas ou laicas). Levando em

    conta o tempo que as mulheres gastam realizandocada uma dessas atividades, elas se tornam vis-veis e reconhecidas, facilitando a percepo dasdesigualdades entre os gneros nas famlias e nasociedade. Alm disso, a alocao de tempo tornapossvel calcular o volume total da carga de tra-balho um conceito que inclui tanto o trabalhoremunerado como o no-remunerado.

    Os levantamentos de uso de tempo ajuda-

    ram a gerar melhores estatsticas sobre trabalhoremunerado e no-remunerado, sendo uma f er-ramenta essencial para desenvolver um maiorconhecimento sobre as diferentes formas de tra-balho e emprego.

    O pargrafo 206 da Plataforma de Ao de Pe-quim (1995) recomenda:

    (f) Desenvolver um conhecimento maisabrangente de todas as formas de trabalho eemprego, por meio do:

    (i) melhoramento da coleta de dados sobreo trabalho no-remunerado, j includo no Sis-tema de Contas Nacionais das Naes Unidas,

    em reas como a agricultura, especialmente ade subsistncia, e em outros tipos de atividadesprodutivas no voltadas ao mercado;

    (ii) melhoramento das medies que atual -mente subestimam o desemprego e subem-prego das mulheres no mercado trabalho;

    (iii) desenvolvimento de mtodos, nosfruns adequados, para avaliar o valor em ter-mos quantitativos do trabalho no-remunera-do que fica fora das contas nacionais, como ocuidado de dependentes e a preparao de ali-mentos, para que esse valor seja possivelmenterefletido em contas satlite ou outras contasoficiais (que podem ser separadas, porm coe-rentes com as contas nacionais essenciais), na

    perspectiva de reconhecer a contribuio eco-nmica das mulheres e tornar visvel a distri-buio desigual do trabalho remunerado e no-remunerado entre mulheres e homens;

    (g) desenvolver uma classificao interna-cional de atividades para estatsticas de uso detempo que seja sensvel s diferenas entremulheres e homens no trabalho remunerado eno-remunerado e coletar dados desagregadospor sexo. No plano nacional, condicionado slimitaes nacionais:

    (i) realizar estudos de uso do tempo deforma regular para medir em termos quantita-tivos o trabalho no-remunerado, incluindo o

    registro daquelas atividades desempenhadassimultaneamente com as atividades remunera-das ou com outras no-remuneradas;

    (ii) medir em termos quantitativos o tra-balho no-remunerado que no includo nascontas nacionais e trabalhar para melhorar osmtodos de avaliao que reflitam com precisoo seu valor nas contas satlite e em outras contasoficiais, podendo ser separadas, porm coeren-tes com as contas nacionais essenciais.

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    H precedentes para esse tipo de estudo sis-temtico em pases como Canad, Cuba, Frana,Itlia, Mxico, Nova Zelndia, Espanha eVenezuela.2 Na Itlia, o aumento da participaofeminina no foi acompanhado por uma distribui-o mais justa das atividades familiares. A tarefano-remunerada de cuidar das crianas e as ativi-dades de reproduo social recaem quase intei-ramente sobre as mulheres, cujo nmero total de

    horas trabalhadas, remuneradas e no-remune-radas , em mdia, 28% superior ao dos homens.Dentre estes, 35,2% no dedicam nenhum tempo atividade de cuidados na famlia.

    Esforos de outros pases, embora no siste-mticos, tm permitido estudos especficos dessasdimenses. o caso do Uruguai, onde foi reali-zado um levantamento em 2003 sobre o uso dotempo dos homens e das mulheres, com o objetivode gerar indicadores que informassem e mostras-sem as relaes assimtricas entre os gneros nasfamlias (Aguirre, 2004).

    Resumo

    O enfoque de gnero tem dado contribuies con-ceituais e metodolgicas valiosas ao estudo dapobreza. Em termos conceituais, fornece umadefinio mais abrangente da pobreza, numa pers-pectiva integrada e dinmica que reconhece asdimenses mltiplas e os aspectos heterogneosda pobreza. A perspectiva de gnero critica forte-mente as definies de pobreza baseadas na rendae destaca os componentes materiais, simblicose culturais como aqueles que influenciam as rela-es de poder que, por seu lado, determinam oacesso dos gneros aos recursos materiais, sociaise culturais. possvel sustentar que, sem uma

    perspectiva de gnero, a pobreza no pode serentendida de forma adequada.O enfoque de gnero no estudo da pobreza le-

    vou reviso dos mtodos mais convencionais demedio e a explorao de novos mtodos, dandouma contribuio significativa ao atual debate.

    As medidas de renda familiar no capturamas dimenses intrafamiliares da pobreza, incluindoas desigualdades entre os gneros, pois assumemuma distribuio justa dos recursos entre seusmembros, homogeneizando as necessidades decada pessoa e considerando que todas so igual-mente pobres. Esse mtodo tem limitaes paramedir a desigualdade entre gneros porque no

    reconhece, em termos monetrios, a contribui-o para a famlia do trabalho domstico no-re-munerado. Finalmente, as medidas de renda soincapazes de capturar as diferenas entre gne-ros em termos dos padres de uso do tempo e degastos, duas dimenses que contribuem paracaracterizar a pobreza mais completamente e paraformular polticas pblicas melhores.

    A crtica ao mtodo de medio da renda do-miciliar tem como objetivo introduzir uma pers-pectiva de gnero na medio tradicional da po-breza. Uma questo que precisa ser levantadavigorosamente a necessidade de atribuir valorao trabalho domstico no-remunerado, comomaneira de valorizar a contribuio das mulherese reconhecer como trabalho as atividades doms-ticas, pois elas so essenciais para a satisfao

    das necessidades bsicas.

    RefernciasAGUIRRE, Rosario. Trabajo no remunerado y uso del

    tiempo: fundamentos conceptuales y avances empricos La encuesta Montevideo 2003. Santiago do Chile:Cepal, 2004.

    ARAYA, Mara Jos. Un acercamiento a las Encuestas sobreel Uso del Tiempo con orientacin de gnero. Santiagodo Chile: Cepal, 2003. (Srie Mujer y Desarrollo, n. 50).

    FEIJO, Mara del Carmen. Desafos conceptuales de lapobreza desde una perspectiva de gnero. Documentoapresentado na Reunio de Especialistas em Temas dePobreza e Gnero, Cepal/OIT, Santiago do Chile, ago. 2003.

    KABEER, Naila. Reversed eealities:gender hierarchies indevelopment thought. Londres: Verso, 1994.

    2 Para mais informaes sobre esses estudos, verAraya (2003).