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GESTÃO DE CARREIRAS NA EMPRESA CONTEMPORÂNEA
Capítulo 2
Carreira e gestão estratégica de pessoas
Joel Dutra
Introdução
Ao longo dos últimos 30 anos, temos pensado na gestão de carreira como um
ângulo privilegiado para analisar a estratégia da gestão de pessoas. Atualmente, com
base em várias pesquisas realizadas e em trabalhos com mais de 200 empresas no
Brasil, é possível visualizar como analisar e intervir na realidade organizacional a partir
do referencial de gestão de carreiras. O objetivo deste capítulo é expor os resultados
dessas experiências e propor conceitos e ferramentas para gestão estratégica de pessoas.
É importante ressaltar que a discussão sobre carreira é muito pobre no Brasil,
tanto no âmbito da academia quanto no âmbito das organizações. Uma hipótese para
explicar a escassez de textos e discussões é o fato de a carreira estar intimamente
atrelada à remuneração e, portanto, projetos e discussões sobre carreira teriam um
impacto importante na massa salarial da empresa. Isso gerou um processo de
causalidade circular, em que as discussões sobre carreiras e remuneração ficaram
travadas. Mexer nessa temática não é simples, por isso procuramos, neste capítulo,
desenvolver um olhar estratégico e integrado sobre a gestão de pessoas através dos
conceitos que nos ajudaram a entender a dinâmica das carreiras nas empresas e no
mercado de trabalho.
Para efetuar propostas de gestão estratégica de pessoas, este capítulo
apresenta, inicialmente, transformações no contrato psicológico entre pessoas e
organização, em seguida apresenta referenciais conceituais que auxiliam na
compreensão da dinâmica da carreira nas empresas e para as pessoas, na sequência são
apresentadas várias situações e experiências em que a compreensão das carreiras pode
orientar decisões estratégicas sobre a gestão de pessoas e, finalmente, são apresentadas
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tendências na gestão de pessoas e suas implicações para o futuro da gestão de pessoas
no Brasil.
Novo contrato entre pessoas e organizações
A gestão de pessoas pelas organizações passa por grandes transformações em
todo o mundo. Essas transformações vêm sendo motivadas pelo surgimento de um novo
contrato psicológico entre as pessoas e a organização. Esse novo contrato advém de um
ambiente mais competitivo, onde as organizações, para sobreviver, necessitam estar em
processo contínuo de desenvolvimento. O desenvolvimento organizacional está
intimamente ligado à capacidade de contribuição das pessoas que trabalham na
organização. Embora não esteja explicito nas organizações, a valorização das pessoas,
manifestada por aumentos salariais, promoções ou conquista de espaço político, se dá
na medida em que elas aumentam o seu nível de contribuição para o desenvolvimento
organizacional. Essa contribuição se manifesta de forma natural e muitas vezes não é
percebida nem pela organização e nem pela pessoa. Por exemplo, temos dois gestores:
um obtém os resultados esperados “esfolando viva” a sua equipe; outro obtém os
resultados esperados porque desenvolveu sua equipe, aprimorou procedimentos e/ou
introduziu no trabalho novos conceitos; os dois conseguiram os resultados, porém o
primeiro terá dificuldades em sustentá-lo ao longo do tempo, enquanto o segundo não
só conseguirá sustentá-lo como terá grande probabilidade de ampliá-lo. O exemplo
ilustra o tipo de cobrança que está cada vez mais presente nas organizações, onde é
demandado das pessoas que façam contribuições que a um só tempo obtenham os
resultados esperados e criem condições objetivas e concretas para resultados sustentados
e continuamente ampliados.
O novo contrato psicológico é influenciado, também, por alterações importantes
nas expectativas das pessoas em relação à organização. A partir de um ambiente mais
competitivo, as pessoas percebem rapidamente que sua mobilidade, tanto no interior da
organização quanto no mercado está atrelada ao seu contínuo desenvolvimento. As
pessoas passam a demandar das organizações a criação de condições objetivas e
concretas para o seu desenvolvimento contínuo, passam a assumir investimentos em seu
desenvolvimento e mudam valores na relação com as organizações. Como efeito dessa
transformação, foi possível perceber alguns sinais importantes: as pessoas dispostas a
trocar remuneração por desenvolvimento no final da década de 90, a criação e
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ampliação rápida de cursos de pós-graduação e da ideia de educação continuada ao
longo da década de 90 e a mobilidade das pessoas se dando em função da busca de
condições de desenvolvimento ao longo desta década.
Postura das pessoas em relação ao seu desenvolvimento e carreira
No Brasil, a postura das pessoas em relação ao seu desenvolvimento vem
sofrendo grandes transformações ao longo dos últimos 20 anos. Na década de 90, as
pessoas passaram a se preocupar muito mais com a sua autonomia e a sua liberdade.
Isso mudou o panorama da relação entre pessoas e organizações no Brasil. Na década de
90, ainda, foi possível observar pessoas mais preocupadas com o seu desenvolvimento e
dispostas a investir nesse processo, com ou sem a ajuda da organização. A partir dessa
década, as organizações começaram a ser pressionadas a uma postura de maior abertura,
de serem mais participativas na relação com as pessoas. As organizações mais abertas e
participativas têm melhores condições de criar nas pessoas uma relação de compromisso
com os valores e objetivos da organização, em contrapartida, as organizações mais
controladoras e autoritárias têm grande dificuldade de construir esse comprometimento.
Na primeira década dos anos 2000, as pessoas se deram conta de que vivem e
viverão por mais tempo, em suma, perceberam de forma objetiva uma maior
longevidade. Essa longevidade veio acompanhada de novas possibilidades e novas
demandas, como, por exemplo: manter-se útil, manter-se independente financeiramente
e manter a qualidade de vida. A essa longevidade são contrapostas novas situações, uma
delas é que as carreiras estão mais curtas e, portanto, as pessoas fecham ciclos
profissionais em tempo mais curtos, com a necessidade de várias carreiras ao longo de
suas vidas. A necessidade das pessoas de mudarem suas carreiras é um evento
observado de forma mais intensa nesta década e é chamado de transição de carreira. A
transição de carreira era raramente observada na década passada, isso porque uma
transição de carreira é algo que as pessoas evitam por ser muito desgastante
emocionalmente. Esse desgaste se dá porque a pessoa, ao mudar de carreira, está
alterando sua identidade profissional, e em alguns casos a intensidade desse desgaste
pode se comparar a uma separação conjugal.
Outra situação que se apresenta junto com a maior longevidade é a demografia,
pois houve no Brasil uma explosão de nascimentos no período de 1970 a 1985. Os
nascidos nesse período são considerados os “babyboomers” brasileiros. Essas pessoas
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entraram no mercado a partir dos anos 90 e, atualmente, exercem pressão por espaços
nas organizações. Essa pressão por parte dos nossos babyboomers faz com que as
organizações expulsem do mercado as pessoas com mais de 50 anos. Estima-se que a
aposentadoria estabelecida pelo mercado é hoje de 55 anos. Para exemplificar, empresas
como Bradesco, Grupo Camargo Corrêa, Grupo Votorantim, entre outras, estabeleceram
como idade compulsória de aposentadoria os 60 anos. As pessoas nessa faixa etária,
embora formalmente aposentadas, têm muita vitalidade e, dificilmente, caminharão para
a completa inatividade, implicando na procura de atividades diferentes, tais como
negócio próprio, docência, atividades filantrópicas etc. Essas pessoas são pressionadas,
nesse momento, a viver uma transição de carreira.
Outra consequência da longevidade é a presença de pessoas de diferentes faixas
etárias disputando o mesmo espaço no mercado de trabalho. Um exemplo disso pode ser
observado nos concursos públicos, nos quais concorrem pessoas em diferentes
momentos de sua vida.
Observa-se, também, que a volatilidade do conhecimento e da informação se
acentuou na primeira década dos anos 2000, devendo se acentuar cada vez mais no
futuro. As pessoas se sentem desorientadas com essa volatilidade, sem saber como
pensar seu desenvolvimento e como filtrar a enorme quantidade de conhecimentos e
informações ao seu dispor. Muitas pessoas têm demandado dos especialistas uma
orientação sobre quais são as exigências do mercado: o mercado privilegia o especialista
ou privilegia o generalista? O que pode ser constatado é que o mercado deseja, na
mesma pessoa, o especialista e o generalista, ou seja, a pessoa deve se desenvolver nas
duas direções, aprofundando-se em sua área de especialização e, ao mesmo tempo,
adquirindo uma visão ampla do contexto onde vive.
Para as próximas décadas já se vislumbra uma importância crescente da carreira
subjetiva. De acordo com essa visão, as pessoas escolhem suas carreiras e organizações
em função de valores, da relação com a família e outras questões éticas e de
responsabilidade social, em detrimento da carreira objetiva, cargos, posições e salários
definidos. Como evidência da importância da carreira subjetiva, vemos a preocupação
dos pais e avós com a carreira de seus filhos e netos, na medida em que encontramos
várias gerações trabalhando ao mesmo tempo no mercado de trabalho: já é possível
observar casos de três gerações de uma mesma família no mercado de trabalho
simultaneamente, o que era muito raro no passado. Outra evidência são jovens norte-
americanos baixarem o ritmo de trabalho quando têm seus filhos, para se dedicarem
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mais intensamente à sua família, e depois, num momento seguinte, voltarem a um ritmo
mais acelerado em relação à sua carreira (MAINIERO e SULLIVAN, 2006).
O novo contrato psicológico
O novo contrato psicológico está assentado no desenvolvimento mútuo, ou seja,
a relação entre pessoa e organização se mantém na medida em que a pessoa contribui
para o desenvolvimento da organização e a organização, para o desenvolvimento da
pessoa. O desenvolvimento organizacional está cada vez mais atrelado ao
desenvolvimento das pessoas e, ao mesmo tempo, as pessoas valorizam cada vez mais
as condições objetivas oferecidas pela empresa para o seu desenvolvimento. Esse novo
contrato envolveu inicialmente os segmentos mais competitivos do mercado e hoje
abrange toda a nossa sociedade e todos os tipos de organização: públicas, privadas e
organizações da sociedade civil (terceiro setor).
Esse novo contrato psicológico altera substancialmente o papel das pessoas e da
empresa na gestão de pessoas. Entretanto, observamos que a maior parte das empresas
brasileiras tem suas práticas baseadas em um modelo tradicional de gestão de pessoas,
considerando modelos de gestão como sendo constituídos por um conjunto de
pressupostos, práticas e instrumentos de gestão (BREWSTER e HEGEWISCH, 1994;
FISCHER, 2002; ULRICH, 1997). Esse modelo tradicional tem sua gênese nos
movimentos de administração científica, na busca da pessoa certa para o lugar certo, e
estão ancorados no controle como referencial para encarar a relação entre as pessoas e a
organização (BRAVERMAN, 1974; GORZ, 1973; FRIEDMANN, 1964; HIRATA et
al., 1991; FLEURY e FISCHER, 1992). O controle do qual falamos é o pressuposto de
que a empresa sabe o que é melhor para seus empregados e, portanto, determina
treinamentos e ações de desenvolvimento a serem empreendidas pelas pessoas,
determina movimentações e as condições de trabalho. No modelo tradicional, a pessoa
tem um papel passivo e submisso, já que é o objeto do controle, enquanto a realidade
atual do mercado exige uma pessoa com papel ativo em relação ao seu
desenvolvimento, como condição necessária para a sua contribuição para o
desenvolvimento organizacional.
No Brasil a efetividade de uma prática calcada no mútuo desenvolvimento
esbarra em questões culturais. Embora o brasileiro esteja preocupado com o seu
desenvolvimento, raramente assume a gestão dele e de sua carreira, normalmente cobra
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da empresa a oferta de situações e de oportunidades de aprendizagem (DUTRA, 1996).
De outro lado, a empresa brasileira tem normalmente uma postura de proteção e
provimento, o que vai ao encontro das ansiedades das pessoas, mas camufla uma forma
sutil de controle. Esses comportamentos são fruto de como as pessoas foram educadas
para trabalhar as suas carreiras, como discutiremos a seguir, e da forma como as
organizações veem o desenvolvimento das pessoas. O conhecimento sobre o modo
como as pessoas se movimentam nas organizações e no mercado ajuda a promover uma
gestão mais adequada do desenvolvimento das pessoas, na qual as responsabilidades
possam ser compartilhadas pelas próprias pessoas e pela empresa.
Como vimos no capítulo 1, a carreira tem sido definida de forma
contemporânea como uma sucessão de experiências profissionais e pessoais (GUNS e
PEIPERL, 2007, ARTHUR, 1999 e HALL, 2002); essa sucessão, entretanto, apresenta
padrões que permitem o seu estudo. Baseados nos conceitos de competência e
complexidade, fomos observando padrões de como essa sucessão de experiências se
comporta nas organizações. Para permitir que o leitor acompanhe o processo de reflexão
e de descobertas é apresentada, a seguir, uma revisão dos conceitos de competência e
complexidade. Esses conceitos foram incorporados ao longo da realização dos estudos
sobre gestão de carreiras.
Referenciais conceituais para compreender a gestão de carreiras
Revisitando o conceito de competência
Durante os anos 80 no Brasil era possível constatar a existência de uma
organização “subterrânea” em termos de gestão de pessoas. Subterrânea por não existir
de forma consciente, nem para os profissionais da área de recursos humanos, nem para
os gestores da empresa. Essa organização subterrânea operava da seguinte forma: o
gestor tomava uma decisão sobre alguém de sua equipe e depois verificava a
possibilidade de implementá-la dentro do sistema formal. Caso este não conseguisse dar
as respostas adequadas, o gestor e/ou o profissional de recursos humanos efetuava
“acertos” e “gambiarras” ou sabotava o sistema formal. Exemplo típico dessa
sabotagem era a criação de cargos para justificar aumentos salariais ou para distinguir as
pessoas das demais em função de sua contribuição para a empresa ou negócio.
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No final dos anos 80 e início dos anos 90, buscando compreender melhor esse
fenômeno, foi possível observar que, nessa organização subterrânea, os gestores
tomavam decisões sobre as pessoas em função de sua agregação de valor para o meio.
Em empresas sadias, a agregação de valor é para a empresa ou para o negócio, mas em
empresas em situações patológicas, essa agregação de valor é para um "feudo" ou para a
chefia imediata ou mediata. Essas observações nos permitiram concluir que a
valorização da pessoa pela organização, através de aumentos salariais, promoções ou
ganho de espaço político ocorre a partir da agragação de valor. Desse modo, embora o
sistema formal avalie as pessoas pelo que fazem, ou seja, por suas atividades e funções,
de fato o processo de valorização leva em conta as contibuições da pessoa, sua entrega,
sua agregação de valor. Procuramos um conceito para nos ajudar a compreender com
maior profundidade esse fenômeno, o conceito encontrado foi o da competência,
utilizado inicialmente pelos franceses. Essa abordagem foi desenvolvida para oferecer
suporte a movimentos de qualificação profissional em pequenas e médias empresas do
setor moveleiro, em meados da década de 80 (ZARIFIAN, 2001). A base desse conceito
é o deslocamento do foco sobre a qualificação do trabalhador e suas características
(MCCLELLAND, 1973) para a forma como a pessoa mobiliza sua qualificação,
características e repertório de vida em um determinado contexto, de modo a agregar
valor para o meio no qual se insere (BOTERF, 1995, 2000, 2001 e 2003 e FLEURY,
2000). Autores como Boterf (1995, 2000, 2001 e 2003) e Zarifian (1996 e 2001)
exploram o conceito de competência associado à ideia de agregação de valor e entrega,
em um determinado contexto, de forma independente do cargo, isto é, a partir da própria
pessoa. Essa construção do conceito de competência explica de forma mais adequada o
que observamos na realidade das empresas atuando no Brasil.
Vários autores procuraram estruturar o desenvolvimento do conceito de
competência e/ou efetuar uma revisão bibliográfica, juntando as várias abordagens.
Dentre eles, cabe destacar os seguintes: Parry (1996), McLagan (1997) e Woodruffe
(1991). A partir do início dos anos 90, empregou-se o conceito de competência em
trabalhos de intervenção em empresas brasileiras e na adaptação, em empresas
multinacionais, de estruturas de gestão de pessoas globais para a realidade brasileira
(DUTRA et al., 1999). Os resultados foram bons, mas a aplicação do conceito de
competência abrangia apenas alguns aspectos da gestão de pessoas nessas empresas. A
primeira oportunidade de aplicação do conceito em um sistema integrado de gestão de
pessoas ocorreu em 1996 e 1997 em uma empresa do setor de telecomunicações
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(DUTRA et al., 1999). A partir da pesquisa-ação, em que os conceitos foram
transformados em instrumentos de gestão e, ao mesmo tempo, em que o conjunto de
gestores da empresa passou a ser partícipe da construção desses instrumentos, foi
possível discutir aspectos importantes da gestão de pessoas. Destacam-se os seguintes:
Entrega exigida pela organização – foram questionadas as abordagens
metodológicas para a determinação das entregas exigidas das pessoas. A origem
dessas entregas deveria estar no intento estratégico da empresa. Ao mesmo
tempo, não era possível pensar que haveria o mesmo padrão de entrega para
diferentes grupos profissionais dentro da empresa;
Caracterização da entrega – A forma de descrever a entrega exigida das
pessoas deveria ser facilmente identificável e o mais objetiva possível. Essa era
uma questão da maior relevância, pois teria influência nos parâmetros
remuneratórios e deveria contemplar as limitações legais impostas pela Justiça
do Trabalho brasileira;
Forma de mensurar a entrega – Além da descrição objetiva da entrega
havia o desafio de criar uma escala para mensurá-la.
Essas discussões foram importantes para a validação do conceito de
competência e sua transformação em instrumento de gestão. Foi também importante
para consolidar a agregação do conceito de complexidade ao de competência, visando à
obtenção dos resultados necessários. Finalmente, vale ressaltar a percepção, com maior
nitidez, da possibilidade de integrar a gestão de pessoas ao intento estratégico da
empresa por meio da discussão das competências organizacionais. Essa temática já
vinha sendo trabalhada no Brasil por Fleury (FLEURY, 2000) a partir “da abordagem
dos recursos da firma”, pela qual se verifica a interação entre o intento estratégico, as
competências organizacionais e as competências individuais (FLEURY, 2000:57 e
RUAS, 2002).
Agregando o conceito de complexidade ao de competência
Nos primeiros trabalhos em que foi utilizado o conceito de competência,
verificou-se uma limitação natural na sua aplicação. Oriundo da escola americana, o
conceito tinha como ponto de partida o cargo e depois a adequação da pessoa a ele.
Mesmo em trabalhos de autores como Boyatzis (1982), que procura ampliar o conceito
de cargo para um conjunto de expectativas em relação à pessoa no contexto
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organizacional, não há aprofundamento da questão. Os autores que buscam efetuar uma
discussão mais profunda do cargo, como Lawler (1990, 1992 e 1996), não conseguem
propor algo consistente que possa substituí-lo como referência na gestão de pessoas
dentro das organizações. A análise das empresas, entretanto, revelou que o cargo estava
longe de expressar a realidade da gestão de pessoas. No final dos anos 80 e início dos
anos 90, já era comum encontrar várias pessoas no mesmo cargo, com o mesmo salário
e entregando coisas bem diferentes para a organização, sem que esta tivesse ferramentas
confiáveis para mensuração, avaliação e tomada de decisão.
Os autores franceses, por sua vez, apesar de centrar a avaliação nas pessoas e
revendo a ideia de cargo (ZARIFIAN, 2001), não propunham alternativas. Procurou-se
responder às seguintes questões: Como mensurar a entrega e a agregação de valor da
pessoa para a empresa, o negócio ou o meio em que se insere? Como estabelecer
parâmetros para a valorização da pessoa em função da entrega? Como orientar as
pessoas para que ampliem sua capacidade de agregar valor?
Sabia-se que o cargo já não era uma referência. Alguns fatos ajudaram a
encontrar o caminho. Um deles foi a possibilidade de efetuar trabalhos em uma
subsidiária no Brasil de uma empresa inglesa, onde foi possível entrar em contato com a
adaptação do sistema McBer (SPENCER e SPENCER, 1993) ali efetuada. Essa
adaptação é trabalhada por Boulter (1992) que apresenta vários trabalhos realizados na
Europa sobre o tema, e mostra a necessidade da empresa de criar gradações nas
competências para avaliação mais adequada de seus gerentes. Verificou-se, através de
vários trabalhos acadêmicos e de consultoria realizados ao longo dos anos 90, que em
subsidiárias no Brasil de outras empresas internacionais ocorrera o mesmo com o uso do
conceito de competências proposto pela McBer, e que a própria empresa de consultoria
já oferecia essa gradação aos novos clientes. Em 1989, a Hay, empresa americana
especializada em remuneração adquirida a McBer, empresa americana com foco no
desenvolvimento a partir de competência, com a criação da Hay/McBer, a proposição
das competências já trazia propostas de gradação. Observou-se que as gradações, nas
empresas estudadas, apresentavam formatações diferentes, mas todas tinham em comum
a tentativa de estabelecer padrões de complexidade (DUTRA, 2004).
A busca por sistemas de remuneração e carreira “fáceis de aplicar” conduziu
teóricos (JACQUES, 1994 e STOMP, 1994a) e consultores (BOULTER, 1992) ao uso
de padrões de complexidade para explicar as diferenças de contribuição das pessoas.
Padrões para mensuração de complexidade não eram novidade, já que existiam de
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forma estruturada desde a década de 50. Foram padrões desse tipo que a Hay utilizou
para desenvolver sua sistemática de remuneração e que a tornaram mundialmente
conhecida. Seu sistema de diferenciação de cargos não considerava unicamente o
posicionamento do cargo na estrutura de comando, incluía uma série de fatores que
mensuravam a complexidade da posição. Desse modo, pessoas em mesmo nível de
comando poderiam ter padrões de remuneração diferenciados em função da
complexidade de suas posições. Sempre houve por trás dessa proposta a premissa de
que a agregação de valor estava vinculada ao nível de complexidade das atribuições e
responsabilidades do cargo. Para definir complexidade, a Hay utilizou as seguintes
variáveis: amplitude gerencial, conhecimentos técnicos, complexidade das atribuições
(quanto menos estruturada, maior a complexidade) e complexidade das
responsabilidades (medida em termos de grau de autonomia decisória, de impacto nos
resultados e de abrangência da decisão). A Hay, embora tenha revolucionado a gestão
de remuneração na década de 50, começou a ser questionada a partir dos anos 80 por
utilizar o cargo como referência, a falência do cargo como elemento de caracterização
da contribuição da pessoa para a organização, fez com que algumas empresas
começassem a contestar a eficiência dessa sistemática. Algumas dessas empresas
buscaram novas alternativas, tais como a Unilever, que em 1994 implantou um sistema
com base em conceitos desenvolvidos a partir do trabalho de Jaques (1967, 1988, 1990,
1994) e ampliados posteriormente por Robottom e Billis (1987) e Stamp (1989, 1993,
1993j, 1994j, 1994a), esses conceitos buscavam verificar fatores de complexidade no
processo decisório. Outro exemplo foi a DuPont, que inseriu em seu sistema de carreira
os conceitos desenvolvidos por Dalton e Thompson (1993) que buscaram caracterizar a
complexidade das atribuições e responsabilidades no processo de desenvolvimento.
Ao abandonar-se o cargo como referência, foi gerada a necessidade de se
cunhar um termo que explicasse o conjunto de atribuições e responsabilidades das
pessoas dentro de uma organização. Os autores de língua inglesa utilizavam job como
expressão genérica e que se confunde com a ideia de cargo. Passamos a utilizar a
expressão “espaço ocupacional” para expressar o conjunto de atribuições e
responsabilidades das pessoas e constatamos que o espaço que elas ocupam é dinâmico.
O que no início era uma expressão se tornou gradativamente um conceito. Verificou-se,
também, que a dinâmica do espaço ocupacional de uma pessoa na organização e sua
demarcação em determinado momento são estabelecidas, de um lado, pelas
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necessidades da empresa, negócio ou meio ambiente, e, de outro, pela capacidade da
pessoa de atender a essas necessidades.
Para explicar melhor, é necessário estabelecer uma distinção entre
complexidade e dificuldade. Se uma atividade de difícil execução puder ser
sistematizada e reproduzida com facilidade por outros profissionais de mesmo nível, ela
deixa de ser complexa, mas continua sendo de difícil execução, como intervenções
cirúrgicas para extração de apêndice ou tonsilas; embora difíceis, porque uma pessoa
sem um preparo em medicina dificilmente poderia executá-las, não são complexas, pois
são atividades facilmente incorporáveis ao repertório do cirurgião. Um transplante de
coração, por sua vez, mesmo que possa ser sistematizado, requer o conhecimento de
especialidades diferentes e a possibilidade de ocorrências inesperadas é muito grande.
Desse modo, o transplante de coração é uma atividade de grande complexidade e irá
exigir do profissional, que lidera uma equipe de cirurgiões, larga experiência,
legitimidade perante seus colegas e que ele tenha dado mostras para seus clientes de que
é competente para executar esse tipo de intervenção cirúrgica. Pode ser que, em futuro
próximo, com os avanços da medicina, essa intervenção deixe de ser complexa, mas
continuará sendo de difícil execução. Analogamente, na realidade vivida nas
organizações modernas, em ambiente em constante transformação, a complexidade não
está na situação em si, mas no que ela exige da pessoa. Esse padrão de exigência é a
base para a construção de novas fitas métricas.
A complexidade permitiu estabelecer uma definição operacional de
desenvolvimento: a pessoa se desenvolve quando é capaz de realizar atribuições e
assumir responsabilidades mais complexas. A complexidade nos permitiu compreender
que a carreira é uma sucessão de degraus de maior complexidade. Por exemplo: temos
uma empresa que cresceu nos últimos três anos a uma razão de 100% ao ano e nessa
empresa há um gestor que ao longo desses três anos ocupa o mesmo cargo e a mesma
posição no organograma, porém há três anos atrás estava em uma empresa de tamanho
x, hoje encontra-se em uma empresa de tamanho 8x, ou seja, oito vezes maior, o seu
cargo tem uma complexidade muito maior do que há três anos. Portanto, estamos
equivocados quando tomamos como referência o cargo ou posição no organograma para
analisarmos o posicionamento na carreira ou o desenvolvimento da pessoa.
O estudo da complexidade nos permitiu observar como a pessoa se qualifica
para lidar com níveis de complexidade crescente. Em trabalhos realizados por Stamp
(1989,1993, 1993j, 1994 e 1994a), foi possível associar o nível de compreensão do
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contexto pela pessoa ao nível de complexidade com o qual ela consegue lidar. O nível
de compreensão do contexto foi chamado por Stamp (1989) de "nível de abstração", que
é ampliado quando a pessoa enfrenta uma situação mais exigente. A ampliação do nível
de abstração permite que a pessoa possa enfrentar situações mais exigentes e, portanto,
mais complexas, num ciclo contínuo de desenvolvimento. Há uma correspondência
entre o nível de abstração e o nível de complexidade no qual a pessoa é capaz de atuar.
Essa constatação é importante porque uma pessoa que atua em um determinado nível de
complexidade e em uma determinada carreira, ao decidir mudar de carreira, terá a
condição de mudar para a nova carreira no mesmo nível de complexidade. A pessoa
consegue atuar em uma nova carreira que exige novos conhecimentos e habilidades no
mesmo nível de complexidade porque consegue compreender as demandas do novo
contexto sobre ela, mobilizar seu repertório para atender essas demandas e perceber
imediatamente quais suas carências em termos de conhecimento, habilidades e
comportamento. Há uma tendência para que os conhecimentos e habilidades se tornem
desatualizados com muita velocidade, o que nos diferencia é o que fazemos com nossos
conhecimentos e habilidades, portanto, o nível de abstração da pessoa é o seu grande
patrimônio, ela o levará para onde for. A maneira pela qual ampliamos nosso nível de
abstração é o enfrentamento de desafios crescentes. Desse modo, se uma pessoa
permanecer fazendo repetitivamente a mesma tarefa ou atividade estará se
desenvolvendo muito pouco ao contrário, se for continuamente desafiada a realizar
atividades de complexidade crescente, experimentará desenvolvimento contínuo.
Impacto dos conceitos na compreensão do desenvolvimento profissional e carreira
Desajustes entre a realidade organizacional e o sistema formal de gestão de pessoas
Ao pensarmos a carreira como uma sucessão de degraus de complexidade e o
desenvolvimento como a incorporação de atribuições e responsabilidades mais
exigentes, podemos compreender alguns fenômenos organizacionais:
Há um descompasso em como o sistema formal da empresa percebe as
pessoas e como se dá a realidade organizacional, como, por exemplo, as pessoas
são tratadas como se desenvolvessem e crescessem em suas carreiras aos
soluços, uma pessoa ocupa a posição de júnior e, do dia para a noite, como se
ungida por obra divina, passa a ocupar a posição de pleno. Na prática, essa
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pessoa foi assumindo gradativamente situações mais exigentes e, quando passa a
assumir atribuições e responsabilidade de complexidade equivalente ao nível
pleno, é reconhecida e promovida. Nesse intervalo, entretanto, não recebeu
nenhum reconhecimento ou sinalização sobre o seu desenvolvimento. Essa
postura da organização coloca em risco sua capacidade de retenção das pessoas
que estão em processo de desenvolvimento;
Há um desequilíbrio perigoso entre a remuneração de pessoas com
diferentes níveis de contribuição para a empresa. O sistema formal leva em
conta, geralmente, o que a pessoa faz para definir o nível remuneratório,
entretanto, todas as decisões sobre a pessoa são tomadas em função de sua
contribuição. Naturalmente o gestor, mais próximo das pessoas, percebe esse
diferencial de contribuição, mas tem poucos recursos, através do sistema formal
de gestão, para efetuar as recompensas adequadas aos diferentes níveis de
contribuição;
O desenvolvimento das pessoas está diretamente ligado aos desafios
enfrentados por elas, como vimos. Os programas de capacitação, na maior parte
das organizações, visam à melhora da eficiência das pessoas na posição que
ocupam. Foi possível verificar, por meio do estudo em diferentes empresas
brasileiras (Dutra, 2004, 2008), que raramente os programas de desenvolvimento
ou capacitação estimulam nas pessoas o confronto com situações mais exigentes,
quer na formulação dos conteúdos, quer na orientação oferecida para as
lideranças.
A partir dessas constatações, podemos discutir sobre a gestão estratégica de
pessoas nas organizações a partir da carreira. Para isso, escolhemos alguns temas que
têm gerado grande impacto nas organizações.
Limitações impostas pelo pacto de mútuo desenvolvimento
O novo pacto, descrito neste capítulo, levou as empresas a oferecerem mais
condições para o desenvolvimento das pessoas, sem que houvesse, entretanto, condições
para absorver todas as pessoas desenvolvidas. Essa nova realidade foi ocasionando
transformações na configuração dos quadros das empresas, exigindo pessoas mais
capacitadas. A estrutura dos quadros operacionais em empresas de base tecnológica, dos
quadros de profissionais técnicos e dos quadros gerenciais foi deixando de se
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assemelhar a uma pirâmide para se assemelhar a um pote. Nessa nova configuração há
uma baixa demanda por pessoas para lidar com situações pouco exigentes e por pessoas
para lidar com situações que exigem altíssima especialização. Há uma grande demanda
por pessoas para lidar com situações exigentes, mas com um nível de maturidade
equivalente ao que o mercado classifica como pleno e sênior, como, por exemplo, o
quadro de engenheiros em uma empresa de base tecnológica, onde há baixa demanda
por engenheiros muito juniores e por engenheiros acima do nível sênior e uma maior
demanda por engenheiros de nível pleno e sênior.
Pesquisando empresas dos setores petroquímico e elétrico no início desta
década, foi possível (DUTRA, 2004) notar que as posições de alto nível das carreiras
técnicas estavam totalmente preenchidas, obstruindo as possibilidades de progressão na
carreira dos níveis inferiores. Os jovens engenheiros, ao entrarem nessas empresas,
percebiam um horizonte muito curto para seu desenvolvimento e saiam das empresas ou
do setor. Com o tempo, o nível intermediário da carreira, onde havia a maior demanda
por profissionais, foi se esvaziando e isso foi gerando alguns efeitos perversos:
Jovens engenheiros sendo demandados para assumir precocemente
responsabilidades de maior nível de complexidade, porém sem perspectivas de
crescimento no longo prazo, ocasionando a rotatividade da carreira desses
profissionais no nível júnior e pleno. Essa rotatividade era ocasionada por não
haver perspectivas concretas de crescimento na carreira em um espaço de tempo
compatível com outras carreiras existentes no mercado;
Como a demanda da empresa se concentra em níveis de complexidade
equivalentes ao nível intermediário da carreira e como havia poucas pessoas
para fazer frente a essa demanda, os engenheiros mais experientes tiveram que
acumular responsabilidades de menor complexidade, frustrando-os por terem
sua capacidade subutilizada;
Mesmo assim, havia necessidade de suprir essa demanda e as alternativas
foram: buscar pessoal sênior no mercado, pagando salário de mercado, mas com
baixa capacidade de retenção, já que eles não viam possibilidade de crescimento
no longo prazo, e buscar pessoal já aposentado, agravando o quadro de
progressão dentro da carreira para o pessoal mais jovem;
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Pressão sobre a massa salarial pela retenção, por muito tempo, das
pessoas muito seniores e pela necessidade de trazer do mercado pessoas com
maior experiência;
Dificuldade de repor o pessoal no topo da carreira por não haver pessoas
preparadas no nível intermediário;
Dificuldade para gestão do conhecimento: na medida em que o pessoal se
aposenta, leva consigo capacidade técnica e gerencial da empresa, por não haver
para quem passar o conhecimento, já que existe falta de pessoas para fazer a
ligação entre os profissionais muito seniores e o pessoal que está no início da
carreira.
Em pesquisas em setores de grande mobilidade, como o financeiro e de
operações em telefonia, observamos (DUTRA, 1999) fenômeno semelhante em termos
de configuração de carreira e efeitos perversos. Os motivos são diferentes: enquanto nos
setores petroquímico e elétrico o fenômeno se dá pela baixa mobilidade, no setor
financeiro e de operações em telefonia se dá pelo fato dessas empresas não terem
paciência em esperar a formação das pessoas.
Qual a solução? Criar uma rotatividade mais ampla, ou seja, perder aqueles
profissionais mais experientes? Administrar por crise e solucionar caso a caso? Criar
outras opções de carreira? O que temos visto, em trabalhos de intervenção através de
consultoria, são empresas agindo de forma intuitiva e fazendo todas essas coisas ao
mesmo tempo. Entretanto, por ser de forma intuitiva, não têm consciência do problema,
já que atuam sobre as consequências e não sobre as causas. Desse modo, não
conseguem eliminar o agente causador do problema. Para eliminar o agente causador,
haveria necessidade de uma revisão na lógica do fluxo de carreira. Essa lógica deveria
prever um crescimento das pessoas até o nível sênior e, após esse momento, preparar as
pessoas para saírem da carreira ou da empresa. Isso é importante porque alguns
parâmetros foram se alterando ao longo desta década no Brasil:
As carreiras estão mais curtas, as pessoas estão percorrendo e espectro de
suas carreiras em um intervalo de tempo menor;
As pessoas estão mais ligadas ao seu desenvolvimento e o mercado tem
oferecido, com um fator de atração e retenção, a aceleração na carreira, ou seja,
em um intervalo de tempo menor a pessoa se desenvolve mais e passa a valer
mais no mercado;
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As pessoas estão se preparando para vivenciar diferentes carreiras ao
longo de suas vidas. O auxílio às pessoas para se tornarem aptas para outras
carreiras torna-se algo cada vez mais valorizado pelo mercado;
Outras dimensões da vida das pessoas vêm ganhando importância e, cada
vez menos, estão dispostas a abrir mão da família, amigos e ações comunitárias
em prol de sacrifícios profissionais.
Frente a esse quadro, a revisão do fluxo de carreira implica em:
Oferecer para os profissionais uma progressão profissional ajustada às
características do setor onde a empresa atua;
Abrir posições no topo da carreira, estimulando as pessoas que lá chegam
a pensarem em alternativas de carreira;
Preparar as pessoas para saírem da carreira ou da empresa a partir de um
determinado ponto de suas trajetórias;
Oferecer, aos profissionais localizados no topo de suas carreiras, desafios
ligados à formação de profissionais que estão iniciando suas carreiras.
Enfim, o discurso da retenção de talentos necessita ser revisitado, é necessário
considerar que perder talentos talvez seja o caminho para formar talentos em um fluxo
contínuo. Um fluxo necessário ao contínuo rejuvenescimento da empresa.
Lacuna de complexidade nos processos de desenvolvimento profissional
Um aspecto importante da constatação de que a carreira é uma sucessão de
degraus de complexidade é analisarmos a inexistência de determinados degraus nas
trajetórias propostas pelas organizações. Vamos supor que um analista esteja se
desenvolvendo, porém o limite de complexidade do seu trabalho esteja bem abaixo do
menor nível de complexidade da trajetória para onde poderia ir como, por exemplo, uma
trajetória gerencial. Nesse caso, jamais os analistas estarão preparados para assumir a
posição gerencial e, portanto, toda a vaga gerencial terá que ser preenchida por alguém
vindo de fora da empresa ou da área. Vamos utilizar uma empresa de leasing, com a
qual trabalhamos, como exemplo: nessa empresa havia uma equipe de retaguarda
composta por 35 pessoas, onde as posições de maior complexidade entre os analistas
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ficavam bem abaixo do menor nível de complexidade do gerente. As consequências,
neste caso, foram as seguintes:
Inexistência de pessoas preparadas para as posições gerenciais;
A lacuna de complexidade tendeu a ser ocupada por quem estava na
posição de maior complexidade, gerando um sobretrabalho para os gerentes;
Tendência de os gerentes assumirem uma grande carga de trabalho
operacional, gerando pouco espaço para o seu desenvolvimento. Desse modo, as
posições diretivas também não eram ocupadas pelo pessoal interno.
Essa situação reflete muitas situações encontradas nas empresas sem que elas
tenham consciência do que está havendo. Esse fenômeno foi chamado no Brasil de
efeito “árvore de Natal”, em que a cada nível se tem uma base operacional sem
condições de acesso ao nível seguinte, gerando um grande funil. Se olharmos para a
empresa como um todo, veremos vários funis que, em conjunto, dão a aparência de uma
árvore de Natal.
Essas lacunas têm sido responsáveis pela dificuldade, em muitas empresas, para
a preparação de sucessores, na medida em que, entre os diferentes níveis gerenciais da
organização são encontradas lacunas de complexidade. Esse tema será aprofundado no
capítulo sobre processo sucessório.
Considerações finais
A compreensão da dinâmica das carreiras nas organizações e no mercado de
trabalho permite enxergar problemas e armadilhas na gestão de pessoas que não
conseguiríamos perceber de outra forma. Se olharmos para o futuro, é possível
visualizar situações muito mais exigentes e que demandarão sistemas de gestão de
pessoas muito mais precisos e ajustados à realidade organizacional. Como exemplo,
podemos imaginar que, em algum momento na década de 2010, o trabalho a distância se
tornará irresistivelmente vantajoso em termos econômicos; nessa situação, como será a
gestão de pessoas? Como poderemos trabalhar carreira e remuneração a distância?
Como dar mais sentido às ações de desenvolvimento e capacitação? Como preparar as
lideranças? Enfim, são muitas as questões que surgem, mas a principal será como criar e
sustentar o comprometimento das pessoas com os objetivos e propostas
organizacionais? Como criar e sustentar o vínculo das pessoas com os valores
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organizacionais? Em uma realidade mais exigente, a compreensão sobre o que as
pessoas passarão a valorizar, sobre suas necessidades e expectativas, sobre as pressões
às quais estarão submetidas fará uma grande diferença na construção do
comprometimento, na capacidade de captação e retenção de pessoas pela empresa
contemporânea.
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