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1 GESTÃO DE CARREIRAS NA EMPRESA CONTEMPORÂNEA Capítulo 2 Carreira e gestão estratégica de pessoas Joel Dutra Introdução Ao longo dos últimos 30 anos, temos pensado na gestão de carreira como um ângulo privilegiado para analisar a estratégia da gestão de pessoas. Atualmente, com base em várias pesquisas realizadas e em trabalhos com mais de 200 empresas no Brasil, é possível visualizar como analisar e intervir na realidade organizacional a partir do referencial de gestão de carreiras. O objetivo deste capítulo é expor os resultados dessas experiências e propor conceitos e ferramentas para gestão estratégica de pessoas. É importante ressaltar que a discussão sobre carreira é muito pobre no Brasil, tanto no âmbito da academia quanto no âmbito das organizações. Uma hipótese para explicar a escassez de textos e discussões é o fato de a carreira estar intimamente atrelada à remuneração e, portanto, projetos e discussões sobre carreira teriam um impacto importante na massa salarial da empresa. Isso gerou um processo de causalidade circular, em que as discussões sobre carreiras e remuneração ficaram travadas. Mexer nessa temática não é simples, por isso procuramos, neste capítulo, desenvolver um olhar estratégico e integrado sobre a gestão de pessoas através dos conceitos que nos ajudaram a entender a dinâmica das carreiras nas empresas e no mercado de trabalho. Para efetuar propostas de gestão estratégica de pessoas, este capítulo apresenta, inicialmente, transformações no contrato psicológico entre pessoas e organização, em seguida apresenta referenciais conceituais que auxiliam na compreensão da dinâmica da carreira nas empresas e para as pessoas, na sequência são apresentadas várias situações e experiências em que a compreensão das carreiras pode orientar decisões estratégicas sobre a gestão de pessoas e, finalmente, são apresentadas

GESTÃO DE CARREIRAS NA EMPRESA CONTEMPORÂNEA · base em várias pesquisas realizadas e em trabalhos com ... implicando na procura de atividades ... a empresa brasileira tem normalmente

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GESTÃO DE CARREIRAS NA EMPRESA CONTEMPORÂNEA

Capítulo 2

Carreira e gestão estratégica de pessoas

Joel Dutra

Introdução

Ao longo dos últimos 30 anos, temos pensado na gestão de carreira como um

ângulo privilegiado para analisar a estratégia da gestão de pessoas. Atualmente, com

base em várias pesquisas realizadas e em trabalhos com mais de 200 empresas no

Brasil, é possível visualizar como analisar e intervir na realidade organizacional a partir

do referencial de gestão de carreiras. O objetivo deste capítulo é expor os resultados

dessas experiências e propor conceitos e ferramentas para gestão estratégica de pessoas.

É importante ressaltar que a discussão sobre carreira é muito pobre no Brasil,

tanto no âmbito da academia quanto no âmbito das organizações. Uma hipótese para

explicar a escassez de textos e discussões é o fato de a carreira estar intimamente

atrelada à remuneração e, portanto, projetos e discussões sobre carreira teriam um

impacto importante na massa salarial da empresa. Isso gerou um processo de

causalidade circular, em que as discussões sobre carreiras e remuneração ficaram

travadas. Mexer nessa temática não é simples, por isso procuramos, neste capítulo,

desenvolver um olhar estratégico e integrado sobre a gestão de pessoas através dos

conceitos que nos ajudaram a entender a dinâmica das carreiras nas empresas e no

mercado de trabalho.

Para efetuar propostas de gestão estratégica de pessoas, este capítulo

apresenta, inicialmente, transformações no contrato psicológico entre pessoas e

organização, em seguida apresenta referenciais conceituais que auxiliam na

compreensão da dinâmica da carreira nas empresas e para as pessoas, na sequência são

apresentadas várias situações e experiências em que a compreensão das carreiras pode

orientar decisões estratégicas sobre a gestão de pessoas e, finalmente, são apresentadas

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tendências na gestão de pessoas e suas implicações para o futuro da gestão de pessoas

no Brasil.

Novo contrato entre pessoas e organizações

A gestão de pessoas pelas organizações passa por grandes transformações em

todo o mundo. Essas transformações vêm sendo motivadas pelo surgimento de um novo

contrato psicológico entre as pessoas e a organização. Esse novo contrato advém de um

ambiente mais competitivo, onde as organizações, para sobreviver, necessitam estar em

processo contínuo de desenvolvimento. O desenvolvimento organizacional está

intimamente ligado à capacidade de contribuição das pessoas que trabalham na

organização. Embora não esteja explicito nas organizações, a valorização das pessoas,

manifestada por aumentos salariais, promoções ou conquista de espaço político, se dá

na medida em que elas aumentam o seu nível de contribuição para o desenvolvimento

organizacional. Essa contribuição se manifesta de forma natural e muitas vezes não é

percebida nem pela organização e nem pela pessoa. Por exemplo, temos dois gestores:

um obtém os resultados esperados “esfolando viva” a sua equipe; outro obtém os

resultados esperados porque desenvolveu sua equipe, aprimorou procedimentos e/ou

introduziu no trabalho novos conceitos; os dois conseguiram os resultados, porém o

primeiro terá dificuldades em sustentá-lo ao longo do tempo, enquanto o segundo não

só conseguirá sustentá-lo como terá grande probabilidade de ampliá-lo. O exemplo

ilustra o tipo de cobrança que está cada vez mais presente nas organizações, onde é

demandado das pessoas que façam contribuições que a um só tempo obtenham os

resultados esperados e criem condições objetivas e concretas para resultados sustentados

e continuamente ampliados.

O novo contrato psicológico é influenciado, também, por alterações importantes

nas expectativas das pessoas em relação à organização. A partir de um ambiente mais

competitivo, as pessoas percebem rapidamente que sua mobilidade, tanto no interior da

organização quanto no mercado está atrelada ao seu contínuo desenvolvimento. As

pessoas passam a demandar das organizações a criação de condições objetivas e

concretas para o seu desenvolvimento contínuo, passam a assumir investimentos em seu

desenvolvimento e mudam valores na relação com as organizações. Como efeito dessa

transformação, foi possível perceber alguns sinais importantes: as pessoas dispostas a

trocar remuneração por desenvolvimento no final da década de 90, a criação e

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ampliação rápida de cursos de pós-graduação e da ideia de educação continuada ao

longo da década de 90 e a mobilidade das pessoas se dando em função da busca de

condições de desenvolvimento ao longo desta década.

Postura das pessoas em relação ao seu desenvolvimento e carreira

No Brasil, a postura das pessoas em relação ao seu desenvolvimento vem

sofrendo grandes transformações ao longo dos últimos 20 anos. Na década de 90, as

pessoas passaram a se preocupar muito mais com a sua autonomia e a sua liberdade.

Isso mudou o panorama da relação entre pessoas e organizações no Brasil. Na década de

90, ainda, foi possível observar pessoas mais preocupadas com o seu desenvolvimento e

dispostas a investir nesse processo, com ou sem a ajuda da organização. A partir dessa

década, as organizações começaram a ser pressionadas a uma postura de maior abertura,

de serem mais participativas na relação com as pessoas. As organizações mais abertas e

participativas têm melhores condições de criar nas pessoas uma relação de compromisso

com os valores e objetivos da organização, em contrapartida, as organizações mais

controladoras e autoritárias têm grande dificuldade de construir esse comprometimento.

Na primeira década dos anos 2000, as pessoas se deram conta de que vivem e

viverão por mais tempo, em suma, perceberam de forma objetiva uma maior

longevidade. Essa longevidade veio acompanhada de novas possibilidades e novas

demandas, como, por exemplo: manter-se útil, manter-se independente financeiramente

e manter a qualidade de vida. A essa longevidade são contrapostas novas situações, uma

delas é que as carreiras estão mais curtas e, portanto, as pessoas fecham ciclos

profissionais em tempo mais curtos, com a necessidade de várias carreiras ao longo de

suas vidas. A necessidade das pessoas de mudarem suas carreiras é um evento

observado de forma mais intensa nesta década e é chamado de transição de carreira. A

transição de carreira era raramente observada na década passada, isso porque uma

transição de carreira é algo que as pessoas evitam por ser muito desgastante

emocionalmente. Esse desgaste se dá porque a pessoa, ao mudar de carreira, está

alterando sua identidade profissional, e em alguns casos a intensidade desse desgaste

pode se comparar a uma separação conjugal.

Outra situação que se apresenta junto com a maior longevidade é a demografia,

pois houve no Brasil uma explosão de nascimentos no período de 1970 a 1985. Os

nascidos nesse período são considerados os “babyboomers” brasileiros. Essas pessoas

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entraram no mercado a partir dos anos 90 e, atualmente, exercem pressão por espaços

nas organizações. Essa pressão por parte dos nossos babyboomers faz com que as

organizações expulsem do mercado as pessoas com mais de 50 anos. Estima-se que a

aposentadoria estabelecida pelo mercado é hoje de 55 anos. Para exemplificar, empresas

como Bradesco, Grupo Camargo Corrêa, Grupo Votorantim, entre outras, estabeleceram

como idade compulsória de aposentadoria os 60 anos. As pessoas nessa faixa etária,

embora formalmente aposentadas, têm muita vitalidade e, dificilmente, caminharão para

a completa inatividade, implicando na procura de atividades diferentes, tais como

negócio próprio, docência, atividades filantrópicas etc. Essas pessoas são pressionadas,

nesse momento, a viver uma transição de carreira.

Outra consequência da longevidade é a presença de pessoas de diferentes faixas

etárias disputando o mesmo espaço no mercado de trabalho. Um exemplo disso pode ser

observado nos concursos públicos, nos quais concorrem pessoas em diferentes

momentos de sua vida.

Observa-se, também, que a volatilidade do conhecimento e da informação se

acentuou na primeira década dos anos 2000, devendo se acentuar cada vez mais no

futuro. As pessoas se sentem desorientadas com essa volatilidade, sem saber como

pensar seu desenvolvimento e como filtrar a enorme quantidade de conhecimentos e

informações ao seu dispor. Muitas pessoas têm demandado dos especialistas uma

orientação sobre quais são as exigências do mercado: o mercado privilegia o especialista

ou privilegia o generalista? O que pode ser constatado é que o mercado deseja, na

mesma pessoa, o especialista e o generalista, ou seja, a pessoa deve se desenvolver nas

duas direções, aprofundando-se em sua área de especialização e, ao mesmo tempo,

adquirindo uma visão ampla do contexto onde vive.

Para as próximas décadas já se vislumbra uma importância crescente da carreira

subjetiva. De acordo com essa visão, as pessoas escolhem suas carreiras e organizações

em função de valores, da relação com a família e outras questões éticas e de

responsabilidade social, em detrimento da carreira objetiva, cargos, posições e salários

definidos. Como evidência da importância da carreira subjetiva, vemos a preocupação

dos pais e avós com a carreira de seus filhos e netos, na medida em que encontramos

várias gerações trabalhando ao mesmo tempo no mercado de trabalho: já é possível

observar casos de três gerações de uma mesma família no mercado de trabalho

simultaneamente, o que era muito raro no passado. Outra evidência são jovens norte-

americanos baixarem o ritmo de trabalho quando têm seus filhos, para se dedicarem

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mais intensamente à sua família, e depois, num momento seguinte, voltarem a um ritmo

mais acelerado em relação à sua carreira (MAINIERO e SULLIVAN, 2006).

O novo contrato psicológico

O novo contrato psicológico está assentado no desenvolvimento mútuo, ou seja,

a relação entre pessoa e organização se mantém na medida em que a pessoa contribui

para o desenvolvimento da organização e a organização, para o desenvolvimento da

pessoa. O desenvolvimento organizacional está cada vez mais atrelado ao

desenvolvimento das pessoas e, ao mesmo tempo, as pessoas valorizam cada vez mais

as condições objetivas oferecidas pela empresa para o seu desenvolvimento. Esse novo

contrato envolveu inicialmente os segmentos mais competitivos do mercado e hoje

abrange toda a nossa sociedade e todos os tipos de organização: públicas, privadas e

organizações da sociedade civil (terceiro setor).

Esse novo contrato psicológico altera substancialmente o papel das pessoas e da

empresa na gestão de pessoas. Entretanto, observamos que a maior parte das empresas

brasileiras tem suas práticas baseadas em um modelo tradicional de gestão de pessoas,

considerando modelos de gestão como sendo constituídos por um conjunto de

pressupostos, práticas e instrumentos de gestão (BREWSTER e HEGEWISCH, 1994;

FISCHER, 2002; ULRICH, 1997). Esse modelo tradicional tem sua gênese nos

movimentos de administração científica, na busca da pessoa certa para o lugar certo, e

estão ancorados no controle como referencial para encarar a relação entre as pessoas e a

organização (BRAVERMAN, 1974; GORZ, 1973; FRIEDMANN, 1964; HIRATA et

al., 1991; FLEURY e FISCHER, 1992). O controle do qual falamos é o pressuposto de

que a empresa sabe o que é melhor para seus empregados e, portanto, determina

treinamentos e ações de desenvolvimento a serem empreendidas pelas pessoas,

determina movimentações e as condições de trabalho. No modelo tradicional, a pessoa

tem um papel passivo e submisso, já que é o objeto do controle, enquanto a realidade

atual do mercado exige uma pessoa com papel ativo em relação ao seu

desenvolvimento, como condição necessária para a sua contribuição para o

desenvolvimento organizacional.

No Brasil a efetividade de uma prática calcada no mútuo desenvolvimento

esbarra em questões culturais. Embora o brasileiro esteja preocupado com o seu

desenvolvimento, raramente assume a gestão dele e de sua carreira, normalmente cobra

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da empresa a oferta de situações e de oportunidades de aprendizagem (DUTRA, 1996).

De outro lado, a empresa brasileira tem normalmente uma postura de proteção e

provimento, o que vai ao encontro das ansiedades das pessoas, mas camufla uma forma

sutil de controle. Esses comportamentos são fruto de como as pessoas foram educadas

para trabalhar as suas carreiras, como discutiremos a seguir, e da forma como as

organizações veem o desenvolvimento das pessoas. O conhecimento sobre o modo

como as pessoas se movimentam nas organizações e no mercado ajuda a promover uma

gestão mais adequada do desenvolvimento das pessoas, na qual as responsabilidades

possam ser compartilhadas pelas próprias pessoas e pela empresa.

Como vimos no capítulo 1, a carreira tem sido definida de forma

contemporânea como uma sucessão de experiências profissionais e pessoais (GUNS e

PEIPERL, 2007, ARTHUR, 1999 e HALL, 2002); essa sucessão, entretanto, apresenta

padrões que permitem o seu estudo. Baseados nos conceitos de competência e

complexidade, fomos observando padrões de como essa sucessão de experiências se

comporta nas organizações. Para permitir que o leitor acompanhe o processo de reflexão

e de descobertas é apresentada, a seguir, uma revisão dos conceitos de competência e

complexidade. Esses conceitos foram incorporados ao longo da realização dos estudos

sobre gestão de carreiras.

Referenciais conceituais para compreender a gestão de carreiras

Revisitando o conceito de competência

Durante os anos 80 no Brasil era possível constatar a existência de uma

organização “subterrânea” em termos de gestão de pessoas. Subterrânea por não existir

de forma consciente, nem para os profissionais da área de recursos humanos, nem para

os gestores da empresa. Essa organização subterrânea operava da seguinte forma: o

gestor tomava uma decisão sobre alguém de sua equipe e depois verificava a

possibilidade de implementá-la dentro do sistema formal. Caso este não conseguisse dar

as respostas adequadas, o gestor e/ou o profissional de recursos humanos efetuava

“acertos” e “gambiarras” ou sabotava o sistema formal. Exemplo típico dessa

sabotagem era a criação de cargos para justificar aumentos salariais ou para distinguir as

pessoas das demais em função de sua contribuição para a empresa ou negócio.

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No final dos anos 80 e início dos anos 90, buscando compreender melhor esse

fenômeno, foi possível observar que, nessa organização subterrânea, os gestores

tomavam decisões sobre as pessoas em função de sua agregação de valor para o meio.

Em empresas sadias, a agregação de valor é para a empresa ou para o negócio, mas em

empresas em situações patológicas, essa agregação de valor é para um "feudo" ou para a

chefia imediata ou mediata. Essas observações nos permitiram concluir que a

valorização da pessoa pela organização, através de aumentos salariais, promoções ou

ganho de espaço político ocorre a partir da agragação de valor. Desse modo, embora o

sistema formal avalie as pessoas pelo que fazem, ou seja, por suas atividades e funções,

de fato o processo de valorização leva em conta as contibuições da pessoa, sua entrega,

sua agregação de valor. Procuramos um conceito para nos ajudar a compreender com

maior profundidade esse fenômeno, o conceito encontrado foi o da competência,

utilizado inicialmente pelos franceses. Essa abordagem foi desenvolvida para oferecer

suporte a movimentos de qualificação profissional em pequenas e médias empresas do

setor moveleiro, em meados da década de 80 (ZARIFIAN, 2001). A base desse conceito

é o deslocamento do foco sobre a qualificação do trabalhador e suas características

(MCCLELLAND, 1973) para a forma como a pessoa mobiliza sua qualificação,

características e repertório de vida em um determinado contexto, de modo a agregar

valor para o meio no qual se insere (BOTERF, 1995, 2000, 2001 e 2003 e FLEURY,

2000). Autores como Boterf (1995, 2000, 2001 e 2003) e Zarifian (1996 e 2001)

exploram o conceito de competência associado à ideia de agregação de valor e entrega,

em um determinado contexto, de forma independente do cargo, isto é, a partir da própria

pessoa. Essa construção do conceito de competência explica de forma mais adequada o

que observamos na realidade das empresas atuando no Brasil.

Vários autores procuraram estruturar o desenvolvimento do conceito de

competência e/ou efetuar uma revisão bibliográfica, juntando as várias abordagens.

Dentre eles, cabe destacar os seguintes: Parry (1996), McLagan (1997) e Woodruffe

(1991). A partir do início dos anos 90, empregou-se o conceito de competência em

trabalhos de intervenção em empresas brasileiras e na adaptação, em empresas

multinacionais, de estruturas de gestão de pessoas globais para a realidade brasileira

(DUTRA et al., 1999). Os resultados foram bons, mas a aplicação do conceito de

competência abrangia apenas alguns aspectos da gestão de pessoas nessas empresas. A

primeira oportunidade de aplicação do conceito em um sistema integrado de gestão de

pessoas ocorreu em 1996 e 1997 em uma empresa do setor de telecomunicações

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(DUTRA et al., 1999). A partir da pesquisa-ação, em que os conceitos foram

transformados em instrumentos de gestão e, ao mesmo tempo, em que o conjunto de

gestores da empresa passou a ser partícipe da construção desses instrumentos, foi

possível discutir aspectos importantes da gestão de pessoas. Destacam-se os seguintes:

Entrega exigida pela organização – foram questionadas as abordagens

metodológicas para a determinação das entregas exigidas das pessoas. A origem

dessas entregas deveria estar no intento estratégico da empresa. Ao mesmo

tempo, não era possível pensar que haveria o mesmo padrão de entrega para

diferentes grupos profissionais dentro da empresa;

Caracterização da entrega – A forma de descrever a entrega exigida das

pessoas deveria ser facilmente identificável e o mais objetiva possível. Essa era

uma questão da maior relevância, pois teria influência nos parâmetros

remuneratórios e deveria contemplar as limitações legais impostas pela Justiça

do Trabalho brasileira;

Forma de mensurar a entrega – Além da descrição objetiva da entrega

havia o desafio de criar uma escala para mensurá-la.

Essas discussões foram importantes para a validação do conceito de

competência e sua transformação em instrumento de gestão. Foi também importante

para consolidar a agregação do conceito de complexidade ao de competência, visando à

obtenção dos resultados necessários. Finalmente, vale ressaltar a percepção, com maior

nitidez, da possibilidade de integrar a gestão de pessoas ao intento estratégico da

empresa por meio da discussão das competências organizacionais. Essa temática já

vinha sendo trabalhada no Brasil por Fleury (FLEURY, 2000) a partir “da abordagem

dos recursos da firma”, pela qual se verifica a interação entre o intento estratégico, as

competências organizacionais e as competências individuais (FLEURY, 2000:57 e

RUAS, 2002).

Agregando o conceito de complexidade ao de competência

Nos primeiros trabalhos em que foi utilizado o conceito de competência,

verificou-se uma limitação natural na sua aplicação. Oriundo da escola americana, o

conceito tinha como ponto de partida o cargo e depois a adequação da pessoa a ele.

Mesmo em trabalhos de autores como Boyatzis (1982), que procura ampliar o conceito

de cargo para um conjunto de expectativas em relação à pessoa no contexto

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organizacional, não há aprofundamento da questão. Os autores que buscam efetuar uma

discussão mais profunda do cargo, como Lawler (1990, 1992 e 1996), não conseguem

propor algo consistente que possa substituí-lo como referência na gestão de pessoas

dentro das organizações. A análise das empresas, entretanto, revelou que o cargo estava

longe de expressar a realidade da gestão de pessoas. No final dos anos 80 e início dos

anos 90, já era comum encontrar várias pessoas no mesmo cargo, com o mesmo salário

e entregando coisas bem diferentes para a organização, sem que esta tivesse ferramentas

confiáveis para mensuração, avaliação e tomada de decisão.

Os autores franceses, por sua vez, apesar de centrar a avaliação nas pessoas e

revendo a ideia de cargo (ZARIFIAN, 2001), não propunham alternativas. Procurou-se

responder às seguintes questões: Como mensurar a entrega e a agregação de valor da

pessoa para a empresa, o negócio ou o meio em que se insere? Como estabelecer

parâmetros para a valorização da pessoa em função da entrega? Como orientar as

pessoas para que ampliem sua capacidade de agregar valor?

Sabia-se que o cargo já não era uma referência. Alguns fatos ajudaram a

encontrar o caminho. Um deles foi a possibilidade de efetuar trabalhos em uma

subsidiária no Brasil de uma empresa inglesa, onde foi possível entrar em contato com a

adaptação do sistema McBer (SPENCER e SPENCER, 1993) ali efetuada. Essa

adaptação é trabalhada por Boulter (1992) que apresenta vários trabalhos realizados na

Europa sobre o tema, e mostra a necessidade da empresa de criar gradações nas

competências para avaliação mais adequada de seus gerentes. Verificou-se, através de

vários trabalhos acadêmicos e de consultoria realizados ao longo dos anos 90, que em

subsidiárias no Brasil de outras empresas internacionais ocorrera o mesmo com o uso do

conceito de competências proposto pela McBer, e que a própria empresa de consultoria

já oferecia essa gradação aos novos clientes. Em 1989, a Hay, empresa americana

especializada em remuneração adquirida a McBer, empresa americana com foco no

desenvolvimento a partir de competência, com a criação da Hay/McBer, a proposição

das competências já trazia propostas de gradação. Observou-se que as gradações, nas

empresas estudadas, apresentavam formatações diferentes, mas todas tinham em comum

a tentativa de estabelecer padrões de complexidade (DUTRA, 2004).

A busca por sistemas de remuneração e carreira “fáceis de aplicar” conduziu

teóricos (JACQUES, 1994 e STOMP, 1994a) e consultores (BOULTER, 1992) ao uso

de padrões de complexidade para explicar as diferenças de contribuição das pessoas.

Padrões para mensuração de complexidade não eram novidade, já que existiam de

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forma estruturada desde a década de 50. Foram padrões desse tipo que a Hay utilizou

para desenvolver sua sistemática de remuneração e que a tornaram mundialmente

conhecida. Seu sistema de diferenciação de cargos não considerava unicamente o

posicionamento do cargo na estrutura de comando, incluía uma série de fatores que

mensuravam a complexidade da posição. Desse modo, pessoas em mesmo nível de

comando poderiam ter padrões de remuneração diferenciados em função da

complexidade de suas posições. Sempre houve por trás dessa proposta a premissa de

que a agregação de valor estava vinculada ao nível de complexidade das atribuições e

responsabilidades do cargo. Para definir complexidade, a Hay utilizou as seguintes

variáveis: amplitude gerencial, conhecimentos técnicos, complexidade das atribuições

(quanto menos estruturada, maior a complexidade) e complexidade das

responsabilidades (medida em termos de grau de autonomia decisória, de impacto nos

resultados e de abrangência da decisão). A Hay, embora tenha revolucionado a gestão

de remuneração na década de 50, começou a ser questionada a partir dos anos 80 por

utilizar o cargo como referência, a falência do cargo como elemento de caracterização

da contribuição da pessoa para a organização, fez com que algumas empresas

começassem a contestar a eficiência dessa sistemática. Algumas dessas empresas

buscaram novas alternativas, tais como a Unilever, que em 1994 implantou um sistema

com base em conceitos desenvolvidos a partir do trabalho de Jaques (1967, 1988, 1990,

1994) e ampliados posteriormente por Robottom e Billis (1987) e Stamp (1989, 1993,

1993j, 1994j, 1994a), esses conceitos buscavam verificar fatores de complexidade no

processo decisório. Outro exemplo foi a DuPont, que inseriu em seu sistema de carreira

os conceitos desenvolvidos por Dalton e Thompson (1993) que buscaram caracterizar a

complexidade das atribuições e responsabilidades no processo de desenvolvimento.

Ao abandonar-se o cargo como referência, foi gerada a necessidade de se

cunhar um termo que explicasse o conjunto de atribuições e responsabilidades das

pessoas dentro de uma organização. Os autores de língua inglesa utilizavam job como

expressão genérica e que se confunde com a ideia de cargo. Passamos a utilizar a

expressão “espaço ocupacional” para expressar o conjunto de atribuições e

responsabilidades das pessoas e constatamos que o espaço que elas ocupam é dinâmico.

O que no início era uma expressão se tornou gradativamente um conceito. Verificou-se,

também, que a dinâmica do espaço ocupacional de uma pessoa na organização e sua

demarcação em determinado momento são estabelecidas, de um lado, pelas

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necessidades da empresa, negócio ou meio ambiente, e, de outro, pela capacidade da

pessoa de atender a essas necessidades.

Para explicar melhor, é necessário estabelecer uma distinção entre

complexidade e dificuldade. Se uma atividade de difícil execução puder ser

sistematizada e reproduzida com facilidade por outros profissionais de mesmo nível, ela

deixa de ser complexa, mas continua sendo de difícil execução, como intervenções

cirúrgicas para extração de apêndice ou tonsilas; embora difíceis, porque uma pessoa

sem um preparo em medicina dificilmente poderia executá-las, não são complexas, pois

são atividades facilmente incorporáveis ao repertório do cirurgião. Um transplante de

coração, por sua vez, mesmo que possa ser sistematizado, requer o conhecimento de

especialidades diferentes e a possibilidade de ocorrências inesperadas é muito grande.

Desse modo, o transplante de coração é uma atividade de grande complexidade e irá

exigir do profissional, que lidera uma equipe de cirurgiões, larga experiência,

legitimidade perante seus colegas e que ele tenha dado mostras para seus clientes de que

é competente para executar esse tipo de intervenção cirúrgica. Pode ser que, em futuro

próximo, com os avanços da medicina, essa intervenção deixe de ser complexa, mas

continuará sendo de difícil execução. Analogamente, na realidade vivida nas

organizações modernas, em ambiente em constante transformação, a complexidade não

está na situação em si, mas no que ela exige da pessoa. Esse padrão de exigência é a

base para a construção de novas fitas métricas.

A complexidade permitiu estabelecer uma definição operacional de

desenvolvimento: a pessoa se desenvolve quando é capaz de realizar atribuições e

assumir responsabilidades mais complexas. A complexidade nos permitiu compreender

que a carreira é uma sucessão de degraus de maior complexidade. Por exemplo: temos

uma empresa que cresceu nos últimos três anos a uma razão de 100% ao ano e nessa

empresa há um gestor que ao longo desses três anos ocupa o mesmo cargo e a mesma

posição no organograma, porém há três anos atrás estava em uma empresa de tamanho

x, hoje encontra-se em uma empresa de tamanho 8x, ou seja, oito vezes maior, o seu

cargo tem uma complexidade muito maior do que há três anos. Portanto, estamos

equivocados quando tomamos como referência o cargo ou posição no organograma para

analisarmos o posicionamento na carreira ou o desenvolvimento da pessoa.

O estudo da complexidade nos permitiu observar como a pessoa se qualifica

para lidar com níveis de complexidade crescente. Em trabalhos realizados por Stamp

(1989,1993, 1993j, 1994 e 1994a), foi possível associar o nível de compreensão do

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contexto pela pessoa ao nível de complexidade com o qual ela consegue lidar. O nível

de compreensão do contexto foi chamado por Stamp (1989) de "nível de abstração", que

é ampliado quando a pessoa enfrenta uma situação mais exigente. A ampliação do nível

de abstração permite que a pessoa possa enfrentar situações mais exigentes e, portanto,

mais complexas, num ciclo contínuo de desenvolvimento. Há uma correspondência

entre o nível de abstração e o nível de complexidade no qual a pessoa é capaz de atuar.

Essa constatação é importante porque uma pessoa que atua em um determinado nível de

complexidade e em uma determinada carreira, ao decidir mudar de carreira, terá a

condição de mudar para a nova carreira no mesmo nível de complexidade. A pessoa

consegue atuar em uma nova carreira que exige novos conhecimentos e habilidades no

mesmo nível de complexidade porque consegue compreender as demandas do novo

contexto sobre ela, mobilizar seu repertório para atender essas demandas e perceber

imediatamente quais suas carências em termos de conhecimento, habilidades e

comportamento. Há uma tendência para que os conhecimentos e habilidades se tornem

desatualizados com muita velocidade, o que nos diferencia é o que fazemos com nossos

conhecimentos e habilidades, portanto, o nível de abstração da pessoa é o seu grande

patrimônio, ela o levará para onde for. A maneira pela qual ampliamos nosso nível de

abstração é o enfrentamento de desafios crescentes. Desse modo, se uma pessoa

permanecer fazendo repetitivamente a mesma tarefa ou atividade estará se

desenvolvendo muito pouco ao contrário, se for continuamente desafiada a realizar

atividades de complexidade crescente, experimentará desenvolvimento contínuo.

Impacto dos conceitos na compreensão do desenvolvimento profissional e carreira

Desajustes entre a realidade organizacional e o sistema formal de gestão de pessoas

Ao pensarmos a carreira como uma sucessão de degraus de complexidade e o

desenvolvimento como a incorporação de atribuições e responsabilidades mais

exigentes, podemos compreender alguns fenômenos organizacionais:

Há um descompasso em como o sistema formal da empresa percebe as

pessoas e como se dá a realidade organizacional, como, por exemplo, as pessoas

são tratadas como se desenvolvessem e crescessem em suas carreiras aos

soluços, uma pessoa ocupa a posição de júnior e, do dia para a noite, como se

ungida por obra divina, passa a ocupar a posição de pleno. Na prática, essa

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pessoa foi assumindo gradativamente situações mais exigentes e, quando passa a

assumir atribuições e responsabilidade de complexidade equivalente ao nível

pleno, é reconhecida e promovida. Nesse intervalo, entretanto, não recebeu

nenhum reconhecimento ou sinalização sobre o seu desenvolvimento. Essa

postura da organização coloca em risco sua capacidade de retenção das pessoas

que estão em processo de desenvolvimento;

Há um desequilíbrio perigoso entre a remuneração de pessoas com

diferentes níveis de contribuição para a empresa. O sistema formal leva em

conta, geralmente, o que a pessoa faz para definir o nível remuneratório,

entretanto, todas as decisões sobre a pessoa são tomadas em função de sua

contribuição. Naturalmente o gestor, mais próximo das pessoas, percebe esse

diferencial de contribuição, mas tem poucos recursos, através do sistema formal

de gestão, para efetuar as recompensas adequadas aos diferentes níveis de

contribuição;

O desenvolvimento das pessoas está diretamente ligado aos desafios

enfrentados por elas, como vimos. Os programas de capacitação, na maior parte

das organizações, visam à melhora da eficiência das pessoas na posição que

ocupam. Foi possível verificar, por meio do estudo em diferentes empresas

brasileiras (Dutra, 2004, 2008), que raramente os programas de desenvolvimento

ou capacitação estimulam nas pessoas o confronto com situações mais exigentes,

quer na formulação dos conteúdos, quer na orientação oferecida para as

lideranças.

A partir dessas constatações, podemos discutir sobre a gestão estratégica de

pessoas nas organizações a partir da carreira. Para isso, escolhemos alguns temas que

têm gerado grande impacto nas organizações.

Limitações impostas pelo pacto de mútuo desenvolvimento

O novo pacto, descrito neste capítulo, levou as empresas a oferecerem mais

condições para o desenvolvimento das pessoas, sem que houvesse, entretanto, condições

para absorver todas as pessoas desenvolvidas. Essa nova realidade foi ocasionando

transformações na configuração dos quadros das empresas, exigindo pessoas mais

capacitadas. A estrutura dos quadros operacionais em empresas de base tecnológica, dos

quadros de profissionais técnicos e dos quadros gerenciais foi deixando de se

14

assemelhar a uma pirâmide para se assemelhar a um pote. Nessa nova configuração há

uma baixa demanda por pessoas para lidar com situações pouco exigentes e por pessoas

para lidar com situações que exigem altíssima especialização. Há uma grande demanda

por pessoas para lidar com situações exigentes, mas com um nível de maturidade

equivalente ao que o mercado classifica como pleno e sênior, como, por exemplo, o

quadro de engenheiros em uma empresa de base tecnológica, onde há baixa demanda

por engenheiros muito juniores e por engenheiros acima do nível sênior e uma maior

demanda por engenheiros de nível pleno e sênior.

Pesquisando empresas dos setores petroquímico e elétrico no início desta

década, foi possível (DUTRA, 2004) notar que as posições de alto nível das carreiras

técnicas estavam totalmente preenchidas, obstruindo as possibilidades de progressão na

carreira dos níveis inferiores. Os jovens engenheiros, ao entrarem nessas empresas,

percebiam um horizonte muito curto para seu desenvolvimento e saiam das empresas ou

do setor. Com o tempo, o nível intermediário da carreira, onde havia a maior demanda

por profissionais, foi se esvaziando e isso foi gerando alguns efeitos perversos:

Jovens engenheiros sendo demandados para assumir precocemente

responsabilidades de maior nível de complexidade, porém sem perspectivas de

crescimento no longo prazo, ocasionando a rotatividade da carreira desses

profissionais no nível júnior e pleno. Essa rotatividade era ocasionada por não

haver perspectivas concretas de crescimento na carreira em um espaço de tempo

compatível com outras carreiras existentes no mercado;

Como a demanda da empresa se concentra em níveis de complexidade

equivalentes ao nível intermediário da carreira e como havia poucas pessoas

para fazer frente a essa demanda, os engenheiros mais experientes tiveram que

acumular responsabilidades de menor complexidade, frustrando-os por terem

sua capacidade subutilizada;

Mesmo assim, havia necessidade de suprir essa demanda e as alternativas

foram: buscar pessoal sênior no mercado, pagando salário de mercado, mas com

baixa capacidade de retenção, já que eles não viam possibilidade de crescimento

no longo prazo, e buscar pessoal já aposentado, agravando o quadro de

progressão dentro da carreira para o pessoal mais jovem;

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Pressão sobre a massa salarial pela retenção, por muito tempo, das

pessoas muito seniores e pela necessidade de trazer do mercado pessoas com

maior experiência;

Dificuldade de repor o pessoal no topo da carreira por não haver pessoas

preparadas no nível intermediário;

Dificuldade para gestão do conhecimento: na medida em que o pessoal se

aposenta, leva consigo capacidade técnica e gerencial da empresa, por não haver

para quem passar o conhecimento, já que existe falta de pessoas para fazer a

ligação entre os profissionais muito seniores e o pessoal que está no início da

carreira.

Em pesquisas em setores de grande mobilidade, como o financeiro e de

operações em telefonia, observamos (DUTRA, 1999) fenômeno semelhante em termos

de configuração de carreira e efeitos perversos. Os motivos são diferentes: enquanto nos

setores petroquímico e elétrico o fenômeno se dá pela baixa mobilidade, no setor

financeiro e de operações em telefonia se dá pelo fato dessas empresas não terem

paciência em esperar a formação das pessoas.

Qual a solução? Criar uma rotatividade mais ampla, ou seja, perder aqueles

profissionais mais experientes? Administrar por crise e solucionar caso a caso? Criar

outras opções de carreira? O que temos visto, em trabalhos de intervenção através de

consultoria, são empresas agindo de forma intuitiva e fazendo todas essas coisas ao

mesmo tempo. Entretanto, por ser de forma intuitiva, não têm consciência do problema,

já que atuam sobre as consequências e não sobre as causas. Desse modo, não

conseguem eliminar o agente causador do problema. Para eliminar o agente causador,

haveria necessidade de uma revisão na lógica do fluxo de carreira. Essa lógica deveria

prever um crescimento das pessoas até o nível sênior e, após esse momento, preparar as

pessoas para saírem da carreira ou da empresa. Isso é importante porque alguns

parâmetros foram se alterando ao longo desta década no Brasil:

As carreiras estão mais curtas, as pessoas estão percorrendo e espectro de

suas carreiras em um intervalo de tempo menor;

As pessoas estão mais ligadas ao seu desenvolvimento e o mercado tem

oferecido, com um fator de atração e retenção, a aceleração na carreira, ou seja,

em um intervalo de tempo menor a pessoa se desenvolve mais e passa a valer

mais no mercado;

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As pessoas estão se preparando para vivenciar diferentes carreiras ao

longo de suas vidas. O auxílio às pessoas para se tornarem aptas para outras

carreiras torna-se algo cada vez mais valorizado pelo mercado;

Outras dimensões da vida das pessoas vêm ganhando importância e, cada

vez menos, estão dispostas a abrir mão da família, amigos e ações comunitárias

em prol de sacrifícios profissionais.

Frente a esse quadro, a revisão do fluxo de carreira implica em:

Oferecer para os profissionais uma progressão profissional ajustada às

características do setor onde a empresa atua;

Abrir posições no topo da carreira, estimulando as pessoas que lá chegam

a pensarem em alternativas de carreira;

Preparar as pessoas para saírem da carreira ou da empresa a partir de um

determinado ponto de suas trajetórias;

Oferecer, aos profissionais localizados no topo de suas carreiras, desafios

ligados à formação de profissionais que estão iniciando suas carreiras.

Enfim, o discurso da retenção de talentos necessita ser revisitado, é necessário

considerar que perder talentos talvez seja o caminho para formar talentos em um fluxo

contínuo. Um fluxo necessário ao contínuo rejuvenescimento da empresa.

Lacuna de complexidade nos processos de desenvolvimento profissional

Um aspecto importante da constatação de que a carreira é uma sucessão de

degraus de complexidade é analisarmos a inexistência de determinados degraus nas

trajetórias propostas pelas organizações. Vamos supor que um analista esteja se

desenvolvendo, porém o limite de complexidade do seu trabalho esteja bem abaixo do

menor nível de complexidade da trajetória para onde poderia ir como, por exemplo, uma

trajetória gerencial. Nesse caso, jamais os analistas estarão preparados para assumir a

posição gerencial e, portanto, toda a vaga gerencial terá que ser preenchida por alguém

vindo de fora da empresa ou da área. Vamos utilizar uma empresa de leasing, com a

qual trabalhamos, como exemplo: nessa empresa havia uma equipe de retaguarda

composta por 35 pessoas, onde as posições de maior complexidade entre os analistas

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ficavam bem abaixo do menor nível de complexidade do gerente. As consequências,

neste caso, foram as seguintes:

Inexistência de pessoas preparadas para as posições gerenciais;

A lacuna de complexidade tendeu a ser ocupada por quem estava na

posição de maior complexidade, gerando um sobretrabalho para os gerentes;

Tendência de os gerentes assumirem uma grande carga de trabalho

operacional, gerando pouco espaço para o seu desenvolvimento. Desse modo, as

posições diretivas também não eram ocupadas pelo pessoal interno.

Essa situação reflete muitas situações encontradas nas empresas sem que elas

tenham consciência do que está havendo. Esse fenômeno foi chamado no Brasil de

efeito “árvore de Natal”, em que a cada nível se tem uma base operacional sem

condições de acesso ao nível seguinte, gerando um grande funil. Se olharmos para a

empresa como um todo, veremos vários funis que, em conjunto, dão a aparência de uma

árvore de Natal.

Essas lacunas têm sido responsáveis pela dificuldade, em muitas empresas, para

a preparação de sucessores, na medida em que, entre os diferentes níveis gerenciais da

organização são encontradas lacunas de complexidade. Esse tema será aprofundado no

capítulo sobre processo sucessório.

Considerações finais

A compreensão da dinâmica das carreiras nas organizações e no mercado de

trabalho permite enxergar problemas e armadilhas na gestão de pessoas que não

conseguiríamos perceber de outra forma. Se olharmos para o futuro, é possível

visualizar situações muito mais exigentes e que demandarão sistemas de gestão de

pessoas muito mais precisos e ajustados à realidade organizacional. Como exemplo,

podemos imaginar que, em algum momento na década de 2010, o trabalho a distância se

tornará irresistivelmente vantajoso em termos econômicos; nessa situação, como será a

gestão de pessoas? Como poderemos trabalhar carreira e remuneração a distância?

Como dar mais sentido às ações de desenvolvimento e capacitação? Como preparar as

lideranças? Enfim, são muitas as questões que surgem, mas a principal será como criar e

sustentar o comprometimento das pessoas com os objetivos e propostas

organizacionais? Como criar e sustentar o vínculo das pessoas com os valores

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organizacionais? Em uma realidade mais exigente, a compreensão sobre o que as

pessoas passarão a valorizar, sobre suas necessidades e expectativas, sobre as pressões

às quais estarão submetidas fará uma grande diferença na construção do

comprometimento, na capacidade de captação e retenção de pessoas pela empresa

contemporânea.

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