Gestão Estratégica Pública

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CURSO DE GESTO ESTRATGICA PBLICA

Curso de Gesto Estratgica Pblica

Coordenador: Prof. Dr. Renato Dagnino

VVVVVVVVMaro de 2009

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SUMRIOIntroduo1Apresentao do Curso1Sobre as unidades que compem o Curso4Instrues operacionais aos alunos do Curso5Metodologia de aprendizado5O esforo individual6A bibliografia e o ordenamento dos assuntos7O esforo coletivo8Avaliao9Sobre o Trabalho de Concluso de Curso9Roteiro10Contedo programtico12Captulo I: Contedos Introdutrios Gesto Estratgica Pblica181. Introduo181.1. Um breve histrico do planejamento181.2. O contexto scio-poltico em que se deve inserir a Gesto Estratgica Pblica201.3. As caractersticas do Estado Herdado221.4. A democratizao poltica e o Estado Necessrio231.5. A construo do Estado Necessrio e a Gesto Estratgica Pblica281.6. O contexto de elaborao de Polticas Pblicas321.7. O gestor pblico e o administrador de empresas361.8. Administrao de Empresas, Administrao Geral e Administrao Pblica371.9. A formao do gestor pblico39Captulo II: A Gesto Estratgica Pblica como convergncia de enfoques462. Introduo462.1. A Cincia Poltica e a supervalorizao do poltico472.2. A Administrao Pblica e a subvalorizao do conflito472.3. A concepo ingnua do Estado neutro482.4. Os enfoques da Anlise de Poltica e o Planejamento Estratgico Situacional como fundamentos da Gesto Estratgica Pblica502.5. O enfoque da Anlise de Poltica522.6. O enfoque do Planejamento Estratgico Situacional57Captulo III: Metodologia de Diagnstico de Situaes593. Introduo593.1. Uma viso preliminar do resultado613.2. O que o agir estratgico?643.3. Pressupostos para uma ao estratgica em ambiente governamental643.4. O conceito de Ator Social643.5. Caractersticas do Jogo Social653.6. Os Momentos da Gesto Estratgica653.7. A anlise de Governabilidade - o Tringulo de Governo663.8. A situao-problema como objeto da Gesto Estratgica Pblica713.9. Conceito de Problema (ou situao-problema)713.10. Tipos de Problemas723.11. Conformao de um Problema733.12. Como formular um Problema?733.13. Perguntas para verificar se a seleo de Problemas apropriada74

VVVV3.14. A Descrio de um Problema753.15. A Explicao da Situao-problema763.16. A diversidade das Explicaes Situacionais763.17. O Fluxograma Explicativo da Situao763.18. Seleo de Ns Crticos773.18.1. Critrios para Seleo de Ns Crticos78Captulo IV: Metodologia de modelizao814. Introduo814.1. Sistemas e enfoque sistmico814.2. O conceito de Sistema824.3. Sistemas simples e complexos834.4. Atributos dos sistemas complexos834.5. Sistema, contexto, e variveis endgenas e exgenas854.6. Realidade, modelizao e modelo874.7. Formulao de hipteses de relao causal entre variveis894.8. Operadores de complexidade e Tetragrama Organizacional914.9. Estabilidade, Resistncia, Resilincia e Anlise de Sensibilidade924.10. Anlise Sistmica e Dinamizao944.11. O carter intrinsecamente normativo da modelizao974.12. Modelizao e Gesto Estratgica Pblica1004.13. Exemplos de modelizao1044.14. Consideraes Finais109Captulo V: Metodologia de Planejamento de Situaes1135. Introduo1135.1. Uma viso preliminar do resultado1135.2. Planejar por Situaes-Problema1155.3. Operaes1185.4. Matriz Operacional1195.5. Aes, Atividades, Tarefas1195.6. Resultados1205.7. Produtos1205.8. Recursos1205.9. Prazos1215.10. Responsveis1215.11. Etapas para a formulao de um Plano de Ao1215.12. Gesto do Plano1225.13. Atuar sob incerteza1235.14. Focos de Debilidade de um Plano1235.15. Componentes de um sistema de Gesto Estratgica Pblica124Captulo VI: Metodologia de Anlise de Polticas Pblicas1266. Introduo1266.1. Explorando o conceito de Anlise de Poltica1276.1.1. O conceito de poltica1286.1.2. O conceito de Anlise de Poltica1306.1.3. O surgimento da Anlise de Poltica como campo acadmico1316.1.4. Uma tipologia da Anlise de Poltica: a tenso entre descritivo e o prescritivo1326.1.5. A postura do analista de polticas1346.1.6. A Anlise de Poltica e o contexto da poltica1366.1.7. A Anlise de Poltica e os nveis de anlise1416.2. Vises do Estado e Anlise Poltica1446.2.1. A viso Pluralista144

VVVV6.2.1.1. A viso Elitista1456.2.1.2. A viso Marxista1456.2.1.3. A viso Corporativista1466.2.2. Um quadro sinptico1476.3. O papel da burocracia no Estado capitalista contemporneo1486.4. Poder e tomada de deciso1506.4.1. O debate entre pluralismo e elitismo1516.4.2. As duas faces do poder1526.4.3. A terceira face do poder1556.4.4. A terceira face do poder e a pesquisa sobre poder e deciso1566.5. Os modelos de tomada de deciso: o confronto entre o racionalismo e o incrementalismo1606.5.1. As origens do debate1616.5.2. Algumas propostas intermedirias1646.5.3. O processo de Elaborao de Polticas Pblicas e os modelos de anlise1696.6. Modelos para o estudo da implementao de polticas1706.6.1. O enfoque top down1716.6.2. O enfoque bottom up1726.7. O estudo das organizaes e a Anlise de Poltica1746.7.1. A discricionariedade dos escales burocrticos inferiores e a elaborao de polticas1746.7.2. Os modelos de organizaes e o processo de elaborao de polticas1766.8. Os Momentos da elaborao de polticas pblicas1796.9. Experincias de Planejamento Pblico1826.10. Um roteiro para a Anlise de Polticas1846.10.1. Os instrumentos da Anlise de Poltica1856.10.2. Tipos de Anlise de Poltica1876.10.3. Uma viso de conjunto dos trs momentos da Elaborao de Polticas1886.10.4. Uma tipologia das organizaes1926.10.5. O confronto entre o Planejamento Tradicional e a Negociao193Consideraes Finais196Referncias bibliogrficas197

NDECE DE ESQUEMAS, FIGURAS E QUADROS

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ESQUEMA 3.12.1: FORMULAO DE PROBLEMAS69ESQUEMA 5.1.6.1: ESQUEMA DE EASTON132FIGURA 3.1.1: QUAL FOI A CAUSA DA DERROTA SEGUNDO OS JOGADORESConsulteFIGURA 3.1.2: ORDENAMENTO DOS PROBLEMAS IDENTIFICADOSConsulteFIGURA 3.1.3: FLUXOGRAMA EXPLICATIVO PARA A SITUAO PROBLEMA58FIGURA 3.14.1: DESCRIO DE PROBLEMAS70FIGURA 3.17.1: FLUXOGRAMA SITUACIONAL72FIGURA 3.18.1: PROBLEMAS CRTICOS SELECIONADOS73FIGURA 3.18.2: FLUXOGRAMA EXPLICATIVO75FIGURA 3.7.1: TRINGULO DE GOVERNO62FIGURA 3.7.2: GRFICO DO APOIO POLTICO E CAPACIDADE DE GOVERNO64FIGURA 3.7.3: GRFICO DO APOIO POLTICO E CAPACIDADE DE GOVERNO65FIGURA 4.1.1: AES109FIGURA 4.1.2: AO PARA CADA N CRTICO109, 110Figura 4.12.2: CICLO DA MODELIZAO98FIGURA 4.2.1: ANLISE DE SITUAES-PROBLEMA112

VVVVFIGURA 5.1.4.1: TIPOLOGIA DA ANLISE DE POLTICAS128FIGURA 5.1.7.1: CICLO ITERATIVO DA ANLISE DE POLTICAS E SEUS NVEIS137FIGURA 5.10.1.1: INSTRUMENTOS PARA ANLISE DE POLTICAS PBLICAS179FIGURA 5.10.1.3: CONCEPO E USO DE UM POLICY FRAMEWORK181FIGURA 5.2.2.1: Vises do Estado capitalista moderno142FIGURA 5.5.2.1: MODELOS DE PROCESSO DECISRIO162FIGURA 6.10.1: PROCESSO DE DINAMIZAO91FIGURA 6.11.1: MODELO 192FIGURA 6.11.2: MODELO 293FIGURA 6.11.3: MODELO 393FIGURA 6.11.4: MODELO 493FIGURA 6.11.5: MODELO 594FIGURA 6.11.6: MODELO 694FIGURA 6.11.7: MODELO 795FIGURA 6.12.1: EXEMPLO DE MODELIZAO96FIGURA 6.12.2: MODELIZAO DE POLTICAS99FIGURA 6.12.3: TRAJETRIA DE UM SISTEMA99FIGURA 6.13.1: VARIVEIS ESCOLHIDAS100FIGURA 6.5.1: MODELIZAO82QUADRO 3.6.1: QUATRO MOMENTOS DA GESTO ESTRATGICA60QUADRO 4.11.1: ELEMENTOS FUNDAMENTAIS PARA A FORMULAO DE UM PLANO117QUADRO 4.2.1: CRIMES COMETIDOS POR ADOLESCENTES111QUADRO 4.8.1: VIABILIZAO DE AES PLANEJADAS115QUADRO 5.10.1.2: FUNES DA ANLISE DE POLTICAS180QUADRO 5.10.2.1: Variedades de Analise de Poltica181QUADRO 5.10.3.1: O processo de elaborao de polticas pblicas182QUADRO 5.10.4.1: GRADE PARA IDENTIFICAO DE ORGANIZAES187QUADRO 5.10.5.1: ELABORAO DE POLTICAS PBLICAS188QUADRO 5.4.4.1ESTUDO DO PODER E DOS PROCESSOS DE DECISO154QUADRO 5.5.1: Uma sntese da discusso sobre a racionalidade158QUADRO 5.7.2.1: TIPO 1 ORGANIZAO COMO SISTEMA DE GERENCIAMENTO171QUADRO 5.7.2.2: TIPO 2 ORGANIZAO COMO PROCESSO BUROCRTICO171QUADRO 5.7.2.3: TIPO 3 ORGANIZAO COMO DESENVOLVIMENTO ORGANIZACIONAL172QUADRO 5.7.2.4: TIPO 4 ORGANIZAO COMO PROCESSO DE CONFLITO E BARGANHA172

VVVVIntroduoApresentao do CursoEste Curso foi concebido tendo por referncia a constatao de que os gestores pblicos tero que seguir por muito tempo atuando no interior de um aparelho de Estado Herdado que no se encontra preparado para atender as demandas que o estilo alternativo de desenvolvimento mais justo, economicamente igualitrio e ambientalmente sustentvel que a sociedade deseja. E que, ao mesmo tempo, tero que transform-lo no sentido da criao do Estado Necessrio, entendido como um Estado capaz no apenas de atender as demandas presentes, mas de fazer emergir e satisfazer novas demandas embutidas nesse estilo alternativo[footnoteRef:2]. [2: O recurso que utilizamos para marcar a diferena entre a situao atual e a futura, desejada, de opor o Estado Herdado e a proposta de Estado Necessrio, tem como inspirao o tratamento dado ao tema por Aguilar Villanueva (1996). Vrios outros autores latino-americanos, entre os quais Atrio e Piccone (2008) e Paramio (2008) para citar apenas dois dos mais recentes, tm abordado, ainda que focalizando uma cena de chegada um tanto distinta, o processo de transio que nos preocupa. Com uma perspectiva ideolgica bem mais prxima com a aqui adotada, cabe citar, tambm para ficarmos nos mais recentes, os trabalhos de ODonnell (2007 e 2008), onde atualiza sua viso sobre o Estado latino-americano e indica novos rumos para o debate, de Thwaites Rey (2008), que apresenta uma anlise inovadora sobre a intermediao que realiza o Estado na relao entre as classes dominantes latino-americanas e o cenrio globalizado, e Brugu (2004) que provocativamente coloca como condio de transformao do Estado a promoo e um estilo de gesto baseado na pacincia e na feminilizao. ]

Por isso, e para que fiquem claras as razes que explicam as caractersticas que o Curso possui, se ir mencionar em mais de uma oportunidade ao longo dos captulos iniciais deste texto vrios dos aspectos envolvidos na transio do Estado Herdado para o Estado Necessrio[footnoteRef:3]. De fato, h que ressaltar nossa opo de levar em conta esses aspectos para a concepo deste Curso. E, tambm, que a realizao de opes distintas levaria, como evidente, elaborao de uma disciplina de Gesto Estratgica Pblica (GEP) com caractersticas distintas. [3: A maneira que adotamos para referir a uma configurao do Estado capitalista alternativa da atualmente existente, pela via de uma aderncia e de uma condio de viabilizao de um cenrio normativo em construo no mbito de um processo de radicalizao da democracia, distinta daquela proposta, por exemplo, por Guillermo ODonnell. Num pronunciamento recente, este que reconhecido como um dos mais agudos analistas latino-americanos das relaes Estado-Sociedade se referiu a um Estado que apesar de abrigar bolses autoritrios, capaz de impulsionar a expanso e consolidao das diversas cidadanias (civil, social e cultural, ademais da poltica j estabelecida num regime democrtico) implicadas por uma democracia mais plena, e ir-se transformando, assim, num Estado democrtico (ODONNELL, 2008).]

H que ressaltar, adicionalmente, e de partida, que entendemos que ajustar o aparelho de Estado visando a alterar a conformao das relaes Estado-Sociedade, desde que respeitando as regras democrticas, um direito legtimo, uma necessidade, e um dever colocados aos governos eleitos com o compromisso poltico de levar a cabo suas propostas. Assumir explicitamente essa inteno, portanto, no diferencia o atual governo de outros que ocuparam anteriormente o aparelho de Estado. No obstante, parte-se tambm da constatao de que a Reforma Gerencial do Estado brasileiro inaugurada na dcada de 1990, dado o impulso que ganhou e os laos de realimentao sistmica que produziu, segue em curso. O que ocorre de modo lento e desigual, em virtude da oposio, s vezes meramente corporativa, que vem sofrendo no mbito da sociedade e do prprio aparelho do Estado. E, de modo genrico, porque a correlao de foras polticas impede que ela siga no ritmo pretendido pelos seus partidrios.H que reconhecer, ademais, que o fato da Reforma Gerencial continuar, ainda que de forma fragmentada, na lista das mudanas que esto sendo realizadas no mbito do aparelho de Estado no deixa espao para que as aes que conduziriam ao Estado Necessrio sejam hoje colocadas na agenda governamental com a centralidade que elas merecem. Em conseqncia, se est assistindo a um paradoxo, que extensivo a outros pases latino-americanos, de governos de esquerda democraticamente eleitos no estarem sendo capazes de fazer para avanar a democratizao de seus respectivos pases[footnoteRef:4]. [4: Vrios autores latino-americanos tm apontado que esses governos, embora estejam sancionando e respaldando a cidadania poltica, se esto omitindo ou se demonstrando incapazes de sancionar e respaldar direitos emergentes de outros aspectos da cidadania (ODONNELL, 2008), e correndo o risco de sofrer uma derrota catastrfica por carem da armadilha do "possibilismo" e do tecnicismo que conduz ao imobilismo (BORN, 2004). Coutinho (2007), assumindo uma postura ainda mais crtica e usando categorias gramscianas, considera que a poca neoliberal que vivemos no Brasil no deveria ser considerada como uma revoluo passiva e sim como uma contra-reforma. Apontando para o fato de personalidades dos partidos democrticos de oposio se estarem incorporando classe poltica conservadora, hostil interveno das massas populares na vida estatal, ou de grupos radicais inteiros estarem passando ao campo moderado, ele faz referncia ao conceito de transformismo: processo em que as classes dominantes buscam obter governabilidade em processos de transio pelo alto atravs da cooptao das lideranas polticas e culturais das classes subalternas diminuindo sua propenso transformao social). ]

O que se observa, ento, freqentemente, a implementao de algo mais alinhado com a Reforma Gerencial do que com a proposta do Estado Necessrio. E isso apesar de que parece ser este o modelo de Estado privilegiado pelo atual governo. Por encontrar-se num nvel claramente incipiente, o processo que ir possibilitar a transio do Estado Herdado para o Estado Necessrio no pode prescindir de contedos como os que este curso pretende proporcionar aos gestores pblicos. Os quais, importante que se diga, consideramos atores indispensveis para que esse processo se efetive[footnoteRef:5]. [5: Parecem concordar com essa idia, tanto pesquisadores latino-americanos orientados a formular recomendaes para a capacitao de gestores pblicos, como Ospina (2006) e Longo (2006), quanto outros, como Koldo Echebarra (2006), preocupados em comparar pases latino-americanos em termos da relao entre o que denomina configurao burocrtica e efetividade do sistema democrtico. Tambm ODonnell (2008) que considera os gestores pblicos uma ncora indispensvel dos direitos da cidadania e que ressalta que sem esta ancoragem um regime democrtico simplesmente no existe, ou se converte numa caricatura em que se realizam eleies que no satisfazem requisitos mnimos de competitividade, equidade e institucionalizao. E que afirma que sem eles os setores postergados e discriminados, que no tm possibilidade de fugir do Estado (Herdado) mediante a contratao de diversos servios ou benefcios privados continuaro sendo excludos. ]

Este Curso ento entendido uma condio necessria, inclusive, para assegurar que as mudanas que venham a ser realizadas o sejam de forma competente, criteriosa, sem comprometer os xitos anteriormente obtidos e com a mxima aderncia aos consensos que alcanou a sociedade brasileira de respeito participao cidad, democrtica e republicana de todos os seus integrantes[footnoteRef:6]. [6: Schmitter (2006) encontrou, a partir de uma anlise transversal para mais de cem pases, um ndice de correlao significativamente alto (aproximadamente de 0,9) entre grau de democracia de um pas e capacidade de gesto do seu Estado. Embora no seja possvel afirmar que exista uma relao de causalidade em qualquer dos dois sentidos, a alta correlao j suficiente para chamar a ateno para a necessidade de que mudanas na configurao do Estado acompanhem o ritmo do processo de democratizao em curso no Pas.]

Seu objetivo, num plano mais especfico contribuir para que as atividades de gesto pblica levadas a cabo nos vrios nveis e instncias governamentais que abarca o Estado brasileiro passem a ser realizadas em conformidade com os princpios da Gesto Estratgica Pblica (GEP). Entendido, este, vale repetir, como um dos instrumentos para viabilizar a transio do Estado Herdado para o Estado Necessrio. Ela trata de uma atividade que ainda no se encontra enraizada na gesto pblica brasileira e que teria que substituir outra, que aqui se denomina simplesmente planejamento governamental para marcar alguns aspectos distintivos que evidenciam a utilizao do termo estratgico. Na sua dupla conotao de movimento que visa soluo de uma situao que se configura como um problema para o ator que planeja em que ocorre um enfrentamento com um adversrio que tambm se move, inclusive em resposta s suas aes. Aquelas aes que iro construir o cenrio normativo; aquele cujo contedo interessa ao ator que planeja. Estratgico, ademais, projeto ter seu foco nos projetos de longo prazo de maturao, mais do que em simples manobras tticas (de curto prazo). Essa diferena, alm de outra que, por evidente, sequer iremos voltar a mencionar: a que existe entre o planejamento estratgico corporativo ou empresarial, do qual lamentavelmente se originam muitas das propostas que so contrabandeadas para o territrio governamental. Essa diferena ficar clara medida que os assuntos forem sendo apresentados.O Curso pode ser entendido como o resultado da convergncia de dois enfoques relacionados gesto pblica, ou mais especificamente ao processo de elaborao de polticas pblicas, que so visualizados como coerentes com o aquele conjunto de opes que se realizou: a Anlise de Polticas e o Planejamento Estratgico Situacional. Na realidade, ele fruto de um processo que se inicia em meados da dcada de 1990, quando, no mbito de um projeto que visava criao de uma Escola de Governo na Unicamp, se iniciam as primeiras iniciativas de docncia e pesquisa que resultaram na implantao do Curso de Especializao em Gesto Estratgica Pblica junto ao Grupo de Anlise de Polticas de Inovao (GAPI), em 2001, e do Programa de Gesto Estratgica Pblica ligado Pr-reitoria de Extenso e Assuntos Comunitrios desta universidade.

Sobre as unidades que compem o CursoPara que o objetivo mais ambicioso expresso nos pargrafos iniciais fazer com que as atividades de gesto pblica do Estado brasileiro passem a ser realizadas em conformidade com os princpios da GEP de modo a contribuir para viabilizar a transio do Estado Herdado para o Estado Necessrio necessrio tratar em separado cada um dos elementos dessa declarao. A longa trajetria que visa a concretizar esse objetivo se inicia com o primeiro captulo de Contedos Introdutrios Gesto Estratgica Pblica. Seu propsito central examinar o contexto scio-poltico brasileiro em que se deve inserir a GEP, que se caracteriza pelo processo em curso de construo do Estado Necessrio, e o contexto disciplinar da Administrao Pblica, uma vez que ambos, por se apresentarem como adversos, devem estar sempre presentes na ao dos atores sociais interessados na implantao da GEP no mbito do Estado brasileiro.O segundo captulo A Gesto Estratgica Pblica como convergncia de enfoques possui um propsito semelhante. Isso porque tambm importante para os alunos, uma vez que se espera que eles venham a se constituir naqueles atores, terem presente as opes que conduziram proposta de GEP com as caractersticas que possui este Curso. O captulo apresenta, por isso, a Anlise de Polticas, que surge nos pases avanados, na dcada de 1970, de uma confluncia entre a Cincia Poltica e a Administrao Pblica, e o Planejamento Estratgico Situacional que surge na Amrica Latina na mesma poca como uma crtica ao planejamento convencional.Explicadas as razes que levaram a proposta do Curso aqui apresentada e estabelecidos os fundamentos terico-metodolgicos em que ela se apia, os captulos trs, quatro e cinco se concentram na apresentao das trs metodologias cujo objetivo a sua operacionalizao: a Metodologia de Diagnstico de Situaes, concentrada na construo do fluxograma explicativo de situaes-problema; a Metodologia de Modelizao, cujo emprego, no mbito da Gesto Estratgica Pblica, se d, fundamentalmente, para proceder anlise de sistemas complexos normalmente encontrados em ambientes de governo; e a Metodologia de Planejamento de Situaes que, a partir deste fluxograma, permite o detalhamento da matriz operacional (aes, atores, recursos, prazos etc.) e completa o ciclo da GEP. O sexto captulo tem por finalidade apresentar a Metodologia de Anlise de Polticas. Essa metodologia destacada devido sua capacidade de enfocar a interface entre a sociedade e o Estado e o seu prprio funcionamento de um modo mais revelador do que at ento fazia a Cincia Poltica. E tambm por enfocar a questo da elaborao dos planos e da sua execuo, da alocao de recursos etc., com maior sutileza e realismo do que fazia a Administrao Pblica. . Finalmente, se apresenta as Consideraes Finais que chamam a ateno para a necessidade de capacitar o gestor pblico para levar a cabo as tarefas colocadas pela atual conformao das relaes Estado-Sociedade e pelo cenrio a ser construdo. Ajustar o aparelho de Estado visando a alterar essas relaes Estado-Sociedade um direito legtimo de governos eleitos com o compromisso de levar a cabo suas propostas.

Instrues operacionais aos alunos do CursoMetodologia de aprendizadoParte-se da idia de que, mais do que um certificado, importante para alunos que concluem um curso de ps-graduao como este produzir algo que represente o resultado que alcanaram ao longo de seu processo de aprendizado e que possa ser apresentado e utilizado em seu ambiente de trabalho. Ademais, no caso de um curso cujo objetivo fornecer elementos terico-prticos orientados a aumentar a capacidade de equipes para atuar em ambientes de governo de um pas perifrico, onde claramente deficitria a Gesto Estratgica Pblica, consideramos que esse instrumento deve satisfazer condies adicionais. Acreditamos que ele deve ser um documento que registre de forma sistemtica os resultados parciais e final que forem sendo alcanados com vistas quele objetivo. Se isso ocorrer, os alunos estaro contribuindo com o esforo dos professores e ex-alunos do Curso de aprimorar o processo de elaborao (formulao, implementao e avaliao) das polticas pblicas nacionais.Dada a natureza do Curso, consideramos que esse documento, que denominamos Trabalho de Concluso de Curso (TCC), deve ser elaborado por equipes de 3 a 4 alunos, simulando as atividades que costumam ser realizadas em ambientes de gesto.O TCC ser elaborado paulatinamente em torno de uma situao-problema escolhida e enunciada por cada equipe. Este enunciado, que servir de base para o TCC, dever tomar como ponto de partida os problemas enfrentados pelos alunos em seu ambiente de trabalho. O TCC ser, ento, elaborado mediante a aplicao dos conceitos, metodologias e contedos apresentados ao longo do curso com vistas a processar a situao-problema.A metodologia de aprendizado adotada no Curso est baseada na identificao e no processamento de uma situao-problema e tem como elemento aglutinador a elaborao do TCC. No que segue so apresentadas algumas caractersticas da metodologia de aprendizado. Talvez o seu cabal entendimento s ocorra numa segunda leitura, aps a apresentao das metodologias de diagnstico e planejamento de situaes-problema; respectivamente, Metodologia de Diagnstico de Situaes (MDS) e Metodologia de Planejamento de Situaes (MPS).A nfase do TCC ir recair inicialmente sobre o momento descritivo da situao-problema. E, em seguida, sobre o momento explicativo, dedicado a explicar como e por que se chegou situao-problema descrita. Esses dois primeiros momentos so tratados, principalmente, com base na MDS. O terceiro momento o momento normativo , que na nossa metodologia de trabalho se segue aos dois anteriores, tem incio com a apresentao da MPS. Esse ltimo momento tem por objetivo focalizar a transformao da situao-problema mediante a aplicao dos instrumentos adquiridos durante o Curso, e de acordo com sua viso de mundo, suas opes polticas, culturais, de gnero etc.A elaborao do TCC supe um esforo coletivo da equipe e, tambm, um esforo individual, sem o qual o primeiro dificilmente ter xito.

O esforo individualO esforo individual se relaciona a uma tarefa que deve ser realizada por cada aluno. Todos devero entregar via Teleduc (ferramenta de ensino-aprendizagem distncia desenvolvida pela Unicamp), at sete dias antes de cada Encontro (impreterivelmente), suas Impresses de Leitura sobre o contedo da bibliografia para ela indicada. As Impresses de Leitura no tm um modelo ou um tamanho rgido. Em cerca de 6 mil caracteres e incorporando em um documento nico todos os textos utilizados em cada encontro, elas devero sintetizar as reflexes do aluno acerca do contedo luz de sua formao, experincia profissional e convices. Em outras palavras, as impresses de leitura devem ser redigidas com base em duas questes: 1) o posicionamento crtico do aluno com relao s propostas e argumentos dos textos; e 2) sua relao com o seu ambiente de trabalho no setor pblico. Elas sero comentadas e devolvidas aos alunos at 24 horas antes do incio do Encontro correspondente. A avaliao individual de cada aluno levar em conta as suas Impresses de Leitura. Atrasos na entrega sero penalizados da seguinte forma: 20% de desconto do peso mximo para at uma semana de atraso e 40% de uma a duas semanas. Impresses de leitura enviadas com trs ou mais semanas de atraso no tero mais valor para a avaliao. Mas alm de ser um mecanismo de avaliao as impresses de leitura so atividades importantes para a elaborao do TCC. Boas impresses de leitura auxiliam na sua confeco. Os Encontros sero desenvolvidos tendo como referncia as Impresses de Leitura preparadas pelos alunos. De maneira a evitar uma relao unidirecional pouco produtiva, sobretudo em cursos de ps-graduao como este, as exposies do professor devem ser limitadas. Dever ser privilegiada uma discusso que contemple os pontos de interesse (dvidas, crticas, complementao em funo de outras leituras e de experincias pessoais etc.) dos alunos.

A bibliografia e o ordenamento dos assuntosA bibliografia foi escolhida em funo das opes metodolgicas e programticas do Curso. Deu-se preferncia a autores brasileiros e de outros pases latino-americanos, mesmo quando o assunto tratado se refere realidade de outras regies ou quando o contedo versa sobre contribuies originalmente propostas por autores estrangeiros. Isso porque se considerou que a perspectiva de anlise daqueles autores tende a ser mais adequada para a compreenso de nossa realidade e mais pertinente aos objetivos do Curso. E tambm porque o esforo realizado por vrios dos autores, de proporcionar uma perspectiva comparada entre os vrios pases da regio e destes com os pases de capitalismo avanado, til para a melhoria da Gesto Pblica brasileira. Foram tambm selecionados trabalhos de estrangeiros com familiaridade com a realidade de Amrica Latina.A opo de basear a metodologia de aprendizado na leitura de artigos recentemente publicados em revistas especializadas se deve inteno de simular, ao longo do Curso, o trabalho que os gestores devem se acostumar a realizar quando da pesquisa sobre um assunto pertinente s suas preocupaes. Isso envolve uma familiarizao com os diferentes tipos de linguagem utilizados, as fontes de referncia mais importantes, a bibliografia nacional e estrangeira de natureza seminal ou considerada mais pertinente, as tcnicas de leitura e interpretao de texto etc. Envolve, tambm, a percepo de como pesquisadores contemporneos debatem, atualizando ou aprimorando as contribuies de seus predecessores.Na escolha da bibliografia buscou-se associar o tema de cada Encontro e Sesso a uma ou mais referncias que dele tratassem de forma especfica e exclusiva. O que no , evidentemente, exeqvel. Faz parte da boa prtica acadmica que pesquisadores, ao focalizar um assunto, abordem outros que esto montante ou que so influenciados por ele. Embora em alguns poucos casos se tenha mutilado um trabalho recomendando a leitura de s uma de suas partes, ou esquartejado, sugerindo a leitura de uma delas para uma sesso e outra para outra, se preferiu evitar este procedimento. Isso porque pareceu importante que os alunos percebessem a maneira particular como o autor interpreta as situaes que analisa e as contribuies de seus antecessores. Caso o aluno tenha interesse por bibliografia complementar sugerimos a leitura das referncias indicadas nos textos da bibliografia obrigatria.Quando, em sala de aula, o professor comentar o contedo da bibliografia, ser privilegiada a apresentao das idias dos autores e a crtica interna aos seus argumentos. S depois disso, ser formulada uma crtica externa buscando contrastar essas idias e argumentos com a de outros autores lidos pelos alunos. O ordenamento dos assuntos visou encade-los tratando em cada sesso um assunto que respondesse a outro abordado na anterior e perguntasse algo a ser abordado na seguinte, a partir da leitura da bibliografia correspondente. E, tambm, claro, materializar inteno de respeitar o preceito pedaggico de tratar assuntos numa ordem que propicie ao aluno um envolvimento com eles crescente e adequado ao seu interesse. No que se refere s metodologias MDS, Modelizao e MPS o ordenamento deu-se em virtude da precedncia das primeiras em relao terceira. No que se refere Metodologia de Anlise de Polticas sua posio no Programa se deve ao fato de que quela altura do Curso os alunos j tero elementos suficientes para a sua aplicao.

O esforo coletivoO esforo coletivo se relaciona elaborao em equipe do TCC. Ele se inicia no primeiro Encontro com a formao de oito equipes (duas de 3 integrantes e seis de 4 integrantes) que se constituiro em torno das situaes-problema identificados. At 48 horas antes do segundo Encontro (e at o quarto), cada equipe entregar o fluxograma resultante da aplicao da MDS sobre a sua situao-problema para serem comentadas visando a sua adequao ao formato pretendido. Sempre com a mesma antecedncia, a cada Encontro, cada equipe apresentar via Teleduc o resultado de seu trabalho no perodo que se iniciou com o Encontro anterior; em especial o relacionado bibliografia sugerida para o Encontro correspondente.A idia que cada equipe registre o modo como a bibliografia contribui para enriquecer o diagnstico da situao-problema com a qual est trabalhando (o que reputamos como um insumo essencial para o trabalho coletivo de elaborao do TCC).Aps da apresentao da MDS, a partir do segundo e at o nono Encontro, logo no incio da sesso de sexta-feira, duas das oito equipes apresentaro o andamento de seu trabalho em at 20 minutos (seguidos de at 15 minutos de discusso). Isso permitir que cada equipe apresente duas vezes o andamento de seu trabalho ao longo do curso e que receba os comentrios, crticas e sugestes dos demais participantes.No quinto Encontro ser apresentada a MPS e a partir de ento as equipes trabalharo visando a sua aplicao sua situao-problema j previamente processada com a MDS. A partir do sexto Encontro, e seguindo o mesmo procedimento anterior, cada equipe entregar o resultado de seu trabalho de incorporar, ao produto da aplicao da MPS, os assuntos relacionados bibliografia sugerida para a sesso correspondente. Assim, as opinies de cada integrante da equipe, independentemente de terem sido registradas nas correspondentes Impresses de Leitura, sero incorporadas ao TCC.Tambm a partir do sexto Encontro, logo no incio da sesso de sexta-feira, duas das oito equipes apresentaro o andamento de seu trabalho em at 20 minutos (seguidos de at 15 minutos de discusso).

AvaliaoA avaliao dos alunos contemplar tanto o esforo individual quanto o esforo coletivo. Para a avaliao final o esforo individual (Impresses de Leitura) tem um peso de 60% e o esforo coletivo (TCC) um peso de 40%.

Sobre o Trabalho de Concluso de CursoCoerentemente com o acima indicado, esta seo detalha as caractersticas do TCC deste mdulo de 120h e de seu processo de elaborao.Devido importncia do TCC, consideramos que o processo de sua elaborao deve receber ateno prioritria por parte de todos os envolvidos com o Curso (alunos e professores) devendo as demais atividades (aulas presenciais e leituras) ser concebidas de maneira a subsidiar este processo. Caractersticas esperadas do TCCDever ser evitada, na concepo do TCC, uma nfase excessiva na apresentao e descrio de propostas, atividades, programas, processos de formulao, implementao e avaliao, aspectos institucionais, resultados j obtidos etc., relativos situao-problema escolhida. A originalidade do enfoque de gesto estratgica pblica adotado neste Curso, em particular a combinao concebida entre os instrumentos de Modelizao, Anlise de Polticas e Planejamento Estratgico Situacional, demanda uma cuidadosa elaborao do TCC. Ela dever estar apoiada nas atividades a seguir indicadas que, sem serem todas obrigatrias, serviro de balizamento para tanto. As reaes das equipes a elas e a sua eventual realizao dever ser sistematicamente registrada, de modo a permitir uma boa organizao do trabalho e o encadeamento seqencial dos resultados parciais obtidos.

Roteiro So propostos dois blocos de procedimentos para a elaborao do TCC:O primeiro bloco Procedimentos Bsicos pode ser entendido como algo obrigatrio ou essencial para a elaborao de um bom TCC. O segundo Procedimentos de Aprofundamento apresenta sugestes para que as equipes possam aprofundar seu trabalho e dever ser utilizado a partir das especificidades de cada situao-problema escolhida.

1) Procedimentos BsicosOs procedimentos para a elaborao do TCC envolvem, necessariamente, as atividades apresentadas abaixo:i) Identificar uma situao-problema relevante para o trabalho cotidiano de uma equipe de gesto.ii) Realizar um diagnstico da situao-problema que merece o envolvimento da equipe como ator que declara e como ator disposto a atuar. A aplicao da Metodologia de Diagnstico de Situaes (MDS) o primeiro marco do processo de elaborao do TCC, uma vez que permite a obteno de uma clara identificao das variveis e relaes de causalidade que compem a modelizao do sistema sobre o qual se desenvolver o trabalho at o final do Curso.iii) Elaborar uma lista preliminar dos indicadores disponveis acerca da situao-problema aparentemente adequados para o seu processamento.iv) Identificar os atores sociais pertinentes ao mbito da situao-problema e descrever a forma como atuam no sentido de mant-la ou alter-la.v) Descrever o processo decisrio mediante o qual a situao-problema foi gerada e pode ser explicada e identificar os atores mais significativos. vi) Analisar os processos de definio e priorizao de assuntos que integram a agenda pblica (ou sistmica).vi) Identificar o processo de conformao da agenda decisria (ou poltica) protagonizado pelos atores com maior poder e pelo governo (agenda governamental) indicando eventuais conflitos abertos, encobertos e latentes que podem ser associados a ela e a convenincia da transformao destes em conflitos abertos.viii) Apontar os descritores de Situao-Objetivo (ou Resultados esperados) com a resoluo ou a superao da situao-problema escolhida.ix) Descrever as restries identificadas no balano expresso no Tringulo de Governo relacionando a ambio de mudana do projeto poltico do ator que declara disponibilidade de apoio poltico e de capacidade de governo.x) Revisar a lista de indicadores da situao-problema de modo a eliminar os desnecessrios ou inadequados e incorporar os que decorrem das anlises realizadas.

2) Procedimentos de aprofundamentoSugere-se que, alm de realizar as tarefas listadas acima, os grupos atendam s seguintes recomendaes:i) Tendo como referncia a situao-problema escolhida, avaliar as dificuldades enfrentadas pelo governante em fazer cumprir a agenda governamental (aquela que decorre de seu plano de governo) e dos demais compromissos em relao s praticas de governo adotadas.ii) Tendo em vista a situao-problema estudada, relacionar as escolhas da equipe com a idia de que a expresso: o Estado (ou governo) no funciona, tende a obscurecer o fato de que sua racionalidade e funcionalidade correspondem a um dado balano de poder poltico e econmico e que esse mau-funcionamento favorece certos segmentos sociais. Quais os beneficirios e eventuais perdedores do mau-funcionamento do Estado?iii) Identificar caractersticas da situao-problema que podem ser associadas aos elementos presentes na implantao do modelo de Reforma do Estado Gerencial em curso (processos de privatizao e terceirizao; transferncia de funes/recursos do nvel federal para o municipal; diminuio da capacidade de regulao, planejamento e gesto; desmobilizao dos funcionrios etc.).iv) Identificar, nas instituies, equipes e atores envolvidos com o assunto as dificuldades e deficincias relacionadas ao modo de funcionamento da mquina pblica.v) Indicar operaes capazes de buscar equacionamento ou alterar a situao-problema propiciando um aumento da governabilidade e de objetivos colaterais, como a elevao do grau de participao popular etc.

Contedo programticoA tabela apresentada a seguir proporciona uma idia geral do desenvolvimento do Curso, composto por dez Encontros Semanais, cada um com trs sesses de quatro horas, num total de 120 horas-aula. Ali se indica, para cada sesso, o assunto tratado e a bibliografia cuja leitura dever ser realizada com anterioridade sesso.Observe que apenas quando necessrio se indica a data de publicao. Veja na seo seguinte Bibliografia a indicao bibliogrfica completa. Em alguns casos, os trabalhos sugeridos no tratam especificamente do tema das sesses e por esta razo aparece um intervalo de pginas que so as que devero ser lidas para a sesso correspondente.

Enc.Assunto da SessoObjetivo (compreender/entender...)Bibliografia

sex MApresentao do CursoUma viso preliminar de conjunto sobre o enfoque estratgico da Gesto Pblica como uma alavanca de transformao do Estado Herdado em direo ao Estado NecessrioDagnino (2009: Introduo e cap I e II)

1sex TO Global e o LocalA atual crise como manifestao das contradies do capitalismo escala mundial; a Bahia de uma perspectiva exgenaBoaventura, Gonalo

sbMetodologia de Diagnstico de SituaesApresentao da MDS visando concepo preliminar do modelo da situao-problema que ser enriquecido ao longo do Curso atravs das leituras e discussesDagnino (2009: cap.III e IV)

sex MSobre os Governos de Esquerda na Amrica LatinaCaracterizao da conjuntura que vivem os governos latino-americanos como um momento da trajetria da esquerdaFiori

2sex TAnlise sobre a ConjunturaAnlises crticas sobre o desempenho dos governos de esquerda (revoluo passiva ou contra-reforma? e o possibilismo)Born, Coutinho, Oliveira

sbMetodologia de ModelizaoPensamento complexo, sistemas e modelizao; a Gesto Estratgica Pblica e sua interface com a sociedade como um sistema complexo; modelizao de sistemas (situaes-problema)Dagnino (2009: cap. III)

sex MO Estado na Amrica Latina ContemporneaOito proposies e dez teses sobre o Estado latino-americano contemporneoODonnell (2007)

3sex TCarter do Estado CapitalistaO Estado como garantidor das relaes de produo capitalistas (organizao, exterioridade, racionalidade limitada e contradio)ODonnel (1981 p. I)

sbCidadania, Nao e PovoO papel das trs mediaes entre o Estado-Sociedade (a cidadania como fundamento, a nao como referencial e o povo como fundamento e referencial ambguo do Estado) para o movimento do capital e as suas relaesODonnel (1981 p. II)

sex MAs relaes Estado-Sociedade no CapitalismoA tripla relao Estado-Sociedade (a funcional ou da diviso social do trabalho, a material ou da distribuio do excedente social, e a da dominao ou da correlao de poder) e a conformao da agendaOszlak (1997)

4sex TTrajetria da relao Estado-Sociedade no BrasilA evoluo do Estado brasileiro e da Gesto Pblica luz das particularidades (patrimonialismo e outros ismos) e do carter das relaes Estado-Sociedade referentes trajetria scio-poltica e econmica do Pas at o surgimento do neoliberalismoTenrio e Saravia {107-122}, Costa {140-155}

sbO Estado Brasileiro e as Polticas SociaisComo se materializam, no caso brasileiro, as caractersticas do Estado capitalista tendo como referncia as polticas sociais; a relao pblico-privado e as polticas sociaisFaleiros

sex MAntecedentes da Reforma NeoliberalO pensamento neoliberal como uma reao ao movimento dos trabalhadores e pelo socialismo e um ataque ao Estado de Bem-estar tendo como foco a questo socialFonseca

5sex TA Proposta do Estado GerencialA proposta (Gerencial) de Reforma do Estado segundo o seu personagem principal (postura de crtica interna)Bresser

sbCrticas Reforma do NeoliberalismoO conceito de governana da Reforma Gerencial; por que no se aplicam as suposies da Reforma Gerencial (um teste emprico numa postura de crtica interna)Schmitter

sex MCrticas Reforma Gerencial BrasileiraCrticas pontuais Reforma Gerencial brasileira e proposies relativas gesto socialTenrio e Saravia {122-130}, Costa {133-140}

6sex TAs Polticas Sociais no ps-neoliberalismoComo vem sendo enfrentada a questo social? a nova gerao de polticas sociais latino-americanasKliksberg (2006), Diniz

sabMetodologia de Planejamento de SituaesApresentao da MPS visando proposio preliminar de aes, identificao de atores, definio de prazos, responsveis, etc. a partir do modelo da situao-problema concebido no incio do CursoDagnino (2009: cap V)

sex MMetodologia de Anlise de Polticas - viso panormicaMetodologia de Anlise de Polticas: conceitos, momentos e modelosHam e Hill

7sex TMetodologia de Anlise de Polticas roteiroRoteiro para a realizao de Anlise de Polticas; a anlise das agendas pblica, decisria e governamental; a agenda decisria como Estado em processoDagnino (2009: cap VI)

sbMetodologia de Anlise de Polticas - o Gestor e o AnalistaDiferenas entre Avaliao e Anlise de Polticas; tendncia ao tecnocratismo versus politizao da poltica pblica; por que ao gestor no basta ser um avaliador? por que ele tem que ser um analista de polticas?Cavalcanti e Dagnino

sex MBurocratas e o EstadoModelos de prtica administrativa, tipologia das burocracias latino-americanas; os burocratas e o desenvolvimento brasileiroKoldo Echebarra, Rua e Aguiar

8sex TCapacitao do Funcionalismo e Mudana SocialA institucionalizao da direo pblica profissionalOspina, Longo, Pullido

sbCaractersticas da Gesto Pblica Latino-americanaEspecificidades da Gesto Pblica latino-americana (insularidade, hibridismo, etc.)Waissbluth (2003), Evans

sex MPropostas para a Gesto Pblica Latino-americanaIndicaes para mudana; recomendaes aos dirigentes sobre o qu fazer e o qu no fazer.Waissbluth (2002)

9sex TExperincias de Democracia ParticipativaDilemas e dificuldades da gesto participativa em diferentes nveis da estrutura administrativa (experincias latino-americanas de oramento participativo e Conselho de Desenvolvimento Econmico e Social brasileiro)Kliksberg (2005), Cunil Grau, Goldfrank

sbO Tcnico e o Poltico: Combinar ou Fundir? possvel uma combinao entre o tcnico e o poltico na transio para o Estado NecessrioBrugu

sex MO Estado e os Desafios da DemocraciaUma tentativa de sntese dos desafios atuais da Gesto Pblica latino-americana apontando as vrias caras com que ela se apresenta aos diferentes atores sociaisODonnel (2008)

10sex TE depois do Estado Neoliberal?Uma proposta heterodoxa para a Gesto PblicaThwaites Rey

sbEncerramento

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Captulo I: Contedos Introdutrios Gesto Estratgica Pblica

1. IntroduoEmbora com um ttulo que pode dar a impresso de que seu objetivo to-somente introduzir o tema e que por isso no merece ser entendido como um assunto importante para a formao do aluno, este captulo , de fato, uma das unidades do Curso. Tal como o captulo seguinte, ele essencial para a compreenso dos que o seguem, orientados exposio das metodologias mais utilizadas na GEP. O Captulo se inicia com um breve histrico do planejamento de modo a explicitar algumas caractersticas do contexto scio-poltico em que se verificam as relaes Estado-Sociedade no capitalismo perifrico. Em conjunto com as demais sees, ele permite ressaltar o ambiente adverso no qual se pretende que a GEP seja implantado.

1.1. Um breve histrico do planejamentoEmbora o planejamento possa ser considerado como uma extenso do pensamento marxista, na medida em que estava nele implcita a possibilidade de conferir ao Estado herdado do capitalismo um papel destacado na organizao das tarefas associadas transio ao socialismo, foi somente no perodo da Nova Poltica Econmica, j no incio dos anos de 1920, que o planejamento se integra ao arsenal do Estado sovitico. O planejamento com a conotao que a aqui adotada e que se refere ao mbito nacional, global passa a ser entendido, ento, como uma possibilidade de superar as relaes sociais e tcnicas de produo capitalistas. E, assim, substituir o mercado como ente regulador e alocador de recursos. Inspirado na experincia do exrcito revolucionrio advinda da luta contra a burguesia e contra os inimigos externos, e apoiado pelos estudos sobre o que viria a constituir a metodologia de balano intersetorial (matriz de insumo-produto), o planejamento logo se afirmou como instrumento de organizao da economia socialista. A potencialidade que ele apresentava em termos de prospectiva, simulao e organizao para a consecuo das metas econmico-produtivas permitiu que em menos de um qinqnio fosse possvel atingir os nveis de produo agrcola e industrial vigentes antes da destruio causada pela guerra, pela revoluo e pela sabotagem contra-revolucionaria.A rpida industrializao e o crescimento da produo agrcola da URSS permitiram que ela despontasse como uma aliada essencial para a vitria sobre o nazismo e, j num contexto de Guerra Fria, o planejamento passou a gerar efeitos scio-econmicos positivos nos demais pases do bloco socialista. No mbito dos pases capitalistas, e buscando uma emulao da experincia sovitica, um planejamento de tipo socialista foi adotado por um curto perodo na Frana da Frente Popular em meados dos anos de 1930.De fato, nos pases capitalistas, foi s em situaes onde era necessria uma intensa mobilizao econmica que os dirigentes preferiram a racionalidade do planejamento capacidade do mercado de otimizar a alocao de recursos. Isso ocorreu primeiro na Alemanha nazista, no perodo de preparao do esforo de guerra que antecedeu o conflito, estendendo para a economia como um todo os mtodos desenvolvidos no mbito militar. Assim, embora sem que se possa caracterizar propriamente como planejamento na acepo que o termo viria a ter posteriormente, as iniciativas implementadas durante o esforo de guerra e nos processos de reconstruo Europia no imediato ps-guerra se utilizaram de mtodos que se aproximavam daqueles usados no campo socialista.Parece que o sucesso dessas iniciativas foi um elemento importante para que a idia do planejamento se fortalecesse na Amrica Latina. Experincias anteriores, como as que ocorreram no incio da dcada de quarenta no Brasil, ganharam impulso, estimuladas no ps-guerra pela Organizao das Naes Unidas (em especial da Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento).No plano terico, esse processo levou a importantes contribuies amparadas num amplo espectro ideolgico que ia desde o materialismo histrico at o pensamento conservador, passando pela viso keynesiana. No plano das aes de governo, surgiram no Brasil, a partir dos anos cinqenta, sucessivas experincias de planejamento no mbito federal. Algumas das quais, como a do Plano de Metas (1956-1961) do governo de Juscelino Kubitschek, bastante bem sucedidas a julgar pelos resultados que obtiveram. A experincia brasileira de planejamento se aprofunda durante o perodo militar. Sucessivos planos so formulados e implementados a partir de 1964 seguindo o estilo autoritrio, centralizador e economicamente concentrador que caracterizou os governos militares. Seu projeto de Brasil-grande-potncia demandava uma mobilizao que, ainda que em menor grau do que havia ocorrido no mbito dos pases avanados, demandava um significativo esforo de planejamento. No incio dos anos setenta, a implantao de um Sistema de Planejamento Federal, deu origem a trs edies do Plano Nacional de Desenvolvimento. O ltimo deles, com um perodo de execuo que coincidiu com a perda de legitimidade da ditadura militar que antecedeu a abertura e a redemocratizao do Pas, terminou por explicitar o carter demaggico e manipulador que envolveu a experincia de planejamento dos militares.Com o governo civil da Nova Repblica, iniciado em 1985, tentado sem muito sucesso retomar iniciativas de planejamento que fossem mais alm do plano setorial. A partir do governo Collor, com a adoo da orientao neoliberal, iniciativas de planejamento no sentido estrito do termo, sobretudo as que visavam o mbito nacional, global, passam a ser cada vez mais escassas.

1.2. O contexto scio-poltico em que se deve inserir a Gesto Estratgica Pblica Esta seo, assim como as duas que seguem, tem por objetivo precisar o contexto em que o objetivo mais ambicioso deste Curso contribuir para que as atividades de gesto pblica levadas a cabo nos vrios nveis e instncias governamentais que abarca o Estado brasileiro passem a ser realizadas em conformidade com os princpios da GEP ter que ocorrer.Nesse sentido, h que esclarecer nossa opinio, j esboada ao longo da retrospectiva realizada na seo anterior, de que o contexto brasileiro atual adverso adoo da Gesto Estratgica Pblica como um instrumento de gesto pblica. As atividades a ele correspondentes tero que se desenvolver no interior de um aparelho de Estado Herdado, no preparado para atender as demandas que a sociedade hoje lhe coloca. E, ao mesmo tempo, devero atuar no sentido de transform-lo no sentido da criao do Estado Necessrio, entendido como um Estado capaz no apenas de atend-las, mas de fazer emergir e satisfazer as demandas da maioria da populao.Para introduzir o tema central desta seo vamos colocar uma pergunta que possui como resposta, justamente, o porqu da existncia de uma disciplina de GEP num Curso de Especializao que deve ter como compromisso capacitao de gestores pblicos para promover a construo do Estado Necessrio. Um Estado que possa alavancar o atendimento das demandas da maioria da populao e projetar o Pas numa rota que leve a estgios civilizatrios sempre superiores?A resposta a esta pergunta ser formulada em duas etapas. Primeiramente sero identificadas as caractersticas do Estado Herdado. Do processo de sua constituio, em particular do seu crescimento durante o perodo autoritrio[footnoteRef:7] que sucedeu ao nacional-desenvolvimentismo e antecedeu o seu desmantelamento pelo neoliberalismo[footnoteRef:8]. Em segundo lugar, sero fornecidos elementos que levam constatao de que este Estado que herdamos duplamente incompatvel com a proposta de mudana que a sociedade brasileira deseja: sua forma no corresponde ao contedo para onde deve apontar sua ao. De um lado porque, a forma como se relaciona com a sociedade, impede que ele formule e implemente polticas pblicas com um contedo que contribua para alavancar essa proposta. De outro porque o modo como se processa a ao de governo na sua relao com o Estado existente, determinado pelos contornos de seu aparelho institucional, irreconcilivel com as premissas de participao, transparncia e efetividade dessa proposta. [7: Guillermo ODonnell, pesquisando sobre as particularidades de um tipo especfico de Estado capitalista, o Estado burocrtico autoritrio latino-americano (ODONNEL, 1981), provavelmente o pesquisador que mais tem contribudo para o entendimento desse primeiro componente da matriz que conforma o que chamamos Estado Herdado, que provm do perodo militar. Sua expresso corporativismo bifronte, que seria a combinao de uma face estatista que teria levado conquista do Estado e subordinao da sociedade civil com outra privatista que o teria colocado a servio de setores dominantes suas reas institucionais prprias especialmente elucidativa (ODONNELL,1976:3).] [8: Entre os muitos trabalhos que conceituam o neoliberalismo e que nos autorizam a caracterizar a Reforma Gerencial que caracteriza o segundo componente que conforma o que chamamos Estado Herdado como neoliberal, recomendamos pela sua clareza e facilidade de entendimento a excelente resenha feita por Diniz (2007).]

1.3. As caractersticas do Estado HerdadoMais alm das preferncias ideolgicas, a combinao que o Pas herdou do perodo militar (1964-1985), de um Estado que combinava autoritarismo com clientelismo[footnoteRef:9], hipertrofia com opacidade, insulamento com intervencionismo, deficitarismo com megalomania no atendiam ao projeto das coalizes de direita ou de esquerda que, a partir da redemocratizao que se inicia em meados dos anos de 1989, o poderiam suceder. [9: Para uma anlise detalhada deste e de outros ismos que caracterizam o Estado Herdado (patrimonialismo, mandonismo, personalismo, formalismo) ver Costa (2006). Reconhecendo a existncia de caractersticas semelhantes da relao Estado-Sociedade em outros pases latino-americanos, Fragoso (2008) mostra como se manifestam trajetrias distintas entre eles no que diz respeito ao desenvolvimento do que ele denomina nova gerncia pblica.]

um princpio bsico da ao humana, da atuao das organizaes, e tambm da GEP, o fato de que todas as decises tm um custo de operao e que, se equivocadas, demandam a absoro de custos de oportunidade econmicos e polticos. O Estado legado por mais de 20 anos de autoritarismo no contemplava os recursos como escassos. Os econmicos podiam ser financiados - interna ou externamente - com aumento da dvida imposta populao, os polticos eram virtualmente inesgotveis, uma vez que seu aparato repressivo a servio do regime militar sufocava qualquer oposio. A reforma gerencial desse Estado[footnoteRef:10], que pregava a doutrina neoliberal e que empreenderam os governos civis que sucederam dbcle do militarismo, no encontrou muitos opositores. Para a direita, questo era inequvoca. No havia porque defender um Estado que ela considerava super-interventor, proprietrio, deficitrio, paquidrmico, e que, ademais, se tornava crescentemente anacrnico na cena internacional. Na verdade, j h muito, desde o momento em que, no cumprimento de sua funo de garantir a ordem capitalista, ele havia sufocado as foras progressistas e assegurado as condies para a acumulao de capital, ele se tornara disfuncional. [10: O mais conhecido expoente da proposta de Reforma Gerencial do Estado brasileiro Luis Carlos Bresser Pereira. Entre vrios outros trabalhos de sua autoria, em Bresser Pereira (1998) so apresentadas as principais caractersticas da Reforma Gerencial. Seu documento oficial (Plano Diretor da Reforma do Aparelho Estado, 1995), que pautou as iniciativas governamentais neste sentido uma transposio de suas idias para uma linguagem no-acadmica. ]

Para a esquerda, que havia participado no fortalecimento do Estado do nacional-desenvolvimentismo, a questo era bem mais complicada. Ela o entendia como um baluarte contra o que denominava a dominao imperialista e como uma espcie de sucedneo de uma burguesia incapaz, por estar j aliada com o capital internacional, de levar a cabo sua misso histrica de promover uma revoluo democrtico-burguesa. De fato, mesmo no auge do autoritarismo, o crescimento do Estado era visto pela esquerda como um mal menor: ao mesmo tempo em que denunciava o carter de classe, repressivo e reprodutor da desigualdade social do Estado brasileiro, ela via este crescimento como necessrio para viabilizar seu projeto de longo prazo de reconstruo nacional. E, tambm, para sentar as bases do que seria o Estado forte capaz de planejar e viabilizar a transio ao socialismo segundo o modelo sovitico ainda vigente. A questo dividiu a esquerda. De um lado os que, frente ameaa de um futuro incerto defendiam intuitivamente o passado, e os que, defendendo interesses corporativos mal-entendendo os conceitos de Estado, nao e autonomia nacional, defendiam ardorosamente o Estado que herdramos. De outro os que, por entender que a construo do Estado Necessrio iria demandar algumas das providncias que estavam sendo tomadas e que o fortalecimento de uma alternativa democrtica e popular ao neoliberalismo no privilegiava a questo, defendiam o controle da sociedade sobre o processo de privatizao.

1.4. A democratizao poltica e o Estado NecessrioCom o final do regime militar, o Brasil inicia um processo de democratizao poltica que tende a possibilitar um aumento da capacidade dos segmentos marginalizados de veicular seus interesses levando expresso de uma demanda crescente por direitos de cidadania. Na medida em que este processo avanar, aumentar ainda mais a capacidade dos segmentos marginalizados de veicularem seus interesses e necessidades no atendidas por bens e servios alimentao, transporte, moradia, sade, educao, comunicao etc. e, com isto, a demanda por polticas pblicas capazes de promover seu atendimento. o que tem sido chamado de cenrio tendencial da democratizao.Para satisfazer essas necessidades sociais com eficincia, e no volume que temos em pases como o Brasil, ser necessrio duplicar o tamanho dessas polticas para incorporar os 50% desatendido da populao. Tarefa que, por si s, j evidncia a importncia da GEP.Se no for possvel promover um processo de transformao do Estado Herdado em direo ao Estado Necessrio[footnoteRef:11] que permita satisfazer necessidades sociais represadas ao longo de tanto tempo o processo de democratizao pode ver-se dificultado e at abortado, com enorme esterilizao de energia social e poltica. [11: Muitas contribuies, a partir de uma crtica Reforma Gerencial, tm apresentado elementos do que aqui enfeixamos na proposta de Estado Necessrio. Entre as mais recentes, podemos citar Tenrio e Saravia (2006), Thwaites Rey (2008), Costa (2006).]

claro que para satisfazer aquelas demandas, o ingrediente fundamental, que no depende diretamente do Estado, uma ampla conscientizao e mobilizao polticas que, se espera, ocorra sem um custo social maior do que o que esta sociedade vem pagando. O fato de que parece necessrio que o Estado faa a "sua parte" uma das motivaes deste Curso. Isto , aumentar as chances de xito do trabalho que deve ser desenvolvido na "frente interna" de gerar as condies cognitivas necessrias para a transformao do Estado. A qual est sendo impulsionada na "frente externa" do contexto social e poltico, pelos segmentos da sociedade identificados com o estilo alternativo de desenvolvimento que se desenha para o futuro. verdade que a correlao de foras polticas, que sanciona uma brutal e at agora crescente concentrao de poder econmico, muito pouco espao deixa para que uma ao interna ao Estado possa alterar a situao de misria em que se encontra a maioria da populao. H que entender a esse respeito que a configurao que hoje possui o Estado brasileiro o Estado Herdado uma conseqncia da concentrao de poder econmico e poltico que temos no Pas que foi estabelecendo um tipo particular de relao Estado-Sociedade. Ela se revela na coexistncia, no mbito das polticas pblicas que implementa o Estado, de dois espaos distintos. Um, que serve classe proprietria, criao da infraestrutura econmico-produtiva e coordenao econmica, que so relativamente preservados e insulados do clientelismo e que seguem um padro de eficincia e eficcia[footnoteRef:12] semelhante quele que vigora no Estado de bem-estar dos pases avanados. Outro, que abrange os rgos pertencentes aos ministrios sociais que servem s classes subalternas, que so objeto de repartio poltica entre os partidos que apiam o governo e em que usual a prtica do clientelismo, onde aquele padro se situa muito abaixo daquele que exibem pases perifricos com renda per capita muito inferior nossa. [12: ODonnell (2004) formula um esquema para entender e avaliar o Estado baseado em quatro dimenses. A da eficcia do conjunto de burocracias que o compem; da efetividade do seu sistema legal; da credibilidade que granjeia como realizador do bem comum da nao, ou do povo; e da capacidade de atuar como filtro adequado ao interesse geral de sua populao. Concordando com o que coloca para a Amrica Latina em geral, podemos dizer que, tambm em geral, ainda que com diferenas relativas queles dois espaos, temos tido e seguimos tendo um Estado que registra um baixo escore nessas quatro dimenses.]

Esse tipo particular de relao Estado-Sociedade se revela, tambm e por conseqncia, numa segmentao do funcionalismo pblico em duas categorias que convivem no interior do Estado. Elas se conformaram na dcada de 1950, quando o recm se consolidava uma administrao meritocratica de tipo weberiano que pretendia se impor ao modelo burocrtico patrimonial[footnoteRef:13]. Com caractersticas profissionais e remunerao muito distintas, elas passaram a ser responsveis pelo funcionamento daqueles dois espaos de poltica pblica que vm desde ento contribuindo para aprofundar nossa concentrao de poder econmico e poltico. [13: Bresser Pereira (2007:15) mostra como a partir dessa poca de institui um descolamento, que se viria a se aprofundar consideravelmente durante o governo militar entre os barnabs, cujo estatuto foi estabelecido com a criao do Departamento Administrativo do Servio Pblico (DASP), por ocasio da reforma do Estado iniciada em 1938, e a burocracia pblica moderna que, no ncleo do aparelho administrativo ou nas empresas estatais, passava a implementar a estratgia de desenvolvimento do capitalismo brasileiro: o nacional-desenvolvimentismo.]

A existncia desses dois espaos e, conseqentemente de dois tipos de burocracia, tambm necessrio que se entenda, nunca foi vista como um problema. Como algo que devia ser resolvido no sentido de modernizar o Estado tornando-o mais prximo daquele dos pases de capitalismo avanado que se tomava como modelo. Ao contrrio, uma espcie de acordo entre a classe poltica e o segmento no-estatutrio, mais bem pago, em geral mais bem preparado e que teve um papel fundamental na execuo dos projetos de desenvolvimento do perodo militar terminou levando a uma situao totalmente anmala quando comparada com a dos pases avanados em que cada vez que assume um novo Presidente da Repblica, abrem-se 50 mil cargos de livre provimento para nomeao (BRESSER-PEREIRA, 2007).Para aprofundar-nos no entendimento das dificuldades que envolvem a transio do Estado Herdado para o Estado Necessrio conveniente lembrar uma passagem da obra de Claus Offe. Ela to elucidativa para entender porque malograram as tentativas de reforma do Estado que h mais de oitenta anos se sucedem em nosso pas que tem sido usada por muitos autores (entre eles Martins (199.) e Costa (2006)) para criticar a Reforma Gerencial. Diz ele: bem possvel que o desnvel entre o modo de operao interno e as exigncias funcionais impostas do exterior administrao do Estado no se deva estrutura de uma burocracia retrgrada, e sim estrutura de um meio scio-econmico que (...) fixa a administrao estatal em um certo modo de operao... bvio que um desnvel desse gnero entre o esquema normativo da administrao e as exigncias funcionais externas no poderia ser superado atravs de uma reforma administrativa, mas somente atravs de uma reforma daquelas estruturas do meio que provocam a contradio entre estrutura administrativa e capacidade de desempenho (OFFE, 1994:219).Dessa colocao decorre que mesmo nossa proposta de promover a transio do Estado Herdado para o Estado Necessrio comeando, no por um dos extremos ambos irrealistas de reforma do Estado ou do meio scio-econmico e sim na mobilizao de um ciclo virtuoso que v da capacitao dos gestores pblicos para a transformao das relaes Estado-Sociedade, deve ser vista com cautela. No obstante, verdade que medida que a democratizao avance e a concentrao de renda que hoje asfixia nosso desenvolvimento e penaliza a sociedade brasileira for sendo alterada, se ir ampliando o espao econmico e poltico para um tipo de atuao da burocracia com ela coerente[footnoteRef:14]. [14: Diversos autores de pases latino-americanos tm refletido sobre a associao entre a reflexo desenvolvida sobre as caractersticas da relao Estado-Sociedade, o aumento da participao poltica, e a mudana da arquitetura do Estado; e, em conseqncia, nas polticas pblicas elaboradas nesses pases. Paramio (2008) mostra como as propostas sobre a segunda gerao de reformas, iniciada no final dos anos de 1990, combinada com a presso poltica contra o impacto social e econmico negativo da primeira, origina, em funo das caractersticas daquela relao, reaes distintas em dois grupos de pases da regio. Atrio e Piccone (2008), concordando com a idia de que a mudana no modo de operao da burocracia depende criticamente das exigncias impostas pela relao Estado-Sociedade, aponta recomendaes para esta mudana.]

E, nessa conjuntura, o conhecimento que passaro a deter os gestores que se pretende capacitar atravs de iniciativas como a que estamos tratando poder fazer toda a diferena. Isto , talvez seja esse conhecimento o responsvel por se alcanar ou no a governabilidade necessria para tornar sustentvel o processo de mudana social que se deseja[footnoteRef:15]. Da a importncia de disponibilizar conhecimentos aos gestores pblicos que possam levar melhoria das polticas, ao aumento da eficcia da sua prpria mquina, e sua transformao numa direo coerente com a materializao daquele novo estilo de desenvolvimento. [15: A seo que analisa a questo da governabilidade e do Tringulo de Governo especialmente elucidativa a este respeito.]

Privatizao, desregulao, liberalizao dos mercados tm impedido que o Estado brasileiro se concentre em saldar a dvida social e, enquanto Estado-naco capitalista, por certo , assumir suas responsabilidades em relao proteo aos mais fracos, desnacionalizao da economia e subordinao aos interesses do capital globalizado.Assumir essas responsabilidades e materializar os processos de democratizao e redimensionamento do Estado so desafios interdependentes e complementares que demandam de maneira evidente os contedos que trata este Curso e, no plano operacional, da implementao das aes, no podero prescindir da GEP.A redefinio das fronteiras entre o pblico e o privado exige uma cuidadosa deciso: quais assuntos podem ser desregulamentados e deixados para que as interaes entre atores privados com poder similar determinem incrementalmente um ajuste socialmente aceitvel e quais devem ser objeto da agenda pblica, de um processo de deciso racional, participativo e de uma implementao e avaliao sob a responsabilidade direta do Estado. A democracia uma condio necessria para construir um Estado que promova o bem-estar das maiorias. S o conjunto que ela forma com outra condio necessria a capacidade de GEP suficiente. S a democracia aliada eficincia de gesto pode levar transformao do Estado Necessrio no sentido que almeja a sociedade brasileira. Sem democracia no h participao e transparncia nas decises, no h planejamento participativo, avaliao de polticas, prestao de contas. No h responsveis, h impunidade. Mas a democracia, se restrita a um discurso poltico genrico e sem correlao com ao de governo cotidiana pode degenerar num assemblesmo inconseqente e irresponsvel e numa situao de descompromisso e ineficincia generalizada.Governar num ambiente de democracia e participao e, ao mesmo tempo, com enormes desigualdades sociais, requer capacidades e habilidades extremamente complexas e difceis de conformar, sobretudo no mbito de um Estado como o que herdamos. E sem a utilizao das ferramentas da GEP isso ser ainda mais difcil.Entre outras coisas porque tanto a direita como a esquerda perceberam a necessidade de contar com metodologias de planejamento e gesto que, ao mesmo tempo, promovam e dem conseqncia participao popular. A primeira, porque j no pode manter o estado de ignorncia e subordinao do qual at agora tm lanado mo para seguir governando. A segunda, porque ao abandonar sua estratgia de revoluo armada que permitiria a seus quadros, tomando o poder e atravs de um renovado apoio das massas, usar o Estado para alcanar o seu cenrio normativo, percebeu que a simples mobilizao poltica no era suficiente. De fato, ao abraar a via eleitoral, a participao, mais do que a mobilizao poltica, a garantia que tem para dar conseqncia e para, assim, manter o apoio popular que foi capaz de conquistar.

1.5. A construo do Estado Necessrio e a Gesto Estratgica Pblica Esta seo se inicia com a apresentao do argumento de que o trnsito do Estado Herdado para o Estado Necessrio, aquele que possa servir como um instrumento para implementar aquela proposta de mudana, demanda a capacitao de seus quadros. Demanda a formao de gestores que aliem dois tipos de capacidades ou habilidades bsicas. A primeira, dominar os aspectos tericos e prticos do processo de elaborao de polticas pblicas a ponto de serem capazes de utiliz-lo como ferramenta da mudana social, econmica e poltica. A segunda capacidade atuar de maneira to eficiente no seu dia-a-dia a ponto de fazer com que a estrutura que corporificam o Estado seja cada vez mais eficaz no uso dos recursos que a sociedade lhe faculta e que produza impactos crescentemente efetivos.A democratizao poltica est levando a um crescimento exponencial da agenda de governo; a erupo de uma infinidade de problemas que, em geral, demandam solues especficas e criativas, muito mais complexas do que aquelas que o estilo tradicional de elaborao de polticas pblicas e de planejamento governamental homogeneizador, uniformizador, centralizador, tecnocrtico, tpico do Estado que herdamos pode absorver.No Brasil, a maneira como tradicionalmente se definia e caracterizava os problemas que o Estado deveria tratar ficava restrita ao que a orientao ideolgica e o pensamento poltico conservador dominante eram capazes de visualizar. A explicao dos problemas pblicos estava constrangida por um modelo explicativo que, de um lado, tendia quase monocausalidade e, de outro, a solues genricas, universais. O que levou ao estabelecimento de um padro nico do tipo causa-problema-soluo no qual, embora fosse percebida uma certa especificidade nos problemas enfrentados, o fato de que segundo o modelo explicativo adotado, sua causa bsica era a mesma, terminava conduzindo proposio de uma mesma soluo. O governo no apenas filtrava as demandas da sociedade com um vis conservador e elitista. Ele adotava uma maneira tecnoburocrtica para trat-las que levava sua uniformizao, ao seu enquadramento num formato genrico que facilitava tratamento administrativo. Ao faz-lo, escondia sob um manto de aparente eqidade os procedimentos de controle poltico e se assegurava a docilidade do povo, desprotegido e desprovido de cidadania, frente ao burocratismo onipotente do Estado[footnoteRef:16]. Era na fila do INPS que este povo aprendia o que era a democracia... [16: Para uma excelente retrospectiva de como se deu ao longo do nosso processo de desenvolvimento scio-econmico a relao entre o Estado e os interesses das classes dirigentes e subordinadas ver Bresser-Pereira (2007).]

As caractersticas do Estado Herdado faziam com que as demandas da populao se tornassem assuntos genricos, nacionais, a serem resolvidos mediante a distribuio dos recursos arrecadados de forma centralizada. Assim, sem nenhuma preocupao com a elaborao de polticas apropriadas e com a adoo de ferramentas da GEP, os recursos fluam atravs de uma complexa rede de influncias e favores at os lideres polticos locais que discricionariamente os transformavam em benesses com que atendiam a suas clientelas. Esta situao perpetuava e retroalimentava um modelo de planejamento governamental e de elaborao de polticas que eram no apenas injustos e genricos. Eram tambm incuos, uma vez que as verdadeiras causas ou no eram visualizadas ou no podiam ser enfrentadas. Este modelo que se consolidou objetivos, instrumentos, procedimentos, agentes, tempos alm de incremental, assistemtico e pouco racional tendia a gerar polticas que eram facilmente capturadas pelos interesses das elites[footnoteRef:17]. [17: So muitos os trabalhos de pesquisadores que descrevem as caractersticas que foram impregnando a gesto pblica latino-americana e que configuram o que denominamos Estado Herdado e que apontam propostas para sua modificao. Entre eles, recomendamos Oszlak (1999), Evans (2003), Waissbluth (2002 e 2003).]

As demandas que o processo de democratizao poltica ir cada vez mais colocar, e que sero filtradas com um vis progressista por uma estrutura que deve celeremente se aproximar do Estado Necessrio, originaro outro tipo de agenda poltica. Sero muito distintos os problemas que a integraro e tero que ser processados por este Estado em transformao. Eles no sero mais abstratos e genricos, sero concretos e especficos, conforme sejam apontados pela populao que os sente, de acordo com sua prpria percepo da realidade, com seu repertrio cultural, com sua experincia de vida, freqentemente de muito sofrimento e justa revolta.Construir o Estado Necessrio no somente difcil. uma tarefa que, para ser bem sucedida deveria contar a priori com algo que j deveria estar disponvel, mas que , ao mesmo tempo, seu objetivo criar. Isto , as capacidades e habilidades extremamente complexas necessrias para transformar o Estado Herdado. Assim colocado, o problema parece no ter soluo. No obstante, ela existe. E existe porque j existe a conscincia do problema que a construo do Estado Necessrio. E quando existe esta conscincia porque a soluo j vislumbrada por uma parte dos atores envolvidos com o problema. A deciso de criar este Curso supe uma conscincia por parte desses atores de que a emergncia da forma institucional Estado Necessrio, aquela que corresponde ao contedo das polticas que cabe a ele implementar depende de uma preocupao sistemtica com a capacitao do conjunto de seus funcionrios. A criao do Curso representa uma demonstrao de que o primeiro indispensvel e corajoso passo est sendo dado. Ele revela a percepo de que rotinas administrativas que do margem ao clientelismo, iniqidade, injustia, corrupo e ineficincia, que restringem os resultados obtidos com a ao de governo, que frustram a populao e solapam a base de apoio poltico dificultando a governabilidade, no podem ser toleradas. E que para que isto ocorra, no bastam o compromisso com a democracia e com um futuro mais justo, o ativismo e a militncia. Este passo denota a percepo de que para criar condies favorveis para que seu corpo de funcionrios materialize esse compromisso imprescindvel que um novo tipo de conhecimento terico e prtico acerca de como governar (para a populao e em conjunto com ela) seja urgentemente disponibilizado. E que atravs dele que uma nova cultura institucional ser criada e alavancar a construo do Estado Necessrio. Do ponto de vista cognitivo, esta nova situao demanda do gestor pblico um marco de referncia analtico-conceitual, metodologias de trabalho, e procedimentos qualitativamente muito diferentes daqueles que se encontram disponveis no meio em que ele atua. O contedo a ser incorporado s polticas, fruto de um vis no mais conservador e sim progressista, transformador, ir demandar um processo sistemtico de capacitao[footnoteRef:18]. [18: conveniente ressaltar, neste sentido, que a idia que orientou a concepo deste Curso muito distinta daquela que subjaz s propostas realizadas pela Reforma Gerencial (BRESSER-PEREIRA, 1998) ou, para tomar uma referncia mais recente e menos irrealista, pela Carta Ibero-americana de Qualidade na Gesto Pblica (2008), acerca de qual deveria ser o comportamento do bom burocrata. Ao invs de postular uma lista de recomendaes sobre a sua conduta, baseada na responsabilidade social, na tica, na qualidade etc., o que esperamos proporcionar aos gestores um contedo analtico-conceitual e metodolgico que os tornem capazes de exercer sua discricionariedade para materializar a escolha que fizeram de melhorar a relao Estado-Sociedade.]

Para dar uma idia do desafio cognitivo que isto significa vale introduzir um dos elementos-chave da GEP: a forma como se d a determinao do que so problemas e o que so solues, o que so causas e o que so efeitos, o que so riscos e o que so oportunidades. Isso porque, em muitos casos, ela ter que ser invertida.H que ressaltar, nesse sentido, que a GEP um dos instrumentos por meio dos quais novas inter-relaes, sobre-determinaes, pontos crticos para a implementao de polticas etc., tero que ser identificados, definidos e processados. S assim os novos problemas podero ser equacionados mediante polticas especficas; por exemplo, por meio de redes de poder locais, com a alocao de recursos sendo decidida localmente.Estamos vivendo um momento da democratizao poltica em que as duas pontas da gesto pblica e do processo de elaborao de polticas esto sofrendo uma rpida transformao. Na sua ponta inicial a veiculao da demanda h claramente maior probabilidade de que assuntos submersos e de grande importncia para a populao passem a integrar a agenda de deciso poltica. Na sua ponta terminal a deciso de onde alocar recursos existe igualmente uma grande probabilidade de que problemas originais passem a ter sua soluo viabilizada. Como tratar essas novas demandas at transform-las em problemas que efetivamente entrem na agenda decisria? Como fazer com que o momento da implementao da poltica (que se segue ao da formulao) possa contar com um plano para sua operacionalizao eficaz, que maximize o impacto favorvel dos recursos cuja alocao pode ser agora localmente decidida de forma rpida, mediante instrumentos inovadores e transformadores como o caso do Oramento Participativo?No nossa inteno apresentar a GEP como a panacia que ir resolver todos os problemas e enfrentar todos os desafios que estamos comentando nesta parte introdutria, mas caber ao leitor, ao final, avaliar a potencialidade deste instrumento.

1.6. O contexto de elaborao de Polticas PblicasEsta seo focaliza o contexto em que o objetivo mais ambicioso deste Curso contribuir para que as atividades de gesto pblica levadas a cabo nos vrios nveis e instncias governamentais que abarca o Estado brasileiro passem a ser realizadas em conformidade com os princpios da GEP ter que ocorrer. Ela ir tratar de questes associadas ao marco analtico-conceitual da GEP introduzidas a partir de uma postura crtica em relao Administrao Geral, derivada da Administrao de Empresas e utilizada na conformao dos contedos da Administrao Pblica; os quais marcam aquele contexto e o tornam inadequado para a consecuo daquele objetivo.Para iniciar, conveniente explicar porque se usa neste Curso o termo Gesto Pblica e no o de Administrao Pblica. A literatura anglfona de Administrao (que mantm um enfoque que apesar de alegadamente genrico se refere s empresas) costuma utilizar o termo management para referir-se ao mundo privado. O termo administration teria um significado mais amplo, buscando um status universal capaz de abarcar todos os mbitos de atividade humana, inclusive o mundo pblico; ou aquilo que em seguida se designa como Administrao Geral. O primeiro termo tem sido traduzido para o portugus como gesto e o segundo como administrao.A mesma literatura usando o prefixo public enfatiza o que tem sido traduzido como administrao pblica para referir ao ambiente pblico, de governo. No obstante, mais usado hoje no Brasil o termo gesto pblica para fazer referncia s atividades que tm lugar no ambiente pblico ou aos conhecimentos que nele so aplicados.Feita essa aclarao terminolgica, cabe uma outra, de contedo. Esta seo se baseia em constataes e argumentos acerca de qual deveria ser o marco analtico-conceitual da GEP no mbito de uma Gesto Pblica coerente com os balizamentos expostos nas sees anteriores. Sua fundamentao, embora mais ou menos evidente, no aqui apresentada em detalhe.A indagao sobre a adequao do marco analtico-conceitual da Administrao Geral, que o que tem orientado as experincias brasileiras de planejamento governamental, se inicia pela caracterizao da rea de atuao conhecida como Polticas Sociais que aquela na qual se desenvolvem boa parte das aes voltadas para o desenvolvimento social.Embora no devesse ser assim e no seja esta a nossa viso, a expresso Gesto Pblica tem sido freqentemente utilizada no meio acadmico e profissional para designar um corpo de conhecimentos (ou um conjunto de atividades entre as quais se encontra a GEP) associado de modo muito estreito elaborao das polticas orientadas ao atendimento de demandas sociais, as Polticas Sociais[footnoteRef:19]. [19: A individualizao das Polticas Sociais no mbito das Polticas Pblicas revela uma concepo de desenvolvimento que entende como separveis e, por isso, passveis de serem tratados em separado os aspectos relativos ao econmico e ao social. Ao escamotear essa relao, os partidrios dessa concepo reforam a idia que til aos seus interesses, de que o desenvolvimento econmico e suas polticas e instituies devem tratar do crescimento econmico, da competitividade e do avano tecnolgico etc., e que as atinentes ao desenvolvimento social deveriam compensar seus eventuais efeitos colaterais negativos. Essa separao entre duas esferas de polticas, por estar solidamente ancorada na hegemonia (ideolgica) construda pela classe dominante, no precisa ser revestida de um aparato legal. Ao conformar o modelo cognitivo que impregna a ao do Estado ela a naturaliza e materializa a condio subordinada, residual e acessria que possui a Poltica Social.]

por isso importante entender o que significam as chamadas Polticas Sociais[footnoteRef:20]. [20: Uma das obras mais completas e conhecidas (j possui mais de dez edies) publicadas no Brasil sobre o tema a de Faleiros (2000). Nela nos baseamos para realizar os comentrios feitos aqui.]

Os servios educacionais, de orientao social, de assistncia mdica, de ajuda jurdica e outros providos pelas Polticas Sociais, mesmo que garantidos por lei, geralmente aparecem como favores populao sendo implantados em conjunturas polticas mais ou menos especficas e cambiantes.No passado, o Cdigo Civil obrigava que o trabalhador fosse sustentado por seus filhos quando ficasse velho. Isso no mais assim. No regime salarial da economia capitalista, o individuo que contratado para o trabalho, e no o grupo familiar como chegou a ocorrer no passado; e as formas de produo atuais destruram a famlia extensa que se organizava em torno da economia de subsistncia. claro que a interveno do Estado na garantia de benefcios e servios no substituiu a famlia. E mais, sua ao parece pautar-se no modelo familiar. As Polticas Sociais so organizadas em nome da solidariedade social: os jovens trabalhadores contribuem para a aposentadoria dos velhos e para o cuidado e a educao das crianas; as pessoas ss para o tratamento dos doentes; os empregados para os desempregados; os ativos para os inativos; os solteiros para os casados (salrio-famlia) etc. A razo de existncia das polticas sociais seria, ento, fazer com que a sociedade, assimilada a uma grande famlia, viva em harmonia e paz social, uns colaborando com os outros.A articulao do econmico e do poltico atravs das polticas sociais um processo complexo que se relaciona com a produo, com o consumo e com o capital financeiro. Porque as polticas sociais (talvez em menor grau do que as demais polticas pblicas, mas ainda assim de forma majoritria) no costumam ser implementadas diretamente pelo Estado, mas por meio de convnios e contratos com empresas privadas, ONGs e empresas envolvidas com atividades de RSE (Responsabilidade Social Empresarial), que passam a oferecer os servios financiados pelo Estado. Este o caso de hospitais, escolas, bancos. Os hospitais particulares atendem a clientes da Previdncia ou da Assistncia Social e cobram do Estado pelo servio, no raro com margem de lucro. As escolas particulares recebem subsdios e bolsas para certo nmero de estudantes e os bancos servem de intermedirios para vrios servios aos beneficirios, como, por exemplo, pagamentos e cobranas previdencirias, evidentemente cobrando por eles. Assim, e de modo que pode parecer paradoxal, essas organizaes mantm seu processo de acumulao de riqueza atravs da implementao de polticas sociais. No entanto, cabe ao Es