96
GESTÃO PARTICIPATIVA DAS ÁGUAS GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO Geraldo Alckmin Governador SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE José Goldemberg Secretário COORDENADORIA DE PLANEJAMENTO AMBIENTAL ESTRATÉGICO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL Lucia Bastos Riberio de Sena Coordenadora

Gestão Participativa das Águas

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Gestão Participativa das Águas Ambiente SP

Citation preview

GESTÃOPARTICIPATIVA

DAS ÁGUAS

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Geraldo Alckmin Governador

SECRETARIA DO MEIO AMBIENTE

José Goldemberg Secretário

COORDENADORIA DE PLANEJAMENTO AMBIENTAL ESTRATÉGICO

E EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Lucia Bastos Riberio de Sena Coordenadora

As águas são muitas, infinitas.As águas são muitas, infinitas.Em tal maneira é graciosa [a terra] que,Em tal maneira é graciosa [a terra] que,

querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo;querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo;por causa das águas que tem.por causa das águas que tem.

Pero Vaz de Caminha, 1Pero Vaz de Caminha, 1oo de maio de 1500. de maio de 1500.

O mais precioso bem

A água está entre os bens mais preciosos do patrimônio ambiental da Terra. Essencial à

continuidade da vida, é também insumo básico para quase todas as atividades humanas e, em

conseqüência, para o desenvolvimento de qualquer sociedade.

O Brasil tem uma das maiores reservas de água do mundo. Porém essa reserva apresenta

distribuição irregular no seu território: 70% estão na Região Norte, habitada por apenas 4,5% da

população do País; a Região Sudeste, que concentra o maior contingente populacional, dispõe

somente de 6% dos recursos hídricos. Essa distribuição desigual agrava-se na bacia do Alto Tietê,

cuja população de 19 milhões de habitantes consome 400% da disponibilidade hídrica do rio. No

Estado de São Paulo, outras bacias também são deficitárias em relação à oferta de água: do Pardo,

Piracicaba/Capivari/Jundiaí, Baixada Santista, Mogi-Guaçu, Tietê/Sorocaba e Tietê/Jacaré

encontram-se em situação crítica no que se refere à disponibilidade hídrica.

A diminuição da oferta potencializa os conflitos entre os diversos usos, obrigando a adoção

de políticas que promovam o uso eqüitativo e racional dos recursos hídricos. A gestão compartilhada

entre órgãos públicos, usuários e a sociedade civil, certamente é a forma mais adequada para o

enfrentamento dessas questões.

São Paulo foi pioneiro na implantação de um sistema de recursos hídricos tendo como princípio

a gestão integrada, descentralizada e participativa. Os comitês de bacia hidrográfica, com a

participação dos seus diversos atores, são fóruns privilegiados desse sistema de gestão.

Os comitês de bacia, os conselhos gestores das unidades de conservação, os conselhos de

meio ambiente, enfim, todos esses espaços colegiados de gestão são reveladores das novas relações

que se estabeleceram entre o Poder Público e a Sociedade Civil no interesse do bem comum.

Com esta publicação, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente espera contribuir para o

fortalecimento da gestão participativa nos comitês de bacia, promovendo a consolidação de um

repertório comum de conceitos e práticas entre os seus diferentes atores.

Professor JOSÉ GOLDEMBERG

Secretário de Estado do Meio Ambiente

SECRETARIA DE ESTADO DO MEIO AMBIENTECOORDENADORIA DE PLANEJAMENTO AMBIENTAL ESTRATÉGICO E EDUCAÇÃO AMBIENTALAv. Prof. Frederico Hermann Jr.,345São Paulo 05459 010 SP

tel 11 3030 6636 www.ambiente.sp.gov.br

S242g São Paulo (Estado). Secretaria do Meio Ambiente. Coordenadoria dePlanejamento Ambiental Estratégico e Educação Ambiental.Gestão participativa das águas / Secretaria de Estado do Meio

Ambiente, Coordenadoria de Planejamento Ambiental Estratégico eEducação Ambiental, Departamento de Educação Ambiental ; textoRosely Sztibe e Lúcia Bastos Ribeiro de Sena. - - São Paulo : SMA/CPLEA, 2004.

96 p. : il. ; 31 x 28 cm

ISBN 85-86624-32-21. Água – gestão ambiental 2. Água – legislação 3. Água –

políticas públicas. I. Sztibe, Rosely. II. Sena, Lúcia Bastos Ribeirode. III. Título.

CDD (21.ed. esp.) 354.36

CDU (ed. 99 port.) 504.4.062 : 347.247

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

(CETESB – Biblioteca, SP, Brasil)

GESTÃO PARTICIPATIVA DAS ÁGUAS

COORDENADORIA DE PLANEJAMENTO AMBIENTAL ESTRATÉGICO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Lúcia Bastos Ribeiro de Sena Coordenadora

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Rosely Sztibe Diretora

TEXTO

Rosely Sztibe e Lúcia Bastos Ribeiro de Sena

REVISÃO DE TEXTO

Wanda E. S. Barbosa

PROJETO GRÁFICO

Vera Severo

FOTOLITO, IMPRESSÃO E ACABAMENTO

Impressos 2.000 exemplares no outono de 2004

Sumário

Capítulo 1 • Panorama dos recursos hídricosA escassez e a degradação como um grave problema do mundo contemporâneo ................................................. 8

Panorama dos recursos hídricos no Brasil ................................................................................................................ 12

As águas subterrâneas .................................................................................................................................................... 12

Os usos múltiplos da água ............................................................................................................................................... 13

A situação dos recursos hídricos no Estado de São Paulo ....................................................................................... 17

Usos e demandas ........................................................................................................................................................... 19

Uso racional, conservação e proteção dos recursos hídricos ................................................................................... 21

Capítulo 2 • Gestão das águasA emergência da água como tema das políticas públicas ....................................................................................... 24

O desenvolvimento do controle sanitário no Brasil ............................................................................................................... 26

O Código de Águas ......................................................................................................................................................... 29

Das autarquias à gestão empresarial das águas ................................................................................................................... 30

O Plano Nacional de Saneamento Básico (Planasa) ............................................................................................................. 31

A gestão dos mananciais metropolitanos ........................................................................................................................... 32

Os novos paradigmas de gestão .............................................................................................................................. 34

A gestão dos recursos hídricos frente à emergência da questão ambiental. ............................................................................... 34

A questão das águas nas grandes conferências internacionais ............................................................................................... 36

A Lei das Águas: um novo marco legal e institucional ........................................................................................................... 38

Os instrumentos para a gestão das águas ........................................................................................................................... 39

O Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos ............................................................................... 46

O Conselho Nacional de Recursos Hídricos ........................................................................................................................... 47

Os Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos ....................................................................................................................... 48

Os Comitês de Bacia Hidrográfica ..................................................................................................................................... 49

As Agências de Água ....................................................................................................................................................... 50

As organizações civis de recursos hídricos ........................................................................................................................... 50

Da lógica da oferta à lógica da demanda .......................................................................................................................... 52

A experiência paulista ............................................................................................................................................. 55

O Plano Estadual de Recursos Hídricos ............................................................................................................................... 57

O Fundo Estadual de Recursos Hídricos .............................................................................................................................. 58

A cobrança pelo uso da água ........................................................................................................................................... 59

As Agências de Bacia ...................................................................................................................................................... 60

Dez anos do SIGRH ......................................................................................................................................................... 61

Cronologia da evolução da gestão das águas ......................................................................................................... 64

Capítulo 3 • As leis e as águasA evolução da legislação de águas: da visão exploratória ao planejamento ......................................................... 68

As águas nas constituições federais ........................................................................................................................ 71

A Constituição de 1824 .................................................................................................................................................... 71

A Constituição de 1891 .................................................................................................................................................... 71

A Constituição de 1934 ................................................................................................................................................... 71

A Constituição de 1937 .................................................................................................................................................... 72

A Constituição de 1946 ................................................................................................................................................... 72

A Constituição de 1967 ................................................................................................................................................... 73

6

A Emenda Constitucional 1/69 ..................................... 73

A Constituição de 1988 .................................................. 74

O Código de Águas ................................................. 76

As águas em geral e sua propriedade ............................... 77

O aproveitamento das águas ......................................... 77

A regulamentação da indústria hidrelétrica ...................... 78

O controle da poluição .................................................. 78

Os usos das águas ........................................................ 79

A Política Nacional de Recursos Hídricos ................ 79

Os instrumentos da política ........................................... 81

A evolução da legislação ambiental e hídrica no

Estado de São Paulo ............................................... 85

As águas nas constituições paulistas ...................... 88

A Constituição Estadual de 1989 ..................................... 89

A evolução da legislação de proteção aos mananciais

da Região Metropolitana de São Paulo ................. 90

A lei 9.866 de 28 de novembro de 1997 ............................. 91

O Plano Emergencial de Recuperação

dos Mananciais da RMSP ............................................... 92

As leis específicas para as áreas de proteção e recuperação dos

mananciais ................................................................ 92

Referências ............................................................. 95

Planeta Água

Água que nasce na fonte serena do mundoE abre um profundo grotãoÁgua que faz inocente riachoE deságua na corrente do ribeirão.Águas escuras dos riosQue levam a fertilidade ao sertão.Águas que banham aldeiasE matam a sede da população.Águas que caem das pedras,Do véu das cascatas, fogo de trovãoE depois dormem tranqüilas no leito dos lagos.No leito dos lagos.Águas dos igarapés onde Iara a mãe d’águaé misteriosa canção.Águas que o sol evapora, pro céu vai embora,Virar nuvens de algodão.Gotas de água de chuvaAlegre arco-íris sobre a plantação.Gotas de água de chuvaTão triste são lágrimas na inundação.Águas que movem moinhosSão as mesmas águas que encharcam o chão.E sempre voltam humildes pro fundo da terra.Terra, planeta águaTerra, planeta água.Terra, planeta água

Guilherme Arantes

7

Água que nasce na fonte serena do mundo • E abre um profundogrotão • Água que faz inocente riacho • E deságua na corrente doribeirão • Águas escuras dos rios • Que levam a fertilidade ao sertãoÁguas que banham aldeias • E matam a sede da população • Águasque caem das pedras • Do véu das cascatas, fogo de trovão • E depoisdormem tranqüilas no leito dos lagos • No leito dos lagos • Águas dosigarapés onde Iara a mãe d’água é misteriosa canção • Águas que osol evapora, pro céu vai embora • Virar nuvens de algodão • Gotas deágua de chuva • Alegre arco-íris sobre a plantação • Gotas de água dechuva • Tão triste são lágrimas na inundação • Águas que movemmoinhos • São as mesmas águas que encharcam o chão • E semprevoltam humildes pro fundo da terra • Terra, planeta água • Terra,planeta água • Terra, planeta água • Planeta Água • Guilherme ArantesÁgua que nasce na fonte serena do mundo • E abre um profundogrotão • Água que faz inocente riacho • E deságua na corrente doribeirão • Águas escuras dos rios • Que levam a fertilidade ao sertãoÁguas que banham aldeias • E matam a sede da população • Águasque caem das pedras • Do véu das cascatas, fogo de trovão • E depoisdormem tranqüilas no leito dos lagos • No leito dos lagos • Águas dosigarapés onde Iara a mãe d’água é misteriosa canção • Águas que osol evapora, pro céu vai embora • Virar nuvens de algodão • Gotas deágua de chuva • Alegre arco-íris sobre a plantação • Gotas de água dechuva • Tão triste são lágrimas na inundação • Águas que movemmoinhos • São as mesmas águas que encharcam o chão • E semprevoltam humildes pro fundo da terra Terra, planeta água Terra,planeta água • Terra, planeta água • Planeta Água • Guilherme ArantesÁgua que nasce na fonte serena do mundo • E abre um profundogrotão • Água que faz inocente riacho • E deságua na corrente doribeirão • Águas escuras dos rios • Que levam a fertilidade ao sertãoÁguas que banham aldeias • E matam a sede da população • Águasque caem das pedras • Do véu das cascatas, fogo de trovão • E depoisdormem tranqüilas no leito dos lagos • No leito dos lagos • Águas dosigarapés onde Iara a mãe d’água é misteriosa canção Águas que o solevapora, pro céu vai embora • Virar nuvens de algodão • Gotas deágua de chuva • Alegre arco-íris sobre a plantação • Gotas de água de

PANORAMA DOS RECURSOS HÍDRICOScapítulo 1

8

A escassez e a degradação como um grave problemado mundo contemporâneo

Frente às imagens de um planeta com extensas superfícies cobertas de água, pode-se compre-

ender a sensação de abundância que sempre acompanhou nosso imaginário sobre esse recurso. Oce-

anos, rios, lagos, pântanos e áreas alagadas, calotas polares e geleiras cobrem 70% da superfície

terrestre, e sugerem quantidades ilimitadas às necessidades e desejos humanos. O desvendamento

desse ciclo complexo pelo qual a água circula de um estado para outro, entre os vários sistemas da

Terra, agregou, à sensação de abundância, a idéia de infinitude, pela renovação constante da água

doce que o ciclo hidrológico proporciona à biota.

Aos ritmos dos ciclos de renovação da natureza, contrapõem-se os ritmos das atividades huma-

nas, com sua aceleração progressiva. O suprimento de água na Terra é finito. A água doce eqüivale a

2,5% do total de água do planeta, e apenas 0,5% encontra-se disponível. As demandas de água para

atender as populações humanas têm crescido a níveis muito superiores à capacidade de renovação

da quantidade e da qualidade que o ciclo hidrológico realiza. A água doce do planeta vem sendo

poluída e exaurida.

Além do crescimento demográfico e o conseqüente aumento na apropriação de água, o desen-

volvimento econômico e tecnológico provocou também o aumento no consumo per capita. Se a po-

pulação mundial triplicou nos últimos setenta anos, o consumo de água tornou-se seis vezes maior.

A oferta de água reduz-se ainda pelo aumento da contaminação. O Informe das Nações Unidassobre o desenvolvimento dos recursos hídricos (2003) estima que dois milhões de toneladas de

dejetos são lançados diariamente nos corpos d’água, incluindo resíduos industriais, agrícolas e do-

mésticos. O relatório destaca que a produção global aproximada de águas residuais é de 1.500 km³.

Como cada litro de resíduos pode contaminar oito litros de água doce, a carga mundial de contami-

nação pode chegar a 12 mil km³. Os efeitos das mudanças climáticas também devem ser considera-

dos no agravamento da oferta, uma vez que podem acarretar a diminuição de 20% na água doce

disponível. Esses elementos são fatores determinantes da crise de escassez de água que a humanida-

de terá de enfrentar no decorrer do século XXI.

Atualmente cerca de 1,1 bilhão de pessoas não têm acesso à água potável e 2,4 bilhões ao

saneamento básico. Do total de água doce disponível, 54% já estão sendo utilizados; em 2025, esse

índice poderá alcançar 70%. Dados da Organização Meteorológica Mundial indicam que um terço da

população mundial vive em regiões de moderado a alto stress hídrico, ou seja, com um nível de

consumo superior a 20% da sua disponibilidade de água. Se mantivermos os atuais padrões de con-

sumo, as previsões indicam que, em meados do século, cerca sete bilhões de pessoas, em sessenta

países, serão afetadas pela crise de água.

9

Font

e: Tu

ndis

i (20

03)

- Paí

ses c

om su

prim

ento

s de

água

reno

váve

is co

m m

enos

de

1.00

0m³/

ano.

Não

incl

ui á

gua

que

flui d

e pa

íses

vizi

nhos

.

Região/País

ÁfricaÁfricaArgéliaBotsuanaBurundiCabo VerdeDjibutiEgitoQuêniaLíbiaMauritâniaTunísiaOriente MédioOriente MédioBahreinIsraelJordâniaKuaitQatarArábia SauditaSíriaEmirados ÁrabesIêmenOutrosOutrosBarbadosBélgicaHungriaMaltaHolandaSingapura

Suprimentos de águasrenováveis (m3pessoa)

73071062050075030

560160190450

0330190

040

140550120240

17084058080

660210

População

(milhões)

26.01.45.80.40.4

55.726.24.52.18.4

0.55.23.61.40.5

16.113.72.5

10.4

0.310.010.30.4

15.22.8

Tempo de duplicação

da população (anos)

27232121242819232533

294520232820182520

102347

–92

14751

Países com escassez de água

A conseqüência mais direta para essa populaçãocom reduzido acesso à água potável e saneamento é oquadro atual de doenças transmitidas pela água. Noano 2000 mais de dois milhões de pessoas foram afe-tadas por essas doenças. Cerca de seis mil criançasmorrem diariamente por doenças relacionadas à qua-lidade da água ou à ausência de saneamento e higie-ne. Dados do Instituto Worldwatch revelam que, nospaíses pobres, 80% de todas as doenças são dissemi-nadas por meio de consumo de água imprópria.

Os ecossistemas de água doce também são im-pactados com a redução e deterioração da qualidadeda água. Perda da biodiversidade, da cobertura vege-tal, drenagem das áreas úmidas e, como conseqüên-cia, a geração de mais danos ambientais: desastresnaturais, inundações, perda de solo, erosão, assorea-mento dos corpos d’água. O círculo vicioso dos danosparece atingir crescimento exponencial.

10

Destacam-se nesse quadro de escassez e degra-dação dos recursos hídricos, os conflitos potenciaisentre os usuários que compartilham um mesmo aqüí-fero ou bacias transfronteiriças. Como os usuários dejusante dependem da quantidade e qualidade da águario acima, somente uma gestão cooperativa, eqüitati-va e sustentável poderá equacionar os conflitos entreos diversos usos e usuários. Atualmente existem 261bacias internacionais e 145 nações têm seus territóri-os em bacias compartilhadas. Embora esse potencialde conflitos tenha resultado em mais casos de coope-ração que de disputa acirrada, estudo realizado sobreesse tema identificou os seguintes indicadores de con-flitos para as águas compartilhadas:

• bacias internacionalizadas que incluem paí-ses de recente independência política;

• bacias com projetos unilaterais implantadose nas quais os regimes políticos não buscam estraté-gias de cooperação;

• bacias em que os governos são hostis por ou-tras questões.

O relatório da ONU admite que vivemos uma cri-se hídrica e que, embora ela se manifeste de mododiferente em cada país, é uma crise de gestão, de go-vernabilidade dos assuntos públicos. Conservação eracionalidade do uso, melhor aproveitamento da águae fim dos desperdícios são questões vitais. Para en-frentar essa crise, recomenda que a gestão busque umequilíbrio entre as necessidades socioeconômicas eecológicas, que considere as implicações éticas e asdimensões políticas ao enfrentar a multiplicidade deinteresses envolvidos com a água. Recomenda aindaque a gestão inclua a participação de todos os inte-ressados e que a transparência, a eqüidade, a respon-sabilidade financeira, a coerência e a capacidade dereação sejam adotadas como princípios básicos pelosorganismos de gestão.

Recursos hídricos compartilhados

• Há 261 bacias hidrográficas que atraves-sam as fronteiras políticas de dois ou mais países.Estas bacias cobrem 45,3% da superfície da Terra,afetam cerca de 40% da população mundial e re-presentam aproximadamente 60% dos caudais dosrios do planeta.

• 145 nações possuem territórios que per-tencem a bacias hidrográficas internacionais. Vin-te e uma delas ficam inteiramente situadas nessasbacias internacionais.

• As bacias de 19 rios são compartilhadaspor cinco ou mais países. A bacia de um deles, oDanúbio, é partilhada por 17 países.

• Apesar da água poder gerar conflitos, osúltimos 50 anos só assistiram a 37 diferendos gra-ves que envolveram violência. No mesmo período,foram negociados e assinados 157 tratados. Os di-ferendos registram-se em geral entre tribos, seto-res que utilizam a água ou estados provinciais. Nosnossos dias, não se travou nenhuma guerra porcausa da água.

Informe de las Naciones Unidassobre el desarrollo de los recursoshídricos en el mundo (2003.)

11

O Ciclo Hidrológico

O ciclo hidrológico é a forma como a água circula pelos sistemas da Terra, de uma altura de 15 quilôme-tros acima do solo para uma profundidade de cerca de cinco quilômetros. É um sistema químico quase estávele auto-regulável, que transfere a água de um “reservatório” para outro em ciclos complexos. Estes reservatóriosincluem a umidade atmosférica (nuvens e chuvas), os oceanos, rios e lagos, os lençóis freáticos, os aqüíferossubterrâneos, as calotas polares e o solo saturado (a tundra ou as áreas alagadas). O ciclo é o processo detransferência da água de um estado, ou reservatório, para outro através da gravidade ou da aplicação deenergia solar, ao longo de períodos que variam de horas a milhares de anos. O sistema todo funciona somenteporque mais águas evapora dos oceanos do que retorna para ele diretamente na forma de chuva ou de neve.Esta diferença cai na Terra sob a forma de chuva ou neve, e é esta diferença que torna nossa vida possível, poisquando a chuva cai, ela o faz em forma de água doce. Há uma renovação não só quantitativa, mas tambémqualitativa: o processo purifica a água de suas impurezas e a devolve potável, uma água utilizável pela biota,na qual estamos incluídos.

Qualquer criança sabe que, quanto mais quente e seco o tempo, mais rápido ocorre a evaporação: osprincipais fatores são a temperatura, a umidade, a velocidade do vento e a radiação do sol. Por motivos óbvios,a maior parte da evaporação vem do oceano. Mas também ocorre evaporação de lugares como lagos e rios, dosolo e até mesmo da neve e do gelo, e neste caso é chamada, por razões obscuras, de sublimação. As plantastambém exalam água: a evaporação da água através dos diminutos poros encontrados nas folhas das plantas,os estômatos, é chamada de transpiração. A maioria dos hidrólogos simplesmente reúne transpiração, subli-mação e evaporação e chama tudo isso de evapotranspiração.

Marq de Villiers (2002)

Ilus

traç

ão T

here

za N

isi

12

Estima-se que do total de água doce disponível no planeta, entre 10% e 12% estejam em

território brasileiro, caracterizando o país como um dos mais ricos em termos quantitativos. Entre-

tanto, esse patrimônio, fruto das peculiaridades hidroambientais do Brasil, não se distribui igual-

mente pelas regiões hidrográficas. Se consideramos as vazões médias de cada região, veremos que

73% estão na Região Hidrográfica do Amazonas, onde vive 4,5% da população nacional, ao passo

que na Região Hidrográfica do Paraná, com 32% da população brasileira, a vazão média eqüivale a

6% do total do país (ANA, 2002).

Além dessa variação na distribuição hídrica em relação à densidade populacional, em algumas

cidades e áreas metropolitanas, onde as demandas por abastecimento e dissolução de esgotos são

maiores, o problema da oferta é agravado pela poluição urbana e industrial das águas. Da mesma

forma, nas regiões onde as atividades agroindustriais estão muito desenvolvidas, a poluição dos

recursos hídricos tem sido significativa. Nessas áreas os conflitos de uso estão entre os problemas

prioritários a ser enfrentados por um sistema de gestão integrada.

O semi-árido brasileiro é outra região afetada pela distribuição hídrica. Abrangendo 86,5% da

Região Nordeste, 11% do norte de Minas Gerais e 2,5% do Espírito Santo, no semi-árido os índices de

pluviosidade não ultrapassam os 800 milímetros anuais. Segundo dados do IBGE, nessa área vivem

mais de 19 milhões de pessoas e se concentra o maior contingente de pobres do território nacional.

As águas subterrâneas

As condições de ocorrência das águas subterrâ-neas no Brasil são muito variadas. Segundo Rebouças(2003), isso ocorre devido à grande complexidade doquadro geológico,

preenchendo os vazios milimétricos dos sedimentos are-nosos, dos arenitos e outras rochas sedimentares, domanto de intemperismo das rochas compactas generica-mente denominadas de cristalinas, bem como de suasfissuras, fraturas, planos de contato e falhas(pg. 202).

Considerando as similaridades nas condições deestocagem (porosidade), de fluxo (permeabilidade) ede recarga natural (infiltração das chuvas) as águassubterrâneas estão agrupadas em dez províncias hi-drogeológicas: Escudo Setentrional, Amazonas, Escu-do Central, Parnaíba, São Francisco, Escudo Oriental,Paraná, Escudo Meridional, Centro Oeste e Costeira.

Estima-se a reserva total de água subterrâneano Brasil em 112 mil km3. Desse total, aproximada-mente 90% estão nas bacias sedimentares. Esse po-

Panorama dos recursos hídricos no Brasil

tencial hidrogeológico varia de menos de 1 a mais de10 m³/hm (Rebouças, 2000). Sua exploração condici-ona-se aos seguintes fatores:

• quantidade, relacionada à condutividade hi-dráulica e ao coeficiente de armazenamento dos ter-renos;

• qualidade, dependente da composição das ro-chas e condições climáticas e de renovação das águas;

• econômico, dependente da profundidade doaqüífero e das condições de bombeamento (Setti, 2001).

Estima-se que atualmente existam trezentosmil poços tubulares em explotação e que dez milnovos poços sejam perfurados por ano. A explota-ção da água subterrânea vem crescendo de forma ace-lerada nas últimas décadas, seja para o abastecimentode núcleos urbanos, seja para o suprimento de indús-trias, hospitais, hotéis, propriedades rurais e de ou-tras atividades. No Maranhão, mais de 70% das cidadessão abastecidas por águas subterrâneas e no Piauí essepercentual supera 80% (ANA, 2002).

13

Interv.Vazão Poço

(m3/h)

<1-55 – 10

10 – 400

10 – 150

10 – 1000

5 – 550

10 - 350

10 - 500

10 - 700

2 - 40

Reservas de água subterrânea no Brasil

Domínio Aqüífero

Substrato afloranteSubstrato alterado

Bacia Sed. Amazonas

Bacia Sed. São Luis-BarreirinhasBacia Sed. Maranhão

Bacia Sed. Potiguar-Recife

Bacia Sed. AL/SE

Bacia Sed. Jatobá-Tucano-Recôncavo

Bacia Sed. Paraná(Brasil)

Depósitos diversosTotais

Área(km2)

600.0004.000.000

1.300.000

50.000

700.000

23.000

10.000

56.000

1.000.000

773.0008.512.000

Sistema Aqüífero Principal

Zonas fraturadas (PE)Manto rocha alterada e/ou fraturas(PE)G. Barreiras (TQb)F. Alter do Chão. (K)F. São Luis (TQ)F. Itapecuru (Ki)F. Itapecuru (Ki)F. Cordas-Grajaú (Jc)F. Motuca (PTRm)F. Poti-Piaui (Cpi)F. Cabeças (Dc)F. Serra Grande (Sdsg)G. Barreiras (TQb)F. Calc. Jandaíra (Kj)F. Açu-Beberibe (Ka)G. Barreiras (TQb)F. Marituba (Km)F. Marizal (Kmz)F. S. Sebastião (Kss)F. Tacaratu (SDt)G. Baurú-Caiuá (Kb)F. S erra Geral (Jksg)F. Botucatu-Piramboia-Rio do Rasto(Pr/TRp/Jb)F. Furnas/Aquidauana (D/PCa)Aluviões, dunas (Q)

Reservas(km3)

8010.000

32.500

250

17.500

230

100

840

50.400

411≈112.000

Os usos múltiplos da água

Além de ser componente essencial à vida e aomeio ambiente, a água está presente em quase todasas atividades humanas. Quando começa a se tornarescassa para atender a tantas demandas, começam asurgir os conflitos entre os diversos usos e usuários,requerendo um sistema integrado de gestão, normali-zador dos usos, que promova uma distribuição eqüita-tiva, e responda pelo controle e proteção dos recursoshídricos.

Segundo os vários usos e fins a que se destinam,os recursos hídricos são classificados em usos consun-tivos e não consuntivos. No primeiro caso, parte daágua captada retorna ao curso d’água, e nos usos nãoconsuntivos, toda a água captada retorna. Essa classi-ficação é importante para as avaliações entre disponi-bilidade e demanda. Nos usos consuntivos estão oabastecimento humano, a dessedentação, o abasteci-

Font

e: R

ebou

ças

(199

9)

14

Regiões hidrográficas do Brasil: disponibilidades e demandas

Amazonas

Costeira do Norte

Tocantins

Nordeste Ocidental

Parnaíba

Nordeste Oriental

São Francisco

Costeira Sudeste

Costeira Sul

Uruguai

Paraná

Paraguai

46,5

1

11

3

4

8

8

2

2

2

10

4

3.988.813

98.583

943.006

256.098

344.248

685.303

645.000

209.000

192.810

177.494

856.820

363.592

7.575.333

59.466

7.788.163

4.908.161

3.586.739

33.355.989

14.161.434

26.225.376

11.686.492

3.829.292

54.575.194

1.839.050

134.119

3.253

11.800

1.695

1.272

2.937

2.850

3.868

4.842

4.150

11.000

1.340

558.335

1.715.592

47.126

10.891

11.183

2.777

6.347

4.651

13.066

34.177

6.269

22.663

209

0.9

73

20

45

263

224

215

344

179

515

56

9

0,4

12

10

9

78

28

105

18

8

105

4

2

0,1

2

2

2

53

29

78

11

5

113

1

190

52

5

32

118

160

28

309

157

253

41

8

0,4

7

3

2

14

7

4

6

9

44

10

Território Nacional(%)

Área (km2)

População Total 2000

Vazão Média (m

3/s)

Vazão Média (m

3/hab.ano)

Demanda Total (m

3/s)

Demanda Hum

ana (m3/s)

Demanda Industrial (m

3/s)

Demanda Irrigação (m

3/s)

Demanda Anim

al (m3/s)

Região Hidrográfica

mento industrial e a irrigação; e entre os usos nãoconsuntivos estão a geração de energia, a navegação,a pesca, a recreação e a diluição, a assimilação e otransporte de resíduos líquidos.

Entre os usos consuntivos, o maior percentualde volume captado é utilizado pelo uso agrícola, comum volume captado da ordem de 33,8 km³/ano, cor-respondendo a 72,5% do total. Em seguida vem o se-tor de abastecimento, com 8,4 km³/ano, equivalentea 18% do volume total captado. Para o uso industrialsão captados 4,4 km³/ano, que correspondem a 9,5%do total.

Representando o maior percentual de consumopor tipo de uso, a irrigação ainda utiliza métodos poucoeficientes. Dos quase três milhões de hectares irriga-dos, 56% são por espalhamento superficial, 19% porpivô central e 18% por aspersão convencional (RE-BOUÇAS, 2003).

No setor de saneamento básico, os dados da Se-cretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio

Ambiente (1998) revelam que houve melhoria sensí-vel no grau de cobertura: o abastecimento de águacobre 91% dos domicílios urbanos e 49% dos esgotossão coletados. Quanto ao abastecimento, o grande pro-blema ainda é o desperdício, com um índice de perdasde 45%, o que representa 3,78 km³/ano de um totalde 8,4 km³/ano distribuídos para o abastecimento noBrasil. Com relação ao esgotamento sanitário, a con-seqüência mais direta desse baixo índice de coberturasão as altas taxas de doenças intestinais e outras re-lacionadas à inadequação dos serviços de saneamentobásico, resultando em 65% de internações hospitala-res e cinqüenta mil morte de crianças por ano provo-cadas pela diarréia (Setti,2001).

Quanto ao setor industrial, essa atividade en-contra-se mais concentrada nas regiões Sudeste e Sul,nas bacias do Paraná e do Atlântico Sudeste, corres-pondendo à demanda de 74% do total.

Font

e: A

gênc

ia N

acio

nal d

e Ág

uas

(200

2)

15

Tipo de Uso

Abastecimentodoméstico, industrial,comercial e público

Sanitário, de proces-so, incorporação aoproduto, refrigeraçãoe geração de vapor

Irrigação artificial deculturas agrícolassegundo diversosmétodos

Doméstico ou paradessedentação deanimais

Estações de piscicul-tura e outras

Acionamento deturbinas hidráulicas

Manutenção decalados mínimos eeclusas

Natação e outrosesportes com contatodireto, como iatismoe motonaútica; lazercontemplativo

Com os fins comerci-ais de espéciesnaturais ouintroduzidas pormeio de estações depiscicultura

Diluição,autodepuração etransporte deesgotos urbanos eindustriais

Vazões para assegu-rar o equilíbrioecológico

Uso Consuntivo

Baixo (de 10%), semcontar as perdas nasredes

Médio (de 20%),variando com o tipode uso e de indústria

Alto (de 90%)

Baixo (de 10%)

Baixo (de 10%)

Perdas por evapora-ção do reservatório

Não há

Não há

Não há

Não há

Não há

Requisitos deQualidade

Altos ou médios,influindo no custodo tratamento

Médios, variandocom o tipo de uso

Médios, dependendodo tipo de cultura

Médios

Altos

Baixos

Baixos

Altos, especialmenterecreação comcontato direto

Altos, nos corposd’água, correntes,lagos ou reservatóri-os artificiais

Não há

Médios

Efeitos nas Águas

Poluição orgânica ebacteriológica

Poluição orgânica,substâncias tóxicas,elevação de tempe-ratura

Carreamento deagrotóxicos efertilizantes

Alterações naqualidade comefeitos difusos

Carreamento dematéria orgânica

Alterações noregime e na quali-dade das águas

Lançamento deóleos e combustíveis

Não há

Alterações naqualidade apósmortandade depeixes

Poluição orgânica,física, química ebacteriológica

Melhoria da quali-dade da água

Usos da água

Sem

de

riva

ção

de

ág

ua

sSe

m d

eri

vaçã

o d

e á

gu

as

Co

m d

eri

vaçã

o d

e á

gu

as

Co

m d

eri

vaçã

o d

e á

gu

as

Finalidade

Abastecimentourbano

Abastecimentoindustrial

Irrigação

Abastecimento

Aqüicultura

Geraçãohidrelétrica

Navegação fluvial

Recreação, lazere harmoniapaisagística

Pesca

Assimilação deesgotos

Usos de preserva-ção

Forma

Fonte: Barth (1987) e Setti (2001).

16

Principais indústrias

Mineração, madeira, eletro-eletrônico, mecânico

Metalurgia, alimentos, madeira, couros, laticínios, cerâmica

Cerâmica, carbonífera, eletro-metal-mecânico, têxtil, pesqueira, quími-ca, informática, material elétrico, comunicações, automóveis, couro,alimentos

Petroquímica, mineração, siderurgia, celulose, automóveis, aeronáutica,têxtil, construção naval

Metalúrgica, têxtil, alimentação, extrativa, mineral, química, vestuário ecalçado

Maior parque industrial do país: automóveis, informática, alimentos,agroindústria, têxtil etc.

Agroindústria, minerais, química, vestuário, calçado, metalúrgica

Alimentos, couro, mineração, agroindústria

Mecânica, agroindústria, alimentos

Bacia

Amazonas

Tocantins

Atlântico Sul

Atlântico Leste

Atlântico Norte/Nordeste

Paraná

São Francisco

Paraguai

Uruguai

Tipos de indústria por bacia

Água (m3)

4.00050015106

1,5121

Unidade

CabeçaCabeçaQuilogramaQuilogramaQuilogramaQuilogramaQuilogramaQuilogramaQuilograma

Produto

BoiOvelhas e cabrasCarne fresca de boiCarne fresca de ovelhaCarne fresca de frangoCereaisCítricosAzeitesLegumes, raízes, tubérculos

Quantidade de água para produzir alimentos

Água

Consumida

pelos Cultivos

(mil/m3/ano)

461.3205.340.1466.223.4028.521.624

492.66721.039.159

Água Derivada

dos Mananciais

(m3/ha.ano)

9.65716.38010.65911.4577.941

11.768

Água

Consumida

pelos Cultivos

(m3/ha.ano)

5.32310.7806.9857.1282.4427.330

Eficiência de

Irrigação

55,165,865,562,230,862,3

Água Derivada

dos Mananciais

(mil/m3/ano)

839.9008.114.5869.497.223

13.696.4051.602.183

33.777.297

Área Irrigada

(ha)

86.660495.370890.974

1.195.440201.760

2.870.204

Região

NorteNordesteSudesteSulCentro-Oeste

Demanda anual de água para irrigação por regiões brasileiras (1998)

Font

e: C

rist

ofid

is, D

. (19

99),

Lim

a et

al.

(200

0) e

Set

ti (

2001

)

Font

e: U

NESC

O(20

03)

Font

e: F

GV (

1998

)

17

A situação dos recursos hídricos noEstado de São Paulo

A maior parte do território do Estado de São Paulo está na Região Hidrográfica do Paraná. Umaoutra parcela encontra-se na Região Hidrográfica Costeira Sudeste e na Costeira Sul, conforme adivisão hidrográfica adotada pela Agência Nacional de Águas. São Paulo compartilha baciashidrográficas com os estados de Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro.

Para a gestão das águas, o território paulista foi dividido em 22 Unidades de Gerenciamentodos Recursos Hídricos (UGRHIs). A área total de drenagem no Estado é de 248.809 km², com umavazão média de 3.120 m³/s e uma vazão mínima de 892 m³/s. Quanto às águas subterrâneas, adisponibilidade total é da ordem de 351,3 m³/s, incluindo-se nesse valor 15,2 m³/s correspondentes

ao Sistema Aqüífero Guarani (PERH, 2000).

Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos - UGRHIs

As 22 UGRHIs caracterizam-se pelos seguintes usos predominantes:• uso industrial - Paraíba do Sul, Piracicaba/Capivari/Jundiaí, Alto Tietê, Baixada Santista e Tietê/Sorocaba;• processo de industrialização - Pardo, Sapucaí/Grande, Mogi-Guaçu, Baixo Pardo/Grande e Tietê/Jaca-ré;• uso agropecuário - Turvo/Grande, Tietê/Batalha, Médio Paranapanema, São José dos Dourados, BaixoTietê, Aguapeí, Peixe e Pontal do Paranapanema; e• conservação - Mantiqueira, Litoral Norte, Ribeira do Iguape/Litoral Sul e Alto Paranapanema.

18

Área da

bacia (km2)

67914.5471.9879.038

14.314

5.9852.8869.170

15.218

11.708

16.607

7.24911.74922.795

16.03713.151

16.8296.732

15.78713.06810.78012.493

248.809

Municí-

pios

3344

23

57

349

22

38

34

23

123434

6433

422542322621

645

Geomorfologia

Planalto AtlânticoPlanalto AtlânticoProvíncia CosteiraDepressão Periférica

Depressão Periférica eCuestas BasálticasPlanalto AtlânticoProvíncia CosteiraCuestas Basálticas ePlanalto OcidentalCuestas Basálticas eDepressão PeriféricaDepressão Periférica eCuestas BasálticasProvíncia Costeira

Planalto CentralDepressão PeriféricaPlanalto Ocidental eDepressão PeriféricaPlanalto CentralPlanalto Ocidental eCuestas BasálticasPlanalto OcidentalPlanalto CentralPlanalto OcidentalPlanalto OcidentalPlanalto OcidentalPlanalto Ocidental

Sistemas Aqüíferos

CristalinoCristalino/CenozóicoCristalino/CenozóicoCristalino/Tubarão/Guarani/Serra GeralCristalino/Tubarão/Guarani

Cristalino/CenozóicoCristalino/CenozóicoGuarani/Serra Geral

Cristalino/Tubarão/Guarani/Serra GeralCristalino/Tubarão/Guarani

Cristalino/Cenozóico

Bauru/Serra GeralBauru/Serra Geral/GuaraniCristalino/Tubarão/Guarani/Serra GeralSerra Geral/BauruBauru

Bauru/Serra GeralBauruBauru/Serra GeralBauruBauruCaiuá/Bauru/Serra Geral

UGRHI

MantiqueiraParaíba do SulLitoral NortePardo

Piracicaba/Capivari/Jundiaí

Alto TietêBaixada SantistaSapucaí/Grande

Mogi-Guaçu

Tietê/Sorocaba

Ribeira de Iguape/Litoral SulBaixo Pardo/GrandeTietê/JacaréAlto Paranapanema

Turvo/GrandeTietê/Batalha

Médio ParanapanemaSão José dos DouradosBaixo TietêAguapeíPeixePontal do ParanapanemaTotal

Caracterização geral e física do Estado de São Paulo

Font

e: R

elat

ório

de

situ

ação

dos

recu

rsos

híd

rico

s do

Est

ado

de S

ão P

aulo

(19

99)

19

Usos e demandas

A demanda global do Estado para as águas su-perficiais é de 352 m³/s. Desse total 111,09 m³/s des-tinam-se ao uso doméstico, 93,27 m³/s ao usoindustrial e 147,93 m³/s à irrigação e outros usos ru-rais. A demanda total para as águas subterrâneas é de59,75 m³/s. Cerca de 20 m³/s desse total destinam-seao abastecimento público, sendo que 67% dos muni-cípios paulistas, com população inferior a dez mil ha-bitantes, são totalmente abastecidos com águasubterrânea.

O Estado de São Paulo utiliza cerca de 40% dadisponibilidade hídrica superficial para atender às suasdemandas. Nas bacias do Pardo, Piracicaba/Capivari/Jundiaí, Alto Tietê, Baixada Santista, Mogi-Guaçu,Tietê/Sorocaba e Tietê/Jacaré a disponibilidade hí-

drica já é considerada crítica, uma vez que o volumedas captações supera 50% da vazão mínima. Na baciado Alto Tietê as demandas superam as disponibilida-des em mais de 60 m³/s.

No balanço entre disponibilidade e demanda épreciso considerar também as vazões transferidas (im-portação / exportação de água) entre UGRHIs. DaUGRHI do Piracicaba/Capivari/Jundiaí são revertidosem média 28,5 m³/s para a do Alto Tietê, para o abas-tecimento público; da bacia Alto Tietê são revertidos22,5 m³/s para a Baixada Santista para gerar energia.Também há transferência de vazões entre as UGRHIsBaixo Tietê e São José dos Dourados, nos dois senti-dos, para a navegação.

Ainda em termos de aproveitamento dos recur-sos hídricos, cabe destacar as obras hidráulicas (bar-

Font

e: R

elat

ório

de

situ

ação

dos

recu

rsos

híd

rico

s do

Est

ado

de S

ão P

aulo

(19

99)

UGRHI

MantiqueiraParaíba do SulLitoral NortePardoPiracicaba/Capivari/JundiaíAlto TietêBaixada SantistaSapucaí/GrandeMogi-GuaçuTietê/SorocabaRibeira de Iguape/Litoral SulBaixo Pardo/GrandeTietê/JacaréAlto ParanapanemaTurvo/GrandeTietê/BatalhaMédio ParanapanemaSão José dos DouradosBaixo TietêAguapeíPeixePontal do ParanapanemaEstado de São Paulo

Águas Superficiais Águas Subterrâneas

Vazão Média (m3/s)

2221710914017486

1581472021065118697

25512298

15551

114968292

3.120

Vazão Mínima (m3/s)

7722830432039284922

1572140842631651227282934

892

Disponibilidade Total (m3/s)

2,020,18,2

10,024,019,115,010,816,87,8

57,911,012,925,010,510,020,74,4

12,210,911,615,2

336,3

Disponibilidade Hídrica no Estado de São Paulo

20

ragens, estações elevatórias, usinas hidrelétricas e re-servatórios). São 73 obras hidráulicas, a maior partena Bacia do Alto Tietê. Em termos de geração hidrelé-trica, a capacidade instalada nos limites do Estadototaliza 18.078 MW. O potencial hidrelétrico remanes-cente estimado é de 2.600 MW. Quanto à navegação,São Paulo dispõe de uma rede hidroviária de 1.700 kme o potencial de 4.166 km.

E por fim, a diluição, a assimilação e o transpor-te de resíduos líquidos que, mesmo sendo um uso semperdas consuntivas, quando os efluentes não são tra-

tados, contribuem para diminuir a oferta de água comqualidade para outros usos. São Paulo tem um índicede cobertura de 97% para o abastecimento de água.Entretanto, no caso do afastamento dos esgotos essepercentual cai para 79%, e para 25% com tratamento.O potencial de carga orgânica biodegradável lançadoé de 1.713.190 kgDBO/dia para o uso urbano e9.310.491 kgDBO/dia para o uso industrial. O trata-mento dos efluentes reduz 25% da carga urbana e 96%da industrial. Algumas bacias recebem ainda quantida-des significativas de carga inorgânica:

Carga Inorgânica (t/ano) Remanescente

395252342

0

Carga Inorgânica (t/ano)Potencial

1.8941.7611.7256.909

UGRHI

Paraíba do SulPiraciaba/Capivari/JundiaíAlto TietêBaixada Santista

Domésti-

ca

0,383,352,490,97

14,6861,119,181,274,282,571,010,651,991,510,800,251,030,191,430,300,820,83

Industrial

0,046,500,005,58

16,4016,4711,700,17

16,004,090,002,126,812,010,601,380,530,261,370,260,790,18

93,27

Irriga-

ção

0,1010,420,01

12,919,902,630,009,86

18,747,840,596,69

12,7118,037,693,173,651,139,973,222,022,13

Rural

0,630,000,500,440,540,000,020,080,630,000,000,360,260,710,120,100,000,010,110,000,000,014,52

Total

1,1520,273,00

19,9041,5280,2120,9011,3839,6514,501,609,82

21,7822,259,214,905,211,59

12,883,783,633,15

352,29

Lançamento

Total

0,7710,180,096,43

15,1837,666,801,18

20,585,340,441,397,272,102,191,881,300,591,780,080,270,68

124,17

UTILIZADA

16,5028,1510,7166,3396,60

401,0553,5840,6580,9165,921,02

46,7854,4426,4935,4115,818,02

13,2847,6913,5012,529,26

39,50

CONSUMIDA

5,4614,0210,4044,8962,40

212,7536,1436,4338,9241,650,74

40,1736,2624,0027,009,746,028,34

41,1113,2111,597,26

25,60

UGRHI

MantiqueiraParaíba do SulLitoral NortePardoPiracicaba/Capivari/JundiaíAlto TietêBaixada SantistaSapucaí/GrandeMogi-GuaçuTietê/SorocabaRibeira de Iguape/LitoralSulBaixo Pardo/GrandeTietê/JacaréAlto ParanapanemaTurvo/GrandeTietê/BatalhaMédio ParanapanemaSão José dos DouradosBaixo TietêAguapeíPeixePontal do Paranapanema

% da Vazão Mínima

Demanda global de água no Estado de São Paulo

Font

e: R

elat

ório

de

situ

ação

dos

recu

rsos

híd

rico

s do

Est

ado

de S

ão P

aulo

(19

99)

21

• As informações veiculadas devem ter forma-to atraente e conteúdo mínimo objetivo: é precisoque chamem e prendam a atenção, envolvendo a au-diência, e também que contenham as metas e eco-nomia, a justificativa das metas, e o que cada umpode fazer para que se consiga atingi-las. As campa-nhas devem mostrar claramente as relações entre ocomportamento individual e as conseqüências cole-tivas desse comportamento, tanto no que tange àeconomia quanto no que diz respeito ao desperdício.

• É preciso avaliar que órgão ou instituiçãodeve assinar essas campanhas, ponto considerado fun-damental para o seu sucesso ou insucesso.

• As campanhas de informação e de educaçãodevem enfatizar de maneira clara e simplificada osargumentos em favor da conservação. Não basta sedizer que os equipamentos eficientes têm bom de-sempenho; é necessário mostrar que melhoram a qua-lidade de vida das pessoas e o meio ambiente.

Nancy Cardia (1998)

Uso racional, conservação eproteção dos recursos hídricos

As pressões da demanda somadas à deterioração da qualidade têm deixado algumas bacias emestado crítico em relação à disponibilidade hídrica, principalmente aquelas de maior densidadedemográfica e industrial, e de intensivo uso agrícola. Nas bacias do Alto Tietê e do Piracicaba/Capivari/Jundiaí a necessidade de programas voltados ao uso racional da água é uma imposição. Em algumasbacias, tanto a demanda superficial quanto a subterrânea já estão em estado crítico; em outras,esse balanço é considerado preocupante.

Promover o uso racional e a economia de água, evitando consumos exagerados, desperdícios eperdas, deve ser diretriz e objetivo permanente da gestão das águas, e não somente recurso utilizadodurante os períodos de crise e estiagem. Além das campanhas publicitárias e educacionais, dirigidasaos usuários domésticos, um programa de uso racional de água deve envolver amplos setores, inclu-indo todos os tipos de usuários: urbano, industrial, rural. As campanhas de esclarecimento e divul-gação de informações devem vir acompanhadas de políticas de incentivo à redução da demanda e de

financiamentos para a modernização de sistemas e troca de equipamentos.

Uso racional da água

Recomendações para campanhas informativas e educacionais

• As campanhas devem ter continuidade; nãopodem ser campanhas esporádicas, desenvolvidasapenas em momentos de crise.

• A educação para a conservação deve seriniciada nas escolas, para ir sensibilizando desdecedo as crianças.

• As campanhas devem ser segmentadas deacordo com o perfil da população, para atingir pú-blicos diferenciados quanto ao nível de escolari-dade, faixa etária, renda e outras categoriasrelevantes.

• Utilizar meios de comunicação e lingua-gens diferentes para públicos diferenciados: as cam-panhas devem considerar que a necessidade de sesegmentar implica produzir material informativoe persuasivo, que vai atingir públicos com diferen-tes habilidades cognitivas, motivações e capacida-de de atenção. Grupos formais e informais,associações e sindicatos devem ser pensados comoagentes disseminadores e como alvo de campanhasespecíficas.

22

Harith, o Beduíno, e sua esposa, Nafisa, indo de

um lugar para outro, erguiam sua tenda esfarrapada onde

quer que encontrassem tamareiras, ervas para alimentar

seu camelo ou um poço de água salobra. Esta vinha sen-

do sua forma de vida por muitos anos, e Harith raramen-

te variava sua rotina diária: caçando ratos para

aproveitar-lhes a pele, trançando cordas de fibras de palma

que vendia aos caravaneiros que por ali passavam.

Um dia, contudo, surgiu um novo manancial no

areal, e Harith levou um pouco daquela água aos lábios.

Teve a impressão de estar provando a verdadeira água do

Paraíso, pois era muito menos suja do que aquela que

estava acostumado a beber. A outros teria parecido desa-

gradavelmente salgada.

– Devo levar isto à alguém que irá apreciá-lo, disse

Harith.

E foi assim que partiu rumo a Bagdá, em busca do

palácio de Harun el-Raschid, viajando sem deter-se a

não ser para mastigar algumas tâmaras. Harith levou

consigo dois odres de couro cheios daquela água: um

para ele e outro para o califa.

Dias depois chegou a Bagdá, e logo se dirigiu ao

palácio. Ali os guardas ouviram sua história e, somente

por ser esta a norma usual, deixaram-no participar da

audiência pública de Harun el-Raschid.

– Comendador dos Crentes, disse então Harith, eu

sou um pobre beduíno e conheço todas as águas do de-

serto, embora saiba pouco acerca de outras coisas. Acabo

de descobrir esta água do Paraíso e, julgando-a uma ofe-

renda digna de vós, vim logo oferecê-la.

Harun, o Íntegro, provou da água, e, como com-

preendia seu povo, ordenou aos guardas palacianos que

levassem Harith e o mantivessem detido por algum tem-

po, até tornar conhecida sua decisão sobre aquele caso.

Depois chamou o capitão da guarda e lhe disse:

– O que para nós não é nada, para ele é tudo.

Portanto, devem levá-lo deste palácio durante a noite.

Não deixem que veja o poderoso rio Tigre. Escoltem-no

até sua tenda no deserto, sem permitir que prove água

doce. Então dêem mil moedas de ouro a ele, juntamente

com os meus agradecimentos por seu serviço. Digam-lhe

que é o guardião da água do Paraíso e que a distribua

gratuitamente, em meu nome, a todos os viajantes.

Histórias da Tradição Sufi

Um programa de uso racional e economia devepromover também o reúso de água. O reúso é a utiliza-ção do mesmo recurso, mais de uma vez, depois dotratamento adequado ao fim a que se destina. A águapode ser empregada para os usos urbanos e industriais,a agricultura e a aquicultura, para recarga de aqüíferossubterrâneos e a manutenção da vazão dos corposd’água. A água produzida nas estações de tratamentode esgoto da Sabesp, por exemplo, é reaproveitada naspróprias instalações da empresa; o excedente é comer-cializado para indústrias e prefeituras da Região Metro-politana de São Paulo, e para a lavagem de ruas. Nessaspráticas são aproveitados 34 milhões de litros de águamensalmente, a custo reduzido.

A realização de estudos de viabilidade técnica,econômica, social e cultural para o reúso da água éuma forma importante de incentivar e divulgar essaprática, e o seu ordenamento legal e regulatório.

Conceito de reúso de água

Reúso indireto: ocorre quando a água já usa-da, uma ou mais vezes para uso doméstico ou in-dustrial, é descarregada nas águas superficiais ousubterrâneas e utilizada novamente a jusante, deforma diluída.

Reúso direto: é o uso planejado e deliberadode esgotos tratados para certas finalidades comoirrigação, uso industrial, recarga de aqüífero e águapotável.

Reciclagem interna: é o reúso da água inter-namente às instalações industriais, tendo como ob-jetivo a economia de água e o controle da poluição.

Darcy Brega Filho ePedro Caetano Sanches Mancuso (2003)

A Água do Paraíso

23

A Água do Paraíso • Harith, o Beduíno, e sua esposa, Nafisa, indode um lugar para outro, erguiam sua tenda esfarrapada onde querque encontrassem tamareiras, ervas para alimentar seu camelo ouum poço de água salobra. Esta vinha sendo sua forma de vida pormuitos anos, e Harith raramente variava sua rotina diária: caçandoratos para aproveitar-lhes a pele, trançando cordas de fibras depalma que vendia aos caravaneiros que por ali passavam. Um dia,contudo, surgiu um novo manancial no areal, e Harith levou umpouco daquela água aos lábios. Teve a impressão de estar provan-do a verdadeira água do Paraíso, pois era muito menos suja do queaquela que estava acostumado a beber. A outros teria parecidodesagradavelmente salgada. – Devo levar isto à alguém que iráapreciá-lo, disse Harith. E foi assim que partiu rumo a Bagdá, embusca do palácio de Harun el-Raschid, viajando sem deter-se a nãoser para mastigar algumas tâmaras. Harith levou consigo dois odresde couro cheios daquela água: um para ele e outro para o califa.Dias depois chegou a Bagdá, e logo se dirigiu ao palácio. Ali osguardas ouviram sua história e, somente por ser esta a norma usu-al, deixaram-no participar da audiência pública de Harun el-Ras-chid. – Comendador dos Crentes, disse então Harith, eu sou umpobre beduíno e conheço todas as águas do deserto, embora saibapouco acerca de outras coisas. Acabo de descobrir esta água doParaíso e, julgando-a uma oferenda digna de vós, vim logo ofere-cê-la. Harun, o Íntegro, provou da água, e, como compreendia seupovo, ordenou aos guardas palacianos que levassem Harith e o man-tivessem detido por algum tempo, até tornar conhecida sua deci-são sobre aquele caso. Depois chamou o capitão da guarda e lhedisse: – O que para nós não é nada, para ele é tudo. Portanto, de-vem levá-lo deste palácio durante a noite. Não deixem que veja opoderoso rio Tigre. Escoltem-no até sua tenda no deserto, sem per-mitir que prove água doce. Então dêem mil moedas de ouro a ele,juntamente com os meus agradecimentos por seu serviço. Digam-lhe que é o guardião da água do Paraíso e que a distribua gratuita-mente, em meu nome, a todos os viajantes

Histórias da Tradição Sufi

GESTÃO DAS ÁGUAScapítulo 2

24

A emergência da água comotema das políticas públicas

A proximidade a uma fonte de água sempre foi condição determinante na escolha do local dosassentamentos humanos. Nossa história está ligada indissociavelmente à gestão desse recurso es-sencial ao desenvolvimento e à continuidade da vida. As obras hidráulicas estão presentes nos maisantigos registros dessa história, revelando os esforços da humanidade para controlar a água, princi-palmente os problemas gerados pela escassez ou pelo excesso, sejam provocados pela sazonalidadedas vazões, por condições climáticas adversas, ou resultantes das próprias ações humanas.

Desde a Antiguidade as sociedades organizaram-se e desenvolveram-se em função da dinâ-mica dos grandes rios. Os primeiros documentos escritos, dos sumérios, cerca de 4.000 anos a.C.,já continham instruções sobre a irrigação da agricultura em terraços. Entre os registros históricosmais antigos (AZEVEDO NETTO, 1984) encontram-se as grandes obras de controle das vazões do rioNilo para irrigação e abastecimento, construídas pelos povos egípcios, as obras de saneamento deNippur, na Índia (3.750 a.C.), as obras para abastecimento, esgotamento e drenagem no Vale doIndo (2.750 a.C.), o conjunto de obras hidráulicas realizadas pelo imperador Yú, o Grande, naChina (2.200 a.C.), e o uso do sulfato de alumínio na clarificação da água de abastecimentopelos egípcios (2.000 a.C.). Os conhecimentos e técnicas desenvolvidos por esses povos sobre osrecursos hídricos levaram os historiadores a chamar essas sociedades de civilizações hidráulicas.

Se a construção de grandes obras hidráulicas foi uma das características que marcaram as civi-lizações da Antiguidade, o mesmo não se pode dizer da Idade Média. Quando comparado ao desen-volvimento de algumas cidades da Antigüidade, o período medieval representa considerável retro-cesso sob o ponto de vista sanitário. As grandes epidemias que assolaram esse período, em parte,podem ser atribuídas ao baixo consumo de água, que em algumas localidades chegava a menos deum litro por habitante (SILVA, 1998). Em comparação, sob o governo do imperador Trajano (98 a 117d.C.), a água de Roma, transportada e disponível para a população, correspondia a mil litros diáriospor habitante.1

Contudo, a partir dos séculos XII e XIII, nas cidades que se formavam às margens dos rios,começaram a ser construídas as primeiras obras portuárias - barragens, eclusas, canais artificiais eportos - permitindo o uso dos cursos d’água como via de transporte. A água passa então a ter im-portância cada vez maior para o crescimento econômico. Sua utilização como força motriz para osmoinhos impulsionou o desenvolvimento da urbanização pré-industrial. Sobre essas transfor-

mações, Silva (1998) observa que:

A economia deste período coincide com a concentração das habitações e a infra-estrutura artesanal, onde o abasteci-mento era feito pela captação direta da água nos rios. A introdução do processo de moagem teria contribuído com a primeiraurbanização, a qual necessitava de um afluxo de mão-de-obra destinada aos trabalhos pesados. O crescimento das manufatu-ras em tecidos e couro consideradas a base da riqueza urbana da época, aumentou a dependência da água em quantidade equalidade para vários fins e parece ter orientado a distribuição das manufaturas ao longo dos cursos d’água, de forma a evitarprejuízos e competições pelo recurso hídrico entre as diversas atividades (pg. 32).

1 www.unesco.org.uy /phi/libros/histagua/tapa.html

25

O período renascentista vê surgir uma arte hi-dráulica inspirada na tradição greco-romana, que darátal importância às fontes (chafarizes), a ponto de con-ceder o título de superintendente dos rios e águasaos mais famosos fontanieri (responsáveis pelas fon-tes), em reconhecimento ao seu virtuosismo no con-trole hidráulico (SILVA 1998):

Os princípios baseados na hidráulica alexandrinaserviam, ao mesmo tempo, para fins estéticos e para re-solver questões práticas de abastecimento de água. Ape-sar de preocupados com a questão técnica (corrosão doscanos ou novas concepções de moinhos d’água), algunsengenheiros se viam como magos a ponto de serem trata-dos como hereges (pg. 35).

É também nesse período que os autores que con-tribuíram para desenvolver a hidrologia científica co-meçam a se destacar:

No nascimento da hidrologia moderna houve umencontro do modelo vitruviano, a partir da tradução dos“Dez livros de arquitetura de Vitrúvio”, em 1673, com ostrabalhos de Pierre Perrault, de 1674, que deu origem ao clás-sico tratado intitulado “Da origem das fontes”2. (pg. 36).

Mas será no contexto do desenvolvimento urba-no-industrial que a tecnologia hidráulica dará um sal-to tanto quantitativo como qualitativo para responderàs crescentes demandas de água. Sobre esse períodoSilva (1998), observa que:

com o desenvolvimento industrial têxtil, dependente tan-to de água em abundância como de novos terrenos, as ati-vidades manufatureiras instalaram-se nas regiões maisbaixas e pantanosas, fora das cidades. Além disso, o vapord’água, indispensável à boa qualidade dos tecidos, apare-ceu como o motor econômico da urbanização ocidental. Arevolução termodinâmica, possibilitada pela máquina avapor, em 1764, tornou-se a principal força geradora de mo-vimento e da aceleração do processo produtivo, causandoum forte impacto sócio-econômico e ambiental (pg. 37).

A partir de meados do século XIX, no contextodas mudanças produzidas pelo desenvolvimento dasociedade urbano-industrial é que terá início a im-plantação de um sistema de saneamento e a criaçãode legislação específica e dos serviços da administra-ção pública correspondentes. Esse período foi decisi-vo para que se desenvolvesse o movimento sanitáriona Europa. Na Inglaterra, centro da Revolução Indus-trial, a economia de mercado, o sistema de produção

fabril, o acelerado crescimento populacional e as al-tas densidades populacionais que se aglomeravam nosdistritos mais pobres das cidades produziram um am-biente urbano até então não imaginado. As aglome-rações urbanas somadas à ausência de saneamentobásico não tardaram a ser associadas com as doenças,epidemias e altos índices de mortalidade. Os comitêse comissões que por essa época foram criados paraestudar e propor soluções para os problemas das ci-dades, e de seus pobres, não tardaram em indicar,como solução, regulamentar a situação sanitária dasgrandes comunidades urbanas e criar um novo depar-tamento governamental para esse fim (ROSEN, 1994).

Essas condições eram comuns a países da Euro-pa e aos Estados Unidos. Além das transformações ra-dicais produzidas pelo modo de produçãourbano-industrial, as cidades também recebiam inten-sos fluxos migratórios que contribuíam para dissemi-nar as doenças e agravar as condições de saúde dapopulação. Esse quadro comum mostrou a necessidadede se criarem mecanismos de cooperação internacio-nal, de uma organização internacional de saúde: em1851, realizava-se, em Paris, a primeira conferênciasanitária internacional (ROSEN, 1994).

Promovido pela emergente área da saúde públi-ca, no século XIX o saneamento ambiental das cidadespassou a ser a principal atividade no controle das doen-ças contagiosas (ROSEN, 1994):

De acordo com a teoria miasmática do contágio,a prevenção era a conseqüência natural da remoção de re-fugos e água dos esgotos; ao minorar os transtornos sani-tários, o objetivo real da administração da Saúde Públicaera o de impedir surtos de doenças contagiosas. No entan-to, à proporção que os bacteriologistas identificavam osmicroorganismos responsáveis por doenças específicas, eexpunham seu modo de ação, abria-se o caminho para ocontrole de doenças infecciosas sob uma base mais racional eespecífica. E as autoridades sanitárias puderam desenvolveressa atividade em uma escala sem precedentes (pg. 258).

Essa área ganhou novo impulso com o desenvol-vimento da bacteriologia, da epidemiologia e da imu-nologia. O controle das doenças contagiosas, odesenvolvimento das análises físico-químicas, a desin-fecção, o saneamento e a gestão dos recursos hídricosconstituem elementos fundamentais de um modelo queiria prevalecer por várias décadas do século XX.

2 Silva destaca ainda outros autores que contribuíram para desenvolver a hidrologia científica. Edmé Mariotte, dando continuidade aostrabalhos de Perrault, desenvolveu uma metodologia para medir as velocidades de escoamento e das vazões no seu Tratado domovimento das águas e de outros corpos fluidos, publicado em 1686. Na Inglaterra, em 1690, Edmond Halley, com interesse particularno problema da medição da evaporação, permitiu explicar o déficit do escoamento evidenciado por seus antecessores, concluindo queos rios, as fontes e as águas subterrâneas originavam-se das precipitações .

26

O desenvolvimento do controlesanitário no Brasil

O abastecimento de água torna-se uma questãopública no País, apenas a partir do século XVIII. Duran-te quase toda a época colonial os problemas de sanea-mento das vilas não eram objeto de ações do governoda Colônia. Segundo Silva (1998), nesse período,

as soluções relativas ao abastecimento de água e evacua-ção dos dejetos ficavam sob encargo dos indivíduos. A cap-tação de água para abastecimento era realizada, indivi-dualmente, nos mananciais e, as ações de saneamento,voltadas, prioritariamente, à drenagem (pg. 49).

Em 1723 foi construído o primeiro aqueduto doRio de Janeiro, que aduzia água do rio Carioca, atra-vés dos Arcos Velhos, até o chafariz público; data de1744 a construção do primeiro chafariz público emSão Paulo, e, de 1750, a do aqueduto do Carioca, noRio de Janeiro - os Arcos Novos -, com 13 quilômetrosde extensão (AZEVEDO NETTO, 1984). Na província deSão Paulo, a distribuição de água por meio dos chafa-rizes foi adotada para o abastecimento público pormais de um século.

Mas foi sobretudo no século XIX que a questãodos recursos hídricos entrou para a agenda político-administrativa do governo. Durante esse período fo-ram construídas as primeiras redes de abastecimentoe de esgotamento sanitário nas principais cidades bra-sileiras: em 1860, o sistema de abastecimento do Riode Janeiro distribuía oito milhões de litros de águapor dia; data de 1861 o sistema de abastecimento deágua de Porto Alegre; de 1870, o sistema de abasteci-mento de água de Santos; em 1877, foi constituída aCia. Cantareira de Águas e Esgotos e também iniciadasobras de adução em São Paulo; em 1880, implantou-se uma estação de tratamento de águas em Campos; eem 1891, o serviço de águas de Campinas (AZEVEDONETTO, 1984).

No caso de São Paulo, a atribuição de cuidar doabastecimento público foi concedida à Cia. Cantareirade Águas e Esgotos, empreendimento privado que re-cebeu concessão para abastecer a cidade. Quando co-meçou a operar, em 1881, a Cantareira era capaz deabastecer até o dobro da população, na época, de trintamil habitantes. Contudo, em dez anos a população da

O modelo extensivo de exploração

dos recursos hídricos

As preocupações com a qualidade da água dis-tribuída à população seguiram o avanço das ciênci-as e da tecnologia, passando de considerações“estéticas” sobre o gosto e a aparência da água,que prevalecem até meados do século XIX, a análi-ses físico-químicas e bacteriológicas cada vez maisfinas. Com o avanço da epidemiologia foi sendoconstatado que a contaminação ou a escassez daágua estavam na origem dos principais problemasde saúde das populações urbanas e rurais.

De fato, buscando avançar cada vez mais noideal qualitativo de produção de uma água potávelsem riscos para a saúde dos consumidores, os esta-dos nacionais passam a reforçar paulatinamente asnormas de potabilidade, e a monitorar um númerocrescente de parâmetros de qualidade da água. Po-rém, a aceleração do processo de crescimento in-dustrial que ocorre na Europa e nos Estados Unidosapós o fim da Segunda Guerra Mundial torna esseprocesso cada vez mais complexo, à medida quenovos poluentes vão sendo incessantemente cria-dos pelas indústrias. Acompanhando este proces-so, os governos e as instituições científicas investempesadamente na pesquisa e no desenvolvimento denovas técnicas para detectar e medir a concentra-ção de poluentes na água, bem como para determi-nar seus efeitos ainda pouco conhecidos sobre asaúde humana. Paralelamente, os engenheiros sa-nitaristas e outros especialistas consagram-se aodesenvolvimento de novas técnicas para adaptar otratamento da água bruta aos padrões de potabili-dade cada vez mais exigentes que vão sendo adota-dos. Todavia, a partir de meados dos anos 60,afirmou-se gradativamente a percepção de que esseprocesso de “fuga para a frente”, que tentava con-tornar os problemas sanitários de degradação dosmananciais através da estratégia da oferta tecnos-sanitária, estava se tornando insustentável, seja emtermos ecológicos, seja em termos políticos e eco-nômicos.

Marcelo Coutinho Vargas (1999)

27

cidade chegou a 120 mil habitantes, tornando a ques-tão do abastecimento público um dos principais pro-blemas de São Paulo. A empresa, criada para abasteceruma pequena cidade, não consegue atender às de-mandas da metrópole emergente, levando a Cia. Can-tareira à situação de insolvência financeira. Em 1892,foi absorvida pelo Estado; no ano seguinte foi criadaa Repartição de Serviços Técnicos de Águas e Esgotos(RAE), que deu origem a um setor da administraçãopública voltado para o abastecimento de água e osaneamento público.

A escassez de fontes mais próximas, as condi-ções climáticas que alternavam períodos de chuvasintensas com outros de estiagens prolongadas e a ra-pidez do adensamento urbano eram as principais variá-veis para equacionar o abastecimento de São Paulo nofinal do século XIX. Nesse contexto, uma alternativasempre se colocava em pauta: a captação no rio Tietê.Embora não fosse consensual, vários técnicos a defen-deram como mais favorável a uma solução de longoprazo para enfrentar o problema de abastecimento.

Gerando polêmicas face ao estado das águas doleito do rio, essa alternativa dividiu as opiniões dostécnicos entre o final do século XIX e as três primeirasdécadas do século XX: alguns defendiam a captaçãodas águas de cabeceiras, em bacias vestidas de florestas,conforme determinava o Código Sanitário da primeiradécada do século. Outros defendiam o emprego de téc-nicas de purificação para o aproveitamento em grandeescala das águas baixas do Tietê (VICTORINO, 2002).Mas a controvérsia sobre o abastecimento da cidadenão se restringia a essas divergências.

Essa história é exemplar para a compreensão dasdisputas pelo uso dos recursos hídricos e pelo poderde influir sobre o Estado oligárquico paulista na suaconcessão. No final do século XIX, a capital paulistavivia em franco dinamismo gerado pela economia ca-feeira. Além da crescente expansão demográfica, adiversificação de atividades comerciais, industriais efinanceiras criou um mercado potencial que começavaa se expandir nos mercados internacionais: o desen-volvimento da energia elétrica com aplicações no trans-porte urbano, na iluminação pública e nos vários usosindustriais.

Assim, às divergências sobre as alternativas parao abastecimento da cidade de São Paulo vieram so-

A água não controlada

A partir do século XVIII, o abastecimento pú-blico de água fazia-se através de chafarizes e fon-tes próprias. As outras ações ditas de saneamento,tais como remoção de dejetos e de lixo, eram trata-das de forma individualizada pelas famílias. A ad-ministração portuguesa determinava que a captaçãoe a distribuição da água era de responsabilidadeexclusiva de cada vila, embora as atribuições muni-cipais fossem mal delimitadas e subordinadas à cen-tralização monárquica.

O serviço de abastecimento de água era, ini-cialmente, realizado pelo transporte da água poraquedutos e a distribuição à população feita pormeio dos chafarizes. O abastecimento domiciliar porredes foi implantado somente a partir do séculoXIX.

Apesar da construção dos chafarizes, a ofertade água não era satisfatória. Parte da populaçãoabastecia-se em fontes centrais, e a água era trans-portada por escravos ou comprada dos vendedores(os pipeiros). Além disso, à medida que cresciam ascidades, a população mais carente ficava obrigadaa realizar longos deslocamentos por falta de chafa-rizes próximos, ou por serem alguns destes explo-rados por companhias particulares quecomercializavam a água. Tal fato demonstrava quesomente uma minoria da população se beneficiavacom o atendimento dos serviços básicos. Essa si-tuação tenderia a mudar com a mudança políticae a consolidação da República.

Elmo Rodrigues da Silva (1998)

28

mar-se os interesses da empresa canadense criada em1899, a The São Paulo Railways, Light & Power Com-pany Limited, cujas atividades alteraram de maneirasignificativa a configuração da bacia hidrográfica doAlto Tietê e acabaram definindo os destinos do rioTietê para outros usos: geração de energia elétrica ediluição de esgotos. Em 1927, a empresa consegue osdireitos de drenar todas as águas urbanas para gerarenergia em Cubatão. Era o chamado Projeto Serra.Configurava-se, desse modo, a hegemonia do setorelétrico sobre o setor de saneamento, o que se tornoupossível, sobretudo, devido à inexistência de regula-mentação e à criação de vínculos com a oligarquiapaulista, o que permitiu à Light and Power amplasfacilidades na consolidação dos seus negócios.

Estava traçado o cenário para a emergência doprincipal conflito sobre os usos dos recursos hídricos,entre saneamento e geração hidrelétrica, que se es-tendeu por quase todo o século XX. Entretanto, a ex-pansão urbana, o incremento demográfico e industrialda cidade desenvolviam-se num ritmo tão intenso queos aumentos na oferta eram em pouco tempo supera-dos pelas demandas, gerando progressivas crises deabastecimento de água potável e de fornecimento deenergia elétrica.

A proteção dos rios

O fato de se ter atualmente condenado dou-trinariamente as águas do Tietê, conduzirá ao aban-dono de suas margens e do seu curso, aodesenvolvimento de povoações para montante, eao lançamento de impurezas que contaminarão oque com a “lei de proteção” se pode desde já con-servar e transmitir sem mácula ao porvir, de modoque as águas sejam cada vez mais potáveis em lu-gar de se tornarem cada vez mais poluídas. Em con-clusão: mesmo que os nossos estudos de atualidadedemonstrem que é mais econômico fazer a capta-ção do Cotia e de outras águas altas para satisfazerpor completo a cidade, cumpre ao Governo previ-dente conservar as águas do Tietê, senão melhoraras condições do seu curso desde as cabeceiras, comoa fonte abundante e inesgotável que fatalmenteatenderá o futuro. Ora, não será preciso argumen-tar com o abandono pelas coisas públicas, com ainstabilidade dos governos ou a sua pouca durabili-dade (o quatriênio), para reconhecer que semelhan-te programa teria vida efêmera e logo se abandonariao Tietê aos que o quisessem explorar e às tendênci-as da expansão social e industrial. O único meio demanter a integridade higiênica do rio é a lei deproteção e a prática do abastecimento: então vela-rão por ele os interessados pela pureza das suaságuas, e o povo e os governos quaisquer, hoje epara sempre. Mesmo que os estudos definitivos pro-vem a vantagem de ainda se recorrer às águas decursos menos expostos à contaminação (como se-jam os dois Cabussus, o Cotia, etc.), é preciso pro-teger as águas do Tietê, a grande reserva para SãoPaulo.

Saturnino de Brito (1905)3

3 BRITO, 1905 apud VICTORINO, 2002, p.15.

29

Rios e várzeas na urbanização de São Paulo:1890 -1940

No que se refere à eletricidade, o agente in-terventor foi a São Paulo Tramway Light and PowerCompany Limited, que desde o início do século XXdeteve o monopólio do setor. Em 1901, a empresainaugurou uma usina hidroelétrica no rio Tietê, nomunicípio de Santana do Parnaíba, a 33 quilôme-tros da capital paulista. Sete anos depois, para fazercom que a usina de Parnaíba recebesse água sufici-ente durante o período de estiagem, represou umdos afluentes do rio Pinheiros, o rio Guarapiranga -localizado no então município de Santo Amaro, ane-xado à capital paulista somente em 1935. Na épocadas chuvas a água era acumulada na grande represa,e nos meses de seca despejada no Pinheiros, che-gando por meio deste ao Tietê.

Contudo, já na década de 1920, tal sistemanão era suficiente para garantir o consumo semprecrescente de eletricidade em São Paulo, o que amea-çava a expansão industrial paulista. Assim, em 1924,é construída no Tietê, a jusante da capital, a hidro-elétrica do Rasgão, na altura de Pirapora do BomJesus, e incorporada ao sistema Light a usina dePorto Góis. Um ano depois, a empresa iniciou o pro-jeto Serra, que consistiu na formação de um reser-vatório, ainda maior do que o de Santo Amaro,através do represamento do rio Grande, um dos for-madores do Pinheiros. As águas das represas eramenviadas para o leito do rio das Pedras, localizadobem próximo a ela, mas com vertente oceânica, edaí, em tubulações enormes, eram precipitadas emuma queda de mais de 700 metros, acionando asturbinas de uma usina construída no sopé da Serrado Mar, na cidade de Cubatão.

Em 1927, a Light recebeu concessão estadualpara captar as águas do Tietê e incorporá-las aocomplexo hidroelétrico de Cubatão, o que, de fato,começou a ocorrer a partir da década de 1940, coma canalização e a reversão do curso natural do Pi-nheiros através das usinas elevatórias da Traição ede Pedreira. A empresa obtivera o direito de pro-priedade sobre as várzeas inundáveis saneadas doPinheiros, que foram loteadas e vendidas.

Janes Jorge, 2003

O Código de Águas

O projeto do Código de Águas foi elaborado em1907, pelo jurista Alfredo Valladão, a pedido do en-tão ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas.Encaminhado à Câmara dos Deputados, ficou em tra-mitação por quase três décadas. As razões alegadaspara esse longo adiamento foram sua inadequação aosdispositivos constitucionais então vigentes e os pro-blemas relacionados às secas no semi-árido nordesti-no (ASSUNÇÃO; BURSZTYN, 2001).

Esse cenário iria mudar substancialmente frenteo quadro político institucional que emerge com a Re-volução de 1930. Além da ruptura política e econômi-ca com o Estado oligárquico, o novo projeto políticotrazia entre suas metas um esforço de modernizaçãotécnica e administrativa do aparelho de Estado, e degestão direta dos serviços públicos. Nesse momento,começa então a ser criado um arcabouço jurídico-ad-ministrativo básico para a administração pública, comum sistema burocrático que passa a centralizar e ad-ministrar vários serviços antes concedidos a terceiros.

A década de 1930 é também um momento degênese da política ambiental brasileira, quando foieditada a legislação básica sobre o tema: o CódigoFlorestal (Decreto 23.793, de 23 de janeiro de 1934, oCódigo de Minas (Decreto 24.642, de 10 de julho 1934);o Código de Águas (Decreto 24.643, de 10 de julho de1934) e o Código de Pesca (Decreto 794, de 19 deoutubro de 1938). Na periodização da política de meioambiente do país, proposta por Monosowski (1989), aabordagem estratégica desse momento inicial, centra-da na administração dos recursos naturais4, baseava-se fundamentalmente no controle da exploração eracionalização do uso desses recursos e na definiçãode áreas de preservação permanente5.

4 Monosowski identifica quatro abordagens estratégicas no desen-volvimento da política ambiental brasileira: a administração dosrecursos naturais; o controle da poluição industrial; o planejamen-to territorial; e a gestão integrada dos recursos naturais.5 Nesse período também foram criados o Parque Nacional de Itatiaia(1937), os Parques Nacionais de Iguaçu e da Serra do Órgãos (1939)e a Floresta Nacional de Araripe-Apodi (1946).

30

A regulação pública sobre os recursos naturaisno Brasil, que surge com a Revolução de 1930, foimarcada pelo controle federal sobre a ocupação doterritório e sobre os usos dos recursos naturais. Esseprocesso caracterizou-se por uma dinâmica movida peladisputa por hegemonia entre as forças políticas eelites econômicas dos estados e o governo central.A Constituição de 1934, por exemplo, ao estabeleceras condições em que seria possível a exploração dosrecursos hídricos, define como competência da Uniãolegislar sobre o tema, além de separar a propriedadedo solo da propriedade das riquezas do subsolo, bemcomo da propriedade das quedas d’água e da sua ex-ploração ou aproveitamento industrial que passam adepender de concessão federal.

Nessa ocasião, há um deslocamento do centrodinâmico da economia para o mercado interno, o quefortalece o desenvolvimento urbano industrial, decli-nando a hegemonia política e econômica do latifún-dio rural exportador para os setores urbanosemergentes. O Código de Águas, instituído em 1934,reflete esse amplo processo de rupturas com o Estadooligárquico anterior:

O Código de Águas tinha, como objetivo geral,estabelecer regras de controle federal para o aproveitamen-to dos recursos hídricos, principalmente com finsenergéticos. Por outro lado, o código também formulavaalguns princípios que podem ser considerados um dos pri-meiros instrumentos de controle do uso de recursos hídricosno país e a base para a gestão pública do setor de sanea-mento, sobretudo no que se refere à água para abasteci-mento (SILVA, 1998; pg.59).

As preocupações com o uso da água para finsenergéticos estão presentes na organização institucio-nal do setor. A criação nesse mesmo ano do Departa-mento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e doConselho Nacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE)é exemplo dessa política com forte orientação nacio-nalista e intervencionista, indicativa da hegemoniaque o setor elétrico iria ter sobre a gestão dos recur-sos hídricos pelas décadas posteriores.

Com o fim do Estado Novo e a redemocratizaçãodo país, há uma mudança na orientação nacionalistae intervencionista característica do período de gover-no de Getúlio Vargas. Em seu lugar, a nova ordem ins-tituída orienta-se por uma perspectiva maisliberalizante e uma condução política menos inter-

vencionista. Analisando esse período, Silva (1998)conclui que:

Desde então, promoveu-se no Brasil odesmantelamento de quase tudo que fosse identificadocom a ditadura do Estado Novo. Diversos órgãos estaduaisforam eliminados e tentou-se negar a importância da prá-tica do planejamento centralizado. No setor de saneamen-to, destacava-se a busca por uma maior autonomia dosserviços através das formas de gestão autárquicas, bemcomo de novos mecanismos e perspectivas de financiamen-to, visto que as taxas e tarifas dos serviços de utilidadepública, tais como energia, água e esgotos, eram conside-rados irreais por parte do governo. Por outro lado, a Cons-tituição de 1946 procurou regulamentar a utilização dosrecursos naturais visando à exploração econômica dosmesmos, de acordo com os princípios que a nortearam,dando ênfase à livre iniciativa e à propriedade privada,reservando à União a competência para legislar sobre aságuas (pg. 64).

Das autarquias à gestãoempresarial das águas

O desenvolvimento do saneamento básico noBrasil pode ser analisado pelas formas encontradas nosdiversos períodos para a gestão dessa atividade. Mon-teiro Costa (1994), analisando a história do sanea-mento, do período colonial até a elaboração do PlanoNacional de Saneamento, identifica seis fases:

• período colonial, caracterizado pela ausênciaquase total do Estado em relação às ações de sanea-mento;

• primeiras concessões de serviços de águas eesgotos à iniciativa privada;

• adoção dos serviços de saneamento pelo Esta-do, tomando-se por base o rompimento das conces-sões à iniciativa privada;

• busca de autonomia dos serviços em relação àadministração direta pela criação de autarquias e demecanismos de financiamento;

• busca ainda maior de autonomia por meio daadoção de um modelo de gestão empresarial marcadopela criação das empresas de economia mista, princi-palmente no nível estadual;

• elaboração do Plano Nacional de Saneamento,o Planasa, considerado um divisor de águas no setor.

Como visto, essa periodização pode ser observa-da também no Estado de São Paulo:

31

• período colonial caracterizando-se pela au-sência quase total de ações do governo;

• período das concessões privadas, quando aCompanhia Cantareira passa a ser a concessionáriaresponsável pela distribuição de água;

• após a encampação da Companhia Cantareira peloEstado, criação da Repartição de Águas e Esgotos (RAE);

• criação das autarquias: o Estado de São Pauloinstitui, em 1954, o Departamento de Águas e Esgo-tos (DAE), em substituição à RAE.

O período de criação das autarquias, orientaçãoque marcou toda a década de 1950, foi marcado tam-bém pela busca de maior autonomia dos serviços desaneamento em relação à administração direta. As crí-ticas à administração centralizada dos serviços de sa-neamento apontavam, por um lado, as interferênciase subordinação aos interesses externos e, por outro, adependência financeira e orçamentária como resulta-do da ausência de arrecadação própria. Na V Convençãonacional de engenheiros, realizada em 1951, uma mo-ção foi encaminhada a todos os governadores, com aseguinte recomendação (WHITAKER, 1952):

É indispensável que os serviços de abastecimen-to de água e esgoto sejam planejados, executados e ope-rados por intermédio de órgãos de natureza autárquica,que lhes proporcionarão a indispensável autonomia de quecarecem, para executar sua missão de interesse coletivo(pg. 111).

Entretanto, os problemas de financiamento parao setor permaneciam, visto que a origem dos recursoscontinuou sendo orçamentária, tendência que se man-teve por toda a década.

No período seguinte, caracterizado por um mode-lo de gestão empresarial, foram criadas várias empre-sas de economia mista. Com isso, buscava-se uma maiorracionalização e eficiência na alocação dos recursos eautonomia orçamentária por meio de receita tarifária.No Estado de São Paulo foram criadas várias empresaspara atuar dentro desse novo modelo de gestão:

• Companhia Metropolitana de Água de São Pau-lo (Comasp), criada em 1968 com o objetivo de cap-tar, tratar e distribuir água no atacado para os 38municípios da área metropolitana de São Paulo;

• Companhia de Saneamento da Baixada Santis-ta (SBS), criada em 1970 em substituição ao Serviçode Água de Santos e Cubatão (SASC), a Repartição de

Saneamento de Santos (RSS) e os Serviços Públicos doGuarujá, os três da administração direta, com atua-ção em cinco municípios;

• Companhia Metropolitana de Saneamento deSão Paulo (Sanesp), criada em 1970, para interceptar,tratar e realizar a disposição final de esgotos dos 38municípios da área metropolitana.

• Superintendência de Água e Esgotos da Capi-tal (SAEC), autarquia criada em 1970, em substituiçãoao DAE, para administrar e operar os sistemas de distri-buição e coleta de águas e esgotos, respectivamente.

• Companhia Regional de Água e Esgotos doVale do Ribeira (Sanevale), constituída em 1972, comatuação em vinte municípios (SETTI, 1998).

Contribuíram também para a adoção desse sis-tema de gestão as exigências do Banco Interamerica-no de Desenvolvimento (BID), condicionando aconcessão de financiamentos à autonomia total dosserviços e à realização de estudos de viabilidade eco-nômica, prevendo que as amortizações pudessem serfeitas por meio de receitas tarifárias.

Setti (1998) observa que na década de 1960 agestão do saneamento era realizada por instituiçõesque operavam dentro destes dois modelos, seja porserviço autônomo municipal, seja por intermédio deuma gestão estadual.

O Plano Nacional deSaneamento Básico (Planasa)

A gestão do saneamento sofreu profundas mu-danças com a implantação do Plano Nacional de Sa-neamento Básico (Planasa), em 1971. Consolidandoas tendências de gestão que se desenvolviam desdeos anos 1950, o Planasa estabelece como diretrizes aautonomia dos serviços, a auto-sustentação tarifá-ria, o financiamento com recursos retornáveis e agestão por intermédio das companhias estaduais desaneamento.

Com o Planasa, a política de saneamento passaa ser centralizada pelo governo federal. Os arranjosfinanceiros e operacionais para a viabilidade do Planojá existiam: o Banco Nacional de Habitação, criado em1965, como órgão gestor; e o Fundo de Garantia porTempo de Serviço (FGTS), de 1965, como a principalfonte de recursos para a implantação do Plano. O Fun-

32

do de Financiamento para o Saneamento, de 1967, eo Sistema Financeiro de Saneamento, criado no anoseguinte, dariam a estrutura institucional ao Planasa(SETTI, 1998).

Integrando o Plano de Metas e Bases para a Açãodo Governo, o Planasa apresentava metas específicasaté 1980: atender 80% da população urbana do paíscom abastecimento de água, e integrar às redes 50%dos esgotos dessa mesma população.

Além disso, pretendia também estender o aten-dimento a todas as sedes municipais e vilas brasileirascom população superior a cinco mil habitantes até oano de 1985. Só para ter uma dimensão dessas metasé bom lembrar que um levantamento realizado pelaOrganização Panamericana de Saúde (OPS), em 1967,sobre a situação do saneamento nas sedes municipais,revelou que de um total de 3.938 municípios somente1.956 tinham sistema público de abastecimento deágua. O percentual da população urbana abastecidaera de 53%; e da população total do país, apenas 27%era servida por um sistema de abastecimento público.

Setti (1998) aponta como características maismarcantes do Planasa a grande canalização de recur-sos do FGTS, o aumento na cobertura dos serviços deabastecimento de água, a baixa elevação nos índicesde esgotamento sanitário, a exclusão de outras açõesde saneamento e a centralização autoritária nas com-panhias estaduais, excluindo o poder local da partici-pação nos processos decisórios.

Sem dúvida, o Planasa representou um enormeavanço em termos de atendimento às demandas deabastecimento de água e de coleta e afastamento deesgotos. Entretanto, as conseqüências dessa políticaforam o aumento extraordinário da carga de efluentesdomésticos lançados nos corpos d’água, uma vez queo financiamento dos sistema de tratamento de esgo-tos quase não foram contemplados.

A gestão dos mananciaismetropolitanos

Em meados da década de 1970, o processo demetropolização da então chamada Grande São Paulo,mostrava um crescimento populacional que havia sal-tado da faixa dos quatro milhões de habitantes, em1960, para quase 11 milhões em 1975, cuja ocupação

territorial, sempre incorporando áreas mais distantesdos centros urbanizados, mantém as característicasdo processo de expansão urbana da região: desorde-nado, predatório e especulativo.

A conurbação de vários municípios polarizadospor uma metrópole, já vinha demandando a atençãodo poder público. No âmbito federal, além do disposi-tivo constitucional6, que previa a criação de regiõesmetropolitanas, o governo editou lei complementarcriando oito regiões metropolitanas7. No caso de SãoPaulo as ações voltaram-se para a criação do Sistemade Planejamento e de Administração Metropolitana, aelaboração do Plano Metropolitano de DesenvolvimentoIntegrado (PMDI), e, especificamente em relação aosrecursos hídricos, a aprovação da Lei de Proteção aosMananciais da Região Metropolitana de São Paulo.

As medidas de proteção preconizadas desde oséculo XIX, baseavam-se na desapropriação de gle-bas nas bacias hidrográficas dos mananciais contri-buintes. Embora tenha preservado áreas demananciais da Cantareira (1882), do Alto Cotia(1918) e Rio Claro (1937), esta solução mostrou-seinviável no decorrer do século XX, seja pela exten-são das áreas das bacias dos mananciais próximos àsáreas urbanizadas, seja pelas atividades econômicasdesenvolvidas nessas áreas que elevaram o preço daterra com o avanço da urbanização.

Na década de 1950, a solução encontrada tomapor base uma legislação que estabelece outros instru-mentos de controle:

• a Lei 2.182/53 proibiu o lançamento de eflu-entes que pudessem poluir as águas receptoras, criouum órgão encarregado de sua aplicação – o ConselhoEstadual de Controle de Poluição das águas (CECPA) –e previu sua regulamentação para a classificação daságuas segundo os usos preponderantes.

• o Decreto 24.806/55 estabeleceu a distribui-ção das águas naturais do Estado em seis classes, in-dicando as características físico-químicas e biológicasdesejáveis, a obrigatoriedade da prévia aprovação deautoridades sanitárias locais para a construção e aampliação de estabelecimentos industriais, a autori-dade dos Departamentos de Saúde e de Produção Ani-mal para fiscalização da lei, e multas para os infratores(NUCCI et al.1976).6 Art. 164 – Constituição da República, 1967.7 Lei Complementar Federal 14, de 8 de junho de 1973.

33

Nos anos 1970, seguindo na direção antes apon-tada, as instituições e os instrumentos de controledefinidos baseiam-se na definição e classificação daságuas segundo os usos preponderantes; na caracteri-zação físico-química e biológica de cada classe; nafixação da qualidade mínima dos efluentes de esgo-tos; e no estabelecimento de penalidades aos infrato-res. Em meados da década, no âmbito das discussõessobre a questão metropolitana, elabora-se uma pro-posta de controle que toma como partido o zonea-mento do uso do solo e que se institucionaliza pelasLeis 898/75 e 1.172/76. Segundo os autores do proje-to, a nova proposta de proteção aos mananciais

apóia-se, basicamente, no desenvolvimento de um mode-lo de ocupação do solo, balizado pela qualidade de águadesejada, que determina a máxima população equivalen-te admissível na bacia, sua distribuição espacial e as efi-ciências dos tratamentos necessários.

A distribuição espacial é fixada estabelecendo-se as máximas densidades equivalentes brutas, em funçãodas distâncias do corpo d’água a proteger e das aglomera-ções urbanas já existentes.

Estabelecem-se, assim, áreas ou faixas de pro-teção submetidas a restrições diversas, parcelamento dosolo, ocupação urbana, tipos de indústrias, densidadesetc., prescrevendo-se uma política gradativa de correçãodos usos não conformes (NUCCI et al. 1976, pg. 99).

A adoção do zoneamento do uso do solo comomecanismo da política estadual de gestão das águasna Região Metropolitana de São Paulo, conflitou, des-de sua aprovação, com a competência municipal paralegislar sobre o uso e a ocupação do solo. Além disso,a adoção isolada desse instrumento de controle, so-mada muitas vezes às ações de outras políticas públi-cas, antagônicas aos objetivos de preservação, nãoconseguiu deter o processo de expansão urbana paraas áreas protegidas, mantendo quase inalteradas suascaracterística: condições precárias de habitação, altograu de clandestinidade no parcelamento do solo eelevadas densidades demográficas.

Durante sua vigência de mais de duas décadas,a legislação de proteção aos mananciais sofreu váriastentativas de revisão. Mas a proposta que conseguiuser aprovada foi a da Lei 9.866/97, instituindo umanova política de proteção e recuperação dos mananci-ais do Estado de São Paulo.

34

Os novos paradigmas de gestão

A gestão dos recursos hídricos frente àemergência da questão ambiental

Um olhar retrospectivo sobre o desenvolvimen-to da questão ambiental no Brasil, mostra que ela vemsendo tratada sob diferentes abordagens e estratégi-as, consoante o próprio desenvolvimento da históriapolítica, econômica e social do país. Alguns autoresremontam as origens de uma preocupação com o am-biente ao período colonial, destacando as normas quetentavam restringir o uso abusivo e predatório de al-gum recurso ambiental8. Outros autores destacam oesforço pessoal de certos pensadores brasileiros quedurante os séculos XVIII e XIX, com uma consciênciacrítica sobre o processo de exploração do ambientenatural, tentaram alertar seus contemporâneos acer-ca dos problemas que a degradação ambiental poderiatrazer para os destinos do país9. Outros, ainda, desta-cam o conjunto de regulamentações editadas nos anosde 1930, e a respectiva criação dos vários órgãos cor-relatos como o início das preocupações do poder pú-blico com o assunto10. Entretanto, apesar de todas essasiniciativas, a abordagem da questão ambiental tal comocontemporaneamente formulada é bem mais recente,datando dos anos 1970, quando emerge na agendainternacional entre os grandes problemas do mundocontemporâneo.

Ascelrad (2001), analisando a política ambien-tal no Brasil, distingue esses momentos, classificandoo período anterior aos anos 1970 como políticas am-bientais implícitas e, o período posterior, como políti-cas ambientais explícitas. Assim, a criação da SecretariaEspecial do Meio Ambiente (SEMA), em 1973, marca-ria o início de uma nova institucionalidade políticaque tem como seu objeto o meio ambiente. Ascelradobserva que

o surgimento desta instituição foi contemporâneo de pro-cessos similares em que agências e mecanismosinstitucionais públicos foram criados em um grande nú-mero de países - notadamente industrializados, em para-lelo aos debates da Conferência da Organização das Na-ções Unidas (ONU) sobre Meio Ambiente Humano, reali-zada em Estocolmo em 1972. No Brasil, a SEMA surgiu empleno regime ditatorial, de forma reativa, com traços for-temente burocráticos e sem nenhuma articulação com asociedade, não fora o fato de buscar oferecer resposta for-mal ao movimento que, no início dos 70, se levantou con-tra a poluição causada por uma fábrica de celulose locali-zada em Porto Alegre (pg. 79).

Esse quadro começa a alterar-se a partir da dé-cada seguinte. Já em 1981, foi editada a Lei 6.938,instituindo a Política Nacional de Meio Ambiente. Alémde definir os vários instrumentos da política, a lei crioutambém o Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisna-ma), constituído pelos órgãos federais, pelas agênciasestaduais e municipais e, principalmente, pelo Conse-lho Nacional de Meio Ambiente (Conama), criado em1984. Ainda no final da década, em 1989, seria criadoo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recur-sos Naturais Renováveis (Ibama), integrando váriosórgãos ambientais que antes executavam suas políti-cas de modo isolado.

O panorama político brasileiro vinha sendo mar-cado pelo esgarçamento do Estado autoritário e pelosmovimentos de resistência e de construção de umaoutra institucionalidade democrática. Esses movimen-tos foram importantes para a consolidação das novasrelações entre o Estado e a sociedade civil. Sem dúvi-da, as últimas décadas da história do País têm assisti-do, cada vez mais, essa relação ser permeada pela idéiada participação e controle social na gestão da coisapública.

8 Como exemplo, podem-se citar as ordens reais editadas em 1698, restringindo as sesmarias em áreas de reserva de madeira e reservandosua exploração à Coroa Portuguesa. A esse respeito Warren Dean (1996) lembra que “embora poucas sesmarias fossem concedidas posteri-ormente, o corte de madeira tornou-se uma indústria privada fortemente organizada. Ainda que formalmente supervisionada por guardas-mores e administradores, estes eram sistematicamente subornados e ludibriados por um pequeno número de madeireiros, serradores etropeiros que efetivamente decidiam quando e onde a madeira seria cortada” (pg. 151).9 Sobre este tema é exemplar o trabalho de Pádua (2002) sobre a história do pensamento político brasileiro e a crítica ambiental.10 O estudo de Monosowski (1989) sobre o desenvolvimento das políticas ambientais no Brasil é um bom exemplo sobre essa abordagem.

35

Desde então, o tema da participação pública temsido constitutivo na questão ambiental. A Constitui-ção de 1988, no capítulo dedicado ao meio ambiente,define que ele é

bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidadede vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade odever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futu-ras gerações (Art. 225).

Como observado por Neder (2002), essa concep-ção marcará uma diferença substantiva em relação àsanteriores, fortemente orientadas pelo centralismo nagestão e pela definição dos bens naturais como bensda União, de sua tutela exclusiva.

Quando se analisam as políticas dirigidas espe-cificamente aos recursos hídricos, fica claro que a dé-cada de 1980 representou um novo divisor de águaspara o setor. A degradação dos corpos d’água, as fre-qüentes crises de abastecimento urbano, os diversosconflitos de uso, a competição entre diferentes seto-res por sua apropriação são elementos constantes,presentes em quase todos os diagnósticos realizados.A esses elementos acrescente-se uma gestão setorialnorteada por princípios exclusivamente técnico-buro-cráticos e por níveis de decisão centralizados e tere-mos em linhas gerais um quadro da situação dosrecursos hídricos no país.

Naquela conjuntura extremamente favorável dereconstrução das instituições democráticas, de surgi-mento dos movimentos populares e de criação de no-vas organizações da sociedade civil, as demandas doscidadãos e usuários reclamando qualidade e oferta parao abastecimento público acabaram somando-se às vo-zes dos técnicos e especialistas que, por meio de suasassociações, lançaram as diretrizes que passariam a ori-entar a nova política brasileira de recursos hídricos.

Na segunda metade dos anos 1980, os debatesentre gestores, técnicos e especialistas sobre gestãodos recursos hídricos intensificaram-se. Nesse proces-so, alguns eventos foram decisivos. Um deles foi a re-alização em 1986 do seminário Perspectivas do gerenciamentode recursos hídricos no Estado de São Paulo. Na ocasião, osespecialistas presentes indagaram ao cientista políti-co Carlos Estevam Martins quais as alternativas pararomper o impasse entre as propostas para uma novapolítica e o desinteresse dos políticos e legisladoressobre a questão. A resposta foi “a mobilização de for-ças de apoio e a reorganização das estruturas esta-tais” (BARTH, 2002).

A nova estratégia começa a dar resultados coma criação em 1987 do Conselho Estadual de RecursosHídricos e do Comitê Coordenador do Plano Estadualde Recursos Hídricos, instituições embrionárias dofuturo sistema de gestão que será implantado em SãoPaulo. Nesse mesmo ano, a Associação Brasileira deRecursos Hídricos (ABRH) realizou em Salvador o VIISimpósio Brasileiro de Recursos Hídricos e Hidrologia. Noencerramento do encontro foi levada a público a Cartade Salvador, cujas proposições acabaram configuran-do o novo paradigma de gestão das águas:

• usos múltiplos de recursos hídricos;• descentralização e participação;• sistema nacional de gestão dos recursos hídricos;• aperfeiçoamento da legislação;• desenvolvimento tecnológico e aperfeiçoamen-

to de recursos humanos;• sistema de informações de recursos hídricos; e• política nacional de recursos hídricos.Porto (2002), analisando o papel da ABRH na

construção do novo modelo de gestão de recursos hí-dricos, lembra que, além dessa associação, outras en-tidades da área de recursos hídricos também tiveramatuação decisiva no processo de construção de umanova institucionalidade para a gestão das águas: aAssociação Brasileira de Engenharia Sanitária (Abes),a Associação Brasileira de Águas Subterrâneas (Abas),e a Associação Brasileira de Irrigação e Drenagem(Abid). Graças à atuação dessas entidades, sugerindoemendas aos deputados constituintes, a instituiçãode um Sistema Nacional de Gerenciamento de Recur-sos Hídricos foi incorporada ao texto constitucionalde 1988.

Em São Paulo o processo segue dinâmica pró-pria, antecipando-se ao desenvolvimento do sistemade gestão federal. A Constituição Estadual, em 1989,no capítulo sobre o meio ambiente dedica uma seçãoexclusiva aos recursos hídricos, prevendo a institui-ção de um sistema integrado de gerenciamento dosrecursos hídricos; a gestão descentralizada, participa-tiva e integrada em relação aos demais recursos natu-rais; e a cobrança pelo uso da água. No ano seguinte,realizou-se o Plano Estadual de Recursos Hídricos; edata de 1991 a edição da Lei 7.663 que estabelece aPolítica Estadual dos Recursos Hídricos e o SistemaIntegrado de Gestão dos Recursos Hídricos.

36

A questão das águas nas grandesconferências internacionais

Na construção desse novo paradigma, que temorientado as políticas de recursos hídricos no Brasil,além do contexto interno favorável à construção denovas institucionalidades, também influíram na cria-ção de uma cultura propícia ao seu desenvolvimentoas conferências internacionais que tiveram como temao intenso processo de degradação dos recursos natu-rais e a inserção do meio ambiente como tema de pre-ocupação global.

A Conferência das Nações Unidas sobre MeioAmbiente Humano, realizada em Estocolmo, em 1972,ao manifestar preocupação com o grau de degradaçãoe de esgotamento dos recursos naturais provocado pelasatividades humanas e ao proclamar a responsabilidadede todos os países na defesa e melhoria do meio ambi-ente, colocou, definitivamente, a questão no âmbitoda agenda mundial, como objeto de preocupação glo-bal. Nesse mesmo ano foi criado o Programa das Na-ções Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA),representando um papel importante na instituciona-lização da questão ambiental e na difusão da idéia deque todos os recursos naturais, inclusive os ecossiste-mas do quais são parte, devem ser protegidos e queseu uso deve ser orientado por um planejamento raci-onal com vistas a evitar as repercussões prejudiciaisao meio ambiente.

A posição dos países em desenvolvimento, tãoalardeada na ocasião, questionando as restrições aodireito soberano de decidir sobre suas políticas, acen-tuou outros problemas, contrapondo à degradaçãogerada pelo desenvolvimento das forças produtivas, aprovocada pela pobreza e pelo subdesenvolvimento.

Na década de 1980, as relações entre desenvol-vimento e meio ambiente passam a ocupar lugar cen-tral nos debates. Em 1985, a Assembléia Geral dasNações Unidas cria a Comissão Mundial sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento, que em seu relatóriofinal – Nosso futuro comum – apresenta a idéia do de-senvolvimento sustentável. Nos anos seguintes, esseconceito se tornaria hegemônico, catalisando as dis-cussões sobre meio ambiente e desenvolvimento egerando uma grande variedade de interpretações. Mas,na verdade, as diferenças são variações sobre a defini-ção sugerida no relatório Nosso futuro comum:

o desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz asnecessidades das gerações presentes, sem comprometer acapacidade das gerações futuras para satisfazer suas pró-prias necessidades.

Com a realização da Conferência das NaçõesUnidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em1992, no Rio de Janeiro, a idéia do desenvolvimentosustentável consolida-se, passando a permear as nego-ciações internacionais em matéria de meio ambiente.

A Conferência do Rio de Janeiro produziu váriosdocumentos; entre eles, ganhou grande destaque aAgenda 21. Em relação ao tema dos recursos hídricos,trata especificamente da questão no Capítulo 18 - Pro-teção da qualidade e do abastecimento dos recursos hídri-cos: aplicação de critérios integrados no desenvolvimento,manejo e uso dos recursos hídricos.

O capítulo apresenta as principais áreas para odesenvolvimento de programas no setor de água doce:desenvolvimento e manejo integrado dos recursos hí-dricos; avaliação dos recursos hídricos; proteção dosrecursos hídricos, da qualidade da água e dos ecossis-temas aquáticos; abastecimento de água potável esaneamento; água e desenvolvimento urbano susten-tável; água para produção sustentável de alimentos edesenvolvimento rural sustentável; e impactos damudança do clima sobre os recursos hídricos. Nele,destacam-se ainda, os princípios e diretrizes orienta-dores dos programas sobre a água doce.

Declaração da Conferência de Estocolmo - 1972

A proteção e o melhoramento do meio ambi-ente humano é uma questão fundamental que afe-ta o bem-estar dos povos e o desenvolvimentoeconômico do mundo inteiro, um desejo urgentedos povos de todo o mundo e um dever de todos osgovernos.

Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar,a água, o solo, a flora e a fauna e, especialmente,parcelas representativas dos ecossistemas naturais,devem ser preservados em benefício das geraçõesatuais e futuras, mediante um cuidadoso planeja-mento ou administração adequados.

37

Agenda 21 - capítulo 18Proteção da qualidade e do

abastecimento dos recursos hídricos

Os recursos de água doce constituem um com-ponente essencial da hidrosfera da Terra e parteindispensável de todos os ecossistemas terrestres.O meio de água doce caracteriza-se pelo ciclo hi-drológico, que inclui enchentes e secas, cujas con-seqüências se tornaram mais extremas e dramáticasem algumas regiões. A mudança climática global ea poluição atmosférica também podem ter um im-pacto sobre os recursos de água doce e sua disponi-bilidade e, com a elevação do nível do mar, ameaçaráreas costeiras de baixa altitude e ecossistemas depequenas ilhas.

A água é necessária em todos os aspectos davida. O objetivo geral é assegurar que se mantenhauma oferta adequada de água de boa qualidade paratoda a população do planeta, ao mesmo tempo emque se preserve as funções hidrológicas, biológicase químicas dos ecossistemas, adaptando as ativida-des humanas aos limites da capacidade da nature-za e combatendo vetores de moléstias relacionadascom a água. Tecnologias inovadoras, inclusive oaperfeiçoamento de tecnologias nativas, são neces-sárias para aproveitar plenamente os recursos hí-dricos e protegê-los da poluição.

A escassez generalizada, a destruição gradu-al e o agravamento da poluição dos recursos hídri-cos em muitas regiões do mundo, ao lado daimplantação progressiva de atividades incompatí-veis, exigem o planejamento e manejo integradosdesses recursos. Essa integração deve cobrir todosos tipos de massas inter-relacionadas de água doce,incluindo tanto as águas de superfície como sub-terrâneas, e levar devidamente em consideração osaspectos quantitativos e qualitativos. Deve-se re-conhecer o caráter multissetorial do desenvolvimen-to dos recursos hídricos no contexto dodesenvolvimento sócio-econômico, bem como os in-teresses múltiplos na utilização desses recursos parao abastecimento de água potável e saneamento,agricultura, indústria, desenvolvimento urbano,geração de energia hidroelétrica, pesqueiros deáguas interiores, transporte, recreação, manejo de

terras baixas e planícies e outras atividades. Os pla-nos racionais de utilização da água para o desen-volvimento de fontes de suprimento de águasubterrâneas ou de superfície e de outras fontespotenciais têm de contar com o apoio de medidasconcomitantes de conservação e minimização dodesperdício. No entanto, deve-se dar prioridades àsmedidas de prevenção e controle de enchentes, bemcomo ao controle de sedimentação, onde necessário.

Os recursos hídricos transfronteiriços e seuuso são de grande importância para os Estados ri-beirinhos. Nesse sentido, a cooperação entre essesEstados pode ser desejável em conformidade comacordos existentes e/ou outros pertinentes, levan-do em consideração os interesses de todos os Esta-dos ribeirinhos envolvidos.

Ainda tratando especificamente da questão daágua, realizou-se em Dublin, em 1992, a Conferênciainternacional sobre a água e o meio ambiente. Promovi-da pela Organização Meteorológica Mundial (OMM),fez parte dos eventos preparatórios à Conferência doRio de Janeiro. Os princípios definidos na Conferênciade Dublin refletem-se nos ordenamentos jurídicos e ins-titucionais das políticas das águas de vários países.

Conferência de Dublin

Princípio 1. As águas doces são um recursonatural finito e vulnerável, essencial para a susten-tação da vida, do desenvolvimento e do meio ambi-ente. A gestão das águas deve ser integrada econsiderado o seu todo, quer seja a bacia hidrográ-fica e/ou os aqüíferos.

Princípio 2. O desenvolvimento e a gestão daágua deve ser baseado na participação de todos,quer sejam usuários, planejadores e decisores polí-ticos, de todos os níveis.

Princípio 3. As mulheres têm um papel cen-tral na provisão e proteção da água.

Princípio 4. A água é um recurso natural dota-do de valor econômico em todos seus usos competiti-vos e deve ser reconhecida como um bem econômico.

38

Nas últimas décadas, temos assistido a um pro-cesso no qual a gestão das águas saiu de abordagenscircunscritas aos conhecimentos da engenharia elétri-ca, da hidrologia, da saúde pública ou de posturastecnocráticas, que historicamente disputaram a ori-entação hegemônica do setor. Sua inserção no âmbitoda gestão ambiental tenta responder aos desafios co-locados por uma perspectiva que considera a comple-xidade, a heterogeneidade e a diversidade deelementos, de situações, de atores e seu saber no en-frentamento da questão.

Mudanças conceituais na administraçãopública do meio ambiente

A tomada de consciência da necessidade dese praticar a gestão dos recursos naturais, particu-larmente da água doce, numa perspectiva integra-da se consolidou mundialmente nos últimos vinteanos. A noção de gestão integrada passou a assu-mir várias dimensões, envolvendo conotações di-versas que passaram a contar com o apoio graduale consensual de cientistas, administradores públi-cos, industriais e associações técnico-científicas.Trata-se de uma integração, primeiro, no sentidode abranger os processos de transportes de massade água que têm lugar na atmosfera, em terra enos oceanos, ou seja, o ciclo hidrológico; segundo,quanto aos usos múltiplos de um curso d’ água, deum reservatório artificial ou natural, de um lago,de uma lagoa ou de um aqüífero, ou seja, de umcorpo hídrico; terceiro, no que diz respeito ao in-ter-relacionamento dos corpos hídricos com os de-mais elementos dos mosaicos de ecossistemas (solo,fauna e flora); quarto, em termos de co-participa-ção entre gestores, usuários e populações locais noplanejamento e administração dos recursos hídri-cos; e, finalmente, em relação aos anseios da soci-edade de desenvolvimento socioeconômico compreservação ambiental, na perspectiva de um de-senvolvimento sustentável.

Carlos José Saldanha Machado (2003)

A Lei das Águas: Um novo marco legale institucional

A aprovação da Lei 9.433, em 1997, instituindoa Política Nacional de Recursos Hídricos e o SistemaNacional de Recursos Hídricos resulta de um longoprocesso de discussão pública, respondendo aos an-seios de amplos setores para que os princípios, dire-trizes e instrumentos de gestão das águas fossemincorporados ao novo estatuto.

O longo tempo de tramitação do projeto de lei,encaminhado ao Congresso Nacional em 1991, assis-tiu à implantação de vários sistemas estaduais de ge-renciamento dos recursos hídricos: São Paulo criou seusistema de gerenciamento em 1991; o Ceará, em 1992;Santa Catarina e Distrito Federal, em 1994; Sergipe eBahia, em 1995. Procurando contemplar as diversida-des regionais, em 1996 foi apresentado um substituti-vo com um modelo de gestão das bacias hidrográficasmais flexível. Finalmente, em 1997, a Lei 9.433 foisancionada estabelecendo o novo marco legal e insti-tucional para a gestão das águas no Brasil.

Dos fundamentos da Política Nacional deRecursos Hídricos

I. a água é um bem de domínio público;II. a água é um recurso natural limitado, do-

tado de valor econômico;III. em situações de escassez, o uso prioritá-

rio dos recursos hídricos é o consumo humano e adessedentação de animais;

IV. a gestão dos recursos hídricos deve sem-pre proporcionar o uso múltiplo das águas;

V. a bacia hidrográfica é a unidade territorialpara implementação da Política Nacional de Recur-sos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Ge-renciamento de Recursos Hídricos;

VI. a gestão dos recursos hídricos deve serdescentralizada e contar com a participação do po-der público, dos usuários e das comunidades.

39

Os instrumentos paraa gestão das águas

Podemos entender que a gestão de uma área deatividade humana ou de um determinado recurso cons-titui-se de um conjunto de procedimentos orientadospor princípios e diretrizes que visam atingir fins espe-cíficos. Assim, a gestão dos recursos hídricos, em sen-tido estrito, é a forma como procuramos resolver osproblemas de quantidade e qualidade das águas, seusdiversos usos e os conflitos daí decorrentes, para aten-der às exigências de uma sociedade. Mas a gestão tam-bém pode ser entendida de forma mais ampla. Sobreessa atividade, Lanna (1999) apresenta a seguintedefinição:

a Gestão das Águas é uma atividade analítica e criativavoltada à formulação de princípios e diretrizes, ao prepa-ro de documentos orientadores e normativos, àestruturação de sistemas gerenciais e à tomada de deci-sões que têm por objetivo final promover o inventário, uso,controle e proteção dos recursos hídricos.

O autor faz uma distinção entre gestão das águase gestão dos recursos hídricos, indicando que estapermaneceria voltada exclusivamente às águas desti-nadas aos diversos usos, não incluindo aquelas águasque, por questões ambientais, não devem ser usadas.

A Lei 9.433/97, ao estabelecer as diretrizes quedevem orientar as ações de gestão, incluindo aí suaintegração com a questão ambiental e sua adequaçãoàs diversidade físicas, bióticas, demográficas, econô-micas, sociais e culturais das diversas regiões dos país,expressa essa concepção mais ampla de gestão daságuas.

Os Planos de Recursos Hídricos

Entre os instrumentos de gestão definidos pelaLei 9.433/97, estão os planos de recursos hídricos.Eles se constituem em planos diretores feitos com oobjetivo de orientar a implantação das políticas e ogerenciamento dos recursos hídricos. Conforme sua áreade abrangência, podem ser concebidos como PlanoNacional de Recursos Hídricos, Plano Estadual de Re-cursos Hídricos ou Planos de Bacias Hidrográficas. Combase em uma avaliação das disponibilidades hídricas,os planos de recursos hídricos também devem incor-porar os planos de usos setoriais, compatibilizando asdemandas por saneamento, irrigação, energéticas, detransporte, turismo e recreação, o controle e a prote-ção das águas. Os planos devem procurar refletir amelhor adequação entre as demandas socioeconômi-cas e as diretrizes político-administrativas, definindocenários alternativos e metas para os diversos usos,controle e proteção.

A figura da página seguinte ilustra o processode planejamento dos recursos hídricos, destacando ostrês meios nos quais se desenvolve.

A Lei 9.433/77 estabelece o conteúdo mínimodos planos de recursos hídricos:

• diagnóstico da situação atual dos recursos hí-dricos;

• análise de alternativas de crescimento demo-gráfico, de evolução de atividades produtivas e demodificações dos padrões de ocupação do solo;

• balanço entre disponibilidade e demandas fu-turas dos recursos hídricos, em quantidade e qualida-de, com identificação de conflitos potenciais;

• metas de racionalização de uso, aumento daquantidade e melhora da qualidade dos recursos hí-dricos disponíveis;

• medidas, programas e projetos para o aten-dimento das metas previstas;

• prioridades para outorga de direitos de usodos recursos hídricos;

• diretrizes e critérios para a cobrança pelouso dos recursos hídricos; e

• propostas para a criação de áreas sujeitas arestrição de uso, com vistas à proteção dos recursoshídricos.

40

Meio social e político

Demandas socioeconômicas

Meio técnico

Cenários alternativos de demandas Metas de uso, controle e proteção da água• enquadramento qualitativo

• enquadramento quantitativo

Diretrizes político-administrativas

Intervenções:

Medidas estruturais para:• o uso dos recursos hídricos• o controle das águas• a proteção das águas

Instrumentos de gestão:• Outorga• Cobrança• Compensação a municípios• Criação de áreas de proteção

Políticas, planos ou intençõessetoriais de uso ou controle dosrecursos hídricos:

• abastecimento público• uso industrial• agricultura (irrigação)• transporte (navegação)• uso energético• controle de cheias• recreação e lazer• outros

Políticas, planos ou intençõesrelacionadas à proteção ambiental

Indicadores para análise:

• econômicos• de impactos ambientais• de impactos sociais• de viabilidade política• de risco

Análise multi-objetivo

Meio decisório

Comitê de BaciaÓrgão Gestor deRecursos Hídricos

Óutras entidadescom atribuições

PLANO DE RECURSOS HÍDRICOS

Solic

itam

no

vas

anál

ises

Aprovam intervenções

Cap

acid

ade

de

sup

ort

e d

o a

mb

ien

te h

ídri

co

41

O enquadramento dos corpos d’água emclasses de usos preponderantes

O enquadramento dos corpos d’água é outro ins-trumento de gestão definido pela Lei das Águas. Elefixa um conjunto de parâmetros e indicadores relacio-nados aos aspectos físicos, químicos, biológicos e to-xicológicos da água, para ser considerada adequada adeterminado uso. Esse instrumento de gestão permiteavaliar a evolução da qualidade das águas de um cor-po hídrico e a definição de metas em relação aos ní-veis estabelecidos pelo enquadramento.

No Brasil, os primeiros instrumentos jurídicossobre classificação das águas foram as Portarias GM013/76 e 536/76, editadas pelo Ministério do Interi-or, que estabeleceram a classificação dos corpos d’águasuperficiais, com os respectivos padrões de qualidadee de emissão de efluentes conforme as classes de usos.Dez anos depois, a Resolução 20/86, do Conselho Na-cional de Meio Ambiente, estabeleceu o enquadramentodas águas doces, salobras e salinas em nove classessegundo seus usos preponderantes. Essa Resoluçãoconceitua enquadramento como o estabelecimento donível de qualidade (classe) a ser alcançado e/ou man-tido em um segmento de corpo d’água ao longo dotempo, o que significa dizer que a classificação nãoreflete necessariamente o estado do corpo d’água naocasião em que foi realizado o enquadramento, mas,sim, os níveis de qualidade que deveria possuir paraatender às demandas de uma determinada comunidade.

Além do enquadramento dos corpos d’água emestado bruto, também se utiliza uma classificação quedefine padrões de qualidade da água tratada forneci-da para fins específicos. Assim, a Portaria 1.469/2000,do Ministério da Saúde, estabelece padrões de potabi-lidade da água e define 45 parâmetros físicos, quími-cos bacteriológicos e organolépticos, com osrespectivos volumes máximos admissíveis para as di-ferentes substâncias; fixa também, o número mínimode amostras e a freqüência de amostragem para cadaparâmetro11. Como observado por Lanna (1999), coma ressalva da cor, turbidez e das substâncias tensioa-tivas, as demais estipulam padrões de concentraçãolimite iguais ou inferiores aos limites de concentra-ção estabelecidos para as águas enquadradas na clas-se 2 pela Resolução do Conama.

Ao definir o enquadramento como um instru-mento de gestão, a Lei 9.433/97 possibilitou que aqualidade das águas permitisse usos mais exigentes,além de diminuir os custos de combate à poluiçãomediante a adoção de ações preventivas e permanen-tes.

Complementar ao enquadramento qualitativo,Lanna (1999) propõe um enquadramento quantitativo,de modo a não dissociar esses dois aspectos indispen-sáveis à gestão. Segundo esse autor, o enquadramen-to quantitativo permitiria estabelecer

quais demandas hídricas deverão ser atendidas, em quequantidade, com quais garantias, ao longo do período deoperação do sistema. Poderão ser também estabelecidas,como decorrência destas diretrizes, metas de eficiência nouso da água, esquemas de racionamento das demandasna ocorrência de estiagens, e outras questões de ordemquantitativa (pg. 78).

Classificação das águasResolução Conama 20, de 18 de junho de 1986

Águas doces

1 - Classe Especial - águas destinadas:a) ao abastecimento doméstico sem prévia ou comsimples desinfecção.b) à preservação do equilíbrio natural das comuni-dades aquáticas.ll - Classe 1 - águas destinadas:a) ao abastecimento doméstico após tratamentosimplificado;b) à proteção das comunidades aquáticas;c) à recreação de contato primário (natação, esquiaquático e mergulho);d) à irrigação de hortaliças que são consumidas cru-as e de frutas que se desenvolvam rentes ao solo eque sejam ingeridas cruas sem remoção de película.e) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura)de espécies destinadas à alimentação humana.lll - Classe 2 - águas destinadas:a) ao abastecimento doméstico, após tratamentoconvencional;b) à proteção das comunidades aquáticas;c) à recreação de contato primário (esqui aquático,natação e mergulho);

11 O Estado de São Paulo já vinha adotando a prática do monitoramento desde 1974, estabelecendo legislação mais restritiva para aclassificação de suas águas interiores (Decreto 10.755, de 22 de novembro de 1977).

42

d) à irrigação de hortaliças e plantas frutífe-ras;e) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura)de espécies destinadas à alimentação humana.lV - Classe 3 - águas destinadas:a) ao abastecimento doméstico, após tratamentoconvencional;b) à irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas eforrageiras;c) à dessedentação de animais.V - Classe 4 - águas destinadas:a) à navegação;b) à harmonia paisagística;c) aos usos menos exigentes.

Águas salinas

VI - Classe 5 - águas destinadas:a) à recreação de contato primário;b) à proteção das comunidades aquáticas;c) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura)de espécies destinadas à alimentação humana.VII - Classe 6 - águas destinadas:a) à navegação comercial;b) à harmonia paisagística;c) à recreação de contato secundário.

Águas salobrasVIII - Classe 7 - águas destinadas:a) à recreação de contato primário;b) à proteção das comunidades aquáticas;c) à criação natural e/ou intensiva (aqüicultura)de espécies destinadas à alimentação humana.IX - Classe 8 - águas destinadas:a) à navegação comercial;b) à harmonia paisagística;c) à recreação de contato secundário.

A Resolução Conama 020/86 encontra-se em processo de re-visão e atualização no Conselho Nacional do Meio Ambiente(CONAMA - Processo 02000.002378/2002-43).

A outorga dos direitos de uso de recursoshídricos

A Constituição Federal estabelece que as águassão bens públicos sob o domínio da União, dos Estadosou do Distrito Federal. Nessa condição, seu uso priva-tivo depende de um instrumento jurídico, a outorga,atribuída pelo órgão público competente.

Enquanto instrumento de gestão, a outorga dosdireitos de uso da água objetiva assegurar seu contro-le quantitativo e qualitativo, e o direito de acesso aesse recurso natural. A Lei 9.433/97 estabelece umconjunto de usos sujeitos à outorga pelo poder públi-co:

• derivação ou captação de parcela de água exis-tente em um corpo d’água para consumo final, inclusi-ve abastecimento público, ou insumo de processoprodutivo;

• extração de água de aqüífero subterrâneo paraconsumo final ou insumo de processo produtivo;

• lançamento em corpo d’água de esgotos e de-mais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não,com o fim de sua diluição, transporte ou disposiçãofinal;

• aproveitamento dos potenciais hidrelétricos; e• outros usos que alterem o regime, a quantida-

de ou a qualidade da água existente em um corpod’água.

Para efeito de outorga, as demandas são classifi-cadas como prioritárias e não prioritárias. As deman-das consideradas prioritárias, conforme os fundamentosda Lei das Águas são o consumo humano e a dessedenta-ção animal. Deveria ter sido considerada igualmenteprioritária a vazão ecológica, ou seja, aquela que deveser mantida no rio para atender às demandas ambien-tais.

No Brasil, têm sido adotados três tipos de outor-ga: a concessão de uso, a licença de uso e a autoriza-ção ou permissão de uso.

43

Tipos de outorga adotados no Brasil

Concessão de uso: concedida em todos os ca-sos de utilidade pública. A outorga das concessõesé dada pelo prazo de 10 a 35 anos, ficando semefeito se, durante um número pré-determinado deanos consecutivos, geralmente 3, o concedido dei-xar de fazer uso privativo das águas;

Licença de uso: quando não se verificar a uti-lidade pública. É o caso do uso para fins de indús-tria, agricultura, comércio e piscicultura. Aslicenças são outorgadas pelo prazo de 5 a 10 anos,podendo ser revogadas a qualquer tempo, inde-pendentemente de indenização, desde que o inte-resse público assim o exija e ficando sem efeito sedurante um número pré-determinado de anos con-secutivos, geralmente de 1 a 3, o licenciado deixarde fazer uso das águas;

Autorização ou permissão de uso: são geral-mente outorgadas em caráter precário podendo aqualquer momento serem revogadas, independen-temente de indenização, desde que o interesse pú-blico assim o exigir. Se durante períodos que vãode 1 a 2 anos o autorizado deixar de fazer uso daságuas, fica a respectiva autorização ou permissãosem efeito. Atendem a usos com pequenas deriva-ções relativamente às disponibilidades de água deacordo com critérios a serem definidos pelo órgãoestadual com atribuição de realizar a outorga.

A cobrança pelo usodos recursos hídricos

Sempre que a água é tema de reflexão, revelam-se as várias dimensões que esse bem adquire para associedades humanas: seu valor social, cultural, religi-oso e ambiental. Nos últimos anos, outro aspecto pas-sou a ser muito discutido: o de que a água é um recursonatural dotado de valor econômico. Esse reconheci-mento está ligado aos crescentes níveis de demandapara os diversos usos, tornando os problemas de es-cassez cada vez mais freqüentes e generalizados. Comoo conceito de valor econômico decorre da relação en-tre a oferta e a procura de determinado bem, enquan-to o recurso era abundante, os economistas, nos seus

12 Sob o título de Águas Nocivas, o Código de Águas estabeleceuque: Art. 109 – A ninguém é lícito conspurcar ou contaminar aságuas que não consome, com prejuízo de terceiros. Art. 110 – Ostrabalhos para a salubridade das águas serão executados à custados infratores, que, além da responsabilidade criminal, si houver,responderão pelas perdas e danos que causarem e pelas multas quelhes forem impostas nos regulamentos administrativos.

manuais, consideravam a água como um bem livre,destituído de valor econômico.

O 2o Fórum mundial da água, realizado em Haia,em 2000, com a presença de 130 países, recomendana sua declaração final que os países passem a atri-buir valor a água:

manejar a água de modo a refletir seu valor econômico,social, ambiental e cultural em todos os usos e tomar ini-ciativas para atribuir aos serviços de água um valor quereflita seus custos. Esta abordagem deve considerar a ne-cessidade de equidade e as necessidades básicas dos po-bres e vulneráveis.

O 3° Fórum mundial da água, em Kyoto, em 2003,reforça essa recomendação:

Atender às necessidades financeiras é uma tare-fa para todos nós. Devemos atuar de forma a criar um am-biente propício para facilitar investimentos. Devemos iden-tificar prioridades nas questões de água e assim refleti-las em nossos planos nacionais de desenvolvimento / es-tratégias de desenvolvimento sustentável (..) Devem serlevantados fundos através da cobrança de custos de recu-peração, em condições climáticas, ambientais e sociaisadequadas e segundo o princípio “poluidor-pagador”, comespecial consideração com os pobres. Todas as fontes definanciamento, tanto públicas quanto privadas, nacionaise internacionais, devem ser mobilizadas e usadas da for-ma mais eficiente e efetiva.

Embora o Código de Águas previsse medidas quepoderíamos associar à idéia do poluidor-pagador12, noBrasil, o início dos grandes debates sobre a cobrançapelo uso da água ocorreu no Simpósio brasileiro de re-cursos hídricos, promovido pela ABRH, em 1989. Naocasião foi aprovada a Carta de Foz de Iguaçu que apre-sentava como um dos princípios da gestão dos recur-sos hídricos o reconhecimento do seu valoreconômico.

Posteriormente, a Lei das Águas estabeleceu en-tre seus fundamentos que a água é um recurso natu-ral limitado, dotado de valor econômico. Oreconhecimento desse valor expressa-se na cobrançapelo uso da água. Como a cobrança está vinculada aos

44

usos sujeitos à outorga, essa abordagem acabou ali-ando um instrumento econômico a outro de coman-do e controle, ou de regulamentação.

A Lei das Águas determina os seguintes objeti-vos para a cobrança:

• reconhecer a água como bem econômico edar ao usuário uma indicação de seu real valor;

• incentivar a racionalização do uso da água; e• obter recursos financeiros para o financiamen-

to dos programas e intervenções contemplados nosplanos de recursos hídricos;

A lei prevê ainda que os valores arrecadadoscom a cobrança sejam aplicados prioritariamente nabacia hidrográfica onde foram gerados.

A cobrança pelo uso dos recursos hídricos

A cobrança pelo uso dos recursos hídricos de-pende da decisão dos comitês de bacia hidrográficapara que seja efetivada, uma vez que são essas asinstâncias responsáveis pelo estabelecimento do sis-tema de cobrança. Além disso, aos comitês, junta-mente com a ANA, compete o estudo dos valores aserem cobrados, enquanto que ao Conselho Nacio-nal de Recursos Hídricos cabe a definição dos valo-res relativos à cobrança no âmbito de cada baciahidrográfica.

A cobrança baseia-se no princípio usuário-po-luidor-pagador e pressupõe a conscientização dopúblico, no que se refere ao reconhecimento da águacomo bem econômico, ao incentivo à racionaliza-ção do seu uso e à obtenção de recursos financeirospara a execução dos Planos de Recursos Hídricos.

A ANA está encarregada de promover os es-tudos necessários à implantação da cobrança pelouso dos recursos hídricos nas bacias cujo rio princi-pal é de domínio da União. Esses estudos deverãoestar compatibilizados com a visão dos estados eserão submetidos a discussões no âmbito do Conse-lho Nacional de Recursos Hídricos.

Agência Nacional de ÁguasRelatório de Gestão -2001

A cobrança como um instrumento de gestão

A água é passível de uso privado seja comoinsumo para a produção, seja para uso doméstico,sendo este uso objeto de transação comercial, sem-pre que escasso. Mas o recurso hídrico não é passí-vel de apropriação privada. O uso da água é realizadocom base em uma outorga, isto é, uma concessãode uso, de um bem que permanece público. A dis-tinção não é retórica e tem implicações diretas naformulação de políticas.

Há uma polivalência de situações, na medidaem que, de um lado, é um bem público, e como talnormatizado e regulado, sendo direito de todos o seuacesso. Por outro lado, é um bem com valor econô-mico, comercializado, com preço. Em um dos casos,como bem público, está sujeito à tutela do Estado.Em outro, como bem de mercado, deve ser reguladopelo Estado, mas gerido por normas de mercado.

Como polivalência não pode ser confundidacom ambivalência, é preciso ter clareza dos concei-tos envolvidos, estalecendo-se procedimentos trans-parentes para sua aplicação. O fato de que a água éobjeto de transação comercial, de que existe ummercado específico da água, que lhe confere valore preço, não permite depreender que ela seja uma“comodittie”, justamente porque, como adequada-mente estabelece a Constituição, é um bem público.

Stela Goldenstein 2000

Entre todos os instrumentos de gestão dos re-cursos hídricos, a cobrança pelo uso da água talveztenha provocado maior controvérsia. Em parte, isso sedeve às suas características de bem público cujo aces-so deve ser garantido a todos. Por outro lado, enquan-to bem dotado de valor econômico, a água é passívelde ser comercializada, com valor e preço. No Brasil, osprincipais argumentos a favor da adoção desse instru-mento de gestão referem-se à possibilidade que ofere-ce de assegurar o uso sustentável da água, tanto emqualidade como em quantidade, aos usuários atuais efuturos. Enquanto tal, esse instrumento, mais do quearrecadar recursos destinados a reverter o grau de de-gradação atual dos mananciais, poderá ser útil na pro-moção de novos comportamentos voltados àracionalização do uso.

45

O Sistema de Informaçõessobre Recursos Hídricos

Chama-se de Sistema de Informações sobre Re-cursos Hídricos ao processo de coleta, tratamento,armazenamento e recuperação de informações so-bre recursos hídricos e fatores intervenientes emsua gestão.

A Lei 9.433/97 define para esse instrumento degestão os seguintes objetivos:

• reunir, dar consistência e divulgar os dados einformações sobre a situação qualitativa e quantitati-va dos recursos hídricos no Brasil;

• atualizar permanentemente as informações so-bre disponibilidade e demanda de recursos hídricosem todo o território nacional; e

• fornecer subsídios para a elaboração dos Pla-nos de Recursos Hídricos.

O Sistema de Informações sobre Recursos Hídri-cos deverá funcionar segundo três princípios: descen-tralização na obtenção e produção de dados einformações; coordenação unificada do Sistema; e ga-rantia de acesso aos dados e informações à sociedade.

Em âmbito nacional, coube à Agência Nacionalde Águas a tarefa de organizar, implantar e gerir oSistema Nacional de Informações sobre Recursos Hí-dricos.

Sistema Nacional de Informações sobre

Recursos Hídricos (SNIRH)

No ano de 2002 diversas ações foram desen-cadeadas visando a consolidação do Sistema Nacio-nal de Informações em Recursos Hídricos, assimcomo definidas as metas para que os dados e infor-mações possam compor o Sistema de maneira ágil econsistente.

Atualmente, estão cadastradas no banco dedados hidrológicos da ANA, 22.333 estações hidro-meteorológicas, sendo 14.189 estações pluviomé-tricas e 8.144 estações fluviométricas. Estão emoperação no país, através das diversas entidades,cerca de 8.760 estações pluviométricas e 4.133 flu-viométricas. Das estações fluviométricas, 948 têmmonitoramento de qualidade de água e 537 têm

medições sedimentométricas. Sob administração daANA , estão em operação 2.473 estações pluviomé-tricas, 1.726 estações fluviométricas, 420 estaçõesde qualidade de água, 420 estações sedimentomé-tricas e 59 estações evaporimétricas.

Muito se avançou no desenvolvimento de no-vos produtos e sistemas, considerando que foramnecessárias modificações em bancos de dados queanteriormente pertenciam a outros órgãos do setorpúblico e que vieram compor o acervo da ANA.

O caráter estratégico das informações hidro-lógicas foi o elemento decisivo para que a ANA as-sumisse de fato a partir de janeiro deste ano,administração da operação e a manutenção da redebásica de estações hidrometeorológicas em todoterritório brasileiro, dando início, também, à ela-boração de estudos hidrológicos para atender àsnecessidades da Agência e de outras entidades.Outro ponto relevante foi a alimentação do Sistemade Informações Hidrológicas, onde ficam armaze-nados e disponíveis para consulta os dados e infor-mações oriundas da rede hidrometeorológica básica,administrada pela Agência, assim como de outrasentidades que fornecem dados de suas redes de es-tações para a ANA.

O Sistema de Informações sobre Recursos Hí-dricos -SNIRH foi estabelecido pelo Sistema Nacio-nal de Gerenciamento de Recursos Hídricos -SINGREHcomo um dos instrumentos de gestão desses recur-sos, tendo como princípios básicos, de acordo coma Lei 9.433, a descentralização da obtenção e pro-dução de dados e informações, a coordenação uni-ficada do sistema e o acesso aos dados e informaçõesgarantido à sociedade.

O SNIRH foi concebido como uma rede de di-versos bancos de dados e informações, para acessoaos usuários, cuja alimentação está a cargo de en-tidades públicas, federais, estaduais e municipais,relacionadas à gestão dos recursos hídricos, sendocoordenado de forma unificada. Entre seus objeti-vos destacam-se: a divulgação de dados e informa-ções sobre a situação qualitativa e quantitativa dosrecursos hídricos no Brasil; e o fornecimento desubsídios para a elaboração dos Planos de Recur-sos Hídricos.

Agência Nacional de Águas

46

O Sistema Nacional de Gerenciamentode Recursos Hídricos

A criação de um sistema de gerenciamento dos recursos hídricos indica a existência de vários

órgãos ou entidades atuantes na área e a necessidade de articular ou integrar essa atuação na

gestão das águas. Quando a Constituição de 1988 incluiu entre as competências da União, a de

instituir um sistema nacional de gerenciamento dos recursos hídricos, estava na realidade concre-

tizando não só os anseios de amplos setores envolvidos com o tema e que demandaram dos depu-

tados constituintes a inclusão desse dispositivo. Na realidade, a instituição de um sistema inte-

grado para a gestão dos recursos hídricos foi o reconhecimento da necessidade, e da experiência

com um modelo de gestão integrada que já vinha sendo realizado com a criação dos Comitês Exe-

cutivos de Estudos Integrados de Bacias Hidrográficas de Rios Federais (CEEIBH)13. Esse colegiado

fomentou a criação de comitês nas bacias de vários rios federais. A experiência desses comitês

pode ser analisada como uma etapa de transição entre o modelo tradicional de gestão dos recur-

sos hídricos e o atual modelo.

A regulamentação do dispositivo constitucional acabou sendo feita pela Lei 9.433/97 que,

ao dispor sobre a Política Nacional de Recursos Hídricos, criou também o Sistema Nacional de

Gerenciamento dos Recursos Hídricos. A gestão integrada, descentralizada e participativa, insti-

tuída pela política das águas, formou um sistema integrado, com:

• o Conselho Nacional de Recursos Hídricos;

• os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal;

• os Comitês de Bacia Hidrográfica;

• os órgãos dos poderes públicos federal, estaduais e municipais cujas competências se

relacionavam com a gestão de recursos hídricos; e

• as Agências de Água.

São objetivos do Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos:

• coordenar a gestão integrada das águas;

•arbitrar administrativamente os conflitos relacionados com os recursos hídricos;

• implantar a Política Nacional de Recursos Hídricos;

•planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos hídricos; e

•promover a cobrança pelo uso de recursos hídricos.

As atividades de formulação da política e de implantação dos instrumentos de gestão reali-

zadas pelo Sistema Nacional de Recursos Hídricos estão representadas no organograma da figura

a seguir.

13 A Portaria Interministerial 90/78, editada pelos Ministérios da Minas e Energia e do Interior, criando o Comitê Especial de EstudosIntegrados de Bacias hidrográficas – CEEIBH, é considerada um marco fundamental deste processo.

47

Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos

C.N.R.H M.M.A ANA

S.R.H.

C.E.R.HGoverno

do Estado Autoridade

Comitêde Bacia

Comitês Executivos de Estudos Integrados

de Bacias Hidrográficas

Os comitês criados pelo CEEIBH visavam co-ordenar o trabalho dos diversos órgãos interveni-entes em recursos hídricos, quase todos federais eestaduais, preservando suas autonomias e procu-rando integrar suas ações, tendo em vista criar umanova cultura no relacionamento interinstitucionalpara a solução dos problemas de interesse comum.Marcaram um período de transição entre a gestãodos recursos hídricos centralizada na União e nosEstados quando as decisões eram tomadas unilate-ralmente pelos respectivos órgãos gestores, que tra-balhavam de forma estanque e independente, muitasvezes em conflito com outras instituições, e a cha-mada gestão integrada, descentralizada e partici-pativa que caracteriza o sistema atual, na qual oscolegiados de decisão desempenham um papel re-levante, de nível superior, e de natureza consulti-va, normativa e deliberativa, contando comimportante participação de representações dos usu-ários e da sociedade civil.

Antônio Felix Domingues eJosé Leomax dos Santos (2002)

Agênciade Bacia

Órgãos

Âmbito Conselho Governo GestorParlamento Escritório de Bacia Técnico

Nacional

Estadual

O Conselho Nacionalde Recursos Hídricos

No Sistema Nacional de Recursos Hídricos, oConselho Nacional de Recursos Hídricos (CNRH) é ainstância máxima, com caráter normativo e delibera-tivo. São suas atribuições: promover a articulação doplanejamento de recursos hídricos com os planejamen-tos nacional, regional, estadual e dos setores usuári-os; deliberar sobre os projetos de aproveitamento derecursos hídricos; acompanhar a execução e aprovar oPlano Nacional de Recursos Hídricos; estabelecer cri-térios gerais para a outorga e para a cobrança pelouso dos recursos hídricos; decidir sobre a criação decomitês de bacias em rios de domínio da União. En-quanto instância máxima, também é atribuição doConselho arbitrar os conflitos no interior do Sistema.

O CNRH é formado por representantes: de minis-térios e secretarias da Presidência da República comatuação na gestão das águas; indicados pelos Conse-lhos Estaduais de Recursos Hídricos; dos usuários dosrecursos hídricos; e das organizações civis de recursoshídricos. O número de representantes do Poder Execu-tivo Federal não poderá exceder a metade mais um dototal dos membros do Conselho.

Os representantes dos usuários são indicadospelos irrigantes, pelas instituições de abastecimento

Bacia

48

de água e esgotamento sanitário, pelas concessionárias de geração hidrelétrica, pelo setor hidroviário, pelaindústria, e pelo setor de turismo e lazer.

As organizações civis de recursos hídricos estão representadas pelos comitês, consórcios e associaçõesintermunicipais de bacias hidrográficas, por organizações técnicas de ensino e pesquisa na área de recursoshídricos, e por organizações não-governamentais também com atuação nessa área.

Os Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos

Os Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal são órgãos consultivos e deliberati-vos, instância administrativa máxima na sua esfera de competência, com atribuições para arbitrar os recursosrelativos às decisões dos Comitês de Bacias Hidrográficas e aprovar e acompanhar os Planos Estaduais deRecursos Hídricos.

Os primeiros Estados que criaram seus Conselhos de Recursos Hídricos foram: São Paulo, (1987); Ceará eSanta Catarina, (1994); Goiás, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, (1995).

Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos

Unidades da Federação Legislação

Alagoas Decreto 37.784, de 22 de outubro de 1998, publicado em 23 de outubro de 1998 -Regulamenta o Conselho Estadual de Recursos Hídricos.

Bahia Lei 7.354, de 14 de setembro de 1998. Cria o Conselho Estadual de RecursosHídricos e dá outras providências.

Ceará Decreto 23.039, de 1o de fevereiro de 1994. Aprova o Regimento Interno do Con-selho Estadual dos Recursos Hídricos - CONERH.

Distrito Federal Decreto 22.787, de 13 de março de 2002. Dispõe sobre a regulamentação do Con-selho de Recursos Hídricos do Distrito Federal e dá outras providências.

Espírito Santo Decreto 038-R de 6 de abril de 2000. Dispõe sobre o Conselho Estadual de RecursosHídricos - CERH.

Goiás Decreto 4.468, de 19 de junho de 1995. Dispõe sobre o Conselho Estadual deRecursos Hídricos - CERH.

Mato Grosso Decreto 3.952 de 6 de março de 2002. Regulamenta o Conselho Estadual de Recur-sos Hídricos.

Minas Gerais Decreto 37.191 de 28 de agosto de 1995. Dispõe sobre o Conselho Estadual deRecursos Hídricos - CERH-MG - e dá outras providências.

Paraná Decreto 2.314, de 14 de julho de 2000, cria o Conselho Estadual de RecursosHídricos. Decreto 4.320, de 29 de junho de 2001 que nomeia os integrantes doConselho Estadual de Recursos Hídricos.

Pernambuco Decreto 20.269, de 24 de dezembro de 1997. Dispõe sobre a Política Estadual deRecursos Hídricos e o Plano Estadual de Recursos Hídricos; institui o SistemaIntegrado de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

Paraíba Decreto 18.824, de 2 de abril de 1997, cria o Conselho Estadual de Recursos Hídricos.Rio de Janeiro Decreto 27.208, de 2 de outubro de 2000. Dispõe sobre o Conselho Estadual de

Recursos Hídricos, e dá outras providências.

49

Rio Grande do Norte Decreto 13.284, de 22 de março de 1997. Regulamenta o Sistema Integrado deGestão de Recursos Hídricos - SIGERH, e dá outras providências.

Rio Grande do Sul Decreto 36.055, de 4 de julho de 1995. Regulamenta o artigo 7º da Lei 10.350, de30 de dezembro de 1994, que instituiu o Sistema Estadual de Recursos Hídricos.Decreto 40.505, de 8 de dezembro de 2000. Altera o Decreto 36.055, de 4 de julhode 1995, que trata do Conselho Estadual de Recursos Hídricos.

Rondônia Decreto 10.114 de 20 de setembro de 2002.Santa Catarina Lei 6.739, de 16 de dezembro de 1985, alterada pelas leis 10.644, de 7 de janeiro

de 1998, 8.360, de 26 de setembro de 1991, e 10.007, de 18 de dezembro de1995.

São Paulo Decreto 27.576, de 11 de novembro de 1987. Cria o Conselho Estadual de RecursosHídricos, dispõe sobre o Plano Estadual de Recursos Hídricos e o Sistema Estadualde Gestão de Recursos Hídricos e dá outras providências.Decreto 36.787, de 18 de maio de 1993. Adapta o Conselho Estadual de RecursosHídricos - CRH e o Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos -CORHI, criados pelo Decreto 27.576, de 11 de novembro de 1987, às disposições daLei 7.663, de 30 de dezembro de 1991.

Sergipe Decreto 18.099 de 26 de maio de 1999. Dispõe sobre o Conselho Estadual deRecursos Hídricos - CONERH/SE e dá providências correlatas.

Tocantins Decreto 637, de 22 de julho de 1998. Cria o Conselho Estadual de Recursos Hídri-cos, e dá outras providências.

Fonte: SRH/MMA.

Os Comitês de Bacia Hidrográfica

O Comitê de Bacia Hidrográfica é um órgão cole-giado constituído pelos representantes dos governosmunicipais, estaduais e federal, pelos representantesdos usuários, e da sociedade civil organizada. O Con-selho Nacional de Recursos Hídricos, pela Resolução5/2000, definiu a proporcionalidade entre os repre-sentantes dos segmentos envolvidos: os representan-tes dos usuários serão 40% do número total derepresentantes do Comitê; o somatório dos represen-tantes dos governos municipais, estadual e federal nãopoderá ultrapassar 40%; e os da sociedade civil orga-nizada serão no mínimo de 20%.

Nos Comitês de Bacias de rios fronteiriços e trans-fronteiriços, a representação da União deverá incluiro Ministério das Relações Exteriores e, naqueles cujosterritórios abranjam terras indígenas, representantesda Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e das respec-tivas comunidades indígenas.

A área de atuação dos Comitês poderá ser umabacia hidrográfica, uma sub-bacia hidrográfica de tri-

butário do curso d’água principal da bacia, ou de tri-butário desse tributário; ou de um grupo de baciasou sub-bacias hidrográficas contíguas.

Os Comitês de Bacias Hidrográficas têm, entreoutras atribuições, as de: promover o debate das ques-tões relacionadas aos recursos hídricos da bacia; arti-cular a atuação das entidades que trabalham com essetema; arbitrar, em primeira instância, os conflitos re-lacionados a recursos hídricos; aprovar e acompanhara execução do Plano de Recursos Hídricos da Bacia;estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de re-cursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados;estabelecer critérios e promover o rateio de custo dasobras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo.

Os Estados são responsáveis pela regulamenta-ção dos Comitês dos rios em seus domínios. Algunsdeles, a exemplo de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grandedo Sul e Espírito Santo, já estão em estágio bem avan-çado do processo de regulamentação, com diversosComitês criados.

50

Bacias Hidrográficas

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio DoceComitê da Bacia Hidrográfica do Rio Muriaé e PombaComitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul– CEIVAPComitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paranaíba

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Piracicaba, Ca-pivari e JundiaíComitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco –

Unidades da FederaçãoMinas Gerais e Espírito SantoMinas Gerais e Rio JaneiroSão Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais

Minas GeraisMinas Gerais e São Paulo

Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, Bahia, Pernam-buco, Sergipe e Alagoas

Fonte: SRM/MMA.

Comitês de Bacias HidrográficasRios Estaduais

Unidades da Federação Comitês

Alagoas 1Ceará 6Espírito Santo 2Goiás 1Minas Gerais 17Paraná 3Pernambuco 6Rio de Janeiro 1Rio Grande do Sul 16Santa Catarina 12São Paulo 21Sergipe 1

Fonte: SRM/MMA.

As Agências de Água

Assim como os Comitês de Bacia Hidrográfica,as Agências de Água ou Agências de Bacia são insti-tuições inteiramente novas no quadro administrativobrasileiro.

As Agências têm a função de atuar como secre-taria executiva dos respectivos Comitês de Bacia Hi-drográfica. Além disso, a Lei das Águas atribuiu àsAgências de Água várias competências: manter o ba-lanço da disponibilidade hídrica atualizado; manterum cadastro de usuários; estabelecer os valores a se-rem cobrados pelo uso dos recursos hídricos e efetu-ar a cobrança; gerir o Sistema de Informações sobre

Comitês de Bacias HidrográficasRios Federais

Recursos Hídricos; elaborar e propor o Plano deRecursos Hídricos ao Comitê de Bacia Hidrográficacompetente; encaminhar proposta de enquadramen-to dos cursos d’água aos devidos Conselhos de Recur-sos Hídricos, entre outros.

A Lei das Águas determina como condição para acriação de uma Agência, a existência prévia de umComitê de Bacia e a viabilidade financeira asseguradapela cobrança do uso da água.

No âmbito federal foi criada a Agência Nacionalde Águas (ANA), autarquia sob regime especial (Lei9.984, de 2000), com autonomia administrativa e fi-nanceira, vinculada ao Ministério do Meio Ambiente.Sua principal missão é implantar o Sistema Nacionalde Gerenciamento de Recursos Hídricos e regular ouso da água no país por meio de vários instrumentosde gestão: outorga, cobrança pelo uso da água, fisca-lização e promoção de usos múltiplos, mediação dosconflitos; e gestão do Sistema Nacional de Informa-ções sobre Recursos Hídricos.

As organizações civis de recursoshídricos

A gestão descentralizada e participativa estáentre os fundamentos da Lei das Águas. Esse princípioreforça a orientação de que as decisões devem sercompartilhadas entre os vários níveis do Sistema, e,além disso, devem ser tomadas com a participaçãodos atores que possam intervir na questão: represen-

51

Agenda 21

Fortalecimento do papel dos grupos principais

Capítulo 23

O compromisso e a participação genuína detodos os grupos sociais terão uma importância de-cisiva na implementação eficaz dos objetivos, daspolíticas e dos mecanismos ajustados pelos Gover-nos em todas as áreas programadas da Agenda 21.

Um dos pré-requisitos fundamentais para al-cançar o desenvolvimento sustentável é a amplaparticipação da opinião pública na tomada de de-cisões. Ademais, no contexto mais específico domeio ambiente e do desenvolvimento, surgiu a ne-cessidade de novas formas de participação. Issoinclui a necessidade de indivíduos, grupos e orga-nizações de participar em procedimentos de avali-ação do impacto ambiental e de conhecer eparticipar das decisões, particularmente daquelasque possam vir a afetar as comunidades nas quaisvivem e trabalham. Indivíduos, grupos e organiza-ções devem ter acesso à informação pertinente aomeio ambiente e desenvolvimento detida pelas au-toridades nacionais, inclusive informações sobreprodutos e atividades que têm ou possam ter umimpacto significativo sobre o meio ambiente, as-sim como informações sobre medidas de proteçãoambiental.

A participação nos órgãos colegiados de gestãonão significa transferência de poder e responsabilidadedo Estado para a sociedade civil. É, antes, uma formade controle direto dos cidadãos sobre decisões de polí-ticas públicas, que afetam os interesses coletivos e avida de cada um. Entretanto, em um país com uma cul-tura política marcada por relações clientelistas e pa-ternalistas, a implantação de um modelo de gestãoparticipativa acaba sendo permeada por contradições eambiguidades. Além dos conflitos e divergências de in-teresses, os agentes envolvidos confrontam-se com as-simetrias de poder, de conhecimentos e de habilidades,com a legitimidade das representações, com práticasarraigadas de gestão tecnocrática e centralizada, en-fim, com toda ordem de dificuldades.

Novaes e Jacobi (2002), analisando a noção deeficiência institucional aplicada aos Comitês de BaciaHidrográfica consideram os seguintes indicadores comopossíveis parâmetros de eficiência institucional:

• A realização dos objetivos e metas previstos nalegislação, nos estatutos e regimentos internos;

• A elaboração de um Plano de Bacia (ou, aomenos, de uma agenda de prioridades);

• A alocação de recursos nas áreas priorizadasno Plano de Bacia;

• A pluralidade das forças sociais representadasna arena;

•A legitimidade da representação;• A participação e presença de quorum nas

reuniões;• O envolvimento do Comitê com questões regio-

nais relevantes relativas ao recursos hídricos, ao meio ambi-ente, e ao desenvolvimento econômico e social da bacia.

Assim, para esses autores, um comitê é eficientequando consegue cumprir ao máximo seus objetivosde garantir a quantidade e a qualidade das águas nabacia, mas, também, quando consegue atuar comofórum democrático, pluralista e participativo, não so-mente porque esta é a melhor estratégia para a boagestão das águas, mas como um objetivo em si mesmo.

Sem dúvida, já percorremos uma boa distânciana implantação do sistema integrado de gestão daságuas e no uso dos seus instrumentos. Entretanto, muitohá ainda que caminhar. A abertura da gestão pública àparticipação da sociedade civil é um processo que pre-cisa ser constantemente revisado e atualizado, e quedepende do desenvolvimento de uma cultura de apren-dizagem para o avanço e o aperfeiçoamento das orga-nizações colegiadas e de todos os atores envolvidos.

tantes do poder público nas esferas federal, esta-dual e municipal; dos usuários da água, e das coletivi-dades locais por meio das suas organizações.

A Lei 9.433/97 considera organizações civis derecursos hídricos as legalmente constituídas, e institu-ídas, como:

• consórcios e associações intermunicipais debacias hidrográficas;

• associações regionais, locais ou setoriais deusuários de recursos hídricos;

• organizações técnicas e de ensino e pesquisacom interesse na área de recursos hídricos; e

• organizações não-governamentais com objeti-vos de defesa de interesses difusos e coletivos da soci-edade.

52

Participação na gestão ambiental no Brasil

A possibilidade de alterar a institucionali-dade pública está associada às demandas que seestruturam na sociedade, e a esfera pública repre-senta a construção da viabilidade ao exercício dainfluência da sociedade nas decisões públicas as-sim como coloca uma demanda de publicização noEstado.

Os atores sociais que surgiram na sociedadecivil após a década de 1970, na América Latina,promoveram a criação de novos espaços e formasde participação e relacionamento com o poder pú-blico. Esses espaços foram construídos pelos mo-vimentos populares e pelas instituições dasociedade civil que articulavam demandas e alian-ças de resistência popular e lutas pela conquistasde direitos civis e sociais. O surgimento desses es-paços está diretamente relacionado com um maiorquestionamento sobre o papel do Estado comoprincipal agente indutor de políticas públicas. Aparticipação nesses espaços públicos permite ainstitucionalização de relações mais diretas, fle-xíveis e transparentes e maior democratização nagestão da coisa pública.

Nos anos 90, além das práticas participati-vas inovadoras que se institucionalizam cada vezmais, surgem novos movimentos baseados em açõessolidárias alternativas centradas em questões éti-cas ou de revalorização da vida humana. Pelas pres-sões de uma sociedade civil mais ativa e maisorganizada, foram sendo criados novos espaçospúblicos de interação, mas principalmente de ne-gociação. Nesse contexto, a participação citadinaemerge, principalmente como referencial de rup-turas e tensões, e as práticas participativas associ-adas a uma mudança qualitativa da gestão, assumemvisibilidade pública e repercutem na sociedade.

As transformações político-institucionais ea ampliação de canais de representatividade dossetores organizados para atuarem junto aos ór-gãos públicos, enquanto conquista dos movimen-tos organizados da sociedade civil, mostram apotencialidade de construção de sujeitos sociaisidentificados por objetivos comuns na transfor-mação da gestão da coisa pública, associado à cons-trução de uma nova institucionalidade.

Pedro Roberto Jacobi

Da lógica da ofertaà lógica da demanda

Este breve relato sobre o processo para consti-tuir e institucionalizar a gestão pública das águasrevela a diversidade de abordagens e soluções en-contradas em momentos distintos da história do País.Entretanto, apesar das diferenças, algumas caracte-rísticas têm permanecido constantes, entre elas, umapostura de reação aos problemas encontrados, a bai-xa efetividade dos planejamentos, a descontinuida-de dos programas e políticas, a falta de avaliaçãosistemática dos resultados, a definição de estruturascentralizadas para a tomada de decisão, a ausênciaou a fragilidade de mecanismos para equacionar osconflitos de uso e a abrangência limitada do atendi-mento à população.

A política que se construiu nos últimos anos -de gestão integrada, descentralizada e participativados recursos hídricos –, reflete as discussões e a mu-dança do paradigma que, a partir dos anos 1970, temnorteado a gestão das águas nos países industrializa-dos. O modelo de gestão orientado pela estratégia daoferta e da exploração extensiva do recurso que mar-cou o desenvolvimento das técnicas e políticas volta-das à gestão das águas, desde a revolução industrialvem sendo substituído por um modelo orientado pelaestratégia da demanda, de gestão sustentável e co-responsabilizada, fundada no princípio da participa-ção dos usuários, dos planejadores e decisorespolíticos, em todos os níveis, em consonância com oque se tem referendado desde a Conferência de Dub-lin.

53

Modelo extensivo - lógica da oferta

Oferta social e espacialmente generalizada de gran-des volumes de água potável a preços subsidiados.

Evacuação imediata das águas servidas através de re-des subterrâneas de esgotos e drenagem urbana ins-taladas no espaço público.

Estímulo ao consumo abundante, negligência comdesperdícios e a manutenção das redes.

Desresponsabilização e desconhecimento das práti-cas de consumo dos usuários.

Abordagem corretiva da poluição hídrica, medianteinovações na tecnologia de tratamento.

Competição aberta entre usos concorrentes dos re-cursos hídricos pela apropriação setorizada dos ma-nanciais.

Negligência com a conservação, a proteção e a recu-peração da qualidade das águas.

Fonte: Vargas (1999).

Modelo intensivo - lógica da demanda

Cobrança pelo uso e a poluição da água bruta, tari-fas que cobrem integralmente a recuperação de cus-tos diretos e indiretos.

Técnicas alternativas de saneamento e drenagem, queimplicam participação ativa de proprietários e usuá-rios (esgoto condominial, bacias de retenção etc.).

Incitação social à economia de água, por meio deprogramas abrangentes de conservação de recursoshídricos.

Responsabilização, informação e participação dos usu-ários, com pesquisas sobre consumo, comportamen-tos e percepção.

Abordagem preventiva, com políticas de proteçãoaos mananciais subterrâneos e superficiais.

Usos múltiplos dos mananciais por meio do planeja-mento descentralizado, integrado e participativo dasbacias hidrográficas.

Políticas de conservação dos recursos hídricos, pro-teção e recuperação de mananciais.

Modelos de Gestão das Águas

54

Período

1945-1960Engenharia com

pouca preocupação

ambiental

1960-1970

Início da pressão

ambiental.

1970-1980

Controle ambiental

1980-1990Interações do

ambiente global

1990-2000Desenvolvimento

sustentável

2000

Ênfase na água

Países desenvolvidos

• Uso dos recursos hídricos: abasteci-mento, navegação, hidreletricidade etc.• Qualidade da água dos rios.• Medidas estruturais de controle dasenchentes.

• Controle de efluentes.• Medidas não estruturais para enchen-tes.• Legislação para qualidade da água dosrios.

• Usos múltiplos.• Contaminação de aqüíferos.• Deterioração ambiental de grandesáreas metropolitanas.• Controle na fonte da drenagem urbana.• Controle da poluição doméstica e in-dustrial.• Legislação ambiental.

• Impactos climáticos globais.• Preocupação com conservações dasflorestas.• Prevenção de desastres.• Fontes pontuais e não pontuais.• Poluição rural.• Controle dos impactos da urbaniza-ção sobre o ambiente.• Contaminação de aqüíferos.

• Desenvolvimento sustentável.• Aumento do conhecimento sobre ocomportamento ambiental causado pe-las atividades humanas.• Controle ambiental das grandes me-trópoles.• Pressão para controle da emissão degases, preservação da camada de ozônio.• Controle da contaminação dos aqüí-feros por fontes não pontuais.

• Desenvolvimento da visão mundial daágua.• Uso integrado dos recursos hídricos.• Melhora da qualidade da água das fon-tes não pontuais: rural e urbana.• Busca de solução para conflitos trans-fronteiriços.• Desenvolvimento do gerenciamentodos recursos hídricos dentro de basesustentáveis.

Brasil

• Inventário dos recursos hídricos.• Início dos empreendimentos hidre-létricos e projetos de grandes sistemas.

• Início da construção dos grandes em-preendimentos hidrelétricos.• Deterioração da qualidade da água derios e lagos próximos a centros urba-nos.

• Ênfase em hidrelétricas e abasteci-mento de água.• Início da pressão ambiental.• Deterioração da qualidade da águados rios devido ao aumento da produ-ção industrial e concentração urbana.

• Redução do investimento em hidrelé-tricas devido à crise fiscal e econômica.• Piora das condições urbanas: enchen-tes, qualidade da água.• Fortes impactos da seca no Nordeste.• Aumento de investimentos em irri-gação.• Legislação ambiental.

• Legislação de recursos hídricos.• Investimento no controle sanitáriodas grandes cidades.• Aumento do impacto das enchentesurbanas.• Programas de conservação dos bio-mas nacionais: Amazônia, Pantanal, Cer-rado e Costeiro.• Início da privatização dos serviçosde energia e saneamento.

• Avanço do desenvolvimento dos as-pectos institucionais da água.• Privatização do setor energético.• Aumento de usinas térmicas para pro-dução de energia.• Privatização do setor de saneamento.• Aumento da disponibilidade de águano Nordeste.• Desenvolvimento de planos de dre-

Visão histórica dos aproveitamentos da água

Extr

aído

de

Tucc

i, C.

E.

M.,

Hes

panh

ol,

I.,

Cord

eiro

Net

to,

O. (

2001

).

55

A experiência paulista

O Estado de São Paulo está entre os principais protagonistas na criação do sistema integradoe na implantação dos instrumentos de gestão dos recursos hídricos. Em âmbito nacional, foi pionei-ro nesse processo: em 1987, criou o Conselho Estadual de Recursos Hídricos e o Comitê Coordenadordo Plano Estadual de Recursos Hídricos; em 1989, a Constituição Paulista previu a criação de umsistema de recursos hídricos orientado pelos princípios da gestão integrada, descentralizada eparticipativa; e em 1991, foi aprovada a Lei 7.663, que estabelece a Política Estadual e o SistemaIntegrado de Gestão dos Recursos Hídricos.

Os instrumentos previstos pela Lei 7.663 para a implantação da Política Estadual de RecursosHídricos são: a outorga do direito de uso, o estabelecimento de infrações e as respectivas penalida-des, a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, e o rateio de custos das obras de uso múltiplo, ou deinteresse comum ou coletivo. A lei prevê ainda, a elaboração do Plano Estadual de Recursos Hídricos(PERH), que deverá ser atualizado periodicamente, com base nos planos de bacias.

Constituem o Sistema Integrado de Gerenciamento dos Recursos Hídricos os órgãos colegiados,o Comitê Coordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos (CORHI), as Agências de Bacia e osórgãos da administração direta ou indireta do Estado responsáveis pela outorga de uso e pelolicenciamento de atividades poluidoras.

Os órgãos colegiados - o Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CRH) e os Comitês de BaciasHidrográficas (CBHs) -, têm caráter consultivo e deliberativo e composição tripartite e paritária.São formados por representantes do Estado, dos Municípios e da Sociedade Civil.

Para a realização do gerenciamento descentralizado, a Lei 7.663/91 previu ainda a divisão doEstado em unidades hidrográficas de gerenciamento. Essa divisão foi feita pelo Plano Estadual deRecursos Hídricos (Lei 9.034/94) que criou as 22 Unidades Hidrográficas de Gerenciamento deRecursos Hídricos (UGRHIs) que também são a base físico-territorial para a formação dos Comitês

de Bacias Hidrográficas (CBHs).

Diretrizes da política estadual de recursos hídricos

• Utilização racional dos recursos hídricos, superficiais e subterrâneos, assegurado o uso prioritáriopara o abastecimento das populações.

• Maximização dos benefícios econômicos e sociais resultantes do aproveitamento múltiplo dos re-cursos hídricos.

• Proteção das águas contra ações que possam comprometer o seu uso atual e futuro.• Defesa contra eventos hidrológicos críticos, que ofereçam riscos à saúde e à segurança públicas

assim como prejuízos econômicos e sociais.• Desenvolvimento do transporte hidroviário e seu aproveitamento econômico.• Desenvolvimento de programas permanentes de conservação e proteção das águas subterrâneas

contra a poluição e superexplotação, e• Prevenção da erosão do solo nas áreas urbanas e rurais, com vistas à proteção contra a poluição

física e o assoreamento dos corpos d’água.

56

nicípios em torno de 50; distâncias rodoviárias en-volvidas no máximo da ordem de 300 km; e relativahomogeneidade socioeconômica.

Visto que as províncias geomorfológicas se de-senvolvem transversalmente às bacias hidrográficas,a divisão proposta na primeira fase conduziu a uni-dades de gerenciamento de recursos hídricos queatendiam aos requisitos citados. Uma das razões paraesse fato é que a geomorfologia e a geologia estãorelacionadas com a pedologia e, portanto, com afertilidade dos solos agrícolas, ou seja, com o de-senvolvimento socioeconômico. Por essa razão, adivisão hidrográfica preliminar consolidou-se comoproposta definitiva.

Para a denominação das unidades foram ado-tados os seguintes critérios: rio principal ou doisrios principais; divisão segundo trechos (alto, mé-dio e baixo) e denominações regionais, resultando:

• rio principal ou dois rios principais: Piraci-caba, Tietê-Sorocaba, Tietê-Batalha, Tietê-Jacaré,Aguapeí-Peixe, Ribeira do Iguape-Litoral Sul, Para-íba do Sul, Sapucaí-Grande, Pardo-Grande, São Josédos Dourados, Turvo-Grande

• divisão segundo trechos: Alto Tietê, BaixoTietê, Alto Paranapanema, Baixo Paranapanema, AltoPardo-Mogi, Baixo Pardo-Mogi

• denominações regionais: Baixada Santista,Litoral Norte, Mantiqueira.

Plano Estadual de Recursos Hídricos (1994)

A revisão da divisão hidrográfica do Estado deSão Paulo tomou como ponto de partida as 18 subzo-nas hidrográficas adotadas pelo DAEE.

Na primeira fase realizou-se a superposição demapas temáticos, considerando as seguintes carac-terísticas físicas, estreitamente relacionadas com osrecursos hídricos: geomorfologia, geologia, hidro-logia regional e hidrogeologia. A partir da análisedos mapas superpostos foram sugeridas as seguintesmodificações na base inicial adotada:

• divisão da subzona Pardo-Mogi Guaçu em trêsunidades hidrográficas: Alto Pardo-Mogi Guaçu, BaixoPardo-Mogi Guaçu, e Pardo-Grande;

• divisão da subzona do Médio Tietê em duasunidades: Tietê-Jacaré e Tietê-Batalha; e

• acréscimo da bacia do rio Santo Anastácio àsubzona do rio do Peixe, originando a unidade Pei-xe-Santo Anastácio.

Na segunda fase do trabalho foram considera-dos os aspectos políticos e socioeconômicos, estu-dando-se, por exemplo, a compatibilização da divisãohidrográfica com a divisão regional existente em re-giões de planejamento; o número de municípios comsede em cada unidade; as áreas de cada unidade e asdistâncias rodoviárias; e os aspectos demográficos esocioeconômicos.

Adotou-se como atributos desejáveis para cadaunidade de gerenciamento de recursos hídricos, deforma a permitir ações regionais integradas: áreanão superior a 25 mil km2 ; número máximo de mu-

Divisão hidrográfica do Estado de São Paulo

Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos

57

Comitê de Bacia Hidrográfica

Piracicaba/Capivari/JundiaíAlto TietêBaixo TietêMédio ParanapanemaParaíba do SulAguapeí/PeixeBaixada SantistaMédio Tietê/SorocabaTietê/JacaréTurvo/GrandeAlto ParanapanemaBaixo Pardo/GrandeMogi GuaçuPardoPontal do ParanapanemaRibeira de Iguape/Litoral SulSapucaí-Mirim/GrandeTietê/BatalhaLitoral NorteSão José dos DouradosMantiqueira

Ano deinstalação

199319941994199419941995199519951995199519961996199619961996199619961996199719972001

Municípios

583442423458093434643412382321232233042503

Representantespor segmento

16161013101409171218101314121114111312136

Nas 22 Unidades de Gerenciamento dos Recursos Hídricos foram instalados os seguintes Comitês deBacias Hidrográficas (CBH):

UGRHI

0506191702

20/21071013151412090422110816031801

O Plano Estadual de Recursos Hídricos

O primeiro Plano Estadual de Recursos Hídricos(PERH), editado pelo Decreto 32.954/91, visava ori-entar a elaboração do Plano Quadrienal de RecursosHídricos, com vigência no período de 1992 a 1995. Osegundo Plano Estadual de Recursos Hídricos foi apro-vado pela Lei 9.034/94 para ser implantado no perí-odo de 1994 a 1995. O terceiro, encaminhado àAssembléia Legislativa em 1996 (PL 05/96), não foivotado. O quarto, encaminhado em 2000 (PL 327/2000), corresponde ao período de 2000 a 2003. OPlano Estadual de Recursos Hídricos proposto paraesse período traz os seguintes objetivos e diretrizes:

I - atenuar ou eliminar situações de escassezhídrica, quantitativa e qualitativa, nas bacias hidro-gráficas industrializadas;

II - prevenir a escassez hídrica em bacias hidro-gráficas, em especial as bacias em processo de indus-trialização;

III - solucionar os conflitos de uso dos recursoshídricos em sub-bacias e áreas de concentração deagricultura irrigada ou de indústrias, mediante in-tervenções, serviços e obras;

IV - promover o desenvolvimento das bacias hi-drográficas agropecuárias, com projetos e obras deaproveitamento múltiplo racional, desenvolvimento,conservação e proteção dos recursos hídricos;

V - harmonizar a conservação de áreas de pro-teção dos mananciais com as atividades econômicas esociais nas bacias hidrográficas onde haja predomi-nância dessas áreas;

58

VI - definir critérios de priorização para proje-tos, serviços e obras a serem utilizados na obtenção definanciamentos ou repasses de recursos para a região.

Para a realização das diretrizes e dos objetivospropostos no PERH, definiu-se um conjunto de Pro-gramas de Duração Continuada (PDCs), cujas ações emetas tiveram como base os Relatórios de Situação eos Planos de Bacias de cada Comitê de Bacia Hidrográ-fica.

O Fundo Estadual de Recursos Hídricos

A Lei 7.663/91 dispôs também sobre a criaçãode um instrumento de suporte financeiro à PolíticaEstadual de Recursos Hídricos, o Fundo Estadual deRecursos Hídricos (Fehidro). Regulamentado pelo De-creto 37.300/9314 de 20 de agosto de 1993, o Fehi-dro é supervisionado pelo Conselho de Orientação(Cofehidro), formado por 12 membros, com repre-sentação paritária entre os três segmentos que com-põem o Sistema. Conta ainda com uma estrutura deapoio constituída pela Secretaria Executiva, pelosAgentes Técnicos e pelo Agente Financeiro. São be-neficiários na obtenção dos recursos do Fundo:

• pessoas jurídicas de direito público, da admi-nistração direta e indireta do Estado e dos Municípios;

• concessionárias e permissionárias de serviçospúblicos, com atuação nos campos do saneamento,meio ambiente ou no aproveitamento múltiplo de re-cursos hídricos;

• consórcios intermunicipais regularmenteconstituídos;

• entidades privadas sem finalidades lucrativas,usuárias ou não de recursos hídricos, mediante reali-zação de estudos, projetos, serviços, ações e obrasenquadradas nos Planos das Bacias Hidrográficas e noPlano Estadual de Recursos Hídricos, e que preenchamos seguintes requisitos:

a) constituição definitiva, há pelo menos qua-tro anos, nos termos da legislação pertinente;

b) deter, dentre suas finalidades principais, aproteção ao meio ambiente ou atuação na área dosrecursos hídricos;

c) atuação comprovada no âmbito do Estado ouda Bacia Hidrográfica.

As pessoas jurídicas de direito privado, usuári-as de recursos hídricos, poderão habilitar-se à obten-ção de recursos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos(Fehidro), por intermédio de financiamentos reem-bolsáveis15.

Os recursos do Fehidro constituem-se de:• dotações do Estado e dos Municípios destina-

das por disposição legal;

Programas de Duração Continuada

PDC-1 Planejamento e gerenciamento de recursoshídricos (PGRH)

PDC 2 Aproveitamento múltiplo e controle dosrecursos hídricos (PAMR)

PDC 3 Proteção, conservação e recuperação daqualidade dos recursos hídricos (PQRH)

PDC 4 Desenvolvimento e proteção das águassubterrâneas (PDAS)

PDC 5 Proteção dos mananciais de abastecimentourbano (PRMU)

PDC 6 Desenvolvimento racional da irrigação (PDRI)

PDC 7 Conservação de recursos hídricos na indús-tria (PCRI)

PDC 8 Prevenção e defesa contra inundações (PPDI)

PDC 9 Prevenção e defesa contra a erosão do solo eo assoreamento dos corpos d’água (PPDE)

PDC 10 Apoio aos municípios afetados por reserva-tórios e leis de proteção de mananciais (PDMA)

PDC 11 Articulação institucional (PAI)

PDC 12 Participação do setor privado (PPSP)

14 Alterado pelo Decreto 43.204, de 23 de junho de 1998.15 A Lei 10.843, de 5 de julho de 2001, altera a Lei 7.663/91,definindo as entidades públicas e privadas que poderão receberrecursos do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (Fehidro).

59

O FEHIDRO na concepção da política de

recursos hídricos do Estado de São Paulo

A criação e desenvolvimento do FEHIDRO édiferenciada quando comparada aos demais Fun-dos existentes no Estado de São Paulo, pois ele éparte integrante de uma política mais geral. Asações financiadas têm relação direta com o estabe-lecido nos Planos de Recursos Hídricos, cuja apro-vação depende dos integrantes dos Comitês deBacias ou do Conselho Estadual de Recursos Hídri-cos (CRH). Em resumo, sua gestão não é exclusivi-dade de uma das Secretarias ou instâncias damáquina administrativa do estado, mas obedece àregra geral do sistema Integrado de Gerenciamen-to de Recursos Hídricos, pois é compartilhada en-tre os três segmentos que o compõem: o Estado, osMunicípios e a Sociedade Civil.

Rui Brasil Assis (2002)

• transferências da União ou de Estados vizi-nhos para ações em recursos hídricos de interessecomum;

• compensação financeira que o Estado receberem decorrência de aproveitamentos hidroenergéticosem seu território;

• parte da compensação financeira referente àexploração de petróleo, gás natural e recursos mine-rais, definida pelo Conselho Estadual de Geologia eRecursos Minerais (Cogemim), para aplicação exclu-siva em estudos e programas de interesse para os re-cursos hídricos subterrâneos;

• resultado da cobrança pelo uso da água;• empréstimos, nacionais e internacionais, e

recursos provenientes de cooperações e acordos;• retorno das operações de crédito contrata-

das;• produto de operações de crédito e rendas

provenientes da aplicação de seus recursos;• resultados de aplicações de multas cobradas

dos infratores da legislação de águas;• decorrentes do rateio de custos referentes a

obras de aproveitamento múltiplo, de interesse co-mum ou coletivo;

• doações de pessoas físicas ou jurídicas, pú-

blicas ou privadas, e recursos eventuais.Sobre esses recursos, Assis (2002) lembra que:

Em 1993, o estado definiu que 70% da receitaauferida com a compensação financeira em decorrênciade aproveitamentos hidroenergéticos seria destinada aoFEHIDRO e os 30% restantes ao Fundo Estadual de Pesca eAgropecuária (FEAP). Como a regulamentação nãoaprofundou o detalhamento das outras fontes de receitase permanece pendente a instituição da cobrança pelo usoda água, a receita do FEHIDRO está hoje limitada a essatransferência da União, às operações de crédito realiza-das e aplicações. Portanto, além da instituição da cobran-ça, existem outras alternativas legais para ampliação dasreceitas (pg. 122).

A cobrança pelo uso da água

O reconhecimento dos recursos hídricos comoum bem público e com valor econômico já estava pre-sente na Constituição do Estado, sendo, depois, refe-rendado como um dos princípios orientadores daPolítica Estadual de Recursos Hídricos. A expressãodesse princípio como um instrumento de gestão daPolítica realiza-se por meio da cobrança pelo uso daágua. A Lei 7.663/91 previu a cobrança tanto pelouso ou derivação, quanto pela diluição, transporte eassimilação de efluentes.

Desde 1989 já vinham sendo realizados estudossobre a cobrança pelo uso da água no Estado de SãoPaulo, que acabaram resultando na elaboração de umaproposta jurídico-institucional para sua realização.Essa proposta, após amplo debate público - incluindoos diversos setores usuários, os serviços públicos e osComitês de Bacia - foi submetida à aprovação do Con-selho Estadual de Recursos Hídricos e encaminhadapelo governo do Estado à Assembléia Legislativa. OProjeto de Lei 20, de 1998, apresentava os objetivosda cobrança, sua forma de implantação, os usos a elasujeitos, o procedimento para a fixação dos valores ea maneira como deveria ser efetuada, além de vincu-lar o produto da cobrança às bacias hidrográficas ondeforam arrecadados e condicionar sua aplicação à apro-vação dos Comitês de Bacias.

Posteriormente, o governo estadual retirou esseprojeto de lei e encaminhou novo projeto incorpo-rando as sugestões que resultaram dos debates ocor-ridos durante sua tramitação legislativa. O novoprojeto, o PL 676/2000, que na sua essência foi man-

60

As Agências de Bacia

Ao definir o Sistema Integrado de Gestão dosRecursos Hídricos, a Lei 7.663/91 previu a criação deuma entidade com estrutura administrativa e jurídicaprópria, a Agência de Bacia. Sua criação, por decisãodo Comitê de Bacia Hidrográfica e aprovação do CRH,ficou vinculada ao início da cobrança pelo uso daágua. Além de exercer as funções de secretaria exe-cutiva dos Comitês, as Agências de Bacia deverão ela-borar o plano de bacia hidrográfica, os relatóriosanuais de situação dos recursos hídricos e gerenciaros recursos obtidos com a cobrança pelo uso da água.

Com a edição da Lei 10.020, em 1998, o Estadofoi autorizado a participar da constituição de Funda-ções Agências de Bacias Hidrográficas. A lei prevê comocondição para a criação das Agências, a adesão de nomínimo 35% dos Municípios, com abrangência de pelomenos 50% da população das bacias. Estabelece tam-bém que as receitas das Agências serão provenientesde transferências da União, dos Estados e Municípiosdestinadas ao seu custeio e à execução de planos eprogramas; do produto de financiamentos destinadosao atendimento de serviços e obras constantes dosprogramas a serem executados, e das aplicações fi-nanceiras e outras operações de crédito; de doaçõesde quaisquer outros recursos, públicos ou privados; edos recursos provenientes de ajuda ou cooperaçãonacional ou internacional, e de acordos intergover-namentais.

Por solicitação dos Comitês de Bacias, o Conse-lho Estadual do Recursos Hídricos (CRH) já aprovou acriação de Agências para atuarem nas áreas de abran-gência dos Comitês de Bacias Hidrográficas: Alto Tie-tê, Piracicaba-Capivari-Jundiaí, Ribeira deIguape-Litoral Sul e Mogi-Guaçu.

O Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê,com a aprovação de 39% dos Municípios da bacia paraa criação da Agência, elaborou seu estatuto e deuposse ao Conselho Curador com a atribuição de tomaras medidas formais para sua instalação.

Atribuições das Agências de Bacias

I - Efetuar estudos sobre as águas das Bacias,em articulação com órgãos do Estado e Municípi-os.

II - Participar da gestão de recursos hídri-cos, juntamente com outros órgãos da Bacia.

III - Dar parecer ao Conselho de Orientaçãodo FEHIDRO sobre a compatibilidade de obra, ser-viço ou ação, com o Plano das Bacias.

IV - Aplicar recursos financeiros a fundo per-dido, dentro de critérios estabelecidos pelo Comi-tê de Bacia.

V - Analisar técnica e financeiramente os pe-didos de investimentos de acordo com as priorida-des e critérios estabelecidos pelo Comitê de Bacia.

VI - Fornecer subsídios ao Comitê de Baciapara que este delibere sobre a cobrança pela utili-zação das águas.

VII - Administrar a subconta do FEHIDRO cor-respondente aos recursos da Bacia.

VIII - Efetuar a cobrança pela utilização dosrecursos hídricos da Bacia de domínio do Estado,na forma fixada pela lei.

IX - Gerenciar os recursos financeiros gera-dos por cobrança pela utilização das águas estadu-ais das Bacias e outros definidos em lei, emconformidade com as normas do Conselho Estadualde Recursos Hídricos - CRH, ouvido o Comitê Coor-denador do Plano Estadual de Recursos Hídricos -CORHI.

X - Elaborar, em articulação com órgãos doEstado e dos Municípios, o Plano de Recursos Hí-dricos da Bacia com a periodicidade estabelecidapelo Conselho Estadual de Recursos Hídricos, sub-metendo-o à análise e aprovação do Comitê de Ba-cia.

XI - Elaborar relatórios anuais sobre a “Situ-ação dos Recursos Hídricos das Bacias Hidrográfi-cas” e encaminhá-los ao Comitê Coordenador doPlano Estadual de Recursos Hídricos - CORHI, apósaprovação do Comitê de Bacia.

XII - Prestar apoio administrativo, técnico efinanceiro necessário ao funcionamento do Comitêde Bacia.

Lei 10.020/98

61

Dez anos do SIGRH

Em 2001, quando a Lei da Política Estadual e oSistema Estadual de Recursos Hídricos completaramdez anos, solicitou-se à Fundação do Desenvolvimen-to Administrativo (FUNDAP), a realização de um pro-jeto de avaliação do Sistema Integrado deGerenciamento dos Recursos Hídricos do Estado deSão Paulo. A realização do I Congresso estadual de comi-tês de bacia hidrográfica fez parte desse processo. Nele,pela primeira vez, reuniram-se os representantes detodos os Comitês de Bacia do Estado, possibilitando atroca de experiências e uma avaliação conjunta dosproblemas e perspectivas do Sistema. Os debates cen-tralizaram-se sobre três temas: o Fehidro, os instru-mentos de gestão e participação, e representatividade.

I Congresso Estadual de

Comitês de Bacias Hidrográficas:

Conclusões

Fundo Estadual de Recursos Hídricos

• Fortalecer o apoio aos tomadores, especi-almente na fase de elaboração dos projetos.

• Incrementar e adequar a organização, nor-mas e instrumentos técnicos do Fundo, da pers-pectiva transdisciplinar dos projetos.

• Aumentar a conexão entre planejamento eexecução do sistema, materializada nos projetosefetivamente realizados.

• Dar maior agilidade aos procedimentos ad-ministrativos e financeiros que asseguram o usoresponsável do recurso, que é público.

• Fornecer ao sistema indicadores que per-mitam avaliar os resultados dos projetos e o seuretorno como melhoria ambiental para a socieda-de e fortalecimento da integração da gestão dosrecursos hídricos.

Instrumentos de Gestão

• Superação das deficiências na geração e nadisponibilização de dados pelos órgãos públicos.

• Compatibilização das agendas dos órgãosdo Estado e dos demais componentes do Sistema.

• Instituição de espaço “horizontal” de arti-culação entre os CBH; por exemplo: o Fórum Pau-lista de Comitês de Bacias.

• Estabelecimento de pactos para o compro-metimento da ação dos três segmentos em tornodo Plano de Bacia.

Participação e Representatividade

• Envolver no SIGRH outros órgãos do Esta-do, especialmente a Secretaria de Educação.

• Capacitar permanentemente os membros dosCBH.

• Realizar periodicamente oficinas e seminá-rios temáticos para maior envolvimento.

• Promover maior articulação entre o SIGRHe o sistema federal.

• Rever o modelo de representatividade dossegmentos nos colegiados do SIGRH, em especialna forma de caracterização do usuário.

• Rever a paridade dos segmentos no CBH.• Promover a melhoria da relação entre re-

presentantes e representados nos CBH.• Apresentar os documentos gerados pelos

colegiados em formato e linguagem acessível.• Envolvimento e a participação dos prefei-

tos no CBH potencializam o processo de desenvol-vimento regional, impactando na melhoria daqualidade de vida.

• Para que maiores avanços ocorram, é ne-cessário que os comitês e subcomitês sejam ouvi-dos e respeitados, quando da realização de obrasem seu território e que possam causar impactos na

62

Na segunda metade dos anos 1980, quando co-meçam a ser traçados os princípios e diretrizes domodelo de gestão das águas que seria implantado, ostécnicos, gestores e especialistas debatiam-se com odesafio de romper o desinteresse da sociedade e pro-mover o comprometimento dos políticos e legislado-res com a questão. Naquela ocasião, indagado sobrequal a melhor estratégia para enfrentar esse desafio,o cientista político e diretor da Fundap, Carlos Este-vam Martins, respondeu:

elevar o grau de politização dos recursos hídricos, com baseno pressuposto de que, avançando por esse caminho, tor-nar-se-ia mais fácil encontrar e implantar soluçõessatisfatórias para os problemas.

Martins (1987) sugeriu ainda que essa estraté-gia deveria ser elaborada com base em dois eixos deatuação:

Por um lado, existe a necessidade de mobilizaçãode forças de apoio. As pessoas empenhadas em levar adi-ante uma política de recursos hídricos moldada pelos va-lores ambientalistas precisam dedicar-se à tarefa de des-pertar o interesse e conquistar o apoio de forças sociaissignificativas. Por outro lado, coloca-se o imperativo dareorganização das estruturas estatais. Esses dois pontosse inter-relacionam e se realimentam (pg. 50).

Decorridos dez anos de implantação do SistemaIntegrado de Gerenciamento dos Recursos Hídricos(SIGRH), Martins (2002) nos oferta agora uma avalia-ção que, embora reconhecendo os problemas e difi-culdades que ainda devem ser enfrentados, dimensionaa grandeza do que já foi realizado no que se refere aum sistema de gestão pública que rompeu as frontei-ras entre a cidadania e o poder público.

A gestão da água em São Paulo:

o feito e o a fazer

A existência do Sistema Integrado de Geren-ciamento de Recursos Hídricos (SIGRH) constituium feito extraordinário. Trata-se, antes de maisnada, de uma iniciativa que vingou. Mal ou bem, oSIGRH hoje está aí, instalado e funcionando, comsua carta constitucional, seus princípios básicosestabelecidos por lei (descentralização, participa-ção e integração), seus órgãos e mecanismos esta-duais e de bacias, seus planos de ação, seus recursospróprios e seus instrumentos de gestão devidamentedefinidos.

O fato de estar feito e de assim ter permane-cido por toda uma década não é nada corriqueiro.Basta ver que, na mesma época em que se iniciou oprocesso que desaguaria no SIGRH, foram debati-das e postas em prática propostas análogas quetiveram um começo igualmente auspicioso mas, de-pois de algum tempo, naufragaram.

Na área dos recursos hídricos, ao contrário,as mesmas idéias e motivações tiveram melhor for-tuna: criaram raízes, floresceram e frutificaram,transformando-se naquilo que é hoje o SIGRH. Acomparação entre essas experiências análogas ser-ve para mostrar que o SIGRH, já pelo simples fatode ser um feito que não foi desfeito, deu prova deser inovação de singular vigor no campo das rela-ções Estado-sociedade; e serve, também e por issomesmo, para ressaltar os méritos de todos os res-ponsáveis pela montagem e pela contínua opera-ção do Sistema.

Em si mesmo, enquanto obra de engenhariainstitucional, o SIGRH constitui uma realidade ex-traordinária. Mesmo que não consiga fazê-lo o tem-po todo, o SIGRH encerra a possibilidade de rompercom as inércias e o modo de ser tradicional daAdministração Pública, assim como também fazparte de sua vocação romper com os esquemas eli-tistas e autocráticos que sempre regeram entre nósas relações dos governos com a população. Tal comose diz nos prospectos de divulgação, “o SIGRH éum mecanismo político e institucional que, ao res-ponder às questões Quem Faz? e Como Fazer?, defi-

63

ne a forma de participação do Estado, dos Municípios,dos Usuários e da sociedade civil na execução das açõesplanejadas mediante a participação de todos os envol-vidos(...) em um ambiente de co-responsabilidade”.Assim funcionando, não se pode negar que o Sistemarepresenta uma novidade administrativa sem dúvidaextraordinária. Nos termos em que foi concebido, oSIGRH surgiu como instituição potencialmente voca-cionada para suprimir fronteiras, sejam as que sepa-ram uns dos outros os diferentes níveis e ramos emque se subdivide a atividade governamental, sejam asque interditam a comunicação entre a cidadania e oPoder Público.

É evidente que sempre se poderá argumentar queo SIGRH, a despeito de tudo o que já realizou, estálonge de ser uma obra acabada. Isso é certo. Trata-sede uma experiência ainda inconclusa, com muitas im-perfeições por corrigir e dificuldades por vencer. Mastão importante quanto discutir as deficiências do novomodelo de gestão, como faremos em seguida, é desta-car as qualidades que ele possui e, dentre elas, princi-palmente aquelas que estão inscritas em sua Carta deIntenções: os compromissos originalmente assumidosque perduram, incólumes, sob a forma de potenciali-dades a serem explicitadas e atualizadas pelos inte-grantes do Sistema. Em outras palavras, o novo modelode gestão da água é ao mesmo tempo um fato e umapromessa e o que ele promete ser sem dúvida é tãoimportante quanto o que de fato ele já é.

Carlos Estevam Martins (2002)

64

Cronologia da evolução da gestão das águasSéculo XIX

• 1842 • Elaboração do primeiro projeto de adução e dis-

tribuição de água em São Paulo.

• 1876• Início da construção de uma rede de esgotos em

São Paulo • Fundação da Escola de Minas de Ouro Preto,primeira instituição superior de formação de engenheirosno país.

• 1877 • Criação da Companhia Cantareira de Águas eEsgotos.

• 1882 • Adoção de medidas de proteção aos mananciaisdo Cantareira (desapropriações).

• 1887 • Estatização da Companhia Cantareira

• 1889 • Início da construção da rede de esgotos de Santos.

• 1891 • Criação do Serviço Sanitário do Estado de São Paulo.

• 1893 • Criação da Repartição de Águas e Esgotos e deArrecadação das Taxas de Águas da Capital, vinculada àSecretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas • Fun-dação da Escola Politécnica de São Paulo.

• 1894 • Publicação do Código Sanitário do Estado de SãoPaulo pelo Decreto Estadual 233, no qual pela primeira vezse faz referência ao termo poluição.

• 1897 • Primeira concessão para realizar serviços deviação por eletricidade na cidade de São Paulo.

• 1899 • Decreto Federal 3.349 concede autorização à empre-sa The São Paulo Railway Light and Power para funcionar nopaís.

Século XX

• 1901 • Início de funcionamento no curso do rio Tietê,da Usina Santana do Parnaíba (depois Edgar de Souza), daThe São Paulo Railway Light and Power, com doisalternadores de 100kW cada.

• 1902 • Decreto 1.077 cria a Comissão de Saneamentode Santos.

• 1903 • Crise no abastecimento de água em São Paulodevido à estiagem.

• 1906 • Lei 1.016B autoriza a construção do Reservatóriode Guarapiranga • Criação do Serviço Geológico eMineralógico do Brasil (SGMB).

• 1908 • Formação do Reservatório Guarapiranga paraampliar os volumes regularizados do Alto Tietê.

• 1909 • Criação da Inspetoria Geral de Obras Contra asSecas • Criação do Instituto Nacional de Meteorologia (IN-MET).

• 1912 • Criação da Companhia Paulista de Força e Luz.

• 1914 • Epidemia de febre tifóide nos bairros baixos,devido ao alto grau de poluição do rio Tietê.

• 1916 • Lei Federal 3.071 estabelece o Código Civil, noqual constam aspectos referentes à utilização das águas.•1917 • Fundação do Instituto de Engenharia de São Paulo.

• 1920 • Criação da Comissão de Estudos de Forças Hidráuli-cas.

• 1922 • Saturnino de Brito, contratado pela administra-ção municipal, apresenta plano global de aproveitamentodas águas da Bacia do Alto Tietê. A vazão do rio, entre 6 e500 m³/s, seria regularizada em 20m³/s durante o ano intei-ro.

•1924 • Paulo Carlos Botelho de Campos, presidente deSão Paulo, regulamenta a profissão de engenheiro.

• 1925 • Governo do Estado inicia as obras de represa-mento do Alto Tietê com a captação das águas do rio Claro,devido à ocorrência de grande estiagem na região.

• 1926 • Criação da Comissão de Obras Novas da Capitalpara organizar e dirigir as obras de aproveitamento defini-tivo do rio Claro.

• 1927 • Decreto 2.249 autoriza The São Paulo RailwayLight and Power a construir barragens no Alto Tietê, con-duzindo as águas para seus reservatórios no rio Grande.

• 1928 • Decreto 4.487 autoriza The São Paulo RailwayLight and Power a retificar o leito do Pinheiros, invertendoo curso do rio, a fim de lançar suas águas na represa do rioGrande e gerar energia em Cubatão; concede à empresa odireito de represar o Alto Tietê e construir um sistema detransporte fluvial de cargas entre São Paulo e Santos; au-toriza a empresa a desapropriar as áreas alagáveis do rioPinheiros e vendê-las após a operação; permite que o go-verno do Estado retire 4m³/s da represa Guarapiranga parao abastecimento da cidade.

• 1929• Criação da Divisão de Engenharia Sanitária noInstituto de Engenharia de São Paulo.

• 1930 • Decreto Estadual 4.709 autoriza o represamentode vários rios da Bacia do Alto Tietê (Taiaçupeba-Açu, Tai-açupeba-Mirim, Jundiaí, Biritiba e Ribeirão Grande).

• 1932 • Criação do Conselho Federal e do Conselho Regi-onal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea eCREA).

• 1933 • Criação da Diretoria de Águas, logo transforma-da em Serviço de Águas, no Ministério da Agricultura.

• 1934 • Inclusão do Serviço de Águas na estrutura doDepartamento Nacional da Produção Mineral (DNPM).

Edição do Código Florestal, do Código de Águas, e doCódigo de Minas.

• 1940 • Decreto 6.402 transforma o Serviço de Água naDivisão de Águas • Decreto 10.890 cria a Comissão de In-vestigação da Poluição das Águas no Estado de São Paulo.

65

• 1945 • Criação da Companhia Hidroelétrica do São Fran-cisco (Chesf) • Criação do Departamento Nacional de ObrasContra as Secas (DNOCS).

• 1946 • Promulgação da Constituição da República dosEstados Unidos do Brasil.

• 1947 • Governo Adhemar de Barros elabora primeiroplano conjunto de águas e esgotos da Capital.

• 1948 • Criação da Codevasf.

• 1951 • Lei 1.561 codifica as normas sanitárias do Esta-do de São Paulo • Realização do Plano de Metas do Go-verno Juscelino Kubitschek • Decreto Federal 29.387 ou-torga à Companhia Brasileira de Alumínio a concessão parao aproveitamento hidráulico no rio Juquiá-Guaçu • Lei 1.350cria o Departamento Estadual de Águas e Energia Elétrica(DAEE).

• 1952 • Criação do Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social • Criação das Centrais Elétricas de Mi-nas Gerais (Cemig).

• 1953 • Aprovação da Lei Estadual 2.182 sobre controleda poluição ambiental, e criação do Conselho Estadual deControle de Poluição das Águas • Criação das UsinasHidroelétricas do Paranapanema S.A.(Uselpa) • Elabora-ção do Plano Estadual de Energia de São Paulo e criação doFundo Estadual de Energia • Contratação pelo Departa-mento de Águas e Esgotos para elaboração “Plano Greeley& Hansen” para o saneamento da área metropolitana deSão Paulo.

• 1954 • Lei 2.309 cria o Fundo Federal de Eletrificação •Elaboração do Plano Nacional de Eletrificação • Criação doDepartamento de Águas e Esgotos, em substituição à RAE,para gerir os serviços de águas e esgotos de São Paulo,São Bernardo, Guarulhos, São Caetano e Santo André.

•1955 • Criação da Comissão Industrial de Controle dePoluição do Alto Tamanduateí.

• 1957 • Criação de Furnas - Centrais Elétricas S. A.

• 1958 • Convênio entre o governo do Estado e The SãoPaulo Railway Light and Power estabelece o compromissodo Estado de pagar em moeda corrente ou em volume deobras o total da água que retirar para abastecimento públi-co.

• 1959 • Decreto Federal 46.254 autoriza o Estado de SãoPaulo a derivar as águas dos rios Capivari e Monos para oReservatório Billings, a fim de compensar a diminuição deenergia gerada em Cubatão pela retirada de 5,5m³/s doReservatório Guarapiranga.

• 1960 • Criação do Ministério de Minas e Energia •Criação da Companhia Hidroelétrica do Rio Pardo (Cherp)• Criação da Comissão Intermunicipal de Controle de Polui-ção das Águas e do Ar (CICPAA).

• 1961 • Transferência do DNPM para o Ministério deMinas e Energia • Criação das Centrais Elétricas deUrubupungá S. A. (CELUSA).

• 1962 • Criação das Centrais Elétricas Brasileiras S.A.(Eletrobras).

• 1965 • Lei 4.771, de 15 de setembro, edita novo CódigoFlorestal • Lei 4.904/65 transforma Divisão de Águas noDepartamento Nacional de Águas e Energia (DNAE) • De-creto Estadual 24.806 estabelece a classificação das águasdo Estado de São Paulo • DAEE contrata a elaboração doPlano de Desenvolvimento dos Recursos Hídricos das Baci-as do Alto Tietê e Cubatão (Convênio Hibrace).

• 1966 • Início das obras do Sistema Cantareira concluí-das com a construção do Sistema Jaguari, em 1972 • Cria-ção da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária eAmbiental (Abes) • Decreto Federal 59.851 autoriza o fun-cionamento das Centrais Energéticas de São Paulo (Cesp).

• 1967 • Decreto Estadual 47.863 cria o Conselho Estadu-al de Desenvolvimento da Grande São Paulo e o GrupoExecutivo da Grande São Paulo (Gegran) que passa a for-mular o Plano Metropolitano Integrado (PMDI).

• 1968 • Decreto 63.951 altera denominação do DNAE paraDepartamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE)• Lei 1.017 cria Fundo Estadual de Saneamento Básico •Criação do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e doSistema Financeiro de Saneamento (SFS).

• 1969 • Promulgação da nova Constituição Brasileira peloAto Institucional 1.Decreto-Lei 689 extingue o ConselhoNacional de Águas e Energia Elétrica (CNAEE), cujas atri-buições passam à competência do DNAEE • Criação da Com-panhia Metropolitana de Água de São Paulo (Comasp) •Decreto Complementar Estadual número 4 cria a Superin-tendência para o Desenvolvimento do Litoral Paulista(Sudelpa).

• 1970 • Decreto-Lei Estadual 232 cria a Superintendênciade Saneamento Ambiental vinculada à Secretaria da Saú-de, para o controle da poluição atmosférica e de vetoresde doenças que recebe o patrimônio da CICPAA.

•1971 • Implantação do Plano Nacional de Saneamento(Planasa) • Apresentação do projeto Solução Integrada parao Saneamento Ambiental da Grande São Paulo e o Plane-jamento dos Recursos Hídricos Metropolitanos, como partedo PMDI.

• 1972 • Promulgação da primeira lei sobre Uso do SoloMunicipal em São Paulo.

• 1973 • Criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente(Sema) no âmbito do Ministério do Interior, e início dacriação dos órgãos estaduais de meio ambiente • Lei Com-plementar Federal 14 estabelece as regiões metropolita-nas • Lei Estadual 118 autoriza a criação da Companhia Esta-dual de Tecnologia de Saneamento Básico e de Controle dePoluição das Águas (Cetesb), vinculada à Secretaria de Servi-ços e Obras Públicas • Lei Estadual 119 autoriza a criação daCompanhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo(Sabesp).

• 1974 • Lei Estadual Complementar 94 dispõe sobre oestabelecimento da Região Metropolitana de São Paulo(RMSP), cria o Conselho de Desenvolvimento da GrandeSão Paulo (Codegran), o Conselho Consultivo da GrandeSão Paulo (Consulti), o Fundo Metropolitano de Financia-mento e Investimento (Fumefi) e a Empresa Metropolitanade Planejamento da Grande São Paulo (Emplasa) • Criação

66

ria Estadual dos Negócios Metropolitanos à qual passa asubordinar-se o Sistema Metropolitano • Portaria Federalautoriza a Sabesp a reverter o rio Piracicaba • Apresenta-ção do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), noqual um capítulo especial é dedicado ao controle da polui-ção.

• 1975 • Portaria Federal 270 autoriza a constituição deComissão Especial para definir as normas de operação doReservatório Billings e de bombeamento de águas do rioPinheiros • Decretos Federais 1.413 e 76.389 definem me-didas de prevenção e controle da poluição ambiental. Au-torizam ainda a criação de sistemas de licenciamento nosEstados e Municípios para o funcionamento de atividadesindustriais • Decreto Federal 5.993 unifica a estratégia decontrole de poluição das águas, do ar e do solo no Estadode São Paulo, e altera a denominação da Cetesb para Com-panhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Básico eDefesa do Meio Ambiente, passando a incorporar as atribui-ções da Susam • Decreto Estadual 6.303 estabelece a com-petência da Cetesb para exercer fiscalização e aplicar pena-lidades • Lei Estadual 898 estabelece a Proteção dos Ma-nanciais Metropolitanos • Decreto 611 cria a Secretaria dosNegócios Metropolitanos e institui o Sistema de Planeja-mento Metropolitano.

• 1976 • Portaria GM-013 classifica as águas interiores •Enquadramento das águas federais na classificação seráestabelecida pela Sema, ouvido o DNAEE • Lei Estadual997 dispõe sobre o controle da poluição no Estado de SãoPaulo.

• 1977 • Decreto Estadual 10.755 dispõe sobre o enquadra-mento dos corpos d’água no Estado de São Paulo • PlanoDiretor de Esgotos “Saneamento da Grande São Paulo”(Sanegran) é apresentado em substituição à “Solução In-tegrada”.

• 1978 • Portaria Interministerial 90 cria o comitê especi-al CEEIBH, incumbido da classificação dos cursos d’água daUnião, do estudo integrado e do acompanhamento da uti-lização racional dos recursos hídricos das bacias hidrográ-ficas dos rios federais, para obter o aproveitamento múlti-plo de cada uma • Portaria 1.832 estabelece que somenteserão apreciados pelo DNAEE os pedidos de concessão ouautorização para derivar águas públicas federais para apli-cações da indústria que apresentarem sistemas de trata-mento dos efluentes aprovados pela SEMA ou por órgãosregionais devidamente credenciados • Lei Estadual 1.817estabelece os objetivos e as diretrizes do desenvolvimentoindustrial metropolitano.

• 1979 • Lei Federal 6.766 (Lei Lehman) dispõe sobre oparcelamento do solo urbano • Portaria Interministerial003 aprova o regimento do Comitê Especial de EstudosIntegrados de Bacias Hidrográficas (CEEIBH).

• 1980 • Lei Federal 6.803 dispõe sobre o zoneamentoindustrial em áreas críticas de poluição • DNAEE iniciadiagnóstico de 2,5 millhões de km² de bacias hidrográficaspara a classificação das águas e o início de um processo degerenciamento co-participativo.

• 1981 • Lei 6.938 dispõe sobre a Política Nacional deMeio Ambiente.

• 1983 • Decreto Estadual 20.903 cria o Conselho Estadu-al de Meio Ambiente (Consema).

• 1984 • CPI de recursos hídricos, início das atividades doConselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e edição doRelatório da Qualidade do Meio Ambiente (RQMA) pela Sema• Elaboração do Primeiro Plano Nacional de Recursos Hídricos.

• 1985 • Criação do Ministério Extraordinário da Irrigação,com o Programa Nacional de Irrigação (Proni) e o Programade Irrigação do Nordeste (Proine).

• 1986 • Resolução Conama 20 estabelece a classificaçãodas águas doces, salobras e salinas no território nacionalem nove classes, segundo seus usos preponderantes • De-creto 24.933 cria a Secretaria do Meio Ambiente do Estadode São Paulo.

• 1987 • Decreto 25.576 cria o Conselho Estadual dosRecursos Hídricos.

• 1988 • Promulgação da Constituição Federal que cria oSistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

• 1989 • Lei 7.990 institui para os Estados, o DistritoFederal e os Municípios compensação financeira pelo resul-tado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursoshídricos para a geração de energia elétrica, de recursosminerais em seus respectivos territórios, plataforma conti-nental, mar territorial ou zona econômica exclusiva • Lei7.735 cria o Ibama pela fusão da Sema, IBDF, Sudhevea eSudepe.

• 1992 • Conferência das Nações Unidas sobre Meio Am-biente e Desenvolvimento na cidade do Rio de Janeiro •Lei Estadual 7.750 dispõe sobre a Política Estadual de Sa-neamento.

• 1995 • Criação da Secretaria de Recursos Hídricos Sane-amento e Obras.

• 1996 • Lei 9.427 cria a Agência Nacional de EnergiaElétrica (Aneel), autarquia sob regime especial, com a fina-lidade de regular e fiscalizar a produção, transmissão, dis-tribuição e comercialização da energia elétrica, de acordocom a legislação específica e em conformidade com as dire-trizes do governo federal.

• 1997 • Lei 9.433 estabelece a Política Nacional de Re-cursos Hídricos e o Sistema Nacional de Gerenciamento deRecursos Hídricos

• 1998 • Lei 9.605, conhecida como a Lei de Crimes Am-bientais, é sancionada • Decreto 2.619 regulamenta o Con-selho Nacional de Recursos Hídricos.

• 2000 • Lei 9.984 dispõe sobre a criação da AgênciaNacional de Águas (ANA), entidade federal de implantaçãoda Política Nacional de Recursos Hídricos e de coordenaçãodo Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos• Lei n° 9.985 cria o Sistema Nacional de Unidades deConservação da Natureza.

• 2004 • Lei 10.881 dispõe sobre os contratos de ges-tão entre a Agência Nacional de Águas e entidadesdelegatárias das funções de Agências de Águas relati-vas à gestão de recursos hídricos de domínio da Uniãoe dá outras providências.

Fontes: Azevedo Netto (1984); Freitas (2001); Oliveira(1995).

67

AS LEIS E AS ÁGUAScapítulo 3

isso de quererser exatamente aquilo

que a gente éainda vai

nos levar alémPaulo Leminski

68

A evolução da legislação de águas:da visão exploratória ao planejamento

A exuberância dos recursos naturais criou, entre nós, desde o Descobrimento do Brasil, a cultu-

ra da abundância que permitiu explorá-los sem qualquer preocupação com uma futura escassez.

Isso se evidencia quando analisamos a evolução da legislação das águas e verificamos que as

primeiras leis que regulamentaram o assunto trazem preocupações fundamentalmente voltadas ao

domínio dos recursos naturais.

Durante o Império, e até o fim da República Velha, em 1930, a grande preocupação foi a

ocupação do território nacional, o que se deu de forma predatória, em decorrência principalmente

do incentivo à exportação desordenada dos recursos naturais e à expansão das atividades agrícolas

voltada à monocultura cafeeira. Nessa fase, as referências legais à utilização dos recursos naturais

e à proteção da saúde humana são incipientes.

A primeira norma de cunho ambiental de que se tem notícia são as chamadas Posturas Muni-

cipais, editadas por D. Pedro I, em 1828, e que no artigo 66 deliberavam sobre a limpeza e a

conservação de fontes, aquedutos e águas infectas, em benefício comum dos habitantes.

Embora a Constituição Republicana de 1891 não tenha disciplinado a questão, atribuiu ao

Congresso Nacional competência para legislar sobre a navegação dos rios que banhassem mais de

um Estado ou se estendessem a territórios estrangeiros.

Em 1916, o Código Civil estabelece no artigo 554 que o proprietário ou inquilino de um prédio

tem o direito de impedir que o mau uso da propriedade vizinha possa prejudicar a segurança, o

sossego e a saúde dos que o habitam. Traz também referências às águas correntes e pluviais, ao

direito de caça e pesca.

O início da preocupação dos legisladores com a utilização das águas data de 1907, quando

Alfredo Valladão elaborou um Projeto do Código de Águas que já trazia normas submetendo o uso

do recurso ao controle da autoridade pública, no interesse da saúde e segurança, e preceituava que:

a ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas que não consome, com prejuízo de

terceiros.

O Velho Código, que se encontra ainda em vigor, enfoca primordialmente os aspectos

dominiais das águas e seu aproveitamento hidráulico, sendo que, alguns mecanismos que pode-

riam funcionar como proteção dos recursos hídricos deixaram de ter efetividade por falta de

regulamentação. Além disso, vários de seus dispositivos não foram acolhidos pelas Constituições

posteriores e estão revogados.

69

O Código Penal de 1940 pune a corrupção ou po-luição de água potável, de uso comum ou particular, tor-nando-a imprópria para consumo com dois a cinco anos dereclusão.

A Constituição de 1946 procurou regulamentara utilização dos recursos naturais, visando à explora-ção econômica dos mesmos, de acordo com os princí-pios que a nortearam, dando ênfase à livre iniciativae à propriedade privada, reservando à União a com-petência para legislar sobre as águas.

O Código Nacional de Saúde, de 1961, represen-tou uma inovação no que se refere à proteção de águas.Sujeita os serviços de saneamento e de abastecimentoà orientação e fiscalização das autoridades sanitáriascompetentes; prevê o tratamento prévio das águasresiduárias de qualquer natureza que alterem preju-dicialmente a composição das águas receptoras; obrigaas indústrias a submeterem planos de resíduos líqui-dos, sólidos ou gasosos à autoridade sanitária compe-tente, e as indústrias já instaladas a se adaptarem àsnovas normas, corrigindo os inconvenientes e prejuí-zos da poluição e contaminação de águas receptoras.

O Decreto 50.877, de 23 de julho de 1961, dis-põe que os resíduos líquidos ou gasosos, domiciliaresou industriais, somente poderão ser lançados às águas“in natura”, ou depois de tratados, quando essa ope-ração não implique a poluição das águas receptoras.

O Código Florestal – Lei 4.771, de 15 de setem-bro de 1965 –, e suas alterações posteriores, consi-deraram como de preservação permanente as florestase formas de vegetação natural situadas ao longo dosrios ou de qualquer curso d’água, entre outros, esta-belecendo parâmetros para garantir essa proteção.

A Política Nacional de Saneamento, instituídapela Lei 5.318, de 1967, trata do abastecimento deágua, sua fluoretação e destinação de dejetos, esgo-tos pluviais e drenagem, controle da poluição ambi-ental e controle de inundações e de erosões.

A Constituição Federal de 1967 e a Emenda Cons-titucional 1/69 enfatizaram a política desenvolvimen-tista da época, estabelecendo algumas regras genéricase mantendo a competência da União para legislar so-bre as águas.

Na década de 1970, com a institucionalizaçãodas regiões metropolitanas, a preocupação com o pla-nejamento e com a gestão das águas ganhou espaçonos Planos Regionais de Desenvolvimento. Nesse mo-

mento, tornou-se necessário pensar em planejar a uti-lização da água, a exemplo da Região Metropolitanade São Paulo, o que esbarrava no desafio de comogarantir o abastecimento público adequado de umadas maiores concentrações populacionais do mundosem prejudicar a produção energética, vital para odesenvolvimento industrial.

A partir de 1975, vários Estados passam a criarsuas legislações, prevendo restrições e penalidadespara os infratores, como, por exemplo, as Leis de Pro-teção aos Mananciais.

Outros documentos legais merecem ser citados,como o Decreto 76.389, de 3 de outubro de 1975,que dispõe sobre as medidas de prevenção e controleda poluição industrial (de que trata o Decreto-Lei1.413, de 14 de agosto de 1975); o Decreto 79.367,de 9 de março 1977, que dispõe sobre normas e opadrão de potabilidade; e ainda a Lei 6.662, de 1979,que estabeleceu a Política Nacional de Irrigação como objetivo de aproveitamento racional dos recursoshídricos e solos para implantação e desenvolvimentoda agricultura irrigada.

O agravamento dos problemas e a necessidadede conciliar os vários usos indicavam que era neces-sário integrar as ações dentro de uma perspectiva deplanejamento e de uma visão sistêmica.

Como exemplo dessa nova preocupação, vale apena citar o Decreto 87.561, de 13 de novembro de1982, que prevendo medidas ambientais para a BaciaHidrográfica do Rio Paraíba do Sul utiliza pela pri-meira vez a bacia hidrográfica como unidade de ges-tão; prevê um macrozoneamento que indica zonasindustriais, de expansão urbana, de agricultura, deproteção ambiental, determina a implantação de sis-temas de abastecimento de água e tratamento de es-gotos em todas as cidades da bacia hidrográfica; dispõesobre controle da poluição industrial e incentivos fi-nanceiros governamentais.

A década de 1980 traz a mobilização de váriasentidades públicas e privadas de recursos hídricos,com o fim de ampliar a discussão sobre a gestão daágua. Como resultado várias leis foram aprovadas,entre as quais se destaca a Lei 7.347, de 24 de julhode 1985, que estabelece a utilização de Ação CivilPública por danos causados ao meio ambiente, aoconsumidor, a bens e direitos de valor artístico, esté-tico, histórico, turístico e paisagístico, e o Plano

70

renciamento Costeiro instituído em 1989 pelaLei 7.661, de 16 de maio.

A Resolução 20, do Conama, de 1986, que fixaparâmetros para a classificação das águas doces, sali-nas e salobras, segundo seus usos predominantes, cons-titui outro instrumento importante no controle dapoluição hídrica.

Após a promulgação da Constituição de 1988, omeio ambiente adquire novo patamar institucional, esurgem instrumentos como a Ação Popular Ambien-tal e o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, que setornarão ferramentas fundamentais para a proteçãoambiental. Contudo, não trata o assunto com profun-didade, mantendo a competência exclusiva da Uniãoem legislar sobre águas e alterando alguns aspectosreferentes ao domínio hídrico. Vale destacar que in-cluiu entre os bens dos Estados as águas subterrâne-as, cujo domínio não era definido pelas Cartasanteriores. Direciona, entretanto, no artigo 24, inci-so XIX, para a instituição de um Sistema Nacional deRecursos Hídricos.

Com a promulgação das Constituições Estaduaisem 1989, também em nível estadual são incorpora-dos artigos ou capítulos inteiros voltados à proteçãoambiental, seguidos pelas leis municipais que vêmigualmente tratando da questão.

No caso da Constituição Paulista avança-se mui-to, e surge um capítulo dedicado à gestão integradadas águas, propondo um gerenciamento descentrali-zado e participativo, que adota a bacia hidrográficacomo unidade físico-territorial de planejamento e ge-renciamento e reconhece os recursos hídricos comobem público, de valor econômico, cuja utilização deveser cobrada, observados os aspectos de quantidade,qualidade e as peculiaridades das bacias.

Como desdobramento do texto constitucional,o Estado de São Paulo promulga a Lei 7.663/91 quetraz como pontos fundamentais à utilização racionaldas águas e sua prioridade para o abastecimento daspopulações, o aproveitamento múltiplo, a preserva-ção e a proteção contra as ações que possam compro-meter o seu uso atual e futuro, e um novo modelo degestão.

O modelo paulista serve de inspiração para vá-rios Estados que passam a instituir suas políticas, comoé o caso do Ceará, que em 1992 promulga a Lei 11.992

cuja regulamentação propiciou a cobrança pelo usoda água.

Outro marco importante para a gestão dos re-cursos hídricos foi a Lei 9.427, de 26 de dezembrode 1996, que instituiu a Agência Nacional de EnergiaElétrica (ANEEL), destinada a disciplinar o regime dasconcessões de serviços públicos de energia elétrica.

O Projeto de Lei Federal 2.249/91, que deu ori-gem à Lei 9.433/97, da Política Nacional de RecursosHídricos, incorpora os conceitos propostos pela leipaulista. Essa lei institucionaliza a política e o siste-ma de gerenciamento integrado, descentralizado eparticipativo em contraposição ao cenário vigente atéentão, no qual os assuntos atinentes às águas eramtratados de forma não compartilhada e freqüentementeconflitante. Fica, então, instituída a Política Nacio-nal de Recursos Hídricos e criado o Sistema Nacionalde Gerenciamento de Recursos Hídricos, que adota abacia hidrográfica como unidade territorial de ges-tão e declara a água bem de domínio público, dotadode valor econômico, cujos usos prioritários são o con-sumo humano e a dessedentação de animais, preven-do, entretanto, o uso múltiplo das águas.

Em 28 de janeiro de 1998 é aprovada a Lei 9.605– a Lei de Crimes Ambientais –, estabelecendo sançõesdo ponto de vista penal, administrativo e civil àque-las condutas e atividades consideradas lesivas ao meioambiente, e que foi regulamentada pelo Decreto 3.179,de 21 de setembro de 1999, representando um im-portante instrumento para o controle ambiental.

A regulamentação do Conselho Nacional de Re-cursos Hídricos, por meio do Decreto 2.612, de 3 dejunho de 1998, também representou um passo im-portante para a consolidação do Sistema Nacional deRecursos Hídricos.

Mais recentemente foi criada a Agência Nacio-nal de Águas (ANA), entidade federal para a implan-tação da Política Nacional de Recursos Hídricos e decoordenação do Sistema Nacional de Gerenciamentode Recursos Hídricos, pela Lei 9.984, de 17 de julhode 2000.

71

As águas nas constituições federais

O Brasil conta até os dias de hoje com sete Constituições, tendo sido promulgada a primeira,

ainda no Império, e as demais após a proclamação da República. Embora as Constituições anterio-

res a 1988 não trouxessem qualquer referência à proteção ambiental, sempre houve certa preocupa-

ção em relação às águas.

As Constituições Republicanas fazem referência ao domínio das águas e à competência da

União de legislar sobre elas. Também a navegação de cabotagem e o aproveitamento hidráulico das

águas mereceram atenção dos legisladores. Procuramos destacar essas regras, para que se tenha

uma visão geral de como as águas vêm sendo tratadas nos textos constitucionais.

A Constituição de 1824

A primeira Constituição Brasileira, a Constitui-ção Política do Império do Brasil, foi outorgada por D.Pedro I, em 25 de março de 1924, para atender ainteresses dominantes da sociedade brasileira e, emespecial, dos grandes fazendeiros detentores do po-der político.

O texto constitucional, embora garanta a pro-priedade em sua plenitude, não traz qualquer refe-rência específica quanto ao domínio e à utilizaçãodas águas.

A Constituição de 1891

Com a Proclamação da República, a nova Cons-tituição da República dos Estados Unidos do Brasil,de 24 de fevereiro de 1891, é promulgada pelo Con-gresso Constituinte, com o objetivo de organizar umregime livre e democrático, e ao definir as atribui-ções do Congresso estabelece:

Art. 34 - Compete privativamente ao CongressoNacional:

.........................................6º) legislar sobre a navegação dos rios que ba-

nhem mais de um Estado, ou se estendam a territórios es-trangeiros;

.........................................

A Constituição de 1934

A Assembléia Nacional Constituinte de 1934,instituída para organizar um regime democrático quepudesse assegurar à Nação a unidade, a liberdade, ajustiça e o bem-estar social e econômico, decretou epromulgou, em 16 de julho, uma nova Constituição.Embora tenha nacionalizado as jazidas de minério eos recursos hídricos no Brasil, separando da proprie-dade as riquezas do subsolo e as quedas d’água paraefeito de exploração e aproveitamento, não tinha pro-priamente uma visão preservacionista.

A Constituição de 1934 mantém a competênciaprivativa da União para legislar sobre as águas.

Art. 5º - Compete privativamente à União:................................XIX - legislar sobre:................................J) bens do domínio federal, riquezas do subsolo,

mineração, metalurgia, águas, energia hidrelétrica, flo-restas, caça e pesca e a sua exploração;

................................

O texto faz também referência ao domínio daságuas, definindo as que pertencem à União, estabele-cendo, entretanto, que as margens dos rios e lagosnavegáveis destinados ao uso público permanecerãosob o domínio dos Estados, se por algum título nãoforem do domínio federal, municipal ou particular.

72

Art. 20 - São do domínio da União:..................................II - os lagos e quaisquer correntes em terrenos do

seu domínio ou que banhem mais de um Estado, sirvam delimites com outros países ou se estendam a território es-trangeiro;

..................................

A Constituição de 1937

Centralizadora e autoritária, a Constituição de10 de novembro de 1937, decretada por Getúlio Var-gas, mantém sob domínio da União os lagos e quais-quer correntes em terrenos que lhe pertençam, ou quebanhem mais de um Estado, sirvam de limites comoutros países ou se estendam a territórios estrangei-ros.

Quanto à competência legislativa, mantém acompetência privativa da União não só sobre as águascomo também sobre a energia hidráulica.

Art. 16 - Compete privativamente à União o po-der de legislar sobre as seguintes matérias:

.............................XIV - os bens do domínio federal, minas, meta-

lurgia, energia hidráulica, águas, florestas, caça e pesca esua exploração;

.............................

Mesmo nas matérias de competência exclusivada União, abre-se a possibilidade de a lei poder dele-gar aos Estados a faculdade de legislar, seja para re-gular a matéria, seja para suprir as lacunas dalegislação federal quando se trate de questão que in-teresse, de maneira predominante, a um ou a algunsEstados. Nesse caso, a lei votada pela Assembléia Esta-dual só entrará em vigor mediante aprovação do go-verno federal.

Art. 18 - Independentemente de autorização, osEstados podem legislar, no caso de haver lei federal sobre amatéria, para suprir-lhes as deficiências ou atender àspeculiaridades locais, desde que não dispensem ou dimi-nuam es exigências da lei federal, ou, em não havendo leifederal e até que esta regule, sobre os seguintes assuntos:

...................................a) riquezas do subsolo, mineração, metalurgia,

águas, energia hidrelétrica, florestas, caça e pesca e suaexploração;

...................................

Quanto ao domínio, a Constituição de 1937 re-pete a de 1934, e inova ao regrar o aproveitamentoindustrial das águas para geração da energia hidráuli-ca, estabelecendo no artigo 143:

Art. 143 - As minas e demais riquezas do subsolo,bem como as quedas d’água constituem propriedade dis-tinta da propriedade do solo para o efeito de exploraçãoou aproveitamento industrial. O aproveitamento indus-trial das minas e das jazidas minerais, das águas e da ener-gia hidráulica, ainda que de propriedade privada, depen-de de autorização federal.

§ 1º - A autorização só poderá ser concedida abrasileiros, ou empresas constituídas por acionistas brasi-leiros, reservada ao proprietário preferência na explora-ção, ou participação nos lucros.

§ 2º - O aproveitamento de energia hidráulica depotência reduzida e para uso exclusivo do proprietárioindepende de autorização.

§ 3º - Satisfeitas as condições estabelecidas emlei entre elas a de possuírem os necessários serviços técni-cos e administrativos, os Estados passarão a exercer den-tro dos respectivos territórios, a atribuição constante des-te artigo.

§ 4º - Independe de autorização o aproveita-mento das quedas d’água já utilizadas industrialmente nadata desta Constituição, assim como, nas mesmas condi-ções, a exploração das minas em lavra, ainda que transi-toriamente suspensa.

O texto constitucional vai além ao determinar anacionalização progressiva das minas, jazidas mine-rais e quedas d’água ou outras fontes de energia, as-sim como das indústrias consideradas básicas ouessenciais à defesa econômica ou militar do País.

A Constituição de 1946

A Assembléia Constituinte promulga em 16 desetembro de 1946 a nova Constituição dos EstadosUnidos do Brasil, que mantém a competência da Uniãode legislar sobre as riquezas do subsolo, mineração,metalurgia, águas, energia elétrica, floresta, caça epesca, e também determina que essa competência nãoexclui a legislação estadual supletiva ou complemen-tar (art. 5º XV l). Compete, portanto, ao CongressoNacional, legislar sobre bens do domínio federal esobre todas as matérias da competência da União.

Com relação ao domínio, a Constituição man-tém entre os bens da União os lagos e quaisquer cor-rentes d’água em terrenos do seu domínio ou quebanhem mais de um Estado, sirvam de limite com ou-tros países ou se estendam a território estrangeiro,além das ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofescom outros países. Como novidade, faz referência es-pecífica aos bens dos Estados.

73

Art. 35 - Incluem-se entre os bens do Estado oslagos e rios em terrenos do seu domínio e os que têm nas-cente e foz no território estadual.

Também aqui a Constituição se preocupou comas quedas d’água, minas e demais riquezas do subso-lo, considerando-as como propriedade distinta da pro-priedade do solo para os fins de aproveitamentoindustrial e exploração.

Embora defina que esse aproveitamento depen-de de autorização ou concessão federal, estabeleceque essa atribuição passará a ser exercida pelos Esta-dos, desde que tenham os necessários serviços técni-cos e administrativos.

Art. 153 - O aproveitamento dos recursos mine-rais e de energia hidráulica depende de autorização ouconcessão federal na forma da lei.

§ 1º - As autorizações ou concessões serãoconferidas exclusivamente a brasileiros ou a sociedadesorganizadas no País, assegurada ao proprietário do solopreferência para a exploração. Os direitos de preferênciado proprietário do solo, quanto às minas e jazidas, serãoregulados de acordo com a natureza delas.

§ 2º - Não dependerá de autorização ou conces-são o aproveitamento de energia hidráulica de potênciareduzida.

§ 3º - Satisfeitas as condições exigidas pela lei,entre as quais a de possuírem os necessários serviços técni-cos e administrativos, os Estados passarão a exercer nosseus territórios a atribuição constante deste artigo.

§ 4º - A União, nos casos de interesse geral indi-cados em lei, auxiliará os Estados nos estudos referentes àságuas termominerais.

A Constituição de 1946 tem o mérito de intro-duzir em seu texto a desapropriação por interessesocial que, regulamentada pela Lei 4.132/62, consi-derou de interesse social a proteção do solo e a pre-servação de cursos e mananciais de água e de reservasflorestais (art. 141, § 16).

A Constituição de 1967

A Constituição Federal, de 24 de janeiro de 1967,reiterou os preceitos da Carta de 1946, no que con-cerne ao domínio das águas.

Art. 4° - Incluem-se entre os bens da União:...................................II - os lagos e quaisquer correntes de água em

terrenos do seu domínio, ou que banhem mais de um Esta-do, que sirvam de limite com outros países ou se estendama território estrangeiro, as ilhas oceânicas, assim como as

ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outrospaíses;

................................Art. 5º - Incluem-se este os bens dos Estados os

lagos e rios em terrenos do seu domínio e os que têm nas-cente e foz no território estadual, as ilhas fluviais e lacustrese as terras devolutas não compreendidas no artigo anteri-or.

Também do ponto de vista da competência le-gislativa, é mantida a prerrogativa da União de legis-lar sobre as águas.

Art. 8º - Compete à União:...................................VII - legislar sobre:l) águas, energia elétrica e telecomunicações;...................................

A Emenda Constitucional 1/69

A Emenda Constitucional 1, de 17 de outubrode 1969, segue exatamente a mesma linha da Consti-tuição emendada.

Art. 4° - Incluem-se entre os bens da União:

...................................II - os lagos e quaisquer correntes de água em

terrenos do seu domínio ou que banhem mais de um Esta-do, constituam limite com outros países ou se estendam aterritório estrangeiro, as ilhas oceânicas, assim como asilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outrospaíses;

...................................

Quanto ao domínio dos Estados, a Emenda Cons-titucional define os bens dos Estados, incluindo en-tre eles os rios que têm nascente e foz em seu território.

Art. 5º - Incluem-se entre os bens dos Estados oslagos em terrenos do seu domínio, bem como os rios quetêm nascente e foz, as ilhas fluviais e lacustres e as terrasdevolutas não compreendidas no artigo anterior.

Também do ponto de vista da competência le-gislativa, a Emenda Constitucional de 1969 não inova.

Art. 8º - Compete à União:...................................XVII - legislar sobre:l) águas, telecomunicações, serviço postal e

energia (elétrica, térmica, nuclear ou qualquer outra);...................................

74

A Constituição de 1988

A Constituição de 1988 trouxe um avançadoconjunto de normas inspiradas no conceito de sus-tentabilidade centrado na noção de partilha dos re-cursos naturais entre gerações presentes e futuras. Ocapítulo sobre o meio ambiente, onde estão estabele-cidos os princípios da Política Nacional do Meio Am-biente, ao determinar que todos têm direito ao meio ambienteecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo eessencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao PoderPúblico e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lopara as presentes e futuras gerações, traz um novo para-digma para a gestão dos recursos naturais.

Além disso, dá a característica de direito a to-dos os cidadãos de conviverem com um meio ambienteecologicamente equilibrado, e vai mais longe ao estabe-lecer que defender e preservar esse direito é uma obri-gação não só do poder público, mas de toda acoletividade.

Embora a Constituição de 1988 tenha ratificadoa competência de legislar sobre as águas como exclu-siva da União (art. 22, IV), ela adotou em relação aomeio ambiente um sistema de competências concor-rentes, estabelecendo que é competência comum daUnião, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municí-pios proteger o meio ambiente e combater a poluição emqualquer de suas formas (art. 23, VI).

Como decorrência, torna-se permitido aos Esta-dos e Municípios legislar sobre a proteção dos recur-sos naturais (competência concorrente) e entre elesas águas (competência exclusiva). Cabe, entretanto,salientar que por esse sistema caberá à União estabe-lecer as regras gerais, aos Estados estabelecer normassuplementares sobre a mesma matéria, suprindo a ine-xistência de norma federal, ou complementando-a, eaos Municípios suplementar e complementar as nor-mas federais e estaduais sempre que houver o interes-se local.

Outro aspecto importante a ser salientado dizrespeito ao domínio das águas, deixando definitiva-mente o sistema adotado pelo Código de Águas, se-gundo o qual as águas poderiam ser públicas ouparticulares, e tornando-as todas de domínio públi-co.

A primeira referência aos recursos hídricos queencontramos no nosso texto constitucional, acha-seno título referente à organização do Estado, que noartigo 20 define como bens da União os lagos, rios e

quaisquer correntes d’água que banhem mais de umEstado ou sirvam de limites com outros países, e es-tabelece a distribuição dos lucros advindos da explo-ração dos recursos naturais entre os entes federativos.É a primeira vez que surge uma referencia aos “rios”.

Art. 20 - São bens da União:....................................III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água

em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de umEstado, sirvam de limites com outros países, ou se esten-dam a território estrangeiro ou dele provenham, bem comoos terrenos marginais e as praias fluviais;

IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonaslimítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhasoceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas referi-das no art. 26, II;

VI - o mar territorial;VIII - os potenciais de energia hidráulica;IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;§ 1. º - É assegurada, nos termos da lei, aos Esta-

dos, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a ór-gãos da administração direta da União, participação noresultado da exploração de petróleo ou gás natural, de re-cursos hídricos para fins de geração de energia elétrica ede outros recursos minerais no respectivo território, pla-taforma continental, mar territorial ou zona econômicaexclusiva, ou compensação financeira por essa explora-ção.

...................................

No artigo 21, a Constituição de 1988 estabelececomo competência da União a exploração do apro-veitamento energético dos cursos d’água. Determina,ainda, à União, a instituição do Sistema Nacional deRecursos Hídricos e a definição dos critérios de ou-torga dos direitos de uso.

Art. 21 - Compete à União:...................................XII - explorar, diretamente ou mediante autori-

zação, concessão ou permissão:...................................b) os serviços e instalações de energia elétrica e

o aproveitamento energético dos cursos de água, em arti-culação com os Estados onde se situam os potenciaishidroenergéticos;

...................................d) os serviços de transporte ferroviário e

aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais,ou que transponham os limites de Estado ou Território;

...................................f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;...................................XIX - instituir sistema nacional de gerenciamento

de recursos hídricos e definir critérios de outorga de direi-tos de seu uso;

...................................

75

Entre as competências privativas da União, en-contra-se a de legislar sobre águas, inclusive sobreaquelas que se constituam bens dos Estados.

Art. 22 - Compete privativamente à União legis-lar sobre:

...................................IV - águas, energia, informática, telecomunica-

ções e radiodifusão;...................................Parágrafo único. Lei complementar poderá au-

torizar os Estados a legislar sobre questões específicas dasmatérias relacionadas neste artigo.

A Constituição estabelece que cabe aos Estados,à União e aos Municípios legislar de forma concor-rente sobre meio ambiente, especificando: florestas,caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesado solo e dos recursos naturais, proteção ambiental econtrole da poluição.

Ao tratar da competência comum entre União,Estados, Distrito Federal e Municípios inclui o acom-panhamento e a fiscalização das concessões de direitosde pesquisa e exploração dos recursos hídricos.

Art. 23 - É competência comum da União, dosEstados, do Distrito Federal e dos Municípios:

................................VI - proteger o meio ambiente e combater a po-

luição em qualquer de suas formas;................................XI - registrar, acompanhar e fiscalizar as con-

cessões de direitos de pesquisa e exploração de recursoshídricos e minerais em seus territórios;

................................

No âmbito da legislação concorrente, a compe-tência da União limitar-se-á a estabelecer normas ge-rais. Entretanto, os Estados exercerão a competêncialegislativa plena, para atender a suas peculiaridades,ressalvado que a superveniência de lei federal sobrenormas gerais suspende a eficácia da lei estadual noque lhe for contrário. De qualquer forma, permanecesempre a competência suplementar dos Estados.

Art. 24 - Compete à União, aos Estados e ao Dis-trito Federal legislar concorrentemente sobre:

...................................VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação

da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, prote-ção do meio ambiente e controle da poluição;

As águas superficiais ou subterrâneas, fluentes,emergentes e em depósito estão incluídas entre os

bens dos Estados. A inclusão das águas subterrâneas éinédita em texto constitucional.

Art. 26 - Incluem-se entre os bens dos Estados:I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluen-

tes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, naforma da lei, as decorrentes de obras da União;

...................................

Em relação ao aproveitamento econômico e so-cial dos rios e massas d’água represadas ou represá-veis, o legislador preocupou-se em garantir o interesseregional:

Art. 43 - Para efeitos administrativos, a Uniãopoderá articular sua ação em um mesmo complexogeoeconômico e social, visando a seu desenvolvimento e àredução das desigualdades regionais.

.................................§ 2º - Os incentivos regionais compreenderão,

além de outros, na forma da lei:...................................IV - prioridade para o aproveitamento econômi-

co e social dos rios e das massas de água represadas ourepresáveis nas regiões de baixa renda, sujeitas à secasperiódicas.

Ao tratar das atribuições do Congresso Nacio-nal, o texto constitucional fala do aproveitamentode recursos hídricos em terras indígenas, o qual de-verá estar condicionado à autorização prévia e oitivadas comunidades afetadas.

Art. 49 - É da competência exclusiva do Congres-so Nacional:

...................................XVI - autorizar, em terras indígenas, a explora-

ção e o aproveitamento de recursos hídricos e a pesquisa elavra de riquezas minerais;

...................................

No título referente à ordem econômica e finan-ceira, ao estabelecer os princípios gerais da atividadeeconômica o legislador constitucional explicita comopropriedade da União o aproveitamento dos potenci-ais de energia elétrica, e estabelece as regras paraque possam ser efetuadas autorizações ou concessõespara esse aproveitamento.

Art. 176 - As jazidas, em lavra ou não, e demaisrecursos minerais e os potenciais de energia hidráulica cons-tituem propriedade distinta da do solo, para efeito de ex-ploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garan-tida ao concessionário a propriedade do produto da lavra.

§ 1º - A pesquisa e a lavra de recursos minerais eo aproveitamento dos potenciais a que se refere o “caput”deste artigo somente poderão ser efetuados mediante au-torização ou concessão da União, no interesse nacional,por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasilei

76

ras e que tenha sua sede e administração no País,na forma da lei, que estabelecerá as condições específicasquando essas atividades se desenvolverem em faixa de fron-teira ou terras indígenas.

§ 2º - É assegurada participação ao proprietáriodo solo nos resultados da lavra, na forma e no valor quedispuser a lei.

§ 3º - A autorização de pesquisa será sempre porprazo determinado, e as autorizações e concessões previs-tas neste artigo não poderão ser cedidas ou transferidas,total ou parcialmente, sem prévia anuência do Poderconcedente.

§ 4º - Não dependerá de autorização ou conces-são o aproveitamento do potencial de energia renovávelde capacidade reduzida.

Ao tratar da ordem social, e mais especifica-mente da saúde, a Constituição define o SUS comoresponsável pela garantia da qualidade das águas paraabastecimento público.

Art. 200 - Ao sistema único de saúde compete,além de outras atribuições, nos termos da lei:

...................................VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compre-

endido o controle de seu teor nutricional, bem como bebi-das e águas para consumo humano;

...................................

O Código de Águas

O Projeto Código das Águas, elaborado pelo prof. Alfredo Valladão em 1907, a convite do

governo federal, e remetido à Câmara dos Deputados pelo presidente Affonso Penna, foi aprovado

com ligeiras modificações em segunda discussão plenária, não tendo sido promulgado. Somente

no Governo Provisório de Getúlio Vargas, um projeto remodelado, com base no projeto original, foi

aprovado (Decreto 24.643) em junho de 1934. Calcado nos princípios estabelecidos pela I Confe-

rência de Direito Internacional de Haia, de 1930, dava ênfase ao aproveitamento hidráulico, que, à

época, representava uma condicionante do processo industrial.

Na exposição de motivos o Código de Águas considera a necessidade de uma nova legislação

que contemple o interesse da coletividade nacional, e que permita controlar e incentivar o

aproveitamento industrial das águas e, em particular, a energia hidráulica.

O Decreto 24.643 constitui a legislação básica sobre as águas até os dias atuais, havendo,

entretanto, vários preceitos que necessitam ser adequados aos novos preceitos constitucionais,

consolidando-se em três livros, a saber:

Livro I - As águas em geral e sua propriedade;

Livro II - O aproveitamento das águas;

Livro III - A regulamentação da indústria hidroelétrica.

77

As águas em geral e sua propriedade

De acordo com o Livro I do Código, as águasforam classificadas quanto ao seu domínio em: águaspúblicas de uso comum ou dominicais; águas comuns;e águas particulares. Essa classificação inspirou-senaquela já adotada pelo Código Civil que classificouos bens públicos em “de uso comum do povo”, “deuso especial” e os “dominicais”. Entre os primeirosestão relacionados mares, rios, estradas, ruas e pra-ças.

I - Águas Públicas de uso comum ou dominicaisÁguas Públicas de Uso Comum:a) os mares territoriais;b) as correntes, canais, lagos e lagoas navegá-veis ou flutuáveis;c) as correntes de que se façam essas águas;d) as fontes e reservatórios públicos;e) as nascentes ;f) os braços que influam na navegabilidade dascorrentes públicas;g) as águas situadas em regiões assoladas pelassecasÁguas Públicas Dominicais. São públicas domi-

nicais todas as águas situadas em terrenos que também osejam, quando as mesmas não forem do domínio públicode uso comum, ou não forem comuns.

II - Águas Comuns - São consideradas as corren-tes não navegáveis ou flutuáveis.

III - Águas Particulares - São as nascentes e to-das as águas situadas em terrenos que também o sejam, eque não tenham sido definidas como públicas ou comuns.

O artigo 2o., referente às águas públicas de usocomum, foi revogado pelo artigo 3o. do Decreto-Lei852, de 11 de novembro de 1938, que estabeleceu:

são públicas de uso comum, em toda a sua extensão, aságuas dos lagos, bem como dos cursos de água naturais,que, em algum trecho, sejam flutuáveis ou navegáveis porum tipo qualquer de embarcação.

O artigo 29 determina que as águas públicas deuso comum, bem como o seu álveo, pertencem aosmunicípios, quando situadas exclusivamente nos seusterritórios, respeitadas as restrições que possam serimpostas pela legislação dos Estados, e pelas limita-ções decorrentes do aproveitamento industrial daságuas e da energia hidráulica, e destinadas à navega-ção; as disposições do artigo 29, I a III, foram altera-das pelo Decreto-Lei 852/38. As Constituiçõesposteriores não previram, conforme já visto, águasde domínio do Município.

O Código prevê ainda a possibilidade de as águaspúblicas de uso comum ou patrimoniais dos Estadosou dos Municípios, bem como as águas comuns e asparticulares, e respectivos álveos e margens poderemser desapropriadas por necessidade ou por utilidadepública.

Com o advento da Constituição de 1988, a clas-sificação das águas proposta pelo Código de Águasdeixa de ser aplicada. O texto constitucional deter-mina que todas as águas superficiais e subterrâneasexistentes no território nacional passem a ser partedo patrimônio da União ou dos Estados.

O aproveitamento das águas

O Livro II do Código de Águas trata do aprovei-tamento das águas, assegurando, para as Águas Pú-blicas de Uso Comum, o uso gratuito de qualquercorrente ou nascente para as primeiras necessidades,desde que haja caminho público que a torne acessí-vel. Não havendo caminho público, assegura o direitoà servidão de passagem, devendo, entretanto, os pro-prietários marginais ser indenizados pelos prejuízosque sofrerem com o trânsito pelos seus prédios.

Relativamente ao aproveitamento das ÁguasPúblicas, o Código garante o uso prioritário para oabastecimento público, conforme o estabelecido noartigo 36.

Art. 36 - É permitido a todos usar de quaisqueráguas públicas, conformando-se com os regulamentosadministrativos.

§ 1º Quando este uso depender de derivação, seráregulado, nos termos do capítulo IV do título II, do livro II,tendo, em qualquer hipótese, preferência a derivação parao abastecimento das populações.

§ 2º O uso comum das águas pode ser gratuito ouretribuído, conforme as leis e regulamentos da circunscri-ção administrativa a que pertencerem.

O Código determina a obrigatoriedade de con-cessão ou autorização administrativa para a utiliza-ção das águas na agricultura, na indústria e na higiene,dispensada esta nas hipóteses de derivações insignifi-cantes. Entretanto, toda concessão ou autorização sefará por tempo fixo, e nunca excederá a trinta anos.O aproveitamento das Águas Comuns e das Águas Par-ticulares, fica, ainda, submetido à inspeção ou auto-rização administrativa no interesse da saúde e da

78

segurança públicas. Os dispositivos referentes à ou-torga dos recursos hídricos foram alterados pela Lei9.433/97.

Embora a regra geral seja a utilização gratuitados bens públicos de uso comum, tanto o Código Ci-vil como o Código de Águas trazem a possibilidade deque esse uso possa ser retribuído, surgindo aí a se-mente para a cobrança pelo uso da água, tão defendi-da nos dias atuais.

Quanto às Águas Comuns, o Código possibilitousua utilização pelos donos ou possuidores de prédiospor elas atravessados ou banhados, desde que nãohouvesse prejuízo para os prédios situados a jusanteou a montante. Determinou ainda que as águas deve-riam ser divididas com o proprietário ou possuidordo prédio fronteiriço proporcionalmente à extensãodos prédios e à sua destinação e utilizadas de forma anão prejudicar o abastecimento da população.

Também as águas são consideradas suscetíveisde ser apropriadas pelos donos dos terrenos, desde queessa utilização não prejudique o seu aproveitamentonatural, nem derive as águas de seu curso natural.

As águas pluviais pertencem aos donos dos pré-dios onde caírem, não sendo permitido, entretanto,desperdiçá-las em prejuízo de outros prédios que de-las se possam aproveitar, ou ainda desviá-las de seucurso natural sem o consentimento dos proprietáriosdos prédios que deveriam recebê-las.

O Titulo IV, que trata das águas nocivas, defineque a ninguém é lícito conspurcar ou contaminar aságuas que não consome, com prejuízo de terceiros. Oartigo 109 refere-se à responsabilidade civil e crimi-nal daqueles que venham a conspurcá-las ou conta-miná-las.

Art. 110 - Os trabalhos para a salubridade daságuas serão executados à custa dos infratores, que, alémda responsabilidade criminal, se houver, responderão pe-las perdas e danos que causarem e pelas multas que lhesforem impostas nos regulamentos administrativos.

A regulamentação daindústria hidrelétrica

O Livro III do Código de Águas trata das for-ças hidráulicas e da regulamentação da indústriahidrelétrica.

O aproveitamento industrial das quedas d’águae de outras fontes de energia hidráulica condiciona-

se ao regime de autorizações e concessões instituídopelo Código de Águas, o qual determinou, ainda, queindepende de autorização o aproveitamento das que-das d’água de potência inferior a 50 kW, desde quedestinadas ao uso exclusivo do proprietário. Este limi-te foi alterado pela Lei 9.074, de 7 de julho de 1995,pela qual somente o aproveitamento de potenciais hi-dráulicos superiores a 1.000 kW depende de conces-são.

Considerando as quedas d’água e outras fontesde energia hidráulica como bens imóveis distintosdas terras em que se encontrem, o Código prevê que apropriedade superficial não abrange a água, o álveodo curso no trecho em que se acha a queda d’água,nem a respectiva energia hidráulica para o efeito deseu aproveitamento industrial.

Assim, as quedas d’água existentes em cursoscujas águas sejam comuns ou particulares, pertenci-am aos proprietários dos terrenos marginais. Entre-tanto, as quedas d’água e outras fontes de energiahidráulica localizadas em águas públicas de uso co-mum ou dominicais, são incorporadas ao patrimôniodo País, como propriedade inalienável e imprescrití-vel.

O controle da poluição

Embora o Código não traga grandes preocupa-ções ambientais, tratando especialmente da proprie-dade e do aproveitamento das águas, faz algumasreferências ao controle da poluição.

No artigo 98 proíbe expressamente a poluiçãodas águas subterrâneas e pune o poluidor, que deveráressarcir os danos porventura causados.

Art. 98 - São expressamente proibidas constru-ções capazes de poluir ou inutilizar para o uso ordinário aágua do poço ou nascente alheia, a elas preexistentes.

Art. 99 - Todo aquele que violar as disposiçõesdos artigos antecedentes, é obrigado a demolir as cons-truções feitas, respondendo por perdas e danos.

O Código vai mais além ao responsabilizar o po-luidor na recuperação da salubridade das águas, queserá feita às suas expensas, além da responsabilidadecriminal, se houver, e das perdas e danos que causar.Esse dispositivo apresenta-se como precursor do prin-cípio do poluidor pagador. Outros artigos estabele-cem a obrigação dos usuários, de indenizar,representando um regramento precursor do principio

79

do usuário pagador que vem sendo incorporado nagestão dos recursos hídricos, embora hoje sejam ina-plicáveis em decorrência da legislação em vigor. O Có-digo estabelece, ainda, a obrigatoriedade da inspeçãoe autorização administrativa para as águas comuns eas particulares, no interesse da saúde e da segurançapúblicas.

Art. 111 - Se os interesses relevantes da agricul-tura ou da indústria o exigirem, e mediante expressa au-torização administrativa, as águas poderão serinquinadas, mas os agricultores ou industriais deverãoprovidenciar para que as se purifiquem, por qualquerprocesso, ou sigam o seu esgoto natural.

Art. 112 - Os agricultores ou industriais deverãoindenizar a União, os Estados, os Municípios, ascorporações ou os particulares que pelo favor concedidono caso do artigo antecedente, forem lesados.

Os usos das águas

O Código de Águas, embora estabeleça a prefe-rência do uso das águas para as primeiras necessida-des da vida sobre quaisquer outros, já contemploualguns dispositivos que direcionavam para os usosmúltiplos dos recursos hídricos.

Art. 143 - Em todos os aproveitamentos de ener-gia hidráulica serão satisfeitas exigências acauteladorasdos interesses gerais:

a) da alimentação e das necessidades das popu-lações ribeirinhas;

b) da salubridade pública;c) da navegação;d) da irrigação;e) da proteção contra as inundações;f) da conservação e livre circulação do peixe;g) do escoamento e rejeição das águas.

A navegação é um dos usos com o qual o Códigomostra preocupação em vários dispositivos, sem dei-xar, entretanto, de priorizar as primeiras necessida-des da vida.

Art. 48 - A concessão, como a autorização, deveser feita sem prejuízo da navegação, salvo:

a) no caso de uso para as primeiras necessidadesda vida;

b) no caso da lei especial que, atendendo a supe-rior interesse público, o permita.

Parágrafo único. Além dos casos previstos nasletras a e b deste artigo, se o interesse público superior oexigir, a navegação poderá ser preterida sempre que elanão sirva efetivamente ao comércio.

A Política Nacional de Recursos Hídricos

A sociedade moderna tem enfrentado o permanente desafio de encontrar novos padrões dedesenvolvimento, de modo a possibilitar que os recursos naturais possam ser compartilhados entreas diversas comunidades e regiões - ricas e pobres -, e ao mesmo tempo garantir às gerações futuraso seu uso comum.

A Lei 6.938/81, que institui a Política Nacional de Meio Ambiente, cria instrumentos importan-tes de preservação ambiental, como a exigência de estudo de impacto ambiental, condição para aaprovação de empreendimentos potencialmente danosos ao meio ambiente e que constitui o pri-meiro passo para alcançar esse objetivo.

Em 1984, pela Portaria 1.119, o ministro de Minas e Energia determinou ao DNAEE a promoçãoe coordenação dos estudos necessários à realização de um Plano Nacional de Recursos Hídricos,para instituir uma sistemática permanente de planejamento, avaliação e controle do uso múltiplo eintegrado dos recursos hídricos, abrangendo planos regionais e planos por bacia ou regiãohidrográfica. O produto desse trabalho, por dificuldades institucionais e falta de vontade política,

acabou não sendo implantado.

80

Em obediência ao que determina o artigo 21 daConstituição Federal, o Poder Executivo, pelo Decre-to 99.400, de 18 julho de 1990, criou um grupo detrabalho que contou com a participação de seus re-presentantes e da sociedade civil, com o objetivo deelaborar um projeto de lei que dispusesse sobre a Po-lítica Nacional de Recursos Hídricos e que estabele-cesse o Sistema Nacional de Recursos Hídricos.

Surge então o Projeto de Lei 2.249, de 1991,que propõe a criação do Colegiado Nacional do Siste-ma e de Colegiados Regionais, a instituição do Planode Utilização dos Recursos Hídricos, de Comitês deBacias Hidrográficas e de Sub-bacias, e atribui à Se-cretaria Executiva do Sistema a Coordenação Geral deRecursos Hídricos do Departamento Nacional de Águase Energia (DNAEE).

Após a apresentação de um substitutivo prelimi-nar, o relator solicitou à Comissão de Defesa do Consu-midor, Meio Ambiente e Minorias, a realização deaudiências públicas, com ampla participação da soci-edade, do setor produtivo e de especialistas da área.Ouvido o Conama, o relator apresenta seu parecer in-corporando as propostas surgidas durante as discussões.

A partir desse trabalho foram elaborados subs-titutivos, um dos quais patrocinado pelo primeiro re-lator da matéria, o deputado Fábio Feldmam, e outropelo segundo relator da matéria, o Deputado AroldoCedraz, que incorporou as diretrizes de ação e crité-rios de aplicação dos instrumentos da Política. Final-mente aprovado em 1996, como o Projeto de Lei 70,foi encaminhado ao Senado Federal, onde tramitouem regime de urgência urgentíssima, e mereceu pare-cer favorável da Comissão de Constituição, Justiça eCidadania, em concordância com o voto de seu rela-tor, o Senador Bernardo Cabral.

Submetido à sanção do presidente da Repúbli-ca, o projeto transforma-se na Lei 9.433/97. Entre-tanto, vários dispositivos dessa lei foram vetados,entre os quais vale destacar os relativos à compensa-ção financeira aos Municípios, e aquele que determi-na que a aplicação dos recursos advindos da cobrançapelo uso da água deveria ser consignada no Orçamen-to Geral da União, em fonte de recursos próprios epor bacia hidrográfica.

O modelo atualmente em vigor no Brasil baseia-se no modelo francês, criado na década de 1960, que

implantou o gerenciamento considerando como basede gestão toda a bacia hidrográfica, e atribuindo aosusuários da água a decisão política dessa gestão pormeio dos Comitês de Bacia. Como princípio básico dosistema implantou-se o conceito do poluidor paga-dor, cobrança de impostos compulsórios que estabe-lecem a regra de que quem polui, paga, passando aágua a ser considerada como um patrimônio a serlegado às gerações futuras.

A Lei 9.433/97 institui a Política Nacional deRecursos Hídricos, estabelece seus fundamentos, obje-tivos, diretrizes gerais de ação e instrumentos (arts.1° a 31), e cria o Sistema Nacional de Recursos Hídri-cos, definindo seus objetivos, estrutura, composição eas competências dos organismos que o integram, bemcomo a participação de organizações civis, (arts. 32 a48); e prevê infrações e penalidades (art. 49 a 50).

O artigo 1°, ao estabelecer seus fundamentos,direciona para a gestão moderna e eficiente dos re-cursos hídricos: primeiramente ao definir a água comode domínio público, e abandona de vez a classifica-ção prevista no Código de Águas. A lei preocupa-setambém com a limitação do recurso natural que, em-bora abundante no País, tem se demonstrado insufi-ciente em algumas regiões, sendo necessário que suautilização seja feita de forma racional. O reconheci-mento do valor econômico da água, embora não sejanovidade, desde que o Código de Águas já previa autilização onerosa desse recurso natural, abre cami-nho para a implantação de um instrumento econômi-co que pode ser básico para a adequada utilizaçãodos recursos hídricos. Embora estabeleça o uso múl-tiplo das águas, a Lei 9.433/97 prioriza o consumohumano em situações de escassez, onde surgem osgrandes conflitos. A adoção da bacia hidrográficacomo unidade territorial de gestão e planejamento re-presenta um grande avanço para a gestão ambiental,ao permitir a identificação e a organização dos pro-blemas de cada uma das bacias. Finalmente, a gestãode recursos hídricos deve ser descentralizada e con-tar com a participação do poder público, dos usuári-os e das comunidades.

Art. 1° - A Política Nacional de Recursos Hídricosbaseia-se nos seguintes fundamentos:

I - a água é um bem de domínio público;II - a água é um recurso natural limitado, dota-

do de valor econômico;

81

III - em situações de escassez, o uso prioritáriodos recursos hídricos é o consumo humano e adessedentação dos animais;

IV - a gestão dos recursos hídricos deve sempreproporcionar o uso múltiplo das águas;

V - a bacia hidrográfica é a unidade territorialpara a implementação da Política Nacional de RecursosHídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamentode Recursos Hídricos;

VI - A gestão de recursos hídricos deve ser descen-tralizada e contar com a participação do Poder Público,dos usuários e das comunidades.

O Capítulo III da Lei estabelece as “DiretrizesGerais de Ação” para implantação da Política Nacionalde Recursos Hídricos, associando à gestão os aspectosde quantidade e qualidade e determinando a sua ade-quação às diversidades físicas, bióticas, demográficas,econômicas, sociais e culturais das regiões do País.

Prevê a integração da gestão de recursos hídri-cos com a gestão ambiental, bem como sua articula-ção com a do uso do solo, tudo de conformidade comos planejamentos regional, estadual e nacional. Criaainda uma interface com os setores usuários, preven-do o planejamento articulado entre eles e os recursoshídricos.

A Lei estabelece obrigatoriedade de articulaçãoentre a União e os Estados, tendo em vista o gerenci-amento dos recursos hídricos de interesse comum.Finalmente, direciona para a integração da gestão dasbacias hidrográficas com a dos sistemas estuarinos ezonas costeiras.

Art. 3º Constituem diretrizes gerais de ação paraimplementação da Política Nacional de Recursos Hídricos:

I - a gestão sistemática dos recursos hídricos, semdissociação dos aspectos de quantidade e qualidade;

II - a adequação da gestão de recursos hídricosàs diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômi-cas, sociais e culturais das diversas regiões do País;

III - a integração da gestão de recursos hídricoscom a gestão ambiental;

IV - a articulação do planejamento de recursoshídricos com o dos setores usuários e com os planejamen-tos regional, estadual e nacional;

V - a articulação da gestão de recursos hídricoscom a do uso do solo;

VI - a integração da gestão das baciashidrográficas com a dos sistemas estuarinos e zonas cos-teiras.

Art. 4º A União articular-se-á com os Estados ten-do em vista o gerenciamento dos recursos hídricos de inte-resse comum.

Os instrumentos da política

Para que a implantação da Política de RecursosHídricos se torne viável, a Lei 9.433/97 relacionouno artigo 5° uma série de instrumentos, os quais nãoestão, ainda, totalmente regulamentados.

Art. 5º São instrumentos da Política Nacional deRecursos Hídricos:

I - os Planos de Recursos Hídricos;II - o enquadramento dos corpos de água em

classes, segundo os usos preponderantes da água;III - a outorga dos direitos de uso de recursos

hídricos;IV - a cobrança pelo uso de recursos hídricos;V - a compensação a Municípios;VI - o Sistema de Informações sobre Recursos

Hídricos.

Planos de Recursos Hídricos

A Lei 9.433/97 trata dos Planos de RecursosHídricos no Capitulo IV, Seção I, e no artigo 6°, defi-ne o seu objetivo. Os Planos de Recursos Hídricos sãoplanos diretores de longo prazo, que deverão compa-tibilizar-se com programas e projetos necessários àgestão dos recursos hídricos. Serão feitos por baciahidrográfica, por Estado e para o País, e deverão con-ter, além do diagnóstico de situação, o balanço entredisponibilidades e demandas futuras, com identifica-ção dos conflitos potenciais, além das metas de raci-onalização de uso, aumento da quantidade e melhoriada qualidade dos recursos hídricos.

Os incisos VI e VII do artigo 7° da Lei, que tratado conteúdo mínimo dos planos, os quais definiriama responsabilidade pela execução, o cronograma deexecução e a programação orçamentário-financeira,associados às medidas, programas e projetos, foramvetados pelo Executivo sob a argumentação de que osistema adotado pelo setor elétrico não permite a afe-rição desses dados antes do processo licitatório.

O artigo 8° estabelece, ainda, que os planosdeverão ser elaborados por bacia hidrográfica, porEstado e para o País.

Também o inciso VIII do artigo 35, que previa aaprovação dos planos por lei, foi vetado sob a argu-mentação de que sua aplicação implicaria na descon-tinuidade do processo decisório da gestão dos recursoshídricos.

82

A Resolução CNRH 17, de 29 de maio de 2001,regulamentou o assunto e estabeleceu as diretrizespara a elaboração dos Planos de Recursos Hídricos deBacias Hidrográficas, determinando que serão feitospelas Agências de Água, supervisionados e aprovadospelos Comitês de Bacia.

O artigo 7° da citada Resolução determina queos Planos de Recursos Hídricos devem estabelecermetas e indicar soluções de curto, médio e longo pra-zos, com horizonte de planejamento compatível comseus programas e projetos, devendo, de forma dinâ-mica, permitir sua atualização, articulando-se comos planejamentos setoriais e regionais, e definindoindicadores que permitam sua avaliação contínua.

A Resolução CNRH 22, de 24 de maio de 2002,que estabelece diretrizes para inserção das águas sub-terrâneas nos Planos de Recursos Hídricos, preceituaque os mesmos devem considerar os usos múltiplos daságuas subterrâneas, as peculiaridades de função do aqüífe-ro e os aspectos de qualidade e quantidade para a promoçãodo desenvolvimento social e ambientalmente sustentável,além de promover a caracterização dos aqüíferos e definiras inter-relações de cada aqüífero com os demais corposhídricos superficiais e subterrâneos e com o meio ambiente,visando à gestão sistêmica, integrada e participativa daságuas.

Enquadramento dos Corpos d’Água

O segundo instrumento previsto pela Políticade Recursos Hídricos é o enquadramento dos corposd’água em classes segundo os usos preponderantes, oqual deverá obedecer às normas da legislação ambi-ental, em especial a Resolução Conama 20, de 18 dejunho de 1986, e estar em conformidade com o Planode Recursos Hídricos da bacia e com os Planos deRecursos Hídricos Nacional e Estadual ou Distrital.

O artigo 9° da Lei 9.433/97 estabelece o obje-tivo do enquadramento dos corpos d’água em classes,segundo seus usos preponderantes.

Art. 9º - O enquadramento dos corpos de águaem classes, segundo os usos preponderantes da água, visa a:

I - assegurar às águas qualidade compatível comos usos mais exigentes a que forem destinadas;

II - diminuir os custos de combate à poluição daságuas, mediante ações preventivas permanentes.

A Resolução CRNH 12, de 19 de julho de 2000,que estabelece procedimentos para o enquadramentode corpos d’água em classes, segundo os usos prepon-derantes, define-o, no artigo primeiro, como o esta-belecimento do nível de qualidade (classe) a ser alcançadoe/ou mantido em um dado segmento do corpo d’água aolongo do tempo.

O enquadramento dos corpos d’água deverá seraprovado pelo Conselho Nacional ou o respectivo Con-selho Estadual ou Distrital de Recursos Hídricos, emconsonância com as Resoluções do Conselho Nacionalde Meio Ambiente, e de acordo com a alternativa se-lecionada pelo Comitê de Bacia Hidrográfica.

Outorga dos Direitos de Uso

O Capitulo IV, seção III, da Lei 9.433/97 tratada outorga de direitos de uso de recursos hídricos,tendo seu objetivo definido no artigo 11.

Art. 11 - O regime de outorga de direitos de uso derecursos hídricos tem como objetivos assegurar o controlequantitativo e qualitativo dos usos da água e o efetivoexercício dos direitos de acesso à água.

Alguns dispositivos da lei que tratavam da ou-torga foram vetados, entre os quais o parágrafo 2o doartigo 14, que tratava da articulação prévia entre oPoder Executivo Federal e os Estados, e o artigo 17 eseu parágrafo único ao determinar que a outorga dedireito de uso de recursos hídricos não desobriga o usuárioda obtenção da outorga de serviço público prevista nas Leis8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e 9.074, de 7 de julho de1995.

A Resolução CNRH 16, de 8 de maio de 2001,que estabelece critérios gerais para a outorga de di-reito de uso de recursos hídricos, conceitua a outor-ga no artigo 1o, da seguinte forma:

Art. 1º. A outorga de direito de uso de recursoshídricos é o ato administrativo mediante o qual a autorida-de outorgante faculta ao outorgado previamente ou medi-ante o direito de uso de recurso hídrico, por prazo determi-nado, nos termos e nas condições expressas no respectivoato, consideradas as legislações específicas vigentes.

§ 1º. A outorga não implica alienação total ouparcial das águas, que são inalienáveis, mas o simples di-reito de uso.

§ 2º. A outorga confere o direito de uso de recur-sos hídricos condicionado à disponibilidade hídrica e aoregime de racionamento, sujeitando o outorgado à sus-pensão da outorga.

83

§ 3º. O outorgado é obrigado a respeitar direitosde terceiros.

§ 4º. A análise dos pleitos de outorga deverá con-siderar a interdependência das águas superficiais e sub-terrâneas e as interações observadas no ciclo hidrológicovisando a gestão integrada dos recursos hídricos.

A Resolução relaciona, ainda, os usos que esta-rão sujeitos à outorga. Com isso, ela abre a possibili-dade de abranger direito de uso múltiplo e/ouintegrado de recursos hídricos, superficiais e subter-râneos. Estarão sujeitos à outorga:

I - a derivação ou captação de parcela de águaexistente em um corpo de água, para consumo final, in-clusive abastecimento público ou insumo de processo pro-dutivo;

II - extração de água de aqüífero subterrâneopara consumo final ou insumo de processo produtivo;

III - lançamento em corpo de água de esgotos edemais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, como fim de sua diluição, transporte ou disposição final;

IV - o uso para fins de aproveitamento de poten-ciais hidrelétricos;

V - outros usos e/ou interferências, que alteremo regime, a quantidade ou a qualidade da água existenteem um corpo de água.

Independem de outorga o uso de recursos hí-dricos para a satisfação das necessidades de pequenosnúcleos populacionais distribuídos no meio rural, eas derivações, captações, lançamentos e as acumula-ções de volumes de água considerados insignifican-tes.

A Resolução CNRH 29, de 11 de dezembro de2002, considerando que a atividade minerária temespecificidades de utilização e consumo de água pas-síveis de provocar alterações no regime dos corposd’água, na quantidade e qualidade da água existente,define diretrizes para a outorga de uso dos recursoshídricos, tendo em vista o aproveitamento dos recur-sos minerais.

A Resolução CNRH 37, de 26 de março de 2004,estabelece diretrizes no caso da outorga de recursoshídricos para a implantação de barragens em corposd’água de domínio dos Estados, do Distrito Federal eda União. Na hipótese de barragens destinadas ao usode potencial de energia hidráulica, a outorga de di-reito de uso de recursos de hídricos será precedida dadeclaração de reserva de disponibilidade hídrica.

Cobrança pelo Uso

Com o objetivo de reconhecer a água como bemeconômico e dar ao usuário uma indicação de seu realvalor, incentivar a racionalização do uso da água, eobter recursos financeiros para o financiamento dosprogramas e intervenções contemplados nos planos derecursos hídricos, a Lei 9.433/97 instituiu a cobrançapelo uso da água, considerada como um dos instru-mentos fundamentais para a implantação da Políticade Recursos Hídricos.

De acordo com a Lei, estarão sujeitos à cobrançaos usos passíveis de outorga.

O artigo 21 estabelece os critérios para a fixaçãodos valores a serem cobrados, enquanto o artigo 22determina as prioridades para a aplicação dos recur-sos.

Art. 21 - Na fixação dos valores a serem cobradospelo uso dos recursos hídricos devem ser observados, dentreoutros:

I - as derivações, captações e extrações de água,o volume retirado e seu regime de variação;

II - os lançamentos de esgotos e demais resíduoslíquidos ou gasosos, o volume lançado e seu regime de vari-ação e as características físico-químicas, biológicas e detoxidade do efluente.

Art. 22 - Os valores arrecadados com a cobrançapelo uso de recursos hídricos serão aplicadosprioritariamente na bacia hidrográfica em que foram ge-rados e serão utilizados:

I - no financiamento de estudos, programas, pro-jetos e obras incluídos nos Planos de Recursos Hídricos;

II - no pagamento de despesas de implantação ecusteio administrativo dos órgãos e entidades integrantesdo Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

§ 1º - A aplicação nas despesas previstas no incisoII deste artigo é limitada a sete e meio por cento do totalarrecadado.

§ 2º - Os valores previstos no “caput” deste artigopoderão ser aplicados a fundo perdido em projetos e obrasque alterem, de modo considerado benéfico à coletivida-de, a qualidade, a quantidade e o regime de vazão de umcorpo de água.

§ 3º - (VETADO) - Até quinze por cento dos valoresarrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricosde domínio da União poderão ser aplicados fora da baciahidrográfica em que foram arrecadados, visando exclusi-vamente a financiar projetos e obras no setor de recursoshídricos, em âmbito nacional.

Com base no inciso VI, do artigo 38, da Lei 9.433/97, o Comitê para Integração da Bacia Hidrográfica doRio Paraíba do Sul (CEIVAP), pela Deliberação/CEIVAP

84

08, de 6 de dezembro de 2001 (aditada pela Delibe-ração 15, de 4 de novembro de 2002), sugeriu aoConselho Nacional de Recursos Hídricos o valor decobrança pelo uso da água da Bacia Hidrográfica doRio Paraíba do Sul (ratificada pela Resolução 19, de14 de março de 2002).

Pela Resolução 21, de 14 de março de 2002, oConselho instituiu a Câmara Técnica Permanente deCobrança pelo Uso de Recursos Hídricos, com o obje-tivo de estabelecer os critérios gerais para a cobran-ça (Resolução 23, de 24 de maio de 2002).

Finalmente, a Resolução CNRH 27, de 29 de no-vembro de 2002, definiu os valores e estabeleceu oscritérios de cobrança pelo uso de recursos hídricosda Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul, confor-me proposto pelo Comitê para a Integração da BaciaHidrográfica do Rio Paraíba do Sul, respeitados osprazos estipulados para sua reavaliação e adequação,bem como a forma de aplicação dos recursos arreca-dados. O artigo 2o da Deliberação isenta da obrigato-riedade de outorga de direito de usos de recursoshídricos na Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul,os usos considerados insignificantes.

Compensação a Municípios

O artigo 24 do Projeto de Lei previa a compen-sação financeira ou de outro tipo aos municípios quepossuíssem áreas inundadas por reservatórios ou su-jeitas a restrições de uso do solo com a finalidade deproteção de recursos hídricos, visando o ressarcimentoda comunidade pela privação das rendas futuras queos terrenos inundados ou sujeitos a restrições de usodo solo poderiam gerar. O veto a esse artigo está cal-cado na argumentação de que o mecanismo compensa-tório proposto não encontra apoio no texto da Carta Magna.

Sistema de Informaçõessobre Recursos Hídricos

Pela Resolução 13, de 25 setembro de 2000, oCNRH estabeleceu as regras de implantação do Siste-ma Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos,para dar suporte à aplicação dos demais instrumen-tos da Política Nacional de Recursos Hídricos, e aoutros mecanismos de gestão integrada.

O artigo 1° estabelece quais informações deve-rão constar do Sistema de Informações e que sua co-ordenação deverá estar a cargo da Agência Nacionalde Águas.

Art. 1º - A Agência Nacional de Águas (ANA) co-ordenará os órgãos e entidades federais, cujas atribuiçõesou competências estejam relacionadas com a gestão derecursos hídricos, mediante acordos e convênios, visandopromover a gestão integrada das águas e em especial aprodução, consolidação, organização e disponibilizaçãoà sociedade das informações e ações referentes:

- à rede hidrométrica nacional e às atividades dehidrologia relacionadas com o aproveitamento de recur-sos hídricos;

- aos sistemas de avaliação e outorga dos recur-sos hídricos superficiais e subterrâneos, em todo territórionacional;

- aos sistemas de avaliação e concessão das águasminerais;

- aos sistemas de coleta de dados da Rede Naci-onal de Meteorologia;

- aos sistemas de informações dos setoresusuários;

- ao sistema nacional de informações sobre meioambiente;

- ao sistema de informações sobregerenciamento costeiro;

- aos sistemas de informações sobre saúde;- a projetos e pesquisas relacionados com recur-

sos hídricos; e- outros sistemas de informações relacionados à

gestão de recursos hídricos.

85

A evolução da legislação ambiental e hídrica noEstado de São Paulo

O Estado de São Paulo vem sendo pioneiro em matéria de implantação de legislações ambientais

e hídricas.

Já na década de 1970, surgem documentos legais sobre o meio ambiente de significativa

importância, entre os quais se destaca a Lei 997, de 31 de maio de 1975, que institui o Sistema de

Prevenção e Controle da Poluição do Meio Ambiente.

Seu regulamento, o Decreto 8.468, de 8 de setembro de 1976, proíbe o lançamento ou a libera-

ção de poluentes nas águas, no ar ou no solo. Também estabelece a classificação das águas segun-

do os usos preponderantes, os padrões de qualidade e de emissão de efluentes na água; estabelece

normas para utilização e proteção do ar; cria regiões de controle da qualidade do ar, entre as quais

se destacam as regiões da Grande São Paulo, do Litoral, e de Campinas; e estabelece padrões de

condicionamento e projeto para fontes estacionárias, entre outros regramentos.

O Decreto 10.755, de 22 de novembro de 1977, define o enquadramento dos corpos d’água

receptores do Estado de São Paulo de acordo com o estabelecido pelo Decreto 8.468/76.

Adiantando-se à própria Constituição de 1989, avançado e pioneiro, o Decreto 27.576, de 11 de

novembro de 1987, cria o Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CRH), com a tarefa de propor a

política e elaborar o Plano Estadual de Recursos Hídricos, e a estruturação do Sistema Estadual de

Gestão dos Recursos Hídricos .

O artigo 3° do Decreto propõe o conteúdo do Plano, que deverá abordar a disponibilidade e a

demanda hídricas, a identificação das bacias hidrográficas e das áreas críticas, os eventos críticos

que requeiram intervenção, entre outros aspectos.

Art. 3º - Do Plano Estadual de Recursos Hídricosdeverão constar, entre outros elementos necessários aoatendimento de sua finalidade, os seguintes:

I - o balanço hídrico através da avaliação dasdisponibilidades hídricas, superficiais e subterrâneas doEstado, dos respectivos potenciais de desenvolvimento,considerados, inclusive, aspectos qualitativos eenergéticos, bem como da estimativa das demandashídricas, para fins múltiplos, com avaliação prospectiva,de médio e longo prazos, considerados os usos consuntivose não consuntivos;

II - o estabelecimento de diretrizes, normas eprocedimentos para distribuição eqüitativa dos recursosentre usos e usuários;

III - a identificação de bacias hidrográficas eáreas críticas, nas quais a gestão de recursos hídricos devaser feita segundo diretrizes e objetivos especiais;

IV - a consideração dos eventos críticos, de es-cassez ou poluição dos recursos hídricos, de erosão do soloe de inundações, que requeiram intervenção;

V - o estabelecimento da interdependência entreo aproveitamento e controle racional dos recursos hídricos,a ordenação físico-territorial do Estado e o uso e a ocupa-ção do solo;

VI - a consideração dos aspectos jurídico-admi-nistrativos, econômico-financeiros e político-institucionais relevantes para gestão dos recursos hídricos,com especial referência à participação da sociedade civilno estabelecimento de diretrizes.

Além disso, no artigo 4o o Decreto alinhava omodelo do Sistema Estadual de Gestão de RecursosHídricos, que mais tarde seria sacramentado pela Cons-tituição Estadual e pela Lei 7.663/91, que institucio-nalizou a Política Estadual de Recursos Hídricos e oSistema Integrado de Gerenciamento de Recursos Hí-dricos.

86

Art. 4º - Do Sistema Estadual de Gestão de Recur-sos Hídricos, entendido como a forma estrutural para aimplementação do Plano Estadual de Recursos Hídricos,deverão constar, entre outros elementos necessários, osseguintes:

I - definição dos órgãos e entidadesintervenientes e dos mecanismos de coordenação eintegração interinstitucional;

II - definição dos sistemas associados, de plane-jamento administração, informações, desenvolvimentotecnológico e capacitação de recursos humanos, no cam-po da gestão dos recursos hídricos;

III - proposição de mecanismos e instrumentosjurídico-administrativos, econômico-financeiros e polí-tico-institucionais, que permitam a realização do PlanoEstadual de Recursos Hídricos, sua permanente e sistemá-tica revisão e atualização;

IV - proposição de mecanismos de coordenaçãointergovernamental, com o Governo Federal, Estados vi-zinhos e Municípios, para compatibilização de planos, pro-gramas e projetos de interesse comum, inclusive os relati-vos ao uso de recursos hídricos a serem partilhados;

V - proposição de formas de gestão descentrali-zada dos recursos hídricos, a nível regional e municipal,adotando-se as bacias hidrográficas como unidades degestão, de forma compatibilizada com as divisões políti-co-administrativas;

VI - proposição de modos de participação da so-ciedade civil no estabelecimento da política e das diretri-zes a que se referem o presente decreto.

O Decreto 27.576/87, cria, ainda, o Comitê Co-ordenador do Plano Estadual de Recursos Hídricos(CORHI), que mais tarde, juntamente com o Conselhode Recursos Hídricos (CRH), foram adaptados peloDecreto 36.787, de 18 de maio de 1993, às disposi-ções da Lei 7.663/91.

A Bacia do Rio Piracicaba passa, então, a serconsiderada como modelo básico de Gestão de Recur-sos Hídricos, pelo Decreto 28.489 de 9 junho de 1988.

A Lei 6.134, de 2 de junho de 1988, dispõe so-bre a preservação dos depósitos naturais de águas sub-terrâneas do Estado de São Paulo, assim consideradasas águas que ocorram natural ou artificialmente nosubsolo, de forma suscetível de extração e utilização.A lei demonstra uma especial preocupação com a pre-servação e a conservação dos recursos hídricos, con-forme se verifica no artigo 4o.

Art. 4º - As águas subterrâneas deverão ter pro-grama permanente de preservação e conservação, visan-do ao seu melhor aproveitamento.

§ 1º. - A preservação e conservação dessas águasimplicam em uso racional, aplicação de medidas contra a

sua poluição e manutenção do seu equilíbrio físico, quími-co e biológico em relação aos demais recursos naturais.

§ 2º. - Os órgãos estaduais competentes mante-rão serviços indispensáveis à avaliação dos recursos hídricosdo subsolo, fiscalizarão sua exploração e adotarão medi-das contra a contaminação dos aquíferos e deterioraçãodas águas subterrâneas.

§ 3º. - Para os efeitos desta Lei, considera-se po-luição qualquer alteração das propriedades físicas, quími-cas e biológicas das águas subterrâneas, que possa ocasio-nar prejuízo à saúde, à segurança e ao bem estar das popu-lações, comprometer o seu uso para fins agropecuários,industriais, comerciais e recreativos e causar danos à faunae flora naturais

Determina, ainda, que a implantação de distri-tos industriais e de grandes projetos de irrigação, co-lonização e outros, que dependam da utilização deáguas subterrâneas, deverá ser precedida de estudoshidrogeológicos para a avaliação das reservas e dopotencial dos recursos hídricos e para o correto di-mensionamento do abastecimento, sujeitos à aprova-ção pelos órgãos competentes, na forma a serestabelecida em regulamento.

O Decreto 32.955, de 7 de fevereiro de 1991,regulamentador da Lei 6.134/88, além de estabeleceros órgãos competentes para sua gestão e fiscalização,define critérios para o estabelecimento de área de pro-teção, sempre que, no interesse da conservação, pro-teção e manutenção do equilíbrio natural das águassubterrâneas, dos serviços de abastecimento de água,ou por motivos geotécnicos ou geológicos, se fizernecessário restringir a captação e o uso dessas águas.

De conformidade com a norma, cabe:• ao Departamento de Águas e Energia Elétrica

(DAEE) – a administração das águas subterrâneas doEstado, nos campos da pesquisa, captação, fiscaliza-ção, extração e acompanhamento de sua interação comáguas superficiais e com o ciclo hidrológico.

• à Companhia de Tecnologia de SaneamentoAmbiental (CETESB) – prevenir e controlar a poluiçãodas águas subterrâneas.

• à Secretaria da Saúde – a fiscalização das águassubterrâneas destinadas a consumo humano, quantoao atendimento aos padrões de potabilidade.

• ao Instituto Geológico – a execução de pes-quisa e estudos geológicos e hidrogeológicos, o con-trole e arquivo de informações dos dados geológicosdos poços, no que se refere ao desenvolvimento do

87

conhecimento dos aqüíferos e da geologia do Estado.O estabelecimento de áreas de proteção deverá

ser feito com base em estudos hidrogeológicos, ouvi-dos os municípios e demais organismos interessados.Essas áreas podem ser classificadas como:

• Área de Proteção Máxima – compreende, notodo ou em parte, zonas de recarga de aqüíferos al-tamente vulneráveis à poluição e que se constituamem depósitos de águas essenciais para abastecimentopúblico.

• Área de Restrição e Controle – caracterizadapela necessidade de disciplinar as extrações e o con-trole máximo das fontes poluidoras já implantadas e arestrição a novas atividades potencialmente poluidoras.

• Área de Proteção de Poços e Outras Capta-ções – inclui a distância mínima entre poços e outrascaptações e o respectivo perímetro de proteção.

Finalmente, determina, no artigo 18, que aságuas subterrâneas destinadas ao consumo humanodeverão atender aos padrões de potabilidade fixadosna legislação sanitária.

Tendo servido de inspiração não só para a Polí-tica Nacional de Recursos Hídricos, mas também paramuitos Estados da Federação, a Lei 7.663 de 30 dedezembro de 1991, significou uma mudança de para-digma na gestão nacional dos recursos hídricos. Pio-neira, a lei paulista traz em seu bojo as normas deorientação à Política Estadual de Recursos Hídricos, eao Sistema Integrado de Gerenciamento de RecursosHídricos.

Artigo 2º - A Política Estadual de RecursosHídricos tem por objetivo assegurar que a água, recursonatural essencial à vida, ao desenvolvimento econômico eao bem-estar social, possa ser controlada e utilizada, empadrões de qualidade satisfatórios, por seus usuários atu-ais e pelas gerações futuras, em todo território do Estadode São Paulo.

Artigo 3º - A Política Estadual de RecursosHídricos atenderá aos seguintes princípios:

I - gerenciamento descentralizado,participativo e integrado, sem dissociação dos aspectosquantitativos e qualitativos e das fases meteórica, superfi-cial e subterrânea do ciclo hidrológico;

II - a adoção da bacia hidrográfica como uni-dade físico-territorial de planejamento e gerenciamento;

III - reconhecimento do recurso hídrico como umbem público, de valor econômico, cuja utilização deve sercobrada, observados os aspectos de quantidade, quali-dade e as peculiaridades das bacias hidrográficas;

IV - rateio do custo das obras de aproveita-

mento múltiplo de interesse comum ou coletivo, entreos beneficiados;

V - combate e prevenção das causas e dos efeitosadversos da poluição, das inundações, das estiagens, daerosão do solo e do assoreamento dos corpos d’água;

VI - compensação aos municípios afetados poráreas inundadas resultantes da implantação de reserva-tórios e por restrições impostas pelas leis de proteção derecursos hídricos;

VII - compatibilização do gerenciamento dos re-cursos hídricos com o desenvolvimento regional e com aproteção do meio ambiente.

O primeiro Plano Estadual de Recursos Hídricos1994/1995 foi aprovado pela Lei 9.034, de 27 de de-zembro de 1994.

Também é importante citar o Decreto 41.258,de 31 de outubro de 1996, que regulamenta a Outor-ga de Direitos de Uso dos Recursos Hídricos e a Fisca-lização de Usos de Recursos, estabelecendo que aoutorga é o ato pelo qual o Departamento de Águas eEnergia Elétrica (DAEE) defere:

• a implantação de qualquer empreendimentoque possa demandar a utilização de recursos hídri-cos, superficiais ou subterrâneos;

• a execução de obras ou serviços que possamalterar o regime, a quantidade e a qualidade dessesmesmos recursos;

• a execução de obras para extração de águassubterrâneas;

• a derivação de água do seu curso ou depósi-to, superficial ou subterrâneo;

• o lançamento de efluentes nos corpos d’água.Pela Lei 10.020, de 3 de julho de 1998, o Poder

Executivo foi autorizado a participar da constituiçãoda Agência de Bacia.

A Lei 9.866, de 28 de novembro de 1997, quedispõe sobre diretrizes e normas para a proteção erecuperação das bacias hidrográficas dos mananciaisde interesse regional no Estado de São Paulo, vemrepresentando um marco importante na legislaçãopaulista pois, pela primeira vez, incorpora-se a recu-peração dos mananciais na gestão hídrica.

A Lei 9.509, de 20 de março de 1997, dispõesobre a Política Estadual do Meio Ambiente, seus finse mecanismos de formulação e aplicação e cria o Sis-tema Estadual de Administração da Qualidade Ambi-ental (SEAQUA), cujo objetivo é o de organizar,coordenar e integrar as ações de órgãos e entidades

88

da administração direta, indireta e fundacional insti-tuídas pelo poder público, assegurada a participaçãoda coletividade.

O SEAQUA é constituído por:• Órgão Central – a Secretaria de Estado do Meio

Ambiente (SMA), com a finalidade de planejar, coor-denar, supervisionar e controlar, como órgão estadu-al, a Política Estadual do Meio Ambiente, e as diretrizesgovernamentais fixadas para a administração da qua-lidade ambiental;

• Órgãos Executores – os instituídos pelo poderpúblico estadual com a finalidade de executar e fazerexecutar, como órgão estadual, a política e as dire-trizes governamentais fixadas para a administraçãoda qualidade ambiental;

• Órgãos Setoriais - constituídos pelos órgãosou entidades integrantes da administração estadualdireta, indireta e fundacional, cujas atividades este-jam associadas às de proteção da qualidade ambien-tal e da vida ou àqueles de disciplinamento do usodos recursos ambientais e aqueles responsáveis porcontrolar a produção, a comercialização e o empregode técnicas, métodos e substâncias que comportemrisco para a vida, e o meio ambiente;

• Órgãos Locais - representados pelos órgãosou entidades municipais, responsáveis pelo contro-le e fiscalização ambiental nas suas respectivas áre-as de atuação.

As águas nas constituições paulistas

Em sua história institucional, o Estado de São Paulo conta, até os dias de hoje, com seisConstituições, que receberam influência direta dos fatos políticos ocorridos no País.

A primeira delas foi a Constituição Política do Estado de São Paulo, de 14 de julho de 1891,calcada nos preceitos republicanos.

Após a Revolução Constitucionalista, a nova Constituição Estadual, de 9 de julho de 1935, tevevida curta, permanecendo até o advento do Estado Novo.

Com a redemocratização do País e a promulgação da Constituição Federal de 1946, a AssembléiaConstituinte do Estado de São Paulo aprovou a nova Constituição, promulgada em 9 de julho de 1947.

Com a quebra da ordem constitucional, ocorrida em 1964, o Executivo elaborou um novaConstituição, promulgada em 13 de maio de 1967, profundamente centralizadora e adequada àsnormas estabelecidas pelo regime militar.

Com o advento do Ato Institucional 5, a Assembléia Legislativa entra em recesso, e o Executivopromulga a Emenda Constitucional 2/69, de 30 de outubro, que altera significativamente o texto daConstituição de 1967.

Considerando que até então, tanto o domínio das águas como a competência de legislar sobreelas era da União, as Constituições Paulistas não fizeram qualquer referência explícita sobre aságuas.

A Emenda Constitucional 2/69, em uma das únicas referências que demonstra alguma preocu-pação com os aspectos ambientais, diz no artigo 120, que o Estado deverá preservar as suasriquezas naturais e combater a exaustão do solo, bem como proteger a fauna e a flora,criando reservas invioláveis. Determina ainda, no artigo 121, parágrafo único, a criação de umfundo destinado a fornecer, às pequenas e médias cidades do Estado, recursos financeiros paraa instalação de aparelhagem para o tratamento de esgotos e águas servidas.

89

A Constituição Estadual de 1989

Os novos ares trazidos pela democracia trouxe-ram também uma nova Constituição para São Paulo,promulgada aos 5 de outubro de 1989, e que inspira-da na Constituição Federal de 1988 adota um trata-mento inovador com relação ao meio ambiente e comrelação à gestão das águas.

O Capítulo IV, do meio ambiente, dos recursosnaturais e do saneamento, traz uma seção destinadaexclusivamente aos recursos hídricos. O artigo 205determina a implantação pelo Estado de um sistemaintegrado de gerenciamento dos recursos hídricos,do qual participariam os órgãos estaduais, munici-pais e a sociedade civil.

Art. 205 - O Estado instituirá, por lei, sistemaintegrado de gerenciamento dos recursos hídricos, con-gregando órgãos estaduais e municipais e a sociedade ci-vil, e assegurará meios financeiros e institucionais para:

I - a utilização racional das águas superficiais esubterrâneas e sua prioridade para abastecimento às po-pulações;

II - o aproveitamento múltiplo dos recursoshídricos e o rateio dos custos das respectivas obras, na for-ma da lei;

III - a proteção das águas contra ações que pos-sam comprometer o seu uso atual e futuro;

IV - a defesa contra eventos críticos, que ofere-çam riscos à saúde e segurança públicas e prejuízos econô-micos ou sociais;

V - a celebração de convênios com os Municípios,para a gestão, por estes, das águas de interesse exclusiva-mente local;

VI - a gestão descentralizada, participativa e in-tegrada em relação aos demais recursos naturais e às pe-culiaridades da respectiva bacia hidrográfica;

VII - o desenvolvimento do transporte hidroviárioe seu aproveitamento econômico.

Implantado pela Lei 7.663/91 o Sistema Inte-grado de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SIGRH),traz como fundamentos básicos:

• descentralização – na medida em que o pla-nejamento e o gerenciamento do Sistema é realizadopor meio das 22 bacias hidrográficas definidas comounidades de gerenciamento .

• participação – garantida pela representação pa-ritária entre o Estado, os Municípios e a Sociedade Civil;

• integração – realizada por meio da gestão in-tegrada das águas subterrâneas e superficiais, consi-derando os aspectos de quantidade e a qualidade, com

a participação dos usuários, do poder público e dasentidades civis.

O Sistema está calcado em um tripé, represen-tado pelos conselhos e comitês, pelo fundo e pelosplanos de bacia.

Também as águas subterrâneas mereceram espe-cial atenção do texto constitucional.

Art. 206 - As águas subterrâneas, reservas estra-tégicas para o desenvolvimento econômico-social e valio-sas para o suprimento de água às populações, deverão terprograma permanente de conservação e proteção contrapoluição e superexplotação, com diretrizes em lei.

O texto constitucional, além de proibir qual-quer lançamento de efluentes e esgotos urbanos e in-dustriais sem o devido tratamento, em qualquer corpod’água, determina a adoção de medidas para o con-trole da erosão, e o estabelecimento de normas deconservação do solo em áreas agrícolas e urbanas.

Os municípios são incentivados a adotar medi-das de proteção e conservação dos recursos hídricos,com a colaboração do Estado conforme estabelecidono artigo 210 do texto constitucional.

Art. 210 - Para proteger e conservar as águas eprevenir seus efeitos adversos, o Estado incentivará a ado-ção, pelos Municípios, de medidas no sentido:

I - da instituição de áreas de preservação daságuas utilizáveis para abastecimento às populações e daimplantação, conservação e recuperação de matasciliares;

II - do zoneamento de áreas inundáveis, com res-trições a usos incompatíveis nas sujeitas a inundações fre-qüentes e da manutenção da capacidade de infiltração dosolo;

III - da implantação de sistemas de alerta e defe-sa civil, para garantir a segurança e a saúde públicas,quando de eventos hidrológicos indesejáveis;

IV - do condicionamento, à aprovação préviapor organismos estaduais de controle ambiental e de ges-tão de recursos hídricos, na forma da lei, dos atos de ou-torga de direitos que possam influir na qualidade ou quan-tidade das águas superficiais e subterrâneas;

V - da instituição de programas permanentes deracionalização do uso das águas destinadas ao abasteci-mento público e industrial e à irrigação, assim como decombate às inundações e à erosão.

Parágrafo único - A lei estabelecerá incentivospara os Municípios que aplicarem, prioritariamente, oproduto da participação no resultado da exploração dospotenciais energéticos em seu território, ou da compensa-ção financeira, nas ações previstas neste artigo e no trata-mento de águas residuárias.

90

Posteriormente o assunto foi abordado pela Lei6.134, de 2 de junho de 1988, que dispôs sobre apreservação dos depósitos naturais de águas subter-râneas do Estado de São Paulo, e pelo Decreto 32.955,de 7 de fevereiro de 1991, que a regulamentou.

O artigo 211 trata da cobrança pelo uso da água,cuja regulamentação deverá dar-se com a aprovaçãodo Projeto de Lei 676, de 2000, que estabelece pro-cedimentos relativos aos limites e condicionantesdessa cobrança, bem como dos critérios gerais e dasbases de cálculo para a fixação dos valores a seremcobrados, e, correlatamente, das sanções aplicáveisno caso de não pagamento.

Art. 211 - Para garantir as ações previstas no ar-tigo 205, a utilização dos recursos hídricos será cobradasegundo as peculiaridades de cada bacia hidrográfica, naforma da lei, e o produto aplicado nos serviços e obras re-feridos no inciso I, do parágrafo único, deste artigo.

Parágrafo único - O produto da participação doEstado no resultado da exploração de potenciaishidroenergéticos em seu território, ou da compensaçãofinanceira, será aplicado, prioritariamente:

I - em serviços e obras hidráulicas e de sanea-mento de interesse comum, previstos nos planos estaduaisde recursos hídricos e de saneamento básico;

II - na compensação, na forma da lei, aos Muni-cípios afetados por inundações decorrentes de reservató-rios de água implantados pelo Estado, ou que tenham res-trições ao seu desenvolvimento em razão de leis de prote-ção de mananciais.

A Constituição estabelece, ainda, a necessidadede se levar em conta os usos múltiplos e o controledas águas, a drenagem, a correta utilização das vár-zeas, a flora e a fauna aquáticas e a preservação domeio ambiente quando da exploração dos serviços einstalações de energia elétrica, e do aproveitamentoenergético dos cursos d’água.

Finalmente, prevê a obrigatoriedade de que aproteção da quantidade e da qualidade das águas sejaconsiderada na elaboração de normas legais relativasa florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natu-reza, defesa do solo e demais recursos naturais, e meioambiente.

A evolução da legislação de proteção aos mananciaisda Região Metropolitana de São Paulo

As primeiras leis direcionadas à proteção dos mananciais foram inspiradas no Plano Metropo-litano de Desenvolvimento Integrado (PMDI), que estabeleceu diretrizes para a Região Metropolita-na de São Paulo. Foram promulgadas duas leis: a 898/75 que disciplina o uso e ocupação do solo,e a 1.172/76 que define as áreas de proteção e estabelece um zoneamento, objetivando um cenáriodesejável para a garantia de sua proteção. A Lei 898/75 define as bacias que deverão ser protegidase estabelece zonas de uso, com faixas ou áreas de maior ou menor restrição.

As faixas ou áreas de maior restrição ou de primeira categoria, abrangiam, inclusive, o corpod’água, enquanto as demais, de segunda categoria, foram classificadas em ordem decrescente derestrição.

Cada uma das zonas tem estabelecidos pela Lei os usos permitidos, os índices urbanísticos e oscritérios para a implantação do sistema público de abastecimentos de água, esgoto e resíduos sóli-

dos.

91

A lei 9.866 de 28 de novembro de 1997

Com o decorrer do tempo, verificou-se a neces-sidade de rever essa legislação, especialmente pelaconstatação de que a ocupação das bacias se apresen-tava diferente dos cenários previstos, criando sériasirregularidades. Constatou-se também que era neces-sário ampliar os limites da base territorial da Lei,visto que grande parte dos mananciais responsáveispelo abastecimento da Região Metropolitana se en-contravam fora de seus limites.

Outro fator importante que direcionou a alte-ração dessa legislação foi a mudança do quadro jurí-dico institucional, decorrente não só dos preceitostrazidos pela Constituição de 1988, como da implan-tação da Política Nacional de Recursos Hídricos, quepossui características totalmente distintas daquela le-gislação promulgada em uma época em que a gestãoambiental incorporava os ares autoritários do regimeentão vigente, sem maior preocupação com a partici-pação da sociedade no seu gerenciamento.

Inúmeras foram as tentativas de alterar essa le-gislação, em decorrência principalmente da grandepressão originada dos assentamentos irregulares, quefaziam com que a mancha urbana se expandisse deforma significativa, ameaçando cada vez mais a qua-lidade dos mananciais de abastecimento da popula-ção. Essas tentativas se deram por meio de comissõesreiteradamente formadas pelo poder público, mas queacabavam direcionando a solução para uma anistiaque propunha a ampliação das áreas de menor restri-ção, sem, entretanto, oferecer soluções que pudes-sem quebrar o círculo vicioso das ocupaçõespredatórias.

O PL 150 foi fruto do trabalho de uma Comissãoinstituída pelo Decreto 40.225/95, com o objetivode fazer a revisão da legislação em vigor e propornovos instrumentos legais para a proteção dos ma-nanciais, instituindo um modelo de gestão compatí-vel com a garantia da qualidade e quantidade da águapara abastecimento público, e um programa de açãogovernamental que propiciasse a recuperação da qua-lidade ambiental das áreas de mananciais. Sua reali-zação significou um dos mais democráticos processosde discussão para a elaboração de uma lei procuran-do envolver todos os setores da sociedade na buscade soluções.

A Lei 9.866/97, que estabelece diretrizes e nor-mas para a proteção e recuperação dos mananciais deinteresse regional do Estado de São Paulo, adota so-luções novas para equacionar os problemas e suas prin-cipais causas já diagnosticadas, como as que seseguem:

• vincula a proteção dos mananciais ao SistemaEstadual de Recursos Hídricos, agregando novos ins-trumentos, especialmente aqueles relativos ao disci-plinamento do uso e ocupação do solo, passando agestão da água a ser efetuada de forma integrada coma gestão do solo;

• adota a bacia hidrográfica como unidade deplanejamento e gestão, abandonando a gestão pormeio do desenho territorial administrativo, para con-siderar a realidade hídrica como prioridade;

• propõe a criação de Áreas de Proteção e Recu-peração de Mananciais (APRMs) que se consubstanci-arão nessa unidade de planejamento e que deverãoser desenhadas levando-se em consideração a necessi-dade de proteção e de recuperação.

• cria Áreas de Intervenção, deixando de lado aforma tradicional de zoneamento que estabelecia umcenário estático para propor tipos diferenciados deintervenção que passam pelas áreas de restrição à ocupa-ção que indicam as áreas a ser preservadas; pelas áreasde ocupação dirigida que representam aquelas de inte-resse para a consolidação ou a implantação de usosrurais ou urbanos; e pelas áreas de recuperação ambientalque representam as áreas cujos usos atuais vinhamcomprometendo a qualidade e a disponibilidade hí-drica dos mananciais;

• propõe uma série de instrumentos de gestão,como o Plano de Desenvolvimento e Proteção Ambi-ental (PDPA), suporte financeiro, controle e monito-ramento da qualidade ambiental, infrações epenalidades, entre outros;

• vincula a gestão dos mananciais ao SistemaIntegrado de Gerenciamento dos Recursos Hídricos,como forma de garantir a aplicação dos princípios bá-sicos da gestão moderna, descentralizada, participati-va;

• finalmente, direciona para a necessidade dapromulgação de lei específica para cada APRM, ado-tadas as diretrizes trazidas pela Lei Geral.

A eficiência dessa nova política de proteção aosmananciais só poderá ser realmente testada após sua

92

implantação. De qualquer forma, ela se apresenta comoa possibilidade de um caminho novo, para que se possagarantir às gerações futuras um ambiente condizentecom a dignidade humana.

O Plano Emergencial de Recuperaçãodos Mananciais da RMSP

A promulgação da Lei 9.866/97 representou umavanço de fundamental importância na Política Am-biental do Estado, possibilitando a realização imedi-ata de obras emergenciais para a recuperação dosmananciais por meio do Plano Emergencial de Recu-peração dos Mananciais da Região Metropolitana deSão Paulo. Elaborado de acordo com os critérios es-tabelecidos pelo Decreto Estadual 43.022, de 7 deabril de 1998, fundamenta-se no fato de que a ocupa-ção urbana expandiu-se de forma descontrolada, eque a ausência de infra-estrutura urbana vem consti-tuindo significativo dano ambiental.

O artigo 1°. do mesmo Decreto define as obrasconsideradas emergenciais e prevê que as demais açõesnecessárias à recuperação dos mananciais não con-templadas no Plano Emergencial deverão constar dosPlanos de Desenvolvimento e Proteção Ambiental decada Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais(APRM).

Art. 1º - O Plano Emergencial de Recuperação dosMananciais da Região Metropolitana de São Paulo de quetrata o artigo 47 da Lei n°. 9866, de 28 de novembro de1997, será elaborado na conformidade do disposto nestedecreto, em articulação com os Municípios.

§ 1º - O Plano Emergencial de Recuperação dosMananciais da Região Metropolitana de São Paulo con-templará as ações e obras emergenciais consideradas ne-cessárias nas hipóteses em que as condições ambientais esanitárias apresentem riscos à vida e à saúde pública oucomprometam a utilização dos mananciais para fins deabastecimento.

§ 2º - Consideram-se obras emergenciais as ne-cessárias ao abastecimento de água, esgotamento e tra-tamento sanitário de efluentes, drenagem de águas pluvi-ais, contenção de erosão, estabilização de taludes, forne-cimento de energia elétrica, prevenção e controle da po-luição das águas e revegetação.

§ 3º - As demais ações necessárias à recuperaçãodos mananciais, que não puderem ser contempladas noPlano Emergencial, deverão ser remetidas aos respectivosPDPAs - Plano de Desenvolvimento e Proteção Ambientalde cada Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais -APRMs conforme o previsto no artigo 31, da Lei n°. 9866,de 28 de novembro de 1997.

As leis específicas para as áreasde proteção e recuperação dosmananciais

A primeira lei específica encaminhada à Assem-bléia Legislativa, o Projeto de Lei 85, de 2004, decla-ra a Bacia Hidrográfica do Guarapiranga comomanancial de interesse regional para o abastecimen-to público e cria a Área de Proteção e Recuperaçãodos Mananciais da Bacia Hidrográfica do Guarapiran-ga (APRM-G) .

A proposta consubstancia o resultado de estu-dos desenvolvidos pela Secretaria de Energia, Recur-sos Hídricos e Saneamento e pela Secretaria do MeioAmbiente, e de amplo debate realizado pelo Subco-mitê Cotia / Guarapiranga, com a participação de re-presentantes da sociedade civil e dos órgãos técnicosestaduais e municipais. Foi, ainda, aprovada e homo-logada pela Deliberação 34, de 15 de janeiro de 2002,do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CRH) epelo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema).

A Lei 9.866/97 determina que para cada APRMdeve ser elaborada uma lei estadual que contemple:áreas de intervenção; metas de qualidade ambiental;normas para implantação de infra-estrutura de sane-amento ambiental; mecanismos de compensação;monitoramento da qualidade ambiental – sistemagerencial de informações; licenciamento, fiscalizaçãoe penalidades.

As Áreas de Intervenção destinam-se a orientara implantação de políticas públicas direcionadas àproteção, recuperação e preservação dos mananciais,garantidas as especificidades de cada APRM. A Lei prevêtrês tipos de Áreas de Intervenção:

• Áreas de Restrição à Ocupação (ARO), são aque-las com especial interesse para a preservação, conser-vação e recuperação dos recursos naturais da bacia.

• Áreas de Ocupação Dirigida (AOD), são as deinteresse para a consolidação ou implantação de usosurbanos e rurais, desde que atendidos os requisitosque assegurem a manutenção das condições ambien-tais necessárias à produção de água em quantidade equalidade para o abastecimento público.

• Áreas de Recuperação Ambiental (ARA), sãoas ocorrências localizadas de usos e ocupações queestejam comprometendo a quantidade e a qualidadedas águas, exigindo intervenções urgentes de carátercorretivo.

93

Estudos promovidos pelo Programa Guarapirangaevidenciaram que o maior problema do ReservatórioGuarapiranga é a carga poluidora decorrente dos esgo-tos não tratados, que, correndo a céu aberto, chegam àrepresa. Com o intuito de diminuir a carga poluidora eflexibilizar os padrões de ocupação, a Lei Específica doGuarapiranga determina para cada município que per-tence à bacia uma carga máxima a ser mantida.

A meta de qualidade da água estabelecida noprojeto de lei prevê uma redução da carga poluidorapara 147 kg/dia de fósforo total, a ser alcançada noano de 2015. Considerando que a carga atual é de 360kg/dia, a proposta é bastante restritiva mas, por ou-tro lado, possibilita que os municípios organizem ouso do solo dentro de padrões referenciais estabeleci-dos, uma vez que a Lei correlaciona a qualidade comos usos, a ocupação e o manejo do solo da bacia.

Para cada Município foi estabelecida uma CargaMeta Referencial, conforme o artigo 8°. do Projeto deLei 85/04.

Artigo 8º - Ficam estabelecidas, como limite parao planejamento de uso e ocupação do solo municipal, asseguintes Cargas Meta Referenciais:

I - Município de Cotia - 1,7 kg/dia de Fósforo Total;II - Município de Embu - 15,8 kg/dia de Fósforo

Total;III - Município de Embu-Guaçu - 33,9 kg/dia de

Fósforo Total;IV - Município de Itapecerica da Serra - 60,5kg/

dia de Fósforo Total;V - Município de Juquitiba - 0,4 kg/dia de Fósforo

Total;VI - Município de São Lourenço da Serra - 1,2 kg/

dia de Fósforo Total;VII - Município de São Paulo - 106,2 kg/dia de

Fósforo Total.Parágrafo único - As cargas poluidoras afluentes

aos cursos d’água à data da publicação desta lei, corres-pondentes a cada uma das 130 (cento e trinta) sub-baciasem que está subdividida a Bacia Hidrográfica doGuarapiranga e agregadas por Município, são as constan-tes do Plano de Desenvolvimento e Proteção Ambiental(PDPA).

A redução das cargas poluidoras afluentes aoReservatório Guarapiranga será atingida mediante açãopública coordenada, considerando ações prioritáriasaquelas que se relacionam ao disciplinamento e aocontrole do uso e ocupação do solo; ao desenvolvi-mento de ações de prevenção e recuperação urbana eambiental; à instalação e à operação de infra-estrutu-ra de saneamento ambiental; à instalação nos corpos

hídricos receptores de estruturas destinadas à redu-ção da poluição; e, finalmente, à ampliação das áreasespecialmente protegidas, ou dedicadas, especifica-mente, à produção de água.

A Lei prevê a implantação de uma infra-estru-tura de saneamento ambiental não só no que diz res-peito aos efluentes líquidos, mas também quanto aosresíduos sólidos e às águas pluviais, para o controlede cargas difusas.

Quanto aos efluentes líquidos, o artigo 47 doProjeto de Lei 85 propõe:

Artigo 47 - Na APRM-G, a implantação e a gestãode sistema de esgotos deverão atender às seguintes diretri-zes:

I - extensão da cobertura de atendimento do sis-tema de coleta, tratamento ou exportação de esgotos;

II - complementação do sistema principal e darede coletora;

III - promoção da eficiência e melhoria das con-dições operacionais dos sistemas implantados;

IV - ampliação das ligações das instalações do-miciliares aos sistemas de esgotamento;

V - controle dos sistemas individuais de disposi-ção de esgotos, por fossas sépticas, com vistoria e limpezaperiódicas e remoção dos resíduos para lançamento nasestações de tratamento de esgotos ou no sistema de expor-tação de esgotos existentes;

VI - implantação de dispositivos de proteção doscorpos d’água contra extravasamentos dos sistemas debombeamento dos esgotos.

Também os resíduos sólidos deverão merecer tra-tamento especial em conformidade com o artigo 50do Projeto.

Artigo 50 - A implantação de sistema coletivo detratamento e disposição de resíduos sólidos domésticos naAPRM-G será permitida, desde que:

I - seja comprovada a inviabilidade econômicaou de localização para implantação em áreas fora da APRM-G;

II - sejam adotados sistemas de coleta, trata-mento e disposição final cujos projetos atendam às nor-mas existentes na legislação;

III - sejam implantados programas integradosde gestão de resíduos sólidos que incluam, entre outros, aminimização dos resíduos, a coleta seletiva e a reciclagem,com definição de metas quantitativas.

Parágrafo único - Fica vedada, na APRM-G, a dis-posição de resíduos sólidos domésticos provenientes defora desta área, excetuada a disposição em aterro sanitá-rio municipal já instalado até a data de publicação destalei, desde que sua regularização seja promovida pelo Po-der Público e observado o limite de sua vida útil.

94

O gerenciamento das águas pluviais e o contro-le de cargas difusas deverão ser feitos de acordo como artigo 53:

Artigo 53 - Na APRM-G, serão adotadas medidasdestinadas à redução dos efeitos da carga poluidoradifusa, transportada pelas águas pluviais afluentes aoscorpos receptores, compreendendo:

I - detecção de ligações clandestinas de esgotodomiciliar e efluentes industriais na rede coletora de águaspluviais;

II - adoção de técnicas e rotinas de limpeza emanutenção do sistema de drenagem de águas pluviais;

III - adoção de medidas de controle e redução deprocessos erosivos, por empreendedores privados e públi-cos, nas obras que exijam movimentação de terra, de acor-do com projeto técnico aprovado;

IV - adoção de medidas de contenção de vazõesde drenagem e de redução e controle de cargas difusas,por empreendedores públicos e privados, de acordo comprojeto técnico aprovado;

V - utilização de práticas de manejo agrícola ade-quadas, priorizando a agricultura orgânica, o plantio di-reto e a proibição do uso de biocidas;

VI - intervenções diretas em trechos de várzeasde rios e na foz de tributários do ReservatórioGuarapiranga, destinadas à redução de cargas afluentes;

VII - adoção de programas de redução egerenciamento de riscos, bem como de sistemas de respos-tas a acidentes ambientais relacionados ao transporte decargas perigosas;

VIII - ações permanentes de educação ambientaldirecionadas à informação e à sensibilização de todos osenvolvidos na recuperação e manutenção da qualidadeambiental da APRM-G.

A Lei possibilitará, ainda, a regularização dosparcelamentos do solo, empreendimentos, edificaçõese atividades irregularmente instalados até 10 de ou-tubro de 2001, data da vigência da Lei Federal 10.257,de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade). Paraque essa regularização seja possível, deverão ser cum-pridas algumas exigências, como se depreende da lei-tura do artigo 66.

Artigo 66 - A regularização dos parcelamentosdo solo, de empreendimentos, de edificações e de ativida-des na APRM-G fica condicionada ao atendimento das dis-posições definidas no Capítulo VI desta lei, garantida:

I - a comprovação da efetiva ligação do imóvelà rede pública de esgoto sanitário onde esta for exigida;

II - a compensação dos parâmetros urbanísticosbásicos exigidos nesta lei, ou na legislação municipal com-patível, nas situações em que eles não estiverem atendi-dos, excetuadas as ações compreendidas nos Programasde Recuperação de Interesse Social - PRIS.

Parágrafo único - A compensação de que tratao inciso II deste artigo deverá obedecer às disposições cons-tantes da Seção III deste Capítulo.

A compensação para a regularização e o licen-ciamento do uso e ocupação do solo em desconformi-dade com os parâmetros e normas estabelecidos naLei Especifica, ou nas legislações municipais compa-tibilizadas com ela, deverá ser efetivada por meio demedidas de natureza urbanística, sanitária ou ambi-ental consentâneas com as propostas e medidas decompensação aprovadas pelo órgão competente parao licenciamento de empreendimentos, usos e ativida-des na APRM-G.

Nas áreas objeto de Programas de Recuperaçãode Interesse Social (PRIS), não haverá exigência decompensação ambiental para a regularização.

O Sistema Gerencial de Informações que deveráser implantado visa caracterizar e avaliar a qualidadeambiental da Bacia, além de subsidiar as decisões de-correntes das disposições da Lei.

A Lei Específica do Guarapiranga é inovadora àmedida que vincula o ordenamento do solo não maisa um modelo engessado em tamanhos de lote ou den-sidade populacional, mas, sim, à capacidade de su-porte da bacia, estabelecendo a co-responsabilidadedo Estado, dos Municípios e da Sociedade Civil na fis-calização e controle desses mananciais, e resgatando,acima de tudo, o planejamento como forma de indu-zir a ocupação de maneira adequada à manutenção daqualidade da água.

95

Referências

ACSERALD, H. Políticas ambientais e construção de-mocrática. In: VIANA, G.; SILVA, M. e DINIZ, N. (org.). Odesafio da sustentabilidade: um debate socioambien-tal no Brasil. São Paulo : Editora Fundação PerseuAbramo, 2001.

ANA - Agência Nacional de Águas. Regiões hi-drográficas do Brasil. Brasília : ANA, 2002.

———————. A evolução da gestão dos re-cursos hídricos no Brasil. Brasília : ANA, 2002.

ASSIS, R.B. O Fundo Estadual de Recursos Hídricos:novo paradigma para a atuação de Comitês de Bacias noEstado de São Paulo. In: THAME, A.C. (org.). Comitêsde bacias hidrográficas: uma revolução conceitual.São Paulo : IQUAL Editora, 2002.

ASSUNÇÃO, F.N.A. e BURSZTYN. M.A. As políticasdas águas no Brasil. III Encuentro de las aguas: Agua,vida y desarrollo. Santiago, Chile, 2001. http://www.aguabolivia.org/ situacionaguaX/IIIEncAguas/indez__aguas.htm , acesso em mar/2004.

AZEVEDO NETTO, J.M. Cronologia do abastecimen-to de água. São Paulo, Revista DAE, v. 44, n. 137,jun/1984.

———————. Cronologia dos serviços de esgo-tos, com especial menção ao Brasil. São Paulo, RevistaDAE, n. 33, abr/1953.

BARLOW, M. e CLARKE, T. Ouro azul. São Paulo :M. Books, 2003.

BARTH, F. T. O modelo de gestão de recursos hídricosno Estado de São Paulo. In: THAME, A.C. (org.) Comitêsde bacias hidrográficas: uma revolução conceitual.São Paulo : IQUAL Editora, 2002.

BRASIL, SENADO FEDERAL. Constituição da Re-pública Federativa do Brasil: quadro comparativo. Bra-sília : Subsecretaria de edições técnicas, 1996

BRASIL, SENADO FEDERAL. Direito administrati-vo: tema água. Brasília : Senado Federal, 1997.

BREGA FILHO, D. e MANCUSO, P.C.S. Conceito dereúso da água. In: MANCUSO, P.C.S. e SANTOS, H.F. dos.Reúso de água. Barueri : Manole, 2003.

CAMARGO, A.; CAPOBIANCO, J.P.R.; OLIVEIRA, J.A.P. Meio ambiente Brasil: avanços e obstáculos pós-Rio92. São Paulo : Estação Liberdade/Instituto Socioam-biental; Rio de Janeiro : Fundação Getúlio Vargas, 2002.

CEPAL/WORLD WATER ASSESSMENT PROGRAMME.Água para todos. Água para la vida. Informe de lasNaciones Unidas sobre el desarrolo de los recursoshídricos en el mundo. Disponível em http://www.eclac.cl., acesso em mar/2004.

CNMAD. Agenda 21. Conferência das Nações Uni-das sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. São Paulo: Secretaria de Estado do Meio Ambiente, 1997.

CORDEIRO, O.; HESPANHOL, I.; TUCCI, C.E.M.Relatório nacional sobre o gerenciamento da água noBrasil. Brasília : MMA, 2000.

COSTA, A.M. Análise histórica do saneamento noBrasil.. Rio de Janeiro : Fundação Oswaldo Cruz, 1994.(dissertação de mestrado).

DEAN, W. A ferro e fogo: a história e a devasta-ção da mata atlântica brasileira. São Paulo : Compa-nhia das Letras, 1996.

FREITAS, M.A,V. Introdução ao gerenciamentode recursos hídricos. Brasília : Agência Nacional deEnergia Elétrica/Agência Nacional de Águas, 2001.

FUNDAP. Projeto Sistema Integrado de Gerenci-amento de Recursos Hídricos: a experiência dos Co-mitês de Bacias Hidrográficas. Relatório final. SãoPaulo : FUNDAP, 2002.

GIODA, A. Breve historia del agua. Disponívelem www.unesco.org.uy/phi/libros/ histagua/tapa.html. Acesso em mar/2004.

GOLDENSTEIN, S. A cobrança como um instrumentode gestão ambiental. In: THAME, A.C.M.(org.). A Co-brança pelo uso da água. São Paulo : IQUAL 2000.

JORGE, J. Rios e várzeas na urbanização de SãoPaulo 1890 - 1940. São Paulo, Revista Histórica, Ar-quivo do Estado de São Paulo e Imprensa Oficial doEstado, n. 11, jun/jul/ago 2003.

LANNA, A.E. Gestão das águas. Disponível emwww.ufrgs.br/iph/4.pdf. Acesso em mar/2004.

LITTLE, P.E. (org.). Políticas ambientais no Bra-sil: análises, instrumentos e experiências. São Paulo :Peirópolis; Brasília : IIEB, 2003.

MACHADO, C.J.S. (coord.). Gestão das águas. SãoPaulo, Revista da Sociedade Brasileira para o Progressoda Ciência, Ano 55, n. 4, out/nov/dez/2003.

MARCONDES, M.J.A. Cidade e natureza: proteçãodos mananciais e exclusão social. São Paulo : StudioNovel/Editora Universidade de São Paulo/Fapesp,1999.

MARTINS, C. E. Uma estratégia para a politiza-ção da questão dos recursos hídricos. São Paulo, Re-vista Águas e Energia Elétrica, n. 12, 1987.

MONOSOWSKI. E. Políticas ambientais e desen-volvimento no Brasil. São Paulo, Cadernos Fundap:Planejamento e gerenciamento ambiental, n. 16, 1989.

NEDER, R.T. Crise socioambiental: estado e soci-edade civil no Brasil (1982-1998). São Paulo : Anna-blume/Fapesp, 2002

NOVAES, R.C. e JACOBI, P.R. Comitês de bacia,capital social e eficiência institucional: reflexões pre-liminares sobre influências recíprocas. São Paulo, As-sociação Nacional de Pós Graduação e PesquisaemAmbiente e Sociedade/I Encontro Anual. Disponí-vel em www.anppas.org.br/gt/recursos_hidricos,acessado em mar/2004.

96

NUCCI, N.L.R., COSTA E SILVA, R.J., ARAÚJO, J.L.Proteção de mananciais da região metropolitana deSão Paulo. O desafio metropolitano. São Paulo : EM-PLASA, 1976.

OLIVEIRA, E.M. Processos decisórios e conflitosde interesse na construção das políticas de água naGrande São Paulo. São Paulo : USP/Programa de PósGraduação em Ciência Ambiental, 1995. (dissertaçãode mestrado).

PÁDUA, J. A. Um sopro de destruição: pensa-mento político e crítica ambiental no Brasil escravis-ta, 1786-1888. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor,2002.

PORTO, M. Participação da ABRH no modelo Nacio-nal de gestão de recursos hídricos. In: THAME, A.C. (org.).Comitês de bacias hidrográficas: uma revolução con-ceitual. São Paulo : IQUAL Editora, 2002.

REBOUÇAS, A. C. A sede zero. In: MACHADO,C.J.S. (coord.). São Paulo, Revista da Sociedade Bra-sileira para o Progresso da Ciência/ Gestão das águas,Ano 55, n. 4, out/nov/dez/2003.

———————. O ambiente brasileiro: 500 anosde exploração. Os recursos hídricos. In: RIBEIRO. W.C.(org.). Patrimônio ambiental brasileiro. São Paulo:Edusp/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2003.

ROCHA, A.A. Fatos históricos do saneamento.São Paulo : Scortecci, 1997.

ROSEN, G. Uma história da saúde pública. São Paulo: Hucitec/Editora UNESP; Rio de Janeiro : AssociaçãoBrasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, 1994.

SABESP - Secretaria de Recursos Hídricos, Sa-neamento e Obras. Águas de São Paulo: passado e pre-sente. São Paulo, Revista Ligação, set/out 2000.(encarte especial).

SÃO PAULO. IMPRESA OFICIAL DO ESTADO. Consti-tuição do estado de São Paulo. São Paulo : IMESP, 1989.

SÃO PAULO. SECRETARIA DE RECURSOS HÍDRICOS,SANEAMENTO E OBRAS. Departamento de Águas e Ener-gia Elétrica. Relatório de situação dos recursos hí-dricos do Estado de São Paulo. São Paulo :Departamento de Águas e Energia Elétrica, 1999.

SÃO PAULO. SECRETARIA DE RECURSOS HÍDRICOS,SANEAMENTO E OBRAS. Departamento de Águas e Ener-gia Elétrica. Legislação de Recursos Hídricos: conso-lidação, São Paulo : DAEE, 2002.

SÃO PAULO. SECRETARIA DE ESTADO DO MEIOAMBIENTE. Uma nova política de mananciais: lei esta-dual n° 9.866/97.São Paulo : SMA, 1997.

SENA,L. A evolução da legislação de águas: davisão exploratória ao planejamento. São Paulo. Ges-tão ambiental - o meio ambiente como bom negó-cio. Ano I, n° 0, julho/agosto/2001.

_______________Direito, direito administra-tivo, direito ambiental e direito das águas. Brasília: Associação Brasileira de Educação Agrícola Supe-rior/Universidade Federal da Paraíba, 1999.

SETTI, A. A. A necessidade do uso sustentáveldos recursos hídricos. Brasília : Edição IBAMA, 1996.

———————. Diagnóstico sobre a situaçãodos mananciais. Brasília : MMA/Programa Nacionalde Meio Ambiente, 1998.

SILVA, E.R. O curso da água na história: simbo-logia, moralidade e a gestão de recursos hídricos.Rio de Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz/Escola Naci-onal de Saúde Pública, RJ, 1998. (tese de doutora-mento).

SOUZA, E.E. História da Light: primeiros 50anos. São Paulo : Departamento de Patrimônio His-tórico/Eletropaulo, 1989. 2ª ed.

THAME, A..C. M.(org.). Comitê de bacias hi-drográficas: uma revolução conceitual. São Paulo :IQUAL Editora, 2002.

TUNDIZI. J.G. Água no século XXI: enfrentandoa escassez. São Carlos : RiMa Editora, 2003.

VARGAS, M.C. O gerenciamento integrado dos re-cursos hídricos como problema socioambiental. Ambien-te & Sociedade, Ano II, n° 5, 2° sem./1999.

VICTORINO, V.I.P. Gestão de águas e democra-cia participativa: uma longa trajetória sócio-políti-ca. São Paulo, Associação Nacional de Pós Graduaçãoe Pesquisa em Ambiente e Sociedade/I EncontroAnual. Disponível em www.anppas.org.br/gt/recursos_hidricos, acessado em mar/2004.

———————. Luz e poder na dramática con-quista do meio natural: a privatização dos rios pau-listanos e a reflexividade sócio-ambiental. São Paulo,USP/ Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Hu-manas, 2002a. (tese de doutoramento).

———————. Uma visão histórica dos recur-sos hídricos na cidade de São Paulo. São Paulo, RevistaBrasileira de Recursos Hídricos. vol.7, n. 1, jan/mar2002.

VILLIERS, M. Água: como o uso deste preciosorecurso natural poderá acarretar a mais séria crisedo século XXI. Rio de Janeiro : Ediouro, 2002.

Este livro foi composto no Centro de Editoração da Secretaria de Estado do Meio Ambiente no outono de 2004.